Você está na página 1de 24

1 Fundamentos Conceituais da

Teoria da Renormalização

1.1 O Encontro com o Infinito.

Com a descoberta do elétron no final do século XIX O present texto foi baseados, entre
outras, nas seguintes referências
surgiu a questão natural: do que ele seria feito. Uma pos- A. Pais. Inward Bound: Of Mat-
sibilidade seria considerar o elétron como uma distribuição ter and Forces in the Physical
World. Oxford University Press,
de carga uniforme de raio a, mantida unida por alguma
1986. ISBN 978-0198519973; T. Y.
força desconhecida que contrabalançaria a força eletromag- Cao and S. S. Schweber. The
nética e garantiria sua estabilidade. O chamado raio clás- Conceptual Foundations and the
Philosophical Aspects of Renor-
sico do elétron era derivado supondo que a energia eletros-
malization Theory. Synthese, 97:
tática de um elétron em repouso, a chamada auto-energia, 33–108, 1993. ISSN 1573-0964.
daria conta totalmente por sua massa: e2 /a = mc2 . doi: 10.1007/BF01255832; and
K. Huang. A Critical History
Lorentz1 na tentativa de criar um modelo dinâmico clás-
of Renormalization. Internatio-
sico para o elétron, considera como os elementos de carga nal Journal of Modern Physics
dq (r, t) e dq 0 (r0 , t0 ) desta distribuição exercem forças de A, 28(29):1330050, 2013. doi:
10.1142/S0217751X13300500
Coulomb um sobre o outro, levando a uma auto-energia
infinita no limite de a → 0.
d2 x 2e2 d3 x
Fauto = −mauto + 3 3 + O (a) 1
H. A. Lorentz. The Theory of the
dt2 3c dt Electron. Dover, New York, 1952

as interações internas de Coulomb dão origem a uma


“massa própria” (mauto )

dqdq 0 1
ZZ  
mauto c2 = 0
→O
|r − r | a
que diverge quando a → 0. No entanto, essa “massa pró-
pria” pode ser absorvida na massa física que aparece na
equação de movimento, m0 ẍ = Fauto + Fext ,

d2 x 2e2 d3 x
(m0 + mauto ) = + Fext + O (a)
dt2 3 dt3
2

onde m0 é a “massa nua” , enquanto a massa física m =


m0 + mauto define o valor obtido nos experimentos:

d2 x 2e2 d3 x
m = + Fext
dt2 3 dt3
Supõe-se que a divergência de mauto seja cancelada por
m0 , que tem sua origem nas forças desconhecidas que
mantêm o elétron unido. Esse é o primeiro exemplo de
renormalizaçao da massa, conceito que vai ser retomado na
QED.
Oppenheimer2 descobre um efeito tipicamente quântico 2
J. R. Oppenheimer. Note on the
que leva a auto-energia do elétron sem qualquer aná- Theory of the Interaction of Field
and Matter. Phys. Rev., 35:461–477,
logo clássico. Trabalhando com a teoria de Dirac para o 1930. doi: 10.1103/PhysRev.35.461
elétron em segunda ordem em teoria de perturbação,
X Hf j Hji Z
~A ~ e J~ = ieψ̄~γ ψ
Hf i = com H = − J.
j Ei − Ej

ele estuda a transição do estado de um único elétron, i.e.


i = j,
e(p) → e0 + γ → e(p)

onde o estado virtual e0 + γ corresponde a todos os (infi-


nitos) possíveis estados nos quais o momento do elétron é
compartilhado entre e0 e o fóton. Ele obtém para a auto-
energia,
e2 h̄2 c2 Z
W (p~) ∼ k dk
h̄cE (p)
A divergência do resultado quântico (∼ k 2 ) é ainda pior
que o resultado clássico que diverge linearmente com 1/a.
Esse resultado teria como consequência o descolamento
infinito das linhas espectrais.
Cálculos na QED, desde o tratamento pioneiro de Dirac
da emissão espontânea de radiação em 1926 até os dias de
hoje são baseados na teoria de perturbação onde a expan-
são é baseada no parâmetro α = e2 /4π  1.
Em ordens mais altas em teoria de perturbação O (αn )
aparecem um número infinito de estados virtuais. No iní-
cio da década de 1930 houve várias aplicações bem suce-
didas da QED: e+ + e− → γγ (Dirac, 1930), espalha-
mento elétron–elétron (Møller), Bremsstrahlung (Bethe e
3

Heitler), uso de operadores de projeção e traços de matri-


zes de Dirac para simplificar os cálculos (Casimir, 1933),
e+ + e− (ligado)→ γ (Fermi e Uhlenbeck, 1933), γγ →
e+ + e− (Breit e Wheeler, 1934) e e+ + e− → e+ + e−
(Bhabha, 1935).
A formulação da teoria de Dirac para o elétron supunha
o vácuo com um meio dinâmico contendo pares virtuais
de elétrons e prótons (posteriormente pósitrons) — a cha-
mada “teoria do buraco”. A teoria do buraco nunca teve
uma ampla aceitação no meio científico, e contava com
forte oposição, por exemplo, de Pauli.
Com a introdução da segunda quantização da teoria de
Dirac, ψ é encarado como a superposição da aniquilação
de elétrons e criação de pósitrons enquanto ψ † desempe-
nhando o papel oposto. Nesse novo cenário qualquer refe-
rência a um mar infinito ocupado por estados de energia
negativa se torna totalmente desnecessário.
Weisskopf3 , utilizando a teoria do pósitron, mostrou que 3
V. F. Weisskopf. Über die selbs-
a auto-energia do elétron, devido à blindagem (scree- tenergie des elektrons. Zeitschrift
für Physik, 89:27–39, 1934. doi:
ning) induzida pelos pares elétron-pósitron, tinha o grau 0.1007/BF01333228; and V. F.
de divergência reduzido para logarítmico. Isso porque ele Weisskopf. On the Self-Energy and
the Electromagnetic Field of the
subtraia do resultado para um elétron W (vac + e), a auto- Electron. Phys. Rev., 56:72–85,
energia do vácuo, W (vac) 1939. doi: 10.1103/PhysRev.56.72

