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Pé diabético

Do minuto 0 aos 30 minutos – Israel Cavalcante Nunes

O pé diabético é uma entidade que tem se tornado um problema de saúde pública e que vocês com
certeza alguma hora vão se deparar ou no consultório, ou na emergência, ou em casa, porque a
quantidade de diabéticos na população vem crescendo assustadoramente. Tem cidades, como o Rio
de Janeiro, do nosso amigo Farias, em que 13% da população é diabética, e essa estatística cada vez
mais cresce. Antigamente não havia tantos casos de diabetes porque se morria mais cedo, por
complicações da doença, mas depois a prevalência começou a crescer, as pessoas passaram a conviver
com o diabetes.

Quando a gente fala em pé diabético, a gente tem que fazer uma informação importante: até agora,
nas aulas que a gente viu, falamos sobre as macroangiopatias, que ocorrem em vasos de médio e
grosso calibre. A gente não falou sobre a microangiopatia, que é uma doença dos capilares. A
macroangiopatia é uma doença vascular das artérias de grosso e médio calibre, é uma doença
aterosclerótica; a microangiopatia, não. A microangiopatia vem colada com um combo: o diabetes ja
vai colado com microangiopatia. Ou seja, todo diabético tem microangiopatia, mas nem todo
diabético tem a macroangiopatia. Tem diabetico que nao é hipertenso, nao fuma, nao é gordo, nao é
sedentário e dificilmente forma uma macroangiopatia importante. Mas a microangiopatia,
independente de tudo, vem junto com a doença.

Todas as complicações do diabetes têm relação com a microangiopatia, inclusive o pé diabético. Aí eu


pergunto, Farias, o que é a microangiopatia diabética?

A microangiopatia não tem placa, calcificação, deposito de plaquetas, depósito de gorduras, é um


espessamento dos pequenos vasos. Só que esse espessamento dos capilares arteriais, que são do
tamanho de um fio de cabelo, dificulta a nutrição dos tecidos, dificulta a defesa dos tecidos e altera a
função dos tecidos. Então, ao começar a conversar sobre pé diabético, temos que ter isso na cabeça:
existe uma macroangiopatia, que pode ou não estar presente, e uma microangiopatia que sempre
está presente, caracterizada pelo espessamento de pequenos vasos, algo próprio do diabetes.

Então, por exemplo, vocês falaram da retinopatia, que nada mais é do que o espessamento de vasos
na retina, e isso causa um prejuízo visual. Neuropatia é o espessamento dos capilares que nutrem os
nervos, causando perda da função, ou motora ou sensível. Nefropatia, espessamento dos capilares
que nutrem os néfrons, causando perda de função dessas estruturas. Miocardiopatia é o
espessamento dos vasos que nutrem o músculo cardíaco. Então microangiopatia, repetindo, está
colada no diabetes.

No pé diabético, especificamente, é exatamente isso que é o mais grave, por quê? Porque quando a
gente fala de pé diabético, nos referimos a uma entidade, não uma doença específica. Então o pé
diabético, na realidade, são alterações no pé de um diabético, dos pontos de vista neurológico,
ortopédico, circulatório, metabólico, vascular e infeccioso. São várias alterações as quais nos
referimos como uma entidade chamada pé diabético.

Quando a gente fala de espessamento, falamos de nutrição, e a desnutrição ocorre porque o


espessamento impede a nutrição adequada e a circulação adequada dos tecidos. Então, na parte
ortopédica, o doente diabético não pisa igual a gente. Na população geral, o peso do corpo é
distribuído de forma relativamente uniforme, então a pessoa pisa por completo, com transferência
de cargas e distribuição do peso pelo pé. No diabético não é assim: por conta da retração dos
ligamentos e das alterações das fibras musculares, tal indivíduo pisa com algumas áreas do pé, e as
áreas mais frequentes de lesão do pé diabético são as regiões de falange distal do dedo, cabeça do
metatarso e calcanhar. Então o diabético, quando anda, isso é fato se vocês virem, vocês vão ver que
ele tem dedo em garra. E as falanges distais dos dedos ficam com traumatismo exagerado, por conta
de uma hiperpressão, que também ocorre na cabeça do metatarso e no calcanhar.

