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Retiro de Verão 2015

Sexta – Noite
● Ao sermos atacados, o melhor a se fazer é permanecermos em silêncio
● Sutra do Lótus
● Filme Ana Karenina de Tolstoi: filme budista
● (58:00) O Lama acha extraordinário que a gente se senta numa assembléia do Dharma como essa
para purificar e sutilizar a nossa visão das coisas. O Lama fica super feliz. Existem os seres
humanos e os seres humanos que tem uma vida humana preciosa, que é o caso daqueles que querem
realmente avançar: eles não apenas são alcançados pelos budas, mas eles se levantam e querem se
aproximar dos budas. Isto é muito extraordinário, e o Lama fica muito feliz e comovido que a gente
esteja aqui. Sob o ponto visto sutil, é certo que tem uma energia sutil que se movimenta dentro de
nós, pois caso contrário não estaríamos aqui (no retiro). Essa energia sutil, se não é a boddhicita
completa, é boddhicita em algum nível. Isto é certo! Boddhicita não é alguma coisa que a gente
manobre conceitualmente, mas sim alguma coisa que brilha por dentro dos olhos, por dentro da
energia. Se estamos aqui, então é porque isto está acontecendo. É uma felicidade para o Lama estar
junto com a gente nesse momento. Nós temos uma vida humana preciosa, e portanto devemos nos
cuidar, comer direito e cuidar, pois a humanidade está precisando de pessoas que possuem algum
nível de boddhicita para proteger e cuidar. Nós somos preciosos: um por um!!! Nós temos muita
coisa para fazer!!! Temos que aperfeiçoar essa visão e nos tornarmos capazes de ajudar os seres e
avançar. Mas esse aspecto sutil, que é essa energia avançando nessa direção, já está presente.
Temos que guardar isso como o contato com o próprio Buda Primordial É o aspecto mais profundo
de nós mesmos aflorando!

Sábado – Manhã
● O Caminho Mahayana começa com o Sutra do Lótus de Maitreya sobre boddhicita
● Garab Dorje: abordagem “Visão, Meditação e Ação” e grande propagador dos ensinamentos de
Dzogchen
● Garab Dorje → Vajrasatva → ver o aspecto primordial por trás de todas as aparências
● Mudra de Milarepa de colocar a mão no ouvido: todos os sons são os sons do Dharma
● Namkai Norbu Rinpoche interpretou o mudra de Milarepa como Milarepa apertando uns pontos
na orelha e na cabeça
● Cada classe de ensinamento corresponde à uma abordagem de “visão, meditação e ação”
diferente
● Os ensinamentos preliminares apontam para a visão
● Fazer os ensinamentos chegar nas pessoas já é ação no mundo
● Os 21 Itens trazem os ensinamentos preliminares da visão
● Ensinamentos de Guru Rinpoche sobre o Bardo da Meditação → Dudjom Lingpa → Dudjom
Rinpoche → Gyatrul Rinpoche → conselhos de como, a partir da motivação de praticar a
meditação, podemos avançar até o ponto final
● De onde brota a Sabedoria do Buda? Brota da Sabedoria Primordial. A Sabedoria Primordial é a
sabedoria que brota da vacuidade. Quando nós utilizamos como referencial a ausência de
referenciais, a gente vê as coisas surgindo a partir de referenciais específicos. Sempre que a gente
estiver olhando a partir de um referencial específico, teremos a sabedoria daquele referencial. No
entanto, existe a Sabedoria do referencial da própria vacuidade, da mente ampla e livre sem
conteúdo. Essa mente ampla e livre sem conteúdo não gera um conhecimento que seja dependente
de alguma coisa, mas sim gera a Visão que é capaz de reconhecer como que as aparências surgem a
partir de referencias específicos. Essa é a própria Visão descrita no texto da Prajnaparamita. Os
bodisatvas repousam nessa Sabedoria que brota da vacuidade. Isto é rigpa, a mente do Buda.
● A dificuldade em atingirmos a Iluminação é que sempre temos referenciais ocultos que não
conseguimos localizar direito.
● Nós não vemos que não vemos.
● O Buda não rejeita os referenciais limitados.
● Não conseguimos falar das aparências sem falar da vacuidade, e vice-versa. Isto é a
Prajnaparamita.
● Essência da moralidade: não olhar as outras pessoas/coisas como fonte de refúgio. Não podemos
tomar refúgio em coisas ilusórias que estão presas à Roda da Vida
● O Lama escutou ensinamentos de Jamgong Kongtrul Rinpoche sobre não tomarmos refúgio em
coisas que não são fonte de refúgio
● A moralidade no aspecto cognitivo é insuficiente. O aspecto da energia é muito importante.
● Mães, pais, filhos, conta bancária, emprego não são fontes de refúgio
● Os ensinamentos preliminares que o Lama explicou acima são para Bloco 2.
● Para as pessoas que não estão num caminho espiritual, apresentamos a Roda da Vida
● Shamata vem antes da Visão. Se a mente estiver agitada, nem conseguimos ouvir sobre a Visão.
● (1:09:00) O mundo não nos prende por cordas rígidas, mas porque rouba a nossa atenção
● Eduardo Pinheiro (108 Horas de Paz?) → Economia da Atenção → conversão do tempo de
atenção a um valor econômico. O tempo que nos dedicamos a alguma coisa tem um valor
econômico. Os sites se financiam vendendo tempo de atenção das pessoas. A nossa mente é um
recurso natural da atividade econômica.
● A nossa sensação de falta de tempo é a falta de espaço na mente.
● Estabilização da energia implica em estabilização da mente
● Thinley Norbu: as cinco energias são cinco deusas, mas podem se manifestar como cinco bruxas
● Shamata: olhar a energia do espaço amplo e aberto da mente, que é o lung do elemento éter
● Lung do elemento éter: ativa a respiração
● Lung do elemento fogo: ativa o calor no corpo
● Lung do elemento água: ausência de tensão e tendência a liberar a tensão no corpo e na mente.
Produz relaxamento da tensão.
● Lung do elemento terra: sensação de firmeza
● Não precisamos pensar sobre os 5 lungs, mas sim localizamos os 5 lungs. O objeto da meditação
nos 5 lungs não é cognitivo.
● A abordagem Vajrayana se abre a partir da Prajnaparamita
● Sugestão do Lama: praticar Shamata nos 5 Lungs num ambiente aberto (jardim, etc)
● Com o elemento água relaxado, o elemento terra fica mais visível.
● Podemos cultivar o elemento fogo: fazer aparecer o calor. Este calor é curativo. Podemos
deslocar o calor para diferentes partes do corpo e curar o corpo.
● Elemento éter: podemos atravessar as aparências, percebendo o espaço muito amplo além das
aparências. Este é o elemento éter grosseiro, que funciona bem. O elemento éter sutil é o espaço
livre da mente, é o espaço vivo de não pensamento.
● O que sustenta a posição do corpo na meditação é a energia!
● Quando nos distraímos, devemos então retornar para a energia.
● Os 5 elementos atuam como 5 postes que cercam um cavalo.
● Não precisamos pensar (transformar em palavras) sobre o ar, o calor, o relaxar, a estabilidade e o
elemento éter, eles aparecem e vemos. Isso é o aspecto não cognitivo. Se pensarmos que não
devemos pensar, aí complicou! Temos que deixar a respiração fluir e os lungs fluírem. Lung é
vento. Então, são as 5 respirações: uma para cada elemento. Em tudo que estivermos fazendo nas
atividades diárias, temos que deixar os lungs fluírem.

Sábado – Noite
● As experiências que temos nos sonhos revelam as nossas estruturas cármicas que
experenciaremos no momento da morte, pois tanto no sonho quanto na morte a mente está mais
esvoaçada.
● (25:30 até 31:00) O Lama contou sobre a experiência e a formação dele no curso de Física. O
Lama disse que estudou os aspectos filosóficos da Física Quântica. Isso ampliou a visão do Lama, e
ele passou a achar que estudar os aspectos matemáticos/cálculos da Física Quântica seria uma visão
muito estreita. Isto corresponde a sair do Bloco 0 (i.e. normalidade) das pesquisas e trabalhos
acadêmicos e ir ao Bloco 1.
● Grupo de Roma e livro “Limits of Growth”: fala sobre os cenários previstos há 40 anos atrás para
o mundo de hoje. Essencialmente, eles estavam corretos. Tem uma nova versão atual que reavalia
esses estudos.
● Temos que fazer esforços para olhar e sair do Bloco 0 e ir para o Bloco 1.
● Bloco 2: é buscarmos um método para fazer a transição da visão comum da normalidade, além
das aparências limitadas. Ao entrarmos no Bloco 2, naturalmente deixamos algumas coisas para
trás.
● (38:30) Ciência: contemplamos alguma coisa que está na nossa frente, que a gente pode ver.
Budismo: contemplamos o que está na nossa frente, mas sabendo que é um espelho da própria
mente. Assim, temos que contemplar as coisas internas.
● (44:20) Não podemos seguir estudando todos os ensinamentos. Temos que eleger um conjunto de
ensinamentos para estudar, pois caso contrário nós não avançamos. Depois de avançarmos é que
podemos ampliar a base, mas sem perder a altura. É por isso que um professor pessoal é
fundamental!!!
● Guru Yoga é copiar a mente do Lama. O Caminho de Guru Yoga é muito mais rápido que o
Sutrayana (i.e. estudar os textos). A relação Lama–aluno é como dois ladrões: o Lama rouba a
mente limitada do aluno e o aluno rouba a mente ampla do Lama.
● O Lama comentou sobre o Capítulo 9 do Lankavatara Sutra: o Buda falou para não nos
alimentarmos de seres que queremos beneficiar, ou seja, não devemos comer carne
● Processo: meditação + estudo + andar no cotidiano. O andar no cotidiano é o tecer da nossa
prática e ao mesmo tempo o exercício de trazer benefício aos seres
● (1:18:00) Prática na vida cotidiana: ficamos no mesmo lugar que estamos, sem mexer em nada,
mas buscando melhorar as relações em todas as direções e trazendo benefícios para as pessoas. O
lugar onde nós estamos é o lugar perfeito, é o melhor lugar. Se mais adiante descobrirmos que tem
um outro lugar que é mais benéfico para aquelas pessoas e para outras pessoas, então aí podemos
mudar de lugar.

Domingo – Manhã (O Lama descreveu com bastante detalhes a imagem de Guru Rinpoche)
● A visão é o Prajnaparamita
● Temos que ter visão, praticar meditação e desenvolver habilidades para andar no mundo. A vida
cotidiana é o melhor lugar para praticarmos a visão. Temos que unir o caminho espiritual com a
vida cotidiana, pois caso contrário teremos problemas.
● É a boddhicita, o brilho, que sustenta os nossos estudos, a meditação, e a ação no mundo. Se
sentimos que temos boddhicita, isto é lembrança de vidas passadas (por exemplo, vemos um livro
ou uma imagem e surge um brilho, uma energia).
● A essência de Guru Yoga é boddhicita. O que gera meios hábeis é boddhicita.
● 12o Elo (morte): é a dissolução das identidades ilusórias
● O nosso currículo descreve as prisões em que estivemos. Nossas prisões se tornam nossos lugares
confortáveis, um lugar de refúgio. Em cada prisão, temos uma identidade associada.
● Boddhicita deveria ser a base de qualquer sistema de educação.
● Tomamos as aparências (negatividades e sofrimentos) como prática. Temos que testar a nossa
capacidade de girar a nossa mente e a nossa energia: para isso, localizamos os nossos inimigos e
giramos a mente, giramos a energia. É boddhicita que possibilita isso. Este ponto toca shamata,
vipássana (visão) e a prática da vida cotidiana. Aqui, já tem o aspecto da vacuidade, pois o inimigo
surge pelo nosso olhar. Se o nosso olhar muda, então a aparência do outro muda. Isso é a vacuidade.
● As aparências neutras são muito mais abundantes que as atraentes e as repulsivas. É por isso que
não conversamos com 95% das pessoas. Nós conversamos apenas com as pessoas que temos
atração e repulsão.
● A tradição espiritual mais antiga é a xamânica. A tradição xamânica é olhar as coisas como elas
são. A tradição xamânica privilegia os sonhos.
● A experiência da compreensão lúcida das bolhas em que as pessoas estão produz compaixão. A
meditação possibilita acessar as bolhas onde as pessoas estão presas. Desse modo, vamos curando
as relações uma por uma. Isto corresponde às relações atrativas, repulsivas e neutras.
● O nosso desafio é não nos tornarmos iguais aos que estão presos no samsara, é não nos deixarmos
arrastar.
● (1:33:20) Se estamos meditando e viajando nesses ambientes de sofrimento, e então brota
boddhicita, ao analisarmos os 5 lungs neste momento perceberemos que: o lung do elemento éter
brilha; na sequência, é inevitável que a gente respire; brota um calor; ficamos distensionados; e
ficamos firmes. Estes são os 5 lungs de boddhicita. Aí vemos aquela realidade brilhando. Quando
sentimos essa energia que aparece, podemos dizer que essa é a energia da “Intenção Iluminada de
Guru Rinpoche”. Assim entendemos o que significa “Intenção Iluminada de Guru Rinpoche” e o
que Guru Rinpoche fez: ele manifestou a “Intenção Iluminada” o tempo todo. Guru Rinpoche era
movido por essa energia. Isso é Guru Rinpoche. A essência de Guru Yoga é a transmissão da
“Intenção Iluminada de Guru Rinpoche”. Se isto brota em algum lugar, é uma experiência não
cognitiva, e termina alterando todas as nossas experiências do samsara, uma a uma.
● (1:35:50) O Lama contou que Chagdud Rinpoche disse que ele veio para o Brasil para cumprir o
voto de trazer benefício aos seres. Esse voto começou quando em uma outra vida ele era o Rei Lang
Dharma no Tibet (que por sua vez foi um dos 25 discípulos de Guru Rinpoche) que foi preso e
então fez o voto de boddhicita na prisão. Chagdud Rinpoche lembrava dessa aspiração, e ele achou
que aqui no Brasil era o lugar e o momento dele retomar e cumprir esse voto. O que ele fez aqui no
Brasil ele não fez em nenhum outro país.
● Clara-Luz Mãe é a Natureza Primordial
● (1:47:00) Existe o aspecto do conteúdo que passa por dentro da nossa mente. De um modo geral,
nós dizemos que o conteúdo que passa na nossa mente é a manifestação da nossa mente. Na
ausência do conteúdo, é como se não tivesse mente. O aspecto secreto da mente é o espaço de
possibilidades aonde os múltiplos pensamentos e posicionamentos surgem. Enquanto os conteúdos
da mente flutuam, o espaço de possibilidades aonde os conteúdos se manifestam está sempre
presente. Este espaço de possibilidades aonde os conteúdos se manifestam é como o espaço para os
objetos. O espaço para os objetos não tem nada, é espaço. Mas não é o nada, mas sim o espaço
aonde os objetos podem se manifestar. O espaço está presente, não queima, não muda, não tem
tempo, nenhum nascimento nem desaparecimento. O espaço está incessantemente presente. O
aspecto secreto da nossa mente é esse silêncio na ausência de conteúdos. É um silêncio vivo e
luminoso, que pode construir.
● (1:54:00) Dalai Lama: temos que meditar durante 2 horas consecutivas. Se conseguirmos fazer
isso, aí seremos capazes de fazer uma mão aquecer e a outra esfriar, e depois ao contrário.
● A chave para manter a prática é boddhicita
● Mestre Dogen: não sentamos para praticar meditação, mas sim para praticar a Iluminação.
Sentamos inseparáveis de todos os budas e de todos os seres.
● Com boddhicita, os 5 lungs aparecem naturalmente.
● (2:20:40) Minha pergunta: “A meditação nos 5 lungs que o Lama apresentou na manhã de ontem
está baseada em algum sutra do Buda ou livro de algum mestre? Seria oMaha-satipatthana Sutra do
Buda”? Resposta: textos vajrayana sobre yoga tibetana, medicina tibetana, morte, ensinamentos de
Guru Rinpoche sobre os Bardos, livro “Magic Dance” de Thinley Norbu

Domingo – Tarde
● Se não tivermos boddhicita a nossa prática fica super devagar, fica burocrática. Se tivermos foco
em boddhicita, então as coisas andam.
● Sugestão do Lama para as preliminares: livros “Palavras do Meu Professor Perfeito” (Patrul
Rinpoche – Nyingma), “Ornamento da Preciosa Liberação de Gampopa” (Kagyu), Lamrim (Gelug)
● A opinião do Lama é que o Ngondro no formato tradicional é insuficiente e precisa ser atualizado.
O Dalai Lama acha que o Lamrim também precisa ser atualizado para os dias de hoje.
● Precisamos entender filosofia, medicina e psicologia com o olhar do Dharma. Temos que integrar
todas essas coisas com o budismo na vida cotidiana. Não conseguimos avançar sem integrar.
● Se no ambiente onde estamos nós achamos que os sentimentos negativos são justos, então
estamos avançamos por um lado e afundamos por um outro.
● (48:35) A chave da superação do carma é a compreensão de que as ações foram feitas dentro de
bolhas de realidade; aqueles seres que produziram as ações vivem dentro daquelas bolhas, mas nós
não somos isso; a nossa natureza é uma natureza livre. A nossa natureza pode manifestar isso; se
precisar pagar nós pagamos, mas nós não somos aquilo. O “julgamento” é uma consequência do
acúmulo do carma de culpa que vamos gerando. Vamos fazendo as ações e vamos acumulando
carmas de culpas. Precisamos nos perdoar. Se não nos perdoarmos, então o “juiz” não perdoa.
● Temos que fazer mettabhavana para melhorar toda a situação cármica, pois vamos olhar para os
seres sem uma visão de oposição, de luta contra, de desgaste, de sofrimento na presença deles.
● (52:00) Temos que fazer mettabhavana para os filhos. Os pais vêem os filhos sem compaixão,
sem boddhicita e sem mettabhavana. Os pais têm cobranças, querem coisas dos filhos, acham que
os filhos são um pedaço da vida deles, não enxergam que os filhos são seres. Os pais olham os
filhos dentro de um contexto e cobram deles. Os pais têm que fazer mettabhavana para emancipar
os filhos. Desse modo, vamos entender que não temos como cuidar deles a vida toda, que a vida é
deles, que eles vão se levantar e vão andar, eles vão se bater onde tiverem que se bater, e vão
encontrar ausência de sentido das coisas, vão encontrar as frustrações inevitáveis, vão passar pela
decrepitude, e é muito provável que eles vão morrer depois dos pais e os pais não terão como ajudá-
los.
● Devemos fazer mettabhavana também para os outros seres. Por exemplo: quando vemos um
caminhão de animais indo para o abate.
● A compreensão da realidade diante de nós começa com o Prajnaparamita.
● (1:05:10) O processo de educação é para nos tornarmos confiáveis dentro de uma estrutura de
produção. Assim, somos condicionados a responder de um certo modo. O processo de educação vai
nos estruturando dentro de um conjunto de respostas automatizadas.
● De maneira geral, quem está em Faixa 2 dirige os que estão em Faixa 1. O budismo começa em
Faixa 3.
● Faixa 4: a pessoa tem intuições que ela não sabe a origem.
● O orientador de tese do Lama se chamava Anildo Bristoti.