Heisenberg, na segunda parte do artigo4 (“Quantum 4


W. Heisenberg. Remarks on the
Theory of Wave Fields”) foi o primeiro a utilizar o forma- Dirac Theory of the Positron. Z.
Phys., 90(3-4):209–231, 1934. doi:
lismo que é adotado até hoje para descrever a eletrodinâ- 10.1007/BF01333516
mica quântica, escrevendo a Hamiltoniana em termos de
campos não comutativos. Heisenberg requer que a sime-
tria entre cargas positivas e negativas seja expressa nas
equações de tal forma que não surjam novos infinitos no
formalismo. Essa simetria (invariância por conjugação de 5
W. H. Furry. A Symmetry Theorem
carga, C) recebeu um tratamento formal dado por Kra- in the Positron Theory. Phys.
mers e foi utilizado por Furry5 para mostrar que essa in- Rev., 51:125–129, 1937. doi:
10.1103/PhysRev.51.125
variância levava a cancelamentos em ordens mais altas da
teoria de perturbação e requeria que qualquer processo
(elemento de matriz) com um número ímpar de fótons ex-
ternos e nenhum elétron/pósitron externo fosse zero caso a
teoria fosse invariante por C. Heisenberg também explora
a auto-energia do fóton associada a transições virtuais
4

γ → e+ + e− → γ.
Dirac6 (além de Furry e Oppenheimer7 ) estudando a 6
P. A. M. Dirac. Discussion of the
distribuição de carga do elétron devido à polarização do Infinite Distribution of Electrons
in the Theory of the Positron.
vácuo, i.e. a momentânea separação das cargas no vácuo Mathematical Proceedings of the
de Dirac, descobriu que a “carga nua” não blindada era Cambridge Philosophical Society,
30(2):150âĂŞ163, 1934a. doi:
logaritmicamente divergente. Esse resultado desempenhou 10.1017/S030500410001656X
um importante papel nos desenvolvimento posteriores na
renormalização de QED. 7
W. H. Furry and J. R. Oppenhei-
Dirac mostrou que uma fonte externa estática ρ(~x), com mer. On the theory of the electron
pequena variação espacial, induz uma densidade de carga and positive. Phys. Rev., 45:245,
1934. doi: 10.1103/PhysRev.45.245
adicional devido à criação e aniquilação de pares virtuais
da ordem α
 !2 
1 h̄
δρ = α Cρ − ∇ρ
15π mc

onde C é uma integral logaritmicamente divergente. Esse


novo infinito corresponde à renormalização da carga.
Uehling8 calculou o efeito do segundo termo para o caso 1.1: Polarização do vácuo.

de um elétron se movendo em torno de uma carga nuclear 8


E. A. Uehling. Polarization
−Ze e mostrou que os níveis nS são deslocados por Effects in the Positron Theory.
Phys. Rev., 48:55–63, 1935. doi:
8Z 2 α3 10.1103/PhysRev.48.55
∆E (nS ) = − R
15πn3
onde R é a constante de Rydberg.
Em seu artigo de 1936, Serber9 escreve no abstract: 9
R. Serber. A Note on Positron
A origem do infinito da auto-energia do fóton que tem Theory and Proper Energies. Phys.
Rev., 49:545–550, 1936. doi:
origem, segundo Heisenberg, da criação da matéria pelo 10.1103/PhysRev.49.545
campo do fóton, é examinada com algum detalhe. Somos
levados a investigar as inconsistências que aparecem na
incorporação da teoria do pósitron de Dirac no formalismo
da teoria quântica. Essas inconsistências tornam impossí-
vel considerar com confiança quaisquer previsões da teoria
para as quais seja essencial considerar as singularidades
da matriz de densidade. Ele introduziu a expressão “renor-
malizar a polarização do vácuo”, que evidencia que ideia
física de renormalização estava no ar. Aos 75 anos, Dirac afirma: I really
spent my life trying to find better
Em paralelo, a insatisfação com a QED motivou a busca equations for quantum electrodyna-
for novos métodos de cálculo ou modificação da sua dinâ- mics, and so far without success,
mica. Todas essas tentativas não tiveram sucesso e ao que but I continue to work on it.

tudo indica não levaram a nenhum avanço significativo.


5

1.2 Ascensão da Física dos EUA.

A hegemonia da Europa na fronteira da Física começa


a declinar na década de 1930 quando vários físicos como
Bohr, Einstein, Fermi, Franck, Hess, Pauli, von Neumann,
Uhlenbeck e Wigner começam a migrar para os EUA em
busca de emprego e para fugir da ascensão do nazismo.
Entre 1928 e 1941, o Summer Symposium in Theoretical
Physics da University of Michigan em Ann Arbor, Michi-
gan, era realizado anualmente e teve um papel fundamen-
tal no avanço da física americana com a participação de
Summer Symposium in Theoretical
praticamente todos os físicos de renome da época como Physics (APS)
Fermi, Bohr, Bethe, Rabi, Condon, Heisenberg.
O grande avanço no desenvolvimento da renormaliza-
ção veio dos experimentos realizados logo após a Segunda
Guerra Mundial: as medidas do Lamb shift e do momento
anômalo de elétrons.

1.2: Participantes da Conferência


de Shelter Island: Rabi, Pauling,
Van Vleck, Lamb, Breit, Darrow,
Uhlenbeck, Schwinger, Teller, Rossi,
Nordsiek, von Neumann, Wheeler,
Bethe, Serber, Marshak, Pais,
Oppenheimer, Bohm, Feynman,
Weisskopf e Feshbach.

A primeira conferência importante no pós-guerra foi re-


alizada em Shelter Island, Nova York, de 2 a 4 de junho
de 1947. Ela reuniu a maiorias do grandes físicos da época
Foi nessa conferência que Lamb reportou os seus resulta- 10
W. E. Lamb and R. C. Retherford.
dos das medidas de estrutura fina do átomo de hidrogênio Fine Structure of the Hydrogen
feitas com Retherford. O resultado de Lamb10 indicava Atom by a Microwave Method.
Phys. Rev., 72:241–243, 1947. doi:
que o nível 2S1/2 do átomo de hidrogênio situava-se 1 GHz 10.1103/PhysRev.72.241
(0,033 cm−1 ) acima do nível 2P1/2 . Lamb havia conse-
guido obter esse resultado graças a sua familiaridade com
a tecnologia da microondas que havia adquirido durante a
guerra.
A teoria de Dirac predizia que esses dois níveis fossem
6

degenerados. A energia de um estado devido a correções


relativísticas e interações magnéticas entre os momentos
magnéticos orbital e spin é dada por
"  2 !#
α n 3
Enj = En 1+ −
n j + 1/2 4

Portanto os níveis de energia Enj dependem apenas do


número quântico principal n e do momento angular total j.
Assim, um estado com ` = 1 e j = 1/2 (momenta angular
orbital e spin antiparalelos), designado por P1/2 , deve ter
a mesma energia que um estado com ` = 0 e j = s = 1/2,
designado S1/2 .

1.3: Experimento de Lamb-


Retherford.

