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ARTIGO

TEMOS QUE DISCUTIR A REMUNERAÇÃO DE VARIZES


*Por Alexandre Campos Moraes Amato

Vejo várias iniciativas diferentes visan- exatamente por discordar da remuneração seja, laser e radiofrequência só entram no
do o aumento dos honorários cirúrgicos na e tenho focado no reembolso médico e na ROL se devidamente especificados. Há um
cirurgia vascular. Vou falar aqui especifica- desospitalização. desejo inconsciente, e em alguns até cons-
mente de varizes, carro-chefe de nossa es- O foco ideal é o relacionamento médico- ciente demais, de manter as termoablações
pecialidade. A SBACV Rio lançou seu ROL -paciente, com o objetivo de resultado para dessa maneira, assim, não havendo cober-
da Vascular em 2018, que já está em sua o paciente. Sempre que forem ouvir alguém tura pelos convênios, o médico sente-se no
4ª edição, e o mesmo foi parabenizado pela sobre esse assunto, peçam um disclosure direito de cobrar um valor extra do pacien-
Associação Médica Brasileira (AMB) em car- antes do posicionamento. te, pois o procedimento não é coberto.
ta à diretoria, mas traz também opiniões As iniciativas reais que realmente visam o Hoje, já está mais do que claro que as
opostas (escrevi antes do reconhecimento aumento dos honorários cirúrgicos, têm as termoablações são preferíveis ao stripping
da nacional). Ao mesmo tempo, há inicia- seguintes premissas: bloqueio de inserção (não vou entrar em assunto técnico aqui),
tivas de codificação e negociações diferen- de novos procedimentos no ROL da ANS, e nós, como médicos, temos que incentivar
tes por diversas outras regionais, e também aumento do valor da tabela mínimo para a adoção de tecnologias benéficas para os
grupos com ideias diferentes. pagamento ao médico, contratualização pacientes, e não as limitar para benefício
O approach tem sido diferente por cada com hospitais, negociações em grupos e próprio. Defender a não inserção da técnica
grupo, embora o objetivo seja mais ou me- aumento do número de códigos envolvidos no ROL, é não defender a saúde do pacien-
nos o mesmo: aumento dos honorários ci- no procedimento. Vou discorrer sobre elas. te. Assim como no vídeo laparoscopia, que
rúrgicos finais. Digo mais ou menos porque Com relação ao bloqueio de inserção de levou um tempo para ser aceita, até que en-
temos que excluir desses grupos aqueles novos procedimentos no ROL da ANS, as trou na rotina, será com as termoablações.
que, por outras razões, têm o interesse de novas técnicas de termoablação por laser e Além disso, ao cobrar taxa extra pelo uso
diminuir ou manter os honorários cirúrgicos radiofrequência não são automaticamente do laser em cirurgia, o médico cobra pelas
por pertencerem ou trabalharem em ope- consideradas como obrigatórias por causa despesas hospitalares ou pelos honorários
radoras que disso se beneficiariam, e exis- da RESOLUÇÃO NORMATIVA - RN Nº 387, médicos? Temos sim que incentivar a ado-
tem aqueles que, por rixas pessoais, esque- DE 28 DE OUTUBRO DE 2015 no seu art. ção de técnicas benéficas para os pacientes.
cem-se de objetivos maiores. E temos que 12, que diz: “os procedimentos realizados Não estou falando que temos que abrir mão
excluir aquele aumento financeiro final que por laser, radiofrequência, robótica, neuro- de honorários decentes. Mas, para o médico
não seja por honorário cirúrgico, e sim por navegação ou outro sistema de navegação, cobrar despesas hospitalares ele tem que
venda de material ou serviço hospitalar. Por escopias e técnicas minimamente invasi- arcar com a desospitalização, pois um pa-
isso, é importante a disclosure aqui: não vas, somente terão cobertura assegurada ciente não pode ter duas contas hospitala-
trabalho para nenhuma operadora de saú- quando assim especificados no Anexo I, de res, uma do médico que leva laser e fibra e
de, tenho diminuído meus credenciamentos acordo com a segmentação contratada.” Ou outra do hospital, como conta aberta para o

Figura 1 - Exemplo da complexidade de tratamentos disponíveis na grande variação clínica da doença venosa (Amato. ACM. DOENÇA VENOSA CRÔNICA:
VARIZES, INSUFICIÊNCIA VENOSA E REFLUXO VENOSO In: SECAD 2018)

