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Revista do Programa de Pós-Graduação em Arte da UnB


v. 8 n.º 1 janeiro/junho de 2009
Brasília
ISSN - 1518-5494
Universidade de Brasília
Reitor
José Geraldo de Sousa Júnior

Vice-Reitor
João Batista de Sousa

INSTITUTO DE ARTES
Diretora
Suzete Venturelli

Vice-Diretora
Glêsse Maria Collet de Araújo Lima

DEPARTAMENTO DE ARTES VISUAIS


■ Programa de Pós-Graduação em Artes ■
Coordenador
Nelson Maravalhas Jr.

Revista VIS
Editor
Nelson Maravalhas Jr.
Editor Convidado
Belidson Dias
Conselho Editorial
Ana Maria Tavares (USP), Elisa de Souza Martinez, Elyeser Szturm, Maria de Fátima Burgos, Maria Eurydice de Barros Ribeiro,
Sandra Rey (UFRGS), Soraia Maria Silva,Vera Siqueira (UERJ)

Capa e Projeto Gráfico


Ivanise Oliveira de Brito

Imagem da capa:
Gerhard Richter - Vemelho-Azul-Amarelo, óleo em tela , 1972 . © 2009 Gerhard Richter. Fonte: gerhard-richter.com

Revisão
Alex Cojorian

Programa de Pós-Graduação em Arte


v822 VIS - R eVISta  do P RogRama  de P óS -g Raduaçao  em a R te .
B RaS íl Ia :e dI to Ra B RaSI l , V .8, n .1, j aneIRo / junho  de 2009. Universidade de Brasília
Campus Universitário Darcy Ribeiro
144 p.
Prédio SG-1
S e me StRal Brasília-DF - 70910-900
ISSn:1518-5494 Telefone: 55 (61) 3307-1173
1.a R teS  VISuaIS .2.a R te  conte PoRânea .3.P oétIcaS . Fax: 55 (61) 3274-5374
c o nte PoRânea .4.a R te  no B RaSIl .5.m odal Idade  aR tíStIcaS .
idapos@unb.br

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• As imagens de documentação da Universidade de Brasília fazem parte do acervo do Cedoc-UnB.
• Disponível também em: <http://www.ida.unb.br/posgraduacao>

       2   ■ 1.o semestre de 2009  ■  v. 9  n.o 1  ■  Programa de Pós-graduação em arte  ■  Ida-unB


 

SUMÁRIO

5 EDITORIAL
Se ç ão 1 — Cultur a e v isualida de : qu e stõe s e m c u r s o

9 CURRICULUM ChANGE FOR ThE 21ST CENTURy: VISUAL CULTURE IN ART EDUCATION
Kerry Freedman & Patricia Stuhr

22 DESOBEDIêNCIAS DE UM boy INTERROMPIDO: PERVERSãO E


CENSURA NA EDUCAçãO DA CULTURA VISUAL
Belidson Dias

33 NARRATIVAS VISUAIS: IMAGENS, VISUALIDADES E ExPERIêNCIA EDUCATIVA


Raimundo Martins

40 ENTRE VISUALIDADES E VISIBILIDADES.TECENDO REDES E MIRADAS


DE AFETOS: DOS FRAGMENTOS àS CONSTELAçõES
Lilian Amaral

Se ç ão 2 — Fun dam e n to s e e x pe ri ê n c ias e m e du c aç ão da c u lt u r a v i sua l

49 CURRíCULO PARA ALéM DAS GRADES: DE PORõES A TERRAçOS, PRAçAS E JARDINS...


Irene Tourinho

60 O qUE FAzER COM A CULTURA VISUAL DA ESCOLA?


Rejane Galvão Coutinho

68 IMAGENS EM DESLOCAMENTO: POSSIBILIDADES DE ARTICULAçãO A PARTIR DA CULTURA VISUAL


Erinaldo Alves do Nascimento

76 ESTUDO DA CULTURA VISUAL NO CAMPO DA FORMAçãO EM ARTES VISUAIS


Marilda Oliveira de Oliveira

Se ç ão 3 — E duc aç ão e distân c ia

83 FORMAçãO DE PROFESSORES EM ARTES VISUAIS NA FAV/UFG – DESLOCAMENTOS


DA DISTâNCIA E DESLOCAMENTOS DA CULTURA VISUAL
Leda Guimarães

93 DIÁLOGOS ENTRE VIVêNCIAS E DESLOCAMENTOS A PARTIR


DE ExPERIêNCIAS DE EDUCAçãO E DISTâNCIA
Lilian Ucker

99 LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS – UAB/UNB: UMA ANÁLISE DAS POSSIBILIDADES


EM CULTURA VISUAL SOB A PERSPECTIVA DO PENSAMENTO COMPLExO
Thérèse Hofmann Gatti & Rosana de Castro

110 UM NOVO OU UM MESMO DESAFIO NO ENSINO DAS ARTES VISUAIS?


Sainy C. B. Veloso

Se ç ão 4 — C ib e rc ultur a, c ib e re spaç o e c u lt u r a v i sua l

121 IMAGENS TéCNICAS: qUESTãO DE VIDA OU MORTE NO VAzIO SEM DIMENSõES


Alice Fátima Martins

128 FICçãO CIENTíFICA VISIONÁRIA & BIOTECNOLOGIA: DA LITERATURA à BIOARTE


Edgar Silveira Franco

139 PERCEPTOS E AFECTOS, VOzES E hUBBUB


Suzette Venturelli

144 NORMAS PARA COLABORADORES

Ida-unB  ■   Programa de Pós-graduação em arte  ■ 1.o semestre de 2009  ■  v. 9  n.o 1  ■ 3


 

EDITORIAL

A VIS – Revista do Programa de Pós-Graduação


em Arte da UnB reflete neste número o evi-
dente compromisso editorial com a expansão dos
em pós-graduação nessa área de conhecimento.
O colóquio beneficiou tanto os participantes como
suas organizações, pois a partir dele começamos a
debates sobre Arte e Educação, apontando através aperfeiçoar o trabalho em redes e grupos de traba-
de uma privilegiada mistura de vozes, as rupturas lho e pesquisa, por exemplo, a FAV/UFG publicou
com concepções normalizadoras de processos o livro Educação e Visualidade (2008) a partir dos
históricos e de identidades estabelecidas. Os tra- textos dos autores convidados para o I Colóquio; e
balhos neste número são emanados de textos apre- a Editora UFSM lançou o livro Educação da Cultu-
sentados ou encaminhados ao II Colóquio Visua­ ra Visual: Narrativas de ensino e pesquisa (2009)
lidade e Educação – Imagens em Deslocamento organizado pelos professores Irene Tourinho e
realizado nos dias 15 e 16 de junho de 2009 na Raimundo Martins da FAV/ UFG.
Faculdade de Artes Visuais (FAV) da Universida- O evento conseguiu fortalecer o impacto do
de Federal de Goiás (UFG). Os autores foram con- trabalho de grupos de pesquisa e PPGs da UFG,
vidados a encaminhar artigos com o tema de suas UnB e UFSM e , particularmente, aprofundar as
seções. O evento foi uma realização dos progra- discussões ligadas à linha de pesquisa Culturas da
mas de pós-graduação em Arte do Departamento Imagem e Processos de Mediação (UFG) o que
de Artes Visuais (VIS) da Universidade de Brasília oportunizou o amadurecimento das questões de
(UnB) e em Cultura Visual da FAV/UFG, através, investigação dos docentes e discentes vinculados, e
respectivamente, das suas linhas de pesquisa ‘Arte demais professores ligados ao programa num futu-
e Tecnologia’ e ‘Culturas da Imagem e Processo de ro imediato. O I Colóquio foi de vital importância
Mediação’. para a PPG-Arte VIS por constituir-se em umas
Em 2007, por iniciativa e sob a coordenação das primeiras atividades do núcleo de professores
do Prof. Dr. Belidson Dias do VIS/UnB e com o em Arte-Educação da UnB que está promovendo
apoio da UFG, realizou-se o I Colóquio Interna- por meio de eventos como esse as condições para
cional Visualidade e Educação com o objetivo de a criação de futuros programas de mestrado e dou-
aproximar o Grupo de Estudos e Pesquisa em Arte torado em arte educação na unidade.
Educação e Cultura da Universidade Federal de Se o I Colóquio Internacional Visualidade e
Santa Maria (UFSM/RS) ao Grupo de Pesquisa Educação teve como eixo temático os Fundamen-
Cultura Visual e Educação da Faculdade de Artes tos e Princípios da Educação da Cultura Visual, no
Visuais da FAV/ UFG e as atividades do PPG-Arte II Colóquio o tema foi Imagens em Deslocamento,
do VIS/UnB. com a ênfase dada às práticas e experiências em
O I Colóquio foi um evento que marcou as dis- Educação da Cultura Visual. O II Colóquio foi
cussões sobre os Estudos Visuais na UnB, pois dividido em quatro seções temáticas: Cultura e
conseguiu reunir acadêmicos do Centro-Oeste, Visualidade: Questões em Curso; Fundamentos e
convidados nacionais e internacionais para trocar Experiências em Cultura Visual; Educação e Dis-
experiências, ter acesso a perspectivas inovado- tância: Possibilidades em Cultura Visual; Ciber-
ras sobre os temas da Visualidade e Educação e cultura, Ciberespaço e Cultura Visual. Decidimos
suas tecnologias. O evento proporcionou um efeito manter a mesma estrutura para a esta publicação.
multiplicador ao ter cerca de cento e vinte inscritos Assinalamos que a primeira seção temática Cul-
no evento e um grande numero de ouvintes, sen- tura e Visualidade: Questões em Curso é composta
do em grande parte alunos da pós-graduação da de quatro artigos e teve a contribuição de cinco
UnB e UFG e alunos da graduação do VIS/UnB, autores. Devido a sua enorme reputação e gran-
e propiciou aos alunos dos cursos de graduação o de contribuição para o campo da arte/educação,
contato com essas discussões de modo a motivá- Patricia Stuhr, da The Ohio State University foi a
los a fazer pesquisas e prosseguir os seus estudos convidada de honra do evento e abriu o colóquio

Ida-unB  ■  
Ida-u nB  ■   Programa
Programa  de Pós
 de-g
 Praduação
ós-graduação
 em a rte
em a  ■  rte2.  o■ semestre
1.o semestre
 de 2009  ■  ano
 de 2009  ■   v5  0  ■ 5
. 9 n.no. o 1 
com um texto que escreveu sobre cultura visual Visuais da UFPB. Após analisar quatro propostas
e mudanças curriculares com Kerry Freedman curriculares recentes desenvolvendo uma reflexão
da Northern Illinois University, nos EUA, e que sobre escola, currículo, tempo-espaço, professores
publicamos aqui na íntegra. Neste artigo as autoras e alunos, e arte, Irene Tourinho debate sobre o
exploram a produção acadêmica em arte/educação compromisso de sustentar a diversidade de propos-
para estabelecer fundamentos para a teoria curri- tas curriculares como forma de coligar as diversas
cular; apóiam a idéia da necessidade de expandir os epistemologias e práticas que caracterizam o ensi-
seus domínios ao apresentar as artes visuais no seu no de arte atualmente. Ao relatar uma experiência
contexto sociocultural contemporâneo e, por fim, de investigação no campo das práticas de ensino
lidam com recentes mudanças de abordagens de sobre a cultura visual, Rejane Coutinho proble-
teoria e prática. Stuhr e Freedman afirmam que os matiza a situação da cultura visual no contexto
arte/educadores começaram a distanciar-se da pro- de formação de professores de artes visuais. Para
jeção demasiada dada às disciplinas tradicionais completar a seção temos o texto de Marilda Oli­
em artes e movem-se em direção à cultura visual. veira que inquire teoricamente sobre as razões pela
Reconhecem que essa transformação é mais do que qual os Estudos da Cultura Visual são relevantes na
uma simples ampliação dos conteúdos curriculares formação de professores de artes visuais.
e mudança nas estratégias de ensino em resposta ao Nos quatro artigos que fazem parte da seção
imediatismo e distribuição em massa de imagens, temática III, Educação e Distância: Possibilida-
ao contrário, ela envolve um novo nível mais com- des em Cultura Visual estão as experiências de
plexo de teorização sobre a arte/educação, a Educa- Educação da Cultura Visual em Ensino à Distan-
ção da Cultura Visual, que está ligada a emergentes cia (EaD), sobretudo as da Universidade Aberta
filosofias baseadas em novos deslocamento de visu- do Brasil (UAB). Sainy B. Veloso reflete sobre a
alizações e tecnologias. aproximação da História das Artes Visuais com
Dando seqüência a esta primeira seção, Belidson os Estudos de Cultura Visual em uma experiência
Dias explora discursos fílmicos queer como um de EaD. Ao mesmo tempo que indaga se as novas
conduto experimental para práticas de pedagogia modalidade de ensino a distância na UFG se apre-
crítica na Educação da Cultura Visual. O autor sentam como mercadorias ou se devem ser devora-
situa a possibilidade de aproximações, deslocamen- dos antropofagicamente, Leda Guimarães defende
tos e posicionalidades transculturais do especta- que as inter-relações construídas entre os agentes,
dor ao ver filmes complexos, discute questões da estratégias e saberes, propiciam uma formação
censura, e propõe abordagens pedagógicas para os crítica de educadores da cultura visual. Já Thérèse
filmes de Pedro Almodóvar. Sustentado na análise Hofmann Gatti e Rosana de Castro buscam iden-
de uma narrativa visual de uma aluna do curso de tificar e analisar os modos pelos quais a Cultura
Licenciatura em Artes Visuais da UFG, Raimundo Visual norteia o processo de ensino/aprendizagem
Martins questiona historicamente as transforma- dos licenciandos da UAB/UnB. Fechando a seção,
ções do conceito de narrativa e sua predominân- Lilian Ucker discute sobre a posição da educação a
cia na cultura contemporânea e analisa a relação distância como artefato econômico e educativo pra
entre visualidades e experiência visual. A partir de suprir oportunidades de aprendizagem para viver e
práticas “museais”, Lilian Amaral discute sobre as trabalhar em uma sociedade baseada na tecnologia.
metamorfoses do olhar produzidas pela distinção Na seção temática IV Cibercultura, Ciberespaço
entre visualidade e visibilidade, recepção e per- e Cultura Visual temos o aporte de três autores.
cepção, comunicação e informação. A partir das questões propostas por Vilém Flusser
Integram a seção temática II Fundamentos e sobre as imagens técnicas, Alice F. Martins reflete
Experiências em Cultura Visual, as contribuições sobre a cultura contemporânea. Entre muitas coisas
de quatro autores. Em seu artigo, Erinaldo Alves discute se as metodologias usualmente adotadas
do Nascimento reflete sobre as possibilidades de por historiadores da arte e outros críticos e estu-
articulação de imagens a partir da perspectiva da diosos mostram-se capazes de decifrar fotografias,
cultura visual em um projeto de trabalho desen- filmes, hologramas, e demais imagens que circulam
volvido com estagiários da Licenciatura em Artes nas sociedades contemporâneas. Ao explorar as

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edItoRIal 

relações entre a ficção científica e a biotecnologia, mos também a nossa gratidão à editora Lawrence
Edgar S. Franco ressalta o caráter antecipatório Erlbaum Associates pela autorização de publicação
das criações de ficção científica, pontuando exem- do artigo de Patrícia Stuhr e Kerry Freedman no
plos nas linguagens artísticas abordadas: desde a seu formato original em estilo APA. Gostaríamos
literatura, passando pela música e pelas histórias ainda de expressar nossos agradecimentos a todas
em quadrinhos e chegando à bioarte. Encerrando as componentes de nosso Conselho Editorial, ao
a seção, temos o artigo de Suzete Venturelli que grupo que forma a Editoria da VIS – Revista do
parte do relato de processos de criação de trabalhos Programa de Pós-Graduação em Arte da UnB, aos
artísticos desenvolvidos no Laboratório de Pesquisa alunos bolsistas e a toda nossa equipe técnica: assis-
em Arte e Realidade Virtual do VIS/IdA/UnB para tente editorial, tradutor, revisor, responsáveis pela
explorar características da realidade virtual e inteli- editoração e capa.
gência artificial. É preciso ressaltar a importância do II Colóquio
Para finalizar agradecemos, primeiramente, a Visualidade e Educação, promissor ao dar continui-
Irene Tourinho, coordenadora da PPG-Cultura dade a essas discussões coletivas e promover a sus-
Visual FAV/UFG e coordenadora do II Colóquio tentação da busca da compreensão da relevância dos
Visualidade e Educação e a Raimundo Martins, Estudos da Cultura Visual para a Educação.
Diretor da FAV/UFG, pelo apoio competente e Desejamos a todos boa leitura e muita reflexão. ■
pelas críticas e sugestões que muito contribuíram
para o aprimoramento das idéias e edição final Belidson Dias
Editor convidado
apresentada neste número. Reconhecemos, tam-
bém, que esta edição não seria possível sem os
colaboradores que encaminharam seus artigos. RefeRências
Manifestamos nosso reconhecimento ao PPG-Arte
Tourinho, irene.; MarTins, raimundo (orgs.). Educação
VIS e ao PPG-Cultura Visual FAV/UFG. Nossos
da Cultura Visual: narrativas de Ensino e Pesquisa . santa
agradecimentos também a Luiz Galina, Chefe do
Maria, rs: EditorauFsM. 2009
VIS, e a Nelson Maravalhas Jr., Coordenador da
PPG-Arte/VIS pelas contribuições, e apoios neces- MarTins, raimundo (org.). Visualidade e Educação.
sários para a realização deste numero. Registra- Goiânia: FunaPE, v.3, 2008. (Coleções Desenrêdos)

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S e ç ã o  1
Cultura e viSualidade: 
queStõeS em CurSo
CURRICULUM ChANGE FOR ThE 21st CENTURy:
VISUAL CULTURE IN ART EDUCATION
Kerry Freedman & Patricia Stuhr

Resumo
Este texto tem como foco o conceito de narrativa e a análise de uma narrativa visual como experiência educativa.
Na primeira parte, examina de maneira sucinta as transformações deste conceito nas últimas décadas e sua
predominância na cultura contemporânea. Em seguida, analisa a relação entre visualidades e experiência visual
ressaltando o modo como imagens criam associações, evocam contextos e são moldadas por práticas subjetivas
e culturais. A interação entre imagem, narrativa e ação é discutida na terceira parte através da análise da narrativa
visual de uma aluna do curso de Licenciatura em Artes Visuais da Faculdade de Artes Visuais da Universidade
Federal de Goiás. O texto conclui colocando em perspectiva algumas implicações para a utilização desse recurso
pedagógico e enfatizando sua relevância no sentido de aproximar os alunos do conhecimento e dos problemas
relacionados ao contexto social e cultural em que vivem.
Palavras-chave: Narrativa. Imagem. Visualidades. Experiência Educativa.

Abstract
This paper has its focus on the concept of narrative and in the analysis of a visual narrative as educative experience. In
the first part, it examines in a succinct way the transformations of this concept in the last decades and its predominance
in contemporary culture. Following it analyses the relation between visualities and visual experience emphasizing the
way images create associations, evoke contexts and are shaped by subjective and cultural practices. The interaction
between image, narrative and action is discussed in the third part of the paper through the analyses of a visual narrative
of a student of the Visual Arts Teacher Training Course from the Visual Arts College of the Federal University of Goiás -
brazil. The paper concludes pointing to some implications for the utilization of this pedagogical resource emphasizing
its relevance in order to approximate students to knowledge and to problems related to the social and cultural context
where they live.
Keywords: Narratives. Image. Visualities. Educative Experience.

PATRICIA STUHR é Professora e chefe do Department of Art KERRY FREEDMAN é professora no departamento de arte
Education da Ohio State University, EUA. Obteve um PhD e Educação da School of Art da Northern Illinois University,
um Mestrado em Arte/Educação na University of Wisconsin- E.U.A.. Sua pesquisa se concentra em questões relativas
Madison, e um bacharelado em Arte/Educação pela a currículo, arte, cultura e tecnologia. Ao longo de sua
University of Wisconsin-Stevens Point. Atua principalmente carreira, ela já pesquisou os aspectos sociais da arte/
na áreas de Arte/educação multicultural, cultura visual, educação e promoveu a compreensão cultural por meio
tópicos pós-modernos na arte/educação contemporânea e de seu ensino, pesquisa e textos. Recentemente, ela tem se
arte e artistas indígenas norte-americanos. Tem publicado concentrado particularmente em questões relacionadas ao
intensamente nos principais periódicos da área nos EUA comprometimento do aluno com a cultura visual e questões
assim como tem sido editora e participado de comitês que envolvem a mudança curricular em função das condições
científicos de vários outros periódicos. de ensino pós-moderna. Ela foi co-autora de Postmodern Art
Education: An Approach to Curriculum, e de Transforming
Computer Technology, e co-editou o livro Currículo, Cultura e
Arte-Educação. Autora do livro Teaching Visual Culture.

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Seção 1 – Cultura e viSualidade: queStõeS em CurSo

cURRicULUM anD VisUaL cULTURe in response to the immediacy and mass distribu-
tion of imagery. It includes a new level of theoriz-

N ational and international art educators have


begun to move away from the emphasis on
traditional fine arts disciplines toward a broader
ing about art in education that is tied to emergent
postmodern philosophies based on this growing
environment of intercultural, intracultural, and
range of visual arts and cultural issues (Ballen- transcultural visualizations.
geeMorris & Stuhr, 2001; Barbosa, 1991; Blandy, The shift to visual culture not only refers to
1994; Congdon, 1991; Duncum, 1990; Freedman, expanding the range of visual arts forms included
1994, 2000; Garber, 1995; Garoian, 1999; Hernán- in the curriculum but also to addressing issues of
dez, 2000; Hicks, 1990; Jagodzinski, 1997; Nepe- imagery and artifacts that do not center on form
rud, 1995; Smith-Shank, 1996; Tavin, 2000). These per se. This includes issues concerning the power
contributors to the field have argued for a trans- of representation, the formation of cultural identi-
formation of art education in response to chang- ties, functions of creative production, the mean-
ing conditions in the contemporary world where ings of visual narratives, critical reflection on
the visual arts, including popular arts and con- technological pervasiveness, and the importance
temporary fine art, are an increasingly important of interdisciplinary connections. The focus in
part of the larger visual culture that surrounds recent decades on fine arts disciplines in U. S. art
and shapes our daily lives. In the process of this curriculum and standardized testing have resulted
transformation, art educators are replacing old- in the exclusion of such critical aspects of visual
er views of curriculum and instruction with an culture in art education. In fact, these aspects of
expanded vision of the place of visual arts in the visual arts have been given more attention in
human experience. “nonart” school subjects such as anthropology
The change in art education has historical roots. and sociology and feminist, cultural, and media
From the beginning of public school art education studies (Collins, 1989; Mirzoeff, 1998; Scollon &
in the late 19th century, a range of design forms Scollon, 1995; Sturken & Cartwright, 2001). If the
have been included in the field. For example, early intention of education is to prepare students for
art education focused on industrial drawing and personal fulfillment and to constructively contrib-
handicrafts; children’s interests became a topic of ute to society, then art education must deal with
art education by the 1920s; art in daily life was a newly emerging issues, problems, and possibilities
slogan of the 1930s; during World War II, visual that go beyond the constraints of learning offered
propaganda was taught in school; and during the by a discipline-based curriculum and standard-
1960s, crafts increased in popularity. In the fol- ized forms of assessment.
lowing 2 decades, a few art educators addressed The purpose of this chapter is to discuss art
important issues in the uses of popular culture and education in terms of the broadening realm of
mass-media technologies, contextualizing these in visual culture and to theorize about curriculum
relation to students’ lives (Chalmers, 1981; Grigs- change. The development of a conceptual frame-
by, 1977; Lanier, 1969; 1974; McFee & Degge, 1977; work for postmodern visual culture is vital to
Neperud, 1973; Wilson & Wilson, 1977; Wilson, any contemporary teaching with a goal of critical
Hurwitz, & Wilson, 1987). reflection. Although scholars in art education and
Substantial differences exist between those roots other fields have begun to develop theoretical
of a generation or more ago and the contemporary underpinnings for understanding visual culture,
movement. This is the case, in part, because the the topic from an educational perspective remains
global virtual culture only suggested by theorists severely undertheorized. As a result, much theo-
before the availability of interactive, personal com- retical work needs to be done in order to promote
puters in the early 1980s has now become a real- appropriate interpretations and applications of
ity with its associated proliferation of images and visual culture in art education. In this chapter, we
designed objects. The current transformation of art have drawn on scholarship from inside and out-
education is more than just a broadening of cur- side of the field to lay a foundation for curriculum
riculum content and changes in teaching strategies theory. In the following main section, we support

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cuRRIculumchangefoRthe21stcentuRy:VISualcultuReInaRteducatIon KeRRyfReedman&PatRIcIaStuhR

the argument for broadening the domain of art serve elementary, secondary, or higher education
education by presenting the visual arts in their students. Fine art is still of great value in educa-
contemporary, sociocultural context. After dis- tion and an important part of historical and con-
cussing this context of visual culture, we address temporary visual culture; however, the broader,
shifts in recent theory and practice of art educa- creative, and critical exploration of visual culture,
tion in the second main section. and its local, state, national, and global meanings
is a more appropriate focus if we want students to
BROaDeninG THe DOMain Of aRT eDUcaTiOn understand the importance of visual culture.
A global transformation of culture has occurred In this section of the chapter, we discuss four con-
that is dependent on visual images and artifacts ditions of the contemporary world that contextual-
ranging from what we wear to what we watch. We ize art education and lead to changes in the produc-
live in an increasingly image-saturated world where tion and study of visual culture by students. First,
television news may control a person’s knowledge important characteristics of personal and commu-
of current events, where students spend more time nal identities are discussed in terms of representa-
in front of a screen than in front of a teacher, and tions constructed in and through the range of visual
where newborn babies are shown videos to activate culture. Second, increasing daily interactions with
still-developing neurons. Visual culture is pervasive newer media, particularly visual technologies, are
and it reflects, as well as influences, general cultural addressed as a major part of contemporary human
change. The pervasiveness of visual cultural forms experience. Third, the permeable quality of disci-
and the freedom with which these forms cross var- plinary boundaries and the significance of interdis-
ious types of traditional borders can be seen in ciplinary knowledge to the complexity of visual cul-
the use of fine art icons recycled in advertising, ture are discussed. Fourth, the importance of critical
computer-generated characters in films, and the processes of interpretation in understanding the
inclusion of rap videos in museum exhibitions. The complexity of visual culture is presented. Although,
visual arts are the major part of this larger visual we have delineated these conditions into sections for
culture that includes fine art, advertising, folk art, this chapter, the contents of these sections actually
television and other performance arts, housing and blur and interact.
apparel design, mall and amusement park design,
and other forms of visual production and commu- Social iSSueS and cultural identitieS
nication. Anyone who travels, watches rock videos, At one time, sociologists thought popular forms of
sits on a chair, enters a building, or surfs the Web visual culture merely reflected social life. Contem-
experiences the visual arts. Visual culture is the porary images and artifacts, however, are a major
totality of humanly designed images and artifacts part of social life. Visual culture teaches people
that shape our existence. (even when we are not conscious of being educated)
The increasing number of visual culture objects and, in the process, we recreate ourselves through
and images shapes not only art education in the our encounters with it. As we learn, we change,
21st century but also the intergraphical and inter- constructing and reconstructing ourselves. Global
textual connections between visual forms (Freed- culture functions through visual culture (television,
man, 2000, 2003). The conceptual and physical radio, newspapers, telephones, faxes, World Wide
interactions of various images and artifacts, forms Web, etc. ) to produce hegemonic, virtual realities,
of representation, and their meanings are funda- including our social consciousness and identities.
mental to the way in which the visual arts are inter- The influence of visual culture on identity occurs
preted and understood. Art now crosses many old on personal and communal levels. Various aspects
borders of culture and form. For example, adver- of personal identity are made up of many cultural
tising photography, body fluids, and Star Wars bits. Culture is a collage of many cultural identities
paraphernalia are all exhibited in art museums. As that are selected and translated on a continuing basis
a result, knowledge of what has traditionally been (Clifford, 1988). Far from being a unified whole,
considered fine art objects and “good” taste can no any particular identity is a combination of others,
longer be seen as the only visual cultural capital to with its resulting contradictions and incongruities.

Ida-unB  ■   Programa de Pós-graduação em arte  ■ janeIro/junho de 2009  ■  v. 8  n.o 1  ■ 11


Seção 1 – Cultura e viSualidade: queStõeS em CurSo

These identities include age, gender, and/or sexual- ViSual technologieS


ity, socioeconomic class, exceptionality (giftedness,
differently abled, health), geographic location, lan- A critical issue of visual culture is the place of visual
guage, ethnicity, race, religion, and political status. forms produced through the use of computer and
All we can ever understand of a cultural group is other advanced technologies. Computer technol-
based on individual, temporal experience as lived ogy is not only a medium but also a means that has
or expressed. Fragmented knowledge of identity is enabled people to see things previously unimagined
all that can exist, making it difficult to understand and to cross borders of form from the fine arts to
even our own cultures and social groups. However, the mass media to scientific visualization. Visual
the more that is learned about visual culture, the technologies allow people to create, copy, project,
better we can grasp the concept of identity; and the manipulate, erase, and duplicate images with an
more that is learned about the various members of ease and speed that challenges distinctions of talent,
a particular group, the more richly we can under- technique, and the conceptual location of form. It
stand their visual culture (Stuhr, 1999). A recogni- could be argued that many of the issues that are seen
tion of our own sociocultural identities and biases as critical to postmodern visual culture have existed
makes it easier to understand the multifaceted historically in other forms; however, the global tech-
identities of others. It also helps us to understand nological presence of images and objects, the ease
why and how students respond to visual culture as and speed with which they can be produced and
they do (Ballengee-Morris & Stuhr, 2001; Freedman reproduced, and the power of their pervasiveness
& Wood, 1999). demand serious attention in education.
Communal identity is constructed by social Contemporary visual technologies have promot-
groups at the international, national, regional, state ed the collapse of boundaries between education
or province, county, and local community levels and entertainment. Advertisements, Web sites, and
where institutions, laws, and policies interact and even the news, combine education and entertain-
change. These communal levels are continually ment to promote the sale if products and/or ideas.
being constructed and reconstructed in accordance Consumers are approached as audiences through
with sociopolitical positions. Communal identity is the instantaneous transmission of sound and imag-
an important conceptual site where cultural beliefs ery to even the most remote areas. Goods and ideas
and values are formed, sanctioned, and/or penal- are pitched under the guise of enjoyable and addict-
ized as it mediates the uncertainty and conflict of ing entertainment. This edu-tainment has fictional
daily life and change. qualities that have become an important part of
Global visual culture is created through com- daily reality and the sensual qualities of the imagery
modification and distributed at an international are as seductive as they are didactic. It is the wide
level. The merchandise of global visual culture has distribution of this interaction of seduction, infor-
expanded beyond products to ideology, spiritual- mation, and representation that makes newer visual
ity, and aesthetics. This merchandizing can be a technologies so powerful.
useful tool when coopted for positive educational Although experiences with visual technologies
purposes, such as for saving endangered species, were once considered an escape into a fictional,
protecting the environment, or promoting human virtual world, students using technology today are
rights; however, it can have negative effects as well understood as engaging with complex, global com-
when it colonizes, stereotypes, and disenfranchises. munities at multiple cognitive levels. We now expe-
As a result of the expanding, global influence of rience technology as reality and appropriate visual
visual culture in the formation of identity and lived culture as life experience, turning it into attitudes,
experience, art education has a new global signifi- actions, and even consciousness (Rushkoff, 1994).
cance. Through lived experience with the increas- While we are being shaped by technological visual
ing range, availability, and speed of visual forms, culture, we shape it through our fashion, toy, music,
many art educators have come to understand that and other preferences. Corporations and advertis-
visual culture is in a continual state of becoming ing agencies videotape students in teen culture
and should be taught as such. focus groups, who act as informants on the next

12   ■ janeIro/junho de 2009  ■  v. 8  n.o 1  ■  Programa de Pós-graduação em arte  ■  Ida-unB


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“hot” or “cool” thing, which are then developed into the qualitative differences among these forms have
products. The products are subsequently advertised become less discrete. Visual culture is a mode of
and sold inside, as well as outside, of school to their experience that connects people through many
peers through global visual technologies. The pro- and varied mediators. The variety and complexity
cess illustrates one of the parts visual technologies of the experience are dependent on the possibility
plays in the fusion of education and entertainment of a range of quality related to form, none of which
as well as in the collapse of boundaries between should be inherently excluded from the investiga-
student culture and corporate interests. tion, analysis, and critique enabled by art educa-
Visual culture forms are merging. Rarely do con- tion. Even concepts and objects previously consid-
temporary artists specialize in painting on canvas ered fairly stable are in flux. Truth has shifted from
or sculpting in marble; painters do performance an epistemological to an ontological issue: That is,
art; actors do rock videos; video artists recycle film it becomes less about what we know than who we
clips; filmmakers use computer graphics, which are. Time has lost its neat linearity, space appears
are adapted for toys and T-shirt advertising; and to expand and contract, and boundaries of various
advertisers appropriate paintings. Today’s visual sorts have become blurred. Perhaps most impor-
arts have moved beyond painting and sculpture to tant, postmodern visual culture makes imperative
include computer graphics, fashion design, archi- a connectedness that undermines knowledge as
tecture, environmental design, television, comics traditionally taught in school. It involves interac-
and cartoons, magazine advertisements, and so on. tions among people, cultures, forms of representa-
Visual culture also overlaps with arts not usually tion, and professional disciplines. As suggested ear-
categorized as visual, such as dance and theater. lier, this condition has been particularly promoted
Performance artists of many types use comput- through the use of visual technologies.
erized lighting and sound to create atmospheric In light of these contemporary conditions, it
and dramatic effects. The performing arts are part seems less important than it once was to focus
of visual culture. Even music has become more determinations of either worthiness of study or
visual through the increased use of rock videos quality of object in education on distinctions of
and complex technologically produced light shows taste or between “high” and “low” arts. Such dis-
during concerts. Through the use of technology, tinctions may be important to understanding some
such as computer graphics and audio software, art aspects of artistic practice, such as private collect-
objects have increasingly become recycled bits of ing, museum exhibition, and the use of fine art in
other objects that are collaged, reconstructed, and advertising. These distinctions of visual form have
reproduced. long been based on socioeconomic differences and
In the process of changing the visual arts, are therefore contrary to the democratic purposes
advanced technologies have changed what it means of schooling. Although such distinctions might be
to be educated in the arts. In the context of postin- understandable as boundaries of professional train-
dustrialized culture, the visual arts can no longer be ing in a period of increasing specialization, we now
seen as isolated from general culture, the products live in a time that includes important challenges to
of a few alienated, individual artists working in a extreme specialization. Such challenges are made
small fine art community of museums, collectors, by even highly specialized professionals who realize
and galleries. Museum or gallery exhibition con- that solving the most serious and important prob-
tact with original fine art objects is now only one lems of the world demand interdisciplinary and
of many possible experiences with the visual arts. cross-disciplinary knowledge.
Newer technologies have enabled encounters with The realm of the visual arts inherently overlaps
the visual arts to become embedded in all aspects with other disciplinary domains. Artists and other
of our daily lives. cultural producers draw on all types of knowledge
and cognitive processes to create. Recent research
Permeable arenaS of Knowledge on cognition, and even predictions by labor lead-
It is becoming more difficult to distinguish the fine ers, suggests that learning in the future will have
arts from other aspects of visual culture because more to do with developing a range of knowledge

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Seção 1 – Cultura e viSualidade: queStõeS em CurSo

that involves disciplinary, interdisciplinary, and surface qualities is one of the reasons that visual
interpersonal relationships than with the boundar- culture is so complex. It is not the surface qualities
ies of professional disciplines (Solso, 1997). Con- of form that make art worth teaching in academic
necting content typically considered part of other institutions; rather, it is the profound and com-
school subjects in the curriculum helps students to plex qualities, based on their social and cultural
understand the importance and power of the visual contexts and meanings, that are attached to forms.
culture and their place in the world. In part, postmodern visual culture producers of
various types reflect and enable this refocusing of
ProceSSeS of underStanding comPlexity aesthetic theory. They often reject formalistic uses
As a part of the process of concept formation in of the elements and principles of design in favor of
education, the arts have often been dichotomously symbolic uses that suggest multiple and extended
categorized, inhibiting understanding and reduc- social meanings.
ing the complexity of visual culture. The process of Making meaning from complex visual cultural
learning new concepts does involve dichotomous forms occurs through at least three overlapping
distinctions. For example, children with pets may methods: (a) communication, (b) suggestion, and
begin to learn that a cow is a cow by learning (c) appropriation (Freedman, 2003). Communica-
that is not a dog or a cat; they learn to discern tion involves a fairly direct line of thought between
one style of painting by learning its differences the maker and the viewer. The maker has a mes-
from other styles (Gardner, 1972). However, if sage that she or he intends for viewers to under-
attempts to understand visual culture are success- stand, and the message is conveyed in as direct a
ful, the dichotomies of early concept formation manner as possible to an intended and understood
are overcome, the complexity of concepts becomes audience. Suggestion involves a process by which
increasingly apparent, categories blur, and hard association is stimulated in viewers by a maker
and fast distinctions become less discrete. At this (whether intended or not), resulting in the exten-
level of understanding, oppositions become dual- sion of meaning beyond the work. Appropriation
isms (“two sides of the same coin”), multiple per- involves the creative interpretation by a viewer
spectives are valued, and oversimplifications (such who encounters a visual culture form in which
as stereotypes) are replaced by more complex rep- the maker has intentionally diffused meaning. In
resentations. a sense, viewers complete any work of art by draw-
Contemporary visual culture is too complex to ing on their prior knowledge and experiences as
be represented in a dichotomous fashion. The com- they construct meaning. However, contemporary
plexities are illustrated by practices such as image visual culture is often complex because postmod-
recycling, the difficulties of defining creativity as ern artists deliberately confound the construction
originality, and the effects of maintaining concep- of meaning. These conditions illustrate the impor-
tual oppositions (including distinctions such as fine tance of teaching visual culture as a process of cre-
vs. popular arts and male vs. female capabilities). ative and critical inquiry.
As discussed earlier, it is not easy to view cultures
or their creations as totally separate because they neW aPPROacHes TO aRT eDUcaTiOn: VisUaL cULTURe
interact on many levels and through many media. inQUiRY
Fine artists borrow imagery from popular culture, In part, visual culture inquiry challenges traditional
men borrow from women, and artists in one coun- forms of art education because it is sensitive to the
try borrow from those in other countries. These social and cultural issues discussed in the previous
intersections are revealed and supported in and section. The foundation of art education conceptu-
through visual cultural forms. alized as visual culture inquiry is a matter of teach-
An increasing body of contemporary theory ing for life in and through the visual arts. It helps
and artistic practice represents the seductive infu- students to recognize and understand the ambigui-
sion of meaning in aesthetics as the power of visual ties, conflicts, nuances, and ephemeral qualities of
culture (e.g., Ewen, 1988; Shusterman, 1989). The social experience, much of which is now configured
integral relationship between deep meaning and through imagery and designed objects.

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In part, freedom in contemporary democracies visual arts in the United States and, in public school
is reflected through the ways in which visual reali- art education, has been based on industrial design at
ties are constructed, cutting across traditional artis- least since Walter Smith’s work in the 1870s. Times
tic and social boundaries. Students and teachers are have changed, however, and the contract is being
becoming aware of the power of visual culture in renegotiated. The new perspective of art education
the formation of attitudes, beliefs, and actions. In responds to contemporary change in what students
dynamic ways, visual culture shapes the ways we need to know in and through the arts.
look at ourselves and perceive others, often portray- The industrial training model of education car-
ing individuals and groups in ways contradictory to ries with it regimented, mechanistic training and
the democratic purposes of schooling. At the same the reproduction of traditional forms of knowledge
time, education is one of the last public forums for a through group conformity. As a result, students
potentially free critique of the products of mass dis- working within this model often make art that
tributed visual technologies that make up the media looks very much alike. These assemblyline-look-
and visual culture and for thoughtful student reflec- ing products, such as color wheels, are produced
tion on their own production and uses of visual cul- by rote and repeated in multiple grade levels. The
ture. The critical necessity of teaching visual culture emphasis on this model has enabled the develop-
in this context is seen in the lack of serious debate ment of the school art style (Efland, 1976, 1983)
even in the “free” media as it becomes increasingly and has cramped teacher and student freedom in
focused on entertainment (e.g., Aronowitz, 1994; the exploration of conceptual complexity in both
Morley, 1992). making and viewing. Of course, some technical
Perhaps the people most influenced by visu- exercises are important to art education, but to
al culture are children and adolescents. Students emphasize this model of instruction confounds the
incorporate the social codes, language, and val- importance of art.
ues of visual culture into their lives (Freedman & Like other school subjects, art education adopt-
Wood, 1999; Tavin, 2001). Visual culture influences ed industrial training as its basic approach in the
students’ knowledge, affects their identity construc- late 19th century. Today, the business community
tion, and shapes their aesthetic sensibilities. has changed from a focus on modern, industrial
In the following sections, we first argue the production techniques to postmodern market
importance of moving from a school foundation information and services, in which home loans
of modernist aesthetic policy based on industrial and vacations can be bought on the Web, children
training to a more meaningful and relevant art learn about outer space through role-play comput-
education. Second, we discuss problems of atom- er games, and people access maps through satellite
izing visual culture in curriculum. Third, we focus connections in their cars. As discussed earlier,
on teaching as a process of helping individuals and the history of art education is replete with exam-
learning communities to make meaning through ples of the inclusion of popular culture images
the fusion of creative and critical inquiry. and objects. The current movement leaves behind
the technical emphasis of industrial training that
reconcePtualizing moderniSt aeSthetic Policy: art education reSPondS to alienates producers from the larger meanings
induStrial training associated with their production. Instead it gives
An unstated aesthetic policy has developed through attention to the multiple connections between
the educational application of an aesthetic canon form and meaning.
that underlies all of what we do. As policy, the canon The industrial model in art education is based on
has calcified and reproduced itself, through century- analytical aesthetics. This aesthetic perspective has
long practices of schooling. Like any educational been treated in curriculum as if it is objective: That
policy, this aesthetic policy implies a social contract is, analytical aesthetics is not generally taught as if
that is revealed through the modernist, industrial it were a socially constructed and culturally located
curriculum and standardized tests taken by stu- philosophical stance. In curriculum, the analytic
dents and teachers. It is a historical artifact that was emphasis is formalism. Formalism is a pseudosci-
important in its time for the development of the entific conception of aesthetics that developed in

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Seção 1 – Cultura e viSualidade: queStõeS em CurSo

the late 19th and early 20th century at a time when formed through education, often losing important
science was gaining currency in application to all attached cultural meanings.
areas of social life. Other conceptions of aesthetics
exist but have largely been ignored as philosophical curriculum aS ProceSS: challenging atomiStic content and aSSeSSment
analysis in art education. Recently, general curriculum theorists have been
Even when the focus of instruction is not formal struggling with the project of reconceptualizing
per se (that is, when formal qualities are under- curriculum from postmodern perspectives (Giroux,
stood as supports for ideas) the educational pre- 1992; Pinar, 1988; Pinar, Reynolds, Slattery, & Taub-
sentation of formal qualities is not always respon- man, 1996). This project is a response to the many
sive to social and cultural issues. Consider the social and cultural changes that are now influencing
example of frontal views of authority figures, which students’ lives. The project of developing appropri-
is often included as part of the aesthetic canon ate educational responses to such change is increas-
students must learn. Not only is this concept rela- ingly important as societies and cultures leave the
tively trivial in the big picture of the small amount secure thinking of modernistic forms of educa-
of time we have to teach students, but also it is tion, where knowledge and inquiry methods are
Eurocentric. In certain African cultures, authority represented as stable and curriculum is intended
has been represented traditionally in female relief to be reproductive. For example, postmodern cur-
form in which its femaleness (protruding breasts riculum theorists point out that curriculum is not
and buttocks) is intended to be viewed from the a neutral enterprise; it is a matter of selection. As a
side. Another instance where the Western canon result, curriculum contains and reflects the interests
of pictorial frontal views of authority does not hold of individuals and social groups. Patrick Slattery
up is in the context of traditional Plains Native (1995) has argued that curriculum expresses auto-
American shields and teepees where authority fig- biography because it is created by human beings
ures are represented as part of symbolic narratives. who leave parts of themselves in their teaching and
Their authority might be recognized by headgear, writing. He has suggested that curriculum should
size, and so on. Even in European art, the author- focus on issues of the self, because that is where
ity of male figures has been symbolically shown learning takes place, and he argues that educa-
by uniforms, weapons, and even by connection tors can use the concept of autobiography to better
to a spouse as in a pair of profile portraits. These understand educational conditions. A postmodern
examples illustrate that the focus of curriculum understanding of the personal and social processes
must change if students are to develop an under- of curriculum planning and enactment exemplifies
standing of the complexity of thought concerning the aesthetic character of education and the impor-
visual imagery and artifacts. tance of considering individual learning in relation
The traditional focus on historical, fine art exem- to social contexts.
plars has tended to suggest a single line of Western The modernist problem of curriculum may be
stylistic development. Formal and technical quali- thought of as having allowed a veil to fall over such
ties have been represented in curriculum as the social issues, hiding or obscuring them. This veil
most important connection between art objects. has covered the complexity and connections of
Even the educational emphasis of content, such as artistic relationships as modernist curriculum has
the figure, landscape, or still life, has often become sought to continually break down knowledge into
formal and technical when teachers assign students minute bits of information. As the curriculum has
to “make a Van Gogh sunflower painting” with become more focused on small objectives and tra-
paper plates and dry markers. In the past, the rich ditional, fine art exemplars are used over and over
conceptual connections among images, objects, and again, art has been transformed from visual expres-
other forms of culture, which are often their rea- sions of multiple and complex ideas to oversimpli-
sons for being, have been missed or hidden in such fied uses of formal and technical qualities.
endeavors. The complex, interdisciplinary reasons The postmodern problem of curriculum is to lift
we value such artists’ ideas are neglected. Under the veil and thus make art education more mean-
these conditions, visual culture objects are trans- ingful than mere sensory experience. This could be

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accomplished by challenging students with inquiry develop both through community discourse. Cri-
based on creative production and critical reflection teria for assessment must be developed through
involving deep interrogations of images, artifacts, community debate, but not allowed to be trivialized
and ideas that approach the complexity of visual through excessive fragmentation and overassess-
culture as experienced. This often requires some ment (Boughton, 1994, 1997).
school subject integration. Art education is no different in the dissolution
The major issue of curriculum integration now of its boundaries from other areas and disciplines.
can no longer be whether to integrate, but rath- Postmodernism and advances in computer and
er what, when, and how to teach students most media technologies have enabled boundary erosion
effectively through the construction of integrat- that has prompted new ways of conceptualizimg
ed knowledge. Schools are adopting integrated subject areas and what constitutes important dis-
approaches to curriculum in an effort to teach stu- ciplinary knowledge. As a result, new methods
dents the conceptual connections they need to suc- for investigation and data collection are continu-
ceed in contemporary life. Art education should ally being invented and developed. The arts figure
help students know the visual arts in their integrity prominently in these new methodological configu-
and complexity, their conflicting ideas as well as rations (Barone & Eisner, 1997; Gaines & Renow,
their accepted objects, and their connections to 1999; Prosser, 1998; Rose, 2001).
social thought as well as their connections to other
professional practices. artiStic Production: maKing meaning through creatiVeand critical inquiry
As discussed earlier, confining the visual arts to In the past, the focus on formal and technical attri-
narrow learning objectives and assessment strate- butes of production has limited our conception of
gies based on traditional notions of excellence in curriculum and has been constrained by at least
fine art disciplines is highly problematic. The old four interconnecting, historical foundations. First,
constructs of knowledge about the visual arts have there has been a focus on realistic representation as
included at least one other set of boundaries that a major criterion for quality in student art. Teach-
has resulted in difficulties for an art education. It ers often cite parent and administrative pressure
involves the question: Where do the boundaries of for this focus. A focus on realism, without concep-
art stop and other school subjects begin? Reproduc- tual foundation, addresses only one form of artistic
ing narrow constructs of knowledge should not be production and ignores the importance of abstract
the purpose of contemporary art education. Not and symbolic representations of ideas that are vital
only is finding a perimeter for the open concept of to human experience. Creative and critical prob-
art difficult, but also it may be an ineffective way to lem investigation and production based on various
approach curriculum. From a contemporary educa- forms of abstraction, fantasy, science-fiction, and
tional standpoint, our goal is to make as many con- so on can only be promoted through open-ended,
nections as possible because connections produce independent inquiry leading to connective forms of
integrated learning. representation.
In order to reconceptualize curriculum in this Second, in conflict with the focus on realism, but
way, it is necessary to understand curriculum as coexisting with it is an emphasis on expressionistic
a process rather than as a single text. The process characteristics and maintaining childlike quali-
of curriculum is its product. Curriculum is not a ties in student art. This has resulted in products
unified whole. It is a collage of bits of information that have formal and technical qualities that look
based on knowledge (Freedman, 2000, 2003). It is somewhat like young children’s art regardless of
flexible, at some times sequential and at other times the conceptual sophistication of the student. The
highly interactive, making connections not only to painterly quality of child art is valued as evidence of
the previous lesson but also to life experiences. individual self-expression (in part, based on fine art
An integral relationship exists between assess- styles such as abstract expressionism) and is a foun-
ment and curriculum. Both must be of quality in dation of the aesthetic of late modernism. However,
order to have a successful program. An authentic these expressionistic qualities are not necessarily
perspective of assessment and curriculum is to evidence of individuality because they have been

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Seção 1 – Cultura e viSualidade: queStõeS em CurSo

socially constructed and have become a criterion about visual culture because it (a) is a process of
for group assessment. creative/critical inquiry, (b) helps students under-
Third, as discussed earlier, the industrial train- stand the complexities of visual culture, and (c)
ing model has led to a focus on formal and tech- connects and empowers people.
nical qualities, but these are also easy to teach
and assess. Curriculum content is often selected artiStic Production iS a ProceSS of creatiVe/critical inquiry
and configured to be efficiently handled in the Creative production and critical reflection are
institutionalized settings of classrooms. With the not separate in art; they are dualistic and mutu-
emphasis on standardized curriculum and test- ally dependent. Creative production is inherently
ing, the reliance on simplistic, easily observed critical, and critical reflection is inherently creative.
products or results and procedures is convenient. When we look at an image or artifact, we create it
Although these practices often trivialize art and in the sense that we give it meaning. It is important
are generally irrelevant to students’ lives, they are to conceptualize these processes as being intercon-
considered efficient and effective by administra- nected if art educators are going to teach in ways
tive and governing bodies, and teachers have been appropriate to understanding visual culture.
encouraged to perpetuate these practices. Many different types of studios (i.e., commer-
Fourth, art teachers are forced to compete for cial arts, fine arts, computer graphics, video and
funds and advocate for programs through art film production) and studio practices exist. Stu-
exhibitions for parents and administrators who dio practices include conceptualizing, viewing,
are not well educated in the arts. As a result, teach- analyzing, judging, designing, constructing, and
ers are often placed in a position of defending marketing visual forms. An important part of stu-
their place in the school community based on the dio practice is participation in the discourses of
success of exhibitions, which depend on a student various communities (professional, student, ethnic,
art aesthetic that demonstrates a high degree of gender, environmental, etc. ) to develop contexts
formal and technical skill, but is not intellectually through which connections can be made between
demanding. Rather than acknowledging that art production and social life. As discussed earlier, a
involves a range of life issues, abilities, and con- critical aspect of teaching visual culture is making
cepts, art teachers have been pressured to think connections and crossing borders. This is accom-
that their worth is based on students’ technical plished through conceptually grounded processes
production skills and knowledge of a few art his- of creative/critical inquiry that promote synthesis,
torical facts. extend knowledge, and enrich relationships. These
The new conception of curriculum and student are the powers of the arts and vital aspects of studio
artistic inquiry opens up the possibility of moving production. Conceptually grounded production
away from these problems. A curriculum based on processes cross over traditional boundaries of form,
visual culture takes into consideration students’ breaking down old borders of media-driven cur-
daily, postmodern experiences and their future riculum, and turning curriculum upsidedown, so
lives. Most students will not be professional artists, that the development of ideas are given attention
but all students need to become responsible citi- first and the techniques and processes emerge as
zens of the world. In a democracy, an aim of educa- the expression of those ideas. In this way, technique
tion is to promote the development of responsible and media are related to and enhance the making of
citizens who think critically, act constructively in meaning in creative/critical inquiry. Visual culture
an informed manner, and collaborate in the con- is an expression of ideas through the use of techni-
scious formation of personal and communal iden- cal and formal processes, but these processes are
tities. In order for art curriculum to fulfill this not the main purpose of artistic production.
aim in the contemporary context, students’ studio Creative/critical inquiry is not only for sec-
experience must be thought of as part of visual ondary level students; in fact, it should begin at
culture and as a vital way to come to understand the elementary level. Young students are already
the visual milieu in which they live. Student studio adopting postmodern visual culture as a framework
experience is essential to teaching and learning for understanding reality outside of school. For

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instance, elementary students analyze, role-play, tion empowers makers and viewers by promoting
draw, and construct environments based on the critique through the process of making, encourag-
Harry Potter books, films, and toys from interdis- ing analysis during viewing, and enabling mak-
ciplinary perspectives of casting, acting, designing, ers and viewers to claim ownership of images and
costume styling, narration, and mechanization. designed objects.

maKing ViSual culture can helP StudentS graSP comPlexitieS of culture cOncLUsiOn
Traditionally, art has been represented in education Art education based on teaching visual culture
as inherently good. The term art has carried with requires new curriculum and instructional roles,
it assumptions of quality, value, and enrichment. content, and strategies to shift the focus of the field
However, the visual arts are not inherently good. The from narrow, conventional approaches to open
great power of the visual arts is their ability to have processes of creative and critical inquiry. A new
a variety of effects on our lives; but that power can language is necessary for art education that does
make them manipulative, colonizing, and disen- not solely depend on fine arts discourse. Ideally, it
franchising. The complexity of this power needs to should involve discourses on all the visual arts, such
be considered as part of educational experience. For as media studies, design education, cultural critique,
example, advertising images are produced by artists and visual anthropology. Art teachers should be
and are thought of as good for the companies whose educated to become involved citizens in the vari-
products they are intended to sell, but, they often ous communities in which they live and work. They
represent stereotypes and cultural biases that dam- should strive to enrich the communities to create
age viewers’ self-concepts. Another example is the pride in cultural heritage and address contemporary
astronomical amount of money paid to sports stars problems through artistic solutions. Art should be
and for historical fine art, which seems inconsistent approached as an equally legitimate school subject
with the ideals of moral responsibility. As a result of and conceptually integrated with the rest of the
such complexities, investigations of issues of empow- school curriculum. All educators should teach the
erment, representation, and social consciousness are concepts and skills necessary to function effectively
becoming more important in art education. in a democratic society now and in the future.
New instructional strategies include teachers
cultural Production connectS and emPowerS PeoPle becoming role models of leadership in their profes-
Visual culture connects makers to viewers through sional community. To conceptualize art education
communication, identity formation, and cultural as different from other school subjects inadverten-
mediation. Addressing aspects of visual commu- tly disengages it from the legitimate school curricu-
nication, identity formation, and cultural media- lum. In the larger sense, art teachers focus on what
tion has become a vital issue in art education (e.g., other teachers consider important: the concepts
Ballengee-Morris, & Striedieck, 1997; Freedman, and skills necessary to function effectively in a
1994; Stuhr, 1995). Studio production can aid stu- democratic society now and in the future. But, art
dents to understand that visual culture involves teachers do this through visual culture, which is as
personal and communal codes of symbols, images, profound in its effect as written texts.
environments, artifacts, and so on. Investigating the Teacher education programs need to prepare teachers to
relationship between makers and viewers of visual act as facilitators of student creative and critical inquiry. as
culture can help them to identify and recognize part of teaching visual culture, we must shift from a focus on
ethnocentric perspectives at the national, regional, didactic instruction to an education that promotes student
state, and local levels. This process is important responsibility. When students are allowed to investigate the
because it creates possibilities for the critique of range of visual culture with the guidance of a teacher, they
visual culture at all levels to achieve democratic can actively discover complex meanings, multiple connec-
educational goals intended to guide the preparation tions, and enriched possibilities for creation and critique. art
of reflective and responsible citizens, consequently classrooms should be conceptualized as multitasking arenas
leading to a more socially conscious and equitable where images and objects cross over and are produced and
society. From a visual culture perspective, produc- discussed to lead students and teachers through the investi-

Ida-unB  ■   Programa de Pós-graduação em arte  ■ janeIro/junho de 2009  ■  v. 8  n.o 1  ■ 19


Seção 1 – Cultura e viSualidade: queStõeS em CurSo

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Seção 1 – Cultura e viSualidade: queStõeS em CurSo

DESOBEDIêNCIAS DE UM boy
INTERROMPIDO: PERVERSãO E CENSURA
NA EDUCAçãO DA CULTURA VISUAL
Belidson Dias

Resumo
Este artigo explora discursos fílmicos queer como um conduto experimental para práticas de pedagogia crítica na
Educação da Cultura Visual. Ele relata uma experiência de uso de um trecho de Matador, de Pedro Almodóvar, em
sala de aula e suas implicações. Também situa a possibilidade de aproximações, deslocamentos e posicionalidades
transculturais do espectador ao ver filmes complexos, discute questões da censura na Educação da Cultura Visual,
e finalmente propõe abordagens pedagógicas para os filmes de Almodóvar.
Palavras Chaves: Teoria Queer. Educação da Cultura Visual. Estudos do Cinema.

Abstract
This paper explores queer filmic discourses as a conduit for experimental practices of critical pedagogy in visual culture
education. It describes an experience of using a clip of Pedro Almodóvar’ Matador in the classroom; and its implications.
It also situates the possibility of viewer’s approaches, displacements and transcultural positionalities to see complex
films; it discusses issues of censorship in visual culture education; and, at last, it suggests pedagogical approaches to
Almodóvar’s films.
Keywords: Queer Theory. Visual Culture Education. Film Studies.