● As pessoas em Faixa 4 geralmente tem dificuldade em escutar os outros. Elas têm que escutar
dentro e fora delas. Para os que estão em Faixa 4 e não possuem um mestre físico, as circunstâncias
são o mestre.
● Nas tradições xamânicas, as circunstâncias externas são o mestre, inclusive no grau da direção do
vento, por exemplo; todas as coisas estão interrelacionadas, e a pessoa aprende a olhar para tudo.
● Os 6 Bardos são 6 formas de vida, são 6 formas de manifestação da natureza luminosa da nossa
própria mente em diferentes contextos. Dentro de uma perspectiva comum, consideramos apenas
vida e morte. Tem as instruções de Guru Rinpoche para cada um dos 6 Bardos.
● O Lama comentou de uma jibóia que cuidou de um rato. Isto é a mente búdica!

Domingo – Noite
● Sono durante a meditação: podemos ir dormir para descansar (quando estamos em retiro, é
comum termos muito sono durante uns 10 dias devido à crise de abstinência de adrenalina da vida
cotidiana) ou podemos dormir sentados durante uma seção de 15 minutos (o Lama falou que isso é
muito bom!)
● O Quadro dos 240 Itens está associado a: 10 ações não-virtuosas; aos 4 níveis de corpo, fala
(energia), mente e paisagem; 6 emoções perturbadoras (Kalama Sutra). Isto totaliza 240. Os
venenos da mente são 3 (ignorância, desejo e apego, raiva) e estão associados aos 3 animais (javali,
galo e cobra).
● O Quadro de 240 Itens está associado ao samsara, e vamos migrar para o Quadro de 200 Itens.
● O Quadro de 200 Itens está associado a: 5 Sabedorias dos 5 Dhiani Budas; 10 virtuosas (as 4
Verdades Incomensuráveis e as 6 Perfeições); 4 níveis de corpo, fala (energia), mente e paisagem.
Isto totaliza 200, e vamos treinar nisso.
● Se tentamos praticar boddhicita e não conseguimos, então o obstáculo está mapeado no Quadro
dos 240 Itens. Isto é matemático. Quando não conseguimos olhar certas pessoas com boddhicita,
então evocamos o Quadro dos 240 Itens. Em seguida, vamos trabalhar nas 6 emoções
perturbadoras. No entanto, vamos substituir o enfoque trabalhando com as 5 Sabedorias: aos invés
de olhar para as pessoas com as 6 emoções perturbadoras, vamos olhar para elas com as 5
Sabedorias. Com isso, percebemos que passamos muito tempo presos nisso e vamos destrancando
tudo isso e surgem os lungs. Desse modo, percebemos que as pessoas não vivem do lado fora de
nós, mas sim dentro de nós. Assim, quando destranca (e parece que destranca fora) a nossa saúde
começa a melhorar: aquele seres que parecem que estão fora na verdade estão por dentro nos
comendo, e então começamos a desenvolver sintomas. Isto é super necessário!!!
● De modo geral, só vemos aquilo que nos assusta ou nos atrai, e isto corresponde a uma fração
muito pequena. O restante são manifestações neutras que não vemos direito. O aspecto neutro (as
sombras) de indiferença pode surpreender e se tornar atraente/assustador.
● Uma das coisas que atraiu o Lama para o Budismo foi o Prajnaparamita e o Sutra do Diamante.
Como ele não entendeu nada na época, ele achou esses textos super interessantes. Ele sentiu uma
atração pelo Prajnaparamita logo de saída.
● O samsara é um empreendimento destinado ao fracasso, pois só temos frustrações e perdemos
tudo que acumulamos, estamos sempre transmigrando, e nunca chegamos à alguma coisa final.
● Quando sentamos meditando com a instrução de inspirar & expirar, o que importa é que tem algo
parado atrás da inspiração & expiração, que é a nossa natureza última. Inspirar & expirar é uma
transmigração, mas tem algo parado atrás.
● Mandala é uma visão de sabedoria.
● (49:15) Os “eus” surgem dentro das bolhas: trocou de bolha, o “eu” muda. Os carmas recorrentes
são características de bolhas: quando estamos em outra bolha o carma não aparece. Quando estamos
nas terras puras os carmas evaporam. Quando estamos nas bolhas, os carmas estão fresquinhos
esperando. Os carmas não são nossos: são sabedorias e referenciais que podemos acessar. Quando a
gente morre, outros podem acessar a mesma coisa. Isto é super importante, e tem reflexos, por
exemplo, na Filosofia do Direito e nas questões da Paz e da Guerra. O Lama acha totalmente inútil
correr atrás dos nazistas para os aprisionar, pois são referenciais que atuam por um tempo e depois
transmigram para outros lugares. É visível que o comportamento agressivo e racista ocorre em
diferentes culturas. Aquilo não é genético, não está num povo, não está numa pessoa. Com a visão
de um “eu” parece que aquilo tudo pertence à pessoa, mas não pertence. A Ana Harendt estudou os
nazistas e localizou isso. Nós vamos encontrar hoje pessoas se manifestando com um
comportamento muito parecido com o nazista, super agressivos. Aquilo não pertence à alguém,
aquilo está flutuando. O Lama acha inacreditável que os cristãos sustentaram a Inquisição, eles
queimaram pessoas vivas. Nós estamos vendo agora que o Estado Islâmico queimou um piloto
iraniano. Para nós a Inquisição não é um grande problema; aquilo foi assim. Mas aquilo foi uma
coisa horrível. Essas mesmas expressões também surgiram e continuam surgindo em outras
tradições, e temos a tendência a os etnificar: isso são eles, que tem essa cara, que vivem em tais
lugares, eles são assim. Mas não é assim. Na visão budista, a gente entende tudo isso perfeitamente.
Isso é alayavijnana, que são as regiões impessoais onde estão os depósitos cármicos. Nós
transmitimos os carmas uns para os outros de várias formas. Então, nós não somos aquilo também.
Então o Lama acha injusto tomar uma pessoa e dizer que ela é aquilo, pois ela não é aquilo. É claro
que a pessoa pode estar operando sob aquele carma, presa dentro daquela bolha, e aí ela se
manifesta daquele modo. A gente não deveria deixar a pessoa ter êxito nessas ações. Mas, se a gente
pretender prender a pessoa àquilo, a pessoa não é aquilo. Então isto é a questão da identidade. Nós
somos essa liberdade.
● O ponto positivo disso tudo é que a natureza livre da mente é a única coisa estável que se
manifesta. Todo o resto é flutuante e fonte de sofrimento para nós e para os outros, é frustrante. Por
outro lado, quando nós avançamos, nós queremos escapar do sofrimento em direção à liberação. Na
medida em que nós nos aproximamos da liberação, as ações negativas vão cessando. Nós vamos
compreendendo isso, nós nos tornamos tolerantes, nós geramos boddhicita, a gente entende os
outros. É como Cristo diz: “A gente não pode julgar, eles não sabem o que fazem”. Não temos
como julgá-las. Assim, ao invés de surgir a hostilidade, surge boddhicita. É como olharmos um
filho que faz tudo errado: ele não aprendeu ainda, e vamos fazer o que? Vamos ter tolerância,
calma, paciência e mais capacidade de ajudar o outro, e vamos avançando. Assim, tudo converge
para boddhicita. Na medida em que nós nos manifestamos em boddhicita, a gente também vai
escapando da noção de identidade. Assim, Guru Yoga vai nos levando em direção a isso, nós vamos
saindo das bolhas.
● (1:09:30) No Bloco 1, descobrimos que a realidade é muito mais ampla do que a gente imaginava,
e podemos ficar fascinados com aquilo. Na experiência do Lama, eu leu muitas coisas e achava tudo
aquilo muito interessante. O Lama foi olhando várias tradições e viu que aquilo tudo convergia, mas
não tinham método, com exceção do Budismo. O Lama então achou o Budismo super favorável,
mas não atraiu muito ele no início, seria uma “terceira” opção. A conexão que o Lama encontrou foi
o Zen, mas não se falava nem de amor nem de compaixão, e o Lama achava isso super estranho,
pois é como se fosse mais formal, mais silencioso e mais distante. Aí o Lama foi entrando por isso,
foi compreendendo os aspectos de vacuidade, de dissolução das aparências da realidade, e foi
achando tudo super maravilhoso, que é o aspecto absoluto da compaixão. O Lama foi treinando por
isso, pelo Prajnaparamita, Sutra do Coração, Sutra do Diamante, e a visão daquilo parecia o ponto
principal. Quando o Lama encontrou os ensinamentos do Dalai Lama sobre bondade, amor e
compaixão, o Lama achou estranho, e então era o contrário. O Lama pensava: “Bondade sem
lucidez!? Não tem chance nenhuma! Vamos ficar cuidando das pessoas nas coisas inúteis que elas
estão vivendo, e não vai adiantar! É inútil! Totalmente inútil!” O Lama duvidou do Dalai Lama.
Mas a gente vai indo. No entanto, quando a gente entende boddhicita, aí é uma outra coisa, pois
brota bondade, amor, compaixão, alegria, equanimidade, generosidade, etc. Mas tudo isso surge
num outro sentido, pois tem uma lucidez junto. Ao fazermos as práticas, o Caminho é inevitável,
nós vamos seguindo. As etapas vão se descortinando uma depois da outra. Outro aspecto que
durante um tempo longo o Lama resistiu é a visão de Vajrasatva, pois o Lama preferia muito mais a
visão Sravaka-Pratyekabuddha do que a visão da Natural Perfeição. O Lama achava a visão da
Natural Perfeição um problema, pois ela não oferece um referencial para que a gente evite uma
coisa e procure outra. O Lama achava que aquilo facilmente corrompia a prática do praticante. Mas,
na verdade, não há esse problema. Na verdade, essa é a única prática que consegue efetivamente
ultrapassar os obstáculos. Não há outra. A prática na qual nós evitamos uma coisa e nos filiamos a
outra não tem a força suficiente para ultrapassar os obstáculos. Mas, na medida em que vamos
praticando uma prática, ela abre uma outra. Não precisamos nos filiar àquilo. Podemos até resistir,
ser contra, não tem problema nenhum! Seguimos praticando uma prática que é boa para a gente, e aí
ela abre uma outra. E aí nós vamos indo. Por exemplo, quando nós vamos seguindo pelo Bloco 2, é
inevitável o Bloco 3, pois na medida em que ganhamos a liberdade de acessar a natureza da mente,
nós vamos nos perguntar: “Eu vou operar com o que?” E aí vem o Bloco 3: vamos treinar o que
vamos utilizar como referencial para agir. Daí podemos dizer: “Agora eu encerrei a minha atividade
e vou ficar bem quietinho só praticando isso.” Mas não tem como: vamos nos levantar e trazer
benefícios aos seres, que é o Bloco 4. O desafio do Bloco 4 é se aproximar das pessoas que estão
fazendo tudo errado no Bloco -1 para as ajudar a sair daquilo. Assim, quanto maior a lucidez, pior o
lugar para aonde a gente vai. Se temos pouco lucidez, não podemos ir para um lugar muito ruim,
pois senão não dá certo. Quando temos muita lucidez, vamos para os piores lugares. É lá que estão
os seres mais aflitos.

Segunda – Manhã
● Loka = bolha de realidade = visão de mundo
● A visão nova das coisas surge quando não estamos tão presos às bolhas. Neste sentido, os alunos
médios tem um maior potencial para mudar as coisas do que os melhores alunos, pois os melhores
alunos apenas copiam a mente do professor, a qual está com a visão limitada da bolha.
● Moksha = liberação dos ciclos de mortes e renascimentos
● Paisagens são microbolhas dentro de uma bolha. Por exemplo, dentro da bolha humana, tem a
paisagem do Retiro de Verão.
● Na ciência, o critério de realidade é a causualidade.
● (1:56:00) O Buddha diz que tem vida fora das bolhas, sempre teve. A vida vem antes das bolhas.
É alguma coisa incessantemente presente, de modo como tem algo que permeia os sonhos e está
além dos sonhos, tem algo além dos sonhos acordados também. E então nós vamos falar da natureza
de Buddha, e isto também está ligado à natureza da vacuidade. Nós vamos falar da vacuidade das
coisas que estão diante de nós, da vacuidade interna, e podemos falar de uma vacuidade que está
além da própria vacuidade. É essa. Existe uma vacuidade na relação com os objetos e com as
identidades. Mas existe algo incessantemente presente além das aparências. Então isso é o que se
chama de aspecto secreto da realidade. Nós temos: o aspecto secreto, que é o aspecto último; o
aspecto sutil, que é inseparável do aspecto secreto, mas que tem forma e visibilidade; e o aspecto
grosseiro, que é o aspecto que nos engana, que surge como se fosse separado de nós. Na verdade,
esses 3 aspectos não se separam, eles são inseparáveis. No entanto, durante um tempo a gente vê
isso como separado. No início, nós somos capazes de apenas ver o aspecto grosseiro. Com o tempo
a gente vê o aspecto sutil, e mais adiante a gente vê o aspecto secreto. Quando queremos andar
rápido, tentamos entrar pelo aspecto secreto. É o aspecto secreto que tem essa noção da transmissão
mestre-discípulo. Os mestres aspiram poder transmitir o aspecto secreto, que o outro consiga ver
aquilo. Os diferentes mestres apresentam isso de acordo com as oportunidades, pois isso não é
alguma coisa acadêmica. Nós vamos de bolha em bolha transmigrando. Como nós estamos
transmigrando ou quando nós estamos dentro das bolhas, o que parece super importante para nós é
o conteúdo das bolhas, o que tem dentro. A gente não vê o fato de que enquanto estamos saindo de
uma bolha e entrando em outra e depois em outra, infinitamente, a gente está olhando os conteúdos
que aparecem de cada vez esperando que haja um conteúdo final. Isto pertence à avidya. Nós
procuramos no lugar errado e não encontramos. Aí começa esse estudo cuidadoso: a bolha surge
inseparável da mente que olha, ou seja, a bolha coemerge com a mente que olha. Quando mudamos
o aspecto interno, então a bolha muda. Aí começamos a mudar o foco, não estamos mais buscando
o conteúdo de uma bolha, mas sim nos dando conta de que o conteúdo de uma bolha depende do
posicionamento da mente; eles vêm juntos. Aí nos damos conta de que a mente está atuando: uma
hora dentro de uma bolha e outra hora dentro de outra. Portanto, a mente não é dependente da bolha
e nem fica verdadeiramente limitada à bolha. Se a mente ficasse realmente limitada à bolha, então
ela não poderia transmigrar para outra bolha. Isto é simples. Assim, não importa o conteúdo das
bolhas, pois o conteúdo varia. No entanto, existe a mente que está incessantemente presente
independentemente das bolhas: a mente se manifesta como uma bolha, depois como outra, e assim
por diante. Mas, tem algo parado que não é uma bolha e que está atrás das experiências das bolhas.
Tem algo parado ali. Especialmente no Dzogchen, isto é apresentado como o espaço. Chagdud
Rinpoche dizia: “O espaço acolhe todos os objetos, mas os objetos não afetam o espaço.” Ao
tirarmos um objeto do espaço, o espaço está lá, não acontece nada. A nossa mente se configura
como uma bolha e, ao tirarmos a bolha, a nossa mente está fresca, sem nenhum estresse, livre
daquela bolha, do mesmo modo como o espaço. Chagdud Rinpoche dizia: “Os pássaros voam e não
deixam traços no céu.” Isto é super bonito! Ou seja, o céu livre da mente não é maculado pelos
pensamentos que possam surgir, ele segue livre. Essas visões são interessantes, mas precisamos
perceber também o seguinte: quando o templo surge dentro do espaço, ele não macula o espaço
aonde ele existe; e não precisamos retirar o templo para o espaço ficar livre; o espaço continua
sendo o espaço livre por meio das coisas. Por exemplo, se nós estamos dentro de uma bolha de
realidade, nós não precisamos eliminar a bolha para usufruir a liberdade do espaço aonde a bolha
existe. Podemos fazer assim “Pluft!”(estalo de dedos), e estamos livres da bolha; não precisamos
fazer ela sumir; podemos caminhar suavemente por dentro da bolha sorrindo enquanto
reconhecemos o espaço que produziu a bolha e está além da própria bolha. Isto é chamado êxtase. A
palavra êxtase não é uma boa palavra, pois pertence a um contexto condicionado da nossa própria
cultura. Isto em sânscrito é sukkha, e é melhor entendermos assim. Isto é bem-aventurança, que
também não é uma boa palavra, mas às vezes é traduzido assim. Isto é thatata; é melhor usar uma
palavra assim. Thatata é assim: a gente vê o aspecto condicionado e vemos que ele brota da mente
livre como uma construção; e usufruímos da construção artificial produzida pela mente luminosa ao
mesmo tempo em que usufruímos da liberdade de ver aquilo!!! Então, nós estamos em meio à
experiência ilusória, mas a gente não rejeita a experiência ilusória; a gente vê a experiência ilusória
surgindo magicamente da própria mente. E, enquanto ela surge magicamente nós estamos livres
dela. Estar livre significa que podemos nos levantar e nos mover dentro de qualquer outro contexto,
pois o contexto não tem o efeito de avidya. Isto é sukkha: a gente vê a aparência, não rejeitamos a
aparência, mas a aparência não nos prende. Assim, olhamos esse aspecto: tem algo incessantemente
presente. Se não tivesse isso incessantemente presente, como é que poderíamos sair de uma bolha
para outra? Não teria como sair de uma bolha para outra. É porque existe essa bolha ilusória
sustentada pela luminosidade da nossa mente, e então dirigimos a luminosidade da nossa mente
para outra direção e produzimos outras coisas. Desse modo, o que é que é permanente em todas
essas bolhas? É a luminosidade da nossa mente!!! Podemos produzir diferentes objetos com a
luminosidade da mente, mas todos os objetos e todas as situações são apenas uma configuração da
luminosidade da mente, coemergindo com a experiência dos objetos. O que é que tem de
permanente em tudo? É a liberdade da mente e a luminosidade, as quais são inseparáveis. Essa
luminosidade dá significado lógico e adiciona energia. Assim, quando as coisas surgem, elas
surgem com uma energia e com uma configuração lógica de interrelação. É como um ladrilho
hidráulico e vermos um tabuleiro de dama. As pessoas fizeram um ladrilho hidráulico e não um
tabuleiro. Mas não tem importância. Olhamos aquilo e usamos como um tabuleiro. É simples!
Então, por trás daquilo que é rígido, não há uma rigidez. Sukkha é perceber que por trás do que é
rígido não há uma rigidez. Aí nós começamos a olhar em todas as direções, e a gente diz: “Tudo
bem. Num feriado de carnaval tudo bem. Mas quando for quarta-feira eu quero ver se aquilo é
rígido ou não é rígido. Quando eu tiver que pagar as contas no final do mês, aquilo é rígido ou não é
rígido? Quando estou jogando um jogo de xadrez, o cheque-mate é rígido ou não é rígido?” É isso
pessoal! A vida tem a rigidez do cheque-mate, o aspecto da existência e da não existência
simultâneos. O aspecto secreto é o fato de que há algo incessantemente disponível e atuante, que é o
aspecto luminoso e o aspecto livre da realidade. Esta é a nossa essência!!! Ao meditarmos com o
foco na respiração, é possível perceber que tem algo parado que liga uma respiração na outra. Nós
não precisamos ser arrastados pelos conteúdos que a gente vê dentro das bolhas e das borbulhas! É
simples! Isto significa refúgio na natureza de Buddha. A natureza de buddha é o que está parado
com o olho aberto, lúcido, e que é capaz de produzir mundos pela luminosidade. E isto ninguém
tem como tirar. Isto é chamado de orgulho vajra. Não tem como roubar o espaço livre e luminoso.
