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Cavalos, caminhos e Veredas

Vereda é uma palavra que vem do latim. No latim a palavra veredus


significava cavalo de posta, que era usado para levar os recados, os avisos. Seria
o correio da época. Mas antes de ser incorporada pelo latim a palavra ainda tem
uma história anterior. Na língua Celta, a palavra voredos significa cavalo. O nome
da estrada, do caminho, do atalho foi tomado do nome cavalo, que os percorria.
Tomando essa origem múltipla da palavra, o termo vereda significa
caminho estreito por onde correm as águas. A palavra vereda serve então
para designar as paisagens do chapadão do Brasil Central, onde correm os cursos
d’água, que são formadores dos ambientes de Veredas.
Nessa linha de pensamento, a palavra Vereda significa caminho, rumo,
direção. No salmo 23:3 o autor diz: “guia-me pelas veredas...” ou “ensina-me suas
veredas (Salmo 25: 4).
No bioma brasileiro chamado Cerrado a palavra Veredas significa um tipo
de ambiente; cada ambiente diferente é chamado de subsistema. Esse subsistema
chamado de Veredas é responsável pelo fornecimento da maior parte das águas do
Centro Oeste. Em toda a extensão dos ambientes chamados veredas, o lençol
freático está muito próximo da superfície. Nesse sentido as áreas de veredas são
regiões onde a água aflora, ou seja, onde ela chega á superfície para nos
abastecer. As Veredas são muito sensíveis a qualquer intervenção humana. A
vereda ainda funciona como um filtro onde as águas das regiões mais altas são
transportadas para as regiões mais baixas, com a vantagem de chegaram filtradas,
pela presença de materiais que retém toda a sujeira e partículas de impurezas que
elas possam carregar.
Interessante observar como as palavras viajam milhares de quilômetros e se
transformam com o decorrer dos séculos. Isso acontece porque a língua é um
mecanismo social. Sua função é a de ser uma ferramenta de contato entre as
pessoas. A língua não fica estacionada nos livros, e eles não conseguem segurar a
sua mudança ao longo do tempo. Muitas palavras que chegaram com os
bandeirantes no século dezoito, ainda são usadas na região rural de Formosa. Essas
comunidades conservam uma riqueza imensa em registros de expressões que se
perderam há mais de duzentos anos. Gostaríamos que então você lesse essas
palavras, e lembrasse de alguma situação de sua vida particular:
Do Latim: acoitá: esconder algo ou segredo; alpendre: área da casa; aluir
ou aluí: sair do lugar, romper; apiá: descer, hospedar-se; arapuca: armadilha
para pegar pássaros ou estilo de telhado; arreda: sai; gambira: fazer troca.
De língua indígena: puba: mandioca fermentada; pururuca: couro torrado;
capuêra: mato.
De origem africana: assunga: retirar, puxar; ingambelar: mentir ou
enganar.
O leitor deve ter se lembrado de coisas gostosas quando leu essas palavras.
Essas lembranças boas são lembranças afetivas, ou seja, lembranças que a gente
guarda no coração e que nos fazem bem ao espírito.
A palavra veredas começou a ser construída lá no idioma Celta, e outras
começaram com os portugueses, indígenas e africanos. Dessa forma, estamos nos
acostumando todos os dias a entender esse mecanismo de sons que se traduz em
significados. Esse patrimônio cultural que conservamos e guardamos em nossas
memórias é uma importante fonte de riqueza, que deve ser preservada juntamente
com a flora e a fauna do Cerrado, pois meio ambiente é um conjunto de fatores:
que inclui os fatores bióticos (seres vivos) + fatores abióticos (elementos como
terra e energia) e a cultura. Se a cultura faz parte do meio ambiente e está
relacionada a ele intimamente, então ela é um patrimônio a ser preservado, pois
ninguém vive sem poder resgatar o sabor de suas memórias afetivas e culturais.
Bráulio Antonio Calvoso Silva é professor de literatura, formado UnB e
pesquisador sem vínculo institucional em história e antropologia.
Está revisando o livro Cerrado: 11 mil anos em histórias – uma perspectiva
socioambiental da ocupação do Cerrado.
brauliocalvoso@hotmail.com

Fontes:
 Abreu, Weider Rocha de, Presença do Léxico Bandeirante no Falar
Rural Formosense. 2009. 130 p. Dissertação (Mestrado em Linguística) –
Universidade de Brasília, 2009;
 Ferreira, Idelvone Mendes, BIOMA CERRADO UM ESTUDO DAS
PAISAGENS DO CERRADO, Tese de Doutorado – UNESP – 2000 Campus
de Rio Claro (SP);

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