No experimento um feixe de átomos de hidrogênio no


estado fundamental 1S1/2 era bombardeado com elétrons
fazendo com que alguns dos átomos fossem excitados para
o estado 2S1/2 . As transições ópticas deste estado, que
vão diretamente para o estado fundamental, são proibidas
por regras de seleção e tem uma vida muito longa (∼ 0, 1
segundo). Os átomos passam então por uma região onde
são expostos à radiação eletromagnética com energia igual
à diferença de energia entre os estados 2S1/2 e 2P1/2 . A
radiação tem o efeito de induzir transições entre esses es-
tados e, quando um átomo está no estado 2P1/2 , ele decai
para o estado fundamental com uma vida útil de 10 a 9
segundos. Depois de passar pela região com radiação ele-
tromagnética, os átomos atingem uma folha de tungstênio. O efeito Auger é o processo pelo
qual elétrons com energias carac-
Ao atingir a folha, os átomos que ainda estavam no 2S1/2 , terísticas são ejetados de átomos
decaiam para o estado fundamental e, ao fazê-lo, liberam em resposta a uma transição para
elétrons da folha em um processo chamado emissão Auger. um nível de energia inferior de um
outro elétron no átomo.
Medindo a corrente de emissão da folha com a radiação
7

eletromagnética ligada/desligada (menos/mais elétrons li-


berados), Lamb e Retherford foram capazes de determinar
a diferença de energia entre os estados 2S1/2 e 2P1/2 .
A experimento de Lamb-Retherford foi um marco na
física experimental que estimulou grandes avanços na física
teórica. Segundo Dirac11 : Nenhum progresso havia sido 11
A. Salam, H. A. Bethe, P. A. M.
feito por 20 anos. Então veio um desenvolvimento, inici- Dirac, W. Heisenberg, E. P. Wigner,
O. Klein, and E. M. Lifshitz. From
ado pela descoberta de Lamb e explicação do Lamb shift, a Life of Physics. World Scientific,
que mudou fundamentalmente o caráter da física teórica. 1989. doi: 10.1142/0877

1.4: Lamb shift.

Os campos eletromagnéticos associados às flutuações de


vácuo atuam no elétron para esparramar (smear) sua posi-
ção em relação ao núcleo. Devido a essa smearing, a carga
de elétrons é distribuída por um volume maior de espaço,
e uma porção menor de sua carga sofre o potencial mais
forte de Coulomb, mais próximo do núcleo. O resultado
é uma redução na energia de ligação do elétron ao núcleo.
Elétrons nos estados S (` = 0) têm maior probabilidade
de estar próximos ao núcleo do que aqueles nos estados P
ou D e, portanto, experimentam uma redução maior na
energia de ligação do que eles. O principal efeito das flutu-
ações do vácuo é deslocar energia dos estados S para cima 1.5: Screening da carga elétrica.

em relação aos estados P . 12


J. E. Nafe, E. B. Nelson, and I. I.
Rabi apresentou os resultados obtidos com Nafe e Nel- Rabi. The Hyperfine Structure of
son12 sobre a estrutura hiperfina do hidrogênio e deutério Atomic Hydrogen and Deuterium.
Phys. Rev., 71:914–915, 1947. doi:
e de Kusch e Foley13 , também da Universidade de Colum- 10.1103/PhysRev.71.914
bia, indicando uma anomalia no momento magnético do
13
P. Kusch and H. M. Foley. The
elétron (g = 2(1.00119 ± 0.00005)).
Magnetic Moment of the Electron.
Pelo lado teórico, Schwinger apresentou seus desenvolvi- Phys. Rev., 74:250–263, 1948. doi:
10.1103/PhysRev.74.250
mentos preliminares sobre o momento magnético anômalo
do elétron, enquanto Feynman tentava explicar uma nova
8

forma de se fazer cálculos em teoria de campos. Kramers


mostrou a sua proposta de tratar as divergências da QED
de forma análoga ao que havia sido proposto por Lorentz
na teoria clássica para um elétron pontual. Ele partia de
uma teoria clássica não relativística do elétron interagindo
com o campo eletromagnético (campo externo mais “auto-
campo”). Ele substituía massa do elétron nas equações de
partida (massa “nua”), pela massa experimental dada pela
soma da massa “nua” e a “massa própria” e, por último,
ele quantizava o campo externo.
Em 27 de junho, Bethe14 submete um artigo onde faz 14
H. A. Bethe. The Electromagnetic
uma estimativa do Lamb shift, implementando a renor- Shift of Energy Levels. Phys.
Rev., 72:339–341, 1947. doi:
malização de carga, além da renormalização da massa de 10.1103/PhysRev.72.339
Lorentz.
Lamb comenta15 : I received from Bethe a copy of a ma- 15
L. M. Brown and L. Hoddeson,
nuscript that gave an amazingly short calculation of a editors. The Birth of Particle
Physics. Cambridge University Press,
2S1/2 − 2P1/2 shift amounting to 1,040 MHz. This was 1983. ISBN 978-0521338370
done with the simplest conceivable form of nonrelativistic
quantum electrodynamics. Infinities occurred, but they were
canceled out in a highly plausible and physical manner. · · ·
I instantly understood what Bethe had done and mentally
kicked myself for not being clever enough to do it first.
Conforme Bethe, o termo principal da auto-energia do
elétron diverge linearmente da mesma forma que ocorria
com Lorentz (e2 /a). Este termo é o mesmo tanto para um
elétron livre como para um elétron ligado com a mesma
energia cinética média. Subtraindo esse termo (renormali-
zação da massa) Bethe identificou o termo remanescente
como o deslocamento do nível
4Z 4 α5 K
∆E (nS ) = 3
· mc2 ln
3πn hEi
onde hEi é a energia média de excitação do estado nS
e K é o limite superior da integração no momento que
Bethe identifica com mc2 “já que esperamos que a teoria
da relatividade forneça um cut-off para o momento”. Com
isso ele obtém um excelente acordo com o resultado de 16
J. Schwinger. On Quantum-
Lamb. Electrodynamics and the Magnetic
Em dezembro do mesmo ano, Schwinger16 submete um Moment of the Electron. Phys.
Rev., 73:416–417, 1948a. doi:
10.1103/PhysRev.73.416
9

artigo onde calculou o momento magnético anômalo do


elétron em ordem mais baixa obtendo
1 α
a = (g − 2) = =1 162 × 10−6 (teo)
2 2π
=1 18(3) × 10−6 (exp)