Não como roubar ou como perder. Não tem nascimento e não tem morte. Dependendo das
circunstâncias, enquanto for possível respirar, a gente só respira. Quando não for possível respirar,
aí a gente não respira. Vai ter um momento que a gente vai parar de respiração, não é? Mas ainda
assim o espaço livre e luminoso segue!!! O espaço livre e luminoso é a natureza de Buddha. Guru
Yoga é clarificar e gerar lucidez com respeito ao estado livre e luminoso. Aí, a nossa prática não é
outra. A nossa prática agora é focar isso!!!
● (1:16:00) Quando nós estamos praticando shamata, a gente busca um objeto para estabilizar a
mente, mas aquilo é uma bolha que a gente está criando; a gente cria uma bolha para parar dentro da
bolha. Mas aqui não, nós estamos parando fora da bolha!!! Isso não é uma bolha! Esse é o espaço
que sempre esteve disponível. É o espaço aonde as bolhas surgem. Se não tivermos nenhuma
consciência sobre isso, não tem importância, e seguimos atuando. Por isso que quando a gente
dorme e acorda, a gente tem a sensação de que dormiu e acordou. A sensação de continuidade não
vem dos conteúdos que a gente viveu, mas sim desse espaço livre e luminoso. É isso que dá a
sensação de continuidade. A gente nasceu bebê e viveu muitas coisas diferentes, nós não somos os
mesmos seres, nós não somos nem o currículo, nós não somos isso. Nós somos o silêncio por trás
do currículo! Podemos meditar no currículo: 1967 tal coisa, e tem o espaço livre atrás daquela
coisa; 1972 outra coisa, e assim por diante; e tem algo parado atrás, igual, não envelheceu, está
idêntico. Se nós separarmos a experiência que estamos vivendo dessa condição parada, isto seria
uma artificialidade; isso é uma linguagem dizer que há duas coisas separadas; aquilo está dentro;
não tem como aparecer algo na nossa frente senão pela luminosidade da mente! A luminosidade da
mente é outro aspecto que a gente pode utilizar para apresentar a originação dependente.
● (2:19:55) O Lama explica a originação dependente através do exemplo da semente de arroz. Em
cada situação tem uma mente luminosa que olha em volta e que cria outras coisas. Por exemplo, nós
podemos tomar a argila, juntar, e a mente luminosa faz surgir o pote. Isto é originação dependente!
Da dependência da luminosidade da mente e do reconhecimento da argila é que nós produzimos o
pote! E podemos ir para trás: e a argila seria o que? Na dependência de uma outra experiência nós
vemos a argila, e assim por diante. Então nós vamos recuando e nós não encontramos um ponto que
seja sólido. Nós só encontraremos a luminosidade da mente produzindo etapa por etapa a aparência
daquilo. Isso é a originação dependente. Por exemplo, tem o templo, que surge por originação
dependente: nós temos uma mente interna que tem um templo, e essa mente aparece na forma da
configuração externa. Então olhamos para o cimento, o ferro, a areia, a madeira, a tinta, e vemos o
templo. Isto é a mente da originação dependente. A mente da originação dependente constrói os
todos os mundos, mas só que ela constrói de um modo tão hábil parecido com o teatro, o cinema, o
carnaval, em que vestimos as pessoas e elas viram princesas e rainhas. Com papel machê a gente
constrói coisas enormes que desfilam nos carros. Isso é originação dependente. Aquilo está ali, mas
não está ali, mas está. Se não estivesse, como é que encontraríamos critérios para julgar a melhor
escola? Agora, o ponto importante disso é que quando a gente olha para os objetos eles emanam a
aparência deles sobre nós, a nossa energia se move, as bolhas se estabelecem e vivemos aquilo.
Então, a arte é o que está mais próximo dessa forma de compreensão. A arte vai trabalhar
diretamente com isso. Sem essa natureza livre, não haveria a tristeza dos carros parados no final do
carnaval. Todo mundo que viu o desfile deveria depois observar os carros. Os carros estão sem
magnetismo, estão parados. A gente não sabe se bota fogo, corta, o que é que a gente faz com
aquilo. Qual é a diferença? A luminosidade da mente não está mais sustentando as aparências.
Aquilo não estava nos objetos! Podemos ver a originação dependente em qualquer coisa. O Lama
prefere essa expressão assim: a gente toma o que não é, e faz outras coisas que também não são.
Isso é a descrição da luminosidade da mente. Por exemplo: eu pego o barro e transformo em pote,
mas não tem o barro também. Mas nós temos uma experiência de barro também. Então, começamos
assim: eu pego o barro, mas o barro não é o barro também. Assim, pegamos o que não é, e
transformamos em outra coisa que também não é. Pegamos o papel, fazemos papel machê e criamos
seres fantásticos. O papel também não é papel, o papel machê também não é papel machê, e os
seres fantásticos também não são seres fantásticos. No entanto, aproveitamos um nível de
luminosidade que já está presente, olhamos para aquilo, e tomamos aquilo como base para criar
outra coisa. Quando os cupins olharem para o papel machê e para a madeira, eles terão outras
ideias. A gente precisa que os outros seres tenham outras ideias para poder decompor aquilo e
aquilo retornar para o ciclo da própria natureza, que também é ilusório. Quando os pássaros
esvoaçam e olham para as coisas, eles estão usando a luminosidade da mente para construir os
ninhos e os lugares de repouso, e para levar o alimento para os filhos. Eles têm que aprender isso,
isso é aprendido! Sob o ponto de vista cármico, a luminosidade da mente que permite a sustentação
da vida e das bolhas de realidade, é aprendida. A gente pensa que os animais sabem, mas eles não
sabem. Eles aprendem dos mais velhos. O Lama viu relatos de filhotes de macacos que viviam
numa estação de acolhimento e que depois são reintroduzidos na natureza. Quando eles chegam no
habitat natural, eles não conseguem nem subir nas árvores, eles não sabem subir nas árvores e nem
pegar os frutos. Se forem deixados no chão, serão mortos pelas cobras. Eles não tem como ser
introduzidos na natureza, a não ser que a gente eduque eles. Vamos ter que virar um educador de
saguis para poder introduzí-los na natureza. Eles perdem a capacidade de ser aquele bicho. Não é o
hardware que define, é o carma, a luminosidade da mente, que faz eles olharem para as coisas e
verem o que eles precisam ver. Caso contrário, eles não conseguem viver. Assim, todos os animais
têm a natureza de Buddha, todos eles. Todos eles vivem como nós vivemos, ou seja, nós olhamos
para mundos ilusórios e nos relacionamos com esses mundos ilusórios e construímos o tempo todo.
Isto também está ligado à adaptabilidade: começamos a descobrir outros jeitos, juntamos coisas que
não são e construímos outras coisas que também não são. Essa descrição apenas nos ajuda a
entender que a mente dispersiva, a mente alucinada que pensa o tempo todo, é a mente da
luminosidade que constrói coisas. Quando estamos sentados em meditação, podemos perceber que
eventualmente a mente dispersa totalmente, parece que a coisa está piorando. Aí nos vamos
perceber o que é que a mente está fazendo: ela pega coisas ilusórias, juntos com outras coisas
ilusórias e cria outras coisas ilusórias. E aí a gente sorri!!! Não devemos lutar contra isso! Temos
que ver que tem algo atrás. Esse algo parado atrás é lúcido e reconhece o que é que é o aspecto
alucinado na frente. O aspecto alucinado na frente é a luminosidade da mente estabelecendo
conexões e construindo outras coisas. Isso é a essência do samsara, a construção expansiva. O
Buddha disse no Surangama Sutra: existem 2 princípios da mente. Um é o princípio expansivo, e o
outro o princípio internalizador. O princípio internalizador vê, e o princípio expansivo cria. O
princípio expansivo e o princípio internalizador possuem a mesma origem, eles não se separam. O
Buddha disse: a mente do Buddha é a originação dependente. Nagarjuna disse: a mente do Buddha
é a originação dependente. O espaço livre tem luminosidade para criar as aparências. A questão não
é a criação das aparências, a questão é avidya: é ficarmos presos. No Bloco 4, teremos a capacidade
de entrar dentro das bolhas, atuar dentro das bolhas e não estar limitado às bolhas, manifestando o
espaço livre e luminoso que é capaz de construir luminosidades em outras direções. Esse é o esporte
dos budas e bodisatvas: construir mundos melhores, mas sem negar e sem se prender às aparências.
Por exemplo: Chenrezig precisa chegar no mundo das aparências, que é onde estão os seres
ilusórios presos em seus sofrimentos ilusórios. Se ele não chegar, ele não tem como ajudar. Mas ao
mesmo tempo, se ele chega ali e fica preso, então ele também não tem como ajudar. Esse é o
princípio da ação no mundo, a capacidade de penetrar nisso. Hoje o Lama introduziu esse aspecto
através das bolhas, transmigrações e, justamente porque vemos bolhas e bolhas e vamos
transmigrando de uma para outra, tem algo que é contínuo. Então, esse aspecto contínuo é a
essência da visão vajra: não estamos presos na aparência, nem negando nem analisando a aparência.
Está por trás das aparências e incessantemente presente, dentro das aparências, fora das aparências,
em torno das aparências, e que é inseparável das próprias aparências, aquilo está presente. Este é o
aspecto secreto. Aí o Lama falou desse aspecto de inspirar & expirar, para que num certo momento
a gente perceba que tem algo parado. Aí o Lama falou sobre a originação dependente, ou seja, a
mente luminosa, a mente do Buddha, é a mente da originação dependente: as construções são a
manifestação da própria mente da originação dependente, e as bolhas são essa construção (nós
juntamos o que não é e produzimos outra coisa que não é).

Segunda – Tarde
● (19:30) Da natureza parada, viva e incessante da mente brota a manifestação da originação
dependente
● Ensinamento do Buda da Flor de Udumbara: foi um ensinamento em silêncio (secreto) do Buda
para Mahakasiapa através da flor de udumbara. Linhagem: Buda → Mahakasiapa → Ananda →
Bodhidarma → Sexto Patriarca
● Ensinamento do Som do Sino de Chenrezig do Surangamas Sutra: com som ou sem som (o som
do silêncio), tem algo parado, vivo, incessantemente presente. Não importa se tem som ou não tem
som, se tem aparência ou não tem aparência, se tem pensamento ou não tem pensamento, tem algo
vivo, parado, incessantemente presente. Essa é a transmissão do aspecto secreto!!!
● A mente primordial está sempre viva: não precisa de autorização, vontade, foco, pensamento ou
objeto para estar incessantemente presente
● 1o Elo (avidya): a mente livre fica estreita e não sabe que está estreita
● rigpa = vidya
● vidyadharas = detentores da visão
● (53:00) Repouso em rigpa é o repouso na vacuidade, pois rigpa brota da vacuidade. Não tem
como brotar rigpa de alguma coisa condicionada. Assim, rigpa brota do aspecto não condicionado.
O aspecto não condicionado é o aspecto último. Logo, como vamos separar rigpa da natureza
primordial? Não tem como separar, eles vêm juntos. Desse modo, às vezes se fala da natureza
primordial através de rigpa.
● (55:30) As bolhas não são a suspensão do espaço primordial. As bolhas são a manifestação do
espaço primordial. Não tem como surgir as bolhas sem o espaço primordial. Elas não são
excludentes. A ignorância é estarmos dentro e sob o efeito da bolha, sem percebermos que a bolha
surge como manifestação do espaço primordial. A própria construção e sustentação da ilusão se dá
pela manifestação da natureza luminosa e livre. O princípio de sustentação da ilusão é a
manifestação livre e luminosa da mente. Existe a experiência que é sukkha, que é a experiência na
qual nós contemplamos ao mesmo tempo a inseparatividade da aparência e do aspecto livre e
luminoso da realidade. O próprio sofrimento é uma manifestação da natureza luminosa e livre no
formato do sofrimento.
● marigpa é rigpa condicionada, é a sabedoria primordial operando sob um referencial limitado. Se
fazemos a sabedoria primordial operar sob um referencial limitado, isto é uma coisa extraordinária.
É melhor nem falar mal!!! Isto é muito maravilhoso! Isso é a luminosidade da mente. Nós não
temos o que criticar. Se não tivermos cuidado, acabamos achando o samsara realmente a melhor
construção da natureza búdica, é alguma coisa maravilhosa, um jardim maravilhoso, luminoso,
extraordinário, incrível. O samsara inteiro é alguma coisa extraordinária. É melhor olhar assim. No
samsara tem a nossa mente e a mente de todos os seres. Chagdud Rinpoche dizia que num
milímetro cúbico tem um número infinito de consciências. Ou seja, tem consciência em todas as
direções. Essas consciências não são separadas e nem são unidas, é uma outra categoria.

Terça – Manhã
● Budismo é a superação de avidya e dukkha.
● (24:30) A originação dependende manifesta os 12 Elos. A originiação dependente se manifesta de
muitos modos, e manifesta os 12 Elos. A originação dependente segue construindo, é essa mente
que pega coisas que parecem que são mas não são e produz outras que parecem que são mas
também não são. A arte é um exemplo perfeito disso.
● (34:00) O Madhyantavibhanga é o início do Mahayana. O Madhyantavibhanga diz: “O Caminho
do Meio é apresentado assim: isso é, isso não é, isso é”. Essa é a base do Caminho do Meio. Isso é
super importante. Isso é o que nós vamos tratar. Aquilo que a gente constrói com a originação
dependente, no início a gente olha como SENDO, então a gente vê que NÃO É, mas depois a gente
vê que É manifestação da originação dependente; ou seja, são coisas que não são que nós juntamos,
e construímos outras coisas que não são mas são operativas. Aí nós começamos a entender o
funcionamento da realidade. Isso é o Caminho do Meio. A base do Caminho Mahayana é a visão do
Caminho do Meio. Quando a gente quer entender melhor essas coisas, a gente estuda os 12 Elos da
Originação Dependente. Os 12 Elos vão tratar especialmente de nós mesmos, mas inevitavelmente
nós em relação com o mundo.
● (36:15) Então, começa esse ponto: nós temos uma mente livre e luminosa. Se nós meditarmos e
desenvolvermos um grau de estabilidade, daqui a pouco a gente descobre que tem algo que nem
inspira & nem expira e está parado. Isso não é shamata. Shamata pode parecer algo semelhante, mas
não é. Em shamata, nós pegamos a nossa mente e focamos, por exemplo, na respiração, ou focamos
em algum objeto, em alguma coisa. Quando focamos em alguma coisa, nós perdemos todo o resto.
O objetivo de shamata é perder todo o resto, pois as coisas que nos tocam nos fazem reagir e a
nossa mente salta. Se quisermos estabilizar a mente, podemos utilizar esse recurso, que seria até um
recurso feio, por exemplo: cortar relações e não estabelecer contato com mais ninguém. Mas, na
medida em que a pessoa vai amadurecendo, ela pode fazer contato sem ser arrastada. O grau
máximo de amadurecimento é Chenrezig. Chenrezig não só pode fazer contato como procura os
piores lugares para ajudar os seres. Chenrezig fala a linguagem dos seres mas não é arrastado. Mas,
no início, o que a gente faz? Vamos reforçar a nossa estabilidade e, para isso, vamos estabelecer
uma conexão límpida, sem nenhum contato com qualquer coisa perturbadora. Caso contrário, não
conseguimos alimentar essa estabilidade interna. A nossa mente é tão confusa e tão responsiva que
tudo o que a gente faz é simplesmente saltitar diante das aparências. Assim, satitando diante das
aparências a gente nunca vai encontrar essa estabilidade interna. Se não encontrarmos essa
estabilidade interna, nós não conseguimos ampliá-la e tomá-la como uma área de segurança a partir
da qual nós começamos a fazer contato com as coisas sem nos perturbar. Então, aqui nós vamos
treinar desse modo: a gente começa com shamata. Mas aquela outra meditação (descrita acima) não
é shamata. O Lama também não poderia dizer que é Zazen, mas o Lama arriscaria dizer que é
Zazen. É uma meditação na qual a gente pode começar inspirando & expirando, mas o foco dela é a
natural estabilidade que sempre esteve presente e segue presente. Ou seja, o Buda aponta isso, não
importa o que você esteja vivendo, tem uma natural estabilidade presente. O Buda vai nos
apresentar para isso. Depois nós vamos estudar, vamos aprofundar sobre o funcionamento dessa
natural estabilidade. Imaginemos que estamos meditando nessa natural estabilidade. Quando nós
estamos nisso, é como se a gente não tivesse nem impulso para respirar. É como se parassem as
coisas. Nós não só não temos impulso para respirar como não temos nenhuma ansiedade se não
respirarmos. A partir dessa experiência, podemos pensar e olhar assim: “A mente está parada, mas
ela tem o potencial de se mover e de construir coisas”. O aspecto mais sutil do movimento da mente
não é nada conceitual, é um movimento de energia. Assim, a mente está parada e a energia está
presente. Nós podemos fazer a energia ondular. Não é nenhum conceito, não é nada, e também a
gente não consegue dizer que é algum objeto da própria mente, a mente contemplando alguma
coisa. Aquilo é uma ondulação da energia que a pessoa pode... fica até estranho as palavras “a
pessoa”, pois não tem nenhuma pessoa ali. Mas essa ondulação pode ser produzida. E assim começa
a ignorância, pois a mente pode produzir alguma coisa, ainda que a mente nem exista na verdade.
Essas palavras não se aplicam muito bem, mas vamos chamar isso de “mente”. Aí a mente
movimenta isso, e então ela pode produzir o observador que vê o objeto “oscilação”. Não tem
alguém ali ainda, nós estamos longe de ter alguém. Mas existe a possibilidade da oscilação ser vista
pela própria mente. Nesse ponto, isso é sabedoria primordial ainda. Isto é descrito desse modo,
sabedoria primordial. A mente primordial tem lucidez, ela vê o que acontece, ela vê totalmente o
que acontece. Aí a mente primordial vê esse movimento. A ignorância vai surgir quando a mente
que vê se torna separada do objeto visto. Então, surge o objeto como alguma coisa acontecendo e o
observador como alguém vendo o objeto. Desse modo, há uma quebra da inseparatividade. Aí o
Buda diz: “A mente observa a mente”. Esse é um ponto interessante: não é que a mente vê
efetivamente um objeto, mas sim a mente observa a mente. Mas daqui a pouco a mente não está
mais vendo que aquilo é a mente: a mente vê, a mente surge como observador, e o objeto parece
separado. Por exemplo: se a gente quiser imaginar uma esfera flutuando no centro do templo, nós
temos esse poder. Podemos criar uma esfera dourada girando na luz do Sol. Aí, como nós criamos,
nós não nos damos bem conta de que ao criarmos a esfera nós criamos o observador da esfera, pois
caso contrário não conseguimos nem descrever a esfera. Dizemos que vemos uma esfera girando,
dourada, cintilando na luz do Sol, e podemos decidir se ela gira no sentido horário ou anti-horário.