Esses lugares, que passam a suportar o peso do corpo, passam a apresentar hiperceratose. Então as
deformidades óssea e ligamentar do pé são alguns dos componentes graves do pé diabético, por quê?
Porque tais alterações levam a um desbalanço da distribuição do peso corporal, uma hiperpressão,
levando a uma hiperceratose e essa hiperceratose no indivíduo diabético tem repercussão diferente
se comparando a um indivíduo normal. Lembremos que em tais doentes também há neuropatia, e a
neuropatia, que altera o sistema nervoso simpático e parassimpático, que regulam a liberação de sebo
pelas glândulas sebáceas e de umidade pelas glândulas sudoríparas, leva ao ressecamento excessivo
da pele, e esse ressecamento crônico, aliado ao déficit de nutrição também causado pelo diabetes,
leva ao surgimento de fissuras na hiperceratose. É como se fosse um corpo estranho dentro do sapato:
se você pegar um doente antigo, com pé diabético e explorar uma hiperceratose, você verá que a
consistência é semelhante à de uma pedra. É como se o doente estivesse pisando naquela pedra
cronicamente, naquela pele ressecada, descamativa. Só que esse ressecamento por conta da falta de
secreção das glândulas acaba fissurando, quebrando, de tanto pisar, porque há um alto peso em cima
daquela região. E com essas fissuras, entram bactérias. Aquele doente que a gente viu estava assim,
ele andava de sandália, viu um calo, usou um sapato, provavelmente traumatizou ainda mais a
hiperceratose e entraram bactérias. O caso que vimos era mais grave porque, associada à
microangiopatia, tínhamos também a macroangiopatia e, com o déficit de irrigação dos vasos maiores,
aliando-se à microangiopatia: desastre.

Mas tem gente que consegue, ainda que tendo microangiopatia, “defender” um pouco o pé. Quando
entra a bactéria, ela se instala nos tecidos mais profundos, vem a defesa do corpo. Só que o sistema
de defesa, no diabético, também é alterado: a leucotaxia é diminuída, além de que a velocidade da
resposta inflamatória e imunológica é diminuída, então além de os leucócitos chegarem pouco e
devagar ao local de invasão bacteriana, possuem dificuldade de se instalar, porque existe uma barreira
pela microangiopatia, já que se o tecido é mal perfundido, as células chegam menos. E é o que a
bactéria quer, porque se o tecido é mal nutrido, ele morre, sendo meio de cultura.

A neuropatia também influencia na questão da sensibilidade, por quê? Porque a dor é uma defesa. Se
você leva uma topada, você imediatamente procura ajuda porque está doendo. Se você não sente
nada, voce não procura ajuda.

Maxwell pergunta: quantos dias, mais ou menos, professor, para haver evolução em uma lesão
hiperceratótica?

Otacílio responde: depende. Se houver macroangiopatia associada, horas. Otacílio cita casos de sepse
por causa de pé diabético.

Então entra a bactéria em ambiente favorável, infecta e começa a penetrar. Só que a penetração o
doente também não sente. O pé incha, fica quente, vermelho, o doente não sente e não está nem aí,
não sente nada. A bactéria vai pelos ligamentos, que são tecidos pouco nutridos, diferente de músculo
e pele, e é por aí que a infecção progride rapidamente, chegando ao osso. Chegando ao osso, temos
um quadro de osteomielite. Aí descompensa, metabolicamente, o diabetes, pois a glicose vai lá pra
cima, já que o doente está em infecção, e aí entra em sepse. Esse é o esquema, mais ou menos do pé
diabético.
Bruto Imports pergunta: entao quer dizer que a entidade pé diabético está ligada necessariamente à
infecção?

Otacílio responde: sim, ligada à infecção. A infecção faz parte do pé diabético. Então deformidade
óssea e hiperceratose, sozinhas, não são um pé diabético, são um potencial pé diabético.

Bruto Imports pergunta: essa microangiopatia vira uma macroangiopatia?

Otacílio responde: não, macroangiopatia é o que estudamos anteriormente: hipertensão, tabagismo,


obesidade, o x-tudo que a gente fala. Só que a microangiopatia tem em todos, agora se somada à
macroangiopatia, aí então é gravidade máxima, porque nem chega sangue e o sangue que chega não
perfunde bem os tecidos por conta do espessamento das paredes dos pequenos vasos.