O cálculo de Schwinger, utilizando a teoria do pósitron,


e fazendo as renormalizações de forma adequada, deixou
claro os efeitos relatados por Rabi na Conferência de Shel-
ter Island eram devidos às correções radiativas.
No ano seguinte, durante a Conferência de Pocono Ma-
nor na Pennsylvania, uma sequencia de Shelter Island,
Schwinger apresenta seu formulação manifestamente conva-
riante e invariante de gauge da QED.
Feynman apresentou sua abordagem peculiar que envol-
via integrais de trajetória, pósitrons se movendo para trás
no tempo e loops fechados que provavelmente ninguém
conseguiu entender direito do que se tratava.
Em 1948, Tomonaga17 reporta os resultados do cálculo 17
H. Fukuda, Y. Miyamoto, and
do Lamb shift realizado com um formalismo manifesta- S. Tomonaga. A Self-Consistent
Subtraction Method in the Quan-
mente covariante desenvolvido pelo grupo. Eles se torna- tum Field Theory. II-2. Progress of
ram os primeiros a obter a fórmula correta para o splitting Theoretical Physics, 4(2):121–129,
1949. doi: 10.1143/ptp/4.2.121
2S1/2 − 2P1/2 devido a correções radiativas. No início de
1949, Schwinger e Feynman publicaram seus cálculos do
Lamb shift também com a resposta correta.

1.3 O Ponto de Vista da Teoria de Campos

A Teoria Quântica de Campos trabalha com um


sistema de operadores de campo locais que obedecem a
equações de movimento, certas relações canônicas de co-
mutação (bósons) e anticomutação (férmions). O espaço
de Hilbert dos vetores de estados é obtido pela aplicação
sucessiva dos operadores de campo no estado de vácuo. A
TQC incorpora o conceito de localidade, em conformidade
com a relatividade especial, descartando a possibilidade de
ação à distância.
Os campos são operadores locais e permitem a interpre-
tação física de criação e aniquilação dos quanta associados
10

às partículas. A criação de uma partícula é realizada como


uma excitação localizada do vácuo. A aplicação de um
operador de campo ao estado de vácuo resulta em uma
sobreposição de estados contendo números arbitrários de
partículas que são restringidos apenas pela conservação
dos números quânticos relevantes. O vácuo deve ser um
estado invariante de Lorentz com grandezas cinemáticas
e números quânticos nulos (energia, momento, momento
angular, carga, etc.).
A teoria da renormalização surge no final da década
de 1940 como uma resposta às dificuldades encontradas
nos cálculos de TQC (divergência). Matematicamente, a
inclusão de processos virtuais (com uma energia arbitrari-
amente alta) resulta em quantidades infinitas que são ob-
viamente indefiníveis. Assim, as divergência são inerentes
à própria natureza do TQC e, nesse sentido, a ocorrência
das divergências apontou claramente para uma profunda
instabilidade na estrutura conceitual do TQC.
18
Além de várias propostas para alterar radicalmente os A. Pais. On the Theory of the
Electron and of the Nucleon. Phys.
fundamentos da TQC, duas respostas diferentes foram Rev., 68:227–228, 1945. doi:
avançadas para superar essa instabilidade. O primeiro foi 10.1103/PhysRev.68.227.2

desenvolvido independentemente por Pais18 e por Sakata19 , 19


S. Sakata. The Theory of the
que apresentaram a ideia de compensação: campos de Interaction of Elementary ParticlesI.
The Method of the Theory of
partículas desconhecidas seriam introduzidos de forma a Elementary Particles. Progress of
cancelar as divergências produzidas pelas interações conhe- Theoretical Physics, 2(3):145–150,
1947. doi: 10.1143/ptp/2.3.145
cidas (Pauli–Villars).
A segunda resposta foi o programa de renormalização. 20
P. A. M. Dirac. Structure et
PropriÃľtÃľs des Noyaux Atomique.
A teoria da renormalização é um sistema conceitual com-
In SeptiÃĺme Conseil de Physique,
plexo que pode ser visto de diferentes ângulos. Trata-se Solvay, page 203, Paris, 1934b.
Gauthier-Villars
de um procedimento técnico para isolar e descartar os re-
sultados infinitos que ocorrem nos cálculos perturbativos 21
W. Heisenberg. Remarks on the
Dirac Theory of the Positron. Z.
de TQC. A formulação original era puramente técnica en-
Phys., 90(3-4):209–231, 1934. doi:
volvendo uma série de algorítmicas para obter resultados 10.1007/BF01333516
que pudessem ser comparados aos dados experimentais 22
V. F. Weisskopf. ÃIJber die
(Lamb shift, momento magnético anômalo, etc.). Ele aju- Elektrodynamik des Vakuums auf
Grund der Quantentheorie des
dou a esclarecer a base conceitual da teoria e foi elevado e Elektrons. Math.-Fys. Medd.,
um princípio que passou a guiar a seleção e construção de Danske Vid. Selsk., 16:1–39, 1936
teorias na estrutura geral do TQC.
Na década de 1930, Dirac20 , Heisenberg21 , Weisskopf22 ,
11
23
H. A. Kramers. Quantentheorie
des Elektrons und der Strahlung.
Kramers23 entre outros já apresentavam a ideia de renor- Akademische Verlagsgesellshaft,
Leipzig, 1937
malização em termos de subtrações.
No entanto, essas ideias só obtiveram ampla aceitação
depois que dados experimentais precisos sobre o espec-
tro de hidrogênio e deutério puderam ser obtidos usando
técnicas e instrumentos desenvolvidos durante a Segunda
Guerra Mundial. A explicação dos dados precisos e confiá- 24
S. S. Schweber. Shelter Is-
land, Pocono, and Oldstone: The
veis obtidos por Lamb e Retherford em suas medições da
Emergence of American Quantum
estrutura fina do hidrogênio e dos resultados de Rabi sobre Electrodynamics after World War
a estrutura hiperfina do hidrogênio e do deutério tornou-se II. Osiris, 2(1):265–302, 1986. doi:
10.1086/368658
um grande desafio para os físicos teóricos. No processo,
eles desenvolveram algoritmos para obter números finitos 25
H. A. Kramers. Quantentheorie
para as grandezas medidas em seus cálculos baseados em des Elektrons und der Strahlung.
Akademische Verlagsgesellshaft,
TQC, e apresentaram idéias sugestivas para justificar os Leipzig, 1937
algoritmos24 . 26
H. A. Bethe. The Electromagnetic
As ideias envolvida no programa de renormalização de- Shift of Energy Levels. Phys.
senvolvidos por Kramers25 , Bethe26 , Lewis27 , Schwinger28 , Rev., 72:339–341, 1947. doi:
10.1103/PhysRev.72.339
e Tomonaga29 e Feynman30 podem ser sintetizados da
27
H. W. Lewis. On the Reactive
seguinte forma. Os termos divergentes que ocorrem nos Terms in Quantum Electrodynamics.
cálculos da QED podem ser identificados, respeitando a Phys. Rev., 73:173–176, 1948. doi:
10.1103/PhysRev.73.173
invariância de Lorentz e de gauge, e podem ser interpreta-
28
dos em termos da modificação da massa e os parâmetros J. Schwinger. On Quantum-
Electrodynamics and the Magnetic
de carga que são introduzidos no Lagrangeana original. Ao Moment of the Electron. Phys.
identificar os parâmetros de massa e carga modificados Rev., 73:416–417, 1948a. doi:
10.1103/PhysRev.73.416; and
(ou renormalizados) com as massas e cargas fisicamente J. Schwinger. Quantum Electrody-
observáveis das partículas físicas, todas as divergências são namics. I. A Covariant Formulation.
Phys. Rev., 74:1439–1461, 1948b.
absorvidas nas contantes de renormalização da massa e da doi: 10.1103/PhysRev.74.1439
carga, e resultados finitos. Dessa forma, os resultados ob- 29
S. Tomonaga. On a Relativis-
tidos encontravam-se em excelente concordância com com tically Invariant Formulation of
os dados experimentos obtidos por Lamb e Rabi que agora the Quantum Theory of Wave
Fields. Progress of Theoretical
poderiam ser explicados na estrutura da QED renormali- Physics, 1(2):27–42, 1946. doi:
zada. 10.1143/ptp/4.2.121