U m dia me interromperam em uma apresenta-


ção. Me silenciaram. Surpreendido emudeci.
Mas desde então, disparei a falar. Continuarei ainda
em Arte/Educação, que a partir desse momento a
nomearei de XXX, para apresentar meu trabalho de
pesquisa sobre os filmes de Almodóvar e suas impli-
a falar do mesmo assunto até que ele perca sua cações para a arte/educação, e particularmente, des-
validade. tacá-lo como um exemplo de um caso de pesquisa e
Durante o meu curso de doutorado na Universi- prática pedagógica centrada nas artes.
dade da Colúmbia Britânica, no Canadá, entre 2001 e A disciplina X X X era uma disciplina de
2006, vivenciei alguns eventos pedagógicos difíceis, metodologia de pesquisa constituída por alunos
perturbadores e traumáticos. Estes representam para do doutorado e mestrado. A turma era racial-
mim momentos culminante da minha relação de
ensino e aprendizagem com e através de representa-
ções queer de Almodóvar. Aqui vou relatar somente BELIDSON DIAS  é Professor adjunto do PPG-Artes
um caso. Faço questão de destacar antes que, inten- do VIS/UnB. Doutor em Estudos Curriculares - Arte
cionalmente, essa narrativa não é polifônica, mas Educação/Artes Visuais, na University of British Columbia,
sim escrita a partir do meu local de fala e da minha Canadá; Mestre em Artes Visuais, pintura na Manchester
própria perspectiva como um educador da cultura Metropolitan University; especialização na Chelsea
visual naquele evento. Muitas são as histórias, e todas College of Art & Design, Pintura, Londres. é membro do
são construídas por muitas vozes. Esta é a minha. Grupo de Pesquisa Educação e Visualidade da FAV/UFG,
Entretanto, como um ser fragmentado, trago todas do Grupo de Estudos e Pesquisas em Arte, Educação e
minhas vozes fraturadas nos vários locais de enun- Cultura – UFSM, da Associação Nacional de Pesquisa em
ciação (DIAS, 2006). Artes Plásticas (ANPAP) e da Federação Brasileira de Arte
Educadores (FAEB). No exterior é membro do RIAM, NAEA,
a aULa CSSE e do InSEA.
O fato a que me refiro aconteceu em 2004 quando fiz belidsonn@gmail.com
uma apresentação numa turma de Pós-Graduação

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deSoBedIêncIaSdeumboyInteRRomPIdo:PeRVeRSãoecenSuRanaeducaçãodacultuRaVISual BelIdSondIaS

mente branca, de classe média alta e composta por masculinidade, feminilidade, homossexualidade,
cerca 32 alunas e somente dois alunos. A discipli- heterossexualidade, bissexualidade, e assim por
na era conduzida por uma Professora Doutora e diante. E desse modo conseguiu irritar todas os
uma de suas orientandas do doutorado a auxi- tipos de associações e comunidades, tais como
liava. Uma característica acentuada nesse grupo grupos feministas, associações de gays e lésbi-
de pessoas era a questão racial homogênea na cas, grupos pró-censura, e grupos que apóiam
qual todas, inclusive as educadoras, pertenciam a família, o Estado e valores tradicionais. Além
a grupos de descendentes de povos brancos euro- disso, expliquei que seu filmes apresentam uma
peus transplantados no Canadá, particularmente: mistura de filmes de terror tipo B, pop, kitsch, e de
Inglesas, Escocesas, Irlandesas, Galesas, Germâni- uma estética que alguns chamam de maneirismo
cas e Francesas. citacionista do Pós-Modernismo ou como outros
Pelo menos três semanas antes de minha apre- preferem, do neo-barroco. Expliquei que para
sentação acontecer na disciplina XXX, enviei um discutir e analisar outros aspectos de seu trabalho
texto meu, sobre os filmes de Almodóvar, para a e de suas possíveis implicações para a Educação
assistente da professora distribuir, com antecedên- da Cultura Visual eu mostraria um trecho inicial
cia, a seus estudantes. Esse texto era a revisão de do filme Matador e um audiovisual com imagens
literatura que escrevi como parte dos meus exames de outros filmes. Então, utilizando um DVD e um
de qualificação do doutorado. Na noite da minha telão, mostrei as cenas introdutórias do Matador,
apresentação, ao chegar na sala de aula fui logo seu quinto longa.
apresentado aos alunos e passei primeiramente Ao analisar este filme, Smith descreve as duas
algum tempo, cerca de vinte minutos, a descrever o primeiras tomadas, da seguinte maneira:
contexto histórico de Almodóvar.
Lembro vividamente que expliquei para todos Uma mulher é afogada na banheira. O sangue sobe em
que Almodóvar, como um ex-punk, em seus pri- bolhas sobre sua cara quando sua garganta é cortada.
meiros filmes, criticava tudo que era estabelecido A cabeça de uma outra mulher é partida por uma serra
relativo ao gênero e à sexualidade, tal como a circular. corte para um close up extremo de uma face

Figura 1. Foto de clipe de abertura de Matador. Pedro almodóvar. ©  El Deseo

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Seção 1 – Cultura e viSualidade: queStõeS em CurSo

Figuras 2 e 3. Fotos de clipe de abertura de Matador. Pedro almodóvar. ©  El Deseo

masculina [Diego Montes], que aparece febrilmente As tomadas que se seguem focam-se no mata-
agitada. A  tomada seguinte vem por trás da cadeira dor Diego (Nacho Martínez), que teve que se apo-
do homem: seus pés são colocados armados na tela da sentar demasiado cedo após sofrer um ferimento;
tevê na qual as imagens anteriores aparecem e ele está e na cena está ensinando a arte de matar um touro
furiosamente se masturbando (imagem está fora do a um grupo de potenciais matadores. Angel Gimé-
enquadramento). (SMITh, 1994, p. 65) [Figuras 1, 2 e 3] nez (Antonio Banderas), um efusivo aprendiz,

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Figuras 4 e 5. Fotos de clipe de abertura de Matador. Pedro almodóvar. ©  El Deseo

está entre eles. E depois dessa tomada há um corte banco de parque. María (Assumpta Serna) enquanto
repentino, que Aquarello descreve dessa maneira: inicia o contato com um homem anônimo que passa
inocentemente perto, segue-o de volta a um aparta-
Da cena do treinamento há um corte para a imagem de mento, e, no auge da intimidade física, enfia um longo
uma bonita e enigmática mulher que senta-se em um pino decorativo de cabeça na nuca dele — na região

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Seção 1 – Cultura e viSualidade: queStõeS em CurSo

Figura 6. Foto de clipe de abertura de Matador. Pedro almodóvar. ©  El Deseo

entre as omoplatas definidas na tourada como o olho Em meus doze anos de experiência no ensino
das agulhas. (AqUARELLO, 2003, p. 1) [Figuras 4, 5 e 6] superior em artes visuais, nunca tinha recebido,
então, sequer uma reclamação de um aluno que
O iMPReVisTO e as PeRQUisições tivesse ficado ofendido, perturbado, invadido ou
Parei a exibição do DVD nesse momento do filme indignado com textos, imagens e aulas que apresen-
e assim que ligaram as luzes um forte tumulto foi tei em classe. Apesar da minha grande convicção
ouvido no final da sala. Inicialmente duas alunas do poder de inquietação da obra de Almodóvar,
queixaram-se veementemente sobre terem que nunca esperei que clipes deslocados do seu con-
assistir a filmes “pornográficos” na UBC; algumas texto narrativo e discursivo dos seus filmes pudes-
gritaram intensamente sobre não terem sido avisa- sem perturbar tanto. Eu simplesmente não estava
das das imagens “perigosas e violentas”, outras cho- preparado para lidar com a situação. Mal consegui
raram, uma saiu da sala visivelmente chocada, uma falar; fui calado inteiramente pela força dos gritos
outra me acusou de ter-lhe estuprado. A convulsão das alunas. Uma aluna após a outra, em circuito,
inicial gerou uma histeria generalizada. As instru- queixava-se de que eu não as adverti que mostra-
toras nada faziam a não ser escutar e balançar a ria “material pornográfico”. Arrisquei explicar que
cabeça. As mulheres gritaram, clamaram, queixa- os conceitos sobre pornografia são extremamente
ram-se, esganiçaram-se, esgoelaram-se, protesta- subjetivos e culturais, variando de um contexto
ram durante quase quarenta minutos. social a outro; que nós deveríamos aprender como
Enfim, me silenciaram e eu nunca pude com- tratar as diferenças; e que os clipes que apresentei
pletar a minha apresentação, não pude falar sobre eram de filmes exibidos em salas de cinemas do
Almodóvar. Realmente, Almodóvar é poderoso! mundo todo. Argumentei que a diferença se produz
Somente aquelas tomadas iniciais do filme criaram pela interpretação do leitor, mas que elas precisa-
uma resposta imediata, ruidosa e vociferante das vam entender o contexto geral do que estava sendo
estudantes ao trabalho e a forma como o trabalho exibido. Contudo as alunas pareciam “acreditar”
foi mostrado. verdadeiramente naquele clipe de cinco minu-
Eu fui pego de surpresa! tos, nas imagens. Como se fossem uma confissão

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de legitimidade do cinema, havia uma recusa em ram. De qual posição elas olharam estas imagens?
admitir outros contextos. Xavier nos explica que Que conceitos da obscenidade e de pornografia
usavam? porque somente após o final da exibição
há quem tome o cinema como lugar de revelação, de do clipe as alunas pronunciaram que não pode-
acesso a uma verdade por outros meios inatingíveis. há riam nem deveriam ver esse tipo de material? Por
quem assuma tal poder revelatório como uma simulação que consideraram uma imposição minha? porque
de acesso à verdade, engano que não resulta de acidente não saíram da classe imediatamente depois da
mas de estratégia. [...] A testemunha trazia a convicção de primeira imagem que as feriu tanto? Igualmente
que a verdade estava em cada pedacinho da foto, como eu recordo de me perguntar: Elas estão criticando
também da realidade. Aquele canto da imagem, aquele somente os filmes queer do espanhol Almodó-
fragmento extraído da situação maior , foi obtido sem que var ou também o estranho apresentador brasi-
se adulterasse cada ponto da foto, sem maquiagem sem leiro como parte do corpo da interpretação? Os
alteração das relações que lhe são internas. Logo ele con- meus sapatos assaz vermelhos “quirizaram” esse
tem a verdade. é uma imagem captada. [...] Diante de tal fé ambiente? Por que a raiva dos estudantes foi diri-
na imagem , nossa primeira operação é reverter o proces- gida toda para mim e não para o diretor, o filme,
so e chamar a atenção para a moldura, para a relação da o clipe, ou a universidade? Foi o corpo estranho e
foto e do entorno, para o fato de que o sentido se tece a estrangeiro que teve o prazer de executar o estu-
partir de relações entre o visível e o invisível de cada situ- pro, pervertê-las e degradá-las?
ação. [...] as significações se engendram menos por forças Durante os dias, meses e anos que se seguiram
de isolamentos, mais por forças de contextualizações para nunca parei de pensar como o gozo, a crueldade, a
as quais o cinema possui uma liberdade invejável. (xAVIER, perversidade, a castração se entrelaçam no nossos
1988, p. 367-368) processos como aprendemos a conhecer as coisas,
o mundo. Quem castra, quem é o corruptor, o per-
Perguntas, comentários, acusações, e argumen- verso nesses processos? O currículo, o sujeito edu-
tos multiplicaram-se exponencialmente enquanto cador ou os alunos, só pra nomear alguns agentes.
o tempo da minha apresentação evaporava-se. Que forma elas assumem? Lefort nos lembra que,
Mal conseguia reagir àquela frenética onda de
acusações porque eu mesmo estava em pânico e [...] há vários tipos de vertigem: A imagem do educador-
me sentia extremamente desrespeitado por não corruptor é perturbadora. Existe na verdade em toda
poder terminar a minha apresentação, mostrar atividade educadora, uma espécie de violência que não
o meu audiovisual, e acima de tudo, ser capaz é medida, que se esconde, que só se mostra na distância
de ter tempo para articular meus pensamentos consentida entre o instrutor e o aluno, que só se indica na
sobre a visualidade de Almodóvar e o que estava resistência que o professor opõe à pulsão de conhecimen-
acontecendo. A visualização dos seus clipes foi o to, para neutralizá-la, uma pulsão que poderia transportá-
suficiente para perturbar as estudantes, atravancar lo no outro. E simetricamente há nessa atividade a violên-
minhas estratégias pedagógicas, e deixar as instru- cia da expectativa do aluno. Para além das coisas que lhe
toras perplexas e emudecidas. Todos nós fomos dizem , uma expectativa daquilo que seus sentidos estão
severamente afetados pelo tumultuoso evento; ávidos de conhecer. (LEFORT, 1990, p. 252)
todos se transformaram em aprendizes.
Durante este momento turbulento, enquanto Desde então tenho feito muito mais perguntas,
escutava os berros, as desaprovações e críticas, como: os estudantes são masoquistas o suficiente
eu, no meu coagido silêncio, trafeguei por meio para resistir todo e qualquer sofrimento para satis-
de uma multidão de dúvidas sobre o que teria fazer seus professores, ou eles apenas estão se auto-
afetado tanto a “elas”, uma vez que os homens da satisfazendo? Afinal quem goza mais? Que tipo de
sala nada falaram. O que as perturbou mais: a prazeres estes estudantes derivaram ao diretamente
cena do homem se masturbando ao objetificar as sujeitarem-se a esta alegada desagradável e abusiva
mulheres em filmes de terror, ou a cena da mulher experiência? Quais seriam os lugares dentro da
objetificando o homem ao penetrá-lo simbolica- academia para estudar a visualidade dos gêneros e
mente com seu falo. Muitas questões me assola- sexualidades, se os Ensino de Artes Visuais não está

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Seção 1 – Cultura e viSualidade: queStõeS em CurSo

entre eles? Estariam os educadores da cultura visual As características mais específicas dos filmes
sendo preparados para lidar com tais questões? de Almodóvar são abrir a bagagem da discussão
Como é possível preparar educadores da cultura sobre identificações e desidentificações de gênero e
visual para negociar estes espaços de emoção e sexualidade e interferir nos cânones instituídos do
cognição? Como podem os educadores da cultura desejo sexual e gênero. Seus filmes exploram repre-
visual negociar estas questões interculturalmente e sentações corporais de gênero e diferenças sexuais
transculturalmente? na sociedade ao dar voz aqueles que são destituídos
de loci de enunciação - a quem nomeio aqui de
TRansVianDO: BUTLeR e aLMODóVaR transviado. No discurso Almodovariano a transiti-
Esclareço que dentre muitos autores que apre- vidade/transitoriedade do corpo é invariavelmente
sentam, discutem, influenciam e desenvolvem aparente, pois há uma preocupação constante em
a teoria queer, este artigo é preferencialmente e revelar como os corpos são importantes na constru-
transversalmente informado pela obra de Judith ção do gênero e a vinculação em que esta constru-
Butler. Parto da premissa que o discurso fílmico ção é executada em corpos sexualizados. As repre-
de Almodóvar é uma performance transviada. sentações fílmicas de Almodóvar, sem reservas,
Parafraseando Butler eu diria que seu discurso é dependem da corporealidade dos transviados para
uma cópia de uma origem e de um original que é o sua realização. E os transviados e suas representa-
alicerce para todas as cópias, mas que ele próprio ções podem ser um passaporte com ilimitados visas
é uma cópia de nada (BUTLER, 1993b, p. 303). para uma pedagogia de crises, e de confrontos e
Incontestavelmente e intencionalmente, o ima- disruptivas da educação da cultura visual.
ginário de Almodóvar oferece elementos atraen- Uma das complexidades das representações e
tes da transitoriedade do gênero e discussões da narrativas de Almodóvar é provocar o especta-
sexualidade na sociedade contemporânea. E um dor a questionar as classificações tradicionais de
modo de pensar Butleriano que desnaturaliza gênero e seus sentidos. A filmografia de Almodó-
gêneros e mostra como a ordem sexual dominante var e seus modos de enunciação dos transviados
é mantida por meio de repetição performativa, exploram noções de expectação queer e consideram
funciona como um excelente ponto de entrada de certo modo como essas representações queers
para os seus filmes. Logo três linhas essenciais do de gênero e sexualidade formam ou são produtos
trabalho de Butler são importantes para as minhas dos espectadores. As representações fílmicas de
aproximações com seus filmes: a natureza transi- Almodóvar de trans/gênero/sexualidade deslocam
tória da identificação do gênero; a necessidade de as várias maneiras de vê-las, interrogam a interação
posicionar construções de gênero dentro de um do problema entre o espectador e o objeto da visão
contexto histórico específico; e o papel da fantasia e oferecem uma crítica da naturalização da mascu-
ou da masquerade/disfarce em deslocar as catego- linidade e heterossexualidade em nossa sociedade
rias naturalizadas de identidade e desejo. contemporânea. A fluidez com que os seus filmes
Ao estabelecer estas linhas teóricas, Butler pro- abrandam limites de representações do feminino
porciona formas diferentes para imaginar as per- e masculino institui uma crítica de identidade que
formances diárias da identidade a respeito das afeta e desloca representações normativas de gêne-
normas de gênero e sexualidade e desse modo ro e sexualidade, desafia espectadores a confrontar
traduz o cotidiano em uma atividade significativa a posição de onde olham e os conduzem a um nível
e possível aos entendimentos e transformações de consciência do ato de olhar.
das diferenças sociais. Entretanto ela explica que Portanto, os filmes de Almodóvar particular-
ao sermos construídos socialmente tendemos a mente fornecem uma excelente oportunidade de
desejar constituir um ser unitário, lógico, integral examinar o potencial pedagógico dos sentidos pro-
e reconhecível, mas esta tendência da unidade duzidos pela interação entre o espectador, o objeto
encobre as multi-possibilidades de contextos nos de visão e o produtor de representações. Além dis-
quais as dimensões do sexo, desejo, sexualidade e so, apresentam uma complexa rede intertextual que
gênero não expressam nem refletem um ao outro concilia e estabelecem diálogos entre filmes, livros,
(BUTLER, 1987; 1993a; 1997a; b; 1999; 2004). jogos, pinturas, e elementos formais, na maioria das

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deSoBedIêncIaSdeumboyInteRRomPIdo:PeRVeRSãoecenSuRanaeducaçãodacultuRaVISual BelIdSondIaS

vezes conflitantes, do cinema a fim de criar uma duz a um arranjo infinito de reiterações de gêneros,
variedade de representações de gênero e sexualida- funcionando como um léxico em que cada entrada
de. Partindo de um posicionamento de interstício, conduz o espectador a uma outra busca, mas ao
Almodóvar faz amplo uso da bricolagem para des- alcançar os primeiros sinais de sentido percebemos
montar e reinterpretar modelos, para usar citações, que o original está sempre alterado. Portanto eles
distorcer referências, transpor, misturar, e endossar apresentam uma recorrente dissimulação de gênero
uma mestiçagem de muitos modalidades históricas e sexualidade, citação e alteração das representa-
e gêneros cinematográficos. Além disso, uma das ções previamente exibidas em seus filmes, e que
características mais consistentes do seu trabalho é por sua vez são eles mesmas imitações de referentes
a auto-referencia, porque ela insinua sua história de precedentes.
vida entre fragmentadas representações. Consequentemente sugiro que não há nenhum
Bricolagem, intertextualidade e a auto-referencia tema original em cima e em torno dessas citações,
também são conceitos importantes para as práticas porque os próprios desempenhos das citações
da Educação da Cultura Visual. Acredito que esses manufaturam esta fundação. Outra vez me susten-
detalhes das representações fílmicas de Almodóvar to em Butler ao afirmar que o “gênero é um tipo
de gênero e sexualidade buscam e seguem a defini- de imitação para o que não há nenhum original;
ção, o estabelecimento e a possibilidade de desen- de fato é um tipo de imitação que produz a noção
volvimento de uma pedagogia crítica. Elas podem de original como um efeito e uma consequência
nos assistir a formar uma pedagogia queer que da imitação própria” (1993b, p. 303). Neste senti-
constitua espaços de contra-hegemonia para com- do, as representações de Almodóvar de gênero e
bater a ignorância, para ser um instrumento de sexualidade tornam-se coerentes ao espectador por
atuação política e social contra privilégios e formas meio da compreensão destas dobraduras de concei-
de opressão, e para explorar criticamente os estudos tos, invenções e repetição de alterações; em outras
de gêneros e sexualidades. palavras tornam-se claras como uma repetição de
A cultura do cotidiano é um espaço que informa suas recorrentes citações. Mais ainda, seus filmes
o espetáculo de gênero e sexualidade em nossa sugerem “uma dissonância não somente entre o
cultura, e as juventudes fazem o uso da bricolagem sexo e performance, mas sexo e gênero, e gênero
no cotidiano como uma tentativa autônoma de e performance” (BUTLER, 1999, p. 175). Assim a
construir e reapresentar sua percepção destas per- performance dos transviados de Almodóvar brinca
formances culturais. Portanto, uma prática de Edu- com a distinção entre o sexo do performer e o gêne-
cação da Cultura Visual que destaque as representa- ro que está sendo “performado”.
ções visuais do cotidiano, de gênero e sexualidade
é uma experiência pedagógica significativa porque incOnsisTência: aPROxiMações PeDaGóGicas aOs
fornece uma miríade de oportunidades para cin- DiscURsOs TRansViaDOs De aLMODóVaR.
gir e adotar uma visão diversa da cultura que não Acredito que uma conversação sobre temas da Edu-
somente resiste acriticamente às representações cação da Cultura Visual e o estudo das imagens de
visuais, mas incentiva a visão crítica como uma gênero e sexualidade pode ser muito produtiva.
prática que desenvolva a imaginação, a consciência A discussão precedente ocorrida na UBC situa a
social e um sentido de justiça. estrutura para a compreensão da transculturação
O espaço fílmico de Almodóvar é um dos luga- como um elemento crucial para minhas análises
res de representação do cotidiano. O mundo inven- das fissuras/fraturas/separações e entre-lugares no
tivo de Almodóvar descreve situações incrivelmen- estudo das imagens de gênero e sexualidade na
te entrelaçadas que são criadas por meio da fluidez cultura visual. A proposta pedagógica transcultural
de aspectos de gênero e sexualidade que ocorrem é reivindicar o poder da fronteira como um espaço
na experiência humana, em “todas” as experiências epistemológico gerador que possa simultaneamen-
humanas. Suas características lhe são muito parti- te aceitar, compreender, reconhecer, avaliar, con-
culares: cada filme seu lembra um de seus outros tradizer, e transpor epistemologias configuradas
filmes e respectivamente a de outros filmes de dire- por posições e histórias geoculturalmente dife-
tores diferentes. A citação em suas narrativas con- rentes. Na pedagogia transcultural, o pensamento

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Seção 1 – Cultura e viSualidade: queStõeS em CurSo

de fronteira promove o deslocamento das noções duzimos e usamos” (CANAAN e EPSTEIN, 1997,
do espectador, da análise de imagem, modos de p. 112). Busco estimular os estudantes a explorar
ver, questões de posicionalidade e desafia métodos seus prazeres, e a analisar suas respostas.
de interpretação. Além disso não está restrito aos O que foi tão importante sobre o evento com
locais periféricos mas afeta todos os lados em um os estudantes da Pós da Arte/Educação não foi a
processo irrestrito de influências compartilhadas. definição sobre valor, perigo, ou a importância do
Para o ensino da sexualidade e gênero na Educa- trabalho de Almodóvar, mas o fato que a experiên-
ção da Cultura Visual recomendo uma aproxima- cia pedagógica permitiu que pessoas articulassem e
ção pedagógica transcultural em que a associação, debatessem idéias e dissensões que não eram nem
a combinação, a conversação, a diversificação, e a parte de suas leituras diárias nos jornais e nem par-
transubstanciação enfatizem, finalmente, o corpo te de suas conversações diárias.
como um lugar de conhecimento e para produção A visão crítica de filmes pode provavelmente
de saber, em parte devido a sua implicação direta “empoderar” estudantes, e transformá-los e a seus
nos contínuos, mas transitórios, na atuação dos arredores, mas para isso acontecer a Educação da
humanos em tornar-se e pertencer. Esta pedagogia Cultura Visual tem que abordá-la de uma perspec-
transcultural: desnaturaliza os lugares construídos tiva inclusiva, na qual diferentes formas de ques-
para aqueles gêneros e sexualidades excluídos dos tões sociais podem ser entendidas como categorias
discursos hegemônicos; opõe-se às identidades não-hierarquizadas. A Educação da Cultura Visual
fixas; desafia a pretensão da objetividade e univer- promove o questionamento de assuntos dormen-
salidade das formas institucionalizadas do conheci- tes e visualiza possibilidades para a educação que
mento; busca princípios de conhecimento capazes geralmente nunca entram em foco. Ela consegue
de esclarecer a agência histórica de sujeitos e cole- tais coisas porque seu diálogo preliminar conduz à
tividades subalternas; cria estratégias para debater consciência crítica que vincula-se a crítica social e
de uma distribuição assimétrica da cultura, conhe- que conduz à compreensão, e então à ação. Como
cimento e poder. comentam Xing e Hirabayashi,
Para aproximar-se pedagogicamente dos filmes
de Almodóvar é essencial estar preparado para abra- O filme pode romper barreiras, dando aos espectadores a
çar a diversidade de classes, gêneros, sexualidades, oportunidade de pensar e discutir assuntos controversos
raças, etnias, línguas, entre outras. Ênfase é colocada que de outra maneira poderiam ser ignorados ou evita-
no espectador, que pode nos ajudar a compreender dos em um ambiente relativamente seguro. Ainda mais
como as imagens podem ser interpretadas a partir importante, filmes podem servir como catalisadores que
das diferentes posições dos espectadores. ilustram a interação entre culturas nas telas e, ao mesmo
Igualmente sugiro uma estrutura pedagógica tempo, na sala de aula. (xING e hIRABAyAShI, 2003, p. 10)
que negocie áreas provocadoras do currículo, tais
como as controvérsias que cercam a censura de Portanto, espero que ao final de um processo
gênero e sexualidade nos filmes. Consequentemen- de formação de professores em artes visuais, como
te indico e convido estudantes a discutir assuntos uma licenciatura em artes visuais, os estudantes
como ideologia, moralidade, sistemas de crenças, possam:
entre outros; incentivo estudantes a ponderar sobre
as finalidades de específicos textos que são permi- • analisar representações e imagens de gênero e sexua-
tidos em sala de aula, a questionar as razões pelas lidade;
quais muitas pessoas sofrem danos pela utiliza- • compreender seu investimento pessoal e social em
ção dos mesmos, a investigar quais as instituições imagens relativas ao gênero e sexualidade;
sociais que os promovem ou que têm interesses • identificar os temas-chave e as preocupações relati-
na interdição de outros textos. É extremamente vos a homens, mulheres, feminilidade, masculinidade,
importante que os estudantes estejam cientes de transgênero e queer;
que “as necessidades de audiências em específicos • associar gênero e sexualidade com classe, raça, etnia,
contextos informam nossas escolhas dos textos religião, inabilidade, idade, e assim por diante;
que nós produzimos e usamos e como nós os pro- • discutir suas opiniões persuasivamente;

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deSoBedIêncIaSdeumboyInteRRomPIdo:PeRVeRSãoecenSuRanaeducaçãodacultuRaVISual BelIdSondIaS

• escrever críticas narrativas fílmicas sobre suas os alunos,os professores e para mim mesmo. Argu-
recepção, percepção, visão, interpretação e compreen- mentei que as instrutoras eram arte/educadoras
são das películas; altamente qualificadas, com amplo conhecimento
• conectar estudos do cinema, estudos queer, a Educa- dos estudos feministas e queer e que, portanto, elas
ção da Cultura Visual; mesmas poderiam promover uma rica discussão de
• desenvolver habilidades analíticas relevantes à pedago- suas práticas pedagógicas.
gia crítica e aos estudos culturais. Confesso que embora tenha aprendido com esta
experiência que é importante informar a audiência
a inTeRVençãO finaL sobre o que pode esperar da nossa apresentação/
Com a intervenção da professora, finalmente, foi comunicação, principalmente em contextos sociais
me dado alguns minutos para concluir minha inter- muito diferentes dos nossos, acho excessivamente
rompida apresentação; porém não havia nada para complicada a idéia de avisar antes sobre o conteú-
ser concluído, porque nós estávamos a viver naque- do das imagens, pois em minha experiência diária
le momento a crise de um momento pedagógico. os conceitos de “incomum”, “inesperado”, “peri-
Havia uma comoção na classe e todos pareciam goso”, “difícil” continuam a ser bem fluidos. Sou
profundamente afetados por ela. inteiramente conhecedor do papel normalizador
Fui surpreendido pela experiência, e senti que das instituições educativas de estabelecer o que é
naquele momento complicado estávamos todos apropriado, admissível, legitimado, qualificável,
ocupando um espaço liminar de aprendizes, obser- relevante, aplicável e certo para o currículo. Contu-
vadores, agentes tomados pelas emoções, noções, do argumento que os estudantes não deveriam “ser
conceitos e reações – todas quase que a operar advertidos”, antes da aula, sobre qualquer forma de
freneticamente e ao mesmo tempo. A preocupação material sexualmente explícito, ou outras possíveis
da assistente da professora era de que o que estava formas de textos ou discursos “ofensivos”, tais como
acontecendo estaria calando não somente o arte/ o sexismo ou o racismo. Ao contrário, eu sugiro
educador “Belidson Dias”, mas igualmente todo que os estudantes devam ser informados antes do
o meu projeto e as pesquisas com teoria queer no começo do curso ou disciplina sobre os objetivos
programa de arte/educação da UBC. Argumentei e conteúdos do curso. Os estudantes que têm pro-
que este não era um aspecto importante e que con- blemas com conteúdos apresentados são livres para
tinuaria com meu trabalho. exprimir suas objeções, discutir suas opiniões e
Uma vez terminado o meu tempo, saí da sala aprender sobre diferenças, contrastes e aceitação.
sem saber precisamente o que tinha acontecido. Em particular, foco na utilização do discurso
Nas semanas seguintes os professores e os alunos fílmico de Almodóvar como estratégias para culti-
conversaram intensamente e, aparentemente, che- var um local de conflito e fonte de exploração nas
garam à conclusão de que o problema da minha quais os estudantes compreendem relações entre
apresentação foi que os alunos não foram adverti- poderes, conhecimentos, contextos sociais, subje-
dos previamente sobre a visualidade perigosa, com- tividades, visualidades e desejos. E essa experiência
plexa e brusca da imagética queer Almodovariana. tem sido um dos principais agentes na minha com-
Igualmente fui, então, informado que meu artigo preensão das possibilidades de usar os discursos
não tinha sido distribuído aos estudantes antes da de Almodóvar para lidar com os estudos sociais
apresentação, mas as instrutoras não apresentaram na Educação da Cultura Visual. Todas as dúvidas,
as razões para isso. Posteriormente, cerca de dois incertezas e perguntas originadas por esse evento
meses depois, fui convidado para uma outra sessão ajudaram-me a ponderar sobre os prazeres visuais
com o grupo para “acabar” minha apresentação. No e o abrir de olhos provocados nos espectadores
entanto, declinei o convite, principalmente, porque, por filmes e seus diferentes modos de enuncia-
para mim, o momento pedagógico, o conflito, e ção. Aprendi desta experiência pedagógica que as
as crises tinham acontecido dentro de uma outra imagens queer de Almodóvar podem: enfatizar a
temporalidade e seria demasiado difícil para eu pla- ambigüidade discursiva; reconhecer modalidades
nejar uma apresentação com um sentido de fecha- incomuns de produção e consumo de sentidos; per-
mento para produzir uma zona do conforto para turbar a harmonia da heteronormatividade; incitar

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Seção 1 – Cultura e viSualidade: queStõeS em CurSo

a reconceitualização das noções naturalizadas sobre BuTLEr, Judith. Subjects of desire. new York: Columbia
gênero e sexualidade; incentivar uma pedagogia de university Press, 1987.
confrontação ao contrário da assimilação e repro- ______. Bodies that matter: on the discursive limits of sex.
dução acrítica; desafiar e estimular educadores e new York: routledge, 1993a.
estudantes da cultura visual a reconsiderar os ter-
______. imitation and gender insubordination. in: aBELoVE,
mos e as bases pela qual classificam, definem, e henry, et al (org.). The lesbian and gay studies reader.
descrevem os seres humanos, conceitos sociais, new York & London: routledge, 1993b. p. 307-320.
normas e suas práticas; ajudar a construir condi-
______. Excitable speech: a politics of the performative.
ções para aprender como entender as contradições
new York and London: routledge, 1997a.
sociais a fim de provocar intervenções, participar
e transformar a sociedade; auxiliar na reflexão de ______. From gender trouble. in: GouLD, Carol C. (Ed.).
Gender: Key concepts in critical theory. new Jersey:
experiências culturais dos desejos, sexualidade e as
humanities Press, 1997b. p. 80-88.
identificações do gênero que estão ancoradas em
medos e em pânicos sociais morais. ______. Gender trouble: feminism and the subversion of
Argumento que, para que os educadores da identity. 2nd. ed. new York: routledge, 1999.
cultura visual possam se engajar criticamente com ______. Undoing gender. new York and London: routledge,
imagens da vida cotidiana, devem combinar con- 2004.
teúdo e contexto, e reconhecer e valorizar um Canaan, Joyce E.; EPsTEin, Debbie. A question of
extensivo arranjo de questões sociais, formas de discipline: pedagogy, power, and the teaching of cultural
expressão e de experiências pedagógicas. Igual- studies. Boulder, Co: Westview Press, 1997.
mente afirmo que as práticas da Educação da Cul- Dias, Belidson. Border epistemologies: looking at
tura Visual devem explorar o desejo, o prazer, almodóvar’s queer genders and their implications for visual
o romance, a sedução, a música, o humor, e a culture education. Tese de Doutorado - Department of
patologia (ELLSWORTH, 1997, p. 21). Mais ainda, Curriculum studies - art Education, Faculty of Education,
university of British Columbia, Vancouver, Canada. 2006.
devemos nos engajar em conversação sobre a
aceitação, a rejeição e as dificuldades em ver ima- ELLsWorTh, Elizabeth. Teaching positions: difference,
gens. Extraí dessa experiência inicial uma apren- pedagogy, and the power of address. new York and London:
Teachers College Press, 1997.
dizagem de que o discurso queer de Almodóvar,
não somente seus filmes, poderia ajudar educado- LEForT, Claude. sade: o desejo de saber e o desejo de
res da cultura visual a abraçar o estudo de ques- corromper. in: novaes, adauto (org.). O desejo. são Paulo:
tões sociais, especificamente gênero e sexualidade, Companhia das Letras, p. 247-260. 1990.
como instrumentos da pedagogia crítica. Além PEiXoTo, nelson Brissac. o olhar do estrangeiro. in: novaes,
disso, percebi que o uso das imagens de Almodó- adauto (org.). O olhar. são Paulo: Companhia das Letras, p.
var naquela sala de aula, assim como em qualquer 361-366. 1988.
outra aula que eu dei durante o doutorado, funcio- sMiTh, Paul J.. Desire unlimited: the cinema of Pedro
nou como um poderoso instrumento pedagógico almodóvar. London: Verso, 1994. (Critical studies in Latin
ao provocar múltiplos discursos e estimular um american and iberian Cultures).
exame intenso de seus significados sociais. ■ XaViEr, ismail. Cinema: revelação e engano. in: novaes,
adauto (org.). O olhar. são Paulo: Companhia das Letras. p.
367-378. 1988.
RefeRências BiBLiOGRáficas
aQuarELLo. Matador, 1986. Strictly Film School. 2003. XinG, Jun.; hiraBaYashi, Lane r.. introduction. in: _______.
Disponível em http://filmref.com/directors/dirpages/ (orgs.). Revising the lens: ethnicity. race, gender and sexuality
almodovar.html. acesso em 10/02/2006. through film. Boulder: university of Colorado Press, 2003. p. 3-25.

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NARRATIVAS VISUAIS: IMAGENS, VISUALIDADES
E ExPERIêNCIA EDUCATIVA
R aimund o M artins

Resumo
Este texto tem como foco o conceito de narrativa e a análise de uma narrativa visual como experiência educativa.
Na primeira parte, examina de maneira sucinta as transformações deste conceito nas últimas décadas e sua
predominância na cultura contemporânea. Em seguida, analisa a relação entre visualidades e experiência visual
ressaltando o modo como imagens criam associações, evocam contextos e são moldadas por práticas subjetivas
e culturais. A interação entre imagem, narrativa e ação é discutida na terceira parte através da análise da narrativa
visual de uma aluna do curso de Licenciatura em Artes Visuais da Faculdade de Artes Visuais da Universidade
Federal de Goiás. O texto conclui colocando em perspectiva algumas implicações para a utilização desse recurso
pedagógico e enfatizando sua relevância no sentido de aproximar os alunos do conhecimento e dos problemas
relacionados ao contexto social e cultural em que vivem.
Palavras-chave: Narrativa. Imagem. Visualidades. Experiência Educativa.

Abstract
This paper has its focus on the concept of narrative and in the analysis of a visual narrative as educative experience. In
the first part, it examines in a succinct way the transformations of this concept in the last decades and its predominance
in contemporary culture. Following it analyses the relation between visualities and visual experience emphasizing the
way images create associations, evoke contexts and are shaped by subjective and cultural practices. The interaction
between image, narrative and action is discussed in the third part of the paper through the analyses of a visual narrative
of a student of the Visual Arts Teacher Training Course from the Visual Arts College of the Federal University of Goiás -
brazil. The paper concludes pointing to some implications for the utilization of this pedagogical resource emphasizing
its relevance in order to approximate students to knowledge and to problems related to the social and cultural context
where they live.
Keywords: Narratives. Image. Visualities. Educative Experience.

N arrativas são manifestações orais, escritas,


sonoras e visuais que se organizam a par-
tir de uma sucessão de episódios ou ocorrências
ensaios, histórias em quadrinhos, tirinhas, fotogra-
fias de família, filmes, canções, piadas e até mesmo
fatos nas páginas policiais são maneiras de contar,
de interesse humano que integram uma mesma são ações ou acontecimentos que o narrador, ao
ação. Uma sequência de idéias articulada através registrá-los, pode torná-los focos de interesse para
de palavras faladas ou escritas, e/ou através de sons a posteridade.
e imagens é condição para que uma manifesta-
ção seja reconhecida como narrativa. Sequência e
organização são elementos que dão algum tipo de RAIMUNDO MARTINS é Professor Titular e docente do
unidade a idéias, falas, frases, sons e imagens que Programa de Pós-Graduação em cultura visual da Facul-
se complementam como narrativa. dade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás.
Desse modo, podemos dizer que narrar é contar é pós-doutor pela Universidade de Barcelona (Espanha),
algo sobre o mundo, sobre a existência, sobre o doutor pela Universidade de Southern Illinois e Mestre
outro ou sobre si mesmo. É uma maneira de des- pela Andrews University (EUA). é membro do Grupo de
crever cenários, reinventar a vida, recriar histórias, Pesquisa Educação e Visualidade da FAV/UFG, da Associa-
mas, sobretudo, de recontar eventos, realidades, ção Nacional de Pesquisa em Artes Plásticas (ANPAP) e da
conflitos, problemas, dúvidas e sentimentos que Federação Brasileira de Arte Educadores (FAEB).
revelam diferentes versões e perspectivas dos seres raimarmartins@uol.com.br
humanos. Romances, crônicas, novelas televisivas,

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Seção 1 – Cultura e viSualidade: queStõeS em CurSo

A partir da segunda metade do século XX, mas visual e a habilidade ou recursos para compreen-
em especial nas últimas três décadas, as narrativas der essa experiência. A velocidade e o volume de
transformaram-se em espaço dinâmico de discussão imagens que nos invadem e interpelam diaria-
intelectual e reflexão teórica, ganhando predomi- mente constituem uma espécie de avalanche que
nância na cultura contemporânea. Fonte de inte- nos encharca e nos consome sem que tenhamos
resse e provocação, elas desestabilizaram o sistema tempo para refletir, analisar ou exercer algum
literário ao mesmo tempo em que geraram ruídos tipo de avaliação crítica sobre elas.
em relação às classificações genéricas desse sistema. Alem disso, a tecnologia digital contribuiu de
As narrativas desafiaram, também, os limites con- maneira significativa não apenas para ampliar a
vencionais da literatura por caracterizar-se como um produção de imagens, mas, principalmente, para
tipo de manifestação ao alcance de gente comum que transportá-las em tempo real por meio de câmeras
aspira contar aspectos da sua trajetória desenhando de celulares, câmeras fotográficas, computadores,
percursos e rupturas de sua história particular. Nesse criando links e tornando-as públicas na internet
sentido, pode-se dizer que as narrativas criaram em sites como o Youtube, em portais, blogs, Orkuts
uma nova estética, uma maneira peculiar para os etc. Achutti (2004) detalha com muita proprieda-
indivíduos se expressarem sobre a vida, a memória, de implicações deste processo ao comentar que na
a intimidade. era digital
As narrativas não obedecem um formato, não se
submetem à uma única perspectiva crítica, tampouco qualquer pessoa deixa de ser um mero consumidor de
se acomodam a modelos estabelecidos, situação que, imagens para se tornar um realizador/criador de imagens
muitas vezes, inquieta e intriga os indivíduos intera- e se consagrar a reproduzir a vida cotidiana em vídeo ou
tores. Paradoxais, as narrativas mobilizam a sensibili- em fotografia, por um preço módico, sem ter conhecimen-
dade intelectual, ideológica e psicológica das pessoas, tos técnicos muito avançados. (p. 101)
interpelando-as e impelindo-as a refletir ou experi-
mentar múltiplas maneiras de perceber e interpretar. Então, quando falamos de visualidades, nos
Têm potencial para provocar fissuras semânticas nos referimos a um processo de sedução, rejeição
modos de organizar e interpretar discursos/textos/sig- e cooptação que se desenvolve a partir de ima-
nos e imagens, rompendo os limites das “linguagens” gens. Esse processo tem sua origem na experi-
e desestabilizando convenções, ao mesticizar figura- ência visual. Podemos caracterizar a experiência
ções da voz, do corpo, da vida ou da morte. visual como uma espécie de cosmos imagético
Fazendo uma analogia com as idéias de Maristany que nos envolve ao mesmo tempo em que nos
(2005) e tendo como foco as imagens como maté- assedia, sugerindo e até mesmo gerando links
ria-prima de narrativas visuais, pode-se dizer que com nossos repertórios individuais. Esses reper-
“[...] as [imagens] não se lêem, se recortam como se tórios individuais incluem imagens de infância,
fossem figuras, se reconhece sua materialidade, sua de família, de amores, conflitos, acasos, azares
‘beleza aparente” (p. 67). Ainda segundo Maristany, e dissabores. Enfim, são imagens associadas a
é necessário tratar as palavras – e, no caso da minha situações marcantes que, por razões diversas,
analogia, as imagens - com uma sensibilidade que preservamos para nos proteger das emoções que
valorize a “proeminência da sua materialidade elas acionam ou, ainda, imagens que guardamos
[...] até despojá-las de seu significado [atávico] para com afeto – e nos reservamos o direito de reviver
abordá-las como meras peças de um jogo de dese- as emoções que elas desencadeiam apenas em
nhos” [ou rabiscos] (p. 67). Assim, talvez consigamos épocas ou momentos especiais. A experiência
fugir da armadilha e do “erro de crer na [imagem] visual e seus repertórios são responsáveis por
em si” (ibid.) para construir uma reflexão deslocada sinapses entre conhecimentos objetivos e subje-
– multicêntrica – e crítica. tivos configurados por referências culturais que,
de alguma maneira, influenciam os modos e as
Das iMaGens às VisUaLiDaDes práticas de ver dos indivíduos.
Na cultura pós-moderna se intensifica a distân- Mas é importante ressaltar que esse rastrea-
cia entre a riqueza e a amplitude da experiência mento, localização e recuperação de imagens da

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naRRatIVaSVISuaIS:ImagenS,VISualIdadeSeexPeRIêncIaeducatIVa RaImundomaRtInS

experiência visual nem sempre é algo espontâ- subjetiva e intersubjetiva do processo de formação,
neo ou corriqueiro. Muitas vezes esse rastreamen- a partir das experiências e aprendizagens construídas
to se caracteriza como uma operação complexa, ao longo da vida [...], reunindo e articulando “expe-
confidencial e por isto mesmo um tanto nebulosa, riências diferentes e diversas, através das próprias
protegida por receios, dúvidas, inseguranças e até escolhas, das dinâmicas e singularidades de cada
mesmo ameaças que temos de nós mesmos e das vida” (SOUZA, 2006, p. 57). A aproximação entre
emoções que tais imagens podem reativar. Além prática subjetiva e intersubjetiva sinaliza uma inter-
disso, as imagens e suas sinapses estão permea- dependência ou, dizendo de outra maneira, uma
das por referências ou práticas culturais que nos interação entre a cultura e as práticas culturais. Neste
ajudam a compreender o mundo social, ou seja, sentido, podemos considerar as subjetividades como
as formas de torná-lo inteligível (SILVA, 2003). impressões ou vestígios da cultura nos nossos modos
Colocando de outra maneira, estamos falando de de ser, pensar, agir e sentir (BECKER, 2009).
ações, atividades, experiências e outras formas de Hernández (2007), ao mesmo tempo em que
produzir sentido que constituem e instituem o que escrutina, também detalha esta discussão ressal-
conhecemos como cultura. tando diferenças entre subjetividade e identidade.
Do ponto de vista educacional, a dimensão visual Segundo o autor,
vai além de um repertório de eventos ou objetos visí-
veis porque pressupõe uma compreensão dos seus Cada indivíduo tem uma percepção de si que pode ou não
processos, o modo como operam, suas implicações e, ser coincidente com a que outros indivíduos ou diferentes
principalmente, seus contextos. Assim, podemos dizer grupos têm a seu respeito. As discrepâncias entre a própria
que a experiência visual é um processo dinâmico e gra- subjetividade e a identidade grupal é a causa de preocu-
dual, em constante transformação e, consequentemen- pação e ansiedade nos jovens. O que leva com frequência
te, mais demorado e, portanto, mais abrangente do que a que a identidade do grupo prevaleça sobre a experiên-
a instantaneidade da experiência de ver. cia individual. Por isso, rapazes e moças dedicam muito
A experiência visual e seus repertórios tam- tempo, muita energia e muito esforço procurando ver e
bém incluem “as representações e as imagens [que] agir de forma igual ao restante dos membros do grupo.
fluem pela vida diária valorizando as formas cultu- [...] Tal concepção defende que a construção da identidade
rais como o cinema e a televisão, criando uma espé- se articula, não de modo determinista e natural, mas a
cie de névoa que encobre as regiões de fronteira partir de múltiplos compromissos, alianças, lealdades e
entre as imagens de arte e de não-arte” (BECKER, rejeições, que cada um constrói mediante uma série de
2009, p. 26). Richard (2006), aprofunda a discussão estratégias. (p. 73)
proposta por Becker ao afirmar que a “[...] diferen-
ça entre arte e não-arte perdeu agora sua hierarquia Silva (2001), faz uma síntese contundente da
de valor, ao cair submergida em uma nova cons- relação subjetividade-identidade ao argumentar
telação expandida do visual que envolve todas as que quem detém o conhecimento detém o poder
formas de ver, de ser visto e de se mostrar” (p. 98). de representar, porque “é na representação, entre-
Nesse processo de compreensão que se desenvolve tanto, que o poder do olhar e o olhar do poder se
a partir de imagens, as visualidades ganham sentido materializam” (p. 61). Assim, fica evidente que as
como representações que transitam e emergem de visualidades são construções culturais que operam
repertórios visuais criando associações, acionando como imã, como pontos de referência para onde
referências e evocando contextos. Desse modo, convergem diferentes olhares que se encontram e se
podemos dizer que as representações visuais são entrecruzam atraindo o
moldadas por práticas subjetivas e culturais que as
transformam em visualidades. olhar de quem representa, de quem tem o poder de repre-
De acordo com Rolnik (1997), a subjetividade é sentar; o olhar de quem é representado, cuja falta de
“um modo de ser – de pensar, de agir, de sonhar, poder impede que se represente a si mesmo; o olhar de
de amar etc. – que recorta o espaço, formando um quem olha a representação; os olhares, eles mesmos cru-
interior e um exterior” (p. 1). Esse modo de ser dá aos zados, das pessoas situadas, na representação, em posi-
indivíduos a possibilidade de articular uma “prática ções diferentes de poder. (SILVA, 2001, pp. 61-62)

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Seção 1 – Cultura e viSualidade: queStõeS em CurSo

No mundo ocidental, a partir da premissa de As sutilezas do ver, olhar, espiar, espreitar, obser-
Descartes - penso, logo existo – “pensar” passou var, vigiar e, também, do prazer visual, são um
a ser a marca que distingue os seres humanos dos problema tão profundo quanto as várias formas de
outros animais. Todavia, acompanho a ousadia de leitura - decifração, decodificação, interpretação,
Kehl (2005) de opor-se ao dualismo cientificista/ etc. Essas sutilezas e especificidades apontam para a
cartesiano corpo/mente, preceito que durante três constatação de que a experiência visual não é expli-
séculos se tornou consenso epistemológico no oci- cável apenas através do modelo da textualidade.
dente. A autora argumenta que Expressão, sentido e interpretação estão sempre
presentes nas narrativas, construídas a partir de
não é o pensamento que distingue, primordialmente, um quatro elementos: personagem, tempo, ação e espa-
ser humano do outro. A certeza subjetiva que nos garante, ço. Assim, as narrativas visuais oferecem a possibi-
muito precocemente, que “eu sou”, não provém da nossa lidade de se trabalhar questões da experiência for-
capacidade de pensar, mas da nossa identificação à uma madora dos indivíduos que, de maneira geral, são
imagem. A imagem corporal. Não é o pensamento que constituídas por imagens ou referências imagéticas
garante a singularidade do ser; [...] O que garante o ser, para isoladas, dispersas. Essas imagens são, de certa for-
um sujeito, é sua visibilidade – para outro sujeito. (p. 148) ma, marcas da trajetória e das vivências dos indiví-
duos. Processadas culturalmente como visualidades
Com base neste argumento podemos dizer que e transformadas em experiências, essas imagens têm
existir é, antes de tudo, fazer-se presente e ser fortes componentes emocionais que expressam sen-
reconhecido numa instância pública e simbólica timentos de alegria, satisfação, medo, insegurança,
que tem como pressuposto a interação entre ima- vergonha, timidez, tristeza, decepção etc.
gem, narrativa e ação (ARENDT, 2005). É parti- Por esta razão, a experiência de construir narra-
lhar e compartilhar imagens e visualidades como tivas visuais dá aos alunos a oportunidade de iden-
práticas sociais e culturais que se estabelecem e se tificar situações significativas na sua trajetória de
desestabilizam na teia de relações e significações formação, de criar vínculos com questões subjetivas,
humanas onde cada indivíduo se insere e participa mas, principalmente, de buscar uma compreensão
a seu modo. de si mesmo tendo como referência as imagens e
informações que escolheu como importantes e insti-
inTeRaçãO enTRe iMaGeM, naRRaTiVa e açãO tuidoras da sua vivência pessoal e social. Ao constru-
Todo conhecimento humano é, de alguma manei- írem narrativas visuais, os alunos dispõem de espaço
ra, um tipo de interpretação. Na cultura, pratica- para revisitar, retomar e rever criticamente aspectos,
mente tudo tem um aspecto narrativo e, portanto, momentos de suas experiências narrando represen-
pode ser percebido e interpretado como narrativa. tações de suas trajetórias como indivíduos e alunos
Clandinin e Conelly (2000) explicitam esta com- numa dimensão contextual.
preensão ao explicar que A disciplina Arte, Percepção e Aprendizagem I,
oferecida no quinto período do curso de licenciatura
[...] a vida – como chega a nós e aos outros – é construída em Artes Visuais da Faculdade de Artes Visuais da
por fragmentos narrativos vividos em momentos conta- Universidade Federal de Goiás (UFG), culmina com
dos no tempo e espaço, sobre os quais refletimos e com- a construção, apresentação e avaliação de uma narra-
preendemos em termos de unidades e descontinuidades tiva visual de duração mínima de três minutos. Cada
narrativas. (p. 17) aluno apresenta e comenta com os colegas a sua
narrativa. As narrativas podem ser apresentadas em
Assim, podemos dizer que as narrativas podem powerpoint, vídeo, filme, utilizando imagens fixas e/
mudar o modo de produção cultural e social por- ou em movimento. Os quatro momentos/cenas que
que, ao narrar imagens e visualidades, os indiví- serão apresentados e analisados a seguir são parte
duos reorganizam sua experiência de modo que da narrativa visual Peça de água, realizada por uma
elas ganhem coerência e significado, dando senti- aluna da turma de 2008* (Figura 1).
dos a eventos/acontecimentos marcantes nas suas
*
trajetórias. Agradeço a aluna Aisha Terumi Kanda por dispor de sua nar-
rativa para a realização deste texto.

36   ■ janeIro/junho de 2009  ■  v. 8  n.o 1  ■  Programa de Pós-graduação em arte  ■  Ida-unB


naRRatIVaSVISuaIS:ImagenS,VISualIdadeSeexPeRIêncIaeducatIVa RaImundomaRtInS

A ausência de uma materialidade


palpável dá a imagem um caráter enig-
mático sugerindo um confronto aluna-
imagem, ou seja, a aluna e ela mesma,
embora possamos reconhecer a fotogra-
fia apenas como um registro de infân-
cia. Mas é antes um registro que reativa
outras imagens, momentos e circuns-
tâncias, pegadas simbólicas de experiên-
cias, significados e emoções vividas que
balizam sua trajetória até este momento.
É como se a imagem, em silêncio, gri-
tasse muitas questões: quem sou eu para
você? O que você diz de mim, ou, ainda,
o que você quer comigo?
Figura 1. narrativa visual Peça de água, Terumi Kanda.
A arte de evocar, narrar e de atribuir sentido às expe-
O cenário da narrativa é simples e lúgubre (Figu- riências como uma estranheza de si permite ao sujeito
ra 1). O espaço sugere um banheiro, pequeno e interpretar suas recordações em duas dimensões. Primeiro
fechado, com iluminação tênue e azulada (detalhe como uma etapa vinculada à formação a partir da singula-
não observável nas imagens neste texto). Pratica- ridade de cada história de vida e, segundo, como um pro-
mente todo o lado esquerdo do cenário é ocupado cesso de conhecimento sobre si que a narrativa favorece.
por uma banheira de plástico, inflável, cheia de água. O processo de formação e de conhecimento possibilita
A foto da aluna, quando criança, está projetada na ao sujeito questionar-se sobre os saberes de si a partir do
água de maneira que nos faz vê-la como se estivesse saber-ser – mergulho interior e o conhecimento de si – e o
no fundo da banheira. À direita da banheira, sentada saber-fazer-pensar sobre o que a vida lhe ensinou. (p. 62)
sobre as pernas, está a aluna, descalça, de bermuda
escura e camiseta branca, cabelos soltos. Na sua mão, Assim, podemos dizer que ao identificar, esco-
um balde de alumínio. O cenário parece anunciar lher ou reconstruir experiências visuais significa-
sua intenção: desfazer-se da imagem, arremessá-la tivas e formadoras, o aluno cria um espaço para
para fora da banheira junto com a água. A imagem, interpretar momentos ou aspectos de sua trajetória
volátil e vulnerável é, ao mesmo tempo, persistente e buscando uma compreensão de si mesmo e de
inquiridora, porém, aparentemente passí-
vel de ser eliminada.
Os gestos iniciais confirmam a intenção
previamente anunciada. A aluna mergulha
o balde e, cuidadosamente, capta a imagem
e uma quantidade da água onde a imagem
está refletida, atirando-as, água e imagem,
para fora da banheira. Por alguns instan-
tes tem-se uma percepção dissimulada do
desmembramento ou desaparecimento da
imagem (Figura 2).
Mas, aos poucos, os deslocamentos
ondulatórios gerados pelo movimento
do balde vão cessando e, gradativamen-
te, fragmentos refratados da imagem se
recompõem sobre a superfície liquida,
refazendo novamente sua projeção. Figura 2. narrativa visual Peça de água, Terumi Kanda.

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Seção 1 – Cultura e viSualidade: queStõeS em CurSo

mãos e dos braços, faz sua última tentati-


va de livrar-se da água, da banheira e da
imagem (Figura 3).
Movimentos rápidos e bruscos des-
locam a banheira, agora quase vazia, ao
mesmo tempo em que denunciam um
sentimento de ânsia e ódio. A energia e o
esforço despendidos se mostram inúteis
e o sentimento de ânsia e ódio parecem
gerar exaustão. Com cabelos e camise-
ta molhados, a aluna recorre ao último
recurso que lhe resta: abrir a válvula e
retirar o ar da banheira. A pressão do ar
e o plástico escorregadio oferecem resis-
tência, dificultando a abertura da válvu-
Figura 3. narrativa visual Peça de água, Terumi Kanda. la com a mão. Então, resta apenas um
recurso, arrancar a tampa da válvula com a
experiências vividas que, desafiadoras, sofridas ou força dos dentes. A aluna mergulha a cabeça
decepcionantes/desagradáveis, podem ser transfor- na banheira e abre a válvula de ar. Uma pequena
madas em aprendizagem. quantidade de água escorre para fora da banheira.
O fluxo das imagens mantém a percepção visual Com passos tímidos, a aluna sai, se retira do cená-
do movimento e a narrativa continua. Personagem, rio da narrativa.
espaço e ação continuam os mesmos. O tempo No pouco de água que ainda resta no fundo da
da ação conserva seu ritmo lento se arrastando banheira, como num passe de mágica, lentamente,
intercalado por pausas que se repetem como que mas de maneira audaciosa e surpreendente, a ima-
solicitando prudência e reflexão: água e imagem, gem se recompõe e reconfigura. Na banheira quase
recolhidas pelo balde, são atiradas fora da banheira; vazia, a imagem pode ser vista parcialmente, fican-
em seguida, um momento de pausa, de espera; gra- do a metade inferior do rosto encoberta pela borda
dativamente os movimentos da água diminuem e, da banheira (Figura 4).
a imagem, de maneira vagarosa e astuta, reaparece,
se reapresenta sobre a superfície líquida fitando e iMaGeM, naRRaTiVa e eDUcaçãO
provocando a sua matriz, a sua origem - a aluna. Narrativas visuais são uma forma de compreensão
A obsessão pela imagem, ou, dizendo melhor, da experiência, um processo performativo de fazer
pela destruição da imagem, ganha um impulso dra- ou contar uma história, ou seja, a narração de uma
mático. O confronto, aluna-imagem, proporciona- série de eventos visuais ou imagens em sequên-
do pela construção da narrativa visual, apresenta cia. Como explica Tomm (1993), “[...] nós, como
embates no decorrer da trajetória e de experiências humanos, não apenas damos significado à nossa
vividas no seu itinerário como filha, mulher, irmã e experiência ao narrar nossas vidas, mas também
aluna. Essas experiências, “marcadas por aspectos temos o poder de ‘representar’ nossos relatos graças
históricos”, desencadeiam um “continuo subjetivo ao conhecimento que temos deles” (p. 12).
frente às reflexões e análises construídas por cada Nesse sentido, é importante ressaltar que a vali-
sujeito sobre o ato de lembrar, narrar e escrever dade de um relato pode ser determinada por aquilo
sobre si” (SOUZA, 2006, p. 79). que a narrativa provoca ou evoca nos indivíduos,
Retornando à narrativa, o ritmo da ação se acele- porque são eles que podem considerar uma experi-
ra e o movimento do balde se intensifica na expec- ência autêntica, crível ou possível. Na sociedade em
tativa de que imagem, água, ou ambos, se esgotem. que vivemos as narrativas dominantes não apenas
Mas o esforço se revela inútil. Tomada pelo cansaço influenciam poderosamente, mas, muitas vezes,
e pela irritação, a aluna se lança à banheira, desta determinam o que é contado/historiado e como é
vez sem o balde e, com movimentos frenéticos das contado ou historiado.

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naRRatIVaSVISuaIS:ImagenS,VISualIdadeSeexPeRIêncIaeducatIVa RaImundomaRtInS

Assim, compreender a formação


de alunos como uma iniciação, mas,
principalmente, como um processo
de conhecimento, pressupõe criar
vínculos/conexões com aspectos ou
momentos de experiências significati-
vas que se constroem ao longo da vida
e que podem se refletir de maneira
surpreendente no seu percurso edu-
cativo. As narrativas visuais podem
assinalar diferentes sentidos con-
feridos à formação educacional e à
pesquisa aproximando os alunos do
conhecimento e dos problemas rela-
cionados ao contexto social e cultural
em que vivem.
Falando de uma perspectiva pós- Figura 4. narrativa visual Peça de água, Terumi Kanda.
moderna e pós-estruturalista ouso
dizer que é necessário assumir o compromisso de hErnÁnDEZ, Fernando. Catadores da cultura visual:
construir narrativas visuais sobre pessoas ou grupos proposta para uma nova narrativa educacional. Porto alegre:
que têm suas vidas em perigo ou que estão correndo Editora Mediação, 2007.
risco em função do lugar onde estão no mundo ou KEhL, Maria rita. Visibilidade e espetáculo. in: BuCCi, Eugênio;
daquilo que o mundo traz ou oferece para elas. Desse KEhL, Maria rita (orgs). Videologias: Ensaios sobre televisão.
modo, não podemos perder de vista que aquilo que são Paulo: Boitempo Editorial, 2005.
sabemos, aquilo que somos e aquilo que sonhamos MarisTanY, José, J.. Las memórias de una artista de
são, de alguma maneira, as coisas que nos motivam e vanguardia: Cuadernos de infância de norah Lange.
Archipiélago: Cuardenos de Crítica de la Cultura. Madrid:
dão sentido à nossa vida, são as coisas que queremos número 69, Diciembre de 2005, p. 63-70.
compreender e interpretar. ■
riCharD, nelly. Estúdios Visuales y Políticas de la Mirada. in:
DussEL, inês; GuTiErrEZ, Daniela (orgs.). Educar la mirada:
RefeRências BiBLiOGRáficas políticas y pedagogías de la imagen. Buenos aires: FLaCso,
osDE, 2006.
aChuTTi, Luiz E. r.. Fotoetnografia da Biblioteca Jardim.
Porto alegre: Editora da universidade Federal do rio Grande roLniK, suely. uma insólita viagem à subjetividade. In: Lins,
do sul: Tomo Editorial, 2004. Daniel (org.). Cultura e subjetividade: saberes nômades.
Campinas: Papirus, 1997.
arEnDT, hannah. A condição humana. são Paulo: Forense
universitária, 2005. siLVa, Tomaz T..O currículo como fetiche: a poética e a
política do texto curricular. Belo horizonte: autêntica Editora,
BECKEr, aline s. Infâncias e visualidades. Dissertação de 2001.
Mestrado. Faculdade de Educação, universidade Federal do
rio Grande do sul, Porto alegre, 2009. souZa, Elizeu C.. O conhecimento de si: estágio e narrativas
de formação de professores. rio de Janeiro: DP&a/unEB,
CLanDinin, D. Jean.; ConnELY, F. Michael. Narrative inquiry: 2006.
experience and story in qualitative research. san Francisco:
Jossey-Bass, 2000. ToMM, Karl. Narrative therapy. London: sage, 1993.

Ida-unB  ■   Programa de Pós-graduação em arte  ■ janeIro/junho de 2009  ■  v. 8  n.o 1  ■ 39


Seção 1 – Cultura e viSualidade: queStõeS em CurSo

ENTRE VISUALIDADES E VISIBILIDADES.


TECENDO REDES E MIRADAS DE AFETOS:
DOS FRAGMENTOS àS CONSTELAçõES
LiLian amaraL

Resumo
Projeto de investigação transdiciplinar com ênfase nas atuais abordagens dialógicas estabelecidas entre arte
e esfera pública. Discute o estatuto contemporâneo do museu como espaço de investigação e interlocução
artística com base em ações e experiências processuais e colaborativas. Desenvolve procedimentos inspirados nas
práticas museais, tendo os imaginários urbanos como território de análise, configurando novas arqueologias da
memória urbana contemporânea. Do espetáculo à experiência da cidade, passa-se às diferenças entre visualidade
e visibilidade, passa-se da cidade ao lugar. Opera-se uma distinção entre visualidade e visibilidade, entre recepção
e percepção, entre comunicação e informação. Em todas essas diferenças se produzem metamorfoses do olhar.
Palavras-chave: Arte Colaborativa. Arte e Esfera Pública. Visualidade/Visibilidade.

Abstract
Transdisciplinary research project focused on contemporary dialogic aproach based on art and public sphere. It
discusses the role of contemporary museum as a research’s space and artistic conversation. It develops procedures
inspired on museum practices an it has the urban imaginaries as territories of analyses, configurating new archeologys
of contemporary urban memory. From the spectacle to the city’s experience, it pass through differences betwenn
visuality and visibility, the city and the site. It operates a distinction between visuality and visibility, reception and
perception, communication and information. In all those differences metamorphosys of the look are produced.
Keywords : Collaborative Art. Art and Public Sphere. Visuality/Visibility.

sobretudo, pelo investimento afetivo, encontramos


inTRODUçãO
um forte apelo às redes de colaboração.
Fazer redes tornou-se uma prática que está eco-
TecenDO ReDes e O TRaBaLHO cOLaBORaTiVO ando por todo o mundo empresarial, nas esferas dos

O mundo da mídia (em mobilidade) se expande.


Fotografar, filmar, enviar mensagens gra-
vadas, mensagens de texto. Receber filmes, fotos,
governos e também no terceiro setor. Há mais de
uma década o conceito de inteligência coletiva pas-
sou a ser sinônimo dessa noção de colaboração, de
clipes, notícias, avisos. O início do século XXI está
preparando outra mutação na maneira como as LILIAN AMARAL é Artista audiovisual e diretora do Museu
pessoas se comunicam. O que se pode observar Aberto: a cidade como museu e o museu como práti-
é que a revolução real na computação (sem fio, ca artística. Mestre e Doutoranda em Artes Visuais pela
em especial), não é apenas comercial ou tecnoló- ECA/USP. Pesquisadora da Universidade Complutense de
gica, mas também social. Os processos de colabo- Madrid, Prêmio Mobilidade Internacional SANTANDER/
ração estão presentes por toda a parte em nossa USP, 2008. Curadora Independente de projetos de arte
sociedade. Na esfera da comunicação as redes digi- pública no Brasil e exterior. Curadora de Artes Visuais do
tais popularizam as ações colaborativas, sendo o programa internacional Porto Alegre, Cidade Criativa,
fenômeno das comunidades virtuais e das redes Santander Cultural/Prefeitura Municipal de Porto Alegre,
sociais seu foco marcante. Já no âmbito do traba- UNESCO, 2009.
lho, que hoje está fortemente marcado pela produ- lilianamaral@uol.com.br
ção e troca de conhecimentos, pela comunicação e,

40   ■ janeIro/junho de 2009  ■  v. 8  n.o 1  ■  Programa de Pós-graduação em arte  ■  Ida-unB


entReVISualIdadeSeVISIBIlIdadeS.tecendoRedeSemIRadaSdeafetoS:doSfRagmentoSàSconStelaçõeS LiLian amaraL

fazer redes, tanto na comunicação quanto no campo que facilita a ativação de uma certa interação criati-
do trabalho. Mas será que o conceito se esgota aí? va, que oferece contextos nos quais os participantes
Abre-se espaço para uma discussão processu- podem estabelecer “acordos gerais sobre procedi-
al sobre dimensões do conceito de inteligência mentos e resultados”, nos quais alguns podem se
coletiva e da abertura a uma nova dimensão, a colocar em posição de árbitros que apontam limites
micropolítica, onde ele passa a ser entendido como às atuações, à habilidade individual, ao conheci-
resistência aos processos de alienação do capita- mento, e podem propor formas de preparação disci-
lismo cognitivo. plinada e se acumular em histórias.
Assim é, como, a juízo de Charles Tilly, se pro-
aRTe e esfeRa PúBLica cOnTeMPORânea: PanORaMa De duz a formação de identidades, onde se consolida
MUTaBiLiDaDe una ecologia cultural, em cujo interior, transações
Encontramo-nos em uma fase de transformações recorrentes entre unidades
culturais e das artes comparável, em sua extensão
e profundidade, à transição que tinha lugar entre produzem interdependências entre lugares, transformam
finais do século XVIII e meados do século XIX. os entendimentos compartilhados no curso do processo
O processo decisivo dos últimos anos no universo e voltam a vastos recursos de cultura disponíveis em cada
das artes é a formação de uma cultura diferente à lugar particular através de suas conexões com outros
moderna e suas reverberações pós-modernas. lugares,
Um sinal particularmente eloquente deste uni-
verso é a proliferação de iniciativas de artistas des- por meio de uma organização espontânea que supõe
tinados a facilitar a participação de grandes grupos
de pessoas muito diferentes em projetos onde se a formação e a ativação de indivíduos que iniciam avanços
associam a realização de ficções ou de imagens ou demandas em suas escalas locais, mas que de alguma
com ocupação de espaços locais e a exploração de maneira os articulam com identidades de grande escala
formas experimentais de socialização. Estamos ante e lutas coletivas [atuando colaborativamente, em rede].
novas ecologías culturales.1 (TILLy, 2002, p. 49)
Tais projetos articulam idéias e instituições, ima-
ginários e práticas, modos de vida e objetos, novas Tais questões foram apresentadas e debatidas
formas de intercâmbio e demais processos que a na mesa redonda realizada no marco das Jorna-
tradição imediata não permitia antecipar. das Abertas Interculturais: Miradas à Arte Pública
Em diálogo com as proposições de Laddaga, Contemporânea: Geografias da Inclusão e Trans-
entendemos que as Jornadas Abertas Interculturais formação Social, ocorrida na abertura do evento
Miradas al Arte Público Contemporáneo: geografías de celebração do projeto de cooperação interna-
de la inclusión y transformación social, realizadas cional entre a Universidade de São Paulo e a Uni-
em outubro de 2008 na Universidade Complutense versidade Complutense de Madrid, em outubro de
de Madrid [Espanha] e no Rio de Janeiro / Niterói 2008, parte do processo da investigação propiciada
[Brasil], aportam elementos para uma leitura des- com recursos do Prêmio Mobilidade Internacional
ta reorientação no território iberoamericano das Santander/USP, 2008.
artes, desta transição em curso da qual o número Destacaram-se experiências desenvolvidas em
crescente de artistas reagem ao evidente esgota- torno de projetos artísticos e interdisciplinares pro-
mento do paradigma moderno e que, segundo cessuais de longa duração, que propõem articula-
CharlesTilly podem criar uma iluminação e tensão ções e resultam em criativas e desafiadoras formas
de transformação do território, do contexto urba-
1
LADDAGA, Reinaldo. Estética daemergência. Adriana Hidal- no e do espaço social: Idensitat Calaf/Manresa,
go Editora: Buenos Aires, 2006. Termo que procede da antro- Madrid Abierto, POCS e Museu Aberto.
pologia cultural e que o autor recoloca no âmbito da estéti-
Uma das características comuns na relação dos
ca. A forma de organização, coordenação, coexistência que
se verifica nestes projetos através da prossecução de uma projetos e das práticas artísticas apresentadas é a
quantidade limitada – ainda que aberta – de ações, pode duração e dilatação do tempo. O tempo mesmo se
comparar-se com a forma de coordenação ou a organização converteu em conteúdo.
incomparavelmente mais vasta de uma cultura das artes.