Tem um dado importante que devo falar a vocês: oitenta por cento das amputações são por pé
diabético. Às vezes a gente tem impressão que amputação dá em câncer, acidente de moto, acidente
de carro, insuficiência arterial...mas oitenta, oitenta por cento são por pé diabético. É por isso que é
um problema importante que vocês devem saber.

Toda vez, gente, que vocês encontrarem um diabético no consultório, vocês já vão começando a
selecionar os doentes que têm potencial grande a terem um pé diabético no futuro, por exemplo: pé
cavo exagerado, dedo em garra, calos, presença de neuropatia (sensibilidade e força do pé). Esses são
doentes com potencial elevadíssimo de ter pé diabético grave e amputação.

Maxwell pergunta (só os Djows perguntam algo nessa aula?): Com relação à epidemiologia, professor,
o senhor falou que 13% dos indivíduos são diabéticos em algumas cidades. Destes, qual a
porcentagem de indivíduos que chegam a ter a entidade pé diabético?

Otacílio responde: Mais de 4%, o que não é pouco.

Antônio pergunta: essa microangiopatia, por que não pode dar nos membros superiores?

Otacílio responde: eu acho que a microangiopatia está presente em todos os lugares, mas nos pés ela
se manifesta de forma mais forte. Se você fizer testes de sensibilidade nos membros superiores
também, eu acho que também apontaria alterações, só que essas são mais silenciosas e menos
evidentes. Nos pés fica mais evidente, até porque nos pés tem muita associação com a
macroangiopatia. Voce lembra que eu falei que a macroangiopatia é muito comum nas pernas e muito
rara nos braços? Então, como nas pernas é mais comum, existe uma associação maior e isso leva a
uma evidência maior. A microangiopatia pega em qualquer lugar, tanto é que tem gente que não tem
lesão no pé e já tem retinopatia, já tem nefropatia. Nos diabéticos tipo I, as complicações são um
pouco diferentes dos diabéticos tipo II. Nos diabéticos tipo I, geralmente as complicações abrangem
rins, retina. A infecção do pé, no diabético tipo I, não é tão frequente quanto no diabético tipo II. Por
quê? Porque provavelmente, neste segundo, há associação de macroangiopatias.

Perguntaram: pelo fato de eu já ter uma arteríola espessada, naturalmente o fato de ela se contrair e
dilatar de acordo com os estímulos, é alterada, então esse aumento de pressão piora o quadro
também?

Otacílio responde: não obrigatoriamente. O problema realmente é a nutrição. A pressão em si pode


realmente aumentar, mas não é uma coisa importante, o importante realmente é a nutrição, que é
prejudicada pela microangiopatia.

Então quando chega um paciente com um ferimento no pé, e essa que talvez deva ser a grande
informação da aula, é que João Pessoa, anos atrás, foi eleita a capital com maior número de
amputações de membros inferiores no Brasil. Por quê? Porque aqui, antigamente, não existia um
serviço de referência para pé diabético. Quando um indivíduo tinha ferimento no pé, procurava as
emergências gerais. Quem trabalha nas emergências gerais? O cirurgião geral, que não tem essas
informações que estamos tendo aqui. Então o cirurgião geral pegava um ferimento de um diabético e
tratava como se fosse uma ferida de uma pessoa normal: uma limpeza, uma cefalosporina simples,
lavar com soro, não colocar o pé no chão e resolve. Com o paciente que não é diabético, que tem uma
circulação arterial boa, isso aí muitas vezes funciona. Mas o diabético não tem nada a ver com isso.
Isso aí foi tanta amputação, até João Pessoa vir a ter seu serviço de referência em tratamento de pé
diabético, que é o Hospital São Vicente de Paula, que tem trinta e cinco leitos dedicados à entidade
pé diabético. Isso fez a amputação diminuir muito.