O aparecimento de divergências a altas energias poderia 30


R. P. Feynman. Space-Time
Approach to Non-Relativistic
indicar que nessa região a teoria existente deixaria de ser Quantum Mechanics. Rev. Mod.
válida o que iria requerer a existência de uma nova teoria Phys., 20:367–387, 1948a. doi:
10.1103/RevModPhys.20.367; R. P.
física. O limite da região de validade da teoria poderia ser Feynman. A Relativistic Cut-Off for
expresso através da introdução de um ponto de corte (cu- Classical Electrodynamics. Phys.
Rev., 74:939–946, 1948b. doi:
toff, Λ) acima do qual os pequenos efeitos da nova teoria
10.1103/PhysRev.74.939; and R. P.
começaria a se manifestar. Feynman foi o primeiro a fazer Feynman. Relativistic Cut-Off for
Quantum Electrodynamics. Phys.
Rev., 74:1430–1438, 1948c. doi:
10.1103/PhysRev.74.1430
12

uso do cutoff em 1948 para regularizar o cálculo de gran-


dezas físicas, o que permitia manipular grandezas que na
realidade eram divergentes no limite Λ → ∞. Caso, após
a redefinição de um número finito de parâmetros (massa
e carga), os resultados dos processos físicos não dependes-
sem de Λ, poderíamos dizer que a teoria seria renormali-
zada.
Dyson mostra posteriormente que que os resultados
de Feynman eram equivalente à formulação da QED de
Tomonaga e Schwinger e com isso esboço uma prova da re-
normalização do QED: a renormalização de massa e carga
era capaz de remover todas as divergências da matriz S de
QED em todas as ordens de teoria de perturbação. A ver-
são de Feynman era mais simples e fácil de ser empregada
e começa rapidamente a se popularizar a partir da confe-
rência de Oldstone-on-the-Hudson, em New York, em 1949,
que foi a terceira sequencia de Shelter Island. Após o su-
cesso desses encontros, inicia-se em 1950 uma sequencia
de sete conferências em Rochester. Em 1957, a respon-
sabilidade das Conferências de Rochester para a ser da
IUPAP e começa a ser realizada ao redor do mundo com o
nome de International Conference on High Energy Physics
(ICHEP).
Dyson31 fez um estudo sistemático da renormalização da 31
F. J. Dyson. The Radiation The-
QED em teoria de perturbação. Na teoria de perturbação, ories of Tomonaga, Schwinger, and
Feynman. Phys. Rev., 75:486–502,
expande-se a amplitude de espalhamento, que representa 1949. doi: 10.1103/PhysRev.75.486
o conteúdo dinâmico da QED, em séries de potência na
carga nua de elétrons e0 . Dyson mostrou que a renorma-
lização da massa e da carga remove todas as divergências,
para todas as ordens da teoria da perturbação. A prova
de Dyson foi posteriormente aprimorada por Salam, Wein-
berg, Bogoliubov, Shirkov e Hepp.
A necessidade de renormalizar a massa e a carga implica
que a teoria não pode prever seus valores, mas tem que
obtê-los a partir do experimento (parâmetros fenomeno-
lógicos). Mesmo assim a QED possui um enorme poder 32
S. D. Drell. Experimental Status
preditivo levando a previsões corretas para espalhamento e of Quantum Electrodynamics.
decaimento de partículas, etc.32 . Physica A, 96(1):3 – 16, 1979. ISSN
0378-4371. doi: 10.1016/0378-
A medida do momento magnético anômalo do elé- 4371(79)90190-0
13

tron é um exemplo emblemático ação recíproca teoria–


experimento.
Os primeiros cálculos teóricos em α2 forma realizados
em 1949 e, devido a complexidade dos cálculos, o resultado
permaneceu inconteste até 1957, quando uma aparente
discrepância entre experiência e teoria melhoradas foi eli-
minada, e foi descoberto que o resultado teórico não estava
correto. Hoje, 2018, o resultado atinge a décima ordem
(α5 )33 . 33
T. Aoyama, T. Kinoshita, and
M. Nio. Revised and Improved Value
ae (teo) = 1 159 652 182.032(13)(12)(720) × 10−12 [0.72 ppb] of the QED Tenth-order Electron
Anomalous Magnetic Moment. Phys.
ae (exp) = 1 159 652 180.73(28) × 10−12 [0.24 ppb] Rev. D, 97:036001, 2018. doi:
10.1103/PhysRevD.97.036001
Os números entre parênteses após os valores fornecem as
incertezas com um desvio padrão nos últimos dígitos e ppb
correspondente a partes por 109 .