Ida-unB  ■   Programa de Pós-graduação em arte  ■ janeIro/junho de 2009  ■  v. 8  n.o 1  ■ 41


Seção 1 – Cultura e viSualidade: queStõeS em CurSo

PROjeTOs PROcessUais – MUDanças ePisTeMOLóGicas tas de todo o mundo, coordenado e dirigido pelo
curador independente, filósofo e gestor cultural
Idensitat Calaf/Manresa: desenvolve propostas e Jorge Díez, tem entre seus objetivos estimular práti-
experiências que consistem na realização de uma cas emergentes que se engendram de modo funda-
série de projetos de investigação artística e intera- mental com o entorno urbano da cidade de Madri,
ção social em ambos os núcleos urbanos dirigidos apontando exemplos de uma ampla variedade de
à crítica, à pedagogia, à projetos sociais e à criação artistas e de formas artísticas que estabeleceram sua
de redes de debate e participação. Dirigido e com respectiva solidez desempenhando papéis amplia-
curadoria desde o ano de 1999 por Ramón Parra- dos; que aspiram obter resultados no terreno social
mon, artista visual, investigador e coordenador do do exercício da arte e da participação do público,
Máster de Diseño y Espacio Público de ELISAVA criando e mostrando obras que estabeleçam relação
– Escola Superior de Diseny/Universidad Pompeu com diversas disciplinas e que estejam abertas a
Fabra, Barcelona, Espanha. colaborações entre artistas, arquitetos, designers,
Para Ramón Parramon a palavra “experiencia” programadores de informática, cientistas sociais,
associada à arte e ao território supõe colocar em evi- planejadores urbanos e outros, centrando-se, tam-
dência que o tipo de atividade artística que aqui se bém, em espaços públicos, mas que dão sinais de
formula pouco tem a ver com a construção de obje- privatização cada vez maiores. Para que as cidades
tos, peças unidimensionais e sim, bastante mais, prosperem, para que sejam comunicativas e estejam
com o fato de gerar situações concretas, processos vivas, e para que funcionem como catalizadores da
abertos, análises de caráter crítico, intervenções vida pública, é necessário estimular a participação
pontuais no espaço ou outras possibilidades que se cívica e a implicação da comunidade. Para isso,
desenvolvem a partir da especificidade da proposta aponta questões acerca da combinação de recursos
e da interação com o lugar. Esta atitude consiste como os métodos alternativos de trabalho entre
em ativar coisas através de uma certa dinâmica de grupos interdisciplinares ou a forma como podem
complexidade que tem a ver com o conceito de eco- a inércia e a nostalgia serem substituídas por ferra-
logia cultural introduzido por Reinaldo Laddaga mentas visionárias e inspiradoras que atuem como
para explicar certos tipos de trabalhos artísticos, de catalizadores da transformação.
natureza formal desconexa, mas que compartilham POCS – Project for Open and Closed Space
do interesse em convergir no espaço social e conec- Sculpture Association (Argentina, Colombia, Brasil,
tar-se com comunidades concretas. Gerar “ecolo- Espanha e Itália): coletivo artístico dirigido e con-
gias culturais” ou experimentar sua criação é uma cebido pelos artistas, arquitetos e investigadores
aproximação para falar do tipo de atividades que Francisco Cabanzo, Daniel Toso, Elenio Pico e Estela
se formulam em torno do IDENSITAT. Atividades Rodríguez. Espaço de reflexão e criação interdisci-
que não podem se realizar sob um único formato, plinar de arte contemporânea, fundado em 2003, na
que introduzem noções de proximidade em relação Ciutat Vella de Barcelona, com especial interesse nas
às pessoas que podem participar de certos projetos, problemáticas sociais, políticas e ambientais con-
ou, como Laddaga aponta, temporâneas, valendo-se de recursos como a parti-
cipação e a criação coletiva, a difusão e intercâmbio
tipos de propostas nas quais diminuem a observação destes métodos com outras associações ou coletivos
silenciosa, e a distância entre produtor e receptor se redu- de Barcelona e de outras cidades e regiões.
zem. quando a distância entre ambos agentes partici- Desenvolve propostas que questionam e ativam
pantes do ato comunicativo diminui, a noção de autoria os espaços públicos através de convocações abertas
reclama uma interpretação diferente da habitual. Se uma que resultam e fazem coincidir intervenções efê-
proposta se formaliza a partir da interação, da participação meras no espaço público em diversas cidades como
ativa e criativa de diferentes pessoas, o conceito de autor La Plata (Argentina), Medellin e Pasto (Colômbia),
[...] se questiona. (PARRAMON, 2007, p. 10-17) São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba ou Paranapia-
caba (Brasil), Barcelona, Tarragona (Espanha) e
Madrid Abierto: projeto organizado a partir de Foggia (Itália). Estabelece diálogos inovadores e
convocações bienais abertas à participação de artis- dispositivos de criação colaborativa, apontando

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entReVISualIdadeSeVISIBIlIdadeS.tecendoRedeSemIRadaSdeafetoS:doSfRagmentoSàSconStelaçõeS LiLian amaraL

novas cartografias para a criação e para a arte públi- dual e coletivo, imaginários urbanos e suas repre-
ca contemporânea. Resulta em ações em rede e sentações, o local e o global.
colaborações que organizam, a partir da articulação Num momento em que o fluxo, deslocamen-
entre artistas e profissionais de variados campos to, transitoriedade e velocidade caracterizam a
do conhecimento, laboratórios interdisciplinares dinâmica de trocas – informações, conhecimento,
que precedem ações artísticas efêmeras nas cidades comunicação contemporânea, e em um contexto
participantes, no marco do projeto 24 horas: una em que o Brasil se vê pressionado a repensar sua
linea en la ciudad. infraestrutura no âmbito dos transportes, tendo
Tem gerado um corpo bem consistente de meto- como agravante os desdobramentos resultantes
dologias, documentos, publicações e intercâm- do colapso aéreo especialmente vivido na cidade
bios internacionais entre coletivos e instituições na de São Paulo, parece-nos extremamente oportuno
América Latina e Europa. colocar em pauta discussões que apontem perspec-
Museu Aberto: a cidade como museu e o museu tivas de revitalização do transporte ferroviário que
como prática artística, com foco no projeto cola- há tanto tempo tem sido relegado à obsolescência
borativo Casa da Memória, 2007/2008: curadoria e ao esquecimento, apontando possibilidades de
e coordenação geral desta autora, artista visual, reinvenção real e simbólicas de preservação do
curadora independente e investigadora no campo patrimônio, promovendo a mobilização crítica e a
da arte e esfera social da Universidade de São Paulo. transformação social por meio de diálogos media-
dos pela arte e criatividade.
casa Da MeMóRia – PROjeTO cOLaBORaTiVO Na investigação do doutoramento em curso,
Proposta de investigar as memórias individuais e aponta-se especial relevo à matrizes contextuais
coletivas dos moradores da Vila de Paranapiacaba, locais em diálogo com experiências artísticas e
articulando-as numa perspectiva documental interculturais ibero-americanas contemporâneas,
audiovisual sistemática com bases tecnológicas. confrontando os meios e os processos artísticos que
Define-se como Núcleo da Memória Audiovi- envolvem mediações urbanas.
sual da Paisagem Humana em sua interface direta Trabalha-se com a idéia de cartografias do afe-
com o território, como espaço experimental, inter- to: a arte e o cotidiano como formas de compar-
midiático e interdisciplinar contemporâneo, expo- tilhar e desenvolver processos de apropriação e
sitivo, educativo e local de encontro para pertencimento. Entre os objetivos, analisar e apro-
Mostras, cursos, palestras, oficinas, apresenta- ximar a idéia da cidade contemporânea como um
ções, audições, projeções, assim como um Cen- museu essencial, de experiências pessoais e cole-
tro de Documentação e Referência da Paisagem tivas, mutante e nômade, aberto a processos cola-
Humana da Vila de Paranapiacaba. Para tanto man- borativos, tendo as micro-histórias locais como
tém Laboratório da memória, espaço para registro componentes de narrativas coletivas anônimas,
sistemático de depoimentos dos moradores e visi- configurando novas cartografias cognitivas, novas
tantes da Vila. paisagens humanas.
Configura-se no âmbito da experimentação de
práticas artísticas contemporâneas que investigam ReDe De afeTOs e PeRcePTOs
os imaginários urbanos a partir das fronteiras e Toma-se como ponto de partida a experiência pes-
potências entre linguagens, meios e contextos, com soal desenvolvida no interior da Rede Nacional de
base em processos colaborativos com perspectivas Artes Visuais da Funarte no ano de 2007.
de apropriação, pertencimento e ressignificação do Através dela foi possível transitar e atravessar os
patrimônio material e imaterial. Envolve a comu- territórios da criação (InterTerritorialidades: proje-
nidade de moradores no processo de desenvolvi- tos colaborativos, Rio Branco/Acre), da mediação
mento do projeto colaborativo, tendo os Monitores (Multimídia da Figura Humana/Museu Aberto –
Ambientais e Culturais de Paranapiacaba como Casa da Memória, Paranapiacaba, Santo André, SP)
Agentes da Memória e Mediadores por excelência, e da conceituação e difusão (Seminário: As Artes
estabelecendo articulações entre arte e vida, indivi- Visuais no Mundo das Redes, Guarulhos, SP).

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Seção 1 – Cultura e viSualidade: queStõeS em CurSo

Em tais percursos, espaços foram ativados e os lugares – reais e imaginários – como suporte
resultaram em escrituras coletivas, possivelmente para criações coletivas que envolvem artistas e
incompletas, mas que pretenderam dar margem a não-artistas, estimulando a documentação e apro-
discussões profundas a respeito do futuro das cida- priação crítica e criativa.
des e, sobretudo, do lugar que os homens devem
nelas ocupar. MeMóRia
Com base nos projetos realizados por artistas, Trabalhos artísticos pautados pela utilização dos
curadores, críticos, gestores e agentes sociocultu- meios fotográficos, videográficos, resultando em
rais nos diversos contextos articulados pela Rede projeções em espaços urbanos reapropriados, pro-
Nacional de Artes Visuais da Funarte, bem como duções que investigaram referências na história
das interfaces estabelecidas em tais lugares (reais e oral, em álbuns de família, compondo arqueologias
simbólicos), delineamos aqui rotas para possíveis do agora, inscrevem-se neste conjunto que articula
leituras, interpretações e apropriações do senti- espaços da memória, espaço arquitetônico e espaço
do alargado desta Rede de Afetos, urdida numa da experiência.
perspectiva interdisciplinar que tem contribuí- A memória é um fenômeno construído social
do decisivamente para diluir fronteiras e operar e individualmente, sujeito a constantes transfor-
nos interstícios do pensamento-ação e da prática mações, que estabelece estreita ligação com o sen-
artístico-crítica contemporânea. Cria-se, assim, timento de identidade, o qual deve ser entendido
dispositivo de interlocução, mediação e difusão da como a imagem que um indivíduo ou grupo faz de
arte em rede no contexto da vida cotidiana, tecendo si, para si e para os outros.
arquiteturas de relações, do local ao global.
Delas resulta uma certa “geografia do atrito”, TeMPO PResenTe e a HisTóRia
entendida menos no sentido do confronto, mas, ao O mundo contemporâneo caracteriza-se por trans-
contrário, no da fricção, provocando encontros e formações aceleradas da noção relacionada ao tem-
novos sentidos para tais percursos e deslocamentos po, ao espaço e à individualidade.
poéticos. Todas elas abrigam a figura do excesso, caracte-
No interior de um amplo espectro de trabalhos rístico da supermodernidade.
realizados em contextos, meios e linguagens tão O “lugar antropológico” passa a ser definido
variadas quanto a procedência e as poéticas de seus como aquele que é vivido para quem vive lá, e tam-
autores, encontramos blocos de sentidos e práticas bém para aqueles que vêm de fora e tentam inter-
interculturais convergentes, a partir das quais, por pretá-lo. Tal lugar opõe-se ao que se denomina
afinidades, definimos conjuntos que se articulam “lugares da memória”, os quais suscitam a nostalgia,
da seguinte forma: arte colaborativa, memória e a recordação.
identidade > documentário/documentAÇÃO >
corporeidade, percurso e composição urbana. anTROPOLOGia DO aQUi e aGORa
O etnólogo em exercício é aquele que se encontra
aRTe cOLaBORaTiVa, MeMóRia e iDenTiDaDe em algum lugar (seu aqui do momento). A pes-
Configurados no âmbito da experimentação de quisa antropológica trata, no presente, da questão
práticas artísticas contemporâneas que investi- do outro. Ela o trata no presente, o que basta para
gam os imaginários urbanos a partir das fron- distingui-la da história. Enquanto no “lugar antro-
teiras e potências entre linguagens, meios e contex- pológico” seu habitante “não faz a história, mas vive
tos, muitos dos trabalhos apresentados pela Rede na história” (práticas socioculturais do presente),
Nacional de Artes [Áudio] Visuais tiveram como nos “lugares da memória” apreende-se “a imagem
base processos colaborativos com perspectivas de do que não somos mais”, pois seu significado está
apropriação, pertencimento e ressignificação do na memória, no passado.
patrimônio material e imaterial urbano, encon- Outra noção de tempo presente articula-se com
trando na arte pública/relacional sua plataforma o conceito de História de Walter Benjamim. Em
de operações. Tais processos fundam-se na con- tal conceito, o passado ainda tem algo a dizer, e o
cepção ampliada da Arte como Experiência, tendo presente contém o passado que não foi redimido.

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entReVISualIdadeSeVISIBIlIdadeS.tecendoRedeSemIRadaSdeafetoS:doSfRagmentoSàSconStelaçõeS LiLian amaraL

DOcUMenTáRiO: ReaLiDaDe/ficçãO critas, transformam-se em palavras-escritas. Logo,


constituem-se em meio idôneo de reconstrução da
Olgária Matos vê a imagem localizada a meio cami- história.
nho entre o sensível e o inteligível. É a “imateriali- Na história oral em vídeo, a palavra reaparece,
dade material” (MATOS, 1991, p. 17) que remete a com importância vital também, só que a palavra
uma força fora do comum, excedente a si mesma filmada, colada à imagem, quando editada, é cola-
e referida a uma efetualidade mágica (imagem no da a outras linguagens, o que resulta em novos
sentido de reprodução, de representação). tipos de história que os meios audiovisuais podem
oferecer, uma história que corre paralela à história
escrita.
RePResenTaçãO
História visual: propiciada pela mudança de
A aproximação do filme documentário com aquilo suporte.
que se vive ou viveu é o que leva à afirmação de que Ver, conforme Marilena Chauí, é pensar por
é nas representações que esse gênero de filme faz, meio da linguagem. Ver, ainda segundo a autora,
que o diferencia da ficção, e não na sua construção leva as pessoas ao mundo exterior, enquanto ouvir
como texto, porque ambos são textos. leva-as ao mundo interior (CHAUí, 1988).
Na história oral em vídeo, ver e ouvir são dife-
DifeRenciaçãO rentes faces de uma mesma moeda. A expressão
Essa diferenciação é importante, mas, com os recur- história visual guarda certa impropriedade por-
sos disponíveis atualmente, o documentarista/his- que a narrativa fílmica evoca outras narrativas
toriador/artista/“artógrafo”2 (IRWIN, 2008) pode ou linguagens para além da imagem, tais como a
alterar de tal modo a imagem, recriar situAÇÕES, verbal, a escrita, a sonora e a gestual. Se a deno-
que o documentário final não será mais uma repre- minação de história visual é inadequada ou não, o
sentação do mundo vivido, e sim algo que diz res- que importa é que a história que surge do suporte
peito ao mundo imaginado. De que outro modo vídeo é diferente da história que decorre apenas
pode um “passado”, por definição constituído de da linguagem escrita. No embate entre a história
eventos, processos, estruturas etc., não mais percep- escrita e a história audiovisual há certa descon-
tíveis, ser representado em qualquer consciência ou fiança, incompreensão ou recusa em aceitar os
discurso, a não ser de modo “imaginário”? meios audiovisuais no processo de recriação his-
DocumentAÇÃO: artista como documentarista tórica, pois advém da pluralidade e diversidade
ou etnólogo. metodológica.
Autoria compartilhada: proporcionada pelo
recurso da história audiovisual pautada pelo traba- cORPOReiDaDe, PeRcURsO e cOMPOsiçãO URBana
lho coletivo. Investidos de uma nova atitude estético-crítica
Montagem: o momento em que se busca uma pautada numa maior proximidade entre arte e polí-
articulação entre as etapas que a antecederam, tica, identificamos um conjunto significativo de
envolvendo todos os elementos constitutivos do propostas que evidenciaram, por meio de inter[in]
documentário. venções, percursos e composições urbanas,

HisTóRia ORaL, HisTóRia aUDiOVisUaL a concepção da arte calcada no enraizamento das prá-
A história audiovisual tem forte relação com a his- ticas sociais coletivas, indicando uma relação produtiva
tória escrita. As palavras faladas, ao serem trans- entre arte e gestão do espaço público [...] resultando
em invenções criativas para formas do habitar. (VELOSO,
2
a/r/tographer = artist-researcher-teacher, proposições de 2004-5, p. 113)
escritura coletiva na qual artista e comunidade são co-autores
de uma mesma narrativa ou texto. Ver IRWIN, Rita. A/r/ Apresentam uma visão dialógica de espaço da
tografia: Uma Mestiçagem Metonímica, in BARBOSA,
Ana Mae e AMARAL, Lilian [Orgs.]. InterTerritorialidade:
arte, vida cotidiana, corpo e lugar, acreditando
mídias, contextos e educação. São Paulo: Editora Senac São firmemente que é possível construir e reconstruir
Paulo: Edições Sesc, São Paulo, 2008. outros tipos de cidades, reais e imaginárias.

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Seção 1 – Cultura e viSualidade: queStõeS em CurSo

Na [re]invenção da cidade, o urbanismo cidadão se que estas informações/ações são fluídas e velozes
é exercido pelos habitantes e potencializa os imagi- correspondem aos fluxos que inspiram e patro-
nários urbanos (SILVA, 2001). cinam ações na simultaneidade espaço/temporal
Estudar os urbanismos cidadãos é não somente que caracteriza os processos eletrônicos da comu-
examinar práticas cidadãs na construção de iden- nicação e são responsáveis pelo diálogo e tensão
tidades sociais e de ações contra os poderes, mas entre cidades distantes ou próximas no tempo e no
uma intenção de compreender esses novos modos espaço ou entre lugares de uma só cidade.
de apresentação cidadã que consolidam ou desa- Hábito e experiência representam-se visualmente,
fiam os modos estabelecidos de viver o presente e porém a natureza da imagem produzida tem ontolo-
de imaginar o futuro. gias diversas que permitem falar em visualidade para
No que tange ao direito à cidade, podemos designar a imagem que se insinua na constatação
entender que a gestão participativa está no centro receptiva do visual físico e concreto das marcas fixas
de todas as questões que afetam seu desenvolvi- que referenciam a cidade e a identificam e visibilida-
mento democrático, criando o mapa simbólico da de, que corresponde à elaboração perceptiva e refle-
cidade para visualizar narrativas em conflito, captu- xiva das marcas visuais que ultrapassam o recorte
rando a imagem e identidade do lugar. icônico para ser flagrada em indícios.
Críticas contrárias ao marketing urbano, tais Do espetáculo à experiência da cidade passa-se
como exercícios simplistas e elitistas, emergem às diferenças entre visualidade e visibilidade, passa-
em paralelo a uma demanda para incrementar o se da cidade ao lugar, e de uma semiótica visual da
orgulho local e a crença de que, utilizando ativi- cidade a uma semiótica do lugar invisível. Opera-
dades culturais como elemento catalisador para a se uma distinção entre visualidade e visibilidade,
recuperação da cidade, pode-se ajudar a criar uma entre recepção e percepção, entre comunicação e
ponte entre as necessidades de imagem externa e informação, entre padrão e dinâmica de valores
identidade local. culturais. Em todas essas diferenças se produzem
Neste sentido, a produção e representação de metamorfoses do olhar.
uma história e/ou imagem consensual sobre o pro- A visibilidade do lugar como criadora de senti-
cesso de regeneração urbana podem ser conside- dos e significados da cidade e na cidade nos leva a
radas como uma manifestação-chave da gestão rever conceitos de espaço próximo ou distante, local
democrática da cidade, criando linhas de atuação ou global e, parece, um rejeita o outro e se podem
que giram em torno das políticas de representação, anular como diferença. Em cada lugar processam-se
das práticas de legitimação discursivas e da crítica conexões entre lugares próximos ou distantes, vizi-
aos modelos de visualidade curatorial, midiática e nhos ou longínquos, em cada lugar confrontam-se
urbanística. diversidades, diferença e identidades.
As mercadorias simbólicas serão lidas a partir A percepção do lugar não depende da forma na
de suas relações com as práticas artísticas contem- cidade, mas do olhar do leitor capaz de superar o
porâneas, com o trabalho criativo e com as novas hábito e perceber as diferenças: um olhar que se
formas de produção de subjetividades através da debruça sobre a cidade para perceber suas dimen-
representação cultural, dando visibilidade a um sões e sentidos que estabelecem o lugar como fron-
conjunto de práticas de produção e consumo das teira entre a cidade e o sujeito atento. Para esboçar
identidades locais – capitais simbólicos culturais – uma conclusão, ainda que processual, evocamos as
em um contexto bem definido como o do espaço idéias de Lucrecia Ferrara (2003) que aponta ser
público intercultural das cidades contemporâneas. essa a base epistemológica da visibilidade da cidade
As representações da cidade, fixas ou fluídas, pelo lugar, porque se a visualidade da cidade está
dimensionam características ao mesmo tempo nas formas que a constroem, a visibilidade está na
sociais e semióticas. Enquanto sociais são repre- possibilidade do sujeito debruçar-se sobre a cidade,
sentações que surgem na cidade e demarcam sua seu objeto de conhecimento para, ao produzi-la
inserção na história do espaço urbano. Enquanto cognitivamente, produzir-se e perceber-se como
semióticas, são informações/ações que se proces- leitor, criador e cidadão. ■
sam pela cidade que lhes é suporte. Considerando- São Paulo, outono de 2009.

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entReVISualIdadeSeVISIBIlIdadeS.tecendoRedeSemIRadaSdeafetoS:doSfRagmentoSàSconStelaçõeS LiLian amaraL

RefeRências BiBLiOGRáficas LaDDaGa, reinaldo. Estética da emergência. Buenos aires:


adriana hidalgo Editora, 2006.
Chaui, Marilena. Janela da alma, espelho do mundo. in:
noVaEs, adauto (org.). O olhar. são Paulo: Companhia das MaTos, olgária C. F.. imagens sem objetos. in: noVaEs,
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são Paulo: Companhia das Letras e secretaria Municipal de
DELEuZE, Gilles. Conversações. são Paulo: Editora 34, 1992. Cultura, 1991.
FErrara, Lucrecia D’alessio. Lugar na Cidade: Conhecimento ParraMon, ramón. Arte, experiencias y territorios en
e diálogo. in: souZa, Maria adélia de (org.). Território proceso: espacio público/espacio social. Calaf / Manresa:
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irWin, rita. a/r/tografia: uma mestiçagem metonímica. siLVa, armando. Imaginários urbanos. são Paulo:
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InterTerritorialidade: mídias, contextos e educação. são VELoso, Mariza. Rede nacional de artes visuais. rio de
Paulo: Editora senac, 2008. Janeiro: FunarTE / Ministério da Cultura, 2004/2005.

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S e ç ã o  2
FundamentoS e experiênCiaS 
em eduCação da Cultura viSual
CURRíCULO PARA ALéM DAS GRADES:
DE PORõES A TERRAçOS, PRAçAS E JARDINS...
I r e n e To u r i n h o

Resumo
Este trabalho analisa quatro propostas curriculares recentes desenvolvendo uma reflexão sobre as seguintes
noções que as fundamentam: escola, currículo, tempo-espaço, professores e alunos, e arte. Algumas questões
que sinalizam consensos e tensões entre os documentos são focos da discussão que também levanta
questionamentos críticos e faz algumas projeções para a implementação de estudos de currículo de arte. Um
exame das ações presentes em duas das propostas indica uma tendência de expansão que pode contrariar a
busca pelo aprofundamento e qualidade da educação visual. questões que aprendi com esta análise são as idéias
que encerram o trabalho defendendo a necessidade de se manter a diversidade de propostas curriculares como
forma de incorporar as diferentes epistemologias e práticas que caracterizam o ensino de arte nos dias de hoje.
Palavras-chave: Currículo. Escola. Ensino de Arte.

Abstract
This paper analyzes four recent curriculum proposals developing a reflection about the following notions that serve as
their foundation: school, curriculum, time-space, teachers and students, and art. Some issues that indicate consensus
and tensions among the documents are foci of the discussion which also raises critical questions and make projections
for the implementation of curriculum studies in art. An examination of the actions presented in two of the curricula
indicates an expansive tendency that can jeopardize the search for deepening and quality of visual education. Issues
that I learned from this analysis are the ideas that finalize the paper emphasizing the necessity do keep the diversity
of curriculum proposals as a way to incorporate the different epistemologies and practices which characterize art
teaching today.
Keywords: Curriculum. School. Art Teaching.

N este trabalho faço uma leitura de algumas pro-


postas curriculares recentes que sinalizam
mudanças para o ensino de arte na educação básica.
mentos em permanente processo de construção.
Mais adiante comento sobre este caráter transitório,
passageiro, que qualifica os currículos, mas, por
Meu objetivo é apontar e analisar focos de con- hora, chamo atenção apenas para a brevidade que
vergência e tensão que identifico nestas propostas caracteriza a vida desses artefatos em razão das
pensando no currículo como um artefato que con- rápidas e profundas mudanças na vida cotidiana
grega fundamentos e práticas, ou seja, princípios das pessoas que, consequentemente, modificam os
que pretendem orientar o ensino e a aprendizagem
para distintos campos de conhecimento. Penso,
também, nas possibilidades de discussão que podem IRENE TOURINHO é Professora Titular, coordenadora
surgir a partir desta reflexão que me proponho a (2009/2011) e docente do Programa de Pós-Graduação em
desenvolver. Meu interesse vem de um envolvimen- cultura visual da Faculdade de Artes Visuais da Universi-
to de muitos anos naquilo que considero uma aven- dade Federal de Goiás. é pós-doutora pela Universidade
tura de pensar, questionar e problematizar questões de Barcelona (Espanha), doutora pela Universidade de
culturais, sociais e pedagógicas que compõem um Madison, Wisconsin e Mestre pela Universidade de Iowa
currículo, inscrevendo-o num campo de lutas por (EUA). é membro da Associação Nacional de Pesquisa
reconhecimento, legitimação e transformação de em Artes Plásticas (ANPAP), da Associação Nacional de
saberes e práticas – pensares e fazeres – na escola. Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (ANPED) e da
Parto do entendimento de que propostas curri- Federação Brasileira de Arte Educadores (FAEB).
culares são “propostas”, ou seja, planos que serão ou irenetourinho@yahoo.es
não praticados, alterados, renunciados. São docu-

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Seção 2 – FundamentoS e experiênCiaS em eduCação da Cultura viSual

modos e os focos de ação das instituições escolares como indicam e sequenciam conteúdos e/ou temas,
e seus participantes. propõem conexões e distinguem práticas intentando
Embora tenha me proposto a fazer esta análise, assegurar à arte um papel substantivo e decisivo no
reconheço o desafio desse projeto. Já disseram que processo de escolarização e formação de indivíduos.
pensamento é coisa barulhenta e quando me coloco Embora diferentes, dimensões como mente, corpo,
frente a estas propostas curriculares ouço ruídos qua- valores, emoções, histórias e contextos são às vezes
se ensurdecedores. Isso porque os currículos podem explícitas e outras vezes subliminares nesses textos
ser examinados sob muitas perspectivas críticas, que curriculares. Porém, são dimensões que se articulam
vão desde os focos que enfatizam ou minimizam até como necessárias ao trabalho docente de construir e
as escolhas que as apresentam ou as desconsideram; implementar currículos para o ensino de arte.
desde a forma como foram construídos até a lingua-
gem, expressões e referências que os constituem. POnTOs De PaRTiDa
As palavras de Nóvoa (2001) podem deixar bem
claro o jogo que caracteriza a feitura de um currí- Para desenvolver esta análise uso como ponto de
culo: “O que se diz é tão importante como o que partida o pensamento de um cientista que li cer-
fica por dizer. O como se diz revela uma escolha, ta vez numa revista de pesquisa. Ele diz: “Nossa
sem inocência, do que se quer falar e do que se compreensão do mundo é imperfeita por nature-
quer calar” (p. 31). Esta condição faz dos currículos za, já que somos parte do mundo que tentamos
alvos complexos e entranhados que merecem ser compreender”. Com esta frase quero enfatizar que
analisados cautelosa e constantemente. Porém, ao minha compreensão desses currículos também é
amplificar os sons que me inquietam, ou seja, expor imperfeita – incompleta - não só porque faço parte
os pensamentos que me provocam as propostas em desse mundo – sou professora, defino um progra-
questão, desejo ampliar meus próprios modos de ma/currículo para as disciplinas que leciono – mas
pensar o currículo e, especialmente, aprender com
os leitores outros sons, ruídos e sussurros que for- uma apresentação geral, a arte integra uma das partes, deno-
minada Linguagens, Códigos e Tecnologias. A proposta de
taleçam o estudo sistemático de currículos de arte.
arte para o Ciclo 2 e Ensino Médio expõe uma concepção
Centrei as considerações deste texto em quatro sobre a arte na escola, faz uma revisão das narrativas curri-
propostas recentes, duas estaduais e duas muni- culares oficiais anteriores, caracteriza os chamados territórios
cipais.1 Não é minha intenção analisá-las separa- da arte (linguagens artísticas, processo de criação, materia-
lidade, patrimônio cultural, etc.) e apresenta mapas para os
damente, mas buscar refletir sobre o conjunto de
processos educativos. Apresenta ainda, temas e sub-temas
proposições e direcionamentos que elas apontam. a serem trabalhados no Ciclo 2 e Ensino Médio, organiza-
É importante dizer, primeiramente, que estes docu- dos por bimestre. (2) A proposta do Estado de Goiás está
mentos evidenciam a determinação e o compro- parcialmente publicada no Caderno 5, denominado Currí-
culo em Debate: Expectativas de Aprendizagem – Convite
misso de muitos professores, diretores e coordena-
à Reflexão e à Ação. Adicionalmente, estudei o documento
dores que se empenharam na busca pela renovação intitulado Questões Norteadoras da Proposta Curricular de
e reinvenção de funções e significados para a apren- Arte, incluindo Artes Visuais, Dança, Música e Teatro, com
dizagem e ensino da arte, apesar do baixo status aproximadamente 40 páginas. (3) Do município de Gaspar,
examinei a Proposta Curricular, de 31 páginas, constando de
acadêmico-científico – e cultural – que esta área
uma Introdução, uma Caracterização da disciplina Arte, o
ainda tem nas escolas, situação que retomo mais Objetivo Geral da Proposta, e a Organização Curricular, com
adiante nesta reflexão. Objetivos e Conteúdos que definem os respectivos focos, do
É necessário ressaltar o fato de que esta análise tem primeiro ao nono ano. Além disso, a proposta apresenta os
itens Metodologia e Avaliação, separadamente para os anos
como base documentos curriculares bem diferentes,
iniciais e finais. (4) Do município de Patos de Minas tive aces-
tanto na sua organização, como na sua abrangên- so à Proposta Curricular que compreende um documento
cia e amplitude.2 Também são diferentes na forma intitulado Fundamentos Filosóficos e Pedagógicos do Ensino
de Arte e as Matrizes de Referência Curricular para a Educa-
1
As propostas curriculares analisadas foram as dos Estados de ção Infantil, primeiro e segundo ciclos, e EJA, incluindo artes
São Paulo e Goiás e as dos municípios de Gaspar (Santa Cata- visuais, dança, música e teatro, num total de aproximadamen-
rina) e Patos de Minas (Minas Gerais). te 60 páginas. As Matrizes de Referência Curricular apresen-
tam um texto introdutório para cada linguagem e estão orga-
2
(1) A Proposta Curricular de São Paulo tem aproximada- nizadas em Habilidades e Descritores com Considerações
mente 60 páginas e é organizada em quatro partes. Além de referentes a estes itens.

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cuRRículoPaRaalémdaSgRadeS:dePoRõeSateRRaçoS,PRaçaSejaRdInS... IRenetouRInho

porque estou constantemente envolvida nesta cons- conhecimentos, e não outros, ganharam espaço nas
trução. Se até a bem pouco tempo ainda falávamos propostas.
em grades curriculares, hoje, a imagem das grades Vale a pena lembrar, ainda como ponto de par-
pode apenas indicar limites para o nosso poder de tida, que um currículo faz mais que representar o
compreender o que fazem os currículos nas escolas mundo das coisas. Ele fabrica, cria, inventa, produz
ao delimitarem uma separação entre vida vivida e o modo como as coisas são narradas, praticadas.
vida refletida, sabendo que a primeira não se esgota É um discurso que nunca está acabado e que se
na segunda e que o trânsito entre elas nem sempre é encontra sempre num processo de devir, sempre
prazeroso e reconfortante. se fazendo. Assim, nestas propostas, uma série
Outro ponto importante a salientar é que minhas de noções vão configurando bases sobre as quais
reflexões e comentários são elaborados a partir os documentos se constroem e projetando visões
de um discurso escrito, ou seja, de documentos sobre nossa compreensão daquilo que esta sendo
oficiais. Sabemos das manhas e peculiaridades da proposto.
linguagem escrita (ou oral), sempre ambígua e pas-
sível de muitas leituras e interpretações. Sabemos, UMa caMinHaDa aTRaVés De nOções-cHaVe
também, que a palavra sempre excede sua própria Cada uma das noções presentes nos textos cur-
presença e, assim, meu pensamento sobre os docu- riculares guarda e reverbera em nós significados
mentos é uma busca de sentidos que considera, intensos que articulam nossas posições filosóficas,
principalmente, a vontade e o engajamento dos pedagógicas e práticas. Foco brevemente meu pen-
autores das propostas. Considera, ainda, que os samento em cada uma delas, refletindo sobre as
discursos das propostas curriculares não são indi- idéias que elas estimulam e colocam em jogo quan-
viduais. Eles representam racionalidades específicas do pensamos em currículo. As noções que destaco
e compartilhadas, manifestando valores sobre elas. – escola, currículo, professores e alunos, tempo e
Os discursos, assim entendidos, não dizem ape- espaço, arte – servem para mostrar, principalmente,
nas o quê devemos olhar e privilegiar, mas como uma questão que a análise destes currículos evi-
olhar e como pensar sobre o que olhamos. Segundo denciou, ou seja, um duplo movimento de homo-
Rose (2001), “o discurso é um conhecimento parti- geneização e diferenciação no que diz respeito às
cular sobre o mundo que configura como o mundo fundamentações e às sugestões de ações práticas.
é compreendido e como as coisas acontecem nele” A partir destas noções, observo uma conver-
(p. 136). Nesse sentido, os discursos curriculares gência de sentidos, uma homogeneização de ideais
selecionam perspectivas e visões sobre os conhe- e significados que chamam minha atenção para
cimentos que privilegiam, enfatizam a organização o fato de que, mesmo vindo de diferentes lugares
desse conhecimento e projetam possibilidades de do país, olhando de diferentes direções, as propos-
renovação e invenção nas salas de aula. tas carregam certos consensos, formas de ver que
Uma lacuna que dificulta a discussão que apre- intensificam idéias comuns acatando, às vezes mais,
sento é o fato de que desconheço como estes cur- às vezes menos, os desafios deste século.
rículos foram gestados.3 Com exceção de um deles,
sobre o qual tenho maiores referências e participa- noção de eScola
ção em debates, não sei como aconteceu o processo Observo nos documentos que a escola é vista como
de construção das outras três propostas. Este fato espaço de mão dupla, dinâmico, que fala para den-
tem importância porque ajuda a entender quem tro e para fora de si, e busca articular outros lugares
se envolveu, como e porque certas orientações e e tempos. Há, consistentemente, a defesa de que
a escola é um espaço de aprender, mais do que de
ensinar. Se pensarmos num porão, podemos ima-
3
Em 2008 participei de várias reuniões e discussões para a ela- ginar os canos e tubos que o traspassa e entender
boração da proposta curricular do estado de Goiás, fato que, que eles dizem de possibilidades de ação e projetos
pela proximidade e envolvimento, cria uma situação delicada a serem vividos no processo de escolarização. Pode-
para realizar esta análise.
mos vê-los como tubos de passagem que fazem
escoar e podem conduzir substâncias – temas,

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Seção 2 – FundamentoS e experiênCiaS em eduCação da Cultura viSual

experiências – que permitem ou impedem expres- Ganhos e perdas, lucros e privações, não são
sões e manifestações, podendo ligar fronteiras do estranhos à vivência escolar. Porém, as propostas
desejo com experiências concretas. em questão parecem minimizar, quase apagar, as
Nestas propostas, encontro uma linguagem de perdas e privações decorrentes da escolarização.
hospitalidade frente às demandas contemporâneas Torna-se relevante problematizar esta noção de que
de solidariedade, justiça social e direitos culturais. aprender é sempre bom e trazer à reflexão a cultura
Também é de hospitalidade a linguagem sobre o que os alunos devem abandonar, suplantar, trans-
conhecimento, sobre a necessidade de flexibilidade cender, para incorporarem a cultura que a escola
intelectual e, sobretudo, sobre a importância da elege e legitima. É Goodson, ainda, que nos adverte
escola como espaço de constituição de identidades. sobre o que ele próprio define como a
Esta questão ganha corpo de forma proeminente,
fazendo às vezes silenciar a realidade da escola questão mais problemática que professores necessitam
como espaço coletivo, obrigatório e cotidiano. pensar a respeito: até que ponto o conhecimento do
O “prazer de aprender e a alegria de conviver”, conteúdo que eles vendem exige demais dos alunos no
conforme aparece em uma das propostas, torna-se sentido do que eles têm que abandonar, e quão sensível
um lema, um eixo motivador que incentiva o pen- é o professor para mudar do conhecimento local, prático,
samento sobre a importância de investir na quali- fundamentado, que é obviamente de uso imediato, para
dade da educação que as escolas devem oferecer. um conhecimento muito mais esotérico, cosmopolita,
Entretanto, este prazer e esta alegria encobrem abstrato, que pode, ou não, ser de alguma utilidade neste
situações dramáticas que caracterizam o dia-a-dia novo mundo no qual estamos adentrando, um conheci-
das instituições nos tempos atuais. É abundante, mento mais útil que o conhecimento local. (2007, p. 57)
nesta direção, a literatura que analisa a crise da edu-
cação, da escola, dos relacionamentos nas institui- Outro ponto que merece atenção na análise
ções (GOODSON, 2006; ARAUJO, 2002; ESTEVE, destas propostas é a força simbólica que atrela à
1999; OLIVEIRA, 2006). escola um papel especial, acima de tudo socializa-
Certamente que propostas curriculares trabalham dor, na contemporaneidade. Há, nestes discursos
com condições de possibilidade e, nesta perspectiva, curriculares, um tom persistente de mudança, de
faz sentido defender que o prazer e a alegria acom- inovação, de renovação, de propostas que expres-
panhem os acontecimentos nas escolas. Mas, vale sam preocupação em relação à formação de indi-
a pena refletir sobre outro sentido que impregna o víduos preparados para conviver e atuar em uma
trabalho escolar e insere o conflito neste ideal de sociedade mais democrática. O papel da escola,
alegria e do prazer que podemos (devemos?), como neste sentido, é ressaltado e intensifica-se a ênfase
professores, oferecer. Goodson (2007) descreve com sobre os saberes coletivos, sempre maiores que a
perspicácia esta questão de construir “uma compre- soma dos conhecimentos individuais. Nem todas
ensão diferente de apenas experimentar a vida, de as propostas explicitam estas idéias. Porém, lendo
começar a teorizar”, situação que, como ele diz, “vem nas entrelinhas, posso dizer que não há discordân-
com ganhos e perdas” (p. 55). O autor explica: cia entre elas sobre esta forma de conceber o papel
da escola.
[...] isso diz muito a respeito de professores e pedagogia:
pensar sobre que custos e benefícios existem para os alu- noção de currículo
nos é falar sobre que custos e benefícios têm os alunos ao Encontro nestes documentos uma compreensão
fazerem a viagem intelectual que professores pedem que de currículo que ora privilegia uma concepção
façam. Você pensará sobre o que pede para eles abrirem técnica-universalista – na qual o currículo é com-
mão à medida que deslocam ou cruzam fronteiras intelectu- preendido como a expressão de tudo que existe na
almente, porque isso é uma grande viagem psicológica que cultura (científica, artística e humanista) transposto
eles vão fazer e você tem que ser sensível a isso. [...] é uma para uma situação de aprendizagem –, ora dá ênfa-
viagem difícil de pedir que os alunos façam e, então, os pro- se a uma perspectiva processual-culturalista, que vê
fessores que pensam que isto é uma coisa inteiramente boa o currículo como espaço de cultura que se faz na
de fazer estão errados porque não estão cientes do tipo de interação e negociação entre alunos e professores.
custos que eles pedem aos estudantes. (2007, p. 55-56)

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cuRRículoPaRaalémdaSgRadeS:dePoRõeSateRRaçoS,PRaçaSejaRdInS... IRenetouRInho

De maneira menos formal, às vezes sutil, perce- grifos do autor). Parafraseando Whitehead, é como
bo que a idéia de currículo como prescrição ainda se estas propostas se mostrassem ativamente empe-
acompanha as propostas. Incentivar os alunos a nhadas em, primeiro, fazer com que os alunos este-
ilustrar textos comunicando a mensagem por meio jam na escola; segundo, que eles tenham condições
de desenho, por exemplo, ou realizar desenhos satisfatórias para participar do processo de escolari-
de observação, de memória, e de imaginação, são zação; e, terceiro, que eles conquistem um aumento
conteúdos explícitos que prescrevem atividades, de satisfação em decorrência da vivência escolar.
independente de um tema, projeto ou pesquisa em Nestas propostas, as associações com as idéias
andamento na sala de aula. do filósofo podem ser encontradas na forma como
Entretanto, paradoxalmente, a compreensão de elas projetam melhorias para a vida dos alunos;
que o currículo oficial – escrito – difere radical- buscam conquistas na escola e no mundo fora dela;
mente do currículo praticado – “caminho que se desenham, ou melhor, almejam formas de construir
constrói ao caminhar” –, conforme define uma das autonomia e liberdade – ou, pelo menos, tomam
propostas, não é estranha a estes textos. Esta com- estes como valores maiores.
preensão se distancia da idéia de prescrição, porém Entretanto, voltando à brevidade que caracteriza
não a abandona, já que conteúdos, temas e práticas as propostas curriculares, é necessário lembrar que
estão organizados e sequenciados nas propostas. a vida média útil de um currículo, como analisa
De qualquer forma e sob qualquer concepção, Bamford (2006), é de quatro anos. Isso significa,
ao falar de currículo, estamos falando de poder. muitas vezes, que ao terminar o processo burocrá-
Nestas propostas, o poder que exala do currículo, tico de reformulação curricular e suas etapas de
num sentido macro e explícito, assume propósi- implementação, o currículo já está quase agonizan-
tos humanistas transformadores e democráticos. do. Uma implicação disso é que o foco no futuro,
Assim, estes currículos buscam o poder de contri- estampado em tais propostas, talvez seja, algumas
buir para o fortalecimento do sentido de pertenci- vezes, excessivo.
mento entre alunos, professores e bens culturais e Sabemos que a escola tem a responsabilidade
de construir um futuro mais justo, lançando mão de pensar para onde e como os alunos seguirão
da diversidade de saberes, da cooperação e da con- suas vidas e como os professores darão continui-
vivência para alcançar estas metas. dade a seu próprio processo de formação. Porém,
Apesar do tom de inovação e mudança, da pre- compreender o agora como um inimigo ou como
sença de idéias pós-modernistas e contemporâneas uma limitação pode levar a práticas deslocadas
tais como a ênfase nos elos entre currículo e cons- que colocam apenas no futuro a possibilidade de
trução de identidade, currículo e pensamento críti- realização, de desenvolvimento e, supostamente,
co, a incorporação destas idéias parece sobrepor-se de uma formação integral do “eu”. Entretanto, esta
à discussão que elas demandam, o que significaria complementação futura do “eu”, além de contrariar
refletir sobre formas de ressignificação das funções a visão contemporânea dos múltiplos ‘eus’ que nos
da escola, do conhecimento e do próprio currículo. constituem sem nunca serem concluídos, contraria
Considerando as crescentes demandas sobre também o fato inevitável que é não assumirmos a
as escolas e o aprendizado que elas são chama- futilidade e loucura de dizer não ao presente.
das a desenvolver (além da pressão do vestibular
– realidade que vem sendo desnaturalizada com noção de ProfeSSoreS e alunoS
a recente proposta de um novo ENEM em substi- O discurso destas propostas evidencia uma vontade
tuição ao exame), encontro nas palavras de White- de institucionalizar a solidariedade, a igualdade e a
head (1988) sentidos ainda instigantes para qualificar interação colocando, nos sujeitos protagonistas da
estes currículos, ou melhor, para transmitir minha escola, seu foco primordial. A mudança proposta é,
sensação com a leitura destas propostas. Escreven- neste caso, pensar a escola não como instituição
do em 1929, ele diz que a arte da vida consiste em que ensina, mas como uma escola que aprende a
“viver, viver bem, viver melhor” (p. 5). Segundo o ensinar. Nesta perspectiva, professores e alunos têm
filósofo, “a arte da vida consiste em: primeiro, estar funções destacadas.
vivo; segundo, estar vivo em condições satisfatórias; O foco nos professores se constrói em favor de
e terceiro, conquistar um aumento de satisfação” (p.5, uma pedagogia operante, interessada, responsável

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e investigativa. O professor é provocador, media- Estar na mira tanto daqueles que se preocupam com as
dor, construtor, desestabilizador. Os alunos são questões organizativas, curriculares e didáticas, quan-
vistos como participativos, indagadores, repletos to daqueles que, a partir das ciências sociais, analisam
de experiências e conhecimentos que podem e os tipos de organização e distribuição espacial que as
devem ser compartilhados na escola. No ideal instituições educacionais oferecem e as outras, fecha-
projetado para alunos e professores observo um das ou demarcadas, com as quais elas guardam certas
deslocamento positivo da visão de universo para semelhanças. (p.11)
multiverso. Assim, ver de e para diversas dire-
ções é o contínuo epistemológico que configura as Eles observam que “foi, efetivamente, dentro da
noções sobre professores e alunos inscritas nestes história da escola como realidade social e material,
currículos, ficando claro um discurso que redis- como cultura específica, que a questão do espaço e
tribui funções de autoridade e de iniciativa para do tempo escolares adquiriu importância nos últi-
professores e alunos. mos anos” (p. 13). Entretanto, no caso destas propos-
Porém, nem todas as propostas são explícitas tas, estas questões não merecem destaque especial.
em relação às desigualdades sociais e culturais que Chamo atenção, fundamentalmente, para o cará-
encontramos nas instituições e, menos ainda, às ter reivindicatório que todo currículo agrega. Qual-
relações de discriminação que acontecem entre e quer reforma curricular será tímida e superficial se
por alunos, professores, coordenadores e direto- não considerar, como seus elementos constitutivos,
res. Conflitos de gênero, homossexualidade, classe o espaço-tempo escolar. É necessário considerá-
social, etnia, credos, faixa etária e outros tão pre- los como elementos que constituem “uma espécie
sentes nos discursos críticos pós-modernos são de discurso que institui na sua materialidade um
encobertos, ocultos sob visões políticas e culturais sistema de valores como os de ordem, disciplina,
assimilacionistas – quando aparecem – nas quais vigilância, marcos para a aprendizagem sensorial e
a integração soa mais alto do que a urgência de motora e toda uma semiologia que cobre diferentes
refletir sobre posturas de afastamento, resistência e símbolos estéticos, culturais e também ideológicos”
violência – de alunos e professores – tão presentes (FRAGO e ESCOLANO, 2001, p. 26). Intrigados
nas salas de aula das nossas escolas. com a “duração das estruturas construtivas escola-
Apesar de afirmações que deixam claro que “são res, com a constatação de como os velhos edifícios
indesejáveis tanto a exclusão pela falta de acesso escolares se perpetuam, Frago e Escolano lançam
a bens materiais quanto a exclusão pela falta de algumas questões inquietantes: Seria “imobilismo
acesso ao conhecimento e aos bens culturais”, como arquitetônico? Tradicionalismo didático? Economi-
se lê numa proposta, é incipiente o discurso que cismo da política educacional em torno da escola
denuncia a exclusão como resultado das diferen- pública?” (p. 23).
ças de opção, práticas e modos de ver e viver a Quando observamos de cima um conjunto de
vida. Incipiente também é o discurso que, além de terraços percebemos uma superposição de espaços,
denunciar, propõe o enfrentamento dos impactos estilos e, em decorrência, comportamentos e desejos
que a exclusão ocasiona nos ambientes escolares. que se confrontam quase num mesmo nível. Para a
Nesse sentido, os discursos curriculares permane- escola, esta visão de terraço também é útil, pois ali
cem carentes de um posicionamento divergente aglomeramos não apenas sujeitos, mas sentidos e
do pensamento hegemônico, ou seja, aquele que significados, medos e vícios, aspirações e desconso-
submete os sujeitos a padrões de normalidade nos los que mediam e formam experiências e aprendi-
quais qualquer diferença pode tornar-se motivo de zagens nas quais o espaço e o tempo são elementos
repúdio ou segregação. expressivos do currículo que a instituição abriga.
Ao trazer os porões, terraços, parques e jardins
noção de temPo e eSPaço para este texto, não quero reforçar uma passagem
Tempo e espaço: como as propostas curriculares idealista, romântica e naturalista que nos levaria do
lidam com estas noções? É importante ressaltar que porão aos jardins, tomando o primeiro como des-
as questões de tempo e espaço, conforme Escolano prezível e o último como desejado. Diferente disso,
e Frago (2001) comentam, começam a minha ênfase é no trânsito, nos deslocamentos, na

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reinvenção de espaços e tempos. Penso no espaço que “a arte é importante na escola, principalmente
e no tempo como formas silenciosas de ensino. porque é importante fora dela”. Este pensamen-
O lugar-educação pode ser – e é – qualquer um to rompe com as justificativas que vêm na arte a
desses espaços, assim como todo currículo “é tam- salvação para os problemas da escola: passando
bém aquilo que dele se faz”, conforme aprendi com pela frequência, motivação e engajamento até o
Tomás Tadeu da Silva. prazer e a conscientização sociocultural de alunos
Mas a questão espaço-tempo se materializa e professores. O parâmetro de importância da arte
no cotidiano da escola de maneira contraditória. extrapola os muros da escola ao mesmo tempo em
Já observei aulas de artes em espaços privilegiados, que os salta, esburaca-os, promove a derrubada
salas grandes e arejadas que, por razões diversas, e retorna a seus recintos criando enfrentamentos e
a professora demarcava alguns poucos metros onde transgressões com as quais a escola ainda tem que
as atividades poderiam acontecer. O aluno que se aprender a lidar.
afastasse do território estabelecido era repreendido. Arte como linguagem, expressão, cultura, como
Ao mesmo tempo, sabemos que dos quarenta ou forma de representação, comunicação, compreen-
cinquenta minutos reservados para a aula, usamos são do mundo e de maneiras de agir sobre ele são
aproximadamente apenas trinta na efetiva atividade idéias que transitam nestas propostas, com ênfa-
educativa. Esperar, organizar, distribuir, recolher e ses e palavras diversas, mas sugestivas de modos
outras ações dessa natureza ocupam o restante do de pensar a arte que estão atentos tanto para as
tempo de aula. Algumas escolas já adotaram, para dinâmicas de nosso tempo como para o poder
as aulas de arte, o horário dobrado e outras lutam simbólico – criativo e expressivo – deste campo de
por ele. Ainda precisamos investigar como a relação conhecimento.
entre iniciativas pedagógicas e o tempo adequado
para realizá-las interfere no envolvimento de pro- incôMODOs e DesejOs
fessores e alunos na aprendizagem. Analisando as concepções apresentadas nos docu-
Falei no caráter reivindicatório que todo currí- mentos, duas delas merecem destaque. A primeira
culo deve/pode agregar quando iniciei estas obser- diz respeito à compreensão da arte como lingua-
vações sobre tempo-espaço na escola. A situação gem – sem falar que, de maneira geral, a expressão
que utilizei como exemplo sobre o uso contradi- “obra de arte” predomina nos discursos (cultura
tório do tempo-espaço na escola são conhecidas visual aparece duas ou três vezes). Entendo que
e, portanto, faz falta no discurso das propostas certos modelos de pensamento têm um tempo de
analisadas uma reflexão – reivindicatória – sobre vida que inicialmente são eloquentes e produtivos,
qual deve ser o espaço e tempo para a educação em mas, depois, se tornam estáveis. Tais modelos ser-
arte neste século. Seria necessário indagarmos e vem como um meio através do qual outras visões
incluirmos, nas agendas das reformas curriculares, podem ser ousadas. Meu incômodo, inquietação,
uma discussão que sintonize não apenas as condi- vem da vontade de experimentar e poder estimu-
ções de possibilidade que precisam ser oferecidas lar energias questionadoras e criativas que nos
para dar conta das propostas artísticas atuais como ajudem, alunos e professores, a pensar a arte para
com as exigências práticas e reflexivas indispensá- além da linguagem.
veis para uma educação que tenha a arte como foco Isso não significa abandonar a idéia de arte como
e motor de aprendizagens sobre si, sobre o outro e linguagem, mas buscar, no caráter concreto da vida
sobre o mundo em que vivemos e atuamos. social, neste mundo espetacularizado, saturado de
mensagens e informações visuais, sonoras, gestuais,
noção de arte orais, outras metáforas/modelos para pensar a arte
Fechando esta corrente de noções que formulam ou, melhor dizendo, a cultura estética, expressão
estes currículos, coloco minha atenção na com- que me parece mais consistente com a realidade
preensão de arte que eles articulam. Noto uma multimidiática que nos ronda. Precisamos inves-
sintonia com as transformações e demandas da tigar os limites da idéia de arte como linguagem,
contemporaneidade. Um dos documentos afirma, guardando suas possibilidades, mas indicando
de maneira simples, mas contundente e sintética, outras direções para nosso pensamento.

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Outra questão que me inquieta é um certo sabor de incômodo que apontei – a noção de arte como
de apaziguamento, um tom conciliador que trans- linguagem e o caráter apaziguador do discurso
parece nestas concepções de arte e, subsequente- sobre aprendizagem e ensino – são, certamente,
mente, nos objetivos, sugestões de ações, habili- inquietações que muitos de nós compartilhamos.
dades ou competências, como alguns discursos Trago estas idéias para este diálogo porque também
manifestam. Assim, a idéia de arte como motor tenho este otimismo – responsável, eu diria – que
para o conflito e a ambiguidade, muitas vezes pro- nos move para continuar brigando pela importân-
dutivas, não recebe, nestes discursos curriculares, cia, espaço e pelas condições de efetiva realização
a atenção merecida. dessas práticas na escola.
Nessa perspectiva, como um campo social que Um foco que agrega consensos entre estas pro-
articula sentidos e significados, a arte, nestes currí- postas é a avaliação. Nem sempre tratada separada-
culos, perde algo de sua força combativa, denuncia- mente, as sugestões de avaliação incluem o portfólio,
dora, propositora, transgressora. É como se ficasse as pastas de atividades, o diálogo, a auto-avaliação,
de fora o fato de que “há, na verdade, uma tensão os textos críticos, os diários e outras modalidades.
constante entre a necessidade de delimitar, de fixar Avançamos muito nesta direção, creio eu. Percebo,
o significado e a rebeldia, também permanente, do com clareza, que estamos tratando tanto da ava-
processo de significação” (SILVA, 2001, p. 20). liação da como da avaliação para a aprendizagem
A tensão entre o limite e a rebeldia nos ajuda, por e isso nos coloca frente às diferenças, às formas de
exemplo, a lidar com a aprendizagem e o ensino de integrá-las no cotidiano das salas de aula.
forma a abarcar impasses que a comercialização da Os consensos são importantes porque mostram
experiência estética tem colocado na ordem do dia. caminhos que já percorremos, sintonias sobre as
A compra de um estilo de vida a partir da aquisição quais podemos refletir para aspirar outras conquis-
de bens materiais e simbólicos não nos torna neces- tas, traçar novos roteiros. Já disseram que todo con-
sariamente mais sensíveis ou capazes de transformar senso é burro, mas estou admitindo que o consenso
as realidades que produzimos e onde somos produ- permite acordos e eles são imprescindíveis para
zidos. Sem expor tensões que o campo da arte defla- nossa sobrevivência como disciplina substantiva
gra, os currículos neutralizam o campo e mutilam na escola.
aprendizagens que as escolas deveriam oferecer. Uma revisão dos temas sobre os quais encontrei
Assim, é importante pensarmos no ato pedagó- consenso serve como moldura do campo onde esta-
gico como um ato expressivo, na pedagogia como mos trabalhando. O princípio gerador de reflexão
performance, sentidos que agregam à aprendi- e ação nestas propostas volta-se para o cotidiano,
zagem e ao ensino, elementos de contradição, de para as experiências vividas no dia-a-dia de alunos
paradoxo, de incertezas. São elementos que nos e professores. A necessidade de criar e estabelecer
levam a compreender como a arte não apenas ofe- vínculos com a comunidade, o exercício do pensa-
rece, mas também retira a paz, discrimina pessoas, mento crítico e o respeito à diferença – mesmo sem
lugares e tempos, além de evidenciar as desuma- distingui-la – também são temas que nos reúnem.
nidades que cometemos. Neste sentido, não nos A contextualização é um ponto central, que
basta, com e através da arte, tomar consciência perpassa todos os currículos e ganhando um sen-
desses processos de diferenciação discriminatória e tido de passaporte para romper fronteiras discipli-
das formas como eles marcam nossas identidades e nares. Ainda assim, alunos, professores e conteúdos
projetos de futuro. É necessário, nesta direção que continuam a manter-se como a tríade inevitável
venho apontando, ir além da tomada de consciên- destas propostas, deixando de lado as circunstân-
cia para perceber, refletir e agir sobre a gravidade cias, o acaso e o imprevisível como elementos que
desses processos. ramificam esta tríade para caminhos e espaços
inesperados.
cOnsensOs, PROPOsTas e PROjeções Entretanto, via contextualização, estes documen-
Como o currículo é uma forma de seleção, o que tos abrem-se para possibilidades de internacionaliza-
fica de fora pode falar mais alto, impor-se difu- ção de conteúdos e temas e, ao mesmo tempo, para
samente àquilo que é selecionado. Os dois focos sua internalização. Isso significa olhar tanto para

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cuRRículoPaRaalémdaSgRadeS:dePoRõeSateRRaçoS,PRaçaSejaRdInS... IRenetouRInho

dentro como para fora dos sujeitos e das escolas, tan- É certo que o currículo também trabalha com o
to para a produção artística local como para aquelas sonho, com a utopia (no sentido de algo ainda não
distantes do ambiente de alunos e professores, tanto realizado), porém, comparando as duas propostas,
para o já feito como para o por fazer. A contextu- apenas quatro ações são comuns: produzir, identi-
alização se torna, assim, um marco emancipatório ficar, analisar e reconhecer. Penso em quantos anos
que nos permite alçar vôos para articular múltiplas poderíamos gastar experimentando, refletindo e
lógicas e sensibilidades, para ampliar e aprofundar as contextualizando apenas através dessas ações. Pen-
experiências com, através e sobre arte. so, ainda, em como estas ações integram muitas
Um breve exame das sugestões de atividades outras, criando camadas intermináveis de formas e
presentes nestas propostas curriculares me levou à jeitos de interação com as artes.
elaboração de duas tabelas que destacam e quanti- Não vou me estender sobre esse ponto, mas gos-
ficam as ações – os verbos – que elas privilegiam. taria que ele ficasse pairando sobre nossas cabeças
Concentrei-me nos documentos dos municípios. enquanto pensamos sobre o que e como queremos
Além de aspectos conflituosos que a linguagem para nossa área. Para concluir, apresento algumas
ressalta – por exemplo, como compreender “dife- aprendizagens que tive como resultado da aproxi-
renciar” e “distinguir”; como pensar ações que mação com estas propostas.
caracterizem “experimentar”, “criar”, “realizar” e A primeira delas me leva a uma idéia de Goodson
“produzir” – chama atenção as inúmeras vias de (2008). Ele faz uma análise que põe em jogo a rela-
ação abertas nestes currículos notando que suplan- ção entre status e significado das disciplinas escola-
tamos abordagens românticas e redutoras herdadas res observando que as disciplinas que se preocupam
do modernismo. Ao mesmo tempo, vale pensar se com a criatividade e a educação de todos – arte sen-
não estaríamos criando uma torrente de ações e do um exemplo, tecnologia outro – tendem a ter seu
objetivos, impulsionados, mais uma vez, pela quan- status e recursos reduzidos justamente porque não
tidade e não pela qualidade. estão exclusivamente ocupadas com a preparação
Parafraseando Castro (2009) em seu comentário de uma minoria profissionalizada. Talvez, então, de
sobre o excesso de conteúdos que o ensino médio alguma maneira – diz ele – apesar de todos os pro-
precisa oferecer para atender às perguntas do vesti- blemas de status e recursos que as artes enfrentam,
bular, no caso destas propostas elas ocupam uma posição afortunada em relação
às possibilidades educacionais que oferecem para
o resultado é uma inundação curricular. é muito mais todos os estudantes. Concordando com Goodson,
matéria [ações/conteúdos/temas] do que é razoável espe- não posso pensar em melhor critério para dar signi-
rar que a vasta maioria dos alunos possa digerir. [...] Para ficado a uma disciplina.
a maioria, o excesso de assuntos dilui o ensino – é muita Existem praças abandonadas, cheias de lixo e que
água deitada no feijão. quando se tenta ensinar demais, são depósitos de miséria. A segunda aprendizagem
aprende-se menos. Não há tempo para profundidade. que tive diz respeito às ações que os currículos elegem
Portanto, não há tempo para uma real educação. (p. 90) e que exemplifico nas tabelas acima. Apesar de ter
enfatizado a abundância – quase exagero de possibili-
Na expectativa de mostrar e expandir o espectro dades – duas ações escapam daquele inventário: inves-
de conteúdos que podemos acolher, corremos o tigar e imaginar. Por quê? Onde elas nos levariam?
risco de criar fantasmas, de tentar domar o indomá- Ambas nos ajudariam a buscar respostas e formular
vel, ou seja, de querer governar o ingovernável que perguntas para as questões que nos acompanham.
é a experiência estética, objetivo maior do nosso Além disso, a investigação e a imaginação estão forte-
trabalho. Além disso, a quantidade de ações/verbos mente vinculadas à vida no tempo presente, tema que
propostos (23 ações na tabela I e 26 ações na tabela problematizei anteriormente apontando a falta desta
II – o “X” aparece para cada vez que a ação é citada) perspectiva do imediato nos discursos curriculares
parece não se adequar ao tempo, espaço e profis- em questão. É surpreendente pensar que o imaginar,
sionais que dispomos. Parece não se adequar às ação parceira da formação de imagens, da criação,
expectativas de reunir experiência e reflexão como da realização de conexões visuais, da invenção, da fan-
temos defendido. tasia, fosse ficar fora dessas vastas listas.