Quando chegar alguém com ferimento no pé, vocês vão ter que classificar qual é o paciente de risco
dali. Sobretudo, não olhem o doente diabético igual olham para os não-diabéticos, pois são coisas
completamente distintas. Se você pegar um indivíduo com ferimento no pé e não diabético, basta
PVPI, limpeza com soro, cefalosporina simples e manter cuidado com a ferida, que vai cicatrizar. Com
um diabético, absolutamente nada disso, porque a flora de um diabético é polimicrobiana, diferente
da de um não-diabético, que é dominada por gram-positivos. Geralmente a pele de um diabético tem
gram-positivos, gram-negativos e anaeróbios, e você tem que tratar os três, com dose de canhão. Em
diabéticos, não se pode economizar com antibióticos, é melhor pecar pelo excesso do que arriscar
uma amputação ou morte por sepse.

Então, paciente com ferimento no pé, com alguma alteração metabólica, encare desde já com
antibiótico para gram-positivos, gram-negativos e anaeróbios, existindo vários esquemas. Eu gosto
bastante de uma cefalosporina de terceira geração, que pega gram-positivos e alguns anaeróbios e a
clindamicina, que pega anaeróbios e gram-negativos. Mas tem gente que usa outros. Eu,
particularmente, acho que é ideal usar uma cefalosporina e outro para cobrir gram-negativo e
anaeróbio.

Segunda coisa, também importante: o tamanho da ferida não quer dizer nada em relação à gravidade
da ferida, por quê? Porque a bactéria entra, digamos, por um ferimento de um pedaço de prego, de
furo pequenininho. Mas dentro, ela se espalha rapidamente pelos tecidos não perfundidos. Então às
vezes você vê o ferimento externo pequeno, mas por dentro a bactéria rapidamente se instala e você
às vezes nem acredita que aquele furinho é o responsável pelo problema. E quando a pessoa bota um
doente com pé diabético na sala, não pode economizar, infelizmente tem que ser agressivo, por quê?
Porque se você não retirar todo o foco, em pouco tempo volta tudo de novo. Você tem que ser
cuidadoso, olhar com calma e profundamente. Se houver algo em que fique com dúvida, tire. Tanto é
que tem um termo que se refere a pé diabético que é bem clássico, que é o “pé engraçado”, por quê?
Porque quando chegam esses pacientes diabéticos com ferimento, aí voce vai tirando o que tem de
ruim, o que tem de morto, exaustivamente. E quando acaba a cirurgia, que acaba a limpeza, o pé fica
engraçado mesmo: tem gente que tem focos no primeiro dedo e no último, tem gente que não tem
nos quatro dedos e tem no último, tem gente que tem no outro calcanhar uma parte que devia ser
tirada, por isso esse termo.

Então, antibiótico de amplo espectro, desbridamento exaustivo, limpeza. Outra coisa importante é
que vocês têm que saber se a infecção do pé do diabético chegou no osso, isso é primordial. Um exame
importantíssimo é o RAU-x (ele fala raio-x assim mesmo KKK), por quê? Porque, se tiver osteomielite,
tem que tirar o osso fora. Tem gente que ainda tenta salvar, fazendo uma raspagem, uma curetagem
do osso, evitando tirar o osso. Mas a minha experiência com a curetagem é muito ruim, pois sempre
acaba ficando algum foco. O ideal realmente é retirar o osso, e a forma de saber se tem realmente é
pelo RAU-x. Como vocês sabem, na radiografia, se tem osteomielite? Pela perda do periósteo. O
periósteo é aquela unha da extremidade do osso, que na radiografia é bem evidente. Quando chega
uma hora que ele fica apagado, que você não consegue mais discernir, tendo relação com o local do
ferimento, provavelmente há osteomielite. A conduta é retirar o segmento acometido pela
osteomielite, o osso contaminado.

Retomando: esquema triplo de antibiótico, abrangendo gram-positivos, gram-negativos e anaeróbios;


extenso desbridamento, retirando tudo que estiver infectado; fazer diagnóstico se tem ou não
osteomielite para retirar o foco e curativo o mais asséptico possível.

Dos 30 minutos aos 50 minutos – Carolaine Ripardo

Okay? Isso é o tratamento. O curativo tem que ser esterilizado, tem que lavar com soro. Geralmente,
no começo, todo mundo que trata o pé diabético fica inseguro se realmente conseguiu retirar todo o
foco e, às vezes, há focos em lugares que você nem imagina. Você vai botando o dedo e o dedo vai
entrando, às vezes você tirou tudo, tá tudo vermelhinho, na boa, aí você desconfia, bota o dedo e de
repente sai uma coleção de pus branca, e ela é perigosa: teve uma colega aqui nossa que perdeu o
olho, pingou no olho, aquelas gotículas e ela não tinha proteção. Eu, depois do caso dela, sempre uso
uns óculos para proteger. É como aquela bolha da Erisipela, que tem que ser desbridada também, é
altamente contaminante.