1.4 Um Pouco Mais Formal

As divergências podem ser atribuídas a um dos


três elementos divergentes básicos nos gráficos de Feyn-
man, contidos no propagador de elétrons completo S 0 , o
propagador de fótons completo D0 e o vértice inteiro Γ que
podem ser escritos em termos de uma série em e0 :
−1
S (p) = [(p · γ ) − m0 + Σ(p)]
  h  i−1
D k 2 = −k −2 1 − e20 Π k 2
Γ ( p1 , p2 ) = γ + Λ ? ( p1 , p2 )

onde Σ, Π e Λ? são os elementos (logaritimicamente) di-


vergentes. As divergências podem ser absorvidas:

Σ → m0 e Π → e 0
14

Em ordem mais baixa,


  1 Λ    
Π k2 = − log + C k 2
+ O e20
12π 2 m
 
onde o primeiro termo é divergente com Λ e C k 2 é con-
vergente. Subtraindo em um dado k = µ, torna Π conver-
gente,
     
Π k 2 − Π µ2 ≡ Π C k 2

Portanto
  1 1 1 1
D k2 = − = −
k 2 [1 − e0 Π (k 2 )]
2 k 2 [1 − e0 Π (µ2 ) − e20 ΠC (k 2 )]
2

1 1 1 Z (µ2 )
≡ − 2 −1 2 = −
k [Z (µ ) − e20 ΠC (k 2 )] k 2 [1 − e20 Z (µ2 )ΠC (k 2 )]
com  
Z −1 (µ2 ) ≡ 1 − e20 Π µ2

sendo Z e Z −1 series divergentes para Λ → ∞. Levando


em conta processos físicos do tipo,
15

vemos que,
  1 e20 Z (µ2 )
e20 D k 2
→− 2
k [1 − e20 Z (µ2 )ΠC (k 2 )]
e portanto, a carga elétrica normalizada fica,

e2 = e20 Z (µ2 )

em particular, a carga física é definida a momento transfe-


rido zero,

e20 Z (0) 1 34
M. Gell-Mann and F. E. Low.
α = α (0) = = Quantum Electrodynamics at Small
4π 137, 036
Distances. Phys. Rev., 95:1300–
1312, 1954. doi: 10.1103/Phys-
Gell-Mann e Low34 reformulam o programa de renorma-
Rev.95.1300
lização de Dyson, usando uma abordagem funcional, na
qual os elementos divergentes Σ, Π e Λ? são considerados
funcionais e as equações funcionais podem ser derivadas
das propriedades gerais dos diagramas de Feynman. As
partes divergentes destes funcionais podem ser isoladas e
as partes subtraídas podem ser absorvidas em constantes
de renormalização multiplicativas, em virtude dos com-
portamentos dos funcionais sob transformações de escala.
Agora o cutoff Λ é visto como um parâmetro de escala.
Quando implementamos a subtração em uma escala µ e
absorvemos a dependência em Λ nas constantes de renor-
malização, efetivamente abaixamos a escala Λ para µ. Os
graus de liberdade associados a Λ e µ tornam ocultos nas
constantes de renormalização.
A carga renormalizada até ordem α2 para |k|2  m2 é
dada por,
  α2 |k|2
α k2 = α + log 2
3π m
A chamada ‘running coupling constant” depende da escala
k| na qual ela é medida.
Gell-Mann e Low dão a seguinte interpretação física
de carga renormalização: Um corpo de teste de ”carga
nua” q0 polariza o vácuo, envolvendo-se por uma nuvem
neutra de elétrons e pósitrons. Alguns elementos com uma
carga líquida δq, com mesmo sinal que q0 , escapam para
o infinito, deixando uma carga líquida −δq na parte da
nuvem que está intimamente ligada ao corpo de teste (a
16

uma distância de h̄/mc) . Se observarmos o corpo a uma


distância muito maior que h̄/mc, vemos uma carga efetiva
q = q0 − δq, a carga renormalizada. No entanto, à medida
que inspecionamos mais de perto, penetrando a da nuvem
até o centro da carga de teste, a carga que vemos dentro
se aproxima da carga nua q0 concentrada em um ponto no
centro.
A QED obteve grande sucesso por causa de sua sur-
preendente capacidade preditiva, tanto no cálculo do mo-
mento magnético anômalo do elétron quanto no Lamb
shift do hidrogênio, e nas correções radiativas do espalha-
mento de elétrons e pósitrons a alta energia. Embora a re-
normalização tenha sido aceita como uma propriedade da
QED, o motivo pelo qual o programa de renormalização
realmente funciona na QED permaneceu conceitualmente
pouco claro.

1.5 Renormalização: Guia de Novas Teorias

Nem todas as teorias se mostraram renormálizaveis.


Por exemplo, a teoria de quatro férmions de Fermi para
as interações fracas (ψ̄γµ ψ ψ̄γ µ ψ) ou a interação do mo-
mento magnético ou termo de Pauli (ψ̄σµν ψF µν ) não eram
renormalizáveis. I
A renormalização na teoria das perturbações depende
do grau de divergência κ dos gráficos de Feynman, que é
determinado pela potência de massa do acoplamento (di-
nâmica) da teoria. Lembrando que [ψ ] = 3/2 e [φ] =
[Aµ ] = 1. O acoplamento da QED sendo adimensional,
[e] = M 0 , fornece κ = 0 (divergência logarítmica), en-
quanto a interação de quatro férmions possui κ = −2.
Temos, portanto, um critério de renormalização: sob uma
mudança de escala, a constante de acoplamento existente
sofre renormalização, e nenhum novo acoplamento deve
surgir.
Note que no caso da teoria de quatro férmions, o au-
mento do número de loops leva ao aumento do grau de
divergência dos diagramas,
1.6: Loops na teoria de Fermi.
17

Em nível de árvore o diagrama amputado é proporcional


a GF e portanto tem dimensão de M −2 . Em 1 loop as
duas constantes de acoplamento fornecem M −4 e o loop
leva a uma integral do tipo
Z
d4 p Z
2
∼ pdp ∼ Λ2
p

No caso de 2 loops, temos G3F


Z
d4 p1 Z d4 p2
∼ Λ4
p21 p22
e assim por diante. Portanto, quanto mais alto formos na
teoria das perturbações neste modelo, pior ficam as diver-
gências. Eliminar essas divergência através de subtrações,
exige mais e mais parâmetros e novos contra-termos terão
de ser introduzidos a cada ordem da teoria da perturbação
e, finalmente, precisaremos de um número infinito deles e,
portanto, um número infinito de parâmetros determinados
a partir do experimento.
No entanto, mesmo não sendo renormalizável essas te-
orias podem ser úteis a energias bem abaixo da escala
“natural” especificada pela sua constante de acoplamento.
Nesse caso a teoria pode ser considerada uma teoria efe-
tiva a baixas energias.
Por outro lado, teorias com acoplamentos com dimensão
de positiva de massa (“super renormalizáveis”) têm um
número limitado de infinitos e podem ser rapidamente re-
normalizados. As teorias “simplesmente renormalizáveis”
têm constantes de acoplamento adimensionais, como na
QED. Neste caso, como não há fatores de massa para ser
associado com os potências da constante de acoplamento,
conforme aumentamos a ordem da teoria da perturbação,
parece plausível que as divergências não sejam essencial-
mente piores e possam ser curadas por os termos contrá-
rios que compensavam as divergências mais simples.