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Seção 2 – FundamentoS e experiênCiaS em eduCação da Cultura viSual

Tabela i: Gaspar – santa catarina


AÇÕES 1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º 9º
1. Identificar x x x x x
2. Reconhecer x x x x x
3. Descrever x x x x
4. Produzir x x x
5. Resolver x x x
6. Interrelacionar x x x x
7. Narrar x x
8. Interpretar x x x
9. Conceituar x x x
10. Distinguir x
11. Analisar x
12. Refletir x
13. Especificar x x
14. Construir x x x
15. Ressignificar x
16. Compreender v
17. Diferenciar x
18. Perceber x
19. Sintetizar x
20. Questionar x
21. Definir x
22. Traduzir x
23. Constatar x
24. Reconhecer x x x xx x xxx xxx
25. Entender x x x xx xx xx xx
26. Despertar x x x x x

Tabela ii - Patos de Minas – Minas Gerais (1º e 2º ciclos)


Introdu­
AÇÕES tório
1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º 9º
1. Explorar x x x x x x x x x
2. Observar x
3. Identificar xxx x x x xxx xx xx xx xx
4. Experimentar x x
5. Utilizar xxx x
6. Rasgar x
7. Expressar-se xx xx x x x x x x x
8. Demonstrar x x x x x
9. Pintar x
10. Interessar-se xx xx xx xx xx xx xx xx xx
11. Proteger x x x x x
12. Manusear x x x x x
13. Organizar x x x x x x x x x
14. Realizar x x x x x x x x x
15. Conhecer x x x x xx xx xx xx xx
16. Usar x x x x x x x x x
17. Analisar x xx xx xx xx xx xx xxx xxx
18. Contextualizar x x x x x xx xx xx xx
19. Relacionar x x x x x xx xx xxx xxx
20. Criar x x x x x x x x x
21. Produzir x x x x x x x x x
22. Apreciar x x x x x x x x
23. Criticar x x x x x x x x
24. Reconhecer x x x xx x xxx xxx
25. Entender x x x xx xx xx xx
26. Despertar x x x x x

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cuRRículoPaRaalémdaSgRadeS:dePoRõeSateRRaçoS,PRaçaSejaRdInS... IRenetouRInho

Como terceira e última aprendizagem, destaco sou avessa à ortodoxia intelectual e porque vejo na
a renovada compreensão que tive sobre a impor- diversidade um campo para a eclosão enriquecedora
tância da formação continuada, permanente, de de dissidências. Para mim, esta diversidade merece ser
professores. Renovada porque reforcei meu enten- radicalmente defendida contra as tentações de um cur-
dimento de que esta formação deve ser feita dentro rículo nacional. Merece ser defendida porque aponta
e fora das escolas. Deve levar os professores a tran- vias cheias de coragem para afrontar estes tempos, com
sitarem entre porões, terraços, praças e jardins, todos os seus deuses, deusas, demônios e ervas. ■
mas, não apenas isso. Esta formação nômade, como
nosso tempo requer, significa que não basta trazer
RefeRências BiBLiOGRáficas
ou levar os professores para um centro, para espa-
ços alheios ao seu cotidiano. É preciso um projeto araÚJo, Carla. A violência desce para a escola: suas
manifestações no ambiente escolar e a construção da
de formação in loco: que os formadores de forma- identidade dos jovens. Belo horizonte: autêntica, 2002.
dores se desloquem até os locais de trabalho dos
professores e façam daquele espaço o cenário vivo BaMForD, anne. The wow factor: global research
compendium on the impact of the arts in education.
das experiências de aprendizagem para continui- Munster: Waxmann Verlag, 2006.
dade da formação. Assim, a formação continuada
de professores enfatizaria o exercício da observa- CasTro, Cláudio M.. o vestibular funciona, mas deve acabar.
E isso é bom. Revista Veja, 01/04/2009, p. 91.
ção – acompanhando os formadores, porém, no
seu próprio local de atuação – esta capacidade que EsTEVE, José. M. O mal-estar docente: a sala de aula e a
permanentemente orienta o fazer pedagógico. saúde dos professores. são Paulo: Editora EDusC; 1999.
Ainda pensando na formação de professores, relem- FraGo, antonio V.; EsCoLano, agustín. Currículo, espaço e
bro aqui uma idéia que Noemia Varela (apud PEREI- subjetividade. a arquitetura como programa. Trad. alfredo
RA, 2008) defendeu em finais dos anos 1970. Con- Veiga-neto. rio de Janeiro: DP&a Editora, 2001.
tinua atual e enriquecedora. Educar e educar-se sob MarTins, raimundo; Tourinho, irene. (orgs.) Ivor
a perspectiva de “plurimetodologias criativas”, como Goodson – Políticas do Conhecimento. ______.(Trads.).
ela propunha, é assumir um relativismo que nada tem Vida e trabalho docente entre saberes e instituições. Goiânia:
Programa de Pós-Graduação em cultura visual, 2007.
a ver com leviandade ou ausência de princípios. É um
relativismo auto-crítico, esclarecido, que se move pela nÓVoa, antonio. Formação de professores e trabalho
curiosidade e se desdobra em reflexão e ação. pedagógico. Lisboa: Educa, 2001.
Compreendo que esta idéia faz pontes entre epis- oLiVEira, Eloiza s. G.. O “mal-estar docente” como
temologia, metodologia e prática, exigindo de nós fenômeno da modernidade: os professores no país das
um pensamento sempre em processo, sempre em maravilhas . In: Ciências & Cognição; ano 03, Vol. 07, 2006.
Disponível em www.cienciasecognicao.org
reconstrução. Exigindo avaliação e auto-avaliação.
Educar e educar-se através de plurimetodologias PErEira, Marcos. Educação e arte: genealogia de um campo
criativas requer, ainda, uma atitude investigativa para interminável. Trabalho Encomendado pelo G.E. Educação
e arte para a 31ª. Reunião Anual da ANPEd, 2008. (não
ensinar e aprender. Requer um jogo imaginativo que publicado)
nos provoca constantemente para buscar formas de
mediação mais adequadas, criativas e sensíveis. rosE, Gillian. Visual methodologies. London: sage, 2001.
Para finalizar, chamo atenção para a diversida- siLVa, Tomáz T.. O currículo como fetiche: a poética e a
de destas propostas. Celebro este fato. Apesar de ter política do texto curricular. Belo horizonte: autêntica, 2001
enfatizado consensos, elas se distinguem em estru- WhiTEhEaD, alfred. n. A função da razão. Brasília: Editora
tura, focos e abrangência. Celebro este fato porque universidade de Brasília, 1988.

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Seção 2 – FundamentoS e experiênCiaS em eduCação da Cultura viSual

O qUE FAzER COM A CULTURA VISUAL DA ESCOLA?


R e j a n e G a lvã o C o u t i n h o

Resumo
O texto busca problematizar a questão da cultura visual no contexto de formação de professores de artes visuais.
Considerando os mecanismos redutores de apropriação de modelos na história do ensino de artes no Brasil, relata
uma experiência de investigação no âmbito das práticas de ensino sobre a cultura visual que permeia o ambiente
escolar. Apresenta e discute o processo e os resultados da investigação apontando um possível caminho para uma
formação crítica de professores na contemporaneidade.
Palavras Chaves: Formação de Professores. Cultura VIsual. história do Ensino das Artes.

Abstract
This paper raises questions about visual culture in the context of a Teacher Education Program in Visual Arts. It
considers the reduced mechanism of new model’s appropriation in the history of art education in brazil, and explores
an experimental inquiry within education practices about school visual culture. It presents and discusses the inquiry
process and results as a possibility for a critical education in our days.
Keywords: Teacher Education. Visual Culture. History of the Teaching of Arts.

N este texto busco problematizar a questão da


cultura visual e do ensino de artes no Brasil
a partir de considerações sobre uma experiência
que reluta para se atualizar, resistindo para manter
tradições, como opera grande parte das instituições
encarregadas da formação de professores no Brasil.
de investigação no âmbito da formação de pro- Neste caso específico, uma das justificativas que
fessores de Artes Visuais. A experiência a que me alimentam a resistência às atualizações é a necessi-
refiro aconteceu em 2007, na disciplina Prática de dade de corresponder às orientações também con-
Ensino I do Curso de Artes Visuais na modalida- servadoras da Secretaria de Educação do Estado,
de Licenciatura, do Instituto de Artes da UNESP, onde grande parte dos graduandos irão trabalhar.
Campus São Paulo. É importante situar que esta foi Temos assim um descompasso entre o campo das
a primeira turma do novo Curso de Artes Visuais, práticas de produção e circulação dos bens culturais
Bacharelado e Licenciatura, que teve início em 2005 e o campo das práticas formalizadas de recepção e
na Instituição. Antes a formação de professores de apropriação.
artes se dava ainda no Curso de Educação Artís- Apesar desse macro contexto conflitante, feliz-
tica com as habilitações em Artes Plásticas, Artes mente sabemos que a educação é feita por pessoas,
Cênicas e Música, como historicamente acontecia estudantes e professores que, nas brechas institu-
no Brasil desde 1977. Esta mudança tardia é uma cionais, trazem para o palco das salas de aula suas
resposta às exigências da LDB 9394/96 e denota que referências, suas práticas e, sobretudo seus desejos
o processo de negociação conceitual e ideológica
do Instituto de Artes para entrar em sintonia com
as questões contemporâneas do ensino de artes foi REJANE GALVÃO COUTINHO é Doutora em Artes pela
difícil e complexo. ECA/USP e professora do Instituto de Artes da UNESP, Cam-
O contexto da experiência, portanto, já revela pus São Paulo, onde atua na graduação e pós-graduação.
intrincadas contradições. Estamos em São Paulo, é  consultora do Arteducação Produções, equipe que
cidade que agrega alguns dos mais importantes desenvolve projetos de mediação cultural em São Paulo,
museus e acervos do país, cidade que concentra e atualmente representante da América Latina no Conse-
significativos centros culturais, que abriga desde lho Mundial da International Society of Education Through
1951 as bienais internacionais e que detém uma Art (InSEA). Realiza pesquisas sobre história do ensino de
grande fatia do mercado das artes, sobretudo, das artes, formação de professores, arte/educadores e media-
artes contemporâneas. E no bojo dessa efervescên- dores culturais no campo das artes visuais.
cia temos uma universidade pública com cursos rejanegcoutinho@gmail.com
de licenciatura em artes visuais, teatro e música

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oquefazeRcomacultuRaVISualdaeScola? RejanegalVãocoutInho

e crenças. Ademais, tanto professores quanto estu- tendia-se a adotar novos modelos pressupondo
dantes de artes visuais são em geral ávidos consu- que ao adotar estas novas práticas estava-se auto-
midores de imagens e, em sua maioria, são também maticamente despindo-se dos modelos anteriores.
produtores de imagens, são sujeitos inseridos na Mas, em verdade o que acontecia (e ainda acontece)
visualidade contemporânea. era uma sobreposição irrefletida de práticas e con-
cepções que redundaram em desqualificações das
ReVenDO MecanisMOs De aPROPRiaçãO De MODeLOs na então novas proposições, muitas delas pertinentes
HisTóRia DO ensinO De aRTes em seus contextos de origem. As rasas apropriações
Como professora inserida neste contexto e com do modelo expressionista no Brasil, ao longo do
uma histórica formação modernista, venho bus- século XX, é um exemplo contundente. Da livre-
cando me sintonizar com as questões contempo- expressão ao laissez-faire pouca coisa ficou em pé.
râneas do ensino de artes e com as demandas do O mercado cultural da contemporaneidade
contexto no qual atuo. Tendo por formação uma ancorado em representações prêt-à-porter refor-
propensão à reflexão e uma clareza de que a cons- ça ainda mais esta tática esvaziada de substância
ciência histórica é um importante instrumento de conceitual e histórica. Tendemos a adotar novos
transformação busco afinar meu discurso e minha comportamentos e novas idéias por puro modismo,
prática sob uma perspectiva crítica. Tomando as no mais das vezes para nos sentir incluídos.
definições de Imanol Aguirre (2005) sobre as ten- A Proposta Triangular de ensino de artes que
dências formalizadas de ensino de artes posso dizer vem desde a década de 1990 sofrendo entendi-
que minha formação inicial foi uma mescla das mentos superficiais não ficou imune a esse meca-
tendências logocentrista e expressionista, com uma nismo diluidor e propagador de anemia teórica.
ênfase maior nesta última, e tingida na superfície A pressa em adotar o novo modelo, sem tempo
pela tendência filolinguística. Ou seja, minha for- para maturar os fundamentos que orientam esta
mação de base se deu como a de muitos de meus concepção levou a compreensões tingidas por
colegas arte/educadores formados nas décadas de valores conservadores. Enquanto a Proposta Trian-
1970 e 1980 no Brasil. Justifico aqui a necessidade gular claramente prenuncia a pós-modernidade do
de recorrer a meu processo de formação. Parto ensino de artes por deslocar o objeto de ensino para
do pressuposto de que é necessário saber de onde o âmbito da cultura, por indicar uma articulação
falamos para que crenças e valores não se proje- contextual que atravessa as relações entre objeto
tem de forma inconsciente sobre nossas intenções e sujeito-leitor através de uma leitura de mundo e
e considerações educacionais. Então, para aden- de sujeito também contextualizadas (BARBOSA,
trar na contemporaneidade do ensino de artes foi 1998), há aqueles que insistem em considerar que
necessário rever a minha formação, buscando ter a Proposta reforça o campo estreito e elitista das
clareza sobre as concepções que orientam minhas Artes (com maiúscula). Este entendimento é fruto
crenças e minhas práticas, para saber situar minhas da falta de reflexão crítica de muitos professores
resistências conceituais. que reduzem a articulação das dimensões da leitu-
Em qualquer área de conhecimento é difícil ra, produção e contextualização, a uma apreciação
almejar uma atualização ignorando ou desconsi- passiva, reprodutora e acrítica, a releituras como
derando o passado. Apagar os traços da história foi cópias e ao reforço da grande narrativa da história
a tática utilizada por uma modernidade impregna- oficial da arte. Podemos ponderar que historica-
da por princípios colonizadores. O mergulho nas mente os professores, na época da difusão da Pro-
águas turvas da pós-modernidade trouxe à tona posta Triangular, não estavam preparados por suas
movimentos de revisões dos marcos históricos e formações capengas a compreender e se sintonizar
desconstruções conceituais que configuram áreas com os fundamentos críticos e o entendimento da
de conhecimento. arte como cultura e expressão que embasam esta
No campo do ensino de artes temos alguns abordagem. Não obstante, em pleno século XXI,
exemplos que podem nos dar uma dimensão da percebemos que as resistências conceituais ainda
dinâmica deste pressuposto. Sob uma perspectiva persistem. Pondero que agora por falta de uma
modernista, durante muito tempo (e ainda hoje) perspectiva política, ou por opção ideológica de

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Seção 2 – FundamentoS e experiênCiaS em eduCação da Cultura viSual

reforço ao sistema instituído das artes. Opção esta as questões que o universo das práticas escolares
nem sempre tomada com clareza, talvez, como pode revelar.
alerta Raimundo Martins (2006) muito mais por Nesta turma específica de 2007, as histórias pes-
inércia diante da força da tradição. soais de inserção dos sujeitos no âmbito das artes e
Sob esta perspectiva de análise, pressinto que da cultura revelavam a forte presença das visualida-
agora é a vez aqui no Brasil da proposição da cul- des dos meios de comunicação e indústria cultural.
tura visual vir a se colocar como novo modelo para Os estudantes começavam a perceber o quanto seus
o ensino de artes, buscando suprir uma carência de olhares e práticas tinham sido fortemente confor-
referências provocada pela ânsia por novidades que mados por imagens veiculadas nas mídias e inse-
o mercado cultural engendra. Situação mais uma ridas em seus universos culturais e, inversamente,
vez contraditória, visto que um dos pressupostos da a perceber o quão pouco o âmbito da educação
cultura visual é buscar, através de uma interpreta- formal contribuiu com esta formação. Vale aqui
ção crítica, desvelar os mecanismos e táticas desse ressaltar que esta tem sido uma constatação pre-
mesmo mercado cultural produtor de visualidades. sente nas várias turmas de jovens com as quais
A questão que coloco como docente responsável venho exercitando esta metodologia nos últimos
pela formação de professores de artes visuais é a dez anos. Abundam exemplos comuns de meni-
seguinte: o que posso fazer para que os mecanismos nos que aprenderam a desenhar a partir das HQs
redutores não atuem mais uma vez esvaziando de preferidos, tendo como referência personagens de
sentido as proposições contemporâneas? Como desenhos animados, sobretudo os produzidos pela
quebrar este forte círculo vicioso reprodutor e con- indústria cultural japonesa, como o mangá Repe-
servador? tindo a “clássica” separação por gênero, abundam
Buscando uma possível resposta para esta exemplos de meninas que, por exemplo, se impreg-
inquietação, tomo como referência o meu próprio naram das imagens veiculadas em suas coleções
processo de formação e, sobretudo, o processo pelo de papéis de carta, que tiveram como referência,
qual eu me dei conta das resistências conceitu- junto às clássicas princesas, as renovadas versões
ais que embaçavam (e ainda embaçam em várias de princesas das mídias televisivas. As experiências
situações) meu entendimento sobre as mudanças comuns revelam que todos e todas estão inseri-
ocorridas no campo da arte e de seu ensino na con- dos em uma mesma cultura globalizada (com pri-
temporaneidade. Tomo como eixo articulador da mazia do sotaque uniformizante da Rede Globo).
formação de professores a perspectiva da revisão e As experiências singulares por outro lado, tingidas
desconstrução histórica dos conceitos e preconcei- pelo diferencial das referências familiares, locais e
tos que permeiam o campo. As diversas interpreta- regionais, por serem distintas, reforçam os proces-
ções da história do ensino de artes, assim como o sos de individuação e são valorizadas como precio-
entendimento de como estas histórias se revelam sidades nas histórias pessoais.
nas histórias pessoais são bases de uma metodolo- Neste processo, no contexto da turma de 2007,
gia em construção. a pergunta que pairava no ar era: qual a contri-
buição da escola no processo de formação e con-
as PRáTicas De ensinO e a cULTURa VisUaL formação das referências visuais? Resolvemos
Diante dessas considerações relato a seguir uma investigar. Os estudantes tinham em suas memó-
experiência de investigação no âmbito da formação rias recentes referências das aulas de Educação
de professores que busca enfrentar os mecanismos Artística, em sua grande maioria sob uma rasa
reprodutores. Na nossa grade curricular a disciplina interpretação da livre-expressão. Mas será que
de Prática de Ensino I é oferecida no sexto período os professores de artes na atualidade continuam
do curso, em paralelo à disciplina de Fundamentos ignorando toda a cultura visual na qual os alunos
do Ensino de Artes, também sob minha responsa- estão inseridos? Será que a cultura visual com
bilidade. Nesta última desenvolvo a metodologia seus vários matizes e referências não estão tam-
apontada acima das histórias (coletivas e pessoais) bém presente no ambiente escolar? Que imagens
do ensino de artes no Brasil. Procuro então relacio- permeiam a escola? Como os professores de artes
nar as questões dos âmbitos dos fundamentos com estão lidando com a cultura visual da escola?

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oquefazeRcomacultuRaVISualdaeScola? RejanegalVãocoutInho

Como atividade de observação do contexto Na estrutura da proposta de investigação eu


escolar na disciplina Prática de Ensino I, resolve- havia previsto que, após dois meses de observação
mos investigar in loco a questão. Aqui é importante em campo, iniciaríamos uma análise e catalogação
informar que como temos estudantes de várias das imagens, quando buscaríamos levantar algumas
regiões da Grande São Paulo, os estágios curricu- categorias para classificação, como é de praxe em
lares são desenvolvidos em escolas escolhidas por investigações desse gênero. No entanto, o universo
eles próprios. Em geral, eles buscam a instituição de imagens capturadas pelos estudantes foi tão
mais próxima de sua residência, ou aquela da qual impactante e revelador que o processo tomou outro
eles têm algum tipo de referência, por conhecer rumo, ou melhor, um rumo sem rumo, navegando
o professor ou por ter estudado naquela escola a esmo, guiado pelos olhares sensíveis dos estu-
específica, por exemplo. A maior parte das ins- dantes na captura das imagens. Além do impacto,
tituições escolhidas são públicas, municipais ou a mudança de rumo se deu também pela quanti-
estaduais. dade de imagens capturadas por cada um. Em cada
Depois de lapidadas as questões, o foco da inves- encontro de uma hora e meia mergulhávamos no
tigação ficou assim definido: buscar conhecer as contexto específico de uma escola, sob o olhar reve-
referências visuais presentes nos diversos ambien- lador de um sujeito. Cada um queria partilhar com
tes da escola como parte do estágio curricular, para calma suas observações, seus recortes do ambiente
com estas informações visuais discutir como o observado, explicitando o fio condutor das ques-
professor de artes pode atuar neste contexto. Resol- tões contidas nas imagens. Assim, refletíamos no
vemos que o levantamento das referências visuais coletivo, à luz das questões apontadas pelos autores
seria feito através de registros fotográficos, visto que se inseriram no diálogo.
que a maior parte dos alunos possuía uma câmara
ou aparelho celular com captura de imagens. Prepa- as iMaGens Da cULTURa VisUaL Da escOLa
rei uma carta de apresentação para os estudantes, Um dos pontos comuns que permeou o olhar de
informando sobre o teor da investigação e solici- vários sujeitos na captura das imagens foi a questão
tando autorização da instituição para registrar o das edificações escolares. As imagens de apresen-
ambiente. Numa turma de vinte estudantes, apenas tação/contextualização das instituições invariavel-
duas instituições não permitiram os registros e a mente revelavam a atmosfera dos prédios, muitos
grande maioria solicitou que os seus alunos não deles sombrios, com pouca iluminação, em geral
fossem fotografados no processo. mal cuidados, com portões de ferro, cadeados e
Nos encontros semanais, paralelo ao processo grades. Muitas grades foram fotografadas. A com-
de observação e captura das imagens, passamos a paração com presídios, manicômios e prédios afins
ler alguns autores que discutem a questão da cul- é direta. Outro ponto comum bastante observado
tura visual e educação. Era importante ampliar os foi a falta de cuidado e manutenção dos espaços
horizontes e afinar o olhar, buscando compreender coletivos, paredes com rachaduras e falta de con-
alguns pressupostos que orientam esta comple- servação das pinturas, vidros das janelas quebrados
xa abordagem. Iniciamos com o texto de Arthur e obviamente as interferências gráficas dos alunos
Efland – Cultura, sociedade, arte e educação em um sob todo este contexto.
mundo pós-moderno (1996) – buscando enfrentar As interferências gráficas no ambiente foram
as rupturas de paradigmas da pós-modernidade. detalhadamente registradas, tanto as interferências
Em seguida lemos Raimundo Martins (2006) e Fer- dos alunos quanto as pinturas murais providencia-
nando Hernandez (2005), que procuram delimitar das pela própria instituição com intuito de “deco-
o contexto da abordagem. Como exemplo de prá- rar” as paredes da escola, sobretudo para evitar que
ticas orientadas por esta concepção e situadas na os alunos interfiram no espaço com seus grafites e
contemporaneidade, lemos Kerry Freedman (2005) pichações. Esta foi das questões a que mais gerou
e Marián López Cao (2005). As escolhas poderiam discussão na turma. Dois dos nossos observadores
ter sido outras, mas a contingência do momento buscaram informações sobre como se deu o processo
nos levou a estes autores que significativamente de construção dos murais dentro da escola. Queriam
cruzaram nossos caminhos. saber se os alunos haviam participado do processo

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Seção 2 – FundamentoS e experiênCiaS em eduCação da Cultura viSual

de “decoração”, se houve negociações e, em caso Este conjunto veio também confirmar uma prática
afirmativo, como havia se dado o processo. Nos dois bastante conhecida, difundida, abundantemente
casos a resposta foi negativa, a direção da escola afir- criticada, mas infelizmente resistente.
mou que a iniciativa visava evitar as pichações e que Enfim, nesta investigação as imagens serviram
os artistas selecionados para pintar os murais foram como mote para adentrar e refletir sobre os dife-
escolhidos pela direção. Em um dos casos o artista rentes contextos de ação dos futuros professores de
era da comunidade, conhecido por pintar muros e artes visuais. A questão inicial – como o professor
letreiros de estabelecimentos comerciais. de artes visuais pode se posicionar diante da cultura
Debruçamo-nos sobre o âmbito da qualidade das visual presente na escola – continua em aberto,
imagens veiculada nestes murais (vide imagens no não buscamos respostas assertivas, nem era nosso
final do texto), identificando e analisando as possíveis intuito configurar uma metodologia. Entretanto,
origens e, sobretudo avaliando o potencial de diálogo para esta turma de estudantes ficou evidente que a
que essas imagens mantinham com o contexto e com ação de um professor de artes visuais não deve se
os sujeitos. O grande interesse dos estudantes de artes resumir à sala de aula, mas perpassar toda a cultura
visuais em discutir este processo de “imposição de escolar. Ficou evidente também que a questão da
imagens”, como eles qualificaram, denota uma aten- cultura visual não se resume a ampliar o espectro
ção que antes da investigação não estava aflorada. Foi dos objetos eleitos como conteúdos curriculares,
como se de repente eles se percebessem também como como muitas vezes é superficialmente compreen-
vítimas de um processo de manipulação. Comparati- dida, mas vai muito mais além, requer um posicio-
vamente, a discussão sobre o processo de apropriação namento político e crítico diante dos contextos que
das paredes e muros da escola pelos próprios alunos, perpassam as visualidades e os sujeitos. Como nos
através das pichações, foi compreendida como um ato alerta Terry Eagleton, “qualquer mudança política
legítimo e até estimulado pelas agressões implícitas no que não se entranhe nos sentimentos e nas percep-
contexto. Ou seja, os nossos estudantes se identifica- ções das pessoas – que não obtenha seu consenti-
ram com as transgressões dos alunos das escolas, pois mento, engaje seus desejos e permeie seu senso de
possivelmente eles participaram de atos como estes ou
semelhantes em suas trajetórias.

Fotografia: Wilian Iamazi Ferro


Outro grupo de imagens bastante registrado,
principalmente pelo olhar das observadoras, foram
imagens decorativas produzidas pelas professoras,
sobretudo as que trabalham com a educação infantil.
Este agrupamento ou repertório imagético que tem
origens diversas, mas que remete à indústria cultural,
foi encontrado em salas de aula, em murais nos cor-
redores, bibliotecas, refeitórios e nas próprias salas
dos professores. Esta categoria de imagens “educati-
vas” era, em nossa investigação, uma das mais espe-
radas. Não causarem tanto impacto nem polêmica
nas discussões com a turma, mas reforçam a idéia de
que as instituições escolares continuam trabalhando
em prol do mercado cultural, legitimando suas pro-
duções (CUNHA, 2005).
No âmbito da educação infantil foram também
fotografadas as produções em série feitas pelas pró-
prias crianças, resultantes de processos de “apren-
dizagem”, em geral expostas em murais decora-
dos pelas professoras, reforçando certa “estética
escolar” (EFLAND, 1976) feita em papel crepom,
cartolinas, papéis laminados e materiais similares.

64   ■ janeIro/junho de 2009  ■  v. 8  n.o 1  ■  Programa de Pós-graduação em arte  ■  Ida-unB


Fotografia: Daniela Chaves Santos
Fotografia: Daniela Chaves Santos oquefazeRcomacultuRaVISualdaeScola? RejanegalVãocoutInho

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Seção 2 – FundamentoS e experiênCiaS em eduCação da Cultura viSual

Fotografia: Daniela Chaves Santos


Fotografia: Fernanda Lallo Sartori

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oquefazeRcomacultuRaVISualdaeScola? RejanegalVãocoutInho

identidade – está provavelmente fadada a não durar Cunha, susana Vieira da. Cenários da educação infantil.
muito” (2005, p.75). E aqui fica a questão: será que in: Educação & Realidade. Porto alegre: Faculdade de
vamos conseguir fazer com que as proposições con- Educação/uFrGs, v.30, n.2 (2005) p. 165-185.
temporâneas de ensino de artes, como a proposição EaGLETon, Terry. Depois da teoria: um olhar sobre os
da cultura visual, perdurem além da moda e se estudos culturais e a pós-modernidade. rio de Janeiro:
entranhem nas práticas dos professores? Civilização Brasileira, 2005.
Partilhei aqui no final do texto algumas imagens
EFLanD, arthur. The school art style: a functional analysis. in:
da cultura visual da escola capturadas pelos estu- Studies in Art Education. reston, Va: naEa, v.17, n.2 (1976),
dantes observadores, hoje já professores, desejando p. 37-44.
que esta experiência tenha aberto possibilidades em
EFLanD, arthur. Cultura, sociedade, arte e educação em um
suas caminhadas. ■ mundo pós-moderno. in: II Encontro A Compreensão e o
Prazer da Arte. são Paulo: sEsC, 1996. Disponível em WWW.
sescsp.org/br. acesso em 2009.
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BarBosa, ana Mae (org.). Arte/Educação contemporânea: de Cultura Visual?. in: Educação & Realidade. Porto alegre:
consonâncias internacionais. são Paulo: Cortez, 2005. Faculdade de Educação/uFrGs, v.30, n.2 (2005) p.9-34.

Cao, Marián López. Lugar do outro na educação artística: o olhar MarTins, raimundo. Porque e como falamos da cultura
como eixo articulador da experiência: uma proposta didática. in: visual?. in: Visualidades: revista do Programa de Mestrado
Barbosa, ana Mae (org.). Arte/Educação contemporânea: em Cultura Visual. Goiânia: FaV/uFG. V. 4, n.1 e 2 (2006)
consonâncias internacionais. são Paulo: Cortez, 2005, p. 187-226. p. 65-80.

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Seção 2 – FundamentoS e experiênCiaS em eduCação da Cultura viSual

IMAGENS EM DESLOCAMENTO: POSSIBILIDADES


DE ARTICULAçãO A PARTIR DA CULTURA VISUAL
E r i n a l d o A lv e s d o N a s c i m e n t o

Resumo
Este texto faz uma reflexão sobre as possibilidades de articulação das imagens a partir da perspectiva da cultura
visual. Propõe algumas alternativas educacionais para usar ou deslocar as imagens nos projetos de trabalho com
Artes Visuais. Cada possibilidade é exemplificada com os desdobramentos de um projeto de trabalho desenvolvido
por estagiários da Licenciatura em Educação Artística da UFPB.
Palavras-chave: cultura visual. Perspectivas educacionais. Ensino das artes visuais.

Abstract
This paper reflects on possibilities of image’s usage from a visual culture standpoint. It, also, suggests educational
alternatives to use and displace images while working with Visual Arts. Each pedagogical possibility is exemplified
through the unfolding of works developed by Practicum students from the Teacher Education Program in Art Education
of Universidade Federal da Paraíba.
Keywords: Visual Culture Education. Curriculum. Art Education.

inTRODUçãO da licenciatura, com pouca ou nenhuma experiên-


cia didática, em apenas um semestre letivo.

D esde 2005, venho experimentando algumas


possibilidades de sistematização e articulação
de diferentes imagens, servindo-me de provoca-
É sempre bom frisar que quando falo em experi-
mentar algumas possibilidades para articular dife-
rentes imagens, a partir da perspectiva da cultu-
ções sugeridas a partir das apropriações que venho ra visual, não existe nenhuma preocupação com
fazendo da perspectiva da cultura visual. São expe- dogmatismos e fundamentalismos. Sirvo-me da
rimentações proporcionadas, sobretudo, pelas cultura visual, junto com outras alternativas educa-
demandas oriundas das disciplinas Metodologia cionais, algumas até fabricadas ou inventadas por
do Ensino das Artes Visuais e Prática de Ensino nós mesmos, conforme as demandas do contex-
das Artes Visuais, do Curso de Licenciatura em to educacional. Entendo que as propostas educa-
Educação Artística, em processo de extinção, e cionais precisam funcionar como uma caixa de
Estágio Supervisionado I, da Licenciatura em Artes ferramentas, ou seja, só têm importância se ajudam
Visuais, curso inaugurado recentemente, em 2006. a atender às necessidades provenientes do contexto
São disciplinas que ficam, em geral, sob minha
responsabilidade no Departamento de Artes Visu-
ais, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), ERINALDO ALVES DO NASCIMENTO é doutor em Artes
instituição onde atuo. Tais experimentações fazem pela ECA-USP (2005). Fez doutorado-sanduíche na
uma aproximação entre Ensino Superior e Ensino Universidade de Barcelona, Espanha (2003). É mestre
Básico, uma vez que são planejadas e idealizadas na em Biblioteconomia - UFPB (1999). Graduado em Edu-
UFPB, a partir de diálogos com os diferentes con- cação Artística - UFRN (1988). Atua no Departamento
textos educacionais do Ensino Básico na cidade de de Artes Visuais e Coordena o Grupo de Pesquisa em
João Pessoa e de cidades circunvizinhas. Ensino das Artes Visuais - UFPB. É autor do blog en-
O desafio consiste, basicamente, em orientar os sinando Artes Visuais e de vários textos relacionados
procedimentos educacionais associados com a cul- com este campo de conhecimento.
tura visual, junto com outras propostas contempo- katiery@terra.com.br / erinaldo_alves@hotmail.com
râneas do Ensino das Artes Visuais, com estudantes www.ensinandoartesvisuais.blogspot.com

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ImagenSemdeSlocamento:PoSSIBIlIdadeSdeaRtIculaçãoaPaRtIRdacultuRaVISual eRInaldoalVeSdonaScImento

escolar e educacional. São propostas validadas pelo outras. Comecemos pela provocação para ajudar
uso que se pode fazer delas. na escolha do assunto e do arsenal de imagens a ser
Em razão disso, algumas possibilidades propor- estudada e conhecida.
cionadas pela cultura visual vêm sendo experimen-
tadas educacionalmente, associadas com outras escOLHeR O assUnTO e as iMaGens a PaRTiR De DiáLOGOs
perspectivas, que nos parecem, a cada projeto, con- DecORRenTes De UMa VisãO aTenTa e cURiOsa DOs
venientes e coerentes. Em educação, sobretudo, PROBLeMas, exPecTaTiVas e necessiDaDes DO aLUnaDO
é muito complicado os exclusivismos teóricos e e Da cOMUniDaDe
metodológicos. Todas as contribuições teóricas Uma pesquisa do Instituto Nacional de Estudos
e metodológicas, pertinentes com o que se pre- Pedagógicos (INEP/MEC), divulgada a partir de
tende desenvolver educacionalmente, são válidas. janeiro de 2007, em vários jornais, realizada com
Os diálogos metodológicos e intercâmbios concei- 1,5 milhões de jovens entre 15 e 17 anos que deixa-
tuais são necessários para atender a complexidade ram a escola, constatou que 40,4% estão desmotiva-
do processo educacional. dos, não têm vontade de estudar. Alegam que a pró-
Além disso, compreendo que a cultura visual pria escola é uma das principais responsáveis pela
não só coloca imagens em deslocamentos, mas evasão escolar. A pesquisa ajuda a comprovar o que
outras propostas ou perspectivas educacionais já se suspeitava: as escolas são pouco motivantes.
também. É enriquecida mediante os deslocamen- Os conteúdos, se ainda é possível chamá-los assim,
tos ou interfaces possíveis entre vários campos de são desinteressantes e desarticulados do cotidiano,
conhecimento, que se preocupam com a análise de sem muita significação para a vida do alunado.
imagens na contemporaneidade e com as interpre- A escola, em geral, vem esquecendo que só
tações decorrentes do processo interpretativo. aprendemos quando estamos interessados e moti-
Reconhecer que a cultura visual põe imagens em vados. Os problemas e desânimos enfrentados
deslocamentos é importante, porque realça uma de pelo alunado podem fomentar importantes pro-
suas características fundamentais: não hierarquizar postas para conceber e implementar os projetos
as diversas imagens, gerando oportunidades de educacionais, bem como para reinventar a escola.
confronto, pois todas, sem distinção, contribuem Os problemas provocam suas soluções e alternati-
para o processo de subjetivação. vas. Para escolher e permanecer com um assunto a
Contudo, tenho percebido a existência de ser estudado, juntamente com as imagens que lhe
outros questionamentos, os quais expressam outras são pertinentes, é imprescindível o diálogo. Não se
necessidades e lacunas: como escolher as diversas trata, evidentemente, de deixar o alunado refém do
imagens, de modo a usá-las para questionar as que “querem” ou “gostam”, mas relacioná-los com
interpretações a partir de algumas provocações da outras possibilidades de problematizar sobre como
perspectiva da cultura visual? Como articular as interpretam a si, aos demais e ao seu entorno.
diferentes imagens de modo a questionar a maneira Nesse aspecto, algumas perguntas precisam ser
como olhamos e como nos olhamos? constantemente elaboradas e respondidas: estamos
Evidentemente, existem muitas maneiras e efetivamente dialogando com as crianças, adoles-
possibilidades de responder tais perguntas. Neste centes e adultos no ensino formal e não-formal?
momento, tentarei respondê-las a partir de algumas Temos monólogos ou diálogos? Que tipo de diálo-
provocações que me parecem significativas, sem go estamos travando nas aulas de artes visuais? São
descartar muitas outras possíveis. São possibilida- diálogos interessantes, necessários e significativos
des que foram experimentadas em diversos proje- para o alunado? São diálogos ampliadores da visão
tos educacionais sob minha orientação. Não basta, e da compreensão do alunado? Estamos mudando
apenas, explorar imagens diversas, mas saber como a escola e o sistema educacional a partir do diá-
fazer para questionar o processo interpretativo. logo? Ou estamos dialogando sem perspectiva de
Sem dúvida, existem várias possibilidades de mudanças?
articulação das imagens e de ordenação de procedi- Recorrendo à etimologia, o diálogo pode ser
mentos na perspectiva da cultura visual. As expos- entendido como uma ação entre dois ou mais inter-
tas adiante são algumas possíveis, dentre várias locutores que tentam algo como o rasgar, o entrar

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pelo meio do logos, das palavras. Pressupõe tanto “autonomia”, “democracia” e “participação”, sem
a socialização, a escuta atenta, como o confronto noção de suas implicações. Temos enormes dificul-
de ideias, que vêm junto com outros sentimentos e dades em potencializar a discussão a partir do que
valores, dos arrazoados, dos argumentos, a tentati- o alunado já sabe, de incentivar o protagonismo
va de explicar as coisas de modo que haja compre- estudantil, de oportunizar momentos democráticos
ensão entre os sujeitos interlocutores. e participativos.
O diálogo também demarca relações de poder, O diálogo entre professores e alunos é funda-
uma vez que pressupõe a co-existência de diferentes mental para extrair os problemas ou temas, e as
autorias. Não se trata da imposição do falante sobre imagens decorrentes, a serem exploradas nos pro-
um ouvinte. Vejo o diálogo na educação, espe- jetos. O diálogo também serve, evidentemente,
cialmente quando é levado em consideração para para comunicar sobre um determinado problema
incorporar críticas e possibilidades de mudanças, existente, mas não priorizado. A escolha das ima-
sem dissimulações, como uma maneira de arrefecer gens a serem estudadas, pesquisadas e conhecidas
as relações de saber e poder estabelecidas, criando pressupõe um diálogo prévio e permanente. A edu-
outras possibilidades de convivência. cação, entre as quais se inclui a Educação em Artes
Julgo importante refletir sobre a urgente neces- Visuais, não trabalha, apenas, com expectativas dos
sidade de diálogo, não em algumas, mas em todas estudantes, mas com necessidades também. A cen-
as instituições educacionais e culturais. Sim, porque tralidade pedagógica focada apenas nos interesses
se houvesse diálogo, na dimensão proposta, já teria do alunado já foi comprovada, em tempos ante-
acontecido uma revolução social e educacional. riores, que é improdutiva e excludente. A media-
Não continuaríamos tão resistentes às mudanças ção e a não hierarquização entre quem ensina e
como ainda se pode constatar. A escola e as demais aprende, tal como vêm ocorrendo com as imagens,
instituições de ensino e de cultura precisam urgen- são características importantíssimas para o traba-
temente de sujeitos que dialoguem. Precisam con- lho educacional atual.
tar com gente disposta a ver na outra pessoa uma A cultura visual é uma provocação educacional
oportunidade de crescimento. Ainda não experi- para aproximar a escola da vida e a vida da escola,
mentamos, sequer, os conselhos de Paulo Freire e uma tentativa de rompimento com um passado de
de outros autores que fizeram propostas incentiva- distanciamento de mais de cinco séculos no contex-
doras de mudanças. Ainda não executamos peda- to brasileiro. Um passado que privilegiou saberes
gogias problematizadoras ou da pergunta, entre pouco significativos para os estudantes.
tantas outras que foram propostas. Ainda deixamos Associada com outras alternativas educacionais
muita coisa no papel. Experimentamos pouco o condizentes, a cultura visual tem um forte com-
que está escrito porque exigem mudanças. Somos promisso com as mudanças no presente. O hoje
prisioneiros de um passado que torna difícil pensar é questionado para poder não ser mais como é.
uma escola diferente. A problematização das interpretações que fazemos
Quando ocorrem alguns diálogos, ainda são hoje é a conexão importante para a escolha das
raros os que consideram o alunado como sujeitos imagens a serem postas em deslocamento.
do conhecimento, como interlocutores com capa- Na conversa com o alunado é importante cha-
cidade para a troca de ideias. Os estudantes, em mar a atenção para as imagens fixas e móveis veicu-
geral, são vistos como ignorantes, desinformados e ladas no cotidiano e para o modo como propagam,
alienados culturalmente. Quando se nutre tal visão, incorporam e sedimentam significados. Merecem
não existe diálogo, mas monólogo. Os estudantes destaque as “interpretações naturalizadas” e que
devem só escutar, obedecer e seguir o que está sen- estão materializadas em imagens. Quando falo em
do proposto. Aliás, formar sujeitos obedientes é o “interpretações naturalizadas” quero ressaltar as
que historicamente se difundiu e prepondera como interpretações tidas como “naturais”, pouco ques-
uma missão, não divulgada ou não explicitada, tionáveis e de difícil suspeição. Raramente estra-
para as escolas. Os projetos político-pedagógicos, nhamos, por exemplo, imagens e fotos quando tra-
os planos de curso e os projetos de trabalho, salvo zem crianças em sala de aulas enfileiradas, todas de
poucas exceções, inserem termos como “cidadania”, uma mesma faixa etária, tendo um docente à frente.

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Não nos damos conta que seguimos um modelo O projeto foi experimentado na Escola Muni-
implantado no século XVI pelos jesuítas, favorece- cipal de Ensino Fundamental Virginius da Gama
dor de uma visão “obediente” dos sujeitos e pautado e Melo, localizada no Bairro de Mangabeira I, na
na solidão profissional da atuação docente. As pou- cidade de João Pessoa. Englobou os estudantes do
cas escolas que ousam romper com isso são tidas 5º ano do Ensino Fundamental I. O projeto recebeu
como “diferentes” e “estranhas”. Em razão disso, jul- a seguinte denominação: As Imagens que Fazem o
go importante privilegiar os enunciados imagéticos Meu Lanche.
pouco questionáveis a respeito de si mesmo, dos O projeto surgiu, em síntese, do reconhecimento
outros e da situação sócio-cultural à qual faz parte. de que as crianças formam um público vulnerável
Em suma, o hoje, expresso em imagens, sobretudo aos apelos publicitários, sobretudo os relacionados
o pouco questionável, é um presente para quem com a alimentação. Não partiu de um desejo ou
trabalha a partir das provocações da cultura visual. sugestão do alunado, mas de uma constatação e
O presente interessa porque é visto como uma inquietação da equipe docente. A proposta surgiu
condição de possibilidade. Aprendi com Foucault após muita conversa e apresentação de possibili-
(apud REVEL, 2005, p. 21) que o presente tem um dades de temáticas relacionadas com a vida das
passado, que o faz ser como é, permitindo a incor- crianças desencadeadas a partir das provocações
poração de rupturas ou inovações, as quais podem da cultura visual. A decisão firmou-se quando des-
torná-lo no que não é. O presente não é fixo e imu- cobrimos que a Coordenação Geral da Política de
tável, mas oscilante e provocante. O passado no Alimentação e Nutrição – do Ministério da Saúde
presente é resistente e teimoso. O novo não inter- – divulgou uma análise das publicidades veiculadas
rompe o passado no presente, apenas o abala ou nas três principais emissoras de televisão brasilei-
o provoca para que este se modifique e se atualize. ras que abrangiam, em 2001, 90% da audiência.
É possível afirmar que a cultura visual é uma Mostrou que 44% das publicidades de alimentos
alternativa para ajudar a promover questionamentos voltadas ao público infantil eram de alimentos ricos
sobre o passado renitente, que atravessa o presente, em açúcar e gordura. Apesar de as publicidades
mediante as interpretações desencadeadas pelas destinadas ao público infantil, sobretudo às veicu-
imagens circundantes, com a finalidade de construir ladas pela TV, nos programas idealizados para esse
um outro hoje, incitando-o a ser diferente do que é. público, serem constantes, especialmente a partir
Posso exemplificar a adoção de tal provocação da década de 1980, pouca atenção era dada ao pro-
para a escolha de imagens, recorrendo a um projeto blema nas escolas de João Pessoa. A escola mencio-
de trabalho, desenvolvido em 2006, como estágio nada, por exemplo, nunca tinha tratado do assunto
supervisionado, por um grupo de estudantes da com os estudantes.
Prática de Ensino das Artes Plásticas, na Licencia- Na execução do projeto, o diálogo foi desen-
tura em Educação Artística, sob minha orientação.* cadeado, desde a primeira aula, com uma breve
O estágio mencionado precisava ser desenvolvido, reflexão sobre a proliferação de imagens e suas
aproximadamente, com uma carga horária total de influências na construção de valores e gostos. Para
vinte horas. exemplificar o que estava sendo dito, questionou-
É sempre importante reiterar que destacar uma se como cada estudante assimilou os conceitos de
experiência escolar e torná-la pública preocupa, “bom” e “importante” em relação à moda. Algumas
porque decorre de um momento e processo sin- respostas foram as seguintes:
gular, em condições específicas. Cada projeto exige — Eu uso esse tênis porque está na moda e por-
a análise de uma série de variáveis, sendo difícil que passa na televisão – disse um menino.
sua reprodução. É complicado também traduzir — a gente veste a camisa do Brasil porque é um
em palavras as situações vivenciadas. Nem sempre ano de Copa do Mundo – interpelou outro menino.
é possível transpor para o texto escrito o que foi Na sequência, os estudantes foram provoca-
vivenciado na dinâmica dos acontecimentos. dos a responder as seguintes perguntas: “Como
* as imagens interferem no meu lanche?”; “Como
Os estudantes foram: Emanuel Guedes Soares da Costa, Ivo-
nice Fontes de Abreu, Severino Carneiro Pinto, Suely de Mo- quero o meu lanche?” As respostas às perguntas
rais e Willtamira Ferreira da Paixão. foram instigadas a partir de um desafio: “Se você

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Seção 2 – FundamentoS e experiênCiaS em eduCação da Cultura viSual

fosse o diretor da escola como seria a merenda?” afetadas pelas relações de poder e de saber de cada
Iniciou-se uma discussão na sala. Uma grande par- época. As comparações de processos de represen-
te do alunado respondeu de imediato: “...eu queria tação imagética são muito eficientes para ampliar o
refrigerante com bolacha recheada” ou “um salgado processo de compreensão crítica em relação às ima-
(coxinha) com Coca-Cola”; outros responderam gens. O confronto entre imagens diferentes ajuda
hambúrguer e pizza. Depois, os estudantes foram muito a entender como um determinado problema
divididos em cinco grupos, cada um representando ou tema está sendo visto no presente.
um dia da semana de funcionamento da escola. No projeto em destaque, a constatação das estra-
Foram entregues fichas para que formulassem o tégias de subjetivação adotadas pela publicidade
cardápio ideal para cada dia. Os lanches, veiculados de alimentos direcionada ao público infantil no
pela publicidade, preponderaram no cardápio. Por presente foi analisada a partir das seguintes provo-
exemplo, para a 5ª feira, propuseram: “um ham- cações: “Como fazem para querermos um lanche?”
búrguer do Macdonald’s e um copo de Coca-Cola”. “Por que queremos determinados lanches?”
Os alunos, depois, arquivaram os seus cardápios Um comercial televisivo do produto Nescal
nos “portfólios” ou “porta-fólios”, procedimento Cereal foi exibido para ser analisado pelos estu-
avaliativo adotado para análise e registro do proces- dantes. Após a exibição da publicidade, questio-
so de aprendizagem. nou-se sobre os significados transmitidos.
Após expor uma possibilidade ou alternativa — Quem come o produto fica forte e ágil, como
para ajudar a escolher o assunto a ser pesquisado um super-herói – disse um aluno, sintetizando os
e estudado, bem como para nortear a seleção do comentários dos demais.
elenco de imagens tirando proveito das provoca- Outros comentaram como as cores eram atra-
ções da cultura visual, vejamos, em seguida, outras entes, o som vibrante e como a ação dos personagens
possibilidades e procedimentos julgados relevantes era dinâmica. Destacaram, ainda, que o produto
para pôr as imagens em deslocamento de modo a oferece um brinde para colecionar. No produto apre-
questionar as interpretações vigentes. sentado, o brinquedo era associado ao filme Carros,
da Disney. Ressaltaram como os brindes oferecidos
cOMPaRaR iMaGens DifeRenTes PaRa DeTecTaR se nos produtos atraem a atenção para o consumo de
a naRRaTiVa, esPeciaLMenTe a “naTURaLizaDa”, crianças. Outras publicidades, que incentivam o
efeTiVaMenTe exisTe nO PResenTe consumo mediante a oferta de brindes, foram apre-
A cultura visual incentiva o confronto entre narra- sentadas para confirmar o apelo ao consumo.
tivas e imagens diferentes. Não é afeita a exclusivis- O uso de brindes, com personagens licenciados,
mos e unilateralidades. Alimenta-se da dispersão e nos produtos alimentícios destinados ao público
da comprovação do discurso proferido em imagens. infantil, é uma estratégia bastante disseminada
Observar várias imagens do cotidiano, sobretudo por algumas empresas. Tal procedimento vem sen-
aquelas com as quais o alunado convive constan- do bastante combatido pelos órgãos de defesa do
temente, em relação ao problema proposto, é um consumidor. O Instituto de Defesa do Consumidor
procedimento educacional basilar. É fundamental – IDEC –, por exemplo, combate o uso de tal estra-
constatar se o problema procede em relação às tégia mercadológica e defende uma regulamenta-
imagens difundidas no cotidiano. A cultura visual ção para esse tipo de marketing. Reforçando o que
trabalha com o que é efetivamente dito e veiculado foi constatado pelos estudantes, o IDEC entende
nas imagens. que o consumidor compra pela sedução dos perso-
É imprescindível, hoje, contrastar imagens nagens, convertidos em brinquedos, e não pela
da arte, preservadas e encontradas em museus, qualidade alimentícia dos produtos.
em galerias de artes e demais instituições culturais Após a constatação de que as interpretações
com outras do cotidiano, encontradas em cami- estão corporificadas nas imagens no presente,
setas, anúncios, cartazes, na TV, no cinema, na faz-se necessário continuar deslocando as ima-
internet e demais formas de propagação de ima- gens de modo a continuar questionando a maneira
gens. Todas as imagens, independente do valor como olhamos e como nos olhamos. Uma maneira
financeiro e cultural que lhes são atribuídas, são de fazer isso, dentre outras possíveis, é recorrendo

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ao passado para tentar entender “desde quando” anúncios televisivos, instalações, associados com
passamos a ver, pensar, dizer e agir de um determi- o cheiro de pipoca e hambúrguer no ambiente da
nado modo e não de outro. exposição. Ao se aproximar do término da visita, os
estudantes receberam pipocas e assistiram algumas
cOnTRaTaR PassaDO e PResenTe PaRa cOMPReenDeR publicidades alimentícias, divulgadas a partir de
“DesDe QUanDO” as inTeRPReTações PassaRaM a seR 1980, em vídeo. A experiência foi muito significa-
DifUnDiDas tiva, pois deduziram ao final da visita que “a mídia
Comparar como o discurso, veiculado pelas ima- faz de tudo para vender, só não expõe o que é ruim
gens, passou a ser valorizado no passado e como do produto.”
persiste até chegar ao presente é uma possibilidade O confronto entre imagens do passado e do pre-
para questionar e desconfiar das interpretações sente revela-se muito útil no processo de questiona-
vigentes. É um procedimento importante porque mento das interpretações vigentes. Outra possibi-
ajuda a evidenciar como determinadas interpre- lidade, também pertinente, envolve a comparação
tações foram historicamente construídas e articu- com imagens provenientes de outros contextos
ladas para se consolidar tal como a entendemos culturais.
hoje. Quando se analisa o passado não se vai em
busca de origens remotas, mas compreender “desde anaLisaR iMaGens PRODUziDas eM OUTROs cOnTexTOs
quando” se passou a pensar, ver, agir e fazer de um cULTURais De MODO a a jUDaR a QUesTiOnaR as
determinado jeito e não de outro. Corrobora para inTeRPReTações ViGenTes.
se evidenciar como o nosso olhar foi construído A cultura visual dialoga com várias perspectivas
durante muito tempo, tornando difícil pensar dife- teóricas e metodológicas. O intercâmbio com o
rente. A cultura visual não comunga com propostas multiculturalismo, por exemplo, ajuda a confrontar
que se situam, apenas, no passado, induzindo a ver o que se sabe e pensa com outros modos de racio-
e acreditar para trás. Ela não é saudosista. Usa o cínio e valores adotados em outros contextos cul-
passado para desconfiar das interpretações corren- turais. O diferente culturalmente é crucial para
tes e provocar mudanças no presente. estranhar o que nos parece comum ou familiar
No projeto em destaque, recorreu-se ao pas- no presente. A valorização da diferença está no
sado para compreender as mudanças que ocorre- cerne da mudança a ser empreendida no presente.
ram nos lanches dos familiares. A pergunta moti- Recorrer ao multiculturalismo é uma maneira de
vadora foi: “Qual lanche minha família consumiu confrontar narrativas, com lógicas e valores con-
ou desejou consumir durante a infância e a ado- trastantes, para fazer pensar sobre as possibilidades
lescência?” As respostas foram colhidas mediante de empreendermos mudanças ou oscilações no pre-
uma pesquisa com os familiares, encaminhada sente. A cultura visual tenta pôr dúvida nas certezas
na aula anterior. Com a pesquisa realizada, os e o confronto com o diferente culturalmente ajuda
estudantes puderam constatar que antes não se nesse processo.
tinha os mesmos lanches que hoje; comiam mais A questão que motivou a incursão por outros
rapaduras e frutas, porque alguns familiares foram contextos culturais, no projeto mencionado, foi:
agricultores. Ao serem questionados sobre alguns “como é o lanche em outras partes do mundo?”
motivos que proporcionaram tais opções, com De início, os estudantes identificaram o hambúr-
base nas aulas anteriores, responderam: “naquele guer e a Coca-Cola como produtos amplamen-
tempo não tinha tanta televisão.” te consumidos nos Estados Unidos. A equipe
Para a aula seguinte, a equipe de estagiários de estagiários expôs vários lanches de diferentes
montou uma espécie de museu da publicidade países. Em seguida, o alunado foi provocado a rea-
infantil na sala de vídeo da escola. O objetivo era lizar desenhos com o mesmo enfoque. Na ocasião,
promover um contato com várias imagens publici- tentou-se mostrar hábitos alimentares diferentes,
tárias do passado e do presente, explorando expe- como o consumo de insetos nos países asiáticos,
riências multissensoriais. Penduraram várias ima- o leite de jumenta, na Mongólia, os escargots, na
gens de publicidade de produtos alimentícios, do França, entre outros. Discutiu-se sobre o relativis-
passado e do presente, em varais, junto com jingles, mo e sobre questões históricas e sociais que levam

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Seção 2 – FundamentoS e experiênCiaS em eduCação da Cultura viSual

ao consumo e aceitabilidade de determinados ali- da assumiam outras conotações na produção artís-


mentos. Compararam o que era vendido no Parque tica destacada.
Sólon de Lucena, em João Pessoa, com o comercia- Se o diálogo é muito importante em todo o pro-
lizado nas ruas de Pequim, evidenciando que tudo cesso educacional, o mesmo pode ser dito em rela-
depende de aspectos culturais. Salientou-se a dife- ção aos momentos para realização de trabalhos de
rença alimentar, mesmo dentro dos mesmos grupos criação ou fazer artístico. São ocasiões importantes
sociais ou étnicos. Enfatizou-se ainda o respeito porque permitem e viabilizam o exercício do pro-
e abertura a novos sabores. O assunto foi reforça- tagonismo estudantil, empregando formas e cores.
do ao assistirem vários alimentos consumidos em
outras partes do mundo na televisão. OPORTUnizaR DiVeRsas Ocasiões PaRa ReaLizaçãO De
Além do confronto com imagens de contextos TRaBaLHOs De cRiaçãO QUe DeMOnsTReM MUDanças nO
culturais diferentes, outra possibilidade, para ajudar PROcessO De inTeRPReTaçãO a PaRTiR Das iMaGens
a questionar interpretações vigentes, envolve a aná- As atividades de criação, conhecidas amplamente
lise de produções artísticas provocadoras de novos como “fazer artístico” ou “práticas de ateliê”, consti-
modos de pensar, ver, dizer e agir. tuem um dos importantes diferenciais do ensino de
Arte em relação às demais “matérias” do currículo
anaLisaR as PRODUções aRTísTicas, De DifeRenTes escolar. Trata-se de uma excelente oportunidade
cOnTexTOs, QUesTiOnaDORas Das inTeRPReTações para reforçar e consolidar o exercício da autoria.
ViGenTes nO PResenTe Ajudam a tornar as aulas mais prazerosas e con-
Ao defendermos o diálogo entre imagens diversas, tribuem para visibilizar as mudanças no processo
faz-se necessário ressaltar a importância que interpretativo. É o momento mais reivindicado
a produção artística, sobretudo à provocativa e pelo alunado porque, entre outros motivos, oferece
questionadora, ocupa nos projetos educacionais alternativas criativas para a exploração da lingua-
em cultura visual. São aquelas modalidades de arte, gem visual, exigindo uma atuação corporal dinâ-
reconhecidas socialmente, que instigam um outro mica. A escola, em geral, privilegia o código escrito,
modo de ver, dizer, pensar e agir. As artes visuais a passividade corporal na realização das atividades
constituem um campo fértil para ajudar a ques- escolares e a repetição dos enunciados divulgados
tionar o discurso e a visão vigentes. São impres- nos livros didáticos.
cindíveis e indispensáveis em qualquer projeto Não se pode esquecer que o foco principal da
educacional afinado com os dias atuais, sobretudo cultura visual é fomentar as “interpretações das
os relacionados com as artes visuais. interpretações”. Os momentos do fazer contribuem
No projeto mencionado, o assunto foi explo- para externar as interpretações em imagens surgi-
rado a partir da seguinte pergunta: como a arte das após os constantes questionamentos. É impor-
trata o lanche e quem as produz? Inicialmente, a tante que não estejam restritos, apenas, ao final do
conversa girou em torno do acesso dos estudantes processo educacional. Quando possível, os momen-
a museu, galerias de arte ou alguma exposição artís- tos do fazer devem permear todas as etapas do pro-
tica. Poucos responderam afirmativamente. Desco- jeto educacional, sempre associados às informações
nheciam conceitos como instalação e performance. artísticas e culturais.
Disseram que só conheciam instalação elétrica e No projeto destacado anteriormente, os momen-
hidráulica. Conheciam, apenas, atividades realiza- tos do fazer poderiam ter sido mais explorados
das em desenho, pintura e gravura. nas diversas etapas do projeto. Contudo, como
A partir desse momento, a equipe docente apre- foi dito, o estágio supervisionado tem um tempo
sentou os conceitos de instalação e performance, restrito, não permitindo maiores diversificações.
junto com outros, presentes nos trabalhos artísticos O momento para uma maior exploração do fazer
que exploram lanches ou alimentos. Analisaram foi reservado para as etapas finais, na culminância
a arte de Claes Oldemburg, Cildo Meireles, Vik do projeto, ocorrida no dia 20 de junho de 2006.
Muniz, Andy Warhol, Arcimboldo e do Grupo Várias atividades, nucleadas por uma instalação,
Escombros. Identificaram as modalidades de pro- foram desenvolvidas a partir da seguinte pergunta:
dução artística e a maneira como o lanche e a comi- “Você tem fome de quê?”

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ImagenSemdeSlocamento:PoSSIBIlIdadeSdeaRtIculaçãoaPaRtIRdacultuRaVISual eRInaldoalVeSdonaScImento

O alunado foi instigado a planejar e produzir público infantil. A abertura oficial da exposição
vários objetos artísticos para compor a instalação. ocorreu no pátio, destinado à merenda. Neste local,
Penduraram garrafas de refrigerantes, em cordões aproveitaram a mesa para montar um lanche, com
de náilon transparente, umas com os respectivos frutas e bolos, para servir aos convidados. Intitula-
rótulos, outras sem, tentando realçar como os ram essa parte da instalação de Praça da Alimenta-
alimentos ingeridos pela maioria dos estudantes ção – Lanche Ideal.
podem ser nocivos à saúde e estão associados Ao final do processo pedagógico, a equipe de
aos interesses comerciais. A partir da semelhança estagiários ressaltou como a cultura visual exige
com os reservatórios de lixo, de cor vermelha, um trabalho árduo, porém proveitoso. Os estudan-
utilizados pela escola, colaram um grande rótulo tes puderam pensar e repensar o universo visual,
da Coca-Cola, que tem a mesma cor, na parte da questionando os estereótipos e apelos midiáticos
frente de um dos recipientes. O título atribuído foi destinado à alimentação infantil. As possibilidades,
“Coca-Cola x lixo”. expostas e exemplificadas ao longo deste texto,
Pegaram uma caveira humana, que estava dis- são  algumas provocações, dentre outras possí-
ponível na biblioteca, e a deitaram numa mesa veis, para aproximar a escola da vida, para efetivar
com um pano vermelho. Entre as costelas, na parte aprendizagens significativas e processos de ensino
interior, colocaram garrafas de refrigerantes e mais empolgantes e prazerosos. ■
embalagens vazias de comidas industrializadas.
Intitularam-na Caveira. Uma escultura, em for- RefeRências:
mato humano, foi montada com embalagens de
comida, destinadas ao lixo, e a intitularam de Car- rEVEL, Judith. Foucault: conceitos essenciais. são Carlos:
mem Miranda. Claraluz, 2005
Confeccionaram uma TV, com papelão, com
diversas publicidades de alimentos destinados ao

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Seção 2 – FundamentoS e experiênCiaS em eduCação da Cultura viSual

ESTUDO DA CULTURA VISUAL NO CAMPO


DA FORMAçãO EM ARTES VISUAIS
Marilda Oliveira de Oliveira

Resumo
Este artigo pretende discutir as bases conceituais dos Estudos da cultura visual e como este referencial tem servido
de suporte teórico para o campo da formação em artes visuais. Além disso busca entender teoricamente as razões
pela qual os Estudos da cultura visual são relevantes na formação de professores de artes visuais.
Palavras-chave: cultura visual. Formação de Professores. Artes visuais.
Abstract
This article discusses the conceptual basis of Visual Culture Studies and how its reference has been used as a theoretical
background for the teaching education programs for the Visual Arts. It also try to understand theoretically the reasons
of its significance for the Teaching education programs for the Visual Arts
Keywords: Visual Culture. Teaching Education. Visual Arts.