Maxwell pergunta: “E se pingar, tem que fazer o quê?”


Otacílio responde: “Lavar, o máximo possível, abundantemente.
Ananda: “Desbridar o olho!”

Bem, então, tem que fazer outra coisa importante, tem que fazer uma hemostasia rigorosa, porque
muitas vezes a pressão cai um pouco depois da anestesia, a pressão baixa e quando a pressão volta,
começa a sangrar porque ali tem artérias pequenas, e aquilo ali se você não tomar conta o paciente
pode chocar. Já vi várias vezes, e aí tem que voltar, porque aquela perda é constante, por causa do
problema neurológico, da calcificação e da inflamação ela não retrai. Então, você tem que ficar ali
olhando, limpando, limpando, dá ponto e quando tem certeza.. é muito melhor perder um pouquinho
de tempo na cirurgia do que ter que reoperar o doente, aí às vezes do primeiro para o segundo dia de
curativo aparece lá e tem que ficar de olho, tem que ter paciência pra depois manter e até chegar no
tecido de granulação, enquanto não chegar no tecido de granulação e você tiver 100% de certeza que
não tem mais infecção, o melhor é fazer o curativo diário só com soro, nada de curativos especiais. Lá
no Sírio eu tive a oportunidade de ver uma vez que eles usam nitrato de prata em um curativo que
é...ele pega o nitrato de prata que é uma espuma, depois de fazer desbridamento, e bota uma espécie
de plástico e com um tubo de aspiração, aspiração mesmo com pressão negativa e fica puxando toda
a secreção, só que isso é bom ser feito, pode ser feito, só que é mais caro, tem que ter o aparelho de
aspiração, mas tem o trauma da espuma e o trauma da pressão negativa. Mas no dia a dia, no São
Vicente é curativo, e outra coisa importante, o pé no chão, é lamentável! Você vê um doente com pé
diabético, a ferida aberta e botando o pé no chão, é o fim da picada! O fisioterapeuta não tem
orientação, mandando andar com aquele pé no chão, fazer uma caminhada... o chão é sujo, a ferida
está aberta, ele não tem defesa, enquanto estiver tomando antibióticos pode até ser que combata
aquilo, mas não é o correto.

Teve um caso da mãe de um colega nosso que estava há cinco meses com a ferida aberta, era uma
úlcera varicosa, não cicatrizou, usando pomada e tal, mas era 5 meses e cheguei tava lá, pé no chão,
não é possível. É muito difícil tratar, fazer a boa medicina. Eu entendo a situação dela, ela tem que
trabalhar, cozinhar. Mas, se você não fizer o certo, é pior pra ele, vai perder uma perna. É muito difícil,
muito difícil.

Thaís pergunta: “Uma pergunta, você falou que o curativo tem que que ser o mais asséptico possível,
e tem que ter a certeza de que não tem mais foco. Isso tem tempo, certo?”
Otacílio responde: “Não, não tem uma data, não é matemática, mas em alguma hora você vê que não
tá mais inchado, o nível da glicose tá normal, o leucograma tá normal, tem vários indicativos que a
infecção tá controlada.”
Antônio pergunta: “Por que que o prognóstico é ruim? Depois que amputa também...”
Otacílio responde: “Ali não é só o pé diabético também, uma boa parte deles entra em depressão e a
depressão é um agravante, deixa a pessoa sem querer tomar medicação e isso repercute em uma
doença coronariana que já possa existir, mas não é causa direta a amputação não. É muito a causa
psicológica, tanto que você vê paciente que diz que prefere morrer do que perder a perna, e você não
pode tirar, ele está ciente e, por isso, a família também é muito importante.”