12 AGOSTO 2019
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convênio. Até pode... mas não é uma situa- poder de barganha, sentem-se valorizados na AMB92 (sim, ainda muitas operadoras se
ção sustentável. Assim como muitos já per- e importantes, mas esquecem-se que se baseiam nela apesar de ter mudado o nome
ceberam, os hospitais vivem de MATMED, tornaram meros produtos nesses centros, e código da tabela), ainda há a tendência
e não têm interesse em deixar a situação e que podem facilmente serem substituí- de resumir todo tratamento de varizes em
como está, vão progressivamente dificul- dos por produtos mais “em conta” ou “mais um código só: TUSS 30907136 Referente ao
tando essa dinâmica. É uma briga que o controlável”, perdendo seu poder decisório. procedimento: Varizes - tratamento cirúrgi-
médico não tem força para ganhar: médico Qualquer empresa querendo aumentar lu- co de dois membros.
versus hospital, médico versus operadora, cro vai mexer em dois fatores: aumentar o Apesar de ser uma doença complexa, com
e, nesse caso, indo contra a saúde pública, valor de venda e diminuir seu custo. Nes- uma amplitude enorme de apresentações
estaria também médico versus paciente. sa situação, o médico entra em diminuir o clínicas (Figura 1), há evidente supersimpli-
O mesmo aconteceu recentemente com custo do produto, aumentando a margem ficação do problema caracterizando a todos
a adoção das técnicas de espuma e houve de lucro. Simples assim. Nesse caso, a co- como “cirurgia de varizes bilateral”. Para o
comoção geral pedindo maiores valores. Se modidade, o ego, a tradição, a terceiriza- hospital não faz diferença, pois a conta feita
a saúde no Brasil é um direito de todos e um ção acabam sendo o inimigo final do próprio de forma aberta e taxas não mudam com a
dever do estado, novamente, brigar contra médico, que em pouco tempo estará se per- codificação utilizada e o interesse do hos-
a adoção de técnicas benéficas é uma briga guntando como outra equipe mais barata pital é que a cirurgia ocorra, independen-
perdida. assumiu seu posto se seu serviço tem qua- te dos honorários médicos. Resumindo, se
Com relação ao aumento do valor da ta- lidade, e outras centenas de lamentações a cirurgia é facilmente autorizada com um
bela mínima para pagamento ao médico, há que já ouvi. código, não há razão para o hospital lutar
alguns problemas, muitas vezes no Brasil a Negociações em grupos funcionam bem por mais um código, difícil de ser libera-
tabela mínima torna-se valor máximo. Um em regiões mais limitadas, havendo uma do, se os valores hospitalares não mudam
bom exemplo disso é o próprio ROL da ANS, manipulação da lei da oferta e da procura. drasticamente. Alguns colegas também se
que é uma tabela de procedimentos de co- Embora seja eficaz, não deixa de ser car- especializam em microcirurgias realizadas
bertura obrigatória mínima, as operadoras telização e estar sujeito à essa caracteriza- com porte de macrocirurgia, beneficiando-
poderiam cobrir procedimentos não inclusos ção. O mercado não perdoa, havendo muito -se do código cirúrgico. Mas estes mesmos
no ROL da ANS, mas são raras as que têm de um “produto” disponível, o preço baixa. seriam os maiores beneficiados ao cobrar
isso como política. Nesse caso a lista míni- Assim como um ex-candidato a presidente por veia retirada e desospitalização. Lembro
ma virou lista máxima. E, ao estipular um comparou uma vez os médicos a sal: “Bran- que existem os seguintes códigos na TUSS,
valor mínimo, há um nivelamento por baixo, co, barato e tem em todo lugar”. Não pode- muitos subutilizados:
que não reflete as realidades locais de cada mos fechar os olhos para a realidade, pois TUSS: 30907136 Varizes - tratamento ci-
um. É evidente que valores podem e devem ela vai atropelar a todos. Foram abertas rúrgico de dois membros
diferir entre estados, cidades e regiões, e muitas faculdades. Muito médico vai entrar TUSS: 30907144 Varizes - tratamento ci-
isso deve ocorrer pelo livre mercado, lei da no mercado de trabalho, e sim, muitos esta- rúrgico de um membro
oferta e da procura. Qualquer tentativa de rão atuando em nossa especialidade. TUSS: 30907101 Tratamento cirúrgico de
impedir a atuação do mercado nesses valo- O aumento de especializações, pós, cur- varizes com lipodermatoesclerose ou úlcera
res é política sindicatizante, cartelizante. A sos, pode ter efeito contrário ao esperado e (um membro)
CBHPM, que possui método de valorização abrir o mercado para os não especialistas. E TUSS: 30907071 Fulguração de telan-
dos procedimentos, teve em um momento é óbvio que isso vai impactar nos honorários giectasias (por grupo)
caracterização de cartel. Vejam em (www. de todos. Qualquer tentativa de manipula- TUSS: 30907063 Escleroterapia de veias
conjur.com.br/dl/trf-decide-cfm-nao-tabe- ção do mercado neste ponto é autolimitada, - por sessão - sem insumos
lar-honorarios.pdf) “RESOLUÇÃO. TABELA pode durar algum tempo, mas naturalmen- TUSS: 40902064 Doppler colorido intra-
DE HONORÁRIOS. COMPETENCIA. COA- te alternativas mais baratas vão surgir. Te- -operatório
ÇÃO. 1 - Os Conselhos de medicina não po- mos que aceitar essa realidade e direcionar TUSS: 30907012 Restauração de fluxo
dem impor tabela de honorários (CBHPM), forças onde realmente elas podem ser pro- venoso ou Cirurgia de restauração venosa
sob a pena de violação da liberdade contra- dutivas, na exigência de qualificação, nos com pontes em cavidades (que fique claro
tual. 2 - A fixação de honorários profissio- requisitos técnicos para exercer atividade e aqui o “ou” na descrição)
nais mínimos, pelo Conselho Federal, não melhora de resultados. Sim, em algum mo-
se enquadra nas atribuições deferidas pela mento o mercado vai mudar de um sistema O ROL da SBACV Rio recomenda a uti-
Lei nº 3.268/57, mesmo que o faça a títu- pay per service para um sistema pay per lização dos dois códigos para cirurgia de
lo de impor um padrão mínimo e ético de result. Onde atualmente vejo uma transfe- varizes: 30907136 Varizes - tratamento ci-
remuneração dos procedimentos médicos, rência do risco do negócio, a seguradora, rúrgico de dois membros e 30907012 Res-
para o Sistema de Saúde Suplementar”. que por definição tem seu lucro calculando tauração de fluxo venoso. Nesse caso, não
De modo que qualquer tentativa de pa- riscos, passaria a responsabilidade pelo ris- há discussão de valores a serem cobrados,
dronização de valores pode ser vista como co para o hospital, assegurando sua segu- mas sim dos códigos solicitados, evitando
cartelização. Nesse caso, a briga é entre rança no negócio, uma distorção incrível da a cartelização como ocorreu ou pode ocor-
sociedades versus operadoras, mas a saída realidade, e, o pior é que está sendo entre- rer em outras modalidades de negociação.
não está por aí. gue embrulhado como um presente, mas é Os códigos remetem a portes cirúrgicos
No caso de contratualização com hospi- um cavalo de Troia a médio e longo prazo. ou valores de CH, que evidenciam a com-
tais, o médico transfere todo seu poder de Em último, falo do aumento do número plexidade do procedimento perante outros
negociação ao hospital, deixando-o nego- de códigos envolvidos no procedimento, procedimentos. Apesar de concordar com a
ciar por si, mas obviamente os interesses fi- que, na minha visão é o melhor a ser fei- atuação nos códigos para a valorização do
nanceiros não são os mesmos. Os hospitais to em curto prazo. Para todos os envolvi- tratamento, acredito que mantém o aspecto
tenderão a aumentar os valores das despe- dos em tratamento de varizes, é muito claro de supersimplificação, ou seja, todos os pa-
sas hospitalares, negligenciando ou mes- que existem casos mais fáceis e casos mais cientes são iguais e tratamentos também.
mo contrapondo aos honorários médicos. difíceis. Alguns dão mais trabalho e outros Em edições anteriores a publicação citava
Aqueles que terceirizam a negociação para menos. Veias que são tratadas de uma ma- valores, remetendo ao erro da tabela míni-
os hospitais muitas vezes estão felizes por neira e outras de outra. Mas, apesar disso, ma que vira máxima. Não havendo valores
estarem em grandes centros, que têm alto e de existirem vários códigos para varizes na tabela, a negociação cabe ao profissional