O que me levou a escrever este texto para o


inTRODUçãO
2º Colóquio Visualidade e Educação foi exatamente
entre o visto e o dito a necessidade de pensar e tentar descrever o pro-
cesso formativo em artes visuais que venho desen-
Pensar, más que nada es ver y es hablar, pero sólo a condición volvendo na Universidade Federal de Santa Maria/
de que el ojo no se quede en las cosas, sino que se eleve RS. Tentar adentrar este intervalo entre aquilo que é
hasta las “visibilidades”, y que el lenguaje no se quede en visto ou dito pelo público, e aquilo que efetivamente
las palabras o las frases, sino que se eleve a los enunciados realizamos. Explicitar alguns dos referenciais que
[...] Tenemos que tomar las cosas para extraer de ellas las temos utilizado e de que forma estes podem dialo-
visualidades [...] y si existe una disyunción entre el ver y el gar com a formação inicial.
decir, si están separados por un intervalo, por una distancia Trabalhar com os estudos da cultura visual
irreducible, sólo significa esto: no se puede resolver el requer pensar os pressupostos que antecederam
problema del conocimiento (o, mejor dicho, de los “saberes’”) os estudos da visualidade. O pós-estruturalismo é
invocando una correspondencia o conformidad entre ellas. um destes pressupostos que devem ser vistos como
(DELEUzE, 1996, p.133) um movimento que, sob a inspiração de Nietzsche
e Heidegger tentaram descentrar as estruturas,
a sistematicidade e a pretensão científica do estru-

N a academia é bastante frequente esta disjun-


ção entre o visto e o dito, porém não conse-
guimos perceber que intervalo é este, quais pres-
turalismo. O pós-estruturalismo não pode ser dito

MARILDA OLIVEIRA DE OLIVEIRA é Doutora em história


supostos balizam nossas ações, nossas crenças.
da Arte (1995) e Mestre em Antropologia Social (1990),
Pensamos tanto, escrevemos tanto, nos explica-
ambos pela Universidad de Barcelona, Espanha. Profes-
mos, nos retratamos e ainda assim temos tanta
sora do Programa de Pós-Graduação em Educação, Mes-
dificuldade de nos fazermos entender.
trado e Doutorado, PPGE, Centro de Educação, UFSM/RS.
Tantas palavras escritas desde o princípio, tantos
Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Arte,
traços, tantos sinais, tantas pinturas, tanta neces-
Educação e Cultura (GEPAEC). Representante da ANPAP
sidade de explicar e entender, e ao mesmo tempo
no RS. Presidente da comissão editorial da Revista Digital
tanta dificuldade porque ainda não acabamos
do LAV – Laboratório de Artes.
de explicar e ainda não conseguimos entender.
marildaoliveira27@gmail.com
(SARAMAGO, 2000, p.21)

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eStudodacultuRaVISualnocamPodafoRmaçãoemaRteSVISuaIS maRIldaolIVeIRadeolIVeIRa

ou visto como um método, nem pode ser conside- de individualismo. El individuo se apropia de características
rado como uma teoria ou tendência da moda. de las representaciones visuales, y las adopta como
E qual seria o principal argumento para traba- representaciones de sí mismo.
lhar com o campo dos estudos da cultura visual na
academia? Um termo híbrido que descreve uma situação
onde obras de arte se fundem com referenciais de
O primeiro argumento é epistemológico, de como outras disciplinas e campos, como o da psicologia,
a realidade pode ser pensada, e remete aos debates da antropologia, da história, da filosofia, da socio-
pós-estruturalistas em torno de noções como significado, logia, etc; poderíamos dizer também que a cultura
interpretação, relativismo, narrativa, subjetividade, dife- visual examina e questiona o papel da imagem na
rença, dentre outras, que foram consideradas como refe- cultura, buscando diluir fronteiras ao considerar
rências para propor uma mudança conceitual no cam- todos os objetos – e não apenas aqueles classifica-
po de estudos que vinculavam as artes visuais com a dos como arte – como tendo complexidade esté-
educação. (hERNÁNDEz, 2009, p.226) tica e ideológica; poderíamos ampliar ainda mais,
dizendo que “cultura visual é o campo de estudo
A existência da vertente dos estudos da cultura que se nega a dar por assentada a visão que insiste
visual não é casual nem fantástica, mas se deve a em problematizar, historiar, classificar, criticar o
um reflexo de mudanças mundiais que vêm acon- ‘processo visual’ em si mesmo” (MITCHELL, 2005,
tecendo nos últimos trinta anos, e a principal alte- p.24). Ou, como diria Guasch (2005, p. 59),
ração talvez resida nas estratégias de interpretação
das imagens. Durante vários anos permanecemos A cultura visual propõem a liquidação da arte tal como
questionando nossos alunos: a vimos até então. A cultura visual transforma a história
da Arte em uma história ou teoria das imagens que
— O que vocês estão vendo? não se limita somente ao estudo das imagens ou das
— qual é o significado desta imagem? mídias, mas que se estende as práticas do ver e do mos-
— O que esta imagem representa? trar, estudo da mirada.

Sendo que primamos sempre pelo processo de Para tanto é importante lembrarmos que os Estu-
produção da obra/imagem e pela autoria. O que dos Culturais defendem a interdisciplinaridade não
nos interessava era estudar o objeto (imagem/obra) como uma ferramenta metodológica, mas como
e seu autor. Hoje, o que nos interessa são os inter- uma tática, fruto de uma ampla liberdade episte-
valos, os interstícios, é o que está entre, os discur- mológica. Segundo Foster (apud GUASCH, 2005),
sos que se produzem ou produziram em torno do a imagem seria para o visual o que o texto foi para a
objeto, os dispositivos que esta obra/imagem pode crítica pós-estruturalista – uma ferramenta analítica
lançar, as formas de subjetividade que esta obra/ que situou o artefato cultural em uma outra via.
imagem gera. Assim, a pergunta hoje seria: “O que Estamos falando de um campo que não se orga-
esta imagem/obra diz de mim?” niza a partir das obras e de seus artistas, mas da
Vejamos que o deslocamento desta questão pro- relação com seus significados culturais. São outras
move outro modo de ver e tratar a imagem/obra. regras, regras baseadas na hibridação, na inclusão e
Aquele que vê não apenas descreverá o que está na aliança mais que na filiação ou categorização –
vendo, mas como está vendo; passamos da descri- uma formulação que deveria ser tomada mais como
ção para a interpretação. Desta forma é oportuniza- um experimento de laboratório do que como um
do, ao sujeito que vê, estabelecer relações enquanto ditame dogmático ou apriorístico.
indivíduo que tece narrativas visuais/verbais sobre Para o trabalho com a formação em artes visuais,
si mesmo. seja ela inicial ou continuada, talvez fosse impor-
De acordo com Kerry Freedman (2006, p. 27), tante perguntar: “E o que seria a educação da cultu-
ra visual?” “Como ensinar/aprender a partir da cul-
Los efectos de las imágenes dan forma al concepto que el tura visual?” Poderíamos começar pela discussão
individuo tiene de sí mismo, e incluso dan forma a la noción da terminologia “arte”. Provocar um deslocamento

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Seção 2 – FundamentoS e experiênCiaS em eduCação da Cultura viSual

do termo “arte” para “visual”, “visualidade”. Esta (substantivo) designa as políticas que procuram
postura supõe a perda da auto-referencialidade, administrar as relações entre essas comunidades
fundacionalismo e do essecialismo implícitos na (HALL, 2003).
palavra arte a favor de um conceito mais desqua- No modelo antropológico, o significado cultural
lificado, menos maiúsculo, menos pretensioso e pode estar em qualquer lugar e mudar de lugar,
mais abrangente. Bem como outros campos com depende do lugar de fala de quem olha. Não exis-
os quais dialogamos: imagens da moda, imagens tem verdades instituídas ou classificações, pois
fílmicas, imagens televisivas; imagens artísticas; estas são mutáveis e atemporais. A cultura visual
imagens virtuais, imagens publicitárias etc. é definitivamente um campo interdisciplinar – ou
“indisciplinar”. É um lugar de convergência e turbu-
enTRe O cULTURaL e O sOciaL – O VisUaL lência, de tensão. (MITCHELL, 2005).
Geertz (2008) nos recorda que a cultura aparece A História da Arte que conhecemos, que ensi-
como um sistema organizado de significados e namos e que aprendemos (estou pensando aqui
símbolos que guiam o comportamento humano, no meu doutorado em História da Arte) ainda
permitindo-nos definir o mundo, expressar nossos é bastante linear, classificatória, vista através de
sentimentos e formular juízos de valores. A cultura períodos, de tendências e de forma bastante sectá-
faz parte de um fator constitutivo das faculdades ria. Precisamos inventar uma outra história da arte,
orgânicas e genéticas dos indivíduos. Assim que, que não seja escrita com maiúsculas, que não bus-
somos o que somos, agimos como agimos, porque que classificar, categorizar, mas que proponha res-
somos seres culturais. Isso significa dizer que ver é sonâncias, aproximações, diálogos e convergências.
uma prática cultural que transcende a fisiologia da Uma história da arte que seja menos prescritiva.
visão, assim como os objetos ritualísticos, simbóli- A cultura visual pode ser este caminho que pos-
cos, tem valor enquanto mediadores de práticas e sibilita novas entradas, novas brechas para melhor
experiências culturais. Destarte, se consideramos convivermos com os velhos parâmetros da Estética
que a visão é um modo de expressão cultural e como ciência do belo. Pensar a educação da cul-
de comunicação humana tão fundamental e tão tura visual nos cursos de formação de professores
generalizada como a linguagem, então a Cultura de artes visuais nos possibilitará aprender a rever
visual não se alimenta somente da interpretação das algumas questões instituídas no campo da arte, tais
imagens mas também da descrição do campo social como: a questão da qualidade, da originalidade, da
da mirada. forma, do conteúdo, do significado, dos signos, dos
Vejam que isso altera nosso posicionamen- símbolos e dos códigos de leitura.
to. “Um poema não deve significar e sim ser” Quando trato do visual, entre o cultural e o
(GEERTZ, 2008, p.180). Nossa postura, enquan- social, penso exatamente na possibilidade de
to alguém que vê, é outra. Não é somente o que uma outra estética, mais permissiva. Já que as
eu olho, o que eu vejo, mas como me olham e imagens operam na cultura em vias que escapam
como me vêem. O modelo dos estudos visuais aos tradicionais métodos usados pelos historia-
aposta decididamente pelo termo “cultura” em dores de arte no momento que em que a cultura
vez de “história” com relação a tudo o que supõe aparece mais do que nunca saturada de imagens
apostar nos modelos sincrônicos e horizontais (MOXEY, 2005). Assim, urge uma reorgani-
(rizoma) do que nos diacrônicos e verticais. zação, outra configuração do que seja compo-
Segundo Guash (2005) optar pelo cultural frente nente estético, o que temos não serve, não dá
ao histórico garante, sobretudo no contexto acadê- mais conta. A cultura virtual prevê uma imagem
mico, um espaço de mobilidade, de deslocamento. incorpórea localizada no ciberespaço. Trabalha
Se pensarmos em comunidades culturais (univer- na perspectiva da incorporação de todas as for-
sidade, escola, bairro, cidade ou região) temos tan- mas de arte – idéia de democratização da ima-
to o multicultural como o multiculturalismo em gem (CANCLINI, 2007).
convivência. O multicultural (adjetivo) se refere a A cultura visual requer um campo epistemológi-
características de sociedades que possuem diferen- co que se aproxime ao modelo rizomático. Que não
tes comunidades originais. Já o multiculturalismo seja filiação, mas aliança. Reivindicar o papel dos

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estudos visuais dentro da academia (universidades hipóteses básicas do construcionismo social, do


e departamentos) como uma via fundamental para que infere que este busca explicar como as pesso-
sua renovação e transformação e como uma forma as chegam a descrever, explicar ou dar conta do
de desativar as estruturas de poder estabelecidas é mundo onde vivem. Segundo este autor (GERGEN,
nosso bote salva-vidas. 1996, p.47):
Proponho uma abordagem visual que irradie/
amplie seu campo de ação, convoque novas áreas — O que consideramos conhecimento do mundo não
para dialogar, na qual esteja prevista a polissemia é produto da indução ou da construção de hipóteses
do significado, que trate da problemática da auto- gerais, como se pensava no positivismo, mas sim, está
ria, de obras coletivas, que contemple o contexto determinado pela cultura, pela história e pelo contexto
(sem confundi-lo com história social) e principal- social. Por exemplo, expressões como “homem”, “mulher”,
mente que fale de recepção. “raiva”, estão definidos a partir do uso social dos mesmos.
Se pensarmos estes conceitos no campo que nos ocupa
enTRe TanTas naRRaTiVas insTiTUíDas... neste momento, isso significa dizer que estas verdades
Na formação inicial temos narrativas instituídas instituídas na escola foram verdades inventadas e, portan-
que buscam justificar muitas das ações dos profes- to, podem ser reinventadas por meio de outros discursos.
sores em formação (estagiários de artes visuais): — As terminologias pelas quais compreendemos o
“a escola não tem equipamento adequado para mundo são artefatos sociais, produtos de intercâmbios
trabalhar com imagens”; “a escola não dispõem entre as pessoas, historicamente situadas. O processo
de materiais plásticos como tintas, pincéis, argila, de entender não está dirigido automaticamente pela
papéis etc.”; “os alunos estão acostumados a fazer natureza, mas resulta de uma empresa ativa e coope-
qualquer trabalhinho”; “os alunos nunca ultrapas- rativa de pessoas que se relacionam. Por exemplo:
saram a arte moderna, como posso trabalhar com “criança”, “amor” etc., variam de sentido segundo a épo-
arte contemporânea?” ca histórica. Poderíamos mencionar aqui um exemplo
Essas narrativas também estão presentes na for- bastante corriqueiro e com o qual convivemos com
mação continuada, porém, vem por uma outra frequência no campo da formação em artes visuais.
via: “o professor de artes visuais tem que ter pulso “A arte é uma disciplina que relaxa, onde os alunos não
firme, senão não é respeitado pelos alunos, nem fazem nada. Uma disciplina sem conteúdos e que não
pelos demais professores”; “os alunos precisam reprova”. Esta compreensão foi dada e conveniada his-
manter-se ocupados, do contrário fazem bagunça”; toricamente. Mas isso não significa que tenha que ser
“vocês (estagiários) pensam assim porque estão sempre assim, podemos estabelecer novos convênios.
começando, quero ver quando tiverem trinta anos — O grau de compreensão que uma forma dada preva-
de magistério se vão dizer o mesmo!” lece ou não sobre outra não depende fundamentalmen-
Essas narrativas insistem em se presentificar na te da validez empírica da perspectiva em questão, mas
escola como verdades instituídas, como barreiras sim das vicissitudes dos processos sociais (comunicação,
intransponíveis com as quais ambos os profissio- negociação, conflito etc.). Por exemplo: interpretar uma
nais têm dificuldade de lidar. Nosso papel como conduta como inveja ou exibicionismo depende das rela-
formadores é fundamental neste interstício. Como ções sociais daquele entorno. Poderíamos exemplificar
alguém que problematiza essas questões, essas ver- esta questão com uma afirmação bastante comum no
dades; como alguém que apresenta outros cami- campo dos processos formativos: “Toda aula de artes
nhos que senão estes. visuais deve conter uma proposta prática e nisso não está
Gergen (1996) nos ajuda a pensar estas narra- incluído a reflexão, pois a prática só se dá a partir de um
tivas quando diz que o construcionismo social fazer artístico: pintar, colar, modelar etc.”. Este grau de
considera o discurso sobre o mundo não como uma compreensão aparece nas narrativas, tanto no professor
relação ou mapa do mundo, mas um “dispositivo que está iniciando como aquele que já está na escola há
de intercambio social.” Sempre há uma terceira via, mais tempo.
uma outra possibilidade, um talvez, um quem sabe. — As formas de compreensão negociadas estão conecta-
Em Realidades y relaciones: aproximaciones a la das com outras muitas atividades sociais, e formam assim
construcción social, Gergen (1996) conjetura quatro parte de vários modelos sociais que servem para susten-

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tar e apoiar certos modelos, excluindo


outros. Ou seja, no campo do ensino das
artes visuais nós negociamos e aceita-
mos as regras desta negociação durante
anos. Sustentamos este discurso com
nosso silêncio e com nossa omissão.
Agora precisamos rever estas regras,
repensar a norma, aquilo que está posto
como verdade.

O campo da arte, ao longo dos


últimos anos, vem alterando sua car-
tografia e ampliando seu território no
que diz respeito à historiografia da
arte e todo o seu entorno. Um con-
texto que redimensionou o pensar e o
fazer no universo da arte ao desvelar
conceitos filosóficos que, indubita-
Figura 1. renée stout (2005), da série Cures, 333 x 250 – coleção da artista.
velmente contribuíram para as novas
Fonte: <http://www.codezonline.com” http://www.codezonline.com>
emergências do presente. Idéias que
foram incorporadas por muitos de
nós para enriquecer as discussões em
torno da arte e formular novos cami-
nhos para as teorias em vigor.
Assim, para Cauquelin (2005),
as  teorias da arte se apresentam
como um sistema que permite abrir o
campo da arte a discursos de gêneros
diferentes, isto é, que engloba a fala
de críticos e historiadores de arte,
de semióticos, de fenomenólogos, de
psicanalistas e dos próprios artistas.
Uma atividade que constrói, trans-
forma ou modela os discursos da arte
e que nos conduz a analisar tipos de
ações, em vez de avaliar o conteúdo
conceitual das especulações. A partir
desse ponto, a autora determina um
lugar para cada teoria, bem como
para cada tentativa de teorização
denominada por ela de “tipologias de
ações possíveis”.

enTRe essas e OUTRas


Entre essas e outras é que precisa-
mos entender que as perspectivas
hoje são outras, mudaram as pesso-
as, mudaram os conceitos, mudaram Figura 2. renée stout (2007), da série Cures, 380 x 450 – coleção da artista
os desejos e aquilo que consideráva- Fonte: <http://www.divinecipher.com/blog/images/art->

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mos como relevante há dois ou três anos hoje não DELEuZE, Gilles. La vida como obra de ar te. i n:
serve mais (OLIVEIRA, 2009). Hoje, os estudos Conversaciones con Deleuze (1972-1990). Trad. J. L. Pardo.
da cultura visual se mostram como uma possibili- Valencia: Pre-Textos, 1996, pp.133-189.
dade, uma vertente, um outro desejo, um caminho DELEuZE, Gilles; ParnE T, Claire. Dialogues. Paris:
viável que dá conta dos nossos anseios contempo- Flamamarion, 1977.
râneos, já que aportam à área perspectivas para FrEEDMan, Kerry. Enseñar la cultura visual: curriculum,
trabalhar as visualidades sob outras formas menos estética y la vida social del arte. Barcelona: octaedro
rígidas, menos conclusivas e mais incertas. Ediciones, 2006.
Deleuze e Parnet (1977, p. 4) nos ajudam a pensar GarCia CanCLini, néstor. Diferentes, desiguais e
este desejo: desconectados. rJ: Editora da uFrJ, 2007.
GEErTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em antropologia
O desejo é o sistema de signos a-significantes com os interpretativa. 10ª ed. Petrópolis. rJ: Vozes, 2008.
quais se produz em fluxos de inconsciente no campo GErGEn, Kenneth. Realidades y relaciones: aproximaciones
social. Não há eclosão de desejo, seja qual for o lugar em a la construcción social. Barcelona: Paidós, 1996.
que aconteça, pequena família ou escolinha de bairro,
GuasCh, anna Maria. Doce reglas para una nueva academia:
que não coloque em xeque as estruturas estabelecidas. La ‘nueva historia del arte’ y los Estudios audiovisuales. in:
O desejo é revolucionário, porque sempre quer mais cone- BrEa, José Luis (ed.). Estudios Visuales: la epistemología de
xões, mais agenciamentos. la visualidad en la era de la globalización. Madrid: akal, 2005.
p. 58-74.
Este desejo é um desejo de cura, de reabilitação. haLL, stuart. Da diáspora: identidades e mediações
Assim como a obra da artista Renée Stout. culturais. Belo horizonte: Editora da uFMG, 2003.
Entre essas e outras é que escolhi para finalizar hErnÁnDEZ, Fernando. Da alfabetização visual ao
este texto duas obras da artista afro-americana alfabetismo da cultura visual. in: MarTins, raimundo;
Tourinho, irene (orgs.) Educação da Cultura Visual:
Renée Stout, da série Cures, que aborda nos seus
narrativas de ensino e pesquisa. Edufsm: santa Maria, 2009.
trabalhos temas como a vida, o corpo, a cura e a p. 213-240.
doença, a saúde física e mental, os pequenos fras-
MiTChELL, W.J.T. no existen medios visuales. in: BrEa,
cos. O remédio para a doença. José Luis (ed.). Estudios Visuales: la epistemología de la
Stout trata da resistência ao colonialismo. visualidad en la era de la globalización. Madrid: akal, 2005.
Seus trabalhos tem me possibilitado pensar em p. 15-25.
que medida buscamos a cura do corpo, da mente. MoXEY, Keith. Estética de la cultura visual en el momento de
Em que medida a obra de Stout, que cada vez mais la globalización. in: BrEa, José Luis (ed.). Estudios Visuales:
demonstra sua potência de contágio e de fecun- la epistemología de la visualidad en la era de la globalización.
dação de diversos campos, pode contribuir para Madrid: akal, 2005. p. 26-37.
o tratamento dos nossos problemas no campo da oLiVEira, Marilda oliveira de. o papel da cultura visual na
formação em artes visuais? Tem cura? ■ formação inicial em artes visuais. in: MarTins, raimundo;
Tourinho, irene (orgs.) Educação da Cultura Visual:
narrativas de ensino e pesquisa. Edufsm: santa Maria, 2009.
RefeRências p. 241-253.
CauQuELin, anne. Teorias da Arte. Trad. de rejane saraMaGo, José. A caverna. são Paulo: Companhia das
Janowitzer. são Paulo: Martins Fontes, 2005. Letras, 2000.

Ida-unB  ■   Programa de Pós-graduação em arte  ■ janeIro/junho de 2009  ■  v. 8  n.o 1  ■ 81


S e ç ã o  3
eduCação e diStÂnCia
FORMAçãO DE PROFESSORES EM ARTES VISUAIS
NA FAV/UFG – DESLOCAMENTOS DA DISTâNCIA
E DESLOCAMENTOS DA CULTURA VISUAL
L eda Guimarães

Resumo
O texto elaborado para esse colóquio contextualiza a oferta de dois cursos de Licenciatura em Artes Visuais na
modalidade a distância na Universidade Federal de Goiás. Ao apresentarmos alguns aspectos das nossas ações
indagamos se estamos lidando com uma educação mercadoria ou se resistimos antropofagicamente à imposição
de modelos. Apostamos que as interrelações que estão sendo construídas com e entre os diversos atores que
atuam nos cursos, pelas estratégias pedagógicas e pela diversidade de saberes, propiciam deslocamentos e
descolamentos práticos e conceituais que superam o modus operandis EAD e promovem uma formação crítica de
professores em artes visuais no diálogo com a educação da cultura visual.
Palavras- chave: Artes Visuais. Educação a Distância. Ensino Superior. Cultura Visual.

Abstract
This paper contextualizes the status of on-line degrees on Visual Art Education at Universidade Federal de Goiás. It
highlights aspects of our actions and further inquires if we are dealing with education as a commodity or if we offer an
anthropophagic resistance to preexistent educational models. It argues that inter-relations are being constructed with
and between the multiple actors involved in this process and through the critical pedagogical strategies used and by
knowledge variety. Moreover they serve to challenge practical and conceptual displacements that surpass e-learning’s
modus operandis to promote teacher education in visual arts and increase the dialogue with visual culture.
Keywords: Visual Arts. Distance Education. Visual Culture Education.

600 alunos diariamente conectados no AVA. Esse


eDUcaçãO e DisTância.
número que representa quase a totalidade de todo
Acreditamos que os termos unidos ou separados o corpo discente presencial da FAV nos seus cursos
não remetem necessariamente à modalidade de de Bacharelado em Artes Plásticas, Design Gráfico,
ensino que se convencionou chamar a distância, Design de Interiores, Design de Moda, Arquitetura
sigla EAD. Nós educadores/as lidamos sempre com
educação e distâncias em múltiplos e variados sen-
tidos: os dilemas das políticas públicas, a rigidez do LEDA GUIMARÃES  é professora da Universidade
mundo escola, as realidades dos nossos alunos, da Federal de Goiás. é professora do Mestrado em Cultu-
violência do dia-a-dia, a voracidade burocrática e ra Visual, coordenadora de Estágio da Licenciatura em
muitos outros. Artes Visuais. Coordena o curso de Licenciatura em Artes
O propósito desse texto é refletir sobre relações Visuais em EAD pelo programa da Universidade Aberta
entre distância e educação com base na oferta de do Brasil. Doutora em Artes pela ECA-USP e mestre em
cursos na modalidade a distância na universida- Educação pela Universidade Federal do Piauí. Publicou
de pública de ensino superior. A Faculdade de Desenho, desígnio, desejo: sobre o ensino de desenho (UFPi,
Artes Visuais (FAV) da Universidade Federal de 1996); objetos populares da cidade de Goiás (Sebrae-Go/
Goiás (UFG) oferece duas Licenciaturas em Artes UFG, 2001) e A natureza feminina do Cerrado (2006, UFG).
Visuais nessa modalidade (projeto UAB e projeto é membro da ANPAP, da FAEB e do InSEA.
Pró - Licenciatura), ambas em parceria com o MEC/ ledafav@gmail.com
FNDE. Esses cursos reúnem, aproximadamente,

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Seção 3 – eduCação e diStânCia

e Urbanismo e, também, a Licenciatura presencial como: (a) Como fica a qualidade do ensino-apren-
em Artes Visuais. dizagem? (b) Esse curso equivale ao curso regular?
Usando a caneta ou o teclado, os dilemas da (c) O diploma será o mesmo? Outras inquietações
formação de professores para a área de artes visuais se baseiam na certeza de que estudar a distância é
vão além das barreiras físicas que muitos acreditam “moleza” e esse caráter de mole revela a suspeita
ser o principal diferencial entre uma proposta de sobre conteúdos e relações pedagógicas mediados
ensino na modalidade presencial ou na modalidade pelas tecnologias. No caso de um curso de Licen-
a distância. Refletir sobre o cotidiano vivido tem ciatura em Artes Visuais, outras inquietações sur-
sido a medida para compreendermos os trânsitos gem (a) como trabalhar com a aprendizagem das
e os deslocamentos que se dão entre educação e linguagens artísticas a distância? (b) Como oferecer
distância na experiência que estamos construindo o estágio curricular que deve ser supervisionado?
na FAV/UFG na interlocução com a cultura visu- (c) Não estamos correndo o risco de voltar ao tecni-
al. Esse cotidiano envolve a administração intra cismo que assombrou (e ainda sobrevive) o ensino
e extramuros da UFG, a relação supra-real com de arte nos anos de 1970? (d) Como fica a reputação
o MEC, a formação e supervisão de equipes de das universidades públicas? (e) O mercado não vai
tutores e formadores para o exercício docente “des- ficar saturado devido o alto número de arte-educa-
materializado”, a captação de autores para produção dores a serem formados nessa modalidade?
de conteúdos didáticos, o acompanhamento da
produção do material pedagógico, a constante ree- O cOnTexTO QUe nOs cOnTéM
laboração dos planos frustrados e dos realizados, O curso presencial já existente recebe por ano
o contato fluído com as equipes de tutores nos 25 a 30 alunos provenientes do concurso vestibular.
pólos, a relação sempre dúbia com os pólos, com Desses, nem todos conseguem concluir o curso ao
os poderes públicos municipais e muitos outros longo dos quatro anos. Além do mais, temos tam-
aspectos muito mais próximos do que distantes da bém a questão geográfica, pois esse pequeno núme-
nossa realidade. ro tem, necessariamente, que morar em Goiânia
ou em cidades circunvizinhas que permitam o des-
DesLOcaMenTOs iDeOLóGicOs (incesTUOsOs) locamento diário até a capital. Com a oferta das
Como já havia mencionado em outro texto (GUI- Licenciaturas na modalidade a distância moradores
MARÃES e LOSADA, 2008), a relação educação e do interior do estado têm a chance de estudar em
distância dirigida às classes trabalhadoras (o sistema uma universidade pública e gratuita sem a necessi-
S, por exemplo) não traz muitos conflitos concei- dade de transferência de moradia.
tuais porque sua visão instrumental é apropriada Muitos deslocamentos acontecem ao fazer essa
para o sistema delivery de formação. Desde 2005, o opção. No início do curso, muitos alunos não
governo federal subsidia a criação de cursos (espe- sabiam sequer ligar o computador. A superação
cialmente de licenciaturas) na modalidade a distân- tem sido diária, e o tempo de maturação de uso de
cia, restringe a participação de universidades priva- tais ferramentas tem nos chamado a atenção para
das e instiga as públicas a saírem do seu isolamento, a necessidade de propor atividades em que o uso da
a tomarem para si questões hodiernas das tecnolo- ferramenta seja parte da “figuração” no espaço de
gias na educação. No contexto brasileiro, faculdades atuação dos diferentes atores do processo. Na ver-
e universidades privadas (também com respaldo de dade, não apenas os estudantes, mas, também, mui-
políticas educacionais governamentais) dominaram tos dos nossos professores, estão, neste momento,
o know how dos cursos nessa modalidade.  superando as barreiras impostas pelo chamado
Até 2005, com raras exceções, as universidades mundo digital.
públicas resguardaram-se castamente desse aca-
salamento indesejado. No momento em que se DesLOcaMenTOs iDenTiDaDes neBULOsas
tornam meio para expansão e democratização do Os diversos atores da EAD vivem uma condição
ensino superior no país utilizando a educação a nebulosa de identidade. Na UFG, os alunos ainda
distância, esse “casamento” tem despertado temores não estão cadastrados no SGCG – Sistema Geral
e tremores no seio da academia. Inquietações tais dos Cursos Graduação, não existindo oficialmente

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foRmaçãodePRofeSSoReSemaRteSVISuaISnafaV/ufg–deSlocamentoSdadIStâncIaedeSlocamentoSdacultuRaVISual ledaguImaRãeS

para o cérebro computacional desta universidade. laboratórios docentes para aqueles que acabam de
No início da elaboração dos projetos, a orientação se graduar tanto na nossa licenciatura presencial
(de diversas fontes) foi a de que os cursos de gra- quanto nos cursos de bacharelado que temos na
duação na modalidade EAD tivessem propostas FAV: Artes Plásticas, Design Gráfico, Moda etc.
curriculares diferenciadas dos cursos de modalida- Também, têm trazido a convivência com graduados
de presencial, uma vez que deveria ser observada nas áreas de História, Pedagogia, Educação Física e
a especificidade dessa modalidade. Lembremos outros cursos de áreas afins. Essa diversidade traz
que ensino superior como educação terciária exige enriquecimentos conceituais para nossa licenciatu-
modos mais flexíveis de “entregar a mercadoria ra, mas, por outro lado, gera impasses na mediação
conhecimento”. Atender a esse critério gerou uma desses tutores em relação à forma como compreen-
dificuldade operacional de cadastramento de fluxo- dem arte e ensino de arte. Para muitos (incluindo
gramas curriculares diferentes da estrutura existen- os bacharéis formados em artes visuais na FAV),
te: currículos organizados por temas, por módulos, arte ainda é aquilo que se escreve com “A” maiúscu-
por eixos temáticos etc., exigem ou uma adaptação lo, revelando uma esfera diferenciada e privilegiada
aos desenhos curriculares que já existem ou uma de outras manifestações culturais. No entanto mui-
reprogramação do cérebro (sistema computacio- tas vezes há o choque entra as expectativas de “arte”
nal) para atender a essa pluralidade de configura- que os alunos sonham em aprender e as noções
ções. O fato é que, enquanto a solução não vem, os mais ampliadas de arte e cultura que trabalhamos.
estudantes da nossa licenciatura são, mas não estão Vejamos o seguinte depoimento:
alunos da UFG. Ou seria o contrário?
Os professores também vivem uma condição de “Curso de artes, para mim é algo extraordinário, aprender
“ser e não ser” UFG. A oferta do curso se faz, prin- sobre este mundo é viajar em lugares diferentes, voltar
cipalmente, pela atuação de profissionais-bolsistas, no tempo, é viver de forma intensa, quando estou len-
numa condição de temporalidade movediça. Escla- do ou estudando sobre História da Arte eu vivo aquele
recendo: poucos são os que, de fato, pertencem ao momento, e ministro a aula com esta vivência. Estou
quadro docente da UFG. O vínculo da bolsa é com esperando ansiosa por este curso, pois comecei a fazê-lo
o sistema do Fundo Nacional de Desenvolvimento em 1990 – (Bacharelato em Artes Visuais) mas não tive
da Educação (FNDE) e não com a universidade. oportunidade de continuar, agora posso realizar o meu
Outro fato importante é que o vínculo não é dura- sonho estudar artes, passar conhecimento, aprender algo
douro; existe enquanto o bolsista estiver atuando diferente, realizar meu sonho. Este curso vai abrir novos
no semestre, sendo renovado mediante a avaliação horizontes para mim, oportunidades únicas, como fazer
do seu desempenho no curso. O que tem aconteci- um curso de artes em Amsterdã”. (depoimento aluna –
do é que muitos bolsistas se sentem feridos e pouco AVA/FAV, setembro/2008)
valorizados nessa descartabilidade, mas isso é favo-
rável para que a coordenação pedagógica do curso Como trabalhar com essa aluna, levando-a
possa exigir uma atuação eficiente. a rever e ampliar sua percepção de arte pautada na
Temos enfatizado a formação específica sobre história da arte? Kevin Tavin, citando o educador
questões contemporâneas da arte e ensino de arte, norte americano Vincent Lanier, afirma que os
o que implica nos intercruzamentos dos Estudos “arte educadores deveriam se deslocar para além
Culturais, por meio da cultura visual e, é claro, por das estreitas fronteiras da arte erudita e da produ-
meio da própria arte contemporânea. ção artística em busca do pensamento crítico e de
uma compreensão cultural” (KEVIN, 2008 p. 12).
DesLOcaMenTOs GeOGRáficOs e cOnceiTUais Esse tem sido nosso esforço: formar professores
Um ponto a ser observado é que estamos imple- com uma vivência e compreensão de artes visuais
mentando cursos de formação de professores em mais ampla, mais inclusiva, que busque “compre-
artes visuais na modalidade a distância sem termos ender o papel social da imagem na vida da cultu-
uma quantidade de profissionais da área prepa- ra” (MARTINS, 2008).
rados para esta especificidade ou para o modus Diversos conteúdos do nosso material peda-
operandi EAD. Nossos cursos converteram-se em gógico apontam para o deslocamento do conceito

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Seção 3 – eduCação e diStânCia

de belas artes para a cultura visual, além de trazer expandir nossa capacidade de formar professo-
outras formas de produção cultural para o reper- res em artes visuais investindo na construção de
tório dos nossos alunos. Vemos desde as “matri- conhecimentos e habilidades de forma interdisci-
zes culturais” que dão visibilidade a diversidade plinar e colaborativa.
estética dos grupos indígenas no Brasil ao exame
crítico da invisibilidade da arte e cultura africana, [...] superar a dicotomia apresentada pelos modelos con-
como também as produções do design, dos qua- vencionais de cursos de formação de professores, que
drinhos, da publicidade e outras formas que não teorizam sobre as transformações nas práticas educa-
costumar entrar no rol do que é considerado arte. tivas, sem que estas transformações sejam vivenciadas
A disciplina Arte e Cultura Visual discute algumas no próprio ambiente de formação. Para tal, é proposto
proposta sobre o conceito de cultura e visualidades, um currículo com características interdisicplinares, o uso
sobre como nos relacionamos com as fotográficas, de metodologias interativas, bem como o uso intensivo
sobre cultura visual e construção de identidades da internet para desenvolvimento e acompanhamento
nas tecnologias digitais, sobre cultura visual e mul- das aprendizagens, quebrando os limites rígidos impos-
ticulturalismo e sobre cultura visual e educação. tos pela concepção física e lógica que se tem da escola.
(NEVADO, CARVALhO e MENEzES, 2007, p. 18)
Assim, a cultura visual se constitui como reflexão e crítica
de uma “condição’” contemporânea que é incerta, instável
O aTeLiê cOMO esPaçO De ResisTência
e contraditória, porque nós, seres humanos, vivemos e con-
vivemos em um mundo interpretado, um universo simbó- Diante de tantos deslocamentos e conflitos entre
lico em que as coisas que fazemos e dizemos se inscrevem conceitos românticos de arte, culturas tecnológi-
num discurso temporal e provisório. (MARTINS, 2008) cas, culturas institucionais, um espaço no curso da
nossa Licenciatura em Artes Visuais tem servido
O que seria mais próximo dos nossos cursos para evitar a distância física e aproximar alunos:
de artes visuais na modalidade EAD: a distância de o ateliê de criação/produção artística. A aprendi-
alunos e professores das concepções epistemológi- zagem da prática artística era a grande incógnita
cas do curso? A distância dos alunos e equipe de do curso de artes visuais na modalidade a distân-
professores da identidade UFG? O que seria mais cia. Como desenvolver o fazer artístico mediado
distante: a noção de educação ou a noção de dis- pelo uso da máquina?
tância nos bancos da universidade “real”? A com- A cada semestre, é ofertada uma disciplina de
binação educação e distância reforça o caráter colo- ateliê: Ateliê Bidimensional: Desenho e Pintura,
nizador da educação? Distância como tecnologia Ateliê Tridimensional: Escultura, Ateliê de Gravu-
num contexto ainda rural? Distância como meto- ra, Ateliê de Quadrinhos. Aqui, começamos com
dologia? Os alunos não criam laços afetivos e de as linguagens tradicionais, passando por novos
cumplicidade como os estabelecidos na educação recursos da mídia, fotografia, poéticas digitais e, até
presencial? A operacionalidade “a distância” pode mesmo, experimentações no computador.
se tornar nicho epistemológico para o campo da O contato presencial com os alunos no pólo
arte e da arte educação? Distância pode se referir a é esporádico, somente três vezes por semestre e
modos de aprender? A modos de sentir? A modos dessas, a última é para avaliação. Além dessa espo-
de se relacionar? Nesse caso, o vocábulo “distân- radicidade, nem todos os pólos preparam um espa-
cia” perderia o significado de distante para indicar ço para o ateliê. Perpetuam as velhas práticas das
outro modo de aprender, sentir e se relacionar? escolas, onde as aulas de artes podem ser dadas em
A utilização das tecnologias da informação e qualquer lugar, na base da improvisação.
comunicação em propostas implementadas por Mesmos tendo infra-estrutura necessária em
meio da educação a distância na FAV tem propi- alguns pólos, temos uma relação desigual de pro-
ciado intercâmbios, articulação de conhecimen- fessores-tutores e alunos. A média atual é de um
tos e tessitura de diferentes comunidades virtu- professor para trinta e cinco alunos. Apesar desses
ais de aprendizagem. Compreendemos o discurso problemas, o ateliê se constituiu num espaço de afe-
de “paradigmas emergentes”, mas não acreditamos tos responsável em grande parte pela permanência
que sejam estes os deflagradores do desafio de dos alunos no curso. Superada as primeiras dificul-

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foRmaçãodePRofeSSoReSemaRteSVISuaISnafaV/ufg–deSlocamentoSdadIStâncIaedeSlocamentoSdacultuRaVISual ledaguImaRãeS

Figura 1. o ateliê de criação/produção artística

dades de postagem de imagens no AVA, as oficinas ampliar a formação de professores no país, incluin-
de ateliê têm sido um dos suportes do curso para do os de artes. João Carlos C. Teatini,* novo diretor
que os alunos sintam-se motivados a continuar de Educação Básica da Capes, afirma
na superação das dificuldades. Nestas, “o mundo
O MEC estima, com base nos dados do Educacenso de
dos sonhos” ou o que muitos chamam de “mundo
2007, que existe um déficit de professores que chega a um
virtual” ganha consistência e se concretiza. Isso
número que varia de 700 mil a 900 mil. Por falta de forma-
também ocorre nas oficinas práticas realizadas nos
ção adequada, entende-se que o docente não possui nível
encontros presenciais.
superior na área em que atua. Destes, 300 mil a 400 mil
Recentemente, criamos o espaço da Galeria
possuem licenciatura em área diferente daquela em que
Virtual, onde os alunos postam suas pesquisas/
lecionam e outros 300 mil a 400 mil não têm curso supe-
produções desenvolvidas nas suas casas ou nos
rior. O restante, 100 mil aproximadamente, é graduado e,
pólos e mediadas a distância. Os resultados não
apesar de não terem licenciatura, atuam como professores
são diferentes daqueles alcançados nos ateliês
na Educação Básica. São, por exemplo, médicos que dão
presenciais.
aula de biologia. (TEATINI, 2009)
cURsOs De LicenciaTURa eM aRTes VisUais Da UfG: ensinO
sUPeRiOR OU eDUcaçãO TeRciáRia? Em 2006 recebemos uma circular da Secreta-
Em 1971, a Lei de Diretrizes e Bases da Educa- ria de Educação do Estado de Goiás informando
ção Nacional incluiu o ensino de arte no currículo o nome de 90 professores efetivos que ministram
escolar. Mas não havia, na época, cursos universi- a disciplina Arte na Rede Estadual de Educação na
tários de formação de professores em arte. A partir cidade de Goiânia com formação em outra área de
de 1973, cursos de Educação Artística foram imple- conhecimento, dentre elas Magistério, Pedagogia,
mentados às pressas para suprir a demanda cria-
da. Hoje, quase quarenta anos depois, o governo *
João Carlos Teatini foi secretário de Educação a Distância do
precisa lançar mão de recursos mais radicais para Ministério da Educação (MEC) durante a gestão Cristovam
Buarque.

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Seção 3 – eduCação e diStânCia

Figura 2. Esta galeria virtual é utilizada de várias maneiras, para colocar material imagético das aulas, os registros das
aulas presenciais, exercícios de leitura de imagem etc. na imagem acima temos o registro de uma aula de gravura por
ocasião do encontro presencial no pólo. além disso a professora-formadora desenvolveu vídeos que orientam o processo
do desenvolvimento do trabalho. (<http://www.youtube.com/watch?v=x9Pycvu4Yuu> e <http://www.youtube.com/
watch?v=ube9-rV-cdc&feature=related>)

Ciências Biológicas, Ciências Sociais, Letras/Por- ções, buscam-se processos de aprendizagem mais
tugês e Inglês. Prioridade da Política Nacional de flexíveis e interconectados. Os autores chamam
Formação de Professores é consolidar os fóruns e atenção para o fato de que a educação superior
a proposta do governo a partir da rede pública de emerge terciária na expansão de oportunidades de
ensino superior. Isso sem contar um número que aprendizagem ou acesso a educação.
não foi contabilizado de professores que atuam com Ao adotar a modalidade a distância, nós,
contrato temporário. Temos cerca de 1.500 docentes da FAV/UFG, estaremos apenas cumprindo
ministrando aulas de artes dos quais apenas 180 o pacto faustiniano do Banco Mundial ou esta-
possuem a formação específica. É impossível uma remos antropofagizando esse pacto, subverten-
melhora desse quadro somente por meio do ensino do-o nas táticas/estratégias do cotidiano vivido?
presencial. Teremos esse poder? O imaginário que nos rege
Barreto e Leher (2008) discutem desdobramen- (ensino-pesquisa-extensão) sustenta e legitima
tos do discurso e das condições impostas pelo ban- a aprendizagem formatada originalmente como
co de mundial em países emergentes como o Brasil. commodities ou extrapola antropagicamente,
Para eles, são as “forças do mercado agindo sobre a resistindo e propondo uma educação que não se
educação terciária e a emergência de um mercado conforma aos ditames do mercado? Nosso inves-
global para o capital humano avançado” que criam timento pessoal, intelectual, de esforço físico se
alianças e parcerias das mais diversas, cooptando exaure ao ler a seguinte informação?
setores tais como as universidades públicas. É nesse
contexto que os serviços da educação a distância Reconhecendo o atraso do país no nível terciário de edu-
entram como promessa de ampliar o acesso ao cação, o que configura um obstáculo para a entrada no
ensino superior. seleto grupo das “economias do conhecimento”, o gover-
O termo educação terciária sinaliza uma no brasileiro criou a Universidade Aberta do Brasil (UAB),
mudança de orientação no atendimento da deman- por meio do decreto n. 5.800, de 8 de junho de 2006.
da de formação universitária. No lugar de uma A rigor, trata-se de uma fundação de direito privado que,
hierarquia rígida de cursos, currículos e institui- por meio de consórcios, organiza cursos a distância, em

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foRmaçãodePRofeSSoReSemaRteSVISuaISnafaV/ufg–deSlocamentoSdadIStâncIaedeSlocamentoSdacultuRaVISual ledaguImaRãeS

Figura 3. os alunos antes


logavam nessa página
do Centro integrado
de aprendizagem em
rede (Ciar), órgão de
apoio às ações de ensino
a distância na uFG.
os alunos se identificavam
como alunos de EaD do
Ciar na uFG.

especial para formar (e, principalmente, certificar) cente- Reconheço as armadilhas apontadas no texto
nas de milhares de profissionais engajados na “sociedade de Barreto e Leher, mas, também, reconheço as
do conhecimento”. Essa universidade está consignada conquistas provisórias e incertas que estamos con-
na forma de um consórcio entre estatais, prefeituras, seguindo da aventura da distância. É importante
universidades públicas e privadas, sob a coordenação ressaltar que os diálogos entre uma modalidade e

F i g u r a 4 . a g o r a , p a r a l o g a r, o s
alunos entram na página inicial da FaV.
o deslocamento de endereço vir tual
proporcionou a construção da identificação
de professores e alunos como pertencentes
à Faculdade de artes Visuais da uFG.
ampliou a vivência no espaço virtual para
além da EaD. observem que o site, além de
divulgar a estatística presencial dos cursos
na modalidade a distância, divulga também
eventos, tais como o seminário em Cultura
Visual, concursos, palestras, exposições, além
de informar sobre o corpo docente e sobre o
mestrado em Cultura Visual.

de um conselho gestor constituído, entre outras enti- outra vão além da necesidade de legitimação dos
dades, pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). cursos a distância e apaziguamentos da inquie-
A presença empresarial é concebida como crucial para tações postas no começo deste texto. Em ambas
que a educação terciária seja considerada pertinente (ao as modalidade, o que temos é situações de edu-
mercado). Por sua vez, a presença da Coordenação de cação crítica e problematizadora. Ao propormos
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) uma educação de qualidade, pautada no trinômio
pode contribuir para que essa educação comodificada ensino-pesquisa-extensão, e ao gerarmos uma teia
circule no mercado com um “selo de qualidade”. (BARRE- de relações que extrapola a relação presencial-dis-
TO e LEhER, 2007). [Grifos dos autores] tância, estamos nadando contra a corrente do que

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Seção 3 – eduCação e diStânCia

preconiza a concepção de educação-mercadoria do competência de outras universidades. Esse investi-


banco mundial. mento tem sido muito importante para não traba-
Investir na pesquisa se faz indispensável para lharmos com textos prontos ou kits para o ensino
orientar as ações desenvolvidas no presente, bem de artes visuais. Professores do corpo docente da
como projetar com mais clareza as ações previstas graduação e do mestrado em Cultura Visual têm
a médio e longo prazo. Além do mais, os frutos dos atuado como autores para as licenciaturas em
nossos projetos ajudarão a construir propostas que Artes Visuais, tanto na regular quanto nas licen-
desafiem o binômio presencial/a distância em prol ciaturas a distância.
de formas mais colaborativas de ensino e aprendi- Os conteúdos que os autores estão produzindo
zagem de artes visuais no estado de Goiás. Pensar partem, na sua maioria, da sistematização das aulas
a aprendizagem por meio de metodologias investi- que trabalham no curso presencial. Podemos citar
gativas possibilita a prática reflexiva para redimen- como exemplo as seguintes produções: Cultura,
sionamento do desenho curricular inicial frente currículo e avaliação, da professora Irene Touri-
à realidade dos diversos contextos nos quais os nho; Arte, percepção e pprendizagem, do professor.
cursos estão sendo desenvolvidos. Além disso, traz Raimundo Martins; História da arte brasileira, da
outros nortes para a formação dos orientadores e profª Maria Elízea Borges; Antropologia cultural,
tutores, no processos de gestão, na oferta do estágio profª Míriam Costa Manso; Atelier bidimensional:
supervisionado, na produção de material impresso desenho e pintura, da profª Eliane Chaud; Ateliê de
e multimídia, nos processos de mediação e de ava- gravura, da profª Manoela Afonso; Ateliê interdis-
liação e muitos outros aspectos que precisam estar ciplinar (quadrinhos), do prof. Edgar Franco; Do
sempre em constante estado de deslocamento ope- Renascimento ao Neoclassicismo, dos professores
racional e conceitual. Leda Guimarães e Luís Edegar; Do Romantismo
Barreto e Leher (2008) chamam a atenção para o ao Impressionismo, do prof. Paulo Veiga Jordão;
fato de que a educação à distância é a única moda- Fundamentos filosóficos da educação, de Michelle
lidade que não é nomeada em função da clientela Oliveira (da equipe pedagógica do curso) e Carlos
e/ou do nível de ensino, mas do seu modus operan- Rodrigues Brandão (Unicamp); Compreensão e
di. Esse fato é um complicador, pois tivemos que interpretação de imagens, da profª Noeli Batista,
lutar pelo reconhecimento, dentro e fora da Facul- que acrescenta ao material experiências de leitura
dade de Artes Visuais, para não sermos apenas de imagens dos alunos da turma do 7º período (ano
mais um dos curso de EAD. Ainda estamos nesse de 2008) da licenciatura presencial.
processo de luta por reconhecimento identitário. Outras produções estão conectadas a projetos
Nossas Licenciaturas têm os pés no seu chão de ori- de extensão, como é o caso do texto Linha que vai,
gem: o ensino de artes visuais, um terreno instável linha que vem, eu quero brincar também... produ-
e atravessado por muitos outros. Para exemplificar, zido pela profª Alice Fátima Martins. A conexão
em meados de 2008, lutamos para que o login dos com o Programa de Pós-Graduação em Cultura
nossos alunos e professores fosse feito na página Visual se estende à participação de mestrandos
inicial da Faculdade de Artes Visuais (www.fav.ufg. como autores: História do ensino das artes visuais
br). Antes disso, chegava-se aos nossos cursos atra- no Brasil, da mestranda Vânia Olária e sua orien-
vés do site do CIAR – Centro Integrado de Apren- tadora profª Leda Guimarães; Arte e cultura visua,l
dizagem em Rede – órgão de apoio da reitoria às uma produção conjunta dos mestrandos Rogéria
atividades de educação a distância na UFG. Eller, Jordana Falcão, Sejana Pina Jayme, Lorena
Abdala, Douglas da Silva Barbosa e Vânia Olária.
cOnsTRUçãO De ReDes QUe DescOnsTROeM DisTâncias A mestranda Laila Loddi produziu o texto Arquite-
Na busca do distanciamento da noção de educa- tura popular, correlacionado com o seu projeto de
ção como mercadoria, temos investido na produ- pesquisa. O ex-mestrando Miguel Luiz Ambrizzi
ção de conhecimento, privilegiando a produção escreveu o texto Artistas-viajantes: a pintura de
teórico-pedagógica dos professores da FAV, dos natureza-morta e paisagem no século XIX no Bra-
alunos de mestrado em Cultura Visual e buscan- sil, fruto da sua dissertação. As ex-mestrandas
do parcerias com profissionais de reconhecida Ivaina de Fátima Oliveira e Ludmilia Justino de

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foRmaçãodePRofeSSoReSemaRteSVISuaISnafaV/ufg–deSlocamentoSdadIStâncIaedeSlocamentoSdacultuRaVISual ledaguImaRãeS

Melo Vaz participaram da produção da disciplina De 2007 para cá, podemos dizer que temos
Matrizes culturais da arte no Brasil. A primeira uma experiência de ensino de artes visuais nessa
com o texto Matrizes africanas: religiosidades, resis- modalidade, mas não nos tornarmos experts em
tência e ofícios e a segunda com o texto arte rupes- cursos a distância. Estaríamos dando ênfase no
tre brasileira: uma viagem ao mundo simbólico da modus operandi, desconsiderando os processos
Pré-História. Ambos os textos são parte das suas históricos, as questões artísticas e estéticas, cul-
dissertações de mestrado. turais que perpassam nossa área. Apostamos que
Todos os mestrandos mencionados atuaram ou ao passar de quatro anos, em 2012, teremos um
atuam como professores-tutores nos nossos cursos. considerável número de profissionais formados
Além dos professores, mestrandos e ex-mestran- para o ensino de arte visuais ou, sendo mais ousa-
dos da casa, convidamos professores de reconhe- dos, para a educação em cultura visual. Pensar
cida competência nas suas áreas de atuação para que esses profissionais não estarão concentrados
contribuir com os nossos cursos, enriquecendo e na capital (Goiânia) é, também, um potencial de
diversificando os olhares sobre arte e seu ensino. inversão centro-bordas – movimento pelo qual,
Podemos citar os professores Ana Mae Barbosa geralmente, as instâncias gestoras se guiam para
(USP), Rejane Galvão Coutinho (UNESP); Fábio promover reformas e instituir políticas educacio-
José Rodrigues da Costa (URCA-CE); Ronaldo nais. Ou seja: com um maior número de profissio-
Oliveira (UEL); Professor Erinaldo Nascimento nais formados em artes visuais, geograficamente
(UFPB), dentre outros. descentralizados e formados com uma base da
relação arte/cultura visual, podemos vislumbrar
DescOLaMenTOs, RecOMPOsições e inceRTezas um ensino de arte que articule espaços físicos e
Sabemos que da teoria à prática, muitas são as dis- epistemológicos, e que sinalize a possibilidade da
tâncias na educação. São inúmeros desafios que investigação, imaginação e ação criativa.
diariamente se apresentam. A dinâmica é intensa e Sem dúvida, a educação por meio das tecnolo-
fazer alusão a uma situação de caos não seria uma gias de informação e comunicação provoca racha-
metáfora distante da nossa realidade. No entanto, duras no acesso ao ensino superior pelas quais
considerando que é do caos que a força criadora “novos” atores tem chegado a universidade. As  fis-
se potencializa, diferentes mundos têm sido con- suras abertas trazem diversidade para academia e
figurados na busca pelo espaço de uma formação propiciam uma hibridização de formas e produtos
significativa e articulada aos contextos existentes. de vários substratos, e é cada vez mais difícil dividi-
Tais mundos, apesar de diferentes, não se consti- los entre popular, erudito e de massa. O discurso
tuem em espaços divergentes, aliás, pelo contrário: desse texto não é celebratório do uso das tecnolo-
mundo real e virtual cada vez mais se configuram gias, mas propõe que as mesmas sejam potencia-
em espaços de desejos, sonhos, desafios, realizações lizadas criticamente na educação de artes visuais.
e projeções tanto de docentes quanto discentes, A criticidade reflexiva e emancipatória é o fio de
ou na mescla entre ambos. Afinal, segundo Paulo sustentação de qualquer forma de educação e é nele
Freire (1996, p.88) [Grifos do autor], “não haveria que nos apoiamos para argumentar que os termos
existência humana sem a abertura de nosso ser ao “educação” e “distância” podem gerar possibilida-
mundo, sem a transitividade de nossa consciência” des para a educação e a cultura visual em operações
e sem o que ele chama de curiosidade epistemoló- divergentes, híbridas, inter e transdisciplinares.
gica por parte dos diferentes atores no processo de Temos navegado por sítios instáveis, sujeitos a
ensino e aprendizado. tempestades e trovoadas. Por isso mesmo, tomamos
É nesse espaço de abertura que o curso se apre- emprestadas duas concepções que podem ajudar na
senta enquanto proposta de eixo articulador entre nossa proposta: poéticas de recomposição (ALMEI-
o contexto cultural local, educacional local e tec- DA, 2008) e Pedagogia da incerteza (CARVALHO,
nológico, sendo este último fator fundamental para NEVADO e MENEZES, 2007).
que distâncias físicas, geográficas e culturais se res- A primeira propõe o uso de um “tipo de poé-
signifiquem e para que diferentes mundos, em suas tica emergente das experimentações artísticas
inúmeras dimensões, possam, de fato, dialogar. em rede”, que só se torna evidente no processo.

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Seção 3 – eduCação e diStânCia

Penso que é isso que acontece com nossas poéticas “emerge” terciária. in: Revista Brasileira de Educação. v. 13
pedagógicas que se revelam nas experimentações n. 39, set./Dez. 2008.
em rede e evidenciam compreensões até então BranDÃo, Carlos. Reflexões sobre como fazer trabalho de
despercebidas. campo. Minas Gerais, 1980.
Já a pedagogia da incerteza é pautada nas idéias CarVaLho, Marie Jane soares; nEVaDo, rosane aragon
construtivistas de Piaget e a na pedagogia da per- de; MEnEZEs, Crediné silva de. arquiteturas pedagógicas
gunta de Freire, sintetizando os pontos que, segun- para educação a distância. in: CarVaLho, Marie Jane
do os autores, configuram essa pedagogia. Assim, soares; nEVaDo, rosane aragon de; MEnEZEs, Crediné
educar para a incerteza implicará em: educar para silva de.(orgs.). Aprendizagem em rede na Educação a
Distância: estudos e recursos para formação de professores.
a busca de soluções de problemas reais; educar para Porto alegre: ricardo Lenz, 2007.
transformar informações em conhecimento; educar
para a autoria, a expressão, a interlocução; educar CasTELLs, Manuel. A sociedade em rede. são Paulo: Paz
e Terra, 1999. (a era da informação: economia, sociedade e
para a investigação; educar para a autonomia e a cultura; v.1).
cooperação.
Essas propostas merecem maior detalhamento, DaniEL, John. A Educação em um novo mundo pós-
moderno. XVi Congresso Mundial de Educação Católica.
mas, no momento, lanço mão destas como dese-
Brasília, abril de 2002.
jos que desenham nossas ações na construção de
redes de conhecimento, de interfaces humanas e FrEirE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes
necessários à prática educativa. são Paulo: Paz e Terra, 1996.
tecnológicas. A desconstrução e reconstrução de
possibilidades de formação de professores para a FuLLEr, richard Buckminster. Manual de operação para a
educação em cultura visual por meio das tecno- espaçonave terra. Trad. hélio Victor nardes Mendes. Brasília:
logias de informação e comunicação provocam Editora universidade de Brasília, 1985.
deslocamentos geográfico, ideológicos, conceituais, GuiMarÃEs, Leda. Metafóras para o ensino de artes visuais
mas também descolamentos, uma vez que despre- na modalidade EaD. in. ______. ( org.). Licenciatura em
gam nossas práticas de lugares fixos. ■ Artes Visuais: módulo introdutório. uFG/FaV/Ciar. Goiânia:
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tremores: o ensino de artes visuais na modalidade EaD.
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DIÁLOGOS ENTRE VIVêNCIAS E DESLOCAMENTOS A
PARTIR DE ExPERIêNCIAS DE EDUCAçãO E DISTâNCIA
L ilian Ücker

Resumo
Este artigo reconstitui fragmentos da minha experiência (2007-2009) como participante de um grupo de pesquisa
sobre Inovação Docente na Universidade de Barcelona e minha experiência como professora recém contratada
da Licenciatura em Artes Visuais da Faculdade de Artes Visuais (FAV) da Universidade Federal de Goiás (UFG),
modalidade a distancia. Proponho um diálogo que situa a educação a distancia como parte de uma resposta
econômica e educativa para uma demanda popular por oportunidades de aprendizagem que ofereça aos
estudantes o desenvolvimento de conhecimentos e capacidades para viver e trabalhar em uma sociedade
tecnológica caracterizada por rápidas mudanças no nosso dia-a-dia.
Palavras-chave: Arte. Tecnologia. Educação a Distancia. Deslocamento.

Abstract
This paper reconstructs fragments of my own experience as participant of a Teaching Innovation research group in
the University of barcelona (2007-2009) and my experience as a recent employed Assistant Professor at the Faculdade
de Artes Visuais of the Universidade Federal de Goiás in the visual arts Teacher Education Program through distance
education. I propose a dialogue which contextualizes through distance education as part of an economical and
educational response to a popular demand for learning opportunities that can offer the students knowledge
development and abilities to live and work in a technological-based society characterized by quick changes of our every
day lives.
Keywords: Art. Technology. Through Distance Education. Dislocation.

Q uando fui convidada a participar do 2º Coló-


quio internacional Visualidade e Educação
e escrever sobre o tema “Educação e distância:
Na tentativa de reconstituir o vivido e dialogar
com o agora, organizo este texto em duas partes.
Na primeira parte – Para uma educação sem dis-
possibilidades em cultura visual” vislumbrei não tância –  amplio conceitos e situo a educação a
só a possibilidade de tornar pública minhas expe- distância como parte da resposta econômica e edu-
riências iniciais como professora de um curso cativa da demanda popular e aos objetivos políticos
de licenciatura em artes visuais (modalidade a e econômicos, para oferecer apropriadas oportu-
distância) da Faculdade de Artes Visuais/UFG,
mas principalmente na necessidade/oportunidade LILIAN ÜCKER é ofessora da Faculdade de Artes Visuais
de retomar meu processo de formação dentro de da Universidade Federal de Goiás, FAV/UFG. Doutoranda
um grupo de inovação docente da Universidade pelo programa de pós-graduação “Artes Visuales y Edu-
de Barcelona, do qual participei como bolsista cación: un enfoque construccionista” da Universidade de
e membro do grupo durante o período de 2007- Barcelona, Espanha. Foi bolsista e membro do grupo de
2009. Neste sentido utilizo referências que surgem inovação docente Indaga’t da Universidade de Barcelona.
desde minha experiência no grupo Indaga’t que Mestre em Cultura Visual FAV/UFG (bolsista CNPq). Mem-
a partir de agora estabelecem um diálogo com as bro do grupo de Estudos e Pesquisa em Educação e Arte
experiências vivenciadas dentro de outro contexto, (GEPEAC), diretório CNPq.
com outras especificidades e outros objetivos, mas lilianucker@gmail.com
que não deixam de levantar questões, propor novas
dúvidas e estabelecer novas e velhas inquietudes.