Uma vez chegou uma paciente já com o pé preto, necrosado, não tinha pulso nem poplíteo nem
femoral e ela não queria tirar, fazer a amputação, não queria fazer nada, ela tava com o dedão preto,
não tinha infecção, ela não tinha dor e a família dava assistência, aí falei: volta pra casa, vocês ficam
fazendo curativo e se um belo dia infectar, e tem chance de infectar ou isso preto começar a passar
pra cima, a gente se senta de novo e vemos, ela não quer fazer nada agora e ela é consciente e eu
mandei pra casa. O filho mandava foto, uma vez por semana mandava informação que ela tava bem,
mas aí um dia caiu. E teve caso aqui, muitos anos atrás, uma índia, de Piancó, ela chegou no Santa
Isabel com a perna do lado, ela vivia no mato, era diabética, necrosou a perna, mumificou a perna e a
perna caiu. Chegaram ela e a perna juntas na ambulância.

Vamos voltar pra nossa aula, então paciente com hiperceratose, já com algum ferimento, já sabe que
tem que intervir, fazer raio-X pra ter certeza que não chegou no osso. Quando for intervir, tem que
ser chumbo grosso, desbridar, limpar, lavar, esquema tríplice de antibióticos pros três tipos de
bactérias, curativo estéril e quando não tiver mais infecção pode ir pra casa, e falar: não pode pôr o
pé no chão de maneira nenhuma! Tem gente que acha que só o calcanhar pode, que não faz parte do
pé. Até cicatrizar, quando cicatrizar não quer dizer que acabou o problema, aí começa o segundo
problema, que é a reabilitação, e vocês já devem ter visto nas lojas: sapatos pra diabéticos! E vendem
muito. Isso não existe, existe sapato para Israel, que é diabético, para o pé de Israel, Ismael. Então o
quê que faz? Quando fecha, tirou o dedo, cicatrizou, aí você pega um molde, uma espuma especial, aí
você faz um sapato pro pé de Ismael, e esse sapato é que vai fazer com que o peso do pé seja uniforme,
ele não vai pisar num lugar mais pressão ou menos pressão e a partir daí vai começar a caminhar,
importante para formar a circulação colateral. É caro, mas é um caro que sai barato. Não é incomum
fazer uma prótese qualquer por aí e depois de um mês largar em cima do guarda-roupas. Em São
Paulo, num órgão da USP, que trata de reabilitação, faz, é público mas quem pode pagar, paga, ele só
dá pra quem realmente não tem condição nenhuma, então eles fazem e mandam pra cá o molde e
pega o pé do sujeito, manda bater foto de todos os lados do pé, de cima, de baixo, aí ele faz um sapato
pro pé daquele sujeito e eles mandam de volta e aí testa no pé do cara, um dia, dois dias, se ficar
arranhando, machucando, manda de volta e eles ajeitam, dão muita assistência. É mil e quinhentos
reais, mas conheço uma pessoa que tem há cinco anos, só troca a palmilha. É feião, horrível, mas
funciona, a pessoa não fica com ferimento no pé e faz questão de comprar, é um caro que sai barato.
Muito melhor que ferir, amputar, antibióticos, desbridamento, curativos.

Do minuto 50 até o fim – Israel Cavalcante Nunes


Isso é um pé diabético normal. O grande problema chama-se pé diabético num membro isquêmico,
por quê? Quando chega um paciente com ferimento e que tem aquele x-tudo, é pra desbridar? Não,
por quê? Porque não tem circulação, vai necrosar. O que que faz? Desbrida? A prioridade é a vida, não
é a perna, sendo que às vezes você consegue salvar a perna e a vida. Por isso pergunto: Farias, quando
é que eu consigo salvar a perna e a vida? É lamentável!

É comum, na emergência, chegar um cara com ferimento no pé. As pessoas não têm orientação sobre
os indicadores de risco para aterosclerose, como falta de pulso, falta de cabelo, isquemia, e vão
desbridar. Se você desbrida um lugar que não tem sangue, no outro dia, fica preto. Mas quando é que
eu salvo o doente e o pé? Porque vocês vão se deparar com tais casos. Como já falado antes, quando
derem de cara com doentes desse tipo, vocês vão ver se eles são x-tudo, vão palpar os pulsos,
eventualmente fazer um índice tornozelo-braquial (ITB) e vão diferenciar se é um caso só com
microangiopatia ou se o indivíduo tem a microangioapatia e a macroangiopatia, vocês têm condição
já de fazer essa diferenciação. E se tiver a macroangiopatia, aí já sabe que é uma bronca. A minha
pergunta é: quando o cara tem uma macroangiopatia, como é que faz? Quando que eventualmente
você vai conseguir salvar membro e a vida?