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e não à sociedade, mas tem o respaldo da negociação com seus “patrões” e comemo- co, como pessoa, e não como um grupo é
complexidade atribuída ao procedimento. ram o fim da contribuição sindical obrigató- o desejo de melhorar a saúde de todos os
Também é muito evidente a diferença téc- ria e, portanto, sua “força” de negociação. seus pacientes, custe o que custar, e va-
nica entre uma microcirurgia e uma safe- O que é no mínimo contraditório, e, curio- lorizar mais o seu trabalho, deixando cla-
nectomia, portanto, deveríamos valorizar samente pedem para outra instituição fazer ra a complexidade do que realiza e assim
nosso trabalho mostrando a complexidade esse papel. aumentar seus honorários cirúrgicos. Com
da doença e suas diversas apresentações, O médico no Brasil quer as oportunida- reconhecimento. A sociedade e grupos de
que requerem tratamentos diversos. Atual- des do capitalismo, com o poder sindical vasculares devem unir-se para valorizar o
mente, as operadoras entendem que no có- do socialismo. A culpa não é do médico. trabalho profissional, evitando a supersim-
digo de cirurgia de varizes bilateral, inclui a O sistema é complexo, havendo a medici- plificação de um tratamento complexo e
escleroterapia, a fleboextração de Müller, a na socializada (não socialista) do SUS, em melhor qualificando os profissionais.
microflebectomia, a ligadura de perfurante, concomitância com a medicina capitalista Vamos deixar os únicos capazes de in-
a safenectomia por stripping, o redireciona- do mercado privado. É difícil coexistir duas terpretar os códigos vasculares, que são
mento de fluxo da CHIVA e ASVAL, entre realidades diferentes. Não adianta querer os cirurgiões vasculares, assim fazê-lo e
outras, porque, da última vez que ouvi um a segurança de um concursado em em- retirar essa interpretação dúbia das mãos
auditor falando, era o “entendimento da prego público em uma CLT de instituição dos convênios.
operadora”. Isso sem mencionar as técni- privada, e não adianta querer as oportu-
cas ainda não listadas no ROL da ANS. Se nidades financeiras do sistema privado em
não nos posicionarmos firmemente e haver um sistema público.
discordâncias internas, haverá sempre um Mas como disse, este artigo é somente Dr. Alexandre Campos Moraes Amato