Podemos pará-la e girá-la para o outro lado. Podemos fazer tudo isso. Agora, enquanto nós estamos
fazendo isso, tem um observador, e a gente começa a ter a sensação de que a esfera está
funcionando de um certo modo, e começamos à observá-la. A ignorância já é o ponto onde a esfera
parece autônoma. Aí surge o observador. O observador bem mais adiante vai dar a sensação de um
“EU”. Aí como a gente cria esse objeto, esse objeto fica criado, ele se transforma numa marca da
mente, e começamos a chamar de mente o observador. No entanto, a mente inclui o objeto, mas a
gente não consegue mais ver isso. Temos a sensação de que tem um objeto e que tem uma mente
que pensa sobre o objeto, que vê o objeto, que localiza o objeto, que analisa o objeto. No entanto, a
gente não vê a inseparatividade do processo. Aí nós temos: o 1o Elo, que é quando ficamos presos
ao objeto; e o 2o Elo, que são as marcas que passamos a criar pela própria ação da natureza livre da
mente. Na sequência, vendo esse conjunto de marcas, retiramos um pouco para trás, e a própria
mente vê a mente, como o Lama descreveu agora, e então surge a consciência. A consciência
produz uma sensação de existência e é simbolizada por um macaco numa árvore. Esse é o primeiro
macaco que aparece, é a primeira existência. Quando tem a marca mental e quando tem a
ignorância, não tem uma sensação de um “EU” ainda, apesar de existir ali uma mente dual. No
entanto, não tem ainda consciência sobre a mente dual. Mas aí surge o 3o Elo, que é uma
consciência sobre aquilo. Então a gente vê aquilo acontecendo, e nós assumimos que nós somos a
consciência que pensa e que vê. Aí surge com clareza o fato de que as imagens aparecem e cessam,
que é o embrião da transmigração, e então a mente esvoaça. Nós não temos ainda um corpo físico,
nós não temos vida e morte. Nos ensinamentos dos mestres se diz que num tempo muito amplo as
manifestações dos seres eram essas. Eles não tinham vida e morte propriamente, pois essa mente
dual não tem vida e morte, não tem sensação de vida e morte. Então surge namarupa, o 4o Elo: a
aspiração de nós desenvolvermos um meio hábil que possa estabilizar os objetos da mente. Esse
meio hábil que vai surgir no nosso caso são os órgãos sensoriais que vão se traduzir pelo corpo e os
objetos sensoriais que podem ser acessados pelos órgãos sensorias, aquilo coemerge. O 4o Elo é
essa aspiração. Podemos imaginar que estamos num sonho durante a noite. Então nós produzimos
as imagens do sonho, vemos as imagens e temos as emoções a partir das imagens. Assim, a mente
se vê separada do objeto que ela cria. A mente cria um objeto e se assusta com o objeto que ela
mesmo está criando. Mas, no meio disso, pode ser que a mente encontre coisas muito favoráveis.
Por exemplo, todo mundo já sonhou que estava voando. O Lama acha que alguns voam com
facilidade e outros com uma certa dificuldade. No entanto, como o sonho é da gente, podemos voar
como quiser, mas não, por alguma razão cármica a gente voa meio pesado assim, meio sem
conseguir voar. Então a gente faz esforços nisso. Pode ser que a gente queira estabilizar alguma
coisa e não consiga. Mas, se a gente tiver um objeto ou uma circunstância que ajude a estabilizar
aquilo, então aquilo se torna mais fácil. Assim surge essa operação a partir dos sentidos: vão
coemergir o corpo, os sentidos físicos e os objetos sutis que queremos estabilizar. Aí brota o 5o Elo,
que é o corpo físico. O corpo físico aparentemente é uma vantagem, mas quando olhamos,
percebemos que, nos 12 Elos, o elo subsequente é sempre uma degradação dos elos anteriores; é
como se a nossa ignorância se tornasse mais densa. Com o corpo físico, agora queremos estabilizar
as coisas. Anteriormente, a nossa mente produzia os objetos de modo livre. Mas, agora, devido ao
corpo físico, a mente vai ser simbolizada por uma casa com 6 janelas. A casa com 6 janelas é assim:
tem uma consciência dentro da casa que acessa o mundo através das 6 janelas, ou seja, dos 6
sentidos físicos. No entanto, a mente do 6o sentido não é uma mente livre, mas sim uma mente
dependente dos objetos dos sentidos. Então nós estamos ali dentro e podemos acessar desse modo
ou daquele modo. A gente pensa, por exemplo, que agora é uma grande coisa termos os órgãos dos
sentidos e podermos acessar as coisas através dos sentidos. Mas esse é um processo super limitado.
E aquilo que a gente vê, inevitavelmente está ligado às etapas anteriores dos 12 Elos, pois a gente
sempre vai localizar, seja o que for, através das marcas mentais, ou seja, os samskaras do 2o Elo.
Agora nós estamos densificando a aparência das coisas, mas a gente continua vendo os aspectos
internos nas coisas que parecem externas. Então surgem os sentidos físicos, e a ignorância agora se
tornou mais densa, pois a operação da mente fica limitada aos 6 sentidos. Aí vem o 6o Elo, que é
como se fosse a redenção. Nós temos a sensação quando estamos encarnando que aquilo é um
progresso. A gente nasceu e agora os olhos vêem, os ouvidos ouvem, etc, está tudo operando. Na
verdade, nós estamos afundando um pouco mais no poço da experiência cíclica, e agora a nossa
consciência está se tornando mais dependente da manifestação física do corpo e dos órgãos dos
sentidos. A gente não tem bem consciência de como os órgãos dos sentidos obscurecem e
obstaculizam a mente. Por exemplo, estamos aqui dentro do templo, e se a gente tentar olhar através
da parede, a gente não vai conseguir porque a luz não atravessa a parede. Aí, podemos ter a
sensação de que não está acontecendo nada lá fora. A nossa mente não consegue ir lá para fora.
Mas, se a gente ouvir um ruído, então cavalgando o som a nossa mente se projeta para fora. Então a
mente fica cega e não é que ela não consiga ir, ela pode ir, mas ela não vai porque ela está presa ao
estímulo sensorial. Se não tiver estímulo sensorial do lado de fora, então a gente nem olha. Se surgir
um outro estímulo sensorial do lado fora que atravesse a parede, como um som, então a mente
atravessa a parede também. Agora, nós estamos na dependência dos 5 sentidos físicos e do sentido
abstrato (o 6o sentido da mente). Se não tiver estímulo sensorial, nós não vemos. E não só não
vemos, como não vemos que não vemos, e não vemos que não vemos que não vemos. Assim,
nenhum registro de que falta qualquer coisa, a gente simplesmente está cego. Na história da ciência,
uma das coisas mais surpreendente, assustadora e excelente exemplo da ignorância, era o fato dos
médicos fazerem cirurgia de terno e gravata fumando e sem assepsia. Isto está documentado e tem
as fotografias deles. Eles não entendiam. A noção de vírus e bactérias era uma crendice. Eles
resistiram um bom tempo à noção de que havia bichinhos muito pequeninhos que podiam nos
afetar. Provavelmente eles estavam na perspectiva de que o maior come o menor, e pronto. Aquela
coisa de lavar a mão era totalmente desnecessária. Tem algumas regiões que as pessoas também não
entendem vírus e bactérias. Uma vez que o Lama estava na India, o Lama ficou doente e precisou
de soro. Aí chegou um lama tibetano para dar o soro, e ele abriu aquilo tudo perfeito, anti-séptico,
colocou a seringa na agulha e depois deu uma limpadinha na agulha com os dedos! Mas o Lama
ficou bom! Então tem esse ponto delicado. Agora a gente entende essas coisas e a gente tem uma
super vantagem. A ciência vai avançando e vai abrindo visões, a mente vai abrindo, mas as coisas
se escondem nas sombras, em avidya. A história da ciência é a história de avidya, a história da
ignorância, que a gente não vê as coisas, aquilo está diante dos olhos, a gente está morrendo com
aquilo, mas a gente não vê. É interessante isso: a gente vê uma coisa mas não vê outra. Nós estamos
operando pelos 6 sentidos, mas quando a gente não vê não quer dizer que não existe; a gente não vê.
A gente não vê com nenhum dos 6 sentidos. Bactérias, por exemplo, a gente não encontra com os 5
sentidos usuais, mas sim com 6o sentido da mente: vamos vendo e analisando o que está
acontecendo e descobrimos que o bicho está ali. Isso a gente reconhece com a mente. O fato que a
gente só vê as coisas com os 6 sentidos é uma super limitação. Os físicos, por exemplo, estudam, e
os olhos só vêem uma faixam de radiação, os ouvidos só ouvem uma faixa de vibração sonora, e
assim por diante, e a mente só vê uma faixa de conceitos. A coisa é super ampla, e nós estamos
cegos. Isto é avidya. Assim, quando a gente começa a operar através dos 6 sentidos, nós estamos
mais cegos ainda. A mente do sonho vê melhor do que a mente acordada, e a gente pensa que é ao
contrário. Os 6 sentidos dos sonhos são livres, muito mais livres daqueles que operam a partir do
aspecto tangível. Eles não são totalmente livres, são um pouco mais livres.
● (1:03:40) Enfim, o 6o Elo. O 6o Elo é assim: o bebê nasce. Na visão tibetana, a primeira
“desgraça” que acontece é ele encontrar a mamãe; a primeira coisa que acontece é o que vai marcar
ele para sempre, que é o encontro do seio da mãe e mamar. O bebê agora está super feliz, tudo
resolvido! Dali para frente a coisa só vai, e aí ele faz esse contato. Nós desenvolvemos como ponto
principal o contato com o mundo físico, a gente vai desenvolvendo esse contato. Em algumas
tradições se fiz que a gente leva 7 anos para encarnar, ou seja, a nossa mente é mais livre e ela leva
um tempo até que ela encontra e começa a lidar com os processos causais a partir da experiência
sensorial. A gente leva um tempo para baixar a poeira e se dar conta que a gente cai, se machuca, se
corta, se queima, que é melhor fazer as coisas de um jeito e não de outro, que existem carros,
cachorros, gatos, que as coisas tem perigo. A gente leva um tempo para poder manejar e andar no
mundo. Então esse é o 6o Elo. Aí depois vem o 7o Elo. No 7o Elo o estreitamento segue e é quase
fatal. O 7o Elo é assim: a gente filtra a experiência sensorial e a gente perde totalmente a lucidez; a
gente vira um código binário. Esse código binário é assim: a gente tem contato sensorial e mental, e
a gente reage: ou a gente gosta ou a gente não gosta. O nosso contato com o mundo vai ficar assim:
ou gostamos ou não gostamos. A gente não se dá conta de que isso não é gostar ou não gostar. É
gostar, não gostar e o neutro. Mas nem vemos o neutro, então parece que é só gostar ou não gostar.
Esses são os vedanas. Só que é gostar ou não gostar na dependência das aparências. O Lama está
descrevendo a nível de mente e a nível grosseiro no sentido de que a gente encontra os objetos. Mas
tem esse nível sutil que é o nível da energia. Então, se a gente olhar o gostar ou não gostar e
tentarmos observar isso sob a luz dos 5 lungs, a gente vê que: o gostar significa que os lungs
brilham; no não gosto eles brilham numa outra direção; e no indiferente os lungs ficam meio
desajeitados, eles não brilham, não tem conexão. Desse modo, nós nos tornamos mendigos disso. A
gente fica mendigo do gostar. E aí a situação piora mais ainda. Tudo o que a gente faz a nossa vida
inteira é buscar alguma coisa que a gente goste!!! A gente busca e encontra, mas as coisas que a
gente gosta se transformam com nuvens no céu, elas perdem o poder. Aí nós esvoaçamos e
transmigramos numa outra direção. Isso inevitavelmente conduz a nossa experiência de
transmigração. Nós seguimos transmigrando sem solução, pois estamos presos ao gostar e não
gostar. A liberação, que não é a Iluminação, é processo pelo qual a gente estabiliza a energia, ou
seja, a gente corta o vínculo com o 7o Elo; a gente não opera mais pelo gostar ou não gostar;
estabilizamos a energia, e conseguimos entrar em áreas que a gente gostava sem sermos arrastados;
a gente entra em áreas que eram assustadoras e não somos arrastados. O Lama acha o cotidiano
super importante, pois o cotidiano oferece todas as experiências. O Lama acha isso super bonito.
Quando uma mulher está grávida, para o bem ou para o mal, está nascendo o mestre. E aí o mestre
determina tudo. Ele vem devagar, e já vem inchando o corpo. Ele não pergunta se sim ou se não.
Ele vem. Quando ele nasce, a primeira coisa que ele faz é: uahhh! A a gente dá uma olhada: ele
todo amarrotado; ele não tem uma cara boa assim; ele já está meio vermelho, e a coisa não vai ser
fácil. Ele não tem nenhuma sutileza para expressar suas vontades. Ele expressa as vontades de
forma clara, e é melhor obedecer. O quanto antes a gente obedece, tudo anda melhor. A gente vai
ter que adivinhar os pensamentos. As mães vão ficando super domesticadas. A criança está
dormindo, e antes dela acordar a mãe já está com a água do banho quentinha, já está com a maçã
pronta para raspar, já está tudo arrumado. Se qualquer pessoa pede qualquer coisa para ela, ela diz:
“Eu não posso agora!” Nasceu o rei! Aí surge o mestre! Aí vai passar um tempo e a pessoa diz:
“Faz muito tempo que eu não olho para mim e pergunto o que é que eu gosto e o que é que eu não
gosto.” Essa é a crise das mamães. Lá pelas tantas elas se dão conta: “Mas aquela vida antes que eu
pensava o que é que eu gostava ... Agora essa vida terminou, eu não tenho mais essa de gostar ou
não gostar...” Então, o mestre nasceu! Esse é o 7o Elo. Se diz que as mulheres nesse tempo vão
atingir a iluminação muito mais rápido. Elas estão nesse treinamento assim. É maravilhoso! Esse é
o 7o Elo: a gente se defronta direto com isso. O Lama acha comovente o Dalai Lama dando os
ensinamentos, isso é Chenrezig puro. O Dalai Lama diz: “Todos os seres aspiram a felicidade e
aspiram se livrar do sofrimento”. E ele diz isso como se fosse uma coisa super elevada. Mas esse é
o 7o Elo!!! Ou seja, está tudo mundo ferrado! Todo mundo quer a felicidade depende de causas, e
se afastar do sofrimento dependente de causas, com se fosse tudo esse terno. Mas Chenrezig diz:
“Está perfeito! Começamos por aí! Todo mundo quer isso, então a gente começa por aí!”
● (1:12:45) Aí vem o 8o Elo, e a coisa só piora. No 8o Elo, surge desejo e apego. Agora isso é uma
coisa super curiosa. A gente estimula nas crianças e nos namorados e namoradas desejos e apegos.
A gente se torna naturalmente os veículos de satisfação dos desejos e apegos, e aí a ligação é feita.
Então não tem namoro que a gente não vai cultivar desejo e apego, e depois vem as cobranças:
“Teve um tempo em que você fazia aquela comida para mim, mas agora você não faz mais, não sei
o que aconteceu. Desde de que nasceu o “terrível”, você não olha mais para mim. Aí eu entendo que
no passado os pais matavam os filhos, os gatos machos matam os filhos e as gatas têm que
proteger.” Aí surge esse desejo e apego, e achamos que viver é brilhar o desejo e apego, e o desejo e
apego encontrar o seu objeto. A gente pode entrar em depressão se a gente não tem desejo e apego.
Se tem alguém que não tem muitos desejos e apegos, então essa pessoa não é muito confiável, pois
a gente não consegue entender muito bem.
● Agora, para piorar as coisas, desejo e apego produz as ações volitivas: o 9o Elo. O 9o Elo é
assim: por desejo e apego, nós produzimos muitas ações que vão satisfazer desejo e apego. Aí nós
nos tornamos hábeis, é uma sensação de maturidade: “Agora eu já sei satisfazer os meus desejos e
apegos”.
● Na sequência, vem o 10o Elo: nascimento (bhava). O nascimento é assim: a pessoa, baseada no
contato, no gostar ou não gostar, no desejo e apego que surge do gostar ou não gostar, do resultado
positivo da manobra para as ações volitivas, diz: “Eu existo, eu so isso, eu gosto de cerveja, gosto
de pizza, de jogar tal coisa, de dormir tarde, ... É isso! Eu sou isso!” Então, a gente está afundando
cada vez mais no poço da experiência cíclica. Agora, nós somos o conjunto de marcas que nós
estamos operando. Se olharmos com cuidado, esse conjunto de marcas muda. Então, a gente poderia
ter uma crise de identidade: “No passado eu gostava de tais coisas, e agora eu gosto de outras
coisas.” Mas se no passado você achava que era aquelas coisas que você gostava, e agora você acha
que é isso (no passado com o presente), então o que é que se mantém contínuo nesse processo se
você não é mais aquilo? Provavelmente você também não é isso que você está manifestando agora.
Podemos então dizer: “Esse papo eu não gosto. O fato é que eu gosto disso, eu me sinto vivo assim,
e eu sou isso, entendeu? E vamos encerrar essa conversa.” Esse é o 10o Elo. O 10o Elo é um ponto
bem interessante. No passado, nesse ponto os adolescentes saíam de casa. Agora, como estamos em
crise, nesses tempos os adolescentes se trancam no quarto: é o 10o Elo. Isto porque eles têm que ser
eles. Eles pensam: “Meu pai e minha mãe olham para mim com um olho que eu não sou aquilo. Eu
sou mais eu, como? Assim!” Então a pessoa tem a sensação de que ela é: 10o Elo. Então a pessoa
sai para o mundo através dessa manifestação que ela desenvolve. Todos nós num certo momento
saímos para o mundo, movimentamos a energia daquele modo. Todo mundo se lembra do dia que a
gente se levantou de algum lugar e saiu. Pronto! Agora nós vamos dirigir a própria vida.
● O lugar onde nós estamos é o 11o Elo. A gente tem um corpo físico, tem as marcas mentais
anteriores, que dão significado para as nossas ações, que dão significado para a operação dos
sentidos físicos e o contato no mundo, a gente filtra se gosta ou não gosta, desenvolve os desejos e
apegos e aversões de acordo com o gostar ou não gostar, ainda que isso flutue a gente pensa que é
sólido, a gente desenvolve as ações todas a partir desse gostar ou não gostar e acumula ações e,
mesmo que isso tenha consequências cármicas e resultados negativos a gente segue (como aquele
que fuma, se droga, toma álcool, tem uma série de atitudes que causam problemas e a pessoas sabe
disso mas não consegue interromper; e ela segue pelo impulso de desejo e apego), e aí a pessoa diz:
“Eu sou isso!” Em alguns casos, mesmo a loucura é isso; a pessoa encontra dificuldades nela e diz:
“Eu sou isso”. Esse é o 10o Elo. Algumas pessoas que têm perturbações mentais não ousam
abandonar as perturbações, pois as perturbações dão uma sensação de existência. Se retirarmos esse
último reduto, então é como se a pessoa não tivesse características, ela passa mal. Assim, a pessoa
se manifesta a partir das próprias perturbações. Esse é o 11o Elo. Aí a pessoa entra no mundo e se
relaciona desse modo, olhando tudo como recursos. A namorada seria os recursos afetivos, e o
supermercado os alimentares e de limpeza. Estamos sempre olhando em volta e vendo o que é que é
necessário para mantermos as regiões de desejo e apego que minimamente sustentam a nossa
energia operando. Agora, enquanto fazemos isso, lentamente os processos vão mudando, os
conteúdos vão mudando, e também o corpo físico (o 5o Elo) vai desgastando. Então vai surgir o
progressivo envelhecimento, decrepitude, doença, Alzheimer e, se a pessoa não for atropelada, ela
morre calmamente em algum lugar. Morte: 12o Elo. Aí vem o silêncio por um curto intervalo, e já
saltamos lá no 4o Elo. Então aquilo tudo segue, a pessoa busca um outro corpo, nasce e já grita:
“Uahhh!” E aí começa tudo e vai indo. Esses são os 12 Elos: ignorância, marcas mentais,
consciência (vijnana), vir a ser (namarupa), corpo (chadayatana), contato (sparsha), sensação/gostar
ou não gostar (vedana), desejo e apego (trishna), upadana, nascimento (bhava), circunstâncias da
vida (jheti), envelhecimento e morte (janamarana).