Carolaine responde: quando conseguir fazer reperfusão.

Otacílio responde: esse é o ponto. Então, quando chegar um doente com pé diabético e que, durante
o exame físico, você encontrou sugestões de macroangiopatia, você tem que tirar o risco da morte,
mas não se esquecendo que ele tem uma perna, que você pode eventualmente salvá-la. Então o que
acontece? Se você já sabe, antes de entrar na sala, que o doente também tem uma macroangiopatia,
você faz o que tem que fazer, lava, passa antibióticos, etc, e tem que ir atrás de onde está a obstrução
e revascularizar. Ou seja, você tem que correr mais rápido do que num doente crônico. Num doente
crônico você pode fazer um ITB, uma angiotomografia, um pet-scan. Se o doente já é isquêmico, você
desbrida e naquela noite mesmo você já faz uma angiotomografia e já programa fazer uma
revascularização. A importância é essa. As pessoas que não têm essa informação acham que é
amputação primária. Mas não, tem casos em que você consegue salvar o membro. Você tira o foco,
passa antibióticos de largo espectro, curativos estéreis e ao mesmo tempo corre atrás de
revascularizar o local afetado. Aí você vai diminuir o nível da amputação, vai eventualmente salvar
uma parte do pé. Vocês entenderam, minha gente?

Otacílio responde Jonatas e o áudio é pouco audível. Faz considerações sobre o tratamento para
revascularização, que envolve tratamento endovascular e a cirurgia aberta (bypass), fala que o
tratamento com cirurgia aberta deveria ser mais realizado pelo SUS, já que o tratamento endovascular
é caro e ficar sem revascularização é terrível para o doente. Novamente faz observações sobre a
recuperação, na qual o doente não deve colocar o pé no chão de forma alguma.

A informação que eu queria dar em relação ao pé diabético é essa, que não é um ferimento comum,
que é um ferimento completamente diferente dos ferimentos em pacientes normais. Então, toda vez
que vocês encontrarem um paciente diabético com ferimento, botem na cabeça isso, que não é igual
a um ferimento normal: primeiro, a flora é polimicrobiana, então os antibióticos têm que ser para
gram-positivos, gram-negativos e anaeróbios. Segundo, vocês têm que afastar a possibilidade de
osteomielite, porque se vocês forem fazer o desbridamento de uma ferida e essa infecção chegou no
osso, daqui a quatro, cinco dias, a infecção vai vir e vai vir muito pior. Terceiro, o desbridamento deve
ser extenso, pense em parte de reabilitação depois, nessa parte você tem que salvar o pé. Depois de
desbridar, que você vai pensar no sapato que vai usar, o que é outra coisa. Quarto, tem que fazer o
diferencial, antes da cirurgia, se tem a macroangiopatia ou se não tem, porque se tiver a
macroangiopatia, acabou a cirurgia tem que ir atrás de onde está a obstrução e tentar revascularizar
a perna. E quinto: quando cicatrizar, não acabou o problema, começou outro problema, que é a
reabilitação, que passa por atividade física, controle do diabetes, uso de sapato adequado, vocês
entenderam?

Eu costumo fazer observação sobre uma coisa muito importante. Há o costume de se colocar o próprio
pé para outra pessoa tratar, não é? As pedicures. Aqui, a informação que o pessoal dá pra gente é que
quanto mais a unha fique rente, sem cutícula, melhor. Mas rapaz, eu falo assim: “vocês colocam o pé
de vocês para outra pessoa tratar. Se perder esse pé, quem vai sofrer, a pedicure ou você?”. Então eu,
particularmente, digo que não é pra diabético cortar unha. Se a pessoa serrar as unhas todos os dias,
elas nunca vão crescer e nunca vão ter risco de infecção. Esmalte é outro problema, porque o esmalte
tira a informação que o profissional tem se há outra infecção por baixo. E outra coisa muito
importante: no dia em que um diabético estiver com algum indício de infecção, imediatamente tem
que procurar ajuda. Lembrem da mulher lá de Guarabira, uma questão de horas já é suficiente para a
evolução para uma septicemia.

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