“entendimento” diferente que beneficiará Doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo, Cirurgião
sobre varizes e não vou me alongar. O úni- Vascular, Endovascular e Ecodoppler Vascular, Professor de Cirurgia
aquele com maior poder na negociação, a co posicionamento aceitável para o médi- Vascular da Universidade de Santo Amaro e membro da SBACV-SP
operadora. Cada uma das técnicas utiliza-
das na cirurgia deve ser devidamente remu-
nerada e valorizada pelo próprio cirurgião,
que não deve menosprezar seu trabalho co-
locando toda técnica e prática num mesmo
pacote. Ou, se colocar, tem que entender
que não adianta usar de subterfúgios para
cobranças “por fora”.
Não há um manual de interpretação das
tabelas de códigos, e é aí que devemos
atuar.
As sociedades e grupos devem se forta-
lecer nesse ponto, pois o entendimento da
tabela deve ser de quem mais entende do
assunto, o especialista. Senão, estaremos
nas mãos do “entendimento” da operadora
ou de seu auditor que tem por único obje-
tivo diminuir custos para operadora e não
realizar o tratamento do paciente.
Quando vejo colegas solicitando à so-
ciedade por negociação de valores com as
operadoras, entendo o desespero e o reco-
nhecimento de baixo poder de negociação,
tentando transferir a responsabilidade da
negociação para uma entidade de classe
com teórico maior poder de negociação.
Mas essa não é a responsabilidade de uma
sociedade médica, é sim de um sindicato. E,
além disso, esse poder teórico de negocia-
ção não existe. Em todas negociações, está
em vantagem aquele que detém o tempo, o
poder e informação, e as sociedades médi-
cas não possuem nenhuma dessas caracte-
rísticas na negociação. Pois vejam, o tempo:
quem está com pressa para mostrar resul-
tado é a sociedade, os convênios querem
demorar o máximo para mudar qualquer
coisa; a informação: a sociedade não sabe
as demandas da população daquele convê-
nio; o poder: os convênios detêm o poder fi-
nanceiro decisório. Qualquer aumento con-
seguido nessas negociações seriam meras
esmolas, ou mesmo táticas sujas para coibir
ou retardar outras negociações.
Os mesmos que buscam os serviços de
um sindicato para melhorar e intermediar a

14 AGOSTO 2019

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