● (1:22:40) Mas aí o Buda faz a pergunta: “Mas como é que se dissolve esse processo todo?” A
morte não tem um sentido em si mesmo. Ela brota da sensação ilusória da vida: o 11o Elo do viver.
O 11o Elo não tem um sentido próprio, mas ele ganha um sentido a partir do nascimento (10o Elo).
O 10o Elo não tem um sentido próprio, mas depende das ações volitivas (9o Elo), que surgem como
uma base de experiências para o nascimento. As ações volitivas não têm um sentido próprio, mas
brotam de desejo e apego (8o Elo - trishna). Trishna não tem um sentido próprio, mas brota do
gostar ou não gostar (7o Elo). O 7o Elo não tem um sentido próprio, pois brota do contato na
dependência das marcas mentais anteriores e do corpo. O corpo não tem sentido próprio, mas brota
do vir a ser. O vir a ser não tem um sentido próprio, mas brota da consciência querendo se
estabilizar. A consciência querendo se estabilizar não tem um sentido próprio, mas brota das marcas
mentais. As marcas mentais não tem um sentido próprio, mas brotam da ação natural da ignorância.
A ignorância não tem uma base própria, mas brota da natureza livre da mente. E, assim, nós
retornamos! Isso é a gênese da bolha! A bolha é os 12 Elos!!! Toda bolha opera com os 12 Elos, os
3 animais, impermanência. A gente não precisa ficar preso nisso, mas estamos presos. Esses são os
12 Elos. Isso é super interessante! Nós não só vemos isso como o aspecto da nossa própria
existência, mas enquanto nós olhamos isso... Por exemplo, quando nós estamos estudando gostar ou
não gostar, contato, desejo e apego, bhava, circunstâncias da vida (jheti), estamos vendo a
inseparatividade entre a consciência e a aparência ao redor. Estamos olhando isso desde o 1o Elo.
Assim, estamos olhando a coemergência, as bolhas de realidade, os mundos como eles surgem.
Então aqui é uma microestrutura, é uma análise detalhada de como os mundos surgem. Aí, no
Madhyantavibhanga de Maitreya, é mostrado a vacuidade um por um desses itens. Então, a essência
da morte é vacuidade, da vida, do nascimento, desejo e apego. Nada disso tem uma
substanciabilidade própria. A gente entende como que aquilo surge, ou seja, por originação
dependente: temos tais aspectos que não existem, e criamos outros aspectos que também não
existem. E aí terminamos criando a sensação de um “EU”. Apesar de descrevermos esse “EU” a
partir de características, não achamos que seja um grande problema quando essas características
mudam. A gente apenas pensa que agora temos outras características, e não achamos que isso abale
a existência de um “EU”. Podemos também resumir essa compreensão toda assim: isso é, isso não
é, isso é. No início, pensamos que as coisas são todas sólidas. Depois, a gente nega a solidez. E
depois a gente vê que as coisas operam magicamente.
● (1:27:10) A gente começa então a pegar exemplos. O aspecto sutrayana do ensinamento é quando
pegamos os textos que descrevem os diálogos entre Buda e Ananda. Esse processo que o Lama está
descrevendo para a gente é simbolizado pelo mudra “apontando com o dedo indicador”. Esse mudra
é assim: a gente olha as aparências diante de nós e a gente vê tudo isso!!! Ou seja, o budismo inteiro
está descrito na aparência das coisas. A gente não precisa pegar um livro e começar a estudar, mas
também não quer dizer que a gente não deva!!! No entanto, o Dharma, os ensinamentos do Buda
estão nas aparências! Se a gente aprende a olhar as aparências, então a gente vê os ensinamentos
todos. Então, por exemplo, podemos estudar o budismo a partir de como o Buda viu as aparências.
Mas podemos também olhar! Assim, o Budismo é super prático, e ele se torna uma tradição
completamente viva nesse ponto. Por exemplo, se o budismo depender das visões que os mestres
tiveram no passado, o mundo daqueles mestres era um pouco diferente do mundo atual, e o mundo
segue mudando por causa da originação dependente: nós vamos pegando umas coisas e vamos
fazendo outras coisas. Aí os mundos não são descritos pelos mestres do passado porque os mundo
vão mudando, o samsara vai se transformando a partir da originação dependente. Então, todas as
tradições reveladas envelhecem, mas o Budismo tem esse aspecto, que é esse mudra: a gente olha a
aparência que está na nossa frente. Aí começamos a ver com lucidez, e o Dharma fala a partir da
aparência presente diante de nós. Então tem essa sabedoria que vem de inspirarmos & expirarmos e
ter algo parado atrás. Aí, desse algo parado que não tem conteúdo, a gente vê como que as coisas
surgem a partir de marcas mentais, e entendemos os 12 Elos operando e a originação dependente
operando. Isso é a Sabedoria Primordial. Essa Sabedoria Primordial nas aparências como elas
vierem, produz a descrição do Dharma, que é o remédio para curar aquele tipo de ilusão. Como as
ilusões mudam, então os remédios têm que ir mudando. Teve um tempo em que não tinha HIV, mas
agora tem que ter remédio para HIV. É assim. A gente vai recuando e vai encontrando os remédios
para aquelas coisas. Desse modo, o Budismo é vivo, pois ele vai produzindo esses remédios novos
de acordo com novas doenças, que enfim têm sempre a mesma origem! Então isto é os 12 Elos. A
compreensão dos 12 Elos na visão do Nagarjuna descreve a mente do Buda. Isto é super sutil. Para
entender os 12 Elos mesmo, a gente precisa estar num lugar livre para olhar as aparências. Se não
estivermos num lugar livre para olhar as aparências, vamos dizer que contato é uma coisa real,
estamos vendo aquilo! Sensação é real, ou gostamos mesmo ou não gostamos! Vamos respeitar! Aí
começa assim, e não conseguimos ver! Temos que estar distanciados do ver, ouvir, etc. E temos que
estar distanciados do gostar ou não gostar, pois caso contrário a gente não vê aquilo como um
processo. A gente vê como alguma coisa sólida. Quando é que a gente perde a lucidez? A gente
perde quando o contato e o gostar ou não gostar nos arrastam para dentro de bolhas e então a gente
começa a manobrar as aparências para obter os resultados que a gente quer. A gente é arrastado para
dentro da bolha, perdemos a lucidez, e o Dharma desapareceu. Aí veio o Dharma mundano, ou seja,
veio a lucidez dentro das condições do mundo que nos levam a deixar a parede reta, pintar coisas;
Dharma mundano. A mente lúcida e a mente confusa do mundo são a mesma mente, só que elas
estão operando com referenciais diferentes. Isso é a compreensão de Vajrasatva: não existem 2
mentes; não existe rejeição, não precisa ter rejeição, não temos nada para rejeitar. Mas só temos que
ultrapassar a ignorância: ver as coisas como elas são. Mas, dominados pelas aparências, a gente
pode não conseguir: aquilo aparece, e nos arrasta para dentro de uma bolha. É por isso que a gente
precisa treinar shamata: parar. Quando a gente se distrai dentro da meditação, está perfeito, pois a
gente tem a oportunidade de retornar!!! Nos distraímos de novo, e retornamos. Poderíamos
inclusive pegar uma mala para contar cada vez que nos distraímos. No começo a contagem é rápida,
mas depois vai ficando lenta! E a gente vai fazendo esse exercício de retornar. E daqui a pouco:
paramos! É isso! Aí a nossa mente é mais confiável, e podemos olhar para as coisas desde esse
ponto. Então a gente vê quando os olhos estão operando, vê quando os ouvidos estão operando, vê
quando os impulsos estão surgindo, vê quando desejo e apego aparece, quando a sensação de
identidade surge, quando surge a sensação de andar no mundo a partir das identidades. Então a
gente vai olhar isso! O Lama acha a arte super útil. A gente não está usando esse potencial que ela
tem, mas a arte simula tudo. O Lama realmente gostaria de ter peças de teatro organizadas
direitinho, pois elas têm um poder de nos tocar e nos arrastar. É um pouco teatro grego: era um
teatro de cura, não era um teatro de espetáculo, mas através daquilo as pessoas ficavam envolvidas
no conteúdo e aqueles conteúdos internos se expressavam; com aquilo tudo era uma apresentação,
podemos interpretar aquilo tudo como uma coisa terapêutica, pois faziam aflorar esses conteúdos
aflitivos. O Lama acha isso super útil. A apresentação da realidade já é arte, mas a gente não vê. Aí,
podemos criar arte para ver que a apresentação das coisas já é arte. Quando contemplamos a arte,
aquilo que a gente está olhando não é, mas é. Quando estamos olhando aqui, aquilo que a gente
pensa que é, também não é. A diferença com relação à arte é que quando chegamos para ver uma
exposição, a gente já sabe que não é, mas aquilo parece que é. Aqui é o contrário: chegamos
achando que é, e depois a gente vê que não é. Então tem esse aspecto. Isso é Maitreya: é, não é, e é.
O Lama acha maravilhoso uma imagem feminina, jovem, linda em pedra. Nada mais parecido que a
realidade! É interessante! Aquilo está em pedra! Como é que a gente acha bonito ou não acha
bonito? Como é que a gente acha que tem uma graça feminina na pedra? Não está na pedra!!! Isso é
um ponto super importante! Podemos também pegar o exemplo dos desenhos. As pessoas
desenham um artista em diferentes posições e então fazem uma animação, e aquilo representa super
bem. E as pessoas têm esses jeitos magnéticos e encantadores, e aquilo passa para dentro do
desenho. Aí é o desenho que se torna magnético e encantador! Como é que o desenho pode ser
magnético e encantador? Vamos nos respeitar! Aquilo ali é descaradamente um espelho que reflete
a base da nossa mente!!! E a gente tem o poder de ir lá, paga para entrar no cinema, vê aquilo tudo,
e ao invés de converter em lucidez a gente converte em vedana: gostei ou não gostei. Aquilo está
literalmente na cara, e a gente não vê; os conteúdos internos estão aflorando, e a gente não vê isso.
A gente vê pelo outro lado do gostar ou não gostar. O 7o Elo aparece. A lucidez não aparece em
momento algum. Então, a gente pode olhar as coisas dentro de um aspecto condicionado, ou
podemos olhar de forma profunda. É super sutil isso! Quando o Lama descreve isso para a gente,
qualquer um de nós pode acessar essa outra coisa. Então, onde é que está a aparência, onde é que
está o Dharma? Está na frente do dedo que aponta (o mudra)! Ali está escrito o livro do Dharma! É
a nossa incapacidade de entender que nos leva a precisar de tradutores, etc; é a degradação
completa! A gente precisa de alguém que tenha visto não sei quando, para então a gente poder …
● (1:41:30) Aí tem essas armadilhas todas do Dharma. A gente acessou aquilo e então colocamos
aquilo como marcas mentais, começamos a operar a partir dessas marcas mentais, e vamos
convertendo tudo isso para o samsara. Daqui a pouco a gente teve êxito em ler vários livros, e isso
são ações volitivas que a gente incorpora como uma identidade!!! Agora ficamos importante a partir
das coisas que a a gente leu. É como alguém se sentir importante pelos remédios que tomou! Então
esses são os 12 Elos da originação dependente.
● (1:44:45) Na sequência, nós temos o Prajnaparamita. Então a gente começa com esse aspecto
extraordinário. Não é uma coisa fácil encontrar essas explicações. Mas, aqui, isso já começa na
própria prece do Prajnaparamita que a gente recita. Primeiro o Lama vai recitar a prece em tibetano,
e depois o Lama vai explicar o conteúdo. (O Lama agora faz a recitação da prece em tibetano).
Então, ele vai tratar de Prajnaparamita. Isso é super sutil e interessante. A palavra “paramita” tem
um sentido de um barco que leva à outra margem. Nós estamos agora olhando o aspecto sutil, que
não é o aspecto primordial como estávamos vendo. Por exemplo, inspirar & expirar, e atrás tem
algo parado. É quase um retiro: ficamos 5 anos inspirando & expirando, e num dia a gente se dá
conta que tem algo parado atrás. Esse é que é o ponto. Esse algo parado não é cognitivo, não é
alguma coisa a ser entendida, mas alguma coisa que está presente. Aí a pessoa começa a ver que
aonde ela estiver, tem algo parado atrás. Isso é a apresentação do aspecto primordial!!! Essa é a
apresentação do aspecto primordial pela vacuidade viva!!! Agora, tem uma apresentação que é pela
sabedoria! Esse aspecto vivo traz dentro dele a capacidade de reconhecer as coisas. Só que ele
reconhece as coisas livre de um referencial comum. Ele reconhece os referenciais também. É como
se o referencial fosse a ausência de referenciais. Isso é vacuidade! Então, vamos olhar a partir de
nenhuma predisposição. E aí podemos ver as predisposições que dão surgimento às aparências
como elas surgem. Isso é Sabedoria Primordial. Então, Prajnaparamita: prajna é sabedoria, é rigpa,
é lucidez, é o caminho/barco da lucidez. Nós vamos seguir esse barco da lucidez que atravessa para
a outra margem. O que é que é a outra margem? A outra margem é o lugar onde nós reconhecemos
a natureza primordial, quando nós já estamos sem os referenciais comuns que dão significado às
aparências, que dão sentido às coisas, que dão a sensação da existência do mundo na forma das
bolhas. Assim, Prajnaparamita nos permite olhar as bolhas como tal, sem rejeitá-las, sem achar que
tem alguma coisa errada. Não tem alguma coisa errada, aquilo tem aquela configuração como ela
está. É isso! Por exemplo, um jogo de xadrez não tem um erro, mas ele está na dependência das
regras, tem uma configuração prática grosseira daquilo (as peças, tabuleiro, etc). O jogo joga. Tem
algum problema? Não tem nenhum problema! É a mesma coisa com um jogo de computador: tem
os gráficos (aspecto grosseiro), tem os sons, tem as regras, e tem todo o aspecto sutil que não é
aparente diretamente, mas que está dentro e a gente vai ter que descobrir. E nós vamos descobrindo
aquilo. Tem alguma coisa errada ali dentro? Não tem nada errado! Está tudo funcionando
perfeitamente! Só que não vamos considerar que aquilo é uma realidade absoluta! Aquilo é uma
realidade a partir dos referenciais que são colocados! É isso! Então, a coemergência e a originação
dependente pegam o que não é. Nem os gráficos que vemos na tela são, mas não tem importância,
vemos como se fossem gráficos, vemos como se fossem imagens verdadeiras; e associamos essas
imagens a estruturas mentais nossas, manifestando emoções. Quando o Lama descreve que o
gráfico nem é verdadeiro e que associamos a emoções, é porque o Lama está deslocado das
emoções, contemplando como todos aqueles significados vêm. Prajnaparamita é uma sabedoria que
vem desse silêncio não conectado com referenciais de qualquer espécie, e aí conseguimos ver os
referenciais. Os referenciais se tornam objetos. Se estamos presos a referenciais, os referenciais
produzem a sensação das aparências. Mas, se estamos atrás, estamos livres dos referenciais, e assim
vemos os referenciais como objetos e entendemos como que os referenciais produzem aquelas
aparências. É isso! Isso é Sabedoria Primordial! Então, no texto, ela é “Inconcebível e
inexprimível”, pois está dentro do silêncio. Se ela tivesse referenciais, conseguiríamos explicar.
Mas como ela não tem referenciais, ela é inconcebível e inexprimível. É o silêncio, a vacuidade. Por
exemplo, estamos inspirando & expirando. Se queremos falar que tem alguma coisa presente, nós
fazemos um contraste: tem alguma coisa que se move para então vermos que tem algo que não se
move. Mas, se olharmos para dentro desse aspecto silencioso, não encontramos coisa alguma. Não
vamos encontrar, mas aí não conseguimos nem descrever. Vamos dizer que: “É uma coisa que não
tem nada dentro, que não aparece, que não se manifesta”. Aí o outro diz: “Então isso não existe
também! Eu também tenho uma namorada que não aparece, não vejo, etc. É, legal! Pois é. Eu
também. Isso é vacuidade. A minha namorada se chama vacuidade, Sunyata!”
● (1:54:20) Em seguida no texto: “Não-nascida, incessante, por natureza semelhante ao céu” é
vacuidade, mas aquilo está ali. Como é que alguma coisa pode estar ali e ser não-nascida,
incessante, por natureza semelhante ao céu? Ela vai se manifestar pela Sabedoria, ou seja, esse
silêncio é vivo, e sendo um silêncio que não tem conteúdo, ele é inconcebível e inexprimível. Se
esse silêncio não tem conteúdo, ele é não-nascido também porque não podemos dizer que os
conteúdos surgem e um dia cessam. Ele é não-nascido e incessante, está além do tempo. “Por
natureza semelhante ao céu” significa que acolhe infinitamente. Seria um Ying último, extremo
Ying. Mas vamos ver que é um extremo Yang também, fica tudo junto! Extremo Yang porque essa
natureza não filtra, não se opõe, ela acolhe como o espaço. O espaço não se opõe. Não se opõe à
bomba nuclear nem à construção das catedrais, não se opõe ao bem nem ao mal. Aquilo tudo se cria
e cessa, enquanto que o espaço segue. É muito bonito isso! O espaço está lá! Então o espaço é o
extremo Ying porque não reage, mas acolhe. Mas é o extremo Yang porque está sempre presente,
sem flutuar. Não tem nada mais Yang que isso. O espaço é absolutamente Yang. O espaço está
incessantemente presente. Ele é a base de todos os mestres, faz surgir todas as tradições.
“Inconcebível, inexprimível Prajnaparamita / Não-nascida, incessante, por natureza semelhante ao
céu”. Aqui, Prajnaparamita é apresentada como uma imagem feminina. Dentro do aspecto sutil do
imaginário tibetano, quando tentamos antropomorfisar, ali está Prajnaparamita na imagem com 4
braços. É um aspecto feminino. Esse aspecto infinito é o aspecto Yang. Essas imagens são um
pouco andrógenas, como Chenrezig também. O aspecto é feminino mas os ombros são largos. Tem
o aspecto Yang também. O Lama acha que isso é realmente intencional para não fique limitado a
aspectos masculinos ou femininos. Afinal, a antromorfisação é sempre uma degradação.
● (1:58:15) Então, como é que é a manifestação desse aspecto “inconcebível e inexprimível”? Ela
surge como uma cognição, ainda que essas palavras todas têm uma dificuldade assim: a gente diz
cognição, mas cognição seria o que mesmo? “Cognição discriminativa” significa que ela é capaz de
localizar separadamente coisas. Mas ela é “discriminativa prístina”. O Lama descreveu avidya bem
no início. Naquela descrição de avidya, a mente primordial pode produzir uma aparência. Aí nós
olhamos a aparência. Quando nós olhamos a aparência, a localização da aparência dá nascimento ao
observador sem que a gente perceba. Não temos como ver a aparência sem ter um observador
olhando a aparência. Então isso é a visão discriminativa, é uma visão dual: tem um objeto e tem um
observador. Aqui, a Prajnaparamita também vai olhar as coisas: tem o que se está olhando e tem o
lugar da onde aquilo é olhando. Só que é um olhar discriminativo mas prístino. Prístino significa
sem mácula. Por que é que não tem mácula? Porque tem uma liberdade frente à própria
separatividade! Não está preso à essa separatividade. É uma cognição que reconhece como que a
própria discriminação separativa dual aparece! Ela exerce aquilo, mas está livre daquilo!!! É como
Chenrezig andando no mundo. Chenrezig se manifesta dentro dos mundos, dos lugares
condicionados, mas não fica preso. Isso é como Chenrezig numa roda de bicho-grilo com alguma
coisa na mão assim. Ele está olhando aquilo, mas não está mergulhado naquilo. Isso é a cognição
discriminativa prístina: está dentro daquilo, mas não está dominado por aquilo!!! A ignorância não
aparece. Essa é a experiência mais profunda de compaixão. Por exemplo, se nós olharmos os
obstáculos e os deixarmos à distância, isso nos impede de irmos até ali, experimentarmos aquilo
sem sermos contaminados, e gerarmos o antídoto para manifestar a cura daquilo. O objetivo
específico da Prajnaparamita é produzir a cura a partir do contato com o obstáculo!!! Isso é
Mahayana puro! É a essência do Mahayana de trazer benefícios aos seres. Isso é Prajnaparamita:
vamos lá e fazermos contato; aspiramos que a lucidez produza, através desse contato, a clarificação
toda de como aquilo está operando. E as ações que neutralizam a negatividade podem surgir, ou
seja, surge o Dharma, surge lucidez frente a isso!!! Então, essa é a cognição discriminativa dual,
porém prístina.
● (2:03:20) No texto: “Cognição discriminativa prístina da consciência auto-reflexiva”. Essa
consciência auto-reflexiva é a tradução desse aspecto silencioso que está atrás, a lucidez desse
aspecto silencioso. Em seguida: “Mãe de todos os Vitoriosos dos três tempos”. Os Vitoriosos são os
Budas. “Mãe” porque é o princípio gerador dos Budas. O princípio gerador dos Budas é Sabedoria
Prístina, a capacidade de entrar em contato. É como o Lama descreveu: fazemos contato com o lodo
e a água. O lodo é os 12 Elos da originação dependente, é a Roda da Vida inteira. É “faz contato
com o lodo”, não é “não faz contato com o lodo”. Desse contato com lodo e com a água (a água é o
sofrimento) brota o talo do lótus, boddhicita. Então, Chenrezig brota disso, boddhicita. Chenrezig é
inseparável de boddhicita. Prajnaparamita é o princípio ativo lúcido que produz os remédios que
vão curar o samsara. Os Vitoriosos são aqueles que são capazes de atingir essa vitória, ou seja, ir até
lá, fazer contato, gerar os remédios, e curar!!! Esses são os Budas. Vitoriosos é um nome que se dá
aos Budas. Aí a palavra Buda se confunde com a noção de Chenrezig de trazer benefícios aos seres.
Ela não fica restrita à noção de pureza, de purificação, de que o Buda atingiu a purificação, mas sim
do Buda ser capaz de trazer benefícios. Então esses são os Vitoriosos.
● (2:12:00) A meditação é muito diferente da lucidez. Naturalmente podemos manifestar lucidez
dentro da meditação. Mas a meditação é um estado alterado e particular. Para trazer isso de forma
mais clara e visível, especialmente na linhagem Nyingma, se diz que o aspecto lúcido é chamado de
não-meditação. Se usa a expressão não-meditação para o aspecto lúcido, para quebrar isso.
Podemos ter a sensação de que se não estivermos em meditação, então não temos lucidez. Por
exemplo, Dudjom Lingpa escreveu o texto maravilhoso chamado “Iluminação sem Meditação”.
Então, a prática da não-meditação é a prática mais sofisticada que tem, pois ela é a lucidez diante
das coisas sem precisarmos sentar de um certo jeito, estabilizarmos a coluna, e construirmos uma
série de fatores para então estabelecer a nossa prática!!! Assim, na não-meditação, nos levantamos e
praticamos não-meditação. Mas aí quando sentamos, devemos praticar não-meditação também.
Não-meditação é uma lucidez diante das coisas. Por exemplo, a lucidez do Prajnaparamita é não-
meditação: experiência cognitiva discriminativa prístina da consciência auto-reflexiva,
Prajnaparamita, Mãe de todos os Vitoriosos. Ela não é a Mãe de todos os Vitoriosos porque ela está
sentada em lótus meditando com o foco numa certa posição, mas ela é naturalmente isso, pois como
ela está nesse espaço livre da mente, ela olha as coisas com lucidez. Agora, quando estamos em
meditação, pode ser que a gente não esteja no espaço livre da mente. Podemos estar, por exemplo,
no espaço de contemplação da respiração. Ainda que a natureza parada esteja presente, a gente não
a vê, estamos em alguma coisa ligada aos 6 sentidos. E assim estamos num estado condicionado de
meditação, que é um estágio melhor para mais adiante reconhecermos essa condição
incessantemente presente da natureza primordial.
● (2:14:45) Pergunta: “Esse estado natural seria então quando a gente sente que a mente está aberta
para várias direções?” O grande mestre coreano Daissen Saning tinha uma receita. Ele dizia:
“Apenas não saiba”. O Lama levou um tempo para entender isso. O que é que ele queria dizer com
isso? A gente imagina que tudo o que a gente precisar é saber! "Apenas não saiba é assim: quando o
Buda mostrou a flor de udambara, todos aqueles que sabem o que estão vendo não estão entendendo
a mente aberta, pois eles já pegam a mente aberta e botam um conteúdo. Apenas não saiba!!! Nós
estamos diante das aparências. Todos os espertos apontam tudo e explicam tudo. Apenas não
saiba!!! Essa é a apresentação da mente livre, aberta, dharmakaya, é viva. Isso é não-meditação. Por
exemplo, se estamos praticando meditação num objeto, seja ele qual for, visualizado, tangível, um
som que desaparece, qualquer objeto, se nos fixarmos nisso, então estaremos nos fixando numa
aparência, e não estaremos nesse espaço livre. Estaremos em alguma coisa que sabemos e
determinamos. E, assim, aquilo é construído. De acordo com os objetos que nos fixamos, tem 24
nascimentos inauspiciosos que brotam da contemplação de objetos. Isso foi uma coisa que o Lama
escutou do Chagdud Rinpoche e o Lama não gostou, pois o Lama tinha um pouco de apego à
meditação. Mas depois o Lama viu que isso realmente faz sentido, pois as pessoas vão se fixando a
meditações específicas e vão renascendo em âmbitos correspondentes às meditações nas quais elas
estão fixadas. Depois de renascer nos reinos dos deuses correspondentes às meditações, então as
pessoas vão para os infernos. E o Lama não gostou daquilo, achou inauspicioso. Aí o Lama
consultou os textos e estava lá: tem tudo o nome direitinho de cada meditação, o objeto, a
consequência, e o reino. O Buda falou isso. Está tudo em Pali, não está nem em Sânscrito, ou seja,
num período do início dos ensinamentos e que o Buda falava em Pali; antes de ser Mahayana; isso
já estava no Caminho do Ouvinte. Essa linguagem da natureza primordial nos ajuda. Vem Daisin
Saning e diz: “Apenas não saiba”. Se não soubermos, não é nenhuma daquelas coisas. Não tem um
filtro para fixar a mente de algum jeito. Como o próprio texto da Prajnaparamita diz: não tem
conceitos, não tem conteúdos dentro e, portanto, não tem engano; e, portanto, não traz nascimento
inauspicioso; portanto, é confiável. Isto está no texto da Prajnaparamita. O Lama acha incrível que a
gente consiga falar sobre essas coisas. Isso é muito sutil, mas a gente consegue falar!!! Se bem que
depois a gente esquece tudo (risos)! Chagdud Rinpoche dizia: “Esses ensinamentos são todos auto-
secretos. Ainda que eles estejam abertos, eles se fecham!” Isso é como um sonho também. A gente
vê e diz: “Isso eu não quero esquecer, não quero esquecer, não quero perder isso." Tem que dizer
assim: “Eu vou lembrar de novo, de novo e de novo!” Então a gente diz: “Sele, sele, sele!” Você
viu, então não perca!!! Mas Chenrezig é infinitamente paciente: ele vai explicar o número de vezes
que tiver que explicar! Só que isso tem um efeito colateral: a gente ouve, e depois quando a gente
ouve pela segunda vez a gente não ouve muito bem. Às vezes os ensinamentos têm que mudar a
feição, porque senão a gente não ouve mais. É como se a gente ganhasse resistência ao remédio.
Mas tudo bem! A gente não tem uma outra alternativa. Nós estamos no meio disso. O Lama já acha
extraordinário que a gente consiga pegar essas coisas super sutis e falar sobre isso e apontar isso. E
contemplar e praticar.
● (2:21:00) Pergunta: “Ontem o Lama citou que cada órgão tem um lung, uma inteligência que guia
o seu funcionamento. Tem alguma literatura, algum lugar que a gente possa estudar isso?” Quem
vai seguindo pela Yoga, está tocando essas regiões. De modo geral nós treinamos nas várias
posturas, pranayama, etc, no aspecto grosseiro. Mas nós podemos treinar no aspecto sutil e no
aspecto primordial. No entanto, esses ensinamentos não são muito encontráveis. Mas a gente pode
ver pois, como as coisas estão diante de nós, quem praticar Yoga e for praticando os ásanas, vai
perceber, por exemplo, que só conseguimos manter cada posição do corpo se tiver uma energia
correspondente. Caso contrário, não conseguimos manter. Então, o aspecto sutil das posturas é a
energia correspondente de cada postura. Quando estivermos operando com as posturas, que são o
aspecto grosseiro, a configuração do corpo, devemos perceber que tem uma energia que sustenta
aquilo. Isso é o lung. E aí começamos a ver o lung operando, e vamos perceber que esse lung é
totalmente inseparável da posição da mente. Se não botarmos a mente numa certa posição, então ela
não move o lung. Então a mente e o lung se fundem, mas é um aspecto não cognitivo. Não
precisamos falar discursivamente sobre isso. Qualquer criança levanta o braço sem precisar pensar:
“Agora lung, levante o braço lung. Viu? O lung está levantando o braço!” Não precisamos fazer
isso! Aí começamos também a ver além das palavras. Não precisamos de um processo discursivo
para ver. E aí nós vamos treinando. Aí tem um momento que nós vamos poder movimentar a
energia sem precisar levantar o braço. Por exemplo, podemos movimentar a energia e levantar o
braço. Mas podemos também movimentar a energia sem mover o braço. Aí começamos a ver os
canais, os ventos, os chakras, e aí começamos a ver que aquilo tudo está operando ligado aos órgãos
e ligados a várias coisas. Aí podemos tranquilizar, podemos excitar, acalmar, podemos direcionar
para um lado e para outro, podemos várias coisas. Isto porque o lung é inseparável da mente. Então,
esse é um treinamento. Esse é um treinamento sutil, mas o treinamento sutil é grosseiro. É por isso
que esse Yoga (o budismo tibetano tem 13 Yogas) é uma Yoga preparatória. Podemos entrar pelo
corpo e seguir essa Yoga e ver isso. Mas esse ponto vai convergir para o ponto secreto: Atiyoga,
que é a 13a Yoga e que é essencialmente o que nós estamos olhando aqui, que é aspecto da mente,
que é a mente que está além da própria mente. Podemos, por exemplo, posicionar a nossa mente
para dirigir a energia de um certo jeito para o nosso corpo se configurar de um certo jeito. Podemos
até desenvolver meios de curar o nosso corpo e curar o corpo dos outros. Mas, o aspecto mais
importante enfim não é esse, pois o corpo surge e cessa, e as energia vêm e vão. O ponto mais
importante é que existe uma natureza livre que pode se posicionar de um jeito ou de outro. Aí nós
vamos convergindo para isso. Quando chega o ponto onde nós estamos olhando agora Atiyoga, é o
ponto onde nós estamos contemplando as qualidades inerentes a esse estado livre da mente, dentre
elas a Sabedoria Primordial que o Lama estava descrevendo, que é a Mãe de todos os Vitoriosos.
Essa visão mesmo que o Lama está descrevendo vem de uma mente livre, contemplando essas
várias movimentações do próprio ensinamento. Então o Buda descreve isso, e nós vamos ver esses
ensinamentos. Quem quiser avançar nessa área, pode também aprender as Yogas tibetanas que
Namkhai Norbu Rinpoche ensina: tem a série de posturas e pranayamas. Mas, enfim, se praticarmos
a Yoga Indiana, a Yoga Védica, contemplando o aspecto sutil, que é a energia, contemplando o
aspecto mente e contemplando o aspecto primordial, então não precisa nada especial. Não é que
uma postura faz uma coisa e outra não faz. Então, a sequência das posturas não é o ponto. Mas na
medida em que contemplamos a energia junto com as posturas, aí nós estamos desenvolvendo uma
consciência sobre esse processo, e aí nós vamos perceber também os órgãos. No início, a gente
precisa da postura do corpo para movimentar a energia. Depois, descobrimos que a postura do
corpo é acionada pela mente através da energia. Aí, descobrimos que podemos movimentar a
energia sem precisar movimentar o aspecto grosseiro do corpo. Isso é óbvio porque ele precede o
movimento do corpo. Aí começamos a movimentar a energia sem a necessidade disso. Para
desenvolver isso, naturalmente é melhor desenvolver shamata junto. Isto porque shamata já é um
exercício disso: ninguém consegue ficar na postura de meditação se a mente não posicionar a
energia para o corpo parar na postura. Então, nós estamos treinando isso direto. Isso já é shamata
com o foco na postura. Se estabilizarmos a postura, então estabilizamos a energia. Estamos
treinando a energia mesmo que a gente não saiba. Então, podemos nos ligar ao aspecto grosseiro,
que é o corpo, mas aí percebemos a energia junto. O aspecto secreto é o que está parado além de
qualquer postura que a gente ponha e de qualquer energia que a gente faça. Isso é o aspecto secreto,
que é de onde brota a posição específica da mente que vai conduzir a energia de um certo jeito. Nós
estamos sempre com eles juntos: os aspectos grosseiro, sutil e secreto. Eles estão sempre juntos. O
que acontece é que podemos não ver. Do mesmo modo que uma pessoa no cotidiano pode não estar
nem consciente de aonde está o seu corpo, podemos entrar no processo de lucidez através da
observação do corpo. E daí na sequência a gente observa a energia, na sequência a energia está livre
junto com a mente, e na sequência a gente vê a mente no aspecto primordial. Então, esse é um
caminho!!! Agora, antes de fazermos a prática de corpo, pode ser que a gente vá fazer a Yogas de
purificação, que são Yogas preliminares; sempre tem alguma coisa preliminar. Por que isso? Porque
se fizermos tudo errado, contaminarmos o nosso corpo, contaminarmos a nossa mente,
contaminarmos as nossas emoções, então qual é chance que nós temos de parar e ficarmos
observando como é que o corpo e a energia se movem? Estamos totalmente perturbados! Dentro da
Yoga Védica, isso vai começar com Yama e Niyama: o que devemos fazer e o que não devemos
fazer. Por que? Não que a gente seja obrigado àquilo, mas se a gente não purificar as nossas
relações com o mundo, então estaremos causando um tumulto. Assim, como é que vamos pretender
gerar uma lucidez se criamos um tumulto e ficamos à mercê dos vínculos todos que estamos criando
e aquilo começa a nos chamar para um lado e para outro? Aí não tem chance! O Lama acha
comovente o caminho da Yama e Niyma, estabilização, dhyana. É maravilhoso isso! Cuidar da
alimentação, cuidar da saúde, praticar as posturas, respiração, e aí nos vamos seguindo! Mas, esse é
um caminho! É um caminho yogi! Maravilhoso! Totalmente maravilhoso! Porém, se nós seguirmos
o caminho yogi, então talvez a gente não consiga seguir com o marido e com os filhos. Nessas
circunstâncias então, preferimos o marido e os filhos. A pessoa não só tem o marido e os filhos
como tem também o pai, a mãe, a sogra, uma rede familiar. E a pessoa diz: “Não, agora eu vou ser
yogi!” A pessoa vai seguir o caminho que ela puder seguir. Se ela puder seguir o caminho do yogi
do cotidiano, então é realmente maravilhoso! Talvez ela não vá treinar a partir do corpo, mas ela vai
treinar Atiyoga, ela vai ver como é que ela está criando as confusões todas a partir da mente, como
é que as bolhas de realidade afloram, como é que as coisas todas... Mas o Lama acha super
maravilhoso morar num lugar simples, numa tenda sob as árvores, no meio da natureza, e praticar a
consciência do corpo e a observação das coisas ao redor. É maravilhoso!

Terça – Tarde
● Nós vamos seguir analisando o Prajnaparamita como nós estávamos fazendo hoje pela manhã.
Então, a gente olhou os versos “Inconcebível, inexpremível Prajnaparamita / Não-nascida,
incessante, por natureza semelhante ao céu / Experenciada pela cognição discriminativa prístina da
consciência auto-reflexiva / Mãe de todos os Vitoriosos dos três tempos, a você eu presto
homenagem”. Depois vem o título: “O Abençoado Coração da Sabedoria Transcendental”, e daí
“Homenagem à Abençoada Prajnaparamita”.
● E aí começa o texto: “Assim eu ouvi”. Então, é uma tradição oral, é assim que funcionava. Na
época que o Buda era vivo, as pessoas ouviam os ensinamentos e ficavam repetindo aquilo. É isso
que possibilitou a gente recuperar esse conjunto grande de ensinamentos, os 84000 ensinamentos do
Buda. As pessoas guardavam. Elas faziam isso na vida: mendigavam, comiam uma vez por dia,
ouviam os ensinamentos do Buda, e memorizavam o que ouviam. Essa era a vida deles. Meditavam
e memorizavam aquilo. Eles também se encontravam e faziam retiros de 3 a 4 meses nos períodos
das chuvas na India. Eles vinham de todos os lados, iam para o Jardim Jatavana, e se recolhiam lá
junto com o Buda naquele período. Aí depois o Buda recomendava que eles saíssem isoladamente,
eles não saíam em duplas ou em trios ou em grupos. Eles saíam isoladamente e iam ajudando as
pessoas nos vários lugares, e depois voltavam ou não por causa da impermanência. Aí tinha aqueles
que ao invés de voltar, iam adiante. É uma coisa bem curiosa. Por exemplo, quando o Buda se
aproximou da morte, Mahakasiapa não veio para vê-lo. Eles tinham a mesma mente. Então esse
aspecto também se cruzava sem nenhum problema. Então, como é uma tradição oral, teve um
momento que elas começaram a ser escritas. Normalmente, quando uma tradição oral se torna uma
tradição escrita a gente pensa que ela avançou, mas na verdade ela regrediu. É justamente pela
fragilidade da tradição oral que surge a tradição escrita. Na tradição oral, cada um que ouve dá uma
mexidinha. Então, a tradição oral é viva. Quando ela vai para o papel, ela fica fixa. É como a arte.
Por exemplo, a gente olha os desenhos, os desenhos são vivos: a gente olha de novo, de novo e de
novo e pode ir interpretando de outros modos, vendo outras coisas. Mas, aquilo que está traduzido
em palavras é mais difícil de ficarmos flexibilizando, trocando. Nesse tempo agora de alguns anos
para trás, o Lama viu que as tradições nativas do Brasil estão escrevendo tudo, pois eles sentem que
estão em perigo e que irão desaparecer. A gente devia entender isso! É como se a gente tivesse um
Tibete dentro do Brasil. São muitas diferentes línguas. Há um tempo atrás tinhas 250 línguas
diferentes vivas e com diferentes culturas. Só de a gente entender que eles estão aí por 15-20 mil
anos sem antibióticos... eles descobriram alguma coisa, eles sabem se manter vivos. Só o aspecto
grosseiro da realidade já é extraordinário. Mas tem também o aspecto sutil da realidade: como é que
eles mantêm o lung, como é que eles mantêm a vivacidade diante das coisas? Eles não tem um
samsara como o nosso, é um outro tipo de samsara. E gente tem uma visão que depende,
inevitavelmente, dos nossos próprios referenciais. A gente não consegue vê-los. É super importante
entender como, por exemplo, as emoções brotam neles, como que eles manobram aquilo, como que
eles educam, como que eles mantêm a saúde, as relações com os animais, os rios, as plantas, as
montanhas. Isso é super interessante, saber como é que opera o imaginário deles.
● (13:40) Então: “Assim eu ouvi. Uma vez o Iluminado estava residindo em Rajagrilha, na
Montanha do Pico dos Abutres. Junto com ele estava uma grande grupo da sangha dos monges e da
sangha dos bodisatvas.” Esse lugar existe. O Pico dos Abutres pode ser visitado. “Em um dado
momento o Abençoado entrou na samadhi que examina os diferentes tipos de dharma, chamado
Profunda Iluminação.” A palavra “dharma” se aplica tanto à sabedoria quanto à aparência. A gente
não tem como separar de fato, pois a sabedoria das coisas brota da aparência das coisas. Ele está
contemplando as aparências com o olho lúcido. Então, as aparências se tornam um livro aberto, se
tornam o Dharma. O Lama acha super importante a gente guardar com muita atenção o fato de que
o Budismo está escrito nas aparências. Das aparências, ele brota nos textos. Quando ele brota nos
textos, ele está meio morto. E nas aparências o Dharma está vivo, só que não conseguimos ler a
linguagem das aparências. No entanto, podemos aprender a ler. A leitura das aparências começa
com o Prajnaparamita. Quando nós aprendemos o Prajnaparamita, nós vamos aprender a ler o
Dharma nas aparências. Isso é super importante. O Budismo se mantém vivo porque em cada
geração sempre tem alguns mestres que são capazes de ler o Dharma nas aparências. E aí o
Budismo está vivo. Se depender daqueles que lembram o que é que os que liam nas aparências
viram, então aquilo começa a entortar e entorta por todo o lado. Vamos perdendo. Até o final da
década de 80, nós tínhamos o Dudjom Rinpoche vivo. Dudjom Rinpoche era um mestre
extraordinário. Ele foi mestre de Chagdud Rinpoche, de Gyatrul Rinpoche, que é o mestre do Alan
Wallace, e de Sua Santitade Dalai Lama. Ele foi também chefe da linhagem Nyingma. Dudjom
Rinpoche era um vidyadhara, ele tinha clareza das coisas, e então ele pegou muitos textos antigos e
os arrumou. Por que? Porque quando as tradições vieram elas começaram a entortar um pouquinho
aqui e um pouquinho ali. Por mais cuidado que os tradutores tivessem. eles não conseguiam deixar
de colocar um pouco da sua ignorância nos textos, não tem como. Aí veio o Dudjom Rinpoche e
arrumou aquilo tudo. Dudjom Rinpoche arrumou todinho o texto “Iluminação sem Meditação” de
Dudjom Lingpa. Ele arrumou também a história da linhagem Nyingpa. É só um grande mestre que é
capaz de olhar aquele texto e dizer: “Eu sei o que é que eles queriam dizer aqui. Não é isso assim, é
assim.” Ele sabe, ele arruma. Isso não é um privilégio do Budismo. O Lama gosta de lembrar que,
por exemplo, Sri Ramana Maharishi, que atingiu a Iluminação quando ainda era adolescente de
forma espontânea e ficou 10 anos em meditação silenciosa, dava ensinamentos silenciosos. Ele em
silêncio ajudava a abrir a mente das pessoas, mais do que pelos ensinamentos. Aí, quando ele
começou a falar de novo, vinham eruditos de vários lugares perguntar coisas a respeito dos textos
védicos, e ele respondia. Eles liam os textos e ele dizia: “Ah, isso aqui é tal coisa”. Ele sabia aquilo,
ainda que ele nunca tivesse lido. Mas também não é que ele lembrava, mas sim que ele sabia. Ele
olha e vê. Então, tem esse ponto extraordinário. Agora, bem recentemente, Thich Nhat Hnan
rescreveu o Sutra do Coração. Aquilo é uma aventura! Dentro do Dharma, o Sutra do Coração foi
tão lido, tão discutido, tão recitado, tão citado, tão interpretado, e aí vem alguém e diz: “Não, não é
bem isso! É uma outra coisa!” É só um grande mestre perto da morte que pode fazer isso! E sem
apego à vida (risos)!
● (19:50) Aí começa: “Assim eu ouvi. Uma vez o Iluminado estava residindo em Rajagrilha, na
Montanha do Pico dos Abutres. Junto com ele estava uma grande grupo da sangha dos monges e da
sangha dos bodisatvas. Em um dado momento o Abençoado entrou na samadhi que examina os
diferentes tipos de dharma, chamado Profunda Iluminação. E, ao mesmo tempo, o Nobre
Avalokteshvara, o Bodisatva-Mahasatva, enquanto praticava a Profunda Prajnaparamita, viu que os
5 skandhas eram vazios por natureza.” Então, aqui, tem essas coisas históricas: será que era o
Avalokteshvara mesmo que estava ali? Afinal, o Avalokteshvara está lá, ele pertence ao
samboghakaya. Ele estava com o corpo ali? Então, tem esse aspecto. É melhor a gente entender que
era alguém manifestando o aspecto compassivo como uma emanação de Avalokteshavara. Então, é
melhor citar Avalokteshvara mesmo, e não citar o nome de alguém. Então: “... o Nobre
Avalokteshvara, o Bodisatva-Mahasatva, enquanto praticava a Profunda Prajnaparamita, viu que os
5 skandhas eram vazios por natureza.” Então, como que ele praticava a Profunda Prajnaparamita se
é aqui que estamos explicando como é a Prajnaparamita? Isso já é meio problemático... mas o Lama
acha isso estranho... não tem porque duvidar, mas essa coisa de Budismo tem isso. Então, ele
praticava a Profunda Prajnaparamita. Ele pratica o que? Ele pratica a lucidez! Ele não praticava o
texto. O texto vem agora. Ele via a inseparatividade de aparência e vacuidade. Ele estava vendo as
coisas como elas são. Ele contemplava as aparências, vendo as coisas como são. Aí, no meio disso,
a mente dele esvoaçou para os 5 skandhas. Por que é que os 5 skandhas são importantes? Os 5
skandhas não pertencem nem à tradição budista propriamente, eles não se originam daí, mas sim
pertencem à tradição védica. Dentro de uma visão separativa, os 5 skandhas são a garantia de que
nós existimos. Nós temos forma, sensações, percepções, formações internas (mentais) e
consciência. E aí vamos dizer que não existimos?! Estamos aqui! Os 5 skandhas dão uma sensação
de existência. Aí, Chenrezig olha e vê os seres existindo e sofrendo. Ele entende direitinho os 12
Elos da originação dependende, ele compreende as 4 Nobres Verdades, ele entende tudo direitinho,
e vê que os seres têm esse problema: eles sentem a solidez de sua existência a partir dos 5 skandhas
(forma, sensação, percepção, formação mental e consciência). Na tradição do Caminho do Ouvinte,
já se fala em sunyata. Os Theravadas trabalham com sunyata. É uma coisa muito curiosa isso. Por
que? Porque de modo geral a gente vai dizer que a vacuidade (sunyata) só existe no Caminho
Mahayana. Aí nós encontramos os textos de sunyata no Caminho da Primeira Volta do Dharma.
Naturalmente, os Theravadas não se consideram a Primeira Volta do Dharma. Eles se consideram A
Volta do Dharma por si só; é como se essa tradição é o Budismo autêntico, e o resto veio depois
com elaborações de pessoas que estavam com a mente meio assim, tipo o Asanga. Mesmo o
Vajrayana é considerado um pouco estranho. São como que reformas que surgiram dentro do
Budismo. Então tem uma visão da Primeira Volta do Dharma, e de repente surgem outras visões.
Essas visões dizem que na Primeira Volta do Dharma o Buda falou num tipo de condição, agora ele
fala na Segunda Volta do Dharma para outras pessoas. E aí aquilo sacode daqui, sacode dali, e surge
a Terceira Volta do Dharma. E aí tem uma outra visão ainda que se estabelece. É muito lindo isso!
Naturalmente, a Segunda Volta do Dharma gera uma visão tão ampla que inclui a Primeira Volta
como caso particular. E a Terceira Volta do Dharma inclui as duas primeiras como casos
particulares. Então, por exemplo, quando nós estamos olhando aqui os 5 skandhas, nós estamos
vendo não só aquilo que se apresenta como sunyata (a vacuidade) no Caminho do Ouvinte, que é a
vacuidade do “EU” (estes são os textos em Pali que tratam da vacuidade do “EU'; é muito
interessante isso: o estudo da ausência de identidade pela análise desses aspectos), como também a
vacuidade do "OUTRO". A Prajnaparamita vai trabalhar nisso, a vacuidade do “OUTRO”. Na
verdade, a Prajnaparamita vai trabalhar a vacuidade do “EU” e também do “OUTRO”. Mas, aqui,
especialmente nós vamos olhar a vacuidade do “OUTRO”. Mas aí, Chenrezig viu isso, ele viu que
os 5 skandhas eram vazios por natureza. As formas são vazias, elas não tem substanciabilidade; as
sensações são vazias; as percepções são vazias; as formações mentais são vazias; e a consciência é
vazia. Aí: rupa, vedana, samjana, samskara, vijnana; é melhor olhar os nomes em Sânskrito, para
fazer a conexão com outros textos, mas nem sempre a gente tem essa garantia!!! Mesmo que a gente
use a palavra em Sânskrito, existem diferentes comentadores que começam a dar diferentes
significados para a própria palavra em Sânskrito! Aquilo é bonito de ver! Mesmo rigpa, há muitas
diferentes acepções para rigpa. Vacuidade tem uma vastidão disso também. Mas, tudo bem. A gente
não precisa entrar nessa situação por enquanto. Então, aqui, Chenrezig viu que os 5 skandhas eram
vazios por natureza. Ele reconhecendo a vacuidade das aparências (os 5 skandhas), ele vê que o
sofrimento cessa, ou seja, dukkha cessa. Quando a gente diz que o sofrimento cessa com a
vacuidade dos 5 skandhas, a gente fica meio assim: por que é que o sofrimento cessa? Dukkha é
inseparável de avidya (ignorância). Assim, quando entendermos que a ignorância cessa quando os 5
skandhas são vistos como vacuidade, então entendemos que a ignorância cessa dukkha, que é esse
processo que nos prende e nos faz saltar de uma coisa para outra a partir dessa incompreensão. E é
aí que aquilo fica redondo. Agora vejamos o que os tradutores fazem (o Lama não quer reclamar
aqui (risos)). Eles dizem: “O reconhecimento da vacuidade dos 5 skandhas elimina o sofrimento.”
Mas é melhor dizer que elimina dukkha, elimina o ciclo de mortes e renascimentos, elimina as
transmigrações, elimina a sensação de alguém que vai transmigrando.
● (29:20) Em seguida: “Então, pelo poder do Buda, o venerável Saritupra disse ao Nobre
Avalokteshvara, o Bodisatva-Mahasatva: Como deveria proceder o filho ou a filha de nobres
qualidades que quisesse praticar a Profunda Prajnaparamita?” O Buda estava meditando, se deu
conta que o Avalokteshvara tinha visto isso, e pediu para o Sariputra solicitar ao Avalokteshvara
que ele verbalizasse isso melhor para o bem das gerações. Aqui, dependendo de quem traduz... Teve
uma época que o Lama colecionava traduções do Prajnaparamita. E aí o Lama viu uma tradução
dessa expressão que dizia assim: “Como deveriam os monges ou as monjas que tiverem feito as
práticas preliminares proceder para praticar a Profunda Prajnaparamita?”: Aí nós estamos fora, não
é? É melhor assim: “Como deveria proceder o filho ou a filha com qualidades (ou sem qualidades; a
gente poderia botar assim (risos)! Uma versão mais aberta nesse tempo...)” Aí: “Por ter sido
perguntado dessa forma...” Aí vemos a tradição oral: tudo repetido. Eles fazem dessa forma para a
gente ficar lembrando de tudo. Cada frase avança só um trechinho, e eles repetem aquilo tudo. Se a
gente fosse fazer uma edição desse texto, a gente retirava isso tudo, e aquilo virava 3 parágrafos
(risos)! Em seguida: “Ó Sariputra, um filho ou uma filha de nobres qualidades que desejasse
praticar a Profunda Prajnaparamita, deveria ver assim: todos os 5 skandhas têm a natureza da
vacuidade.” Aí ele vai explicar isso em detalhes: “Forma é vazio, vazio é forma, ...” Aí nos
voltamos para os 12 Elos da originação dependente. Nos 12 Elos a gente estudou como é que a
consciência foi surgindo, como é que aquilo tudo vai indo, até o ponto que tem corpo físico, aí tem
contato, aí vem sensação, aí vem gostar ou não gostar, vem desejo e apego, e tudo começa a se
estruturar, e termina surgindo a identidade baseada nessa relação. Mas, esse tema de que forma é
vazio está ligado ao fato de que nós olhamos as coisas a partir de uma estrutura interna que dá
sentido a elas. Por exemplo, nós temos os órgãos físicos, e a gente pensa que está simplesmente
olhando de forma neutra, como os cientistas também. Os cientistas olham, e pensam que se invés
deles olharem com os olhos deles eles olharem com os instrumentos, então aquilo está neutro! Aí o
Niels Bohr mostra como que os instrumentos falseiam a realidade. A análise do Niels Bohr é muito
profunda: em alguns pontos ela faz coisas que e análise budista não faz. O Niels Bohr avança em
algumas áreas que não são tocadas de uma forma explícita (pelo Budismo). Por exemplo, o Niels
Bohr vai dizer: “Qual é o som do tambor?” Se não batermos no tambor com alguma coisa, então
não tem som! Assim, o som não é uma coisa do tambor, mas sim uma coisa do tambor mais alguma
outra coisa. Então, o Nils Bohr se deu conta disso. O Niels Bohr pega um equipamento
experimental e mostra como que o cientista quando vai fazer um experimento opera com a visão de
que aquilo que ele está medindo, por exemplo, o som do tambor, é independente da coisa que bate
no tambor. Aí ele diz: “Há medidas em que a gente não tem nenhuma ideia sobre o que é que nós
estamos...” Por exemplo, a gente joga partículas sobre outras partículas que a gente não sabe nada
do que são. Quando elas se batem, a gente analisa o que é que aparece ao redor, que é mais ou
menos assim: batemos no tambor, e analisamos o som que aparece e interpretamos desse modo.
Jogamos partículas contra partículas e então aparece uma porção de fragmentos. E então dizemos
que esses fragmentos são uma manifestação daquilo que foi batido. E o mito é o fato de que teve
alguma coisa batendo. Então o Nils Bohr diz: "Antes do experimento, a gente não sabia nada sobre
aquilo, e depois do experimento aquilo já nem existe mais." Ainda assim, criamos idealmente uma
existência: vamos explicar a existência, vamos dizer que existe uma certa coisa. Também tem um
outro aspecto muito interessante que o Niels Bohr vê que é assim. De acordo com o posicionamento
que nós utilizamos, brota um experimento ou brota outro experimento. Temos uma teoria, e aí
criamos um experimento de acordo com a teoria. Então, o experimento não só depende dessa
interação (algo batendo no tambor), mas depende também de um arcabouço cognitivo que dá
sentido ao experimento. Estamos esperando alguma coisa, temos uma visão, temos uma expectativa.
Essa expectativa configura o que a gente vê, pois interpretamos segundo a expectativa que nos
levou a fazer o próprio experimento. O Niels Bohr se deu conta disso. Ele entendeu o aspecto sutil
da mente que opera. Não é assim: ficamos pensando muito forte e então Pluft! Aparece um tambor!
Não precisamos pensar muito forte. Não estamos construindo de uma forma mágica, densa, as
coisas. A estrutura mental interna manifesta isso no próprio experimento. Aí o Niels Borh se dá
conta desse aspecto e diz: “A visão científica deveria evoluir em direção à complementariedade.” A
complementariedade é assim: estamos estudando alguma coisa, e podemos estudar aquilo segundo
diferentes hipóteses e diferentes visões. Cada visão e cada hipótese nos dá um resultado. Essa
multiplicidade de resultados revela mais sobre o objeto do que se tivéssemos só uma. Aí o Niels
Bohr vai entender essa dualidade onda-partícula como uma manifestação de experimentos
associados a interpretações. Então, o Niels Bohr traz essa noção que o Lama considera super
importante. A gente usa isso na medicina, por exemplo. Hoje isso é comum. Por exemplo, a pessoa
tem um câncer. Aí a pessoa corre para o naturopata. O naturopata diz: “Não faça isso, tome suco
disso, tome água, faça exercícios, corte a carne, corte o álcool, corte o fumo, corte tudo! Como 70%
de crus, não coma nada cozido, abandone a gordura, abandone a proteína animal.” Aí a pessoa vai a
um yogi terapeuta, e ele diz: "Agora você alongue, limpe, tome banho disso e banho daquilo,
limpeza disso e limpeza daquilo, respire, equilibre os chakras, equilibre a energia.” E a pessoa
começa a ficar melhor. Aí a pessoa vai em outro terapeuta que diz: “Melhore as relações por todos
os lados!” E vai lá falar com o Lama Samten: "Olhe o quadro 240 Itens; deixe de ver os vizinhos e
as pessoas amigas com orgulho, inveja, desejo e apego; abandone isso; abandone as ações de matar,
roubar, sexo impróprio, falar mal dos outros, criar discórdia; pratique mettabhavana; pacifique tudo
em todas as direções; aí a sua energia vai mudar e aí tudo se arruma.” E como Tokudasan dizia: “Se
a pessoa não se curar, pelo o menos morre feliz!” Com essas várias abordagens, ela vai melhorar.
Isso é a complementariedade: diferentes visões enriquecem a abordagem. E isso por que? Por que
forma é vazio! As coisas não são aquilo fixo que parecem. Então, podemos começar com a
compreensão da coemergência. A gente entende que as coisas surgem de modo coemergente o
tempo todo! Aquilo dança na nossa frente! Então, por exemplo, as crianças ganham um presente, e
daqui a pouco elas não querem mais aquilo. Se aquilo é aquilo, então aquilo é aquilo! Mas é natural
que o que a pessoa está vendo depende dos olhos que ela dispõe: se ela mudar o olhar, aquilo... Por
exemplo, a gente tem a casa mais ou menos arrumada, e aí entram as crianças. A gente monta um
jantar com o jogo americano, os talheres, tudo limpinho e arrumadinho. E aí entram as crianças.
Eles têm uma mente super criativa: eles são capazes de olhar para aquilo e ver qualquer coisa. E não
só eles vêem como dá certo. Essa é uma mente maravilhosa: é a mente da originação dependente.
Nós somos todos estruturados: chegamos ali e já sabemos como é que vamos nos ajustar àquele
lugar. Como está tudo arrumado, então a gente já se arruma: “Eu posso isso, eu posso aquilo, já está
na hora disso, quem sabe isso?” Ficamos todos apropriados assim. Mas as crianças dão uma olhada
e já têm várias ideias sobre o que fazer. É muito bonito! Derramar um copo de suco de uva numa
toalha branca é uma glória! E depois olhar para a cara da dona da casa (risos)! Então, esse aspecto
de forma está todo ajustado ao nosso processo.
● (47:00) Mas aí tem essa coisa da forma. Forma é vazio, ou seja, nós temos uma estrutura interna
que produz as visões e produz o que é adequado, e a gente vê que quando nós mudamos esses
aspectos internos então a gente vê as coisas de um outro jeito. É literalmente um choque de mundos,
encontros de mundos. Por exemplo, podemos encontrar culturas muito diferentes crescerem
isoladas. Na parte da alimentação elas já nos desafiam: tem pessoas que comem coisas que e a gente
nem julgaria... O Lama lembra de uns amigos que viviam isolados, num tempo em que tudo era
mais isolado: não tinha internet, não tinha televisão, etc. E eles viviam na terra, isolados, por
gerações eles viviam dentro de uma cultura de migrantes. Aí um dia eles foram à praia pela primeira
vez, e aquilo foi um deslumbramento para eles. O Lama não sabia muito bem o que é que poderia
acontecer na mente deles vendo a praia. Mas eles tinham ouvido muito falar de camarão. Quando
eles começaram a comer camarão, um cuspiu fora achando que era berne! Esse é o encontro das
culturas. É mais ou menos a gente chegando numa cultura nativa e alguém nos convida a comer
formigas ou outros bichos! E aí nos vamos achar aquilo estranho. O que o Lama está querendo dizer
aqui é que as pessoas não são monstros, mas sim que elas estão operando com um sentido de
realidade. O Lama lembrou da autobiografia do Gandhi. Houve um tempo na India que havia a
crença de que os indianos eram inferiores aos ingleses porque os ingleses comiam carne e eles não.
Aí o próprio Gandhi resolveu vencer essa barreira, porque ele queria vencer os ingleses. Aí o
Gandhi se escondia na barranca do rio para comer carne, para ficar Yang. O que o Lama está
comentando aqui é o aspecto cultural. O Lama está trazendo o aspecto cultural como uma base de
referencial da nossa mente, que é uma base que não se explicita, mas que opera, que produz a visão
que a gente tem. Então, esse olhar depende da estrutura interna. O olhar é uma alguma coisa que
não é percepção simplesmente. Então, a forma que a gente encontra é construída junto com os
referenciais que a gente está esperando. Mas isso não quer dizer que aquilo seja falso!!! Não é
falso!!! Mas sim aquilo opera dentro do âmbito coletivo onde aquilo está operando! Opera e
funciona! É interessante que, por exemplo, o valor econômico é alguma coisa desse tipo também.
Se não tiver mais pessoas olhando aquilo com um certo olhar, então aquilo não tem valor!!! A
economia inteira está ligada à forma, sensação e percepção!!! E naturalmente está ligada também à
formação mental. A formação mental são esses referenciais que estamos utilizando. E também está
ligado à consciência, que é a operacionalidade disso. Consciência é vijnana, não é no sentido de
quando dizemos, por exemplo: “Você precisa ter consciência! Você deveria ser mais consciente!”
Não é isso. Nesse caso, a gente deveria ter menos, porque essa consciência (vijnana) é a consciência
dual, a consciência separativa que opera a partir de condicionamentos internos. A maior parte dos
seres só conhece essa consciência (vijnana): é jnana, mas tem o “vi” na frente. Assim, vijnana traz o
sentido da dualidade: tem o observador e o objeto que parece que é separado do observador. Então,
essa consciência (vijnana) também é construída, também é artificial, também não existe por si só. O
que existe mesmo é jnana. Mas aí escolhemos o referencial, produzimos a separatividade, e
operamos. Podemos ficar preso a isso, que é avidya; mas podemos também operar de forma
separativa sem ficarmos presos. É mais ou menos assim: olhamos todo o jogo de xadrez operando e
entendemos como é que aquilo tudo está operando. Mas, ao mesmo tempo, vemos que aquilo tudo é
uma convencionalidade. Não precisamos ficar presos àquilo. Raciocinamos então que ninguém
precisaria ficar preso àquilo. Por que? Porque a gente usa o aspecto separativo, mas não fica preso
no aspecto separativo. Assim, a mente não está condenada a operar a separatividade e ficar presa à
separatividade!!! A separatividade é como se fosse um aspecto lúdico!!! No entanto, a gente fica
preso!!! Nem sempre, mas à princípio a gente fica preso. Então, isso diz respeito à forma ser vazia.
A forma surge pela luminosidade. A gente olha um animal e quer matá-lo. Se matarmos o animal,
ele brota de forma luminosa, ou seja, o sentido e o significado todo daquilo. Do mesmo modo, a
multiplicidade de coisas. Por exemplo, a gente vai olhando a natureza toda como recursos, e
funciona: a gente olha para uma árvore, corta a árvore, e fazemos uma tábua. E aquilo funciona!
Construímos casas e aquilo tudo funciona! Mas, se tomarmos isso como uma realidade verdadeira,
aí estamos presos!!! Tem uma realidade operativa, mas é melhor guardarmos sempre uma distância
para não ficarmos fixados. Quando nós estamos fixados, e as coisas às quais nós estamos fixados se
revelam impossíveis, então o sofrimento ocorre, e começa o sofrimento. Mas, essencialmente,
quando aquilo dá certo ou quando aquilo não dá certo, dukkha já está presente!!! Por exemplo, se
fazemos uma coisa que dá certo e é condicionada, então ficamos presos para repetir aquilo. Isso é
dukkha! Ficamos fixados àquilo! O Lama não considera que encerrou o assunto. O Lama está só
começando: forma é vazio, vazio é forma, forma nada mais é do que vazio, e vazio nada mais é do
que forma. Nós estamos começando esse estudo.

Terça – Noite
● O Lama disse: “Só paciência, só paciência, e não andar muito rápido.” Na verdade, o Lama nunca
gostou de ouvir isso. O Lama várias vezes ouviu para ter paciência e não andar rápido. E então ele
pensava: “Como assim não andar rápido? Eu quero andar super rápido!” Mas as pessoas diziam:
“Paciência! Devagar!” E o Lama pensava: “Aquilo precisa ser feito e nós vamos fazer...” No
entanto, andar rápido é andar com paciência. Depois o Lama foi vendo que o andar necessita de
uma transformação interna, pois senão o processo não avança. Tem o andar externo e tem o andar
interno. Se não dermos um tempo para esse andar interno se acomodar, só revolver, então dá um
problema. É como se então a gente começasse a atrasar, começasse a se perturbar. Mas, às vezes,
pode ser um pouco desanimador. À medida que a gente avança, a própria visão do Caminho muda.
A gente pensa: “O Caminho é esse. Daqui até lá é pá.” Aí começamos a andar e pensamos: “Não,
não é mais isso. É uma outra coisa!” Aí andamos mais um pouco, e então pensamos: “Ah, não é
mais isso. É de um outro jeito.” O Lama gosta de dar essas visões amplas, mas depois a gente pega
coisas mais focadas. No entanto, mesmo essas visões amplas vão mudar. Não vão mudar muito,
mas vão mudar um pouco. É como se a gente não conseguisse ver. Se conseguimos ver, então não
conseguimos descrever também. Não tem aquilo dentro. Mas como é que vai aparecer aquilo
dentro? Conforme a gente vai avançando, o conteúdo interno muda. E, quando o conteúdo interno
muda, as possibilidades e as visões mudam. A gente precisa entender que a gente tem um conjunto
de estruturas cognitivas que são o que nos possibilitam ver. Agora, a estrutura cognitiva não muda
assim (num estalar de dedos). Ela precisa de um tempo para a gente poder incorporar aquilo. Depois
que incorpora, então a visão muda, e aí o Caminho muda um pouco. Aí, quando ele muda, a gente
avança e incorpora outros aspectos na estrutura interna, e aí podemos ver... Às vezes parece
desanimador. Por exemplo, estamos andando e pensamos: “Eu já entendi! Tem alguns detalhes que
eu não estou conseguindo entender, mas aquilo já está encaminhado!” A gente raciocina de um jeito
explícito e também de um jeito não consciente. A gente vai processando em vários níveis. Esse
processo, esse raciocínio, também é originação dependente. Agora não temos outros elementos, e
precisamos juntá-los com aqueles que já tínhamos. Então aquilo vai trabalhando, trabalhando,
trabalhando, e é preciso um tempo para aquilo acontecer. Se formos rápido demais, então a gente
não transforma aquilo, e não conseguimos andar. A velocidade do nosso andar depende da alteração
das estruturas internas, as quais não são visíveis. É uma complicação. Nós estamos mexendo numa
área que de modo geral não é visível, a não ser que pessoa já esteja praticando meditação e olhando
tudo assim. Mas, em geral, a gente não consegue ver direito isso. Por isso que temos que ter
paciência. Se a gente anda muito rápido na água, então a água começa a ficar cada vez mais rígida.
E se a gente anda devagar, então a gente flui. É melhor fluir!!! É um pouco assim. Também é
necessário dar um tempo para transformar as relações, nós não estamos isolados. Esse capítulo é
complexo. Por que? Porque se a gente fizer só uma transformação, então tudo bem. A gente vai
fazer uma transformação, depois outra, depois outra... e aquilo vai indo. Cada vez a gente vai
ficando com a visão mais ampla das coisas e, portanto, mais distanciada a relação num certo
sentido, mais independente, mais autônoma, com a energia mais autônoma. Para as relações em
geral, a energia autônoma não é interessante. Se a gente não gerar boddhicita paralelamente, então
surgem alguns obstáculos, pois boddhicita vai começar a surgir como o fogo interno que sustenta a
nossa energia, o brilho, já que o processo comum não sustenta. Nós estamos sustentados por uma
série de processos ilusórios que vão rotacionando. Uma ilusão substitui a outra, e aquilo vai
girando. Então, na média, nós temos uma energia mais ou menos funcionando assim. Se não
aparecer a energia por dentro, então nós vamos perder a capacidade de sustentação e a nossa energia
começa a afundar. E aí a gente volta para o samsara como se estivesse faltando ar: aqui é o cinema.
Nós vamos a algum lugar. Então, tem essa substituição. Nós vamos tirando uma coisa e colocando
outra. É preciso ter calma. Quando o Lama vê as pessoas querendo acelerar, o Lama olha e só vê
como elas não saírem da panela de fritura. Se acelerar demais, então elas pulam para fora. Então o
Lama dá uma jeito de as aconselhar a ficarem ali. O único cuidado que o Lama tem é de não
desagradar a pessoa, não causar nenhum estresse. A pessoa segue ali. Só de seguir ali as coisas
todas andam, e parece que não está acontecendo nada. No entanto, está tudo girando. Por exemplo,
se tivermos essa oportunidade, devemos fazer práticas regulares, praticar mettabhavana, olhar para
os outros seres, etc. Esse conceito todo de natureza primordial, vacuidade, etc, vai começar a
penetrar nos ossos, devagar assim. Nós precisamos contemplar as aparências, aí as aparências vão
aparecendo; elas são aparências! Em 90% das vezes a gente faz tudo errado! Durante um longo
tempo a gente vai ter a noção de que existe o Dharma e existe o mundo real: há duas coisas
separadas. Mas não tem problema, pois o Dharma vai roer tudo isso, essa visão vai mudar. Aí
também durante um longo tempo nós temos visões pessoais: quero ser vitorioso, queremos atingir,
queremos chegar. Essas visões pessoais vão desaparecer todinhas. Aí se a gente quiser eliminar isso
agora, nós vamos ter um problema. Então tem que sustentar a ilusão das identidades e das coisas
todas, porque senão a gente também não consegue, a gente não tem o pé do outro lado. Aí com o
tempo, a gente vai ficando mais forte, e esses aspectos que são mais obscuros e que estão mais
encravados em nós começam a relaxar. E aí nós começamos a funcionar de um outro jeito. Mas é
preciso tempo. Por exemplo, no caso da Física, a pessoa tem uma visão clássica, e pode nunca
conseguir ultrapassar a visão clássica das coisas, ela não sabe como raciocinar de forma quântica. E
o que é que a gente vê? Surge a Física Quântica, ela é aceita, aquilo tudo vai funcionando, e então
as pessoas começam a converter toda aquela linguagem para a Física Clássica. Eles vão abandonado
o raciocínio quântico e passando de novo para o raciocínio clássico, e vão introduzindo outras
linguagens e outras coisas. A gente começa a se relacionar com partículas, com objetos, com coisas
separadas, mas na Física Quântica não tem isso. Assim, toda a visão clássica retorna. Mas, aqui no
Budismo, uma vez que entramos nisso, tem um ponto em que não temos mais como retornar, é só
para a frente. É por isso que é melhor ter calma. Depois de cruzar desse ponto, aí podemos
apertar!!! Aí não tem mais como voltarmos! Depois de cruzarmos esse ponto, aí mesmo que aquilo
aperte e acelere, vamos fazer o que? Vamos retornar? Temos como retornar? Já não vimos isso,
isso, e aquilo? Como é que vamos retornar? Não tem retorno!!! É uma coisa assim: cruzou de um
ponto e Pluft! É irreversível. Não tem como voltar. Uma vez que a gente descobre que a tela do
cinema vem de uma luz que está projetando alguma coisa, como é que vamos apagar isso? Vamos
agora olhar para aquilo como se fosse a verdade última? Agora, mesmo que a gente entenda que
aquilo é ilusório, aquilo produz emoção ou não produz? Então, o samsarão básico a gente entende,
mas ele está ali produzindo as transformações comuns e a gente pode não conseguir ver isso e
sermos arrastados. É super importante a gente melhorar a motivação, aperfeiçoando a motivação o
tempo todo. Também é importante a gente entender que a gente avança junto com todo mundo. Esse
é um ponto delicado e difícil de entender. A gente não consegue avançar sozinho. Quando a gente
começa a avançar sozinho, então aquilo começa a trancar!!!
● O Lama acha que um mestre irado é uma boa coisa. Quando o Lama viu Chagdud Rinpoche, foi a
fúria de Chagdud Rinpoche que deu confiança ao Lama. Foi assim, o Lama olhou para o Chagdud
Rinpoche e pensou: “Esse, é matador!” Os mestres que dizem: “Tenham paciência, fique calmo, vá
devagar...” Os mestres pacíficos não funcionam! Aquele mestre que levanta uma sobrancelha e tua
mente muda, esse é melhor!!! O Lama viu que o Chagdud Rinpoche não ia passar a mão em nada,
ele não ia dar nenhuma chance. O controle de qualidade dele era assim: se aquilo não desse exato,
então Pahhh! O Chagdud Rinpoche nem levantou, ele só olhou. E o Lama pensou: “Esse não
perdoa!” E o Lama achou aquilo super bom. Isto porque o Lama já vinha praticando há muitos
anos, e não tinha ninguém que corrigia o Lama. Se não tem ninguém que aponte a coisa, então a
gente pode ficar anos circulando sem que ninguém nos diga coisa alguma. Mas isso também é
coemergente. Quando alguém vai lá e Pahhh, pode ser que a outra pessoa não aguente. Por
exemplo, o Chagdud Rinpoche tinha muitos alunos que tinham medo dele. Uma vez o Lama disse
para o Chagdud Rinpoche que tinham várias pessoas que tinham medo. Aí correu uma lágrima do
Chagdud Rinpoche. Mas o Lama não ficou com pena dele porque ele era... (risos)! E então o Lama
perguntou: “Por que (as pessoas tinham medo)?” O Lama via aquela energia do Chagdud Rinpoche,
mas aquilo só produzia um sorrido interno no Lama. O Lama não tinha essa sensação. O Lama tinha
uma sensação de 380 Volts, não era 110 nem 220. Quando se estava perto do Chagdud Rinpoche,
qualquer coisa podia acontecer, e intensa! E o Lama achava aquilo super bom. Só de ficar perto,
aquilo Prummm, tipo efeito especial. Mas tinham pessoas que rodopiavam, não conseguiam nem
chegar na frente dele. Tradicionalmente se diz que a relação com um mestre é como a com um
médico, um terapeuta. Não tem um padrão sobre com vai andar a relação. Mas, quanto mais
confiança, mais rápido nós andamos, pois o outro pode ser mais direto. Se tiver que esperar que o
outro se acalme, que olhe isso, esperar um bom dia e um bom momento para então falar...
● (31:00) Tem algumas coisas que o Lama gostaria de fazer no Dharma mas que ele não vai fazer.
O Lama acha que o estudo dos koans seria uma boa coisa. Os koans são chaves no
desenvolvimento. Nós encontramos obstáculos em certas coisas e os koans são feitos para
ultrapassar esses obstáculos. Tem o koan do cachorro de Joshui, que é assim. Joshui era um mestre.
Aí vem uma pesoa e diz para ele: “Se todos os seres têm a natureza de Buda, então os cachorros têm
a natureza de Buda também?” Então o mestre diz: “Mu!”. Mu significa não, é uma negação. Aí vem
essa coisa: “Aquilo é um não, ou é uma negação? Se for uma negação, é uma negação de que?” É
contraditório: se todos os seres tem a natureza de Buda, então o cachorro tem a natureza de Buda?
A resposta seria sim, mas o mestre diz “mu”. O que é que ele quer dizer com isso? Então isso é um
koan. Seria incompreensível ele dizer que não. Então por que ele diz “mu”? Aí isso se torna um
koan clássico. Tokudasan foi o primeiro Mestre Zen do Lama. Tokudasan disse que o papel do
mestre é sempre dizer que as respostas dos alunos aos koans estão erradas. O objetivo disso é acabar
com os conceitos de identidade dos alunos.
● (38:15) Quando estamos muito mal e aquilo caiu tudo em cima