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Seção 3 – eduCação e diStânCia

nidades de aprendizagem desde a perspectiva da los integrados de ensino-aprendizagem como o


educação permanente. A segunda parte – O que me e-learning (BARBERA, 2008) ou blended- learning
trouxe até aqui, o que eu trouxe até aqui – situa meu (ARETIO, 2007). Os termos citados nos remitem
(des)locamento de um espaço a outro, neste caso, a chamada aprendizagem eletrônica, uma modali-
a experiência como bolsista no grupo Indaga’t em dade formativa na qual se utilizam meios didáticos
diálogo com a experiência como professora do cur- para aprender um conteúdo concreto no marco de
so de ensino de artes visuais a distância, permitindo uma instituição e onde esta formação se realiza por
situar temáticas como: a necessidade de uma alfa- meios eletrônicos, já que existe entre o professor
betização dos meios e da importância do professor e o aluno uma separação física (e possivelmente
como mediador dos processos de aprendizagem no temporal, mesmo que não necessariamente). Estas
espaço virtual. modalidades que mesclam diferentes ambientes
Parto da idéia de que a educação como um pro- de aprendizagem, conjugando características no
cesso de “construção e reconstrução de histórias caso de e-learning, métodos semi-presenciais e/ou
pessoais e sociais” como propõem Connelly e Clan- semi-virtuais, que surgem como reflexo e exigência
dinin (1995, p. 12), é também um processo de for- de um mundo que exige cada vez mais a formação
mação da identidade, já que, à medida que apren- continuada por parte do ser humano.
demos, mudamos nossas concepções de mundo
e de nós mesmo. Com isso, entender a educação en el contexto moderno liquido, para ser de alguna utilidad,
como um processo de (re)tomada de consciência é la educación y el aprendizaje deben ser continuos e, incluso,
também assumir que estamos em constante proces- extenderse toda la vida. No es concebible ninguna otra forma
so de mudança, que o espaço, os meios e as pessoas de educación y/o aprendizaje; es impensable que se puedan
são influências nas maneiras como atuamos no formar personas o personalidades de otro modo que no sea
mundo e como concebemos o saber e nossas práti- por medio de una re-formación continuada y eternamente
cas de ensino. inacabada. (BAUMAN, 2006, p. 158)

PaRa UMa eDUcaçãO seM DisTância Nesse sentido, a inclusão das tecnologias e sua
Parece claro que no século XXI o auge da internet relação com a educação estão permitindo novas
esta impulsionando mudanças históricas na forma formas de interagir com o conhecimento e com
de entendermos e vivermos a educação. Como se os indivíduos, superando as barreiras do espaço/
ensina e como se aprende nos leva a (re)pensar a tempo que, até há pouco tempo, eram consideradas
necessidade de novos enfoques teóricos alimenta- obstáculos muitas vezes insuperáveis.
dos por práticas de quem já se encontra imerso em Considerando estas mudanças, se torna inevi-
ações formativas cada vez mais sustentadas pelos tável não falarmos da educação a distância, já que
sistemas e redes digitais. esta tem se tornado um dos grandes desafios dos
A necessidade de novos saberes, de novas prá- sistemas educativos brasileiros. Para Aretio, não
ticas e de novas relações entre conhecimento, basta hoje em dia ensinar a ler e a escrever, mas
professor e aluno acabam afetando a instituição “sino también a utilizar los medios técnicos, a leer a
universitária, que, com a incorporação das Tec- otros soportes, a comunicarse en otros ámbitos. Y en
nologias da Informática e da Comunicação passa este planteamiento la presencia de la educación a dis-
a mover-se em uma nova direção: os estudantes tancia resulta cada vez más innegable” ( 2007, p. 36).
tornam-se o centro e agora protagonistas do pro- Para o estudante, a educação a distância significa
cesso de aprendizagem. Não se trata mais somente maior capacidade de acesso e flexibilidade, assim
de “ensinar”, mas também de fazer com que os como poder de combinar trabalho e estudo. As uni-
estudantes aprendam e se tornem conscientes de versidades passam a adotar, de maneira geral, as
suas aprendizagens. tecnologias como forma de acesso e responsabili-
Deixamos de pensar em uma única e exclusi- dade social frente às demandas que o mundo atual
va modalidade de ensino e passamos a conviver vem criando. A preocupação por adequar-se a este
com uma multiplicidade de modalidades que se contexto emergente faz com que as instituições
mesclam entre termos criados para atender mode- cada vez mais utilizem

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dIálogoSentReVIVêncIaSedeSlocamentoSaPaRtIRdeexPeRIêncIaSdeeducaçãoedIStâncIa lIlIanucKeR

el aprendizaje a distancia como instrumento para favorecer sujeito deve ler de maneira diferente as realidades
la innovación, la diversificación y los acuerdos entre institu- para gerar transformações através das quais conse-
ciones, a fin de alcanzar economías de escala en la produc- ga a compreensão do mundo e de si mesmo. Outro
ción y entrega de materiales. Esto significa que la educación ponto importante a destacar é sobre a aprendiza-
a distancia ya no representa una metodología especializada gem colaborativa que se baseia no construcionismo
para un numero marginal de instituciones educativas, sino social na medida em que considera que a apren-
que forma parte del repertorio de las instituciones educativas dizagem se produz entre as pessoas, e não entre
en general (ARETIO, 1998, p. 85). pessoas e coisas (HANNA, 2002).
Nas reuniões que realizávamos mensalmente,
tínhamos como meta compartilhar vivências em
O QUe Me TROUxe aTé aQUi, O QUe eU TROUxe aTé aQUi...
sala de aula. Em certo momento, os professores
Indaga’t1 é o nome do grupo de inovação docente da apresentavam seus planos de cursos, dando exem-
Universidade de Barcelona composto atualmente plos de atividades, trabalhos de alunos e explicitan-
por dezessete professores das faculdades de Belas do metodologias utilizadas durante a realização das
Artes, Pedagogia e Formação de Professorado do disciplinas. Sempre houve intercâmbio, não somen-
qual participei durante os anos de 2007 a 2009. te intercâmbio de informações, mas professores
Formado no ano de 2006 a partir de um projeto que de algum modo colaboravam para a realização
financiado pela mesma universidade, chamado da disciplina do colega. Alunos de belas artes que
Favoreciendo el aprendizaje autónomo y colaborati- passaram a conhecer alunos do curso de pedagogia,
vo a través de la indagación y la utilización de tecno- e vice-versa.
logías digitales, o grupo tinha como objetivo inicial Desde a formação do grupo, a posição assumida
formar licenciados com um alto grau de autonomia, era a de aprender com o outro, a partir do outro.
impulsionando formas de aprendizagem colabora- Nessas reuniões, onde se compartilhavam as expe-
tiva através de questionamentos e da utilização de riências, tínhamos a sensação que certas disciplinas
ferramentas digitais, neste caso o moodle.2 Além deixavam de ser ministradas por um único profes-
disso, surgia de uma necessidade de criar um espa- sor, e incorporavam as vozes do outro. Criou-se no
ço para que professores pudessem compartilhar grupo uma “solidariedade intelectual” (GARCIA
suas práticas e tarefas docentes, dando resposta e ALVES, 2004, p. 283), além de sensibilidade de
também as transformações e exigências que vem escuta e respeito ao saber do outro.
ocorrendo dentro da instituição universitária. Durante quase dois anos como bolsista do gru-
A adaptação das disciplinas com base ao enfoque po, ocupei várias funções. Uma delas – quem sabe
sócio-construcionista (GERGEN, 2000), significa- a mais gratificante – foi a de acompanhar em sala
va centrar a aprendizagem nos alunos e vincular ao de aula o professor, observando as estratégias de
uso das Tecnologias de Informação e Comunicação aprendizagem utilizadas por ele e, consequente-
(TIC), criando com isto uma rede intensiva de cola- mente, também como os alunos reagiam frente às
boração entre professor e estudantes de diferentes mesmas. Sempre me pareceu muito interessante
saberes disciplinares. Aprender e ensinar, sob esta como, em poucas semanas desde o início dos cur-
perspectiva, supõe compreender que os saberes sos, os alunos ganhavam autonomia e confiança
são construídos junto às realidades vividas, e que o nas suas intervenções em classe. Como exemplo da
autonomia alcançada, recordo-me da experiência
1
Os profesores que participam do grupo são os seguintes: vivida em uma classe de Pedagogia da Arte onde os
Juana Sancho (coordenadora), Fernando Hernández, José
María Barragán, Cristina Alonso, Carla Padró, Aída Elisenda
alunos superam as expectativas dos professores da
Sánchez de Serdio, Joan Antón Sánchez, Ascensión Moreno, disciplina.
Fernando Herraiz, Silvina Casablanca, Adriana Ornella, San- Essa disciplina obrigatória na grade curricular
dra Martínez, Patricia Hermosilla, Verónica Larraín, Noemí da Faculdade de Belas Artes do curso de licencia-
Duran, Paulo Padilla Petry.
tura tem como objetivo a reconstrução/ressigni-
2
moodle é um sistema para gestão de cursos online, distribuídos ficação de alguns discursos emergentes sobre repre-
gratuitamente e que visam ajudar educadores a criar comuni-
sentações de identidades de diversos artistas. Com
dades na internet focando o ensino. Essas plataformas são tam-
bém conhecidas como LMS (Learning Management System). a intenção de desarticular diferentes visões domi-

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Seção 3 – eduCação e diStânCia

nantes (o discurso do artista gênio, o discurso do ponentes, nesta nova modalidade incluíram-se:
artista à margem da sociedade), o curso colocava professor-autor, professor-formador, tutor a distân-
problemáticas a partir de uma perspectiva crítica, cia, tutor de pólo, aluno-cursista, material didático
que ajudava aos estudantes a posicionar-se em rela- e ainda o ambiente virtual.
ção às práticas artísticas e sua vertente educativa. Quando falo que uma modalidade alimenta a
Surpreendeu-me muito observar que, apesar do outra, ou seja, que o presencial e o virtual devem
pouco tempo no qual se desenvolve a disciplina de caminhar de mãos juntas, faço referência à minha
Pedagogia da Arte, alguns estudantes se envolve- experiência vivida neste último encontro presencial
ram em processos de mudança significativas, e com do pró-licenciatura realizado no mês de abril de
isso se tornaram conscientes de sua aprendizagem. 2009. Ao dar início aos cursos deste semestre: Ate-
Desenvolver essa disciplina dentro do projeto liê de Desenho, Antropologia Cultural, Psicologia
Indaga’t contribuiu, por um lado, para definir o e Teorias da Educação, no inicio de abril, retomei
trabalho de aprendizagem e ensino a partir do minha função como observadora. Preocupava-me
paradigma sócio-construcionista (vinculado a muito a ausência dos alunos no espaço virtual.
processos de pesquisa, à representação do conhe- Questionei-me se era a falta de motivação por parte
cimento, ao uso de múltiplas linguagens, à autoria dos alunos, o despreparo dos tutores para mediar
dos alunos). E por outro lado, implicou passar esta relação ou ainda minha falta de experiência
do espaço de trabalho da sala para a plataforma com o novo contexto. Neste momento, recordava os
moodle, a qual contribuiu para gerar uma área de momentos iniciais, quando introduzimos a plata-
intercâmbio e de pesquisa. forma virtual – neste caso faço referência ao grupo
A plataforma virtual moodle, com a qual o grupo Indaga’t –, também foram vividos por momentos
se propôs a trabalhar no projeto, favoreceu outro de resistência não somente por parte dos alunos,
tipos de relações e formas de ensino/aprendizagem mas também por parte de alguns professores que
que iam além das práticas realizadas pelos docen- não acreditavam na utilização da ferramenta como
tes no espaço da sala. Mais do que um comple- facilitadora do conhecimento e da relação peda-
mento da aula, foi o palco da descoberta de novas gógica. Com o passar dos meses, percebia-se que
relações pedagógicas e de novos conhecimentos. pouco a pouco tanto aluno como professor já havia
Alguns professores utilizavam como estratégia na incorporado em suas práticas a ferramenta.
classe presencial, retomando falas e depoimentos Retornando a minhas preocupações referentes
postados no ambiente virtual, o que muitas vezes à ausência dos alunos no espaço virtual da licencia-
motivava os alunos a participarem. Falar sem ser tura em artes visuais da FAV (Faculdade de Artes
visto era, para muitos alunos, um ponto positivo Visuais), nas primeiras semanas do curso que inicia-
da utilização da ferramenta em classe. Trabalhar va, buscava explicações recordando ainda que estes
com o moodle não isentava a participação deles nas alunos atuam como professores na rede municipal
classes presenciais. Digamos que uma modalidade ou estadual de ensino, e que a falta de tempo podia
alimentava a outra. ser um dos motivos pelos quais não participavam.
E neste aspecto mudarei de contexto: para a Muitas vezes, esquecemos de preparar os alunos
licenciatura em artes visuais, modalidade a distân- para o uso consciente, crítico e ativo dos aparatos
cia. Aqui a interface que utilizamos também é o tecnológicos, e estes tornam-se uma resistência por
moodle, e as relações pedagógicas também se sus- parte de alguns e despreparo por parte de outros.
tentam pela relação presencial/virtual. A estrutura Algumas de minhas preocupações foram res-
é complexa e exige, de todas as pessoas envolvidas pondidas durante o encontro presencial, quando
no processo, atenção, motivação e responsabili- os alunos mostraram suas dificuldades para utilizar
dade. A sensação que tenho é de andar em uma o ambiente virtual. A ausência de participações no
areia movediça, talvez por estar a tão pouco tempo AVA,3 detectada durante minhas observações, tinha
vivendo esta nova experiência de uma forma tão a ver também com a disponibilidade destes alunos
intensa. Tudo é novo: currículo, estratégias, rela- para ir até o pólo e utilizar os computadores, já
ções pedagógicas, avaliação. que muitos vivem em zonas rurais, onde o acesso à
Diferentemente do ensino presencial, onde internet ainda não é possível.
temos professor, aluno, livro e alguns outros com-
3
AVA: Ambiente Virtual de Aprendizagem.

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dIálogoSentReVIVêncIaSedeSlocamentoSaPaRtIRdeexPeRIêncIaSdeeducaçãoedIStâncIa lIlIanucKeR

O encontro presencial mostrou a dificuldade Um dos grandes desafios encontrados é como


que muitos alunos têm ao lidarem com as novas formar professores capacitados para atuarem em
tecnologias, mas também demonstrou a vontade um espaço virtual. Nestes poucos meses no novo
por parte deles de aprender e seguir o curso, mes- contexto, percebo a dificuldade em encontrar pro-
mo com todas as dificuldades existentes. fissionais capazes de adaptar-se às exigências da
Sancho (2006) comenta que, como professo- modalidade de ensino/aprendizagem que estimule
res, deveríamos adotar uma posição a partir da nos alunos os hábitos e atitudes que permitam
perspectiva crítica para a alfabetização dos meios seguir aprendendo de forma permanente e de
digitais, que serve como “uma estratégia para repo- maneira consciente.
sicionar o usuário de uma situação passiva a uma
ativa, de recipiente a participante, de consumidor a ya no podemos encerrarnos exclusivamente en el recinto
cidadão crítico” (2006, p. 55). mágico de las aulas y de los establecimientos escolares,
Nesse sentido, a autora propõe quatro eixos aun reconociendo todo su inmenso valor. Entramos en la
para uma ação a favor de uma alfabetização crítica. sociedad de la información y la formación. Tenemos que
A primeira diz respeito ao acesso digital, que não conjugar las enseñanzas presénciales y a distancia, que
significa simplesmente ter disponibilidade de equi- no son rivales, sino las dos vertientes de un noble esfuerzo
pamento, mas habilidades e conhecimento para común, irrenunciable, de la educación para todos. (ARETIO,
utilizá-lo de forma segura e crítica. Para Sancho, o 1998, p. 20)
acesso implica também questões culturais, tecnoló-
gicas e ainda envolve relações de poder. A segunda A educação, como um campo de pensamento
ação é a análise, ou seja, “a capacidade de poder e práticas onde os profissionais projetam idéias,
analisar qualquer tipo de texto simbólico”; junto visões de mundo, utopias individuais e coletivas,
a isso temos a terceira ação, que é a avaliação, a é responsabilidade de todos: do professor/tutor/
atitude de poder situar criticamente a informação formador que deve guiar o aluno e levá-lo a um
recebida e analisada. A quarta ação diz respeito à pensamento reflexivo, que possibilite ao mesmo
criação, sobre o que a autora explica que tempo a oportunidade de desenvolver experiências
colaborativas; e, principalmente, do estudante, o
La mayoría de las veces, las propuestas de alfabetización qual deve comprometer-se com esforço e dedicação
en medios dejan de lado el tema de la creación. Se suelen e ao mesmo tempo ser consciente de que é respon-
plantear contribuir al desarrollo de consumidores críticos, sável por seu processo de aprendizagem.
pero prestan poca atención a la formación de autores, de Para finalizar proponho pensarmos na formação
creadores críticos. De hecho, ésta es una de las muchas de docentes em artes visuais articulada aos saberes
asignaturas pendientes de una escuela que se empeña tecnológicos contemporâneos, na direção de uma
en enseñar a leer y a escribir, pero no en formar lectores o educação na qual se busca e se propõe a autonomia
autores. (SANCHO, 2006, p. 57) dos sujeitos, e em um ensino que ofereça aos estu-
dantes as oportunidades adequadas para o desen-
Vindo de encontro às sugestões anteriormente volvimento de conhecimentos e das capacidades
citadas para um desenvolvimento de uma alfa- necessárias para viver e trabalhar em uma socie-
betização critica pergunto: Formaram-nos para dade fundamentada na tecnologia e submetida às
formarmos em um ambiente virtual? Todo bom rápidas mudanças da atualidade. ■
docente presencial é um bom docente em um
ambiente de aprendizagem virtual? Que competên- BiBLiOGRafia
cias são necessárias para a docência virtual?
Ser professor em um espaço virtual, conforme arETio, Lorenzo Garcia (Coord.). De la educación a distancia
a la educación virtual. Editorial ariel: Barcelona, 2007.
Bautista, Borges & Forés, exige
arETio, Lorenzo Garcia (org.). Aprendizaje abierto y a
formar-se continuamente e ter possibilidades de inovar e
distancia. Gráficas Barcenilla: Madrid, 1998.
melhorar na sua tarefa docente, por exemplo, conhecendo BarBErÀ, Elena. Aprender e-learning. Paidos: Barcelona, 2008.
outras experiências e outras formas de fazer, revisando exem- BauMan, Zigmunt. Vida Liquida. Barcelona: Paidós, 2006.
plos práticos de sua ação docente em linha. (2006, p. 16)

Ida-unB  ■   Programa de Pós-graduação em arte  ■ janeIro/junho de 2009  ■  v. 8  n.o 1  ■ 97


Seção 3 – eduCação e diStânCia

BauTisTa, Guillermo; BorGEs, Federico; ForÉs, anna. et al.. Déjame que te cuente: ensayos sobre narrativa y
Didática universitária em entornos virtuales. narcea educación, 1995.
Ediciones: Madrid, 2006.
hanna, Donald E. (ed.). La enseñanza universitaria en la
CEBrian, Manuel (Coord.). Enseñanza virtual para la era digital. octaedro: Barcelona, 2002.
innovación universitaria. narcea Ediciones: Madrid, 2003.
GErGEn, Kenneth. Construir la realidad. Barcelona: Paidós,
CharLoT, Bernard. Da relação com o saber. Porto alegre: 2006.
artmed, 2000.
sanCho, Juana M.. Formar lectores y autores en un mundo
CoBaCho, Eva Bach; MiraVaLLEs, anna Forés. E-mociones: digital. Cuadernos de Pedagogía, 363, 2006, p. 52-57.
comunicar y educar a través de la red. Ediciones Ceac:
Barcelona, 2007. sanCho, Juana M. et al. Formadores que se forman cuando
comparten lo que aprenden. Trabalho apresentado no i
ConnELLY, F. Michael; CLanDinin, D. Jean. relatos de Congreso internacional nuevas Tendencias en la Formación
experiencia e investigación narrativa, in: Larrosa, Jorge. Permanente del Profesorado. Barcelona, 2007.

98   ■ janeIro/junho de 2009  ■  v. 8  n.o 1  ■  Programa de Pós-graduação em arte  ■  Ida-unB


LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS – UAB/UNB: UMA
ANÁLISE DAS POSSIBILIDADES EM CULTURA VISUAL
SOB A PERSPECTIVA DO PENSAMENTO COMPLExO
T h é r è s e H o f m a n n G at t i & R o s a n a d e C a s t r o

Resumo
Este artigo apresenta os resultados de pesquisa realizada no ambiente de aprendizagem virtual da Licenciatura
em Arte Visuais da UAB/UnB. O objetivo da pesquisa foi identificar e analisar os modos pelos quais a cultura
visual norteia o processo de ensino/aprendizagem dos licenciandos. O Pensamento Complexo, base da ontologia
e da epistemologia da PesquisAVA, está presente na condução da pesquisa. A pesquisa apresenta resultados
qualitativos e quantitativos sobre a investigação em três disciplinas do curso: história da Arte, história da Arte/
Educação 1 e Fundamentos do Curso de Artes Visuais. Seguindo as proposições da PesquisAVA, observamos a
sala de aula virtual por meio dos nossos próprios hiperlinks e também focamos na investigação nas relações e
conexões que ocorrem durante processo de ensino/aprendizagem. Concluímos que, apesar da constatação de
que já existem disciplinas implementadas, no curso analisado, que tratam dos assuntos da arte e arte/educação
usando uma abordagem da cultura visual, ainda ocorrem nelas dificuldades em envolver os estudantes nas
questões da visualidade. Mais ainda, a cultura visual apresenta-se como um suporte para a cultura digital ou
Cibercultura, tal qual foi, historicamente, a cultura escrita para a cultura oral e as culturas de massa e das mídias
para a cultura escrita.
Palavras chaves: Arte/Educação. Cultura Visual. Educação a Distância.

Abstract
This paper presents the findings of a research carried out in the virtual learning environment of The Teacher Education
Program in Visual Arts at UAb/Unb. The research aimed to identify and analyze in which ways Visual Culture have been
guiding the teaching education learning processes. The Complex Thought, which is the ontological and epistemological
basis of PesquisAVA, is present in the research protocol. This research adopts qualitative and quantitative methods to
inquiry into three courses: Art History, History of Art/Education 1 and Fundaments of The Teacher Education course
in Visual Arts. We followed the PesquisAVA propositions and observed the virtual classroom construction of our own
hyperlinks in order to focus the inquiry on the relations and connections that occur during teaching/learning processes.
We concluded that, in spite of the fact that there are already courses approaching visual art and visual arts teaching/
learning through Visual Culture, there are yet difficulties to further involve students within questions of visuality.
Moreover, in this case, Visual Culture pedagogical practice promotes a support to Digital Culture or Cyberculture;
historically related to writing culture supporting to oral culture, and mass and media cultures to writing culture.
Keywords: Art/Education. Visual Culture. Distance Education.

THÉRèSE HOFMANN GATTI RODRIGUES DA COSTA é ROSANA DE CASTRO é Professora Assistente do Departa-
Licenciada em Educação Artística (1990), Mestre em Arte e mento de Artes Visuais da UnB. Mestre em Arte e Especialista
Tecnologia da Imagem (1999) e Doutora em Desenvolvimen- em EAD pela Universidade de Brasília. Ocupou o cargo de
to Sustentável (2008) pelo CDS, todos pela UnB. é Diretora Desenhista Instrucional na Gerência de Educação a Dis-
cultural da Associação Brasileira Técnica de Celulose e Papel tância da Escola de Administração Fazendária – ESAF e é
e professora do Instituto de Artes da UnB. é coordenadora professora autora e supervisora da Universidade Aberta do
do Curso de Graduação a Distância de Licenciatura em Artes Brasil - UAB/UnB na Área de Artes Visuais da Revista Digital
Visuais do Programa Universidade Aberta do Brasil VIS/UnB. do LAV – Laboratório de Artes Visuais.
Sua área de atuação é Artes, com ênfase em Arte-Educação. castro.rosana@gmail.com
Sua linha de pesquisa é Papel Artesanal, atuando principal-
mente nos seguintes temas: reciclagem, reaproveitamento,
celulose e papel e inclusão social.
therese@unb.br

Ida-unB  ■   Programa de Pós-graduação em arte  ■ janeIro/junho de 2009  ■  v. 8  n.o 1  ■ 99


Seção 3 – eduCação e diStânCia

inTRODUçãO 1 PROceDiMenTOs De PesQUisa nO aMBienTe ViRTUaL De


aPRenDizaGeM

H á aproximadamente quatro anos, a dissemi-


nação da modalidade educação a distância
intermediada pelas Tecnologias de Informação
Historicamente, a EAD possui fortes vínculos com
as tecnologias de comunicação. Conteúdos podem
e Comunicação passou a ser prioridade oficial ser ofertados via postal, rádio, televisão e, na atu-
do governo brasileiro. O Decreto n o. 5.622, de alidade, por intermédio das TIC. Estudiosos da
19/12/2005, ao mesmo tempo em que regulamen- área afirmam que essa modalidade remonta às
tou essa etapa da EAD no Brasil, constituiu-se em epístolas de São Paulo, portanto, seria um equívo-
mais um marco educacional oriundo de vontade co vincularmos o surgimento da EAD ao da TIC.
política. Dada a largada com a publicação do O modelo é antigo, porém, a tecnologia é de ponta.
Decreto, coube às universidades federais bra- E tem promovido modificações tanto no contexto
sileiras entrarem na corrida. Em prazo exíguo, educacional quanto em outros âmbitos do nosso
adequaram o novo modelo às suas estruturas cotidiano. Sendo assim, buscamos uma atualização
existentes, fazendo funcionar o sistema Universi- ontológica e epistemológica que nos permitisse
dade Aberta do Brasil. investigar as possibilidades da cultura visual nos
A Universidade de Brasília iniciou suas ativida- ambientes virtuais de aprendizagem.
des na UAB em meados de agosto de 2007. Apesar A PesquisAVA 2 (BEHAR, 2009) possui base
de experiências isoladas, mas consolidadas dentro coerente ontológica e epistemologicamente para
da UnB no ensino a distância como a da Faculdade que se investigue os AVAs, pois permite que duran-
de Educação, do CEAD e do próprio IdA com o te a investigação considerem-se as novas formas de
Arteduca, o modelo que se apresentava era dife- relacionamento, aprendizagem, espaço e tempo
renciado. O primeiro grande desafio, que ainda que são típicos da cibercultura. O Pensamento
persiste, diz respeito ao funcionamento da infra- Complexo (MORIN, 2003), base da PesquisaAVA,
estrutura tecnológica, burocrática e de recursos estabelece que o foco da pesquisa não está no sujei-
humanos que apóia mais esse braço da instituição. to e nem no objeto, mas nas relações e conexões
Além dessas infra-estruturas é relevante citar que que ocorrem durante processo de ensino/aprendi-
a elaboração e a oferta dos cursos da UAB exigem zagem. A interação, baseada em Morin, é entendi-
das instituições a utilização do ambiente virtual de da como a expressão do conjunto de relações, ações
aprendizagem moodle.1 e retroações que se efetuam e se tecem no ambiente
A implementação dos cursos nesse ambiente vem de aprendizagem. E ainda que esse movimento de
ocorrendo sem que haja ainda uma exploração ousa- interação desenvolve-se em condições de flexibili-
da dos recursos disponibilizados para a educação via dade e indeterminação, alerta Behar. Baseando-nos
TIC – Tecnologias da Informação e Comunicação. em pressupostos da PesquisAVA, optamos por uma
Entretanto, essa não é de forma alguma uma crítica às leitura não linear dos dados registrados no AVA do
instituições que adotaram o sistema. Gardner (1999) curso de Licenciatura em Artes Visuais da UAB/
alerta ser normal que diante de outra tecnologia, por UnB, mais especificamente das atividades de cola-
mais recursos que essa possa disponibilizar, os seus boração, interação e sistematização3 das disciplinas
usuários iniciais tendam a explorá-la buscando ape-
nas os recursos com os quais já estão acostumados 2
Proposta de pesquisa que se baseia no Pensamento Complexo
a operar. Entretanto, Drucker (1993, p.153) avisa que de Morin, estabelecendo foco nas interações que ocorrem nos
a tecnologia não se insere em nosso meio para que ambientes virtuais de aprendizagem. Considera em sua onto-
logia dimensões que são agrupamentos das características da
“façamos melhor as coisas velhas”, outrossim ela insta- cibercultura (tempo, espaço, tecnologia, sujeito, educação).
la-se para nos forçar a executar “coisas novas”. Seus princípios epistemológicos são: hologramático, circuito
retroativo e circuito recursivo, dialógico, autonomia/depen-
dência, reintrodução do conhecimento em todo o conheci-
1
Modular Object-Oriented Dynamic Learning Environment: mento. (BEHAR, 2009)
ambiente virtual de aprendizagem concebido por Martin
3
Dougiamas. A filosofia do projeto se apóia no modelo pe- Atividades de sistematização: são entregues pelos alunos em
dagógico do construtivismo social e na idéia de programas forma de arquivos digitais contendo resenhas, resumos, nar-
gratuitos de código fonte aberto. rativas, entre outros tipos de textos. Atividades de interação:

100   ■ janeIro/junho de 2009  ■  v. 8  n.o 1  ■  Programa de Pós-graduação em arte  ■  Ida-unB


lIcencIatuRaemaRteSVISuaIS–uaB/unB:umaanálISedaSPoSSIBIlIdadeS
emcultuRaVISualSoBaPeRSPectIVadoPenSamentocomPlexo théRèSehofmanngattI&RoSanadecaStRo

Historia da Arte Educação I, Historia da Arte I e futuros arte/educadores. No foco 2, buscamos no


Fundamentos do Curso de Arte Visuais. O obje- conteúdo da disciplina evidências da aplicação
tivo foi analisar de que modo a cultura visual tem prática de teorias da cultura visual na construção
sido abordada por autores e tutores, e percebida das atividades e, finalmente, no foco três anali-
pelos estudantes do curso, observando-se a exis- samos, a partir dos feedbacks das tutoras da dis-
tência de possíveis reflexos na formação dos licen- ciplina, os reflexos na produção de textos pelos
ciados. estudantes, dos conhecimentos adquiridos com o
Para proceder com a pesquisa, definimos três conteúdo nela dispostos.
focos distintos de análise. No foco 1, analisamos
de que maneira os estudantes se percebem no pro- Abaixo seguem os resultados alcançados e em
cesso de ensino/aprendizagem e na condição de seguida a discussão sobre eles:

foco 1 – identificar a PercePção doS eStudanteS como SujeitoS do ProceSSo de enSino/aPrendizagem


Disciplina: Fundamentos do Curso
Professores Autores: Prof. Dr. Belidson Dias, Profa Dra. Thérèse hofmann e Profa Msc. Rosana de Castro
Número de alunos: 208
Disciplinas ofertada no 1º/2009 para estudantes recém-ingressos na UAB24/UnB
Fonte dos dados no AVA: Fórum da Disciplina
Descrição da fonte: Trata-se de atividade interativa. Um espaço onde foram abertos diversos tópicos para discussões relacio-
nadas ao conteúdo do curso. A partir de um texto básico5 e dois outros complementares,6 os tutores estimularam discussões
sobre o papel do arte-educador na sociedade e no sistema escolar. Optamos por analisar vinte tópicos abertos no fórum da
disciplina por entender que nesse espaço poderíamos identificar, nas falas dos estudantes, aspectos relacionados às suas
percepções como licenciandos e ainda sobre o papel do arte-educador. Os estudantes foram orientados a ler os textos da
disciplina antes de postarem as suas opiniões nos tópicos.
Amostra: 125 estudantes participantes dos debates nos tópicos do Fórum
Resultados: Tabela 1.

Tabela 1. resultados da análise das postagens dos estudantes nos tópicos do fórum
Dos 125 estudantes participantes
No tópico Opinaram
O arte/educador é percebido como um agente transformador da sociedade 61
No processo de ensino/aprendizagem a arte/educação deve estar vinculada à cultura e à identidade cultural dos sujeitos 34
O professor deve ser um pesquisador 33
O arte/educador é desvalorizado e, em geral, substituído por pessoas sem formação para atuar na área 45

são utilizadas para promover interatividade e apresentam-se no AVA na forma de fóruns e chats. Atividades colaborativas: têm por
objetivo estimular a produção de conhecimento coletivo e são apresentadas aos estudantes na forma de WIKI (produção de textos
coletivamente) e construção de glossário sobre temas relacionados com o conteúdo que está sendo ofertado.
4
UAB2 – agrupamento das turmas que iniciaram no 1º/2009.
5
Fundamentos para os cursos de Formação de Professores em Arte Visuais: diretrizes nacionais, parâmetros regionais e alicerces
translocais, de autoria do Prof.Belidson Dias.
6
MAGALHÃES, Ana Del T. V. “Ensino da arte: perspectiva com base na prática de ensino.” In: BARBOSA, Ana Mae. Inquietações e
mudanças no ensino da arte. São Paulo: Cortez, 2003, e COUTINHO, Rejane G. “A formação de professor de arte.” In: BARBOSA,
Ana Mae. (org.) Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo: Cortez, 2003.

Ida-unB  ■   Programa de Pós-graduação em arte  ■ janeIro/junho de 2009  ■  v. 8  n.o 1  ■ 101


Seção 3 – eduCação e diStânCia

foco 2–IdentIfIcaRaaPlIcaçãoPRátIcadaSteoRIaSdacultuRaVISualnaconStRuçãodadIScIPlIna

Disciplina: história das Artes Visuais I (Paleolítico ao Impressionismo)


Professoras Autoras: Profa Msc. Maria Goretti Vulcão e Profa Msc. Lisa Minardi
Número de alunos: 308 participantes
Disciplina ofertada para estudantes UAB 17/UnB
Fonte dos dados no AVA: Conteúdos ofertados pelas autoras para a realização das atividades da disciplina.
Descrição da fonte: O AVA moodle permite a disponibilização de conteúdos por intermédio de arquivos de texto, imagens,
animações multimídia, entre outros. Na disciplina, foram utilizadas imagens de obras-primas da história da arte, imagens
da arte contemporânea além de sugestões de filmes, história em quadrinhos e ainda fotos. Esses referenciais visuais têm o
objetivo de estabelecer vínculo entre o contexto social e cultural dos períodos estudados e o contexto atual, aproximando os
estudantes do passado por intermédio de visualidades cotidianas.
Resultados: A seguir.

No Módulo I – Paleolítico, Neolítico, Egito e Mesopotâmia – as autoras instigam os estudantes a


enxergarem a sua própria história e a história do lugar onde vivem na proposição da atividade abaixo:

“recriando noSSa hiStória” 
Estamos no ano 50 antes de Cristo. Toda a Gália foi ocupada pelos romanos... Toda? Não! Uma aldeia povoada por irre-
dutíveis gauleses ainda resiste ao invasor. E a vida não é nada fácil para as guarnições de legionários romanos nos campos
fortificados de babaorum, Aquarium, Laudanum e Petibonum...
Por volta do século V antes da era cristã, os povos celtas conhecidos como gauleses, que ocupavam o vale do Reno, inicia-
ram um movimento migratório para o sul, em busca do litoral. Essa expansão ocasionou a delimitação do território que veio a
chamar-se Gália. Esse cenário inspirou a criação dos personagens da trupe de Asterix. o protagonista dos quadrinhos [...], um
baixinho [...], por ser tão imperceptível quanto um sinal de pontuação.
A temática da aldeia gaulesa irredutível resistindo ao invasor romano inspirou-se certamente tanto na resistência francesa
durante a Segunda Guerra quanto no Gaullismo, então corrente (Charles de Gaulle acabara de assumir a presidência da Fran-
ça), algo que certamente contribuiu para a rápida popularidade do personagem. Também naquele momento surgiu a idéia da
poção mágica criada por um druida como explicação para essa resistência. Tudo antes mesmo do personagem ser desenhado!
Eventualmente outros personagens marcantes, entre eles seu inseparável companheiro obelix, se juntariam à série.

Prezados alunos,
Esta atividade exigirá a participação no fórum 01, pois, o debate em grupo, muito pode acrescentar na criação de um
personagem como esse.
Depois de acompanhar o processo de criação de Asterix (se precisar, pesquise mais sobre esse personagem na rede),
crie uma ou mais personagens que esteja relacionado com o contexto histórico e cultural do estado do Acre (ou de São
Paulo, para os alunos do estado de São Paulo) e suas peculiaridades.
Observe atentamente detalhes que possam enriquecer a construção dessa personagem. Busque agregar histórias
pitorescas ou curiosas e, explorando diferentes linguagens visuais (desenho, fotografia, colagem, fotonovela ou a mistura
de diferentes técnicas como fotografia, desenho, pintura etc.) crie sua personagem (ou personagens) construindo/mon-
tando uma pequena tira por uma pequena tira de história em quadrinhos.
Lembre-se que o bom humor e a irreverência podem ser importantes aliados na construção de sua história.

7
UAB1 – agrupamento das turmas que iniciaram no 2º/2007.

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lIcencIatuRaemaRteSVISuaIS–uaB/unB:umaanálISedaSPoSSIBIlIdadeS
emcultuRaVISualSoBaPeRSPectIVadoPenSamentocomPlexo théRèSehofmanngattI&RoSanadecaStRo

No módulo II – Arte Grega e Romana – a discussão do fórum de debates ocorre depois da análise,
feitas pelos estudantes, de uma foto de Sebastião Salgado que está disponibilizada no ambiente acompa-
nhada pela seguinte nota das autoras:

Outro dia, parei estática diante de uma fotografia de Sebastião Salgado. Na imagem, um jovem rapaz de Sahel,
observava o deserto. O corpo esquelético e nu do rapaz expunha a miséria e a fome da África Ocidental, onde a luta pela
sobrevivência obriga a população a migrar em busca de trabalho e comida. O olhar perdido daquele menino sobre a
imensidão do deserto, a árvore seca e a areia provocaram em mim uma imensa sensação de solidão e fragilidade e dor.
Depois de recuperar o fôlego pensei: que bela fotografia!
Como pode ser bela a fotografia de um garoto esquelético e faminto que contempla sua miséria e solidão.
Precisamos compreender a diferença entre o belo e o bonito. A beleza vem da emoção que temos diante de uma obra
de arte, das sensações que nos revelam o olhar do artista. O belo está relacionado tanto a uma emoção, quando aos seus
desdobramentos simbólicos. (grifos do original)

No módulo III - Artes Cristã, Romântica e Gótica – as autoras envolvem os estudantes num fórum de
debates sobre as obras de Márcia X. Mais especificamente sobre o polêmico episódio, em 2006, quando
a obra Desenhando com terços, em exposição no CCBB, foi censurada graças à ação judicial movida pela
Opus Christi contra a instituição bancária responsável por aquele centro cultural.
No estudo do módulo IV – Renascimento – foi proposto um fórum cuja discussão baseava-se em
imagens escolhidas por grupos. Eles deveriam classificá-las como belas e feias. A publicação das imagens
com a impressão dos grupos foi disponibilizada no fórum dando início a atividade. A nota introdutória
afirma o seguinte:

Em nosso estudo sobre a história da arte, nós já nos deparamos muitas vezes com uma grande diversidade de padrões
de beleza. As Vênus paleolíticas, as mulheres girafas da África e as belas e grandes mulheres banhistas de Renoir demons-
tram que o que é belo em uma determinada cultura, pode determinar exotismo e feiúra em outro contexto cultural, ou
em outro tempo histórico.
Estudar essa diversidade nos deixa mais livres para “desconstruir” estereótipos globalizados e visualizar padrões
nacionais e até mesmo regionais de beleza. Com a diversidade de raças existente no Brasil, parece impossível escolher
apenas um modelo para admirar. Infelizmente, a maior parte da sociedade brasileira está ainda muito ligada ao padrão
imposto pelos meios de comunicação, que nega o que é diferente e o rotula como feio. (grifos do original)

No módulo IV – Barroco –, o filme Moça do brinco de pérola foi o escolhido para ser debatido no chat.
Além disso, promoveu-se um fórum de debates sobre preservação do patrimônio:

Nossa discussão dessa Semana será sobre o patrimônio cultural imaterial. Existe um reconhecimento sobre a impor-
tância de promover e proteger a memória e as manifestações culturais representadas por monumentos, sítios históricos
e paisagens culturais, mas a idéia é mais ampla e passa principalmente pelo patrimônio cultural imaterial.
Acreditamos que a cultura de um povo está mais representada nas tradições culturais, nos saberes, manifestações e
folclore, que são recriadas e modificadas coletivamente com o tempo. Essa é a porção intangível da herança cultural dos
povos, chamada de patrimônio imaterial. A idéia é refletirmos sobre isso.
O ambiente da escola exerce um papel importante nesse processo de autoconhecimento e reconhecimento de nos-
sos valores culturais. A idéia é entender a comunidade escolar como um ambiente de reflexão, discussão e interação.
Após a leitura e reflexão sobre o artigo informativo referente a Semana Nacional dos Museus em seu Estado, faça uma
reflexão sobre a história da comunidade onde você está inserido, considerando relatos de antigos moradores e fotogra-
fias que revelem a memória histórica de sua localidade.
— Você acha que um registro público assegura a preservação real de um bem imaterial?

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Seção 3 – eduCação e diStânCia

— Nos relatos e imagens sobre a memória histórica de sua comunidade essa preocupação é aparente?
— Em suas reflexões sobre a preservação da memória histórica você encontrou algum elemento passível de ser
reconhecido como patrimônio cultural imaterial brasileiro?
— Como você poderia abordar esse tema em sala de aula?

No estudo sobre Rococó, módulo VI, as autoras inseriram o filme Shakespare apaixonado no conteúdo.
Esse serviu de norteador para o debate em tempo real, ocorrido num dos chats promovidos pelos tutores com
a participação dos estudantes. Ainda nesse módulo, foram colocadas à disposição das turmas, integradas por
estudantes geograficamente localizados nos estados do Acre e São Paulo, fotos das suas capitais. O texto que
acompanhava essas fotos chamava a atenção dos estudantes para a beleza de seu lugar. O objetivo era motivar os
alunos a identificarem a arquitetura neoclássica nas suas respectivas capitais.

Analisando as imagens de algumas construções da capital do estado do Acre e de [São Paulo], verificamos que a
influência neoclássica é muito presente em nossa arquitetura, sobretudo naquela relacionada à instalação de órgãos
públicos. A partir dessa constatação, desenvolva os seguintes itens: 1) Pesquise a história da construção e da ocupação
dos três (03) prédios acima apresentados. 2) Identifique as características neoclássicas mais marcantes desses edifícios.
3) Elabore uma resenha crítica, destacando os prováveis motivos que levaram seus construtores a escolher projetos com
essas características.

Ainda no módulo 6, ocorreu mais essa atividade de sistematização:

Neste exercício queremos discutir a relação da arte com a ciência na atualidade, pensando no trabalho dos artistas e
dos cientistas apresentados no texto, na história da arte que estamos estudando, no mundo contemporâneo, na nossa
visão desse mundo, na nossa religiosidade, nos instrumentos que a ciência foi capaz de oferecer a humanidade. Diante
de todas essas indagações, percepções e dos elementos do seu cotidiano, elabore um texto (mínimo de 200 palavras e
máximo de 400) sobre a relação entre a Arte e a Ciência.

No último módulo, além da discussão no chat sobre o filme Guerra e fogo, há outro promovido no fórum
que tratou do papel social do artistas a partir das interferências em grafite de Robert Bansky.8

C) FoCo 3 – identificar oS reflexoS doS conteúdoS eStudadoS na Produção de textoS doS eStudanteS a Partir doS FeedbaCkS de aValiação daS tutoraS
Sobre eSSa Produção.

Dados Gerais:
Disiciplina: História da Arte Educação 1
Professores Autores: Prof. Dr. Belidson Dias
Número de alunos: 272
Disciplinas ofertada no 1º/2009 para estudantes da UAB1/UnB
Espaço analisado no AVA: Atividades de Sistematização – duas narrativas críticas e uma narrativa perceptiva.
Descrição: As narrativas críticas e as narrativas perceptivas foram solicitadas aos estudantes como atividades de sistematização,
realizadas individualmente e referenciadas nos conteúdos da disciplina e nas histórias pessoais dos licenciandos.
Amostra: 206 participantes que enviaram as tarefas para o AVA.

8
Suas obras são carregadas de conteúdo social expondo claramente uma total aversão aos conceitos de autoridade e poder. Em telas
e murais faz suas críticas, normalmente sociais, mas também comportamentais e políticas, de forma agressiva e sarcástica, provo-
cando em seus observadores, quase sempre, uma sensação de concordância e de identidade. Apesar de não fazer caricaturas ou
obras humorísticas, não raro, a primeira reação de um observador frente a uma de suas obras será o riso. Espontâneo, involuntário
e sincero, assim como suas obras. (Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Banksy. Acessado em: 04/04/2009)

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lIcencIatuRaemaRteSVISuaIS–uaB/unB:umaanálISedaSPoSSIBIlIdadeS
emcultuRaVISualSoBaPeRSPectIVadoPenSamentocomPlexo théRèSehofmanngattI&RoSanadecaStRo

Resultados: A partir dos Escritos Essenciais, Escritos Integrantes e Estudos de Cultura Visual que disponibilizaram os conteúdos
das disciplinas, os estudantes poderiam construir seus nortes teóricos para a realização das atividades de sistematização propos-
tas pelo autor. Entre elas, duas narrativas críticas e uma narrativa perceptiva. Procedemos com a análise das atividades a partir do
feedback das tutoras sobre os resultados das avaliações.

[Narrativa Crítica 1 – Comando da atividade]:

Descreva um processo formal ou informal de aprendizado em cultura visual (artes visuais, artes plásticas, cultura popu-
lar etc.)  que você vivenciou como aprendiz e que continua a praticá-lo agora na condição de professor. é importante que
você transmita o conhecimento em arte por meio do exemplo do seu próprio fazer.

Tabela 2. resultados das análises dos feedbacks dos tutores para as avaliações da narrativa crítica 1
Feedback das tutoras
Resultados dos objetivos de aprendizagem
Enviaram a tarefa Alcançaram os objetivos propostos
228 25
Principais pontos ressaltados nos feedbacks:
Dificuldade em identificar o processo de ensino/aprendizagem em processos informais de aprendizagem.

[Narrativa Crítica 2 – Comando da atividade]:

Leia atentamente o escrito essencial As academias e o surgimento do Neoclassicismo, de Dulce Osinski e o escrito inte-
grante Apagamentos: ei, ei, ei... cultura o quê? Visual? E as belas-artes, artes plásticas e artes visuais? de Belidson Dias. Depois
desenvolva uma narrativa crítica, com no máximo 3 páginas, sobre as relações existente entre as nomenclaturas existen-
tes no ensino de artes atualmente em relação as academias, e o Classicismo.

Tabela 3. resultados das análises dos feedbacks dos tutores para as avaliações da narrativa crítica 2

Feedback das tutoras


Resultados dos objetivos de aprendizagem
Enviaram a tarefa Alcançaram os objetivos propostos
207 47
Principais pontos ressaltados nos feedbacks:
— Ausência das relações entre as academias e Classicismo, enraizados na nossa cultura educacional, e os reflexos nos currícu-
los em arte/educação.
— Ausência de postura crítica.
— Erro de formatação do texto.
— Ausência de referências bibliográficas.

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Seção 3 – eduCação e diStânCia

[Narrativa Perceptiva 1 – Comando da atividade]:

Leia atentamente o escrito essencial Aprender história do ensino de arte através da realização de histórias de vida, de
Fernando hernandez, Irene Tourinho e Raimundo Martins. Em seguida, tomando como exemplo das aprendizagens de
histórias de vida relatadas no artigo, desenvolva um texto com no máximo 5 páginas em que:

— Reconstrua por meio da memória a sua própria história do Ensino de Arte.


— Coloque a sua experiência como sujeito no centro da narrativa.
— Contextualize o seu posicionamento como sujeito, seja como professore, aluno e educadore em geral.
— Coloque em contexto todo elemento biográfico que é significativo para narrar a história do Ensino de Arte vivida.
— Identifique quais os saberes e prazeres construídos nesse fazer.
— Identifique e analise que vozes e sujeitos são hegemônicos ou ocultos nesse processo.

Tabela 4. resultados das análises dos feedbacks dos tutores para as avaliações da narrativa perceptiva 1
Feedback das tutoras
Resultados dos objetivos de aprendizagem
Enviaram a tarefa Alcançaram os objetivos propostos
175 66
Principais pontos ressaltados nos feedbacks
— Ausência de contextualização e posicionamento como sujeitos, seja como professores, alunos e educadores em geral.
— Dificuldade na identificação e análise das vozes e sujeitos que são hegemônicos ou ocultos nesse processo.
— Ausência de postura crítica.
— Erro de formatação do texto.
— Ausência de referências bibliográficas.

2 as POssiBiLiDaDes Da cULTURa VisUaL nO aVa – cronologicamente distante que convergiam. Essa


DiscUTinDO ResULTaDOs convergência foi provocadora de discussões nos
fóruns e tinham como objetivo estimular o entendi-
A pesquisa realizada demonstra que as três disci- mento do passado a partir do presente e vice-versa.
plinas analisadas apresentam características teóri- Além disso, verificamos que os autores das três
cas e metodológicas que remetem à cultura visual disciplinas buscam mostrar aos estudantes a impor-
bem como à Educação da Cultura Visual. A análise tância do vínculo da produção em arte como parte
identificou sob três focos distintos que as atividades da movimentação histórica e social das culturas.
propostas pelos autores enfatizam as experiências Os resultados, sob os três focos, demonstram, por
visuais cotidianas e estimulam os estudantes a colo- exemplo, a recorrência do exercício do “lugar de
carem-se como sujeitos centrais das suas narrativas. onde se fala”, instigando os licenciandos a buscarem
Identificamos que as disciplinas de história os seus próprios referenciais históricos, sociais e cul-
ultrapassam os limites da arte de elite, inserindo turais. Principalmente, durante a execução das ati-
em seus conteúdos outras visualidades. Na análise vidades da disciplina História da Arte/Educação 1.
da disciplina História das Artes Visuais 1, apresen- Por outro lado, observamos que ainda não existe
tamos nos resultados a aplicação prática do estudo uma reação relevante dos estudantes diante das
da história por intermédio de outras visualidades proposições fundamentadas na cultura visual. No
que não as tradicionais obras de artes dos períodos fórum de debate da disciplina Fundamentos do
abordados. Por intermédio de atividades teóricas e Curso de Arte, por exemplo, os estudantes des-
práticas, os estudantes tiveram acesso a referenciais tacam que o arte/educador pode ser um agente

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emcultuRaVISualSoBaPeRSPectIVadoPenSamentocomPlexo théRèSehofmanngattI&RoSanadecaStRo

transformador da sociedade. Porém, em suas falas, aprendizagem que demanda outro conjunto de
não se colocam nessa condição. Ou seja, afirmamos protocolos além daqueles que usualmente inte-
a partir dos resultados das análises dos tópicos do gram os ambientes presenciais de aprendizagem.
fórum, que há uma dificuldade para que os estu- Não é possível que continuemos, ainda por mui-
dantes se percebam como sendo eles próprios os to tempo, a encarar o moodle como uma ferramen-
futuros agentes. O mesmo ocorre quando citam, no ta para tornar os livros e textos das aulas presen-
mesmo fórum, que o processo de ensino/aprendi- ciais em materiais didáticos atrativos. O AVA é um
zagem deve estar vinculado à cultura e à identidade contexto, com cultura, tempo e espaço próprios
cultural dos sujeitos. Também nesse caso continu- que demanda colaboração, conexão e interativida-
am mantendo-se à margem da discussão. de. O foco, além-conteúdo, deve estar também na
A dificuldade apontada acima volta a ser iden- interação. As sociedades estão caminhando para
tificada nos feedbacks das tutoras da disciplina ser muito mais relacionais que informacionais
História das Arte/Educação 1 (ver Tabelas de 2 a (LÉVY, 1999). Os ambientes virtuais são inerente-
4). Verifica-se que quando solicitados pelos tuto- mente visuais. O ciberespaço é inundado diaria-
res a situarem-se como sujeitos centrais nas suas mente por imagens que contam fatos desde a vida
próprias narrativas, poucos estudantes conseguem privada até os grandes acontecimentos mundiais.
alcançar esse objetivo. Como essas visualidades são tratadas nos AVAs?
Para os que acreditam que a EAD via TIC pre-
3 cOnsiDeRações finais cisa transpor distâncias, alertamos que os meios
Concluímos que, em geral, os resultados alcan- de massa distanciaram os grupos sociais de suas
çados refletem a cultura visual na produção de culturas muito mais que as TIC em termos de
conteúdos e atividades das disciplinas. Porém, o visualidades. As culturas de massa foram constru-
mesmo não foi verificado com relação à intera- ídas sobre a produção de imagens hegemônicas.
ção dos estudantes com os conteúdos propostos. Principalmente no que tange à sua difusão nos
Há uma dificuldade por parte destes em transpor meios de comunicação.
paradigmas estabelecidos desde a sua própria for- Arte/educadores, em suas pesquisas, têm discu-
mação e vivência como estudante. Talvez isso os tido a necessidade de deslocar a formação na área,
impeça de perceber as possibilidades que a cultura essencialmente concentrada no estudo de obras
visual apresenta para a formação do arte/educador primas, para as visualidades contextualizadas nos
e para a sua atuação em sala de aula. Alertamos que cotidianos sociais e culturais. Nesse sentido, a cul-
ainda está muito longe um reflexo que implique tura visual trata, entre outros temas, das ques-
em mudança de postura dos licenciandos. Porém, tões de identidades dos sujeitos. O ciberespaço é
é certo que há um longo trabalho de formação a ser um lugar de simulações e não mais de metáforas,
feito na linha que está sendo proposta pelas disci- ou, ainda, as imagens virtuais não se ocupam em
plinas analisadas. representar, elas auxiliam a simular, afirma Quéau
Além dos aspectos específicos da formação do (2003). As simulações desancoram os sujeitos dos
arte/educador e dos estudos da arte/educação, seus espaços socioculturais, levando-os a confron-
ressaltamos que as possibilidades da cultura visual tar-se com outros sujeitos e em outros espaços e
no ciberespaço não ficam restritas a essa área. Res- culturas.
gatando o que dissemos no início deste trabalho, O estranhamento no encontro com outra cul-
reiteramos que os AVAs são frutos da cibercultura tura é quase que inevitável, alerta Gardner (1999).
(BEHAR, 2009). É fácil perceber que não estamos preparados para
Ampliamos essa reflexão para dizer que é com- lidar com esses encontros. Estamos acostuma-
plicado querer entender aquilo que se passa nos dos, outrossim, com a imposição, sendo muitas
ambientes virtuais a partir de referenciais culturais vezes submissos. Para entender a cultura do outro
baseados em contextos socioculturais modernos. e respeitá-la, precisamos entender primeiro do
Temos ciência de que a cibercultura possui carac- lugar de onde falamos. Precisamos ser locais antes
terísticas próprias e, portanto, é necessário ressal- de sermos globais (QUÉAU,1993). A multicultu-
tar que as TIC possibilitam criar um ambiente de ralidade é uma das facetas da cibercultura e do

Ida-unB  ■   Programa de Pós-graduação em arte  ■ janeIro/junho de 2009  ■  v. 8  n.o 1  ■ 107


Seção 3 – eduCação e diStânCia

ciberespaço (VENTURELLI,2004) e não há como Além de todas essas questões, é importante tam-
entendê-los se desconsiderarmos esse fator. Somos bém perceber a necessidade de atualização do nosso
seres evolutivos e históricos, estamos tentando, há repertório teórico e metodológico para lidarmos de
muito, explicar-nos, e ao mundo, a partir de teorias maneira mais ousada com a concepção e construção
que se baseiam também na História e na evolução. de cursos nos ambientes virtuais de aprendizagem.
Incluindo-se aí o nosso sentido de ver e decifrar o Entendendo-os, sobretudo, como espaços complexos.
que vemos (DEMO, 2005). Entretanto, não na perspectiva de uma complexidade
Diante de tantas questões sobre cultura, reto- que se caracterize em dificuldade, mas como afirma
mamos o que havíamos dito anteriormente sobre o Morin (2003), a complexidade que se propõe como
apoio que a cultura visual pode dar a cibercultura. tessitura, trama, relações e interações.9 ■
A cultura visual amplia o escopo da visualidade.
Ou melhor, por seu intermédio, pode-se conduzir RefeRências
o aprendizado do sujeito sobre o seu lugar, orien-
tando-o na forma de ancorar-se ao seu contexto BEhar, Patrícia alejandra et al.. Modelos pedagógicos em
Educação a Distância. Porto alegre: artmed, 2009.
sociocultural, de modo que ele possa fortalecer
positivamente a sua identidade cultural e aprenda DEMo, Pedro. Éticas multiculturais. são Paulo: Vozes, 2005.
a circular na multiculturalidade do ciberespaço, DruCKEr, Peter. Sociedade pós-capitalista. são Paulo:
lidando positivamente com as diversidades dos Pioneira, 1993.
lugares por onde caminhará. No ciberespaço, o GarDnEr, howard; VEronEsE, Mariana a. V.. Inteligências
sujeito é errante, traça os seus próprios caminhos, múltiplas: a teoria na prática. são Paulo: artmed, 1995.
por intermédio de um número sem fim de links,
_________. Arte, mente e cérebro: uma abordagem
cujas pegadas delineam-se por hipertextos próprios cognitiva. Porto alegre: artmed, 1999.
e quiçá únicos para cada individuo.
Por tudo que foi exposto, sabemos que os desafios _________. Inteligência: um conceito reformulado - o
criador da teoria de inteligências múltiplas explica e expande
são enormes. A proposta de interiorização do ensino suas idéias com enfoque no século XXi. rio de Janeiro:
superior que a UAB traz é mais um desafio a ser objetiva, 2000.
enfrentado. A necessidade de rever conceitos e estra-
LÉVY, Pierre. Cibercultura. são Paulo: Ed. 34, 1999.
tégias é premente. Como já foi dito, as práticas de
ensino que adotamos no presencial não se adequam VEnTurELLi, suzette. Arte: espaço_tempo_imagem. Brasília:
a este novo universo e devem ser reconstruídas. Editora unB, 2004.
As possibilidades de interação e de relacionamento Morin, Edgar. Educar na era planetária: o pensamento
com nossos alunos são outras e bem distintas do complexo como método de aprendizagem pelo erro e
presencial, mas sem deixar de ser intensas. incerteza humana. são Paulo: Cortez, 2003.
Por outro lado os investimentos são altos e hErnÁnDEZ, Fernando. Catadores da cultura visual:
as expectativas de todos os envolvidos também. transformando fragmentos em nova narrativa educacional.
O caminho da UAB recém-começa a ser percorrido Porto alegre: Mediação, 2007.
e nós que somos os atores deste processo, devemos oLiVEira, Marilda oliveira de; hErnÁnDEZ, Fernando. (orgs.).
nos ocupar com questões relativas à adequação das Formação do professor e o ensino das artes visuais.
estruturas físicas, capacitação de recursos humanos, santa Maria: EduFsM, 2005.
atuação em outros estados, com realidades diversas QuÉau, Philippe. o tempo virtual. in: ParEnTE, andré (org.).
da que encontramos na sede da nossa universida- Imagem e máquina: a era das tecnologias do virtual. Trad.
de, além da programação dos recursos financeiros rogério Luiz et. al. rio de Janeiro: Ed. 34, 1993.
necessários às diversas etapas da oferta do curso. 9
Os resultados das tabelas 2, 3 e 4 referem-se a três tarefas, en-
O estímulo para a superação de todas estas ques- tre outras, que integram as atividades avaliativas da disciplina.
tões, entre outras que integram o rol de demandas Portanto, não podem ser utilizadas como parâmetro de análise
para estimativa de aprovação e/ou evasão no grupo. Além dis-
nesta nova proposta do governo, vem da dedicação so, o número de estudantes que alcançou o objetivo de apren-
e tenacidade dos nossos alunos que em condições dizagem, corresponde àqueles que obtiveram nota total ou
adversas algumas vezes, persistem e superam suas até dois pontos abaixo do valor de cada atividade. Os demais
limitações nos impulsionando a fazer o mesmo. estudantes, por não atingirem os valores estabelecidos para a
pesquisa, não foram computados no resultado das tabelas.

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lIcencIatuRaemaRteSVISuaIS–uaB/unB:umaanálISedaSPoSSIBIlIdadeS
emcultuRaVISualSoBaPeRSPectIVadoPenSamentocomPlexo théRèSehofmanngattI&RoSanadecaStRo

aVa – história das artes Visuais 1. Disponível em: http://uab. unb.br/course/view.php?id=202. acesso em 14/04/2009.
unb.br/course/view.php?id=135. acesso em 03/04/2009.
aVa – Fundamentos do Curso. Disponível em: http://uab.
aVa – história da arte/Educação 1. Disponível em: http://uab. unb.br/curse/view.php?id=351. acesso em 14/04/2009

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Seção 3 – eduCação e diStânCia

UM NOVO OU UM MESMO DESAFIO


NO ENSINO DAS ARTES VISUAIS?
S a i n y C . B . Ve l o s o

Resumo
Este artigo apresenta uma investigação da autora e algumas tutoras sobre a experiência pedagógica no exercício
do componente curricular história das Artes Visuais 2, do Curso de Formação Superior a Distância em Artes Visuais,
da Universidade Aberta do Brasil e Universidade de Brasília. A investigação objetiva refletir sobre essa experiência e
a aproximação da história das Artes Visuais com os Estudos de Cultura Visual. Os dados foram colhidos no universo
das trocas participativas dos estudantes e professoras tutoras, no ciberespaço do curso, focando a abordagem
dialética e o caráter ideológico do pensamento bakhtiniano, bem como, a metodologia crítica dos Estudos da Cultura
Visual. As implicações da pesquisa apontam para a compreensão da sala de aula virtual como uma comunidade
ideologicamente constituída por discursos conflitantes, transversos por inúmeras representações hegemônicas;
heterogeneidade de respostas e compreensão dos alunos diante de uma história homogênea; ausência de
caminhos pedagógicos e práticos para a alteração dos paradigmas em sala de aula virtual; a velocidade de ação na
pouca durabilidade do curso não permite maiores aprofundamentos do mesmo; reprodução da exclusão quando
não se dispõe a rever as fendas no processo educativo dos estudantes. Enfim, a eficácia do processo educativo em
ensino a distância depende muito do envolvimento, da competência, da autonomia, da cooperação e espírito de
equipe, além da articulação concatenada entre todos os participantes deste processo.
Palavras-chave: história das Artes Visuais. Ensino a Distância. Educação da Cultura Visual.

Abstract
In this paper a team of tutors and the author investigate a pedagogical experience teaching and supervising a mandatory
course named Visual Arts’ History 2 at the Teachers’ Education Program in Visual Arts, through Distance Education of the
Universidade Aberta do brasil at the Universidade de brasília The goal purpose is to reflect on the aforementioned experience
in Visual Arts’ History and it’s relation to Visual Culture Studies. The data was collected from the students and tutorial
teachers’ participative exchanges’ universe in the course cyberspace, focusing the dialectical and ideological character
of the baktinian thought, as well as the critic methodology of the Studies of the Virtual Culture. The research suggests
the understanding of the virtual classroom as a ideologically consisted community, with conflicting speeches crossed by
several hegemonic representations; heterogenic answers from the students and different levels of comprehension when
confronted with a homogeneous History; absence of pedagogical and practical ways to change the paradigms in the
virtual classroom; the acting speed during the course limited time does not allow to make deep conclusions; reproduction
of the exclusion when not up to review the cracks in the students’ educational process. Nevertheless, the effectiveness of the
educational process in distance education depends largely on the engagement, ability, autonomy, cooperation and spirit
of the team, as well as on the concatenated joint among all the participants of the process.
Keywords: Visual Arts’ History; E- Learning; Visual Culture Education.