1.6 Como Identificar os Infinitos


Nas TQC encontramos divergências que aparecem apenas
em estágios intermediários de cálculos que são cancelados
18

para dar origem a grandezas físicas finitas como massa,


carga, etc. É fundamental desenvolver métodos que nos
permitam manipular essas aparentes divergências de tal
modo a obter os resultados finitos. Para se implementar
esse programa, chamados de regularização, introduz-se um
parâmetro que, em um dado limite, evidencia os termos
divergente. No entanto, antes do limite tomado os termos
ainda finitos podem ser manipulados algebricamente. Em
geral procura-se sempre encontrar método que não quebre
as simetrias da teoria o que nem sempre é possível.
A maneira mais simples de implementar esse programa
é simplesmente introduzir um cutoff ultravioleta nas inte-
grais que divergem no infinito:
Z ∞ Z Λ
dp → dp com Λ → ∞
0 0

Esse método quebra tanto a invariância translacional no


espaço dos momento (p → p + q) e a invariância de gauge.
A regularização de Pauli-Villars35 utiliza o truque de sub- 35
W. Pauli and F. Villars. On
trair da contribuição de um loop divergente, uma contri- the Invariant Regularization in
Relativistic Quantum Theory. Rev.
buição idêntica apenas a trocando a massa (m) da partí- Mod. Phys., 21:434–444, 1949. doi:
cula por uma massa M . Essa nova partícula é encarada 10.1103/RevModPhys.21.434

como a contribuição de um campo fictício como os mes-


mos números quânticos mas com estatística oposta (sinal
negativo) da partícula física,
! !
1 1 1
→ − 2 com M → ∞
p + m2
2 2
p +m 2 p + M2

Esse método apesar de bastante artificial, preserva tanto a


invariância translacional como a de gauge.
Um método que teve enorme impacto do desenvolvi- 36
C. G. Bollini and J. J. Giambiagi.
mento das teorias de gauge não abelianas levando a prova Dimensional Renorinalization :
The Number of Dimensions as a
de sua renormalizabilidade é o chamado método da regu- Regularizing Parameter. Il Nuovo
larizaçao dimensional, Ele foi desenvolvido simultânea e Cimento B (1971-1996), 12:20–26,
1972a. doi: 10.1007/BF02895558
independentemente pelo físico argentinos Carlos Guido
Bollini e Juan José Giambiagi36 da Universidade Nacional
de La Plata e por Gerard ’t Hooft e Martinus Veltman37 37
G. ’t Hooft and M. Veltman.
da Universidade de Utrecht, na Holanda. Regularization and Renormalization
of Gauge Fields. Nuclear Physics
O método consiste na extensão analítica das dimensões B, 44(1):189 – 213, 1972. ISSN
do espaço-tempo de 4 para d = 4 − . Dessa forma as 0550-3213. doi: 0.1016/0550-
3213(72)90279-9
19

divergências usuais aparecem como pólos para para d → 4


(ou  → 0) integer. A invariância de gauge é mantida para
qualquer .
Em 1971, Bollini e Giambiagi haviam aplicado este mé-
todo para partículas escalares e submetido o artigo para
Physics Letters B da holandesa Elsevier, tendo sido rejei-
tado, segundo Giambiagi “porque se sabía que a dimensão
do espaço-tempo é 4". Escreveram em seguida um artigo
mais extenso e submeteram para a Il Nuovo Cimento B
em 18 de fevereiro de 1972 mas foi publicado apenas 9
meses depois, em 11 de novembro.
Enquanto isso, o artigo de ’t Hooft e Veltman subme-
tido em 21 fevereiro à Nuclear Physics B, foi publicado em
1 de julho de 1972. O artigo sugere o mesmo procedimento
de regularização, era mais abrangente e continha aplica-
ções às teorias de Yang-Mills mostrando que ela podia ser
renormalizada com esse método. Em 7 de agosto de 1972
é finalmente publicado o artigo original dos físicos argen-
tinos na Physics Letters B38 . Veltman era um membro da 38
C.G. Bollini and J.J. Giambiagi.
Advisory Editorial Board da Physics Letters B durante Lowest Order Divergent Graphs in
ν-dimensional Space. Physics Letters
todo esse período. B, 40(5):566 – 568, 1972b. doi:
’t Hooft e Veltman receberam o Prêmio Nobel de Fí- 10.1016/0370-2693(72)90483-2

sica em 1999. Os pesquisadores não são mencionado pela


Academia Real Sueca. A palestra do Nobel de Veltman
contém uma observação sobre: “Again I refer the interes-
ted reader to ref. [1] for details, including the independent
work of Bollini and Giambiagi.” onde a referência [1] e um
artigo do próprio Veltman.
2 Referências

T. Aoyama, T. Kinoshita, and M. Nio. Revised and Impro-


ved Value of the QED Tenth-order Electron Anomalous
Magnetic Moment. Phys. Rev. D, 97:036001, 2018. doi:
10.1103/PhysRevD.97.036001.

H. A. Bethe. The Electromagnetic Shift of Energy Le-


vels. Phys. Rev., 72:339–341, 1947. doi: 10.1103/Phys-
Rev.72.339.

C. G. Bollini and J. J. Giambiagi. Dimensional Renorina-


lization : The Number of Dimensions as a Regularizing
Parameter. Il Nuovo Cimento B (1971-1996), 12:20–26,
1972a. doi: 10.1007/BF02895558.

C.G. Bollini and J.J. Giambiagi. Lowest Order Divergent


Graphs in ν-dimensional Space. Physics Letters B, 40(5):
566 – 568, 1972b. doi: 10.1016/0370-2693(72)90483-2.

L. M. Brown and L. Hoddeson, editors. The Birth of


Particle Physics. Cambridge University Press, 1983.
ISBN 978-0521338370.

T. Y. Cao and S. S. Schweber. The Conceptual Founda-


tions and the Philosophical Aspects of Renormalization
Theory. Synthese, 97:33–108, 1993. ISSN 1573-0964. doi:
10.1007/BF01255832.

P. A. M. Dirac. Discussion of the Infinite Distribution of


Electrons in the Theory of the Positron. Mathematical
Proceedings of the Cambridge Philosophical Society, 30
(2):150–163, 1934a. doi: 10.1017/S030500410001656X.

P. A. M. Dirac. Structure et Propriétés des Noyaux Atomi-


que. In Septième Conseil de Physique, Solvay, page 203,
Paris, 1934b. Gauthier-Villars.
22

S. D. Drell. Experimental Status of Quantum Electrody-


namics. Physica A, 96(1):3 – 16, 1979. ISSN 0378-4371.
doi: 10.1016/0378-4371(79)90190-0.

F. J. Dyson. The Radiation Theories of Tomonaga,


Schwinger, and Feynman. Phys. Rev., 75:486–502, 1949.
doi: 10.1103/PhysRev.75.486.

R. P. Feynman. Space-Time Approach to Non-Relativistic


Quantum Mechanics. Rev. Mod. Phys., 20:367–387,
1948a. doi: 10.1103/RevModPhys.20.367.

R. P. Feynman. A Relativistic Cut-Off for Classical Elec-


trodynamics. Phys. Rev., 74:939–946, 1948b. doi:
10.1103/PhysRev.74.939.

R. P. Feynman. Relativistic Cut-Off for Quantum Elec-


trodynamics. Phys. Rev., 74:1430–1438, 1948c. doi:
10.1103/PhysRev.74.1430.

H. Fukuda, Y. Miyamoto, and S. Tomonaga. A Self-


Consistent Subtraction Method in the Quantum Field
Theory. II-2. Progress of Theoretical Physics, 4(2):121–
129, 1949. doi: 10.1143/ptp/4.2.121.

W. H. Furry. A Symmetry Theorem in the Positron The-


ory. Phys. Rev., 51:125–129, 1937. doi: 10.1103/Phys-
Rev.51.125.

W. H. Furry and J. R. Oppenheimer. On the theory of


the electron and positive. Phys. Rev., 45:245, 1934. doi:
10.1103/PhysRev.45.245.

M. Gell-Mann and F. E. Low. Quantum Electrodynamics


at Small Distances. Phys. Rev., 95:1300–1312, 1954. doi:
10.1103/PhysRev.95.1300.

W. Heisenberg. Remarks on the Dirac Theory of the


Positron. Z. Phys., 90(3-4):209–231, 1934. doi:
10.1007/BF01333516.

K. Huang. A Critical History of Renormalization. Inter-


national Journal of Modern Physics A, 28(29):1330050,
2013. doi: 10.1142/S0217751X13300500.
23

H. A. Kramers. Quantentheorie des Elektrons und der


Strahlung. Akademische Verlagsgesellshaft, Leipzig, 1937.

P. Kusch and H. M. Foley. The Magnetic Moment of


the Electron. Phys. Rev., 74:250–263, 1948. doi:
10.1103/PhysRev.74.250.

W. E. Lamb and R. C. Retherford. Fine Structure of the


Hydrogen Atom by a Microwave Method. Phys. Rev., 72:
241–243, 1947. doi: 10.1103/PhysRev.72.241.

H. W. Lewis. On the Reactive Terms in Quantum Elec-


trodynamics. Phys. Rev., 73:173–176, 1948. doi:
10.1103/PhysRev.73.173.

H. A. Lorentz. The Theory of the Electron. Dover, New


York, 1952.

J. E. Nafe, E. B. Nelson, and I. I. Rabi. The Hyperfine


Structure of Atomic Hydrogen and Deuterium. Phys.
Rev., 71:914–915, 1947. doi: 10.1103/PhysRev.71.914.

J. R. Oppenheimer. Note on the Theory of the Interaction


of Field and Matter. Phys. Rev., 35:461–477, 1930. doi:
10.1103/PhysRev.35.461.

A. Pais. On the Theory of the Electron and of the Nu-


cleon. Phys. Rev., 68:227–228, 1945. doi: 10.1103/Phys-
Rev.68.227.2.

A. Pais. Inward Bound: Of Matter and Forces in the Phy-


sical World. Oxford University Press, 1986. ISBN 978-
0198519973.

W. Pauli and F. Villars. On the Invariant Regularization


in Relativistic Quantum Theory. Rev. Mod. Phys., 21:
434–444, 1949. doi: 10.1103/RevModPhys.21.434.

S. Sakata. The Theory of the Interaction of Elementary


ParticlesI. The Method of the Theory of Elementary
Particles. Progress of Theoretical Physics, 2(3):145–150,
1947. doi: 10.1143/ptp/2.3.145.

A. Salam, H. A. Bethe, P. A. M. Dirac, W. Heisenberg,


E. P. Wigner, O. Klein, and E. M. Lifshitz. From a Life
of Physics. World Scientific, 1989. doi: 10.1142/0877.
24

S. S. Schweber. Shelter Island, Pocono, and Oldstone:


The Emergence of American Quantum Electrodynamics
after World War II. Osiris, 2(1):265–302, 1986. doi:
10.1086/368658.

J. Schwinger. On Quantum-Electrodynamics and the


Magnetic Moment of the Electron. Phys. Rev., 73:416–
417, 1948a. doi: 10.1103/PhysRev.73.416.

J. Schwinger. Quantum Electrodynamics. I. A Covariant


Formulation. Phys. Rev., 74:1439–1461, 1948b. doi:
10.1103/PhysRev.74.1439.

R. Serber. A Note on Positron Theory and Proper Ener-


gies. Phys. Rev., 49:545–550, 1936. doi: 10.1103/Phys-
Rev.49.545.

G. ’t Hooft and M. Veltman. Regularization and Renor-


malization of Gauge Fields. Nuclear Physics B, 44(1):
189 – 213, 1972. ISSN 0550-3213. doi: 0.1016/0550-
3213(72)90279-9.

S. Tomonaga. On a Relativistically Invariant Formu-


lation of the Quantum Theory of Wave Fields. Pro-
gress of Theoretical Physics, 1(2):27–42, 1946. doi:
10.1143/ptp/4.2.121.

E. A. Uehling. Polarization Effects in the Positron The-


ory. Phys. Rev., 48:55–63, 1935. doi: 10.1103/Phys-
Rev.48.55.

V. F. Weisskopf. Über die selbstenergie des elek-


trons. Zeitschrift für Physik, 89:27–39, 1934. doi:
0.1007/BF01333228.

V. F. Weisskopf. Über die Elektrodynamik des Vakuums


auf Grund der Quantentheorie des Elektrons. Math.-Fys.
Medd., Danske Vid. Selsk., 16:1–39, 1936.

V. F. Weisskopf. On the Self-Energy and the Electromag-


netic Field of the Electron. Phys. Rev., 56:72–85, 1939.
doi: 10.1103/PhysRev.56.72.

Você também pode gostar