O ensinO Da HisTóRia Das aRTes VisUais a DisTância SAINY COELHO BORGES VELOSO é Professora da Facul-
dade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás,

A ceitei com grande desconfiança o convite para


criar o componente curricular virtual Histó-
ria das Arte Visuais 2 e, posteriormente, supervi-
FAV/UFG. Licenciado em Educação Artística pela Facul-
dade de Artes Dulcina de Moraes (1988); Especialização
em Linguagens Artísticas e Educação (1991); Mestra em
sioná-lo. Esse componente curricular faz parte do Artes (1998); e Doutora em história Cultural (2008), pela
Curso de Graduação a Distância em Artes Visuais, Universidade de Brasília. Tem experiência na área de Artes,
da Universidade Aberta do Brasil/Universidade Educação e história, atuando principalmente nos seguin-
de Brasília — UAB/UnB, e foi criado e ministrado tes temas: história da Arte Contemporânea, cultura e
durante o ano de 2008. Desconfiança primeira ensino da arte.
quanto à velocidade do curso a distância, à ideo- sainyveloso@yahoo.com.br
logia e à qualidade do ensino das artes visuais de

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umnoVoouummeSmodeSafIonoenSInodaSaRteSVISuaIS? SaInyc.B.VeloSo

maneira virtual. Durante a construção do curso, é fundamental, hoje, em um curso de formação de


outra dúvida foi acrescida às outras: os tutores e professores.
estudantes compreenderiam a aproximação da
História das Artes Visuais com os Estudos de Cul- RePResenTações, iDenTiDaDe e ensinO
tura Visual?1 Ainda que a vida hoje pareça mais simples pela
O ensino da História das Artes Visuais 2, minis- quantidade e praticidade de recursos, ela é cada vez
trado como ensino a distancia em ambiente moo- mais complexa. As ideologias que permeiam as lin-
dle, foi acompanhado pelos tutores presenciais guagens dessas novas tecnologias — televisão, com-
— nos polos do Acre 2 e São Paulo 3 — e tutores putador, entre outras — são mascaradas por belas
a distância, ou seja, os tutores de Brasília.4 Para imagens e informações, deixando-nos cada vez
ambos, ministrei um breve curso sobre a estrutu- mais confusos a respeito de nós mesmos. O posi-
ração e metodologia desse componente curricular. cionamento persuasivo da cultura midiática impõe
A ementa — não elaborada por mim — voltava-se valores, gostos, atitudes; regula conteúdos, fixa nor-
para as discussões sobre os principais momentos mas e legitima atributos de identidade. Mas, se por
da arte ocidental hegemônica no século XX até um lado, a intensa produção e circulação de ima-
a atualidade. A partir daí defini meus objetivos: gens massificam e alienam, por outro, possibilitam
identificar, no processo histórico hegemônico das também a valorização da identidade coletiva. Isso
representações visuais construídas no século XX indica a construção de um sujeito em permanente
no Ocidente, a produção das obras artísticas, a reconstrução, questionador das representações5
cultura nas quais foram produzidas e as relações sobre si e sobre o outro, assim como fez a estudante
de poderes que as permearam. Era meu intento M. B. M., logo no inicio do curso, ao identificar,
mostrar para aos estudantes que tudo o que é hege- questionar e criticar um sistema de representação e
mônico representa o domínio de um modo de ser construção das identidades:
sobre o outro. Em nossa época, isso significa deter
o poder sobre as linguagens – coisa o que os meios  “Não podemos negar que ainda há quem pense que
de comunicação de massa realizam com grande São Paulo e Rio de Janeiro são melhores que o Acre; Rio
eficiência. Se desejarmos reverter esse quadro, nós Branco é melhor que Cruzeiro do Sul; Mâncio Lima é
precisamos de bastante conhecimento, experiência melhor que a Vila São Pedro; o Bairro x da Vila São Pedro
de aprendizagem, questionamentos e críticas, para é melhor que o Bairro y; fulano é melhor que sicrano. Está
transformar nossas estruturas de pensamento, sen- ou não está presente em nosso inconsciente um pensa-
sibilidades, valores, atitudes e modos de ver. O que mento colonial, hegemônico, e se faz presente em nossa
visão de mundo?” (M. B. M., em 23 de outubro 2008, do
polo de Rio Branco/Acre)
1
Os Estudos da CulturaVisual formam um corpus de conheci-
mentos emergentes na década de 90 do século XX, nos Esta-
dos Unidos e Inglaterra, e não têm o mesmo sentido para os
Parece-me que a estudante está se referindo aos
estudiosos e autores desse campo. Resultaram de um trabalho discursos e sistemas de representações cotidianos
acadêmico proveniente dos Estudos Culturais, questionando como lugares de posicionamento e fala, classifica-
a arte e problematizando o sociocultural. O conceito de cul- tórios, com suas relações organizadas e divididas
tura visual se aproxima do conceito antropológico da visão,
o qual considera os códigos convencionais construídos pelos
(HALL, 2002). A estudante compreende a neces-
sistemas das linguagens na experiência visual da vida cotidia- sidade de se reconhecer “colonizada” para superar
na, nas mídias, representações e artes visuais. Assim, a cultura
5
visual propõe uma investigação como busca de efeitos e afec- As representações que nós fabricamos — de um objeto,
ções causadas na sociedade pelas forças, formas e signos que pessoa, nação, situação, entre outras — são o resultado de
alteram ações, produções e atuações sociais. um esforço constante de tornar familiar o que não compre-
endemos. Elas são uma alternativa de classificação, catego-
2
Acrelândia, Brasiléia, Rio Branco, Feijó, Cruzeiro do Sul, Sena rização e nomeação de novos acontecimentos e ideias, com
Madureira, Tarauacá e Xapuri. as quais não tínhamos contato anteriormente, possibilitan-
3
Barretos e Itapetininga. do, assim, a  compreensão e manipulação destes a partir de
ideias, valores e teorias preexistentes e internalizadas por nós
4
Dentro os quais, conto a colaboração nesta pesquisa de Renée e amplamente aceitas pela sociedade. Por meio delas integra-
G. Simas, Anelise W. Ferreira, Andiara Ruas Simão, Regina mos em nosso mundo mental e físico, enriquecido e transfor-
Maria Madeira de Andrade, Renata Silva Almendra. mado pela recriação subjetiva. (MOSCOVICI, 2003)

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Seção 3 – eduCação e diStânCia

o domínio de um pensamento hegemônico insti- A tutora se refere ao pouco tempo destinado


tuído sobre a base da exclusão e do silenciamento. aos estudos sobre a cultura visual, aproximação
Neste contexto a ideologia é eficaz, porquanto realizada por mim com o campo dos Estudos da
age nos níveis mais rudimentares da identidade e Cultura Visual; à metodologia questionadora e
impulsos psíquicos. Hall afirma que a hegemonia crítica das experiências culturais e cotidianas, abor-
se estende para além das balizas econômicas e dando os regimes escópicos — percepção interior
administrativas. Ela envolve “domínios críticos da imagem — e as práticas culturais da visualidade.
da liderança cultural, moral, ética e intelectual”, A velocidade do curso para os tutores — somente
indicando que ela não se ancora apenas nos apa- quatro encontros de uma hora e meia — e a dura-
relhos do Estado, mas nas relações societais e nas ção do curso para os estudantes, de apenas oito
instituições da sociedade civil (HALL, 2003, p. 311- semanas, foi realmente uma violência. Passamos
17). O autor destaca, no pensamento gramsciano, a sorrateiramente por cima de pontos fundamentais
valoração das crenças populares, da cultura de um a serem aprofundados em razão do cumprimento
povo (a “elevação do pensamento popular”). Elas de prazos, da aceleração extrema do quotidiano, do
são forças materiais, arenas de lutas que devem ser bombardeamento constante de informação. O que
sempre observadas (Hall, 2003, p. 322). Herdei- caracteriza uma arma poderosa de poder e violên-
ros deste pensamento, alguns educadores6 tecem cia invisível exercida através e na velocidade dos
aproximações metodológicas com a educação e meios midiáticos, tal como afirma Virílio (1996).
alertam sobre a importância de questionar “as Nessa velocidade nos esquecemos do que realmen-
práticas de naturalização que hoje circulam e se te é importante. A experiência da aprendizagem
mantêm como dogmas na educação” (HERNAN- requer tempo. Tempo nem sempre cronológico.
DÉZ, 2007, p. 15). Mas sempre uma exigência existencial em suas dife-
Um destes domínios críticos da liderança cultu- rentes individualidades.
ral, moral, ética e intelectual é o espaço de ensino/
aprendizagem, em nosso caso virtual, no qual ainda
TeMPO/esPaçO e sUBjeTiViDaDe na VeLOciDaDe Da açãO
prevalece a visão sobre o conhecimento e sabe-
res perpassada pela idéia de dominação cultural.7 Para o processo de aprendizagem da construção
A dificuldade detectada nos estudantes em perce- de ambientes virtuais é necessário que a prática
ber o caráter excludente, classificatório e por vezes docente elabore um sentimento de pertencimento,
perverso do pensamento binário e hegemônico é uma espécie de identificação do aprendiz com o
também percebida nas professoras tutoras e visivel- tempo/espaço em questão e diferentemente do
mente expressa na fala de Andiara Ruas Simão: espaço-tempo presencial com o qual nos acostu-
mamos. Qual é a percepção do tempo/espaço do
“Precisaria de um tempo maior com a professora autora e estudante? Como ele próprio pode agenciar seu
com os tutores, discutindo os objetivos e a metodologia tempo nesta experiência de aprendizagem? Não
da disciplina antes de iniciar o curso; um período maior seria a fixação de suas próprias metas responsável
com os alunos durante a disciplina também, [...] e o retor- pela construção de um comportamento autônomo
no deles na “aplicação” dos conteúdos apreendidos, em de aprendizagem?
suas comunidades, trabalho, escola, etc.” (Relatório de Verificamos de maneira empírica, na prática
avaliação do curso, 04 de março de 2009) docente, que os estudantes mais eficientes possuem
uma rotina de trabalho de acordo com suas pró-
6
No Brasil cresce o número de educadores e linhas de pesquisa prias necessidades. Elaboram metas, criam prazos
em cultura visual em diferentes estados: Goiás, Rio Grande claros para a execução. Como aprendem isso na
do Norte, Rio Grande do Sul, entre outros.
infância, cada vez mais compreendem a importân-
7
Reproduzindo uma tradição colonizadora européia — e, mais cia de construírem seus próprios conhecimentos e
recentemente, norte-americana. Essa visão, calcada na cons-
trução de uma identidade relacional e hegemônica, se susten-
sentem prazer em tal prática. Por outro lado, o ato
ta na relação nós/outros de maneira excludente e subalterna. de educar na virtualidade em sua veloz realidade
O “nós” corresponde àqueles inclusos dentro do pensamento tempo/espacial pode nos levar a agir sem refletir,
e narrativas dominantes e, consequentemente, os outros são reproduzindo o conhecimento de maneira tradi-
os que não fazem parte do “nós” hegemônico.

112   ■ janeIro/junho de 2009  ■  v. 8  n.o 1  ■  Programa de Pós-graduação em arte  ■  Ida-unB


umnoVoouummeSmodeSafIonoenSInodaSaRteSVISuaIS? SaInyc.B.VeloSo

cional. Nesta prática a ideologia é marcada a “ferro velocidade em superar o analfabetismo, realizar a
e fogo,” e o poder se exerce imperceptivelmente, de inclusão, qualificar professores e elevar o nível de
forma cada vez mais sofisticada. escolarização dos brasileiros. Contudo, o mau uso
Segundo Paul Virilio (1996), com essa veloci- da ferramenta, 11 a pressa em educar e atender a
dade nós chegaremos mais depressa ao destino. demanda de falta de docentes no país, o despre-
O que é algo a se considerar, mas perde-se a pai- paro dos docentes, a quantidade de estudantes por
sagem. Digo que não se perde somente as horas professor-tutor são alguns dos graves entraves ao
de contemplação, mas as de reflexão. Perde-se o processo pedagógico neste tipo de ensino.
tempo da criação subjetiva, o tempo de maturação Ao nos oferecer tempo, a educação a distância
dos sentimentos, das idéias, do prazer, do ques- pode também roubá-lo, representando um atro-
tionamento e crítica de conceitos instituídos, o pelamento no processo educativo do estudante.
tempo de criação artística. A noção de desastre é, constantemente, atrelada
Esta preocupação se encontra direcionada tam- ao tempo/velocidade da ação. Esse processo é bem
bém ao crescimento no Brasil dos cursos de ensino definido em Virílio (1996), quando, metaforica-
a distância. Somente no ano passado, 2,2 milhões mente, nos remete à diferença entre uma carícia e
de brasileiros frequentaram algum curso a distân- um tapa no rosto. Excluída a intenção, o que fica é o
cia.8 Isso significa que, em 2006, uma em cada 80 tempo da velocidade.
pessoas foi usuária da modalidade. De acordo com Neste sentido, posso apontar como exemplo a
o estudo, o número de cursos cresceu 571% e o de experiência da professora-tutora Renée G. Simas
matrículas, 315%, de 2003 a 2006. Em 2005, os alu- com M. R. Segundo Renée,12 “esta aluna apresen-
nos de ensino a distância representavam 2,6% do tou dificuldades na escrita, acarretando também
universo dos estudantes. Em 2006, a participação problemas na compreensão de texto, conceitos e
passou a ser de 4,4%. O censo também mostrou que questões. Mas acompanhou o curso inteiro com
houve um aumento de 8,3% em número de cursos bastante interesse”. A tutora realizou um recorte
no ensino superior e 5% em matrículas. O maior dos diálogos com a estudante: “Oi Renee como é
crescimento foi registrado nos cursos tecnológi- essa galeria 3 não entende. Por favor mim explique”
cos, que tiveram aumento nas matrículas de 34,3%. (M. R. N. de S., polo de Rio Branco/Acre, em 13 de
Neste universo, o sistema Universidade Aberta do outubro 2008, no fórum de notícias). Os sérios pro-
Brasil pretende atender essa demanda e projeta a blemas básicos de leitura e compreensão de texto
oferta de um milhão de vagas até 2010. Somente de M. R. são oriundos do ensino fundamental. Para
este ano, a UAB vai oferecer 60 mil vagas, distribuí- superá-los, a estudante e os professores necessita-
das entre os 292 polos.9 riam retomá-los. Todavia, sem tempo para resgatar
Vemos, portanto, que no Brasil um dos seg- o que deveria ser aprendido e em direção contrária
mentos educacionais que mais cresce é o da Edu- — o acúmulo de novas informações —, M. R. irá,
cação a Distância (EAD).10 O que representa maior após o término do curso, exercer sua função de
professora, legitimada pela Instituição UAB/UnB,
8
Conforme dados do Ministério da Educação e Cultura — com esses mesmos problemas. Como irá formar
MEC. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/ index. novos educandos?
php?option=com_content&view=article&id=8553&cat
id=210>. Acesso em: 04/04/2009. Por outro lado, a paciência, o carinho e a com-
9
petência da professora-tutora Renée não permi-
O que é confirmado pelo Secretário de Educação a Distância
do Ministério da Educação, Ronaldo Mota. O MEC tem boas
tiu que M. R. desistisse do curso e realizasse uma
perspectivas para o ensino a distância no Brasil. Disponível em: última tarefa, a tarefa 4, com competência. Nesta
<http://www.universolivre.srv.br/index.php?option=com_ tarefa, propus uma atividade prática, de leitura
content&view=article&id=81:mec-tem-boas-perspec- visual, confrontando a imagem da Olympia (1863)
tivas-para-o-ensino-a-distancia-no-brasil&catid=35:u-
lnews&Itemid=50>. Acesso em: 04/04/2009.
de Edouard Manet, com a Venus de Urbino (1538),
10
Segundo dados do Censo de Educação Superior de 2006, ensino_a_distancia_1124780.html>. Acesso em 04/04/2009.
divulgados pelo Instituto de Pesquisas Educacionais (Inep), 11
Refiro-me ao uso da ferramenta em toda sua abrangência:
do Ministério da Educação e Cultura — MEC, em 08 de abril técnica, pedagógica, entre outras.
de 2009. Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/
12
educacao/2007/12/19/censo_do_mec_aponta_avanco_do_ Em Relatório de Avaliação do Curso, 02 de março de 2009.

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de Tiziano Vecellio, e o Retrato (1988), de Yasu- Com antecedentes nas ciências antropossociais,13
masa Morimura. Renée avalia que M. R. realizou a conversação espontânea produz uma (co)respon-
uma excelente leitura visual, quando, dentre outros sabilidade. Neste tempo/espaço, cada participante
questionamentos, destacou criticamente a questão se sente sujeito do processo: tanto o tutor quanto
racial, discorrendo sobre a figura do negro atrelada o estudante integram suas experiências, dúvidas
à imagem de serviçal. e tensões, em um processo que facilita o emergir
de sentidos subjetivos no curso das conversações.
a cOnVeRsaçãO nOs fóRUns A experiência do conhecimento é construída em
O tempo/espaço do componente curricular His- uma área de vida dos envolvidos neste processo,
tória das Artes Visuais 2 — categorias básicas da assim como as representações deste momento da
História — se exerceu além da criação do espa- existência em que convergem processos simbóli-
ço e tempo em relação aos objetivos concretos de cos e emoções significativas para os sujeitos. Nos
conhecimento. O espaço transformou-se em um fóruns, a conversação entre o tutor e o estudante
espaço simbólico, portanto, articulador de sentido deve ser um processo ativo, construído com ini-
subjetivo. O objetivo epistemológico era criar uma ciativa, criatividade, paciência e uso de diferentes
dinâmica de conversação por meio dos fóruns, para recursos com as pessoas que apresentam dificulda-
tomar diversas formas e constituir-se como res- des de se envolverem no processo. Entendimento
ponsável pela produção de uma teia de informação imprescindível, porquanto é este o lugar criado
criada pelos participantes. As tutoras Andiara R. pelo sujeito. É nele que ele se situará e é de onde
Simão e Regina Maria A. de Andrade, consecutiva- nos falará.
mente, narram essa experiência: Portanto, é o envolvimento dos sujeitos que deter-
minará essa qualidade, a começar do professor-tutor.
O que nem sempre funcionou nos fóruns, com exce-
“Percebi, durante o trabalho, que quanto mais buscava o
ção de algumas experiências. Uma delas foi a da pro-
diálogo com os alunos nos fóruns, mais eles me respon-
fessora-tutora Andiara R. Simão, com uma média de
diam. Procurei então, dar retornos individualizados. Sem-
960 atendimentos somente nos fóruns.
pre que possível chamando toda a turma para a discussão
Diferentemente de epistemologia que objetiva
de cada colega. [...] eles se sentiram a vontade para falar de
uma resposta, a conversação é dirigida à produção
suas histórias de vida, de sua localidade e trocar comigo
de um conteúdo suscetível de ser significado ime-
fatos de seus cotidianos.” (Relatório de avaliação do curso,
diatamente pelo mesmo artefato que o produziu.
04 de março de 2009)
Nesse sentido, muitos trechos de conversação nos
fóruns são lacônicos, inacabados, tensos, contra-
“[...] A interação do aluno com os recursos e do processo ditórios, traduzindo as mesmas características da
social aluno/aluno, aluno/tutor, tutor/professor autor é um expressão pessoal informal.
processo de troca. Essa interrelação processada no campo
virtual é fator essencial para a eficácia da comunicação. RecRianDO O siGnO e iDeOLOGias
Nós tutores, lidamos com sentimentos variados, o tempo A perspectiva de uma educação a partir da cul-
todo: medos, insegurança, dúvidas, confiança e segu- tura visual situa os professores como mediadores
rança, procurando a melhor forma de ensinar, informar e do conhecimento, quando identificam, refletem,
esclarecer o processo ensino-aprendizagem. A figura do questionam, criticam e criam a partir das pro-
tutor está presente no imaginário do aluno, buscando duções da cultura visual. Dessa maneira, deixam
através da navegação sanar as dúvidas, esclarecer dificul- de reproduzir e transmitir o conhecimento para
dades, solucionar pequenos problemas e incentivando a um público passivo e se transformam em sujeitos
produção da subjetividade. A interação do grupo torna históricos, juntamente com os estudantes, em um
essa troca de experiências de alunos que vivem em dife- processo conjunto de (re)elaboração de experiên-
rentes locais do país muito rica e valiosa para o aprofun- cias. O sujeito histórico é autor no modo de refletir
damento da educação a distância e principalmente para sobre a realidade, sobre o mundo e sobre si mesmo
as Artes Visuais.” (Relatório de avaliação do curso, 07 de
março de 2009) 13
Como em Clifford James Geertz.

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(condição de sujeito). Lembrando que é através da que também arrepiava os cabelos da cabeça, (sic) e que
educação que nos fazemos humanos e históricos, as trago na lembrança, na memória até hoje. Observando
porquanto o fato de ser a educação a apropriação esta imagem tenho sensação do mistério, do mágico, uma
da cultura e sua história nos dimensiona histo- simbologia que não consigo explicar.” (V. R., do polo de
ricamente quando enfatiza a aprendizagem na xapuri/Acre, em 18 de outubro de 2008)
constituição do interesse do indivíduo, assinalando
sua conexão com a coletividade e seu acordo com “[...] Ela lembra a minha cidade natal. quando vi, lembrei
a mudança social, no presente e na rememoração da minha infância em uma pequena cidade do interior da
do passado. Paraíba, onde nasci. O céu azul contrastando com o ama-
Neste sentido, a subjetividade resgata a ação dos relo das casas me causa uma sensação de liberdade e sinto
indivíduos voltada para um sentido do ser, dialo- também, a sensação de caminhar junto com as pessoas
gando com as posições externas. Esta ação se cons- que andam e conversam nas calçadas e rua.” (E. A. S., polo
titui pela reflexão — tomada de consciência sobre si de Rio Branco/Acre, em 13 de outubro de 2008)
mesmo — na interação com os outros. Por sua vez,
o ato político de ensinar implica lançar mão da sub- “Essas cores têm pra mim um grande significado, com
jetividade para refletir e tomar consciência sobre as grande carga de emoção, e me toca de maneira intensa. O
identidades. Assim concebendo, abrimos o compo- espaço urbano em que o tema está inserido também me
nente curricular História das artes Visuais no sécu- remete ao meu universo interno. A imagem me transporta
lo XX, solicitando aos estudantes que escolhessem a um cotidiano peculiar aonde as cores contrastantes
uma das dez imagens — obras de Van Gogh, Juan sugerem uma certa inquietação em um ambiente interio-
Miró, Dan Flavin, Salvador Dalí, Roy Lichenstein, rano, no qual estou inserido. O trem que passa ao fundo
Sol LeWitt, Victor Vassarely, entre outras — dis- sugere um som que concerne a minha cidade, já que havia
ponibilizadas no curso e tecessem relações com por aqui um fluxo de vagões que emitiam seu som pecu-
algum fato de suas realidades ou histórias de vida. liar em vários pontos da cidade. Atualmente não há mais
O objetivo de tal proposta era fazer com que os circulação de trens por aqui.” (N. P. M. J, polo de Barretos,
estudantes tecessem relações com suas histórias de São Paulo, em 13 de outubro 2008)
vida, criando aproximações para a recriação de sen-
tidos, construíssem subjetividades e viabilizassem Dessa maneira, os estudantes iniciaram o curso
novos posicionamentos e atuação profissional. Des- relacionando e construindo seus próprios signifi-
ta maneira, não estariam aceitando passivamente o cados sobre a imagem e não somente aceitando o
lugar “consagrado” a esses artistas pela história da signo com seu valor universal. Por essa via, come-
arte hegemônica. Não estou com isso negando o çamos a compreender a História da Arte Visual no
merecimento desta consagração, mas propiciando século XX, questionando e criticando a hegemonia
aos estudantes um olhar construtor de si, a partir da arte europeia e norte-americana. Estes questio-
da humanidade transposta na qualidade das obras namentos e crítica ressoaram nos diálogos:
apresentadas.
A grande maioria dos estudantes deteve-se na “[...] Uma hegemonia que está ligada diretamente aos con-
obra de Van Gogh Casa Amarela, por se lembra- ceitos de autoritarismo e colonialismo. [...] Essa reflexão
rem das cidades interioranas brasileiras, suas cida- serviu e está servindo para que quebremos nossos precon-
des natais e, segundo a professora tutora Renata ceitos em relação a todas as manifestações artísticas que
Almendra,14 pela familiaridade com a obra de Van existem perto e distante de nós. Serve para que façamos
Gogh, já conhecida em História das Artes Visuais 1, uma desconstrução de tudo que pensamos sobre Arte e
no fragmento do filme Sonhos, de Akira Kurosawa. não tenhamos medo de reconstruir nossos pensamentos;
desvinculados de antigos (e recentes) paradigmas.” (A. G.,
“[...] me faz pensar em sonhos, que tenho para realizar. Traz em 22 de outubro 2008, polo de Rio Branco/Acre)
lembranças da minha infância, quando me contavam his-
tórias que envolvia algo misterioso, que era bonita, mais “Temos realmente a tendência a pensar que existe uma
arte maior que dita o que é certo, o que é belo, o que
14
Ao analisar comigo as respostas dos estudantes. é chic (sic), o que é moda. [...] Nossos comportamentos

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são impulsionados por nossa cultura, pelo que ouvimos socialmente orientados; a linguagem é uma ativida-
e aprendemos com nosso povo. Assim, mesmo que de de constitutiva dos sujeitos e de suas consciências.
forma inconsciente, possuímos atitudes hegemônicas, Assim, na relação dialógica o signo verbal social
visto que somos fruto do presente e de todo passado — a palavra — é o elemento ideológico puro. Ele
da humanidade. O mesmo preconceito também pode transita dialeticamente tanto na infra-estrutura
ser associado à visão de que existe um povo melhor que econômica quanto na superestrutura dos sistemas
outro, um estado melhor que outro, uma cidade melhor ideológicos constituídos. Esta compreensão permi-
que a outra e assim por diante. é o que o Dinho apontou tiu o entendimento bakhtiniano da palavra — signo
em seu comentário como ‘colonialismo’. [...] O poder que — como o resultado das interações socio-histórico-
a arte pode exercer é tão expressivo numa sociedade, verbo-ideológicas. 
tão transformador que, em razão disso não temos uma Nos fóruns, nas atividades e galerias estávamos
política cultural no Brasil. Será que essa quebra de tabus, falando de uma arte hegemônica principalmente
de conceitos e preconceitos que a arte contemporânea concentrada na Europa e nos Estados Unidos da
enfoca tem objetivos claros de ‘sacudir’ com o público, América. No entanto, abrimos possibilidades para
diante da situação cotidiana de letargia e marasmo em os estudantes, tal como demonstraram em suas
que nos encontramos?” (M. B. M. em 23 de outubro 2008, narrativas acima, de se desvencilharem da violên-
polo de Rio Branco) cia do poder de ver. O que significa afirmar que as
práticas de visualização determinam quem tem o
Não obstante os resultados não apontarem para poder de ver, falar a respeito e contar para o outro
a compreensão da maioria dos estudantes e dos o que se vê e como se vê, assim como na História
professores tutores, da proposta de uma Educação das Artes Visuais, hegemônica. Alguns estudantes
em Cultura Visual,15 alguns se aproximaram de suas compreenderam que podem e devem falar de si, de
realidades cotidianas e criaram novos signos pela suas histórias de vida, de sua localidade; produzir
interpretação de um signo hegemônico, em uma construções subjetivas para entendimento de si e
situação dialógica — os fóruns. Para Bakhtin (1997) do outro e assumir responsabilidades sociais em
a palavra — signo — é o material semiótico pri- seus processos formativos.
vilegiado veiculador da ideologia. O signo possui A subjetividade legitima-se por uma produção
a capacidade de refletir e refratar as condições de de sentidos subjetivos que transcende toda a influ-
produção social e histórica presentes no discurso. ência linear e direta de outros sistemas da realidade,
Para o autor, o intercâmbio entre os sujeitos acon- quaisquer que estes sejam. O sentido subjetivo está
tece no processo dialógico, ou seja, na enunciação na base da subversão de qualquer ordem que se
ou em enunciações reais, na relação entre o eu e o queira impor ao sujeito ou à sociedade desde fora.
outro, através da mediação do signo verbal ideo- Deste modo, recriaram a ideologia do signo hege-
lógico. Se, no processo cultural, os indivíduos são mônico, construindo micropolíticas e poderes com
constituídos como sujeitos, no processo de intera- suas diferentes vozes e práticas cotidianas:
ção social, dentro de níveis ou graus de sociabili-
dade, quanto maior for o grau de seus intercâmbios “Atuando como artista e/ou professores, somos obrigados
verbais e imagéticos sociais, maior será o grau de a nos policiar ainda mais durante nossa prática. Precisa-
consciência dos indivíduos. Consequentemente, mos romper com essa postura preconceituosa que atin-
podemos afirmar ser maior o grau de constituição ge a arte e o relacionamento entre os povos. Em algum
dos indivíduos em sujeitos sociais; os sujeitos são momento começou e em algum momento precisa acabar!
Por que não começar agora?” (M. B. M. em 23 de outubro
15
São objetivos da Educação em Cultura Visual: ampliar a com- 2008, polo de Rio Branco)
preensão visual em relação ao cotidiano; mediar saberes artís-
ticos, estéticos e imagéticos valorizados pela cultura tradicio- “[...] eu percebo que o Acre dispõe de produções culturais
nal, bem como os saberes que foram silenciados e saberes que
maravilhosas que infelizmente são pouco divulgadas
podem ser problematizados para questionar preconceitos e
estereótipos; amenizar os obstáculos que atravancam o acesso e valorizadas. O incentivo é quase inexistente, e ainda
e a familiarização cultural; analisar as imagens questionan- vivemos uma época que a produção e apreciação se res-
do as certezas, herdadas do passado, dentre outras (NASCI- tringem a uma pequena parcela da sociedade acreana.
MENTO, 2006).

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Acredito que nós, formadores de opinião na área das der o solicitado. Portanto, não vivenciaram esses espaços
artes, cumpriremos um papel fundamental na mudança de interação. Claro que há exceções e alguns poucos efeti-
dessa realidade.” (E. F. C, em 28 de outubro 2008 - Rio vamente responderam e interagiram com os colegas.”
Branco/Acre).
O que considero não ser exclusividade das práti-
“Aqui em Itapetininga, nosso museu é muito pequeno e cas de EAD. Essa conduta é verificada também nas
infelizmente passa por uma fase em que o prédio precisa práticas de sala de aula presencial. Creio que a pouca
de reformas. Alguns dos objetos, que não são de metais, interação socio-histórico-verbo-ideológica nos fóruns
estão condenados ao extermínio [...] Não seria o caso de e em salas de aulas presenciais ocorre, dentre outras
nos reunirmos, já que somos a primeira turma de estu- variáveis, pelo não entendimento da autonomia e
dantes de artes visuais aqui em Itapetininga e lutarmos responsabilidade dos estudantes propiciadas pelos
pela conservação de todos os meios artísticos que ainda novos meios tecnológicos e de ensino, tal como o
existem aqui na cidade? Vamos refletir juntos sobre isto?” ensino a distancia, em construírem seus próprios
(E. C., em 2 de novembro 2008 - Itapetininga/São Paulo) conhecimentos. Eles ainda se encontram sujeitos à
representação das práticas escolares de modo tradi-
“Como trabalho com a disciplina de Artes no Ensino Médio, cional, como também muitos professores.
meu contato é constante. Meu principal objetivo com este Retomando os ensinamentos bakhtinianos sobre
contato é fazer com os educandos e toda a comunidade a constituição dos indivíduos e seus graus de cons-
reconheça na arte o importante papel que ela tem na for- ciência dependentes de seus intercâmbios verbais e
mação da identidade cultural de nossa região, bem como, imagéticos, abstemo-nos da crença ingênua de que
que ela exerça nos educandos o papel de auxiliadora na as demais vozes se elevam sozinhas e sobrevivem
construção de uma sociedade consciente de seus valores sem teorização e contextualização. Essas vozes, his-
e de sua cultura. [...] é preciso termos consciência que toricamente sufocadas, são muitas vezes por nós
precisamos lutar por nossa história e por nossos valores apresentadas teoricamente, em seus próprios ter-
culturais. As políticas públicas de incentivo à cultura são mos – sem espaços para articulação de narrativas.
importantes porque existem como uma ferramenta para O que o curso de História das Artes Visuais 2 propôs
a produção intelectual e artística de um povo, como tam- realizar quando, ao receber a ementa voltada para a
bém, para a revigoração, manutenção e apoio ao patrimô- História da Arte no século XX, narra a história da
nio artístico e cultural de uma sociedade.” (A. M. F. em 22 de arte hegemônica, não obstante criar espaço textual
outubro 2008 - Cruzeiro do Sul/Acre) para as narrativas contra-hegemônicas e fornecer
suporte conceitual para os estudantes.
“[...] o valor universal disseminado pela Europa determina Outro bom exemplo dessas narrativas foi o tra-
o valor de objetos e materiais, dependendo do grupo balho realizado pela estudante E. S., do polo de
intelectual, sexual e étnico que o produz e cabe a nós, Itapetininga. Ao ser solicitada a identificar, fotogra-
futuros arte-educadores, romper com estas barreiras, far e escrever um exemplo de Arte Pública em seu
mostrar que a arte flui em todos os cantos, de formas cotidiano, narra:
diferentes, em culturas distintas, por várias pessoas, com
opiniões e anseios diversos; e que é isso que faz a arte ser “[...] no caminho do trabalho, à minha direita, enxerguei o
algo tão rico e tão mutável, porém não de forma evoluti- que até então vinha buscando para representação de arte
va ou linear.” (K. C. G. de P., em 23 de outubro 2008, polo pública que procurava: um antigo cemitério chamado São
de Barretos) João Batista, recheado de esculturas, pinturas, arquitetura
imponente e objetos do século xIx. Um verdadeiro museu
Todavia, as professoras tutoras alertaram-me sobre a céu aberto onde qualquer pessoa pode tocar as obras e
a pouca e rasa participação dos outros estudantes, tal tirar fotos!”
como percebemos na fala de Anelise W. Ferreira:
“[...] Vejo a arte pública como uma arte não mercantilista,
“[...] como o curso foi pautado nos fóruns, incentivando a visto que se busca com ela uma forma de arte acessível à
discussão, muitos estudantes não atuaram na disciplina maioria e não da maioria. [...] é intervencionista, por isso
diariamente, entrando apenas algumas vezes para respon- às vezes torna-se corriqueira e passa despercebida. No

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entanto, essa intervenção, seja fixa ou esporádica, provoca ções e artes. O reconhecimento da estudante E. S.
uma interação objetiva e intersubjetiva entre o espectador dos bens culturais e da história de sua localidade
e a obra e faz com que a arte saia do passivo e vá para o é reforçado pela professora-tutora Anelise Ferreira
ativo, deixando de ser apenas contemplação e, para acon- em sua resposta, pontuando sobre a necessidade de
tecer, conta com a movimentação do corpo e do olhar do preservação deste patrimônio cultural.
espectador em um mesmo espaço comum. Arte pública é
o resultado da transposição da experiência artística para o aLGUMas cOnsiDeRações e sUGesTões
espaço urbano, como se fosse ele um agente político, um Não obstante a obtenção de alguns bons resultados
participante convocado, uma testemunha casual ou ape- com o componente curricular História das Artes
nas um participante ignorante daquela intervenção artís- Visuais 2, deixamos de alcançar um maior êxito
tica.” (E. S., em 17 de dezembro 2008, polo de Itapetininga) pedagógico em ensino a distância em decorrência
do grande número de plágio por parte dos estudan-
A partir de então, E. S. começa a documentar tes, evasões, dificuldades de comunicação e acesso à
por meio de fotografia as obras e construções arqui- internet, tutores despreparados e omissos nos polos,
tetônicas dos jazigos dos Cemitérios Municipais livros referenciados que não chegaram aos polos em
São João Batista e Itapetininga, Santíssimo Sacra- tempo hábil, dificuldades e lentidão na resolução de
mento de Paulo. Segundo E. S., eles são: problemas técnicos, baixo nível de leitura e entendi-
mento dos estudantes de alguns polos.
“Recheados de esculturas, pinturas, arquitetura imponen- Estes são problemas que, provavelmente, se
te e objetos do século xIx. Um verdadeiro museu a céu resolverão à medida que o ensino a distância se
aberto onde qualquer pessoa pode tocar as obras e tirar exercite e desenvolva. De todos eles, o mais preocu-
fotos! há especialistas que afirmam ser o cemitério uma pante e emergencial é o baixo nível de leitura e
extensão de nossas casas, pois pinturas, esculturas, arqui- entendimento dos estudantes de alguns polos que
tetura, entre tantos outros objetos, ajudam a contar um continuam sua formação sem recuperar o que não
pouco de nossa história. E isso, em minha opinião, faz com foi aprendido em seu trajeto educacional. Para
que o cemitério seja o único lugar povoado de resquícios atender tal fim, sugiro a criação de cursos de exten-
da cultura e arquitetura do mundo inteiro, devido à gran- são ou complementação de estudo a distância, vol-
de miscigenação de nosso povo.” (E. S., em 17 de dezembro tados principalmente para a Língua Portuguesa
2008, polo de Itapetininga) – leitura, entendimento de texto e gramática. Esses
cursos poderiam, também, ser referenciados como
Em resposta a E. S., a professora-tutora refor- pré-requisitos para todas as disciplinas, os quais
çou a necessidade de reconhecer e preservar “esse acompanhariam o avanço e aprofundamento dos
museu a céu aberto” – História e patrimônio cul- componentes curriculares do curso. Projetados
tural: criteriosamente e integrados no quadro do sistema
educativo, eles incorporariam uma postura mais
“Você fez um excelente trabalho, trazendo um exemplo preventiva do que reativa e poderiam ser reforçados
pouco lembrado. Como você mesmo cita, alguns lugares por atividades avaliativas.
reconhecem o importante acervo de obras que muitos Acredito que a formação de uma equipe de apoio
cemitérios possuem não só no aspecto obra de arte, como multidisciplinar, capacitada pedagogicamente, a
também, pelo que dizem da história e da cultura da comu- qual tivesse experiência suficiente para articular um
nidade. é um patrimônio que deveria ser mais considerado diálogo entre os coordenadores, construtores dos
nos programas de preservação.” (Anelise Ferreira, 19 de componentes curriculares, supervisores, tutores e
dezembro de 2008) apoio técnico, muito iria contribuir com esse tipo de
ensino. Essa equipe mediadora se disponibilizaria a
Percebemos que, nessas trocas, as conversas e os detectar as necessidades e as falhas no processo edu-
posicionamentos se ampliam. Elas são redimensio- cacional dos estudantes e propor soluções; a capaci-
nadas na conversa escrita e neste caso pela imagem tar-se e experimentar novos ambientes de trabalho,
fotográfica, para as práticas culturais, com seus construir um ambiente cooperativo e com alto grau
ritos, artefatos, comportamentos, ações e institui- de coesão nas diversas áreas envolvidas no processo

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de produção de um curso a distância, sugerindo arti- Por último, a análise permitiu-me observar que a
culações entre os componentes; disponibilizar-se-ia eficácia do processo educativo em ensino a distân-
a discutir com os construtores dos componentes cia depende muito do envolvimento, da competên-
curriculares a integração epistemológica, o design e a cia, da autonomia, da cooperação e espírito de equi-
construção da página; buscaria compreender, arqui- pe, além da articulação concatenada entre todos os
tetar e pesquisar intercâmbios sociais dos estudantes participantes deste processo. ■
com os equipamentos tecnológicos.
O olhar externo desta equipe permitiria uma RefeRências BiBLiOGRáficas
maior clareza quanto aos fundamentos epistemo- BaKhTin, M.. os gêneros do discurso. in: ______. Estética
lógicos, pedagógicos, tecnológicos e avaliativos da Criação Verbal. Trad. Maria Ensentina G. G. Pereira. 2a. ed.
empregados, analisando e discutindo com o coor- são Paulo: Martins Fontes, 1997.
denador, o construtor do componente curricular, haLL, stuart. A identidade cultural na pós-modernidade.
o supervisor e os tutores, a melhor proposta educa- rio de Janeiro: DP&a, 7ª. Edição, 2002.
cional e a mais adequada para abordar cada cenário
______. Da diáspora: identidades e mediações culturais.
sociocultural e sua diversidade. in: soViK, Liv (org.). Trad. adelaide La Guardia Et ali. Belo
Como construtora da disciplina e supervisora, horizonte. uFMG/humanitas, 2003.
percebi, no final do curso, a necessidade de con-
hErnÁnDEZ, Fernando. Catadores da cultura visual:
ferências virtuais interdisciplinares, por exemplo, proposta para uma nova narrativa educacional. Porto alegre:
com filósofos, expondo os pensamentos artísticos Ed. mediação, 2007.
e científicos da época, e deste mesmo modo com
MosCoViCi, serge. Representações sociais: investigações
vários outros em diferentes áreas. Essa articulação em psicologia social. Trad. Pedrinho a. Guareschi. rio de
poderia ser tutoriada com exercícios e atividades Janeiro, Vozes, 2003.
que reforçariam a interdisciplinaridade. Do mesmo
nasCiMEnTo, Erinaldo alves do. A cultura visual no ensino
modo, destaco a importância da criação de um de arte contemporâneo: singularidades no trabalho com as
espaço onde os estudantes postassem informações imagens. Boletim virtual arte na Escola, nº 42, julho de 2006.
de suas localidades, o que muitos fizeram dentro Disponível em: http://www.artenaescola.org.br/pesquise_
dos fóruns. Este espaço fortaleceria a base de infor- artigos_texto.php? id_m=50. acesso em 22/03/2009.
mações a respeito de nossa diversidade cultural, ViriLio, Paul. Velocidade e política. são Paulo: Estação
as quais poderiam ser separadas por temáticas. Liberdade, 1996.

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S e ç ã o  4
CiBerCultura, CiBereSpaço 
e Cultura viSual
IMAGENS TéCNICAS: qUESTãO DE VIDA OU
MORTE NO VAzIO SEM DIMENSõES
A l i c e Fát i m a M a r t i n s

Resumo
Neste texto, esboço algumas reflexões sobre a cultura contemporânea, a partir das questões propostas por Vilém
Flusser sobre as imagens técnicas, com ênfase nas profundas transformações pelas quais tem passado nossa
habilidade para criar e pensar, com repercussões significativas em nossa disposição para mudar a nós mesmos e
ao mundo à nossa volta.
Palavras-chave: Imagens Técnicas. Cultura Contemporânea. Vilém Flusser.

Abstract
In this text I present some reflections about contemporary culture, considering the questions argued by Vilém Flusser
about the technical images. The focus is the deep transformations on our ability to create and to think, with consequences
on our desire to change ourselves and the world around us.
Keywords: Technical Images. Contemporary Culture. Vilém Flusser.

J á se vão quase trinta anos. Num domingo à tar-


de, integrando um grupo de primos e amigos,
fui ao Maracanã, no Rio de Janeiro, testemunhar
tavelmente instalada no ambiente doméstico (anco-
rada no meu porto de imobilidade, conforme será
proposto adiante...), pude conferir os principais
mais uma edição do clássico embate entre o Fla- lances do jogo nos noticiários televisivos, compar-
mengo e o Fluminense. Tudo tinha dimensões tilhando animados comentários com os familiares.
extraordinárias: o estádio, a multidão, os ânimos, A essa mesma época, Vilém Flusser indagava-se,
a vibração coletiva, a sonoridade, os odores, as dentre outros assuntos, sobre como as imagens
movimentações. Apenas as nossas estaturas físicas técnicas (dentre as quais, as televisivas, como as uti-
pareciam diminuir ante a grandiosidade do espetá- lizadas para a transmissão da referida partida entre
culo, e a acuidade visual mostrava-se limitada para o Flamengo e o Fluminense) integram as profundas
processar tamanha efusão de informações. Assim, mudanças pelas quais vem passando o homem con-
sentados num ponto mais elevado das arquibanca- temporâneo nos seus modos de estar no mundo,
das, logo constatei que não seria fácil acompanhar de imaginá-lo, de conhecê-lo. Entre entusiasmado
tudo o que se passava no campo, sobretudo quando e advertente, o autor observa: “Somos testemu-
as torcidas manifestavam reações mais acaloradas. nhas, colaboradores e vítimas de revolução cultural
Qualquer distração, e descobria já ter perdido uma cujo âmbito apenas adivinhamos. Um dos sintomas
jogada emocionante. No momento seguinte me dessa revolução é a emergência das imagens técni-
encontrava imersa numa explosão de braços aber- cas em nosso torno” (2008, p. 15). Uma revolução
tos e gritos comemorando o gol, que eu não vira,
feito pelo ídolo contra o adversário, sem direito a
replay e vista de ângulos diversos, em velocidade ALICE FÁTIMA MARTINS PAZ é Pós-Doutora no Programa
normal e câmera lenta. Avançado em Cultura Contemporânea (PACC/FCC/UFRJ),
Se a experiência, como um todo, deixou impres- é Doutora em Sociologia (SOL/UnB), Mestre em Educação
sões marcadamente intensas, à saída do espetáculo (FEd/UnB), Arte-Educadora (Desenho/UnB). Docente per-
levava comigo uma ponta de frustração, sentindo manente do Programa de Pós Graduação em Cultura Visual
falta da sensação de proximidade com os jogadores e do curso de Licenciatura em Artes Visuais (FAV/UFG).
e a bola, propiciada pelas câmeras que transmitiam profalice2fm@gmail.com
o jogo pelas redes de televisão. Mais tarde, confor-

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Seção 4 – CiberCultura, CibereSpaço e Cultura viSual

cultural de tal envergadura só seria possível num sões. Ao apreender os volumes, fixando-os por meio
contexto utópico, com faces tão ameaçadoras quan- da manipulação, o ser humano abstrai a dimensão
to sedutoras, sempre extraordinárias, que acenam, temporal. Para tanto, o uso das mãos é condição
num futuro próximo, para o domínio das imagens primordial na constituição da cultura.
técnicas, capazes de concentrar os interesses exis- Mas as mãos agem orientadas pelos olhos: mãos
tenciais da humanidade. e olhos articulam práxis com teoria, permitindo ao
Vilém Flusser pode ser considerado um pensa- ser humano conquistar a aprendizagem seguinte,
dor outsider, avesso não só ao estilo, mas às con- de grande significado, qual seja “olhar primeiro e
tingências da academia enquanto instância articu- manipular em seguida” (2008, p. 16), para que as
ladora da produção intelectual. Alguns estudiosos imagens produzidas possam servir a ações subse-
consideram que sua obra se perfila aos estudos quentes. Assim, as imagens passam a cumprir o
culturais, pela insubordinação à idéia de fronteiras, papel de fixar visões, abstraindo a profundidade das
dentre as quais as disciplinares, pela pluralidade de cenas, fixando-as em superfícies bidimensionais.
pontos de vista, pela natureza multilinguística de O que significa dizer que a visão é o segundo gesto
seus textos e da própria estruturação de seu pensa- na escalada da abstração, quando o ser humano
mento (ele escrevia em alemão, português, inglês e passa a agir orientado por projetos.
francês, e traduzia sistematicamente seus textos de O esforço para explicar as imagens, para alinhar
uma língua para a outra para ganhar distanciamen- os elementos da superfície das imagens e contá-los
to critico e descobrir novas perspectivas), além da leva à conceituação, o terceiro nível de abstração,
condição de migrante, o que fez dele um pensador cujo resultado é a escritura de textos, unidimensio-
inter, ou antes, transcultural. nais, “séries de conceitos, ábacos, colares. [...] O uni-
Embora seja, frequentemente, referido como filó- verso mediado pelos textos, tal universo contável, é
sofo dos novos meios de comunicação na sociedade ordenado conforme os fios do texto” (2008, p. 17).
tecnológica, as motivações de Flusser não estavam A consciência história e o pensamento científi-
exatamente nos media, mas nos seres humanos, co concebem o mundo segundo essa linearidade
sua habilidade para criar e pensar, para mudar a si lógica, montada com pequenas contas ordena-
mesmos e ao mundo à sua volta. Alguns estudiosos das em fios, as linhas dos textos. No entanto, a
o tem considerado um dos pensadores cuja obra se própria radicalidade com que o homem histórico
perfilaria precocemente aos estudos culturais. agarrou-se ao projeto de alcançar o núcleo do pen-
Importava, por exemplo, compreender as samento conceitual provocou o esgarçamento e o
mudanças, em curso, nos processos de perceber, desfazimento desses fios. Rompidos, deixaram de
abstrair, imaginar, que teriam produzido em mim sustentar as pedrinhas dos colares unidimensio-
a impressão de que a partida de futebol deveria ser nais. Elas, então, espalharam-se em minúsculos
testemunhada não na relação direta com o even- pontos zerodimensionais, não manipuláveis ou ima-
to propriamente dito, mas com a mediação dos gináveis, tampouco concebíveis: apenas calculáveis.
aparelhos produtores de imagem, sugerindo-me Somente por meio de cálculos (Flusser brin-
maior intimidade com as cenas. Provavelmente até ca com o duplo sentido da palavra cálculo, como
demonstrando maior competência para provocar pedra e também como operação matemática), em
emoções em mim. operações abstratas, os pontos podem ser reagru-
O assunto, abordado inicialmente no livro Filo- pados, formando curvas projetadas, imagens téc-
sofia da caixa-preta (2002), foi retomado, de modo nicas, hologramas: simulacros de linhas, planos,
mais aprofundado, em O universo das imagens téc- volumes... Para Flusser, o cálculo e a computação
nicas (2008), no qual desenvolve algumas questões a formam o quarto gesto de abstração, que inaugura a
partir de um esboço provisório para uma história da consciência pós-histórica, de um universo constitu-
cultura, segundo o qual a humanidade encaminha- ído por pontos, grãos, pixels, sem dimensões.
se para níveis cada vez mais radicais de abstração. E o homem pós-histórico deixa de ser orien-
De acordo com esse esboço, inicialmente, o homem tado pela ação, deixa de ser quem faz coisas para
encontra-se imerso num mundo de volumes em tornar-se um jogador: o homo ludens assume o
movimento, em que prevalecem as quatro dimen- lugar do homo faber.

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ImagenStécnIcaS:queStãodeVIdaoumoRtenoVazIoSemdImenSõeS alIcefátImamaRtInS

Em texto datado de 1967, publicado no Suple- a imagem técnica é produzida por gesto que vai do
mento Literário OESP, do Centro Interdisciplinar radicalmente abstrato em busca do concreto, sem-
de Semiótica da Cultura e da Mídia, o autor define pre visando a superfície.
o jogo como um sistema composto por elementos Retomando, assim, a idéia da história da cultura
combináveis de acordo com regras (Flusser, 2009). esboçada inicialmente (modelo provisório cujos
O conjunto dos elementos forma o repertório do limites são apontados pelo próprio autor), é pos-
jogo, e o conjunto das regras corresponde à sua sível sugerir que ela, de fato, não se refira a uma
estrutura. Todo jogo apresenta uma totalidade de sequência de progressos, como se poderia imaginar
combinações possíveis no âmbito do seu repertório, tendo como base o pensamento histórico, tampou-
o que constitui seu universo. co as várias etapas em direção à abstração se deem
Os jogos podem ser fechados ou abertos. de modo contínuo e sequencial. Talvez seja mais
Um jogo fechado tem repertório e estrutura imutá- apropriado imaginar um jogo cujas regras não são
veis, como por exemplo, o jogo de xadrez. Os jogos explícitas, com lances descontínuos, no decorrer
abertos, ao contrário, permitem o aumento ou a do qual da qual se avança em direção à abstração,
diminuição de repertórios, bem como modificações tornando-se progressivamente mais difícil retornar
em suas estruturas. A ciência, as artes, as línguas, ao concreto.
por exemplo, podem ser pensados como jogos aber- Na dança das imagens técnicas, não há lugar para
tos, cuja potencialidade para expansão pode ganhar contraposições entre real e imaginário, verificações
dimensões indefinidas, embora nunca infinitas. entre falso e verdadeiro, distinções entre documen-
Para ser jogador, é condição de participação estar to e projeto: o homo ludens opera no campo das
pronto a aceitar o repertório e a estrutura do jogo, e probabilidades. Suas mãos, também, já não atuam
a brincar com os outros. Também é possível partici- sobre a matéria. As pontas de seus dedos acionam
par em mais de um jogo, o que implica na prontidão teclas que estão por toda parte. As teclas disparam
para abandonar um conjunto de repertório e estru- processos no universo dos pontos, inacessível de
tura para aceitar outro. Ou seja, é necessária uma modo direto à intervenção humana. São elas, as
flexibilidade para a substituição dos conjuntos de teclas, os dispositivos que traduzem o universo dos
regras em pauta. pontos para uma região na qual o homem é a medi-
Ora, o homem pós-histórico é jogador que lida da de todas as coisas.
com probabilidades dentro dos conjuntos de regras As imagens técnicas, portanto, são produzidas
e repertórios dos equipamentos e programas gera- com as pontas dos dedos, por meio de teclas. Estas,
dores das imagens técnicas. Experimenta lances, ao serem acionadas, deflagram, nos aparelhos, pro-
combinações, avanços e recuos estratégicos nesse cessos invisíveis aos olhos humanos, que resultam
jogo aberto que, embora amplo e complexo o bas- no agrupamento dos elementos pontuais, trans-
tante para simular não conhecer limites, é finito em formando-os em superfícies imaginadas. As teclas
possibilidades. fazem parte dos aparelhos programados para execu-
Nesse jogo, as imagens técnicas constituem tar o projeto que já não é passível de execução pelas
questão de vida ou morte, afinal, não se pode mãos humanas, qual seja transferir fótons, elétrons,
viver num universo vazio, dominado pelo vácuo bits de informação para a formação de imagens,
onde os eventos se desintegram, pelo vórtice virtualidades tornadas visíveis. Pois que as ima-
zerodimensional em que o (in)divíduo é atirado à gens técnicas não são superfícies, mas projeção de
condição de plena solidão. É preciso reagrupar os pontos que, reunidos (mas nunca ligados entre si),
pontos para formar superfícies que possam atri- esforçam-se para retornar da zerodimensionalidade
buir significado a esse universo: “As imagens técni- à bidimensionalidade, imaginando superfícies.
cas são represas de informação a serviço da nossa O trajeto do concreto em direção à abstração
imortalidade” (2008, p. 26). corresponde, também, à longa marcha que a huma-
Flusser (2008) chama a atenção para o fato de nidade tem cumprido em direção à imobilidade.
que, ao contrário da imagem tradicional, produzida A esse respeito, Carlos Vogt (2009) chama a aten-
por gesto que abstrai a profundidade das circuns- ção para o fato de que, se a locomotiva foi um
tâncias, indo do concreto em direção ao abstrato, ícone da era moderna, bem como a caravela foi

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Seção 4 – CiberCultura, CibereSpaço e Cultura viSual

um símbolo para o Renascimento das grandes tornando-se redundantes. A redundância esvazia


navegações, a era pós-industrial tem no compu- os diálogos da possibilidade efetiva de criação.
tador o ícone das tecnologias de informação e Nesses termos, o autor reclama a necessidade de
comunicação (TIC). As TICs caracterizam-se por se abrir brechas no interior das redes telemáticas,
acelerar a velocidade do homem no espaço e no nas quais se possam constituir comunidades efeti-
tempo, dotando-o da simultaneidade das imagens vamente dialogais, capazes de fazer com que equi-
e dos simulacros que preenchem os vazios de suas pamentos e programas funcionem em função dos
distâncias e o peso de suas aproximações. Encami- projetos humanos, e não o contrário. Essa seria
nham a humanidade rumo à ubiquidade. Diferen- a condição para que os jogadores pós-históricos,
temente do aventureiro renascentista, o viajante usuários das redes telemáticas, pudessem deflagrar
pós-histórico navega o vazio zerodimensional sem processos capazes de ampliar as possibilidades de
sair do lugar, ancorado no movimentado porto de se conceber e imaginar o mundo.
sua vertiginosa imobilidade. Se a sociedade contemporânea é dispersa, se
Trata-se de um viajante solitário: também ele é os (in)divíduos encontram-se dispersos, e a pos-
um ponto desgarrado dos fios históricos que articu- sibilidade de ligação entre eles é viabilizada pelas
lavam memórias e sentidos para os grupos sociais e imagens técnicas, ocorre que, em sua maioria, os
os eventos. Mas esse viajante solitário é cosmopoli- usuários são funcionários dos aparelhos e dos pro-
ta. Instalado na solidão e imobilidade de seu porto, gramas, na medida em que suas ações são pro-
ele comunica-se com viajantes igualmente imóveis gramadas pelos aparelhos e programas, e não o
e solitários, instalados em portos outros, localiza- contrário. Por exemplo: aparentemente a máquina
dos nas mais diversas coordenadas de uma geogra- fotográfica faz o que o fotógrafo quer que faça, mas
fia intangível. A sociedade pós-histórica é formada “o fotógrafo pode apenas querer o que o aparelho
por uma massa de (in)divíduos solitários interli- pode fazer” (2008, p. 27). Dessa maneira, não ape-
gados, no mundo inteiro, por meio das redes não nas o gesto, mas a própria intenção do fotógrafo é
lineares geradas pelos aparelhos e seus programas. programada. De alguma forma, todas as imagens
Flusser (2008) chama a atenção para o fato de produzidas pelo fotógrafo integram as probabili-
que a atual revolução cultural iniciou-se em mea- dades antevistas por quem tenha calculado o pro-
dos do século XIX, a partir de duas tendências grama do seu equipamento. Ou seja, são imagens
distintas. A primeira tinha em vista a computação previsíveis, prováveis dentro do universo do jogo.
de elementos pontuais sobre superfícies; era o O mesmo vale, além das máquinas fotográficas,
embrião daquilo que recebeu a denominação de analógicas ou digitais, para toda a parafernália
informática. A segunda tendência visava irradiar de equipamentos disponíveis nas prateleiras das
os elementos pontuais, o que veio a constituir a lojas para uma população cada vez mais deslum-
telecomunicação. Nas bases de ambas encontram- brada com as possibilidades tecnológicas ofereci-
se a fotografia e o telégrafo, que surgiram simul- das. Com eles, podem registrar eventos festivos,
taneamente, na tentativa de programar e irradiar momentos especiais, bem como trivialidades de
elementos pontuais. seus quotidianos, para em seguida compartilhar
A telemática é a articulação das duas tendências: com amigos e familiares por meio de redes sociais
a de computar e a de irradiar elementos pontuais da rede mundial de computadores, onde também
radialmente. É desse modo que se tecem fios para podem acessar arquivos os mais diversos dispo-
religar, dialogicamente, todos os (in)divíduos iso- níveis para os usuários, participar de jogos em
lados, os novos navegantes que singram o vácuo. rede, transitar por ambientes virtuais, personali-
No entanto, esses fios são controlados por feixes zar ambiências, criar personagens, projetar identi-
irradiadores. Se é fato que, na pós-História, todos dades, forjar visões de mundo...
podem livremente dialogar com todos, também Para tanto, fotógrafos e demais produtores de
se deve ter em conta que as informações irradia- imagens dispõem de teclas que, acionadas, pro-
das para alimentar os diálogos são armazenadas vocam processos no interior dos aparelhos, e as
em memórias comuns universais. De modo que imagens que imaginaram são realizadas automati-
as informações circulantes tem a mesma origem, camente. No entanto, embora em fluxos cada vez

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ImagenStécnIcaS:queStãodeVIdaoumoRtenoVazIoSemdImenSõeS alIcefátImamaRtInS

mais intensos numérica e qualitativamente, tais mensionais, que significam cenas. Por exemplo,
imagens estão restritas àquelas que os aparelhos um dos argumentos recorrentemente utilizados
lhes permitem imaginar, de acordo com o repertó- em defesa da televisão digital evoca o grau de niti-
rio do jogo, que embora se amplie de modo impres- dez obtido na imagem, que permite ao espectador
sionante, não é infinito. observar até mesmo detalhes da pele de artistas,
Em geral, os produtores de imagens não tem jornalistas, e demais personagens que possam tran-
uma compreensão profunda daquilo que fazem, sitar diante das câmeras. Superando, em muito,
ou dos processos envolvidos naquilo que fazem. a baixa qualidade das transmissões analógicas.
Ora, a preocupação com uma compreensão mais No entanto, a observação cuidadosa dessas
profunda do que se faça denuncia resquícios do imagens transmitidas, bem como das fotografias
pensamento histórico, quando era necessário ter-se digitais, permite constatar os pequeninos pon-
conhecimento e domínio de todas as etapas e pro- tos de que são formadas, aos quais são reduzidas.
cessos na produção da cultura. Na pós-História, Do mesmo modo que uma fotografia analógica
os jogadores não precisam de tal visão profunda. tem suas imagens formadas por pequenos grãos.
Ao contrário. Eles podem desprezar os processos São os grãos, pixels, pontos que se organizam em
que ordenam pontos em imagens, delegando essa planos a formar imagens no écran dos aparelhos
função aos aparelhos, que fazem tudo automatica- de televisão, dos monitores de computadores, e de
mente. Aos jogadores cabe imaginar as imagens e outras mídias.
acionar os aparelhos, determinando que as produ- Ou seja: à visada aligeirada, as imagens técnicas
zam... certos de que os dominam, e que suas inten- parecem planos, mas se dissolvem em grãos e pon-
ções tem autonomia em relação a eles. tos quando observadas em profundidade. A  ques-
Portanto, uma das características das trans- tão está na distância entre a imagem e o espectador.
formações culturais em curso está no fato de que Superficialmente, mostram-se como cenas; para o
os jogadores ignoram o interior dos aparelhos, olhar mais próximo, revelam-se partículas atomi-
das caixas-pretas que manejam. É nesse sentido zadas, “rastros de processos eletromagnéticos ou
que se tornam funcionários dos aparelhos, agin- químicos em ambientes sensíveis” (2008, p. 39).
do em função deles. Nesse contexto, as aprendi- Na capacidade de olhar o universo pontual des-
zagens possíveis são substituídas por programa- de distâncias superficiais, para torná-lo concreto e
ções dos usuários. atribuir-lhe sentido (esta, uma questão de vida ou
Programações em lugar de aprendizagens. Para morte), configura-se a consciência pós-histórica,
Flusser, é preciso utilizar os aparelhos contra os que precisa de aparelhos para imaginar, e para a
seus programas, para se superar a condição de fun- qual a visão profunda revela banalidade, fragmen-
cionários dos aparelhos, colocando-os a serviço do tação e, portanto, ausência de sentido. A ventura
projeto humano. E, provavelmente, a única forma só pode ser encontrada na visão superficial, onde
de fazê-lo seja revelando o seu funcionamento, pulsam a beleza e a sedução.
explicitando os seus programas. O deciframento Configura-se equivocada, assim, a análise das
das imagens técnicas é condição para que se possa imagens técnicas que dirige sua atenção para as
alçar à posição efetiva criadores de imagens, e pro- cenas que supõem mostrar. Não é descrevendo
dutores de sentidos. ou dissecando os elementos visuais compositi-
Essa é uma tarefa desafiadora, pois as imagens vos de uma paisagem ou evento fotografados, ou
técnicas sugerem ser superfícies que significam ainda da construção projetada virtualmente, que
cenas, como as imagens tradicionais. “Elas ocultam torna possível compreender o significado dessas
os cálculos e a codificação que se processaram no imagens. O seu sentido não está naquilo que elas
interior dos aparelhos que as produziram” (2008, pretendam mostrar ao espectador, mas na direção
p. 29). O primeiro passo para o exercício de uma para a qual apontam.
crítica das imagens técnicas é desocultar os seus Nesses termos, as metodologias usualmente ado-
programas. tadas por historiadores da arte e outros críticos e
Inicialmente, a observação aligeirada de uma estudiosos, fundadas no modus operandi do pensa-
imagem técnica mostra planos, superfícies bidi- mento histórico, para analisar e catalogar pinturas,

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Seção 4 – CiberCultura, CibereSpaço e Cultura viSual

painéis, esculturas, desenhos, e outras produções ainda não tomados pela consciência pós-histó-
imagéticas tradicionais, mostram-se incapazes de rica emergente, nem pelas redes telemáticas que
decifrar fotografias, filmes, hologramas, e demais se pretendem onipresentes. E, recorrentemente,
miríades de imagens codificadas por programas sobrepõem-se urgências distintas de projetos diver-
que circulam pelas vias das sociedades contempo- gentes, gerando surpresas e tensões, sinalizando
râneas. Não são competentes para compreendê-las possibilidades efetivamente criativas e instigantes
em sua especificidade e natureza, tampouco nas num ambiente plural de expressões.
visões de mundo que forjam e articulam. Acabam Recentemente, num ateliê, pude testemunhar
por enredar-se naquilo que as imagens técnicas pre- um desses momentos. Estudantes do curso de
tendem, imaginam ser, deixando de considerar o artes visuais organizaram uma exposição com seus
fato de que elas não são espelhos, mas projeções de trabalhos, que incluíam objetos, painéis, dese-
pequenas partículas que apontam sentidos, de den- nhos, móbiles, instalações, além de vídeos e foto-
tro para fora, desde os programas que as codificam. grafias. Ou seja, traziam ao público imagens que
Afinal, as imagens técnicas significam progra- envolviam diferentes níveis de formulação e abs-
mas: suas projeções partem de programas e visam tração: tri, bi e zerodimensionais.
seus receptores. Assim, de alguma forma, o seu Na abertura, foram surpreendidos por um grupo
significado é uma espécie de imperativo que aponta numeroso de estudantes do ensino fundamental,
caminhos a serem seguidos: em excursão ao campus universitário, onde se loca-
lizava o ateliê. Os adolescentes percorreram rapi-
As imagens técnicas significam programas inscritos nos damente o espaço, fotografando os trabalhos com
aparelhos produtores e manejados por imaginadores, eles câmeras digitais e aparelhos celulares, retirando-se
também “programados” para manejá-los. Por detrás de em seguida, para dar sequência ao seu passeio.
todos estes programas co-implicados e conflitivos reside O que tenham apreendido da exposição, o fize-
a intenção de conferir significado a um universo absurdo, ram não na relação direta com o ambiente, mas por
de dar sentido a uma vida em universo absurdo. (FLUSSER, meio dos visores de suas câmeras. A pergunta que
2008, p. 54) [Grifos do autor] deve ser feita a esse respeito é: em que medida seria
o seu propósito ver a exposição? Em caso afirma-
Para não vivermos cegamente em função das tivo, ver como? Ou aquele ambiente contingencial
imagens técnicas, é preciso que decifremos o que não passaria de mero acidente a partir do qual
tais imperativos significam, que descubramos os poderiam usar seus aparelhos para imaginar ima-
seus programas. gens, essa, sim, sua efetiva motivação?...
Oscilando do entusiasmo ao gesto que adverte Provavelmente, mais tarde, atracados na imobi-
frente às transformações em curso, Flusser contra- lidade de seus portos de navegação, esses jogadores
põe dialeticamente duas faces dos cenários prová- tenham retomado as fotografias, descarregando-as
veis que se anunciam em horizontes cada vez mais em seus equipamentos de informática. Talvez, acio-
abstratos. Numa, a cultura desabaria no abismo nando suas ferramentas computacionais por meio
entrópico do tédio, do totalitarismo massificante, de teclas, as tenham modificado, imprimindo suas
tão logo se esgotem os repertórios do jogo em preferências, conforme permitido pelos programas
pauta. Na outra, a sociedade pós-histórica propi- disponíveis para, então, inseri-las em ambientes
ciaria, por meio das redes telemáticas e dos diálo- virtuais, páginas pessoais das redes telemáticas,
gos criativos estabelecidos, o processo de recria- podendo compartilhá-las com outros jogadores-
ção de si mesma. Nesse contexto, todos seriam navegantes pós-históricos, igualmente imaginado-
artistas, não conforme a concepção da consciência res de imagens programadas...
histórica, mas no sentido de que o homo ludens Devo confessar que, por ocasião da abertura
poderia efetivamente criar informação num uni- da exposição, eu também portava minha câmera
verso inebriante de imagens. digital de fotografia. Ante a visita inesperada dos
Porquanto o percurso da cultura seja marcada- adolescentes, assumi a atitude de caçador atribuída
mente não-linear, diversos são os olhares que se por Flusser (2002) a quem fotografa, colocando-me
encontram e se cruzam, e muitos são os espaços na espreita, na busca de capturá-los enquanto rea-

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ImagenStécnIcaS:queStãodeVIdaoumoRtenoVazIoSemdImenSõeS alIcefátImamaRtInS

lizavam suas fotos. Depois, também descarreguei revoadas, enxames, para constituir aparências de
minhas fotografias no computador pessoal, para imagens-superfícies, no árduo esforço de retorno
refletir, a partir delas, sobre o ocorrido. Supondo ao concreto. ■
retornar ao universo dos conceitos unidimensio-
nais da escrita, recorri a algumas leituras, e comecei BiBLiOGRafia
a produzir este texto. Para tanto, transitei entre ras-
FLussEr, Vilém. Jogos. Suplemento Literário OESP, 1967.
cunhos manuscritos e o programa que edita textos Disponível em: http://www.cisc.org.br/portal/biblioteca/
no computador, cujo funcionamento eu viabilizo jogos.pdf. acesso em 21/01/2009.
acionando teclas com as pontas dos meus dedos.
O produto final, que apresento aqui, lido como se __________. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma
futura filosofia da fotografia. rio de Janeiro: relume-
texto fora, é, de fato, imagem técnica que se imagina Dumará, 2002.
texto, e cujo projeto é nos fazer acreditar nisso...
Essa é a ventura do testemunho de um devir, __________. o universo das imagens técnicas. são Paulo:
ou um vir-a-ser-sendo, que ainda não sabemos ao annablume, 2008.
certo... Um tempo em que o mundo carece de sen- VoGT, Carlos. a longa marcha para a imobilidade.
tido, e por isso precisa ser (re)configurado a partir ComCiência: revista Eletrônica de Jornalismo Científico. nº
dos mosaicos sempre impermanentes de pontos 107. Disponível em: http://www.comciencia.br/comciencia/?
sem dimensão que se movem como cardumes, section=8&edicao=45&id=530. acesso em 14/04/2009.

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Seção 4 – CiberCultura, CibereSpaço e Cultura viSual

FICçãO CIENTíFICA VISIONÁRIA &


BIOTECNOLOGIA: DA LITERATURA à BIOARTE
E d g a r S i lv e i r a F r a n c o

Resumo
Esse artigo trata das relações entre a ficção científica (FC) e a biotecnologia, entendendo a ficção científica como
um campo poético explorado por múltiplas linguagens artísticas - desde a literatura, passando pela música e
pelas histórias em quadrinhos e chegando à bioarte. O texto destaca o caráter antecipatório das criações de ficção
científica, pontuando exemplos nas linguagens artísticas abordadas. Apresenta algumas obras emblemáticas da
FC e seus reflexos na tecnociência, para concluir que é possível observarmos na  essência  de muitas das obras
contemporâneas desse campo poético respostas para os questionamentos sobre o destino das imbricações da
espécie humana com a biotecnologia.
Palavras-chave: Ficção Científica. Biotecnologia. Cinema. história em quadrinhos. Bioarte.

Abstract
This article deals with the relation between science fiction and biotechnology where science fiction is taken as a poetic
field explored by multiple artistic languages, from literature, music and comics to bioarts. The paper underlines the
anticipatory character of  science fiction by giving several examples in the quoted artistic languages. Furthermore it
presents some emblematic works of science fiction as a means to show how it becomes manifest within technology
and eventually leads to the conclusion that it is possible to observe in the essence of several contemporaneous works of
such poetic field the answers for questions about the destiny of the relationship between biotechnology and the human
species. 
Keywords: Science Fiction. biotechnology. Cinema. Comics. bioart.

O caráter antecipatório das artes já foi motivo


de múltiplas reflexões, entre elas a do notó-
rio teórico da comunicação canadense Marshall
da Nasa a resolverem problemas de aerodinâmi-
ca dos foguetes. Autores como Julio Verne, H.G.
Wells, George Orwel e Aldous Huxley passaram
McLuhan, que chamava aos artistas de “antenas da a ser lembrados por jornalistas, físicos, biólogos e
raça” ao rememorar Ezra Pound: outros cientistas em artigos acadêmicos que relata-
vam novas descobertas.
O poder das artes de antecipar, de uma ou mais gerações, os Assim aconteceu quando foi noticiado o nas-
futuros desenvolvimentos sociais e técnicos foi reconhecido cimento de Dolly, em 1996. Anunciada como a
há muito tempo. Ezra Pound chamou o artista de “antenas
da raça”. A arte, como o radar, atua como se fosse um ver-
dadeiro “sistema de alarme premonitório”, capacitando-nos EDGAR SILVEIRA FRANCO é artista Multimídia, Doutor
a descobrir e a enfrentar objetivos sociais e psíquicos, com em Artes pela ECA/USP, Mestre em multimeios pela Uni-
grande antecedência. (MCLUhAN, 1969, p. 14-15) camp e professor permanente do Programa de Pós-gradu-
ação (mestrado) em Cultura Visual da Faculdade de Artes
Nessa perspectiva, a literatura de ficção científica Visuais da UFG. Autor dos livros Histórias em quadrinhos e
(FC) revelou, em proféticas e detalhadas descrições, arquitetura e HQtrônicas: do suporte papel à rede internet.
futuros feitos da tecnociência como a viagem à lua, Sua pesquisa de doutorado, Perspectivas pós-humanas
o surgimento dos submarinos e dos computadores nas ciberartes, foi premiada no programa Rumos do Itaú
pessoais. O design arrojado das espaçonaves da Cultural São Paulo; além disso Franco é mentor do projeto
série de histórias em quadrinhos de Flash Gordon, musical Posthuman Tantra.
desenhadas por Alex Raymond na década de 1930, oidicius@hotmail.com
chegou a servir de exemplo para auxiliar projetistas

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fIcçãocIentífIcaVISIonáRIa&BIotecnologIa:dalIteRatuRaàBIoaRte edgaRSIlVeIRafRanco

primeira ovelha clonada, inaugurou uma nova fase para empresas de bioengenharia. Eles foram ape-
da biotecnologia e trouxe à tona diversos ques- lidados de “Cientistas-Frankenstein”, numa alusão
tionamentos éticos e morais suscitados pela clo- ao dr. Victor Frankenstein, personagem do livro
nagem. Nos primeiros dias após a divulgação da de Shelley responsável pela criação do monstro.
experiência, muitos jornalistas, religiosos e cien- O livro propõe, de forma pioneira, até que ponto a
tistas lembraram, aterrorizados, das descrições do ciência pode relevar a ética e desafiar os princípios
escritor inglês Aldous Huxley em seu mais notório da natureza, subvertendo a ordem natural das coi-
romance, Admirável mundo novo, no qual o autor sas; questão recorrente em milhares de obras de FC
apresenta-nos uma sociedade totalitária do futuro distópica posteriores. Também o desfecho da obra
em que as crianças serão concebidas e gestadas em tornou-se um lugar comum em inúmeros trabalhos
laboratório, na forma de clones divididos em castas, de ficção científica que o sucederam, nele a criatura
cada uma delas destinada a finalidades específicas. volta-se contra o criador, demonstrando o posicio-
O termo “clone” foi utilizado na literatura de namento da autora em oposição à onipotência da
ficção científica ainda no ano de 1915, na coletânea ciência. Frankenstein é uma das personagens com
Master tales of mystery by the world’s most famous mais adaptações para o cinema, ultrapassando a
authors of today, editada por Francis Joseph Rey- marca de 110 produções, dentre as quais se desta-
nolds, nos Estados Unidos. Bem antes disso, o cam o clássico de 1921, dirigido por James Whale,
substantivo “clone” surgiu na ciência, no ano de tendo Boris Karloff no papel da criatura, e Mary
1903, quando foi utilizado para batizar grupos de Shelley’s Frankenstein, de 1994, a adaptação mais fiel
plantas exatamente idênticos em sua composição ao romance, dirigida por Kenneth Branagh e com
genética. Mas é na literatura de ficção científica e Robert de Niro no papel do monstro.
posteriormente no cinema que os clones tornar-se- Outro notório autor de ficção científica inglês,
ão notórios. Essa exploração insistente por parte H.G.Wells, escreveu um romance onde previa a
da cultura de massa ao longo do século XX irá possibilidade de hibridizar características humanas
instaurá-los definitivamente no imaginário dos e animais, refletindo sobre as implicações de tais
povos ocidentais. experimentos. A ilha do dr. Moreau foi lançado em
Muito antes da disseminação dos clones na fic- 1896. No livro, Wells narra a história de um cien-
ção científica, outra das mais novas realizações da tista que se isola em uma ilha deserta para realizar
biotecnologia, a criação de seres multifacetados ou experimentos de hibridização de espécies animais
híbridos, já era explorada pela literatura fantástica. com a humana, objetivando a criação de “humanos
O romance Frankenstein, escrito pela inglesa Mary superiores”. Os resultados de seus experimentos
Shelley, em 1816, durante uma noite de insônia – são criaturas bestiais e incontroláveis e, mais uma
tido por muitos estudiosos como o marco inicial vez, como em Frankenstein, o criador é destruído
da ficção científica - nada mais é do que a história por suas criaturas, reforçando a mensagem mora-
da criação de um ser formado pela união de partes lista de que a ciência não deve subverter os limi-
humanas retiradas de diversos corpos. Ainda não tes impostos pela natureza. Dentre as múltiplas
era um híbrido interespécies, mas um ready-made adaptações para o cinema, duas ficaram notórias,
humano – para usar um conceito artístico da con- o clássico de 1933, dirigido por Erle C. Kenton, com
troversa body-artista francesa Orlan, que considera Bela Lugosi no elenco e a versão moderna de John
o corpo um ready-made que deve ser modificado Frankeinheimer, tendo Marlon Brando no papel
para atender às exigências do meio, exigências que do Dr. Moreau. Nesse filme, de 1996, a questão da
vão da ordem estética à biológica. hibridização dos seres é apresentada na forma de
Quando Shelley escreveu Frankenstein, os cien- experiências genéticas, e a dupla espiral de DNA
tistas estavam distantes de desvendar a estrutura é explorada como elemento estético na impressio-
do DNA, no entanto o romance demonstra sua nante sequência de abertura. As possibilidades de
atualidade até os dias atuais, funcionando como hibridização, propostas por Wells em seu clássico
metáfora para ecologistas do Greenpeace batiza- romance, hoje são feitos quase corriqueiros de bio-
rem os biotecnólogos que desenvolvem pesquisas tecnólogos. Esmail Zanjani – professor da Univer-
de hibridização de genes humanos com animais sidade de Nevada, EUA, anunciou em 3 março de

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2007, ao Daily Mail, a criação da primeira ovelha da a partir de sucessivas manipulações genéticas
quimera, um animal com 15% de células humanas e visando a melhoria das características dos filhos da
85% de células animais. classe social mais abastada - que poderá pagar por
A geração de um humano híbrido genético essas modificações. A essa espécie ele dá o nome de
interespécies é também o tema central do clássico “genricos”, e essas pessoas estarão no topo da pirâ-
moderno do cinema de ficção científica A mosca, mide social. A pesquisadora Paula Sibilia faz uma
dirigido pelo polêmico cineasta canadense David aproximação muito pertinente entre os ideais con-
Cronenberg, em 1986. A película conta a história temporâneos de beleza, influenciados pelos avanços
de um cientista envolvido com a criação de um das cirurgias plásticas e pelos vislumbres da tecno-
aparelho que permite teletransportar seres vivos. ciência, e os ideais eugênicos nazistas, GATTACA
Entusiasmado com sua invenção, ele resolve ser poderia funcionar muito bem como metáfora para
cobaia do próprio invento, mas durante sua tele- seus questionamentos:
portação seus genes se unem aos de uma mosca que
havia entrado na máquina sem que ele percebesse. Embora possam parecer exagerados – e algo assusta-
Após sair do aparelho, o cientista passa por uma dores – são inegáveis os paralelismos dessa cosmovisão
transformação gradual, adquirindo as formas e (eugênica) com os sonhos propagados pelas imagens da
hábitos de uma mosca. Trata-se de uma refilmagem beleza e pelas metáforas da saúde que hoje assediam por
baseada na versão de 1958, dirigida por Kurt Neu- toda parte, e a conseqüente incitação ao fitness. Além de
mann, com Vincent Price em um dos papéis princi- se tornar um dos alvos prediletos dos julgamentos e das
pais, no Brasil intitulada A mosca da cabeça branca. condenações morais (o corpo mau), valores capazes de
É importante ressaltar que na película de Neu- hierarquizar categoricamente os indivíduos surgem do
mann a transformação era parcial e imediata, já corpo bom – um organismo investido pelos novos saberes
na versão de Cronenberg a fusão a nível genéti- tecnocientíficos, munidos de todos os gadgets de praxe e
co promove uma deformação lenta e completa da impulsionados pelo sucesso midiático da genética e das
personagem. Mais uma vez as implicações de uma neurociências. (SIBILIA, 2006, p. 274)
hibridização entre humano e animal são represen-
tadas pelo surgimento de uma criatura grotesca e As previsões catastróficas de Lee M. Silver mais
deformada, novamente a transgressão da ciência uma vez nos remetem ao Admirável mundo novo
traz consequências aterradoras. de Huxley, mas a verossimilhança e detalhismo
Um dos filmes mais instigantes a tratar de pos- com que é desenvolvido o filme de Niccol, no qual
síveis implicações futuras da engenharia genética um degenerado tenta burlar as regras eugênicas da
sobre a espécie humana foi GATTACA, produ- sociedade para ser piloto de foguetes, usando como
ção norte americana de 1997, dirigida por Andrew subterfúgio amostras de material genético de um
Niccol, com Uma Thurman e Ethan Hawke no “genrico” que ficou paraplégico, faz-nos questionar
elenco. O filme mostra a humanidade num futuro seriamente a possibilidade dessas previsões virem a
não muito distante, nele as características genéticas tornar-se realidade no futuro. O nome GATTACA,
dos futuros bebês poderão ser manipuladas geneti- foi inspirado pelas iniciais das bases de nucleotíde-
camente, visando a geração de humanos superiores, os que compõem o DNA: Guanina, Adenina, Timi-
criando uma nova forma de eugenia, que desta vez na e Citosina. Mas não só de visões catastróficas
não será baseada na raça ou na cor da pele, mas sim vivem as reflexões especulativas sobre o futuro da
nas características genéticas de cada um, criando manipulação genética, o cientista e futurólogo nor-
uma nova espécie de excluídos: os humanos nas- te americano Freeman Dyson (2001, p. 128) vê essas
cidos a partir de uma relação sexual, batizados no possibilidades de forma positiva. Ele acredita que a
filme de “degenerados”. No prólogo do livro De manipulação reprogenética poderá tornar-se algo
volta ao éden – engenharia genética, clonagem e o tão comum no futuro que as clínicas fornecerão aos
futuro das famílias, lançado também em 1997 nos pais interessados em “programar” seus filhos kits
EUA, o autor Lee M. Silver nos apresenta o vislum- “faça-você-mesmo”, por preços bem módicos.
bre de um futuro muito semelhante ao visto em Ao tratar dos temas clonagem e geração de híbri-
GATTACA, quando surgirá uma nova espécie, cria- dos genéticos em uma mesma película o diretor

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francês Jean-Pierre Jeunet criou um dos filmes mais humano, feito relatado pela empresa de biotec-
contundentes do gênero: Alien ressurection (1997), nologia Clonaid em dezembro de 2002, mas sem
quarta seqüência do notório filme Alien, de Rid- comprovação científica até hoje; e dos diversos
ley Scott (1979), com Sigourney Weaver e Winona seres híbridos que aos poucos vão incorporando-
Ryder no elenco. O filme tem como mote principal se ao nosso cotidiano – a exemplo dos alimentos
a recriação da tenente Ripley, que havia morrido no transgênicos que unem genética animal e vegetal.
filme anterior, através da clonagem de seu DNA, Entretanto, não só das especulações sobre hibridi-
mas o motivo da clonagem é recriar também um zações humanimais vivem as relações entre a FC
espécime do alienígena, já que Ripley estava “grá- contemporânea e tecnociência, alguns trabalhos se
vida” do alien quando se suicidou. A cena mais inspiram em possibilidades diversas de hibridiza-
impressionante do filme é quando a personagem ção homem-máquina, como a da chamada trans-
descobre o laboratório de clonagem da nave, dentro biomorfose – upload da consciência humana para
dele estão conservadas, vivas ou mortas, várias das um chip de computador – proposta pelos integran-
criaturas deformadas que resultaram das tentativas tes do movimento filosófico The Extropy.
de cloná-la, demonstrando que para obter o resul- Para os extropianos, o termo “extropia” é sig-
tado esperado muitos experimentos fracassados nificativo e simbólico, representando uma espé-
tiveram que ser realizados. A sequência parece cie de síntese do movimento científico e filosófico
ser uma citação moralista explícita aos possíveis que nomeia. Ele é usado como uma medida de
perigos de se clonar um ser humano, apresentando informação, inteligência, vitalidade, diversidade,
monstruosidades como resultados de tal emprei- oportunidade e desenvolvimento, opondo-se de
tada. É claro que no filme o DNA de Ripley está forma contundente a um conceito tradicional da
corrompido, pois possui traços do DNA do alien, termodinâmica, a entropia, segundo o qual todos
mas esse fato é até esquecido quando assistimos os sistemas sofrem uma perda constante de energia
à consternação e angústia da personagem diante tendendo à falência/extinção; dessa forma, a extro-
de uma das criaturas resultantes do processo de pia desafia esse princípio, propondo uma expansão
clonagem fracassado, ela sente uma piedade arra- sem limites, da vida e da consciência.
sadora e resolve matá-la, como se estivesse fazendo O movimento The Extropy nasceu na década de
um favor para o clone deformado. Esta é uma das 1980, em Los Angeles, nos Estados Unidos, tendo
mensagens anticlonagem mais viscerais do cinema. como marco inicial o lançamento do número 1 da
Outro filme importante a criar polêmica com seu revista homônima em setembro de 1988. Nos anos
roteiro envolvendo clonagem foi Os meninos do noventa foi fundado o Extropy Institute, pelo Ph.D.
brasil, de 1978, baseado no romance de Ira Levin, Max More, filósofo futurista autor dos princípios
dirigido por Franklin J. Schaffner. A película conta extropianos que funcionavam como documento
com as participações de Gregory Peck – como o central do movimento extropiano, codificando seus
dr. Mengele – e de Laurence Olivier. Relata uma valores e ideais. Em 2006 o The Extropy Institute
experiência de criação de clones do ditador nazista foi desativado, por seus membros acreditarem que
Hitler, visando a reestruturação do Nazismo e cria- ele cumpriu o seu papel e os “extropianos” seus
ção do 4º Reich. Foi aclamado pela crítica e gerou integrantes migraram para outro projeto chamado
discussões sobre as possibilidades aterradoras de Transhuman Arts & Culture. Entre os conselheiros
um experimento real de tal envergadura. de The Extropy Institute, era possível encontrarmos
Em uma observação ampla das produções lite- notórios cientistas como Ray Kurzweil – que tem
rárias e cinematográficas relacionadas à transgenia gerado controvérsias nos meios científicos devido
e à clonagem, percebe-se a predominância de uma a uma de suas teorias segundo a qual prevê que já
visão distópica, pois a maioria das obras apresenta em 2020 os computadores poderão adquirir cons-
essas possibilidades como uma ameaça ao futuro da ciência própria e superar seus criadores humanos;
espécie humana, ou propõem questões polêmicas e Hans Moravec, diretor do laboratório de robótica
sobre ética, moral e religiosidade envolvendo a rea- da Universidade Carnegie-Mellon e autor do, tam-
lização desses experimentos. bém polêmico, livro Mind children: the future of
Como já foi visto o caráter antecipatório das robot and human intelligence, no qual explana sobre
artes narrativas anteviu a criação do primeiro clone assuntos como evolução da inteligência artificial e

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o surgimento de uma nova forma de consciência do desenvolvimento de cyborgs (cérebros humanos


baseada na emergência da vida artificial e na evolu- encapsulados em corpos robóticos), xoxes (cópias
ção de estruturas robóticas multifuncionais. atômicas de seres humanos, clones instantâneos
O princípio-chave da ideologia extropiana, com idêntica estrutura cerebral e mesmas memó-
defendido por Max More, é a “transbiomorfose”, rias), corpsicles (corpos mantidos por criogenia
ou seja, a descarga (upload) da consciência humana na esperança de uma reanimação futura), androi-
em um chip de computador, possibilitando assim a ds (robôs humanóides com cérebros artificiais),
perpetuação infinita da vida, pois segundo os extro- uplifts (animais com o nível de inteligência do
pianos nossa consciência individual é constituída Homo Sapiens devido a mudanças promovidas pela
da ligação sináptica entre os neurônios conectados engenharia genética), HEC (human equivalent com-
por impulsos elétricos específicos que poderão ser puters – computadores equivalentes a humanos),
copiados para um chip de silício com o avanço das HINTs (hyper intelligent nanotech transhumans
investigações neurofisiológicas aliado à tecnologia – humanos que usarão a nanotecnologia para a
computacional, permitindo-nos abandonar o nosso expansão de sua memória, velocidade de processa-
“ultrapassado hardware de carne” e substituí-lo por mento e poder cerebral).
um hardware biomecânico mais sofisticado e de A ficção científica é uma das categorias da cha-
maior desempenho. Esse exemplo radical demons- mada “arte extropiana”, e muitos dos detratores do
tra perfeitamente a base da filosofia extropiana – movimento o acusam de ter todos os seus princípios
expansão sem limites da vida, corpo e consciência, baseados na literatura e no cinema de ficção científi-
aplicando ciência e tecnologia como um meio para ca e não em possibilidades reais dos avanços tecno-
transcender os limites naturais impostos por nossa lógicos que poderão vir a ser proporcionados pela
condição biológica. Como ressalta Max More no tecnociência. É bem verdade que podemos encon-
primeiro dos princípios extropianos: trar dezenas de semelhanças entre o discurso que
estrutura The Extropy e alguns filmes de ficção cien-
Expansão ilimitada: buscando mais inteligência, sabe- tífica – que variam de visões distópicas a utópicas
doria e eficácia, uma duração indefinida da vida, além – como eXistenZ (1999), de David Cronenberg, que
da supressão dos limites políticos, culturais, biológicos trata de uma intrincada exploração dos limites entre
e psicológicos para a auto renovação e auto realização. a estrutura física humana e a tecnologia avançada,
Em constante superação dos obstáculos aos nossos pro- visando atingir novos estados de consciência. Neste
gressos e novas possibilidades. Expandindo-nos pelo filme o diretor está particularmente interessado nos
Universo e avançando eternamente. Desafiamos que o limites entre real e virtual quando conta a história
envelhecimento e a morte devem ser inevitáveis, e perse- de um jogo de realidade virtual que é conectado
guimos um desenvolvimento constante de nossas capa- diretamente ao corpo humano a partir de uma “bio-
cidades intelectuais, físicas e emocionais. Contemplamos porta” – um canal aberto na base da coluna vertebral
a humanidade como uma etapa transitória no desenvol- onde o jogo biotecnológico é plugado. Ao longo da
vimento evolutivo da inteligência. Somos partidários do película os jogadores passam a perder a noção dos
emprego da ciência para acelerar a transição da condição limites entre o que é realidade e o que é ficção, alguns
humana para uma condição transumana ou pós-huma- felizes em viver agora nessa forma virtual tecnológi-
na. Como disse o físico Freeman Dyson: “A humanidade ca de transcendência, outros aterrorizados. Cronen-
me parece um magnífico princípio, porém não a última berg traduz para a narrativa cinematográfica muitas
palavra”. (MORE, 2002) das questões seminais que surgem da relação entre
desenvolvimento tecnológico e condição humana.
Os extropianos são partidários de todas as pes- Fato a ser destacado é que em eXistenZ os projetistas
quisas tecnológicas que podem significar um avan- de jogos são tratados como verdadeiros astros, sendo
ço na longevidade, ou expansão de nosso potencial disputados por grandes corporações e possuindo
físico e psíquico, apoiando indiscriminadamente fãs devotos. Poucos anos depois do lançamento do
aquilo que intitulam de passos em prol da emergên- filme, a indústria dos games norte americana ultra-
cia do Transhomo Sapiens, ou seja, biotecnologia, passou a rentabilidade da indústria cinematográfica;
clonagem, criogenia, inteligência artificial, além já no ano de 2007, o faturamento global da indústria

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de games ultrapassou o da indústria musical – como descritos em Admirável mundo novo de Huxley.
apontou a empresa de consultoria Pricewaterhouse Giger batizou muitas de suas obras com o termo
Coopers (PwC). “biomecanóides”, antecipando uma das tendências
Outras películas que podem ser destacadas nesse em voga na robótica atual, a criação de “biobots”.
contexto de interpenetração orgânico-maquínica Até os músicos de rock têm se dedicado ao tema
são: Passageiro do futuro (1992, Brett Leonard), da clonagem e biotecnologia. A letra da música
Matrix (1999, Andy Wachowski e Larry Wacho- Biotech is Godzilla, do álbum Chaos A.D. (1996),
wski) e O 13º andar (1999, Josef Rusnak), nas quais lançado pela notória banda brasileira Sepultura,
os limites entre universos virtuais e realidade foi escrita pelo polêmico e engajado Jello Biafra
são também explorados; A.I. – inteligência artifi- (ex-integrante do grupo punk norte-americano
cial (2001, Stanley Kubrick & Steven Spielberg), Dead Kennedys). Ela é uma crítica ao que a bio-
O homem bicentenário (1999, Chris Columbus – tecnologia pode vir a criar: monstros como o ícone
baseado no romance homônimo de Isaac Asi- do cinema trash japonês godzilla. Outro grupo de
mov), o cult Blade runner – o caçador de andróides rock brasileiro, chamado Immuno Affinity, trata do
(1982, Ridley Scott) e ainda o clássico 2001 – Uma tema da clonagem em várias das músicas de seu
odisséia no espaço (1968, Stanley Kubrick), que primeiro álbum intitulado Slaves of DNA (2001).
exploram as possibilidades da chamada “singu- Meu projeto de música eletrônica experimental,
laridade” (VINGE, 2003), ou seja, a tomada de Posthuman Tantra, ambientação sonora para meu
consciência por parte das máquinas; já Robocop – universo ficcional biocibertecnológico da “Aurora
o policial do futuro (1987, Paul Verhoeven), Tetsuo pós-humana”, tem explorado poeticamente múl-
(1988, Shinya Tsukamoto) e A geração de proteus tiplas possibilidades dos avanços biotecnológicos,
(1977, Donald Cammell), são algum dos filmes que como no álbum Neocortex plug-in (2007), no qual,
tratam da hibridização homem-máquina e de suas em uma das faixas intitulada Glorification of our
possíveis implicações. nano-techpain (a glorificação de nossa dor nano-
O número de produções tratando dos temas tecnológica), trato das ameaças de uma possibi-
da clonagem, hibridização genética e interpene- lidade tecnológica ligada ao capital: a criação de
tração entre carne-máquina e silício é realmente nano-robôs gerados para erradicação de doenças,
impressionante e o interesse por esses assuntos tem e posteriormente uma produção em larga escala
aumentado vertiginosamente na mídia contempo- – de forma clandestina – de outras espécies de
rânea, ajudando a produzir verdadeiros fenômenos nano-robôs criados para inocular novas doenças e
da cultura de massa recente, como a série Matrix, fazer uma poderosíssima indústria farmacêutica do
e fazendo parte do universo cotidiano das massas futuro lucrar com a venda de “nano-robôs antído-
por se tratarem de temas recorrentes em telejornais, to”, ou seja, trata da alta tecnologia aliada ao velho
novelas, rede internet e jornais impressos. egoísmo humano, a busca cega do lucro que anula
Além da literatura e do cinema, outras lingua- completamente uma visão sistêmica da espécie e do
gens artísticas com base na FC têm também apre- planeta (Figura 1).
sentado reflexões sobre os processos biotecnológi- As histórias em quadrinhos também têm explo-
cos. O artista plástico e designer suíço H. R. Giger, rado continuamente as possibilidades futuras da
responsável pela criação do monstro do filme Alien biotecnologia. De trabalhos notórios da década
(Ridley Scott, EUA, 1979) – que lhe rendeu um de 1980, como a graphic novel Ronin (1983), de
Oscar – parece um entusiasta do tema clonagem, Frank Miller – na qual a arquitetura é viva, uma
produzindo diversas imagens onde bebês grotescos estrutura orgânica auto-replicante, antecipando
e disformes se amontoam em paisagens lúgubres, estudos recentes de formas arquitetônicas criadas
ou ainda criando esculturas viscerais e contun- por processos de computação evolutiva; passando
dentes como Birth machine (máquina de nasci- por trabalhos mais alterativos dos anos 1990 como
mentos), na qual um dispositivo semelhante ao de Black hole – introdução à biologia (1993), de Char-
uma pistola dispara pequenos clones biomecânicos. les Burns, no qual estranhas mutações biológicas
Essa escultura talvez seja uma das versões mais adquiridas começam a afetar os jovens; e chegando
grotesca dos míticos clones produzidos em série a trabalhos mais recentes como WE 3 - Instinto de

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Figura 1: Capa do CD do Posthuman Tantra,


neocortex-Plug-in (Legatus records, 2007),
©Edgar Franco.

Figura 2: Capa do álbum em quadrinhos


BioCyberDrama (opera Graphica, 2003), ©Edgar
Franco e Mozart Couto.

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fIcçãocIentífIcaVISIonáRIa&BIotecnologIa:dalIteRatuRaàBIoaRte edgaRSIlVeIRafRanco

sobrevivência (2005), de Grant Morrison & Frank A “Aurora pós-humana” tem também gerado
Quitely – na qual animais de estimação são utiliza- criações em novas mídias como a HQtrônica (his-
dos em um projeto biotecnológico do exército nor- tória em quadrinhos eletrônica) NeoMaso Prome-
te-americano, que objetiva criar super-soldados. teu, que recebeu menção honrosa no 13º Videobrasil
Também o meu álbum em quadrinhos BioCyber- – Festival Internacional de Arte Eletrônica (2001).
Drama (2003), parceria com Mozart Couto, narra o Ela trata de questões éticas envolvendo a engenha-
dilema de Antônio Euclides, um jovem “resistente” ria genética. No trabalho questiono a visão utópica
que aos poucos vai sendo seduzido pelas promes- e fantasiosa de muitos cientistas que acreditam
sas de vida eterna ou plena oferecidas pelas cultu- que o avanço da ciência está diretamente ligado ao
ras predominantes do meu universo futurista da avanço da humanidade; na história, o personagem
“Aurora pós-humana”: os “tecnogenéticos” – , seres principal é um membro da elite geneticamente
híbridos de humano com animal –, e “extropia- modificada do futuro que compra órgãos artifi-
nos” – ciborgues com a consciência de um humano ciais para transplantá-los em seu corpo; ele o faz
transplantada em um chip. Antônio se depara com não porque precisa, mas sim para que esses órgãos
a grande questão de sua vida, tornar-se extropia- sejam esfacelados por robôs num ritual de auto-
no, tecnogenético ou continuar resistente. Outra flagelação; ele é um masoquista assumido que sen-
revista em quadrinhos a tratar exclusivamente do te prazer com esses atos e, como é muito rico, sem-
tema, é o meu título Artlectos e Pós-humanos, já no pre pode comprar novos órgãos, clonados a partir
número 3 o gibi apresenta HQs curtas ambientadas de suas próprias células. Nesse caso, os órgãos
na “Aurora pós-humana (Figura 2). clonados não são utilizados para auxiliar pessoas
Em meados de 2005, inspirado por reflexões que necessitam e sim para alimentar a tara doentia
sobre a tecnociência e pela poética do “corpo obso- de um membro da elite geneticamente modificada
leto”, que engendra toda a obra do ciberartista aus- do futuro. Outra HQtrônica minha a trabalhar na
traliano Stelarc, criei uma história em quadrinhos mesma perspectiva é BrinGuedoTeCA 2.0(2006);
de sete páginas intitulada Upgrade. Nessa HQ, em esta propõe uma reflexão sobre os caminhos da
um futuro não muito distante, um homem amputa hibridização genética e de sua possível exploração
seus braços e coloca em seu lugar próteses robóticas pelos trustes industriais do futuro, gerando uma
com desempenho superior ao dos membros huma- mudança brusca de comportamento moral e ético
nos, objetivando reconquistar a mulher que ama. que reflete nas crianças (Figura 4).
O trabalho foi publicado no número 1 da revista Outras linguagens artísticas multimidiáticas tam-
Artlectos e Pós-humanos (2006) e trouxe certo cará- bém estão refletindo sobre a biotecnologia. Um bom
ter antecipatório, pois antecedeu a polêmica envol- exemplo é o da artista multimídia norte americana
vendo o paraatleta sul-africano Oscar Pistorius em Natasha Vita-More. Esposa do fundador do movi-
2008. As próteses de fibra de carbono (Cheetah mento Extropy, Max More, ela é autora do Manifesto
Flex-Foot) utilizadas por Pistorius, segundo a Fede- da Arte Extropiana e criadora da obra artística con-
ração Internacional de Atletismo (IAAF), dariam a ceitual que melhor tenta sintetizar os ideais de seu
ele uma vantagem competitiva diante de atletas sem manifesto: Primo Posthuman Plus – proposta radical
deficiência. A luta pelo direito de concorrer ao lado para o design de um corpo pós-humano. Eis um tre-
de atletas “normais” colocou-o entre as cem pessoas cho da descrição de seu “novo corpo”:
mais influentes do mundo no ano de 2008, segundo
lista da revista norte americana Time. Lembrei- O design radical do corpo PRIMO é mais poderoso, com
me imediatamente de minha HQ Upgrade ao ver melhor suspensão e mais flexível – esse corpo oferece uma
a pergunta – instigada pelo caso Pistorius – que performance superior, mais duradoura e um estilo moder-
circulou no site do Instituto de Ética e Tecnologias no. O seu interior expansível vem com um avançado meta-
Emergentes, Conecticut/EUA, se, dada à natureza cérebro e sentidos ampliados. Nosso sistema de comu-
acirrada da competição – caso se aceite a obtenção nicação espinhal criado por nanoengenharia funciona
de “vantagens tecnológicas” –, atletas fariam algo através de uma extensa rede de IA (inteligência artificial)
tão radical quanto substituir seus membros naturais com muitas características opcionais. (VITA-MORE, 2003)
saudáveis por membros artificiais (Figura 3).

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Seção 4 – CiberCultura, CibereSpaço e Cultura viSual

Figura 3: Página da hQ “Upgrade,” publicada na revista


artlectos e Pós-humanos nº 1 (sM Editora, 2006),
©Edgar Franco..

Figura 4: Frame da hQtrônica neoMaso


Prometeu (CD-roM hQtrônicas,
annablume & Fapesp, 2004)
©Edgar Franco.

Figura 5: imagem do processo


de geração de nova criatura
(ao centro) no site de web
arte, baseado em computação
evolutiva, o Mito Ômega
(www.mitomega.com).
©Edgar Franco 2008.

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fIcçãocIentífIcaVISIonáRIa&BIotecnologIa:dalIteRatuRaàBIoaRte edgaRSIlVeIRafRanco

Uma das novas correntes de expressão artística, dizia ser o “autor” das flores-produto de seus expe-
a bioarte, configura terreno profícuo de exploração rimentos. O artista teve a percepção visionária da
dos processos biotecnológicos, tanto como ferra- progressiva incorporação da biotecnologia como
mental de trabalho quanto como deflagradores das campo para investigações estéticas. Uma das obras
reflexões poéticas. A conceituação de bioarte é ain- mais polêmicas e de maior repercussão da trajetó-
da controversa, alguns teóricos incluem nessa cate- ria artística do bioartista brasileiro Eduardo Kac
goria apenas trabalhos que envolvam manipulação foi GFP Bunny (2000), a criação de um mamífero
de vida orgânica, ou seja, bioengenharia, outros transgênico contendo o gene para a produção da
preferem incluir também na categoria de bioarte proteína GFP (Green Fluorescent Protein) encon-
experiências artísticas que envolvam bioinformáti- trada na alga marinha Aequorea Victoria. O artista
ca. Concordo com a classificação de Lucia Santaella conseguiu realizar parte de seu intento ao gerar
(2003) que engloba na categoria de bioarte todos uma coelha transgênica chamada por ele de Alba.
os trabalhos envolvendo algoritmos genéticos, vida No entanto, a completude da obra envolvia a inser-
artificial, robótica que simule sistemas naturais e ção do animal em um ambiente social, Kac queria
manipulação biológica da vida. torná-la uma coelha de estimação no convívio de
A chamada computação evolutiva, baseada em seu lar, mas não pôde fazer isso pelos perigos que o
algoritmos genéticos e redes neurais, é um dos animal representaria à biosfera. Para ele o elemento
importantes campos da bioarte. No site de web- mais importante de sua poética artística não era a
arte O Mito Ômega1 – um work-in-progress inspira- criação de Alba e, sim, a invenção de um “sujeito
do pelo meu universo de FC da “Aurora pós-huma- social transgênico”.
na” e baseado no conceito de evolutionary design2 GFP Bunny motivou dezenas de reportagens nos
definido pelos bioartistas pioneiros Sommerer & mais diversos veículos midiáticos em países dos
Mignonneau (1997) – internautas de todo o mun- cinco continentes, causando polêmica em muitos
do são convidados a interagir com um ambiente deles e dando notoriedade global ao artista. A obra
de vida artificial composto por algoritmos evo- antecipou um controverso fenômeno tecnológico,
lucionários, primeiro mixando seu DNA digital pois no ano de 2002 foram colocados a venda os
metafórico ao de uma criatura mítica previamente primeiros peixes transgênicos fluorescentes, cria-
gerada, e posteriormente acompanhando o pro- dos pelos cientistas da Taikong Corp, da Tailândia,
cesso de reprodução e evolução das criaturas no especializada na criação de peixes ornamentais.
sistema. A obra pretende unir interatividade endó- Os peixes de origem japonesa emitiam luzes neon
gena – das entidades virtuais entre si, e exógena verdes em todo o corpo devido à hibridação com a
– do espectador para com o mundo digital (COU- mesma proteína GFP usada por Kac em suas obras.
CHOT, 2003). O mito ômega, design metafórico da Em 2004 a venda de peixes transgênicos rendeu
criatura síntese de todos os mitos do globo, será a mais de 40 milhões de dólares à Taikong; o merca-
última criatura gestada no ambiente de vida artifi- do de peixes transgênicos conta inclusive com uma
cial, depois de centenas de gerações. O design desse nova empresa, a norte-americana GloFish – que
mito final é algo totalmente imprevisível para os em 2008 apresentava em seu site variedades de
criadores do projeto (Figura 5). peixes ornamentais fluorescentes em tonalidades
Ao tratarmos do campo da bioarte baseado na vermelha e amarela. O objetivo de Kac de levar
manipulação genética da vida, um dos pioneiros para o convívio social sua quimera transgênica, tor-
foi o norte americano George Gessert. Ainda na nou-se realidade dois anos depois de sua polêmica
década de 1980 ele se auto-intitulava “DNArtista”. obra produzir discussões éticas, sócio-culturais e
Seu trabalho consistia na hibridização de plantas filosóficas sobre a criação de seres transgênicos.
criando o design das pétalas e a composição cro- Atualmente já é possível encontrar à venda outros
mática a partir da manipulação genética. Gessert animais de estimação transgênicos, como os gatos
1
antialérgicos da empresa de biotecnologia norte
O Mito Ômega – Url: <http://www.mitomega.com> americana Allerca.
2
No “design evolucionário” o artista não cria as criaturas, sua As reflexões sobre o caráter antecipatório da fic-
forma  depende da interação dos visitantes em seu processo ção científica podem ter outro viés, como o da
evolucionário.

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Seção 4 – CiberCultura, CibereSpaço e Cultura viSual

afirmação do matemático, futurólogo e premiado DYson, Freeman J.. The sun, the genome, and the
autor de FC, Vernon Vinge (2008). Para ele, “a FC é internet: Tools of scientific revolutions. oxford:  oxford
para a humanidade o que o sonho é para o indiví- university Press, 2001.
duo. E você sabe que os sonhos não têm, em geral, KurZWEiL, ray. ser humano versão 2.0. in: Caderno Mais!,
nenhum valor como previsão, mas às vezes geram Folha de são Paulo, são Paulo, domingo, 23 de março de
boas idéias, que não ocorreriam de outra forma”. 2003. p. 4-9.
Já Phillip K. Dick, outro importante escritor de MCLuhan, Marshall. Os meios de comunicação como
ficção científica, desenvolveu a idéia do “desloca- extensões do homem. são Paulo: Cultrix, 1969.
mento conceitual”, para Dick (apud QUINTANA,
MoraVEC, hans P.. Mind children: the future of robot and
2004), os mundos das obras de ficção científica são human intelligence. Cambridge: harvard university Press,
mundos inexistentes criados com base no mundo 1990.
concreto dos autores de ficção científica. Ou seja,
MorE, Max. The Extropian Principles 3.0: a Transhumanist
o mundo fictício criado não é simplesmente uma Declaration. Disponível em: http://www.extropy.org/ideas/
estrutura narrativa que objetiva antecipar quando principles.html. acesso em 08/01/2003.
chegaremos a outras galáxias, ou prever contatos
QuinTana, haenz Gutiérrez. os discursos da ciência na
com alienígenas, ou ainda para apontar quando ficção. in: Revista On-line Com Ciência. Ficção e Ciência, nº
desenvolveremos a tecnologia que possibilitará a 59, outubro. 2004. Disponível em: http://www.comciencia.
criação de seres artificiais inteligentes e afetivos; br/reportage.shtml. acesso em 10/09/2006.
o real objetivo desses mundos é refletir sobre por riFKin, Jeremy. O século da biotecnologia: a valorização
que o homem deseja fazer tudo isso e como as dos genes e a reconstrução do mundo, são Paulo: Makron
conseqüências de tais feitos poderiam afetar a vida Books, 1999.
humana e a biosfera. Assim, esse “deslocamento sanTaELLa, Lucia. o campo controverso da bioarte. in:
conceitual” produz mundos virtuais que são simu- Interatividades – itaú Cultural, são Paulo. Disponível em:
lacros do potencial da tecnociência. http://www.itaucultural.org.br/interatividades2003/paper/
Independente das polêmicas suscitadas por esse santaella.doc. acesso em 23/11/2003.
alegado poder visionário das artes, sobretudo da siBiLia, Paula. o bisturi de software: Como fazer um corpo
ficção científica, é indiscutível o caráter antecipa- belo virtualizando a carne impura?. in: araÚJo, Denize
tório presente nas obras de FC – englobando nes- (org.). Imagem (IR) Realidad. Porto alegre: sulina, 2006, v.
sa categoria desde a literatura até os trabalhos de 1, p. 271-289.
bioarte tratados aqui. Dessa maneira é possível que siLVEr, Lee M.. De volta ao Éden: engenharia genética,
na essência de muitas das obras artísticas contem- clonagem e o futuro das famílias, são Paulo: Mercúrio, 2001.
porâneas possamos encontrar respostas para os soMMErEr, Christa; MiGnonnEau, Laurent. Life Spacies: an
questionamentos sobre o destino de nossas imbri- evolutionary communication and interaction environment
cações com a biotecnologia, o grande desafio está at iCC- nTT Museum, Tokyo, 1997.
em mapeá-las. ■ VinGE, Vernor. Entrevista com Vernon Vinge por andré hax.
in: Capacitor Fantástico, 10 de março de 2008. Disponível
em: http://capacitorfantastico.blogspot.com/2008/03/
BiBLiOGRafia entrevista-com-vernor-vinge.html. acesso em 10/11/2008.
CouChoT, Edmond. A tecnologia na arte: da fotografia à ViTa-MorE, natasha. CREATE/RECREATE: The 3rd Millennial
realidade virtual. Porto alegre: uFrGs Editora, 2003. Culture, Los angeles: Extropy institute, 2000.

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PERCEPTOS E AFECTOS, VOzES E hUBBUB
S u z e t e Ve n t u r e l l i

Resumo
O texto apresenta algumas características de realidade virtual, inteligência artificial e descreve os processos de
criação relacionados aos trabalhos artísticos Perceptos e afectos, Vozes e ruídos, desenvolvidos no Laboratório de
Pesquisa em Arte e Realidade Virtual, do Instituto de Artes da Universidade de Brasília.
Palavras Chaves: Realidade Virtual. Inteligência Artificial. Processos de Criação.

Abstract
This paper presents some characteristics of virtual reality, artificial intelligence and describes the process of creation
of the artworks “Percepts and Affects”, “Voices and Noises” developed at the Laboratory of Research in Art and Virtual
Reality at the Arts Institute of the University of brasilia.
Keywords: Virtual Reality. Artificial Intelligence. Creative Processes.

artefatos tecnológicos. Os modos de representação


inTRODUçãO*
que são usados atualmente vão de imagens bidi-

E m 1986 Jaron Lanier, engenheiro, criou o termo


“realidade virtual”, descrevendo-a como sendo
uma realidade de síntese que poderia ser compar-
mensionais ou textos à imagens tridimensionais,
que são suficientes para permitir a imersão do usuá-
rio na realidade virtual.
tilhada por outras pessoas, apreendida através de A realidade virtual textual, em inglês Text Based
nossos sentidos e pela qual nós poderíamos intera- VR (nos quais os MOO e os MUD são seus princi-
gir, por intermédio de interfaces computacionais. pais representantes), são os mais simples e rápidos
Essa definição é pouco clara para muitas pessoas, nas redes de comunicação. Para muitos artistas, a
tanto pela implicação tecnológica que a RV traz RV é interessante principalmente por que ela per-
quanto pela fenomenologia da subjetividade que mite que vivenciemos coisas que jamais poderiam
pode ser vivida quando se está inserido nas suas ser experimentadas na realidade física (OTT, 2002).
avançadas interfaces homem-máquina. A tecnolo- O termo “realidade virtual”, desde que surgiu,
gia da realidade virtual procura alcançar um alto tem implicado conceitualmente no aparecimento
grau de realismo que somente são possíveis em de outros termos originais, tais como espaço vir-
função de poderosos computadores, dos recursos da tual, mundo virtual, ambiente virtual, ambientes
linguagem de programação, da escolha e da concep-
ção da RV. A preocupação com o realismo às vezes
oculta aspectos importantes da RV. A maioria dos
mundos virtuais que é criado com a tecnologia da SUZETE VENTURELLI é Doutora em Artes e Ciências da
RV procura estar bem próximo da realidade física, Arte pela Universidade Sorbonne Paris I, em 1988 e um
buscando acentuar um certo mimetismo possível de seus mestrados é em histoire de l’Art et Archeologie
de ser conseguido com a tridimensionalidade da na Universite Montpellier III -Paul Valery, França, em 1981.
imagem. é a atual Diretora do Instituto de Artes da UnB, Professora
Para alguns autores a RV é, antes de qualquer associado 1 do VIS/UnB e Pesquisadora do CNPq - Nível 1C.
coisa, uma construção mental do observador face às Participa de congressos e exposições com ênfase na rela-
simulações sensoriais que lhes são fornecidas pelos ção da Arte com a Ciência da Computação e Tecnologia
de Comunicação. Sua produção científica, tecnológica e
*
Trabalhos elaborados com a participação de bolsistas artística envolve a Arte Computacional, Arte e Tecnologia,
do CNPq: Fabrício César Ferreira Anastácio, Geraldo Realidade Virtual, Mundos Virtuais, Animação, Arte digital,
Alves, Jansen Lira Rojas e Leon Sólon da Silva, reali- Ambientes Virtuais e Imagem.
zados em 1999, no Laboratório de Pesquisa em Arte e suzetev@unb.br
Realidade Visrtual.

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 semestre  2008  ■  v. 9 
/junho de 2009   2  ■ 139
. 8  n.o 1 
. 7 
Seção 4 – CiberCultura, CibereSpaço e Cultura viSual

multiusuário, ambientes compartilhados, ambientes


imersivos, interfaces, agentes, avatares etc.

O siGnificaDO Da ReaLiDaDe ViRTUaL PaRa a aRTe


Para a arte o termo “realidade virtual” tem desig-
nado os mundos alternativos computacionais com
os quais interagimos por meio de diferentes tec-
nologias. A realidade virtual implica sempre numa
imersão sensorial seja ela qual for. O termo “am-
biente virtual”, embora criado como sinônimo de
realidade virtual pelos engenheiros do MIT em 1990,
para os artistas têm significado um sistema artificial,
específico composto por espaços, objetos, agentes,
avatares, sons nos quais imergimos e que foi criado
com a tecnologia da RV. Mundo virtual tem sido Figura 2. Gamearte hubbub de ©suzete Venturelli
usado como sinônimo de ambiente virtual, enquanto
que espaço virtual é o lugar metafórico sugerido pela perceptivos e sensoriais no controle de simulações
RV. O espaço virtual implica numa certa organiza- visuais que se quer fornecer ao observador. Por
ção espacial, topológica entre os diferentes objetos. exemplo, a obra Equilibrista apresentada no ISEA
De certa maneira, pode ser visto como uma constru- 2000, em Paris, por Marie Helene Tramus, Michel
ção física dos usuários. Bret e Edmond Couchot, com a qual o usuário inte-
Os artistas se interessam também pelos recursos rage por meio de uma barra conectada ao computa-
tecnológicos da RV para a criação de ambientes vir- dor, com um agente artificial que se equilibra sobre
tuais monousuário e/ou multiusuário. A diferença uma corda, mostra como podem ser confrontadas
é que a RV monousuário é vivida somente por uma as simulações, incluindo a inteligência artificial,
com a RV.
Ao mesmo tempo em que consideramos a obra
desses artistas como arte, ela também pode ser
apreciada como uma visualização científica, na
medida em que está se estudando e aplicando con-
ceitos de inteligência artificial e teorias cognitivas
espaciais que isolam a visão dos outros sentidos.

as POéTicas DiGiTais PeRcePTOs e afecTOs, VOzes


e HUBBUB
Para muitos autores, dentre eles Jean-Louis Weiss-
berg, em função da velocidade e poder de cálculo
dos computadores podemos dar mais capacida-
de ao corpo humano no que concerne o seu au-
tomatismo, controle à distância e comunicação.
Figura 1. Gamearte hubbub de ©suzete Venturelli Podemos ainda dar mais poder ao espírito humano
na sua simulação, resolução de problemas de todo
pessoa, enquanto que a multiusuário, além de ser tipo, mesmo os mais íntimos, ou, ainda, de memó-
vivida simultaneamente por vários usuários, as suas ria. Vivemos uma realidade que é o resultado de
ações podem modificar para os outros o mundo centenas de anos de estudos sobre o corpo humano
que está sendo vivenciado coletivamente. na sua completude.
Um dos pontos mais interessantes para a arte, Buscando conhecer profundamente o corpo,
na minha opinião, é que esta tecnologia pode ser pesquisas científicas nas áreas da ciência da
usada com a finalidade de se constituir aspectos computação e da biologia já podem simular alguns

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PeRcePtoSeafectoS,VozeSehuBBuB SuzeteVentuRellI

aspectos dos seres vivos. De certo modo, a simu- Baseado na teoria conexionista, Félix Guattari
lação tornou o seu criador simbolicamente muito vai elaborar as suas reflexões sobre o surgimento de
poderoso. Esse poder se deve, principalmente, às um novo paradigma estético. Para o autor, o novo
novas teorias das ciências cognitivas que muito paradigma estético é processual e trabalha com e
contribuem para as pesquisas na área da Inteligên- é trabalhado por paradigmas científicos. O autor,
cia Artificial (IA), que se debruçam sobre o funcio- ainda acrescenta, paradigmas éticos, nos quais uma
namento do cérebro e do pensamento, que, por sua ecologia do virtual se impõe como complemento
vez, têm trazido novas possibilidades de imaginar e necessário das ecologias existentes.
de estar no mundo. Guattari acreditava que o novo paradigma esté-
Esse poder é, para muitos, inerente à máquina e tico, como mostrado, tem implicações ético-políti-
incrustado na apreensão perceptiva e cognitiva que cas, porque quem diz criação diz responsabilidade
podemos ter de nossa época. Época, contempora- da instância criadora com respeito ao criado, infle-
neidade, que invadiu o homem para formar uma xão do existente, bifurcação além dos esquemas
entidade coletiva, meio-coisa, meio-homem, meio- preestabelecidos, cujo movimento processual de
animal (GUATTARI, 2000). criação se pode observar na enunciação científica
A IA é contemporânea aos primeiros desen- e nos dispositivos experimentais, a informática, os
volvimentos da cibernética, desenvolve “máqui- bancos de dados, a inteligência artificial:
nas” que podem simular a percepção e a cognição
humanas e tem como referência de base os con- O processo de diferenciação dessas interfaces maquínicas
ceitos relacionados diretamente às ciências cog- multiplica os focos enunciativos auto poéticos e os torna
nitivas e o funcionamento físico dos sistemas de parciais na medida em que tal processo se estende para
percepção. Isso quer dizer que seu alvo é o fun- todos os lados através dos campos de virtualidade dos
cionamento do cérebro, destacando o ponto de universos de referência. (GUATTARI, 2000. p. 137)
vista lógico-dedutívo. A IA parte do fato de que
o ato cognitivo se efetua pela manipulação de No contexto das mutações que afetam a nossa
símbolos elementares (PENROSE, 1993), ou seja, época, o artista Fred Forest vê a arte diante dos
ela tem como objetivo geral criar sistemas artifi- avanços do conhecimento e das técnicas tais como
ciais capazes de reproduzir os diferentes e muitos a IA, como um instrumento inventivo de adapta-
comportamentos dos sistemas de vida biológica. ção que de seu modo procura confrontar as situa-
Contudo, Roger Penrose, em 1993, disse em seu ções novas, inéditas, pelas quais a humanidade está
livro A nova mente do rei que a grande pretensão passando. Analisando esse momento, como um
da IA envolvia a tentativa de modelagem artificial momento de evolução, cita o sistema de modela-
dos sentimentos, tais como a dor, a tristeza. Pro- gem artificial, autônoma do artista Louis Bec como
cura a IA, desde o seu início, proporcionar “um um exemplo inventivo.
caminho para alguma forma de entendimento de Nesse campo de reflexão é que se insere, atual-
qualidades mentais”. Uma das primeiras máquinas mente, um de nossos trabalhos artísticos Perceptos e
da IA, descrita pelo autor, foi o “cágado” de W. Grey afectos, que aplica na tecnologia da realidade virtual
Walter, criado em 1950, que andava pelo chão até algumas noções de IA na definição dos comporta-
sua bateria começar a descarregar, quando então mentos das entidades que habitam o mundo virtual
rapidamente se dirigia para a tomada mais próxi- decorrente da produção imagética. Essas entidades,
ma, ligava-se nela, e recarregava as baterias. que se caracterizam como agentes, reagem às ações
As teorias cognitivas, que são utilizadas pela IA, do usuário de forma inteligente, como, por exem-
partem de duas grandes tendências que sugerem plo, procuram mostrar um tipo de personalidade
pontos de vistas diferentes do processo cognitivo: eletrônica que pode ser percebida pela capacidade
a conexionista e a cognitivista. Esta última toma por de tomar decisões sensíveis de forma autônoma,
base o funcionamento computacional do cérebro e mas controlada pela máquina.
os mecanismos biológicos em geral. A conexionista Os agentes são controlados por um progra-
vê o processo cognitivo como resultado de uma ma computacional e possuem alguns estados
interação global de partes de um grande sistema. comportamentais tais como de espera e de fuga,

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Seção 4 – CiberCultura, CibereSpaço e Cultura viSual

entre outros. Assim como num jogo de ação, com oportuno nos universos da filosofia, psicologia e
característica que evidência a representação do biologia, que criaram, por sua vez, uma aliança sin-
corpo humano realístico, embora com inteligência gular e expressiva (DAMÁSIO, 2000).
em estado primitivo, procuramos provocar no Enfim, este trabalho é uma simbiose entre a arte
usuário uma reação de reflexo, por meio das ações e a tecnologia contemporânea. Permite a imersão
dos agentes. Situamos esse trabalho nos confins em um universo fluído de ação no espaço-tempo,
do real e do irreal, que pode revelar as três caracte- graças aos métodos computacionais de interação,
rísticas principais que buscamos trabalhar, a saber, a partir dos quais a realidade pode ser virtual.
o uso da virtus, da inteligência, para provocar Repousando sobre o princípio de interdepen-
ações e reações entre agentes e usuários, pois espe- dência entre espectador e obra, o trabalho, evidencia
ramos que o usuário não desista do mundo em que o papel do usuário/espectador na realidade virtual.
está, sem vencer o agente desse mundo (desejo de Criado com tecnologia de realidade virtual,
vencer onde se revela a dimensão agressiva de Perceptos e afectos, tem como proposta a poéti-
Eros) (DUFRENNE, 1976); procuramos despertar ca da simulação de corpos virtuais, levando em
o desejo no usuário de viver certas situações que consideração a aproximação entre a máquina e
não podem ser vividas na realidade (desejo de o corpo, a inteligência artificial e a emoção. Esse
uma outra vida, onde podemos ser outro); e, como trabalho estou categorizando de Gamearte, na
última característica, tentamos, por meio das ima- medida em que algumas características da lingua-
gens, trazer o usuário a um estado de pulsão, de gem de programação são semelhantes para a cria-
fascinação pela forma sensível, pela aparência, ção de estrutura de navegação e interação, como
assim como evidenciado em jogos computacio- por exemplo, a aplicação das técnicas de IA. Essa
nais. Procuramos, ainda, de certo modo, induzir primeira versão apresenta um mundo composto
a idéia de vida das formas que podem, inclusive, por corpos mutilados e/ou deformados. Os corpos
morrer, lembrando, assim, o movimento da vida. virtuais, entidades do mundo perceptos e afectos,
Os comportamentos tomam por base a técnica buscam, além de simular alguns aspectos da reali-
de cinemática direta que permite a obtenção de dade e, principalmente, o comportamento do ser
movimentos complexos dos corpos dos agentes humano, no movimento de deslocamento, entre
humanóides. O modelo humano é um conjunto de outros, discutir questões sobre as metamorfoses
objetos que são agrupados com encaixes de jun- que o corpo vem sofrendo com os avanços da tec-
ções. Todos os movimentos podem ser representa- nologia e da ciência.
dos por equações da cinemática, que estabelece as Como mundo poético, procura, ainda, através
relações entre, por exemplo, posição, velocidade, de aspectos sensoriais atrair o espectador/usuário
aceleração, rotação e translação. Para as modifi- para uma reflexão mais crítica em relação à arte e as
cações dos estados dos comportamentos, foram tecnologias contemporâneas.
definidos cinco eventos, três deles dependem de Vozes é uma obra cuja interface busca propor-
uma variável relacionada à saúde do agente. cionar ao sujeito uma forma de interação com
Para finalizar, em nossa opinião, a aproxima- a máquina de forma natural. Nesse caso, a inte-
ção entre a arte e a inteligência artificial se tornou ração ocorre pela voz, ruídos que se pode fazer
necessária para aqueles artistas que se interessam por meio de um microfone instalado no compu-
pelo corpo, como tema central de sua obra, em fun- tador. Os sinais captados pelo programa Vozes
ção da evolução dos conhecimentos sobre o cére- são conver tidos de forma randômica em formas
bro que a ciência tem revelado ao mundo. Aliás, geométricas 3D, simulações de modelagens físicas
parece que é o cérebro que tem evoluído, enquanto de fumaça, sangue e água, que preenchem o espaço
que nosso corpo se mantém congelado no tempo. tridimensional e possuem uma vida determinada
Não se pode mais pensar e falar do corpo com os por um tempo randômico. A imersão no ambiente
mesmos paradigmas do passado. Nesse sentido, as tridimensional animado criado pelo visitante se dá
teorias cognitivas mostram que a mente, comporta- por meio do teclado e joystick.
mento e cérebro formam uma triangulação podero- O mundo virtual Hubbub pode ser inserido,
sa, que se tornou conhecida há apenas um século e também, na categoria de Gamearte. Seus ambientes
meio. Essa triangulação permitiu um avanço muito virtuais são compostos de modelagem física que

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PeRcePtoSeafectoS,VozeSehuBBuB SuzeteVentuRellI

preenchem o espaço na medida em que sujeito que _________. o novo paradigma estético. in: schnitman, Dora
interage e navega no seu interior. Alguns objetos F. (org.). Novos paradigmas, cultura e subjetividade.
podem ser carregados pela câmera virtual, que Porto-alegre: artMed, 1996.
representa o ser humano no mundo virtual. Ruídos
hoFsTaDTEr, Douglas. Gödel, Escher, Bach: um
surgem em diferentes pontos do espaço. Alguns entrelaçamento de gênios brilhantes. Brasília: Editora
avatares caminham ao lado de quem interage e universidade de Brasília, 2001.
seguem os comandos da interação e deslocamento
no espaço tridimensional. ■ oTT, David. Collaboration dans um environnement
virtuel 3D: influence de la distance à l’objet référencé et du
‘view awareness’ sur la résolution d’une tâche de ‘grounding’.
RefeRências BiBLiOGRáficas Disponível em Tecfa.unige.ch/~ott/proxima/rv.html. acesso
em 20/08/2002.
DuFrEnnE, Mikel. Esthétique et Philosophie. Tome ii. Paris:
Klincksieck Esthétique, 1976. PEnrosE, roger. A nova mente do rei: computadores,
ForEsT, Fred. Aprés l’art contemporain, pour un art mentes e as leis da física. rio de Janeiro: Campus, 1993.
actuel, l’art a l’heure de l’internet. Paris: l’harmattan, 1999. WEissBErG, Jean Louis. Présences à distance, déplacement
GuaTTari, Félix. Caosmose: um novo paradigma estético. virtuel et réseaux numériques: Pourquoi nous ne croyons
são Paulo: Editora 34, 2000. plus la television. Paris: Éditions l’harmattan, 1999.

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VIS – REVISTA DO PROGRAMA DE PóS-GRADUAçãO EM ARTE
nORMas PaRa cOLaBORaDORes

1. A revista VIS aceita colaborações de trabalhos originais e mento à esquerda, com o máximo de 25 laudas, incluindo
inéditos, de autoria individual ou coletiva, sob a forma de referências bibliográficas.
artigos, ensaios, entrevistas e resenhas, submetidos à aprecia-
ção de seu Conselho Editorial. Artigos não originais, isto é, 9. Todas as imagens devem ser fornecidas em arquivos sepa-
já publicados, só serão aceitos em caso de edição esgotada ou rados, em formato .jpg., sua localização no texto deve ser
de tradução para uma língua diferente da original. indicada pela inserção de legenda e o número de cada arqui-
vo deve corresponder ao número de ordem de ocorrência da
2. Os textos devem: figura ou tabela no texto.
a) ser gravados em editor de texto Word for Windows 6.0 ou
superior, em formato A4, exclusivamente em fonte Times 10. A identificação de cada imagem no texto aparece na parte
New Roman; inferior, precedida da palavra designativa, seguida de seu
b) ter de 20 a 25 páginas, corpo doze, com espaço entrelinhas número de ordem de ocorrência no texto, em algarismos ará-
duplo, alinhado à esquerda; bicos, do respectivo título e/ou legenda explicativa de forma
c) conter título, identificação do autor, resumo/abstract, breve e clara. A imagem deve ser inserida o mais próximo
palavras-chave/keywords e referências bibliográficas. possível do trecho a que se refere, conforme o projeto gráfico.

3. Os textos e as imagens que os acompanharem devem ser 11. A obtenção de direitos de reprodução das imagens utilizadas
submetidos em duas vias impressas idênticas e em arquivo(s) em cada texto, caso não sejam de domínio público, é de intei-
gravado(s) em um disquete ou CD. ra responsabilidade do autor.

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Roman, corpo doze, em caixa alta e baixa (só iniciais mai- arábicos, devendo ser única e consecutiva para cada artigo.
úsculas), ter no máximo 85 caracteres, não ter palavras ou
expressões sublinhadas. Usar itálico somente para a grafia de 13. Para a elaboração de referências, elemento obrigatório, reco-
palavras estrangeiras. O título e o subtítulo, se houver, devem mendamos a norma ABNT NBR6023.
ser separados por dois pontos (:).
14. Para a elaboração de citações, recomendamos a norma
5. A identificação do(s) autor(es) deve: ABNT NBR10520.
a) ser digitada em fonte Times New Roman, corpo doze;
b) conter, na linha abaixo do(s) seu(s) nome(s), do nome 15. As citações com mais de três linhas devem ser digitadas em
da(s) instituição(ões) a que está vinculado(s) como parágrafo separado, com espaço entrelinhas simples, corpo
docente(s); pesquisador(es) ou aluno(s), digitado em fonte dez e sem aspas. As citações devem ser listadas no final do
Times New Roman; texto como Referências. Os dados bibliográficos completos
c) em caso de aluno de programa de pós-graduação, especifi- das citações não devem ser inseridos no corpo do texto (ver
car se é mestrando ou doutorando; norma citada no item 14).
d) conter o endereço eletrônico do(s) autor(es) em fonte Ti-
mes New Roman, corpo doze; 16. As notas de rodapé devem conter apenas comentários
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autor com no máximo 50 palavras, em fonte Times New bibliográficos.
Roman, corpo doze.
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6. O Resumo deve ser digitado em fonte Times New Roman, visem à correção gramatical, à adequação às normas da
corpo doze, espaço entrelinhas 1,5. O Resumo deve ser ABNT e à formatação dos originais de acordo com o projeto
digitado em um único parágrafo com o mínimo de 400 e o gráfico.
máximo de 800 caracteres, tanto na versão em português
quanto na versão em inglês (Abstract). 18. As colaborações devem ser enviadas para o endereço:
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Roman, corpo doze, em seqüência na mesma linha, separa- Universidade de Brasília
das por ponto (.) e finalizadas também por ponto. Podem ser Prédio SG-1, Campus Universitário Darcy Ribeiro
inseridas de três a cinco Palavras-Chave, seguidas, na linha Brasília-DF.
abaixo, pela versão de cada uma para o inglês (Keywords). CEP 70910-900.

8. O Corpo do texto deve ser digitado em fonte Times New 19. A revista VIS não se compromete com a devolução dos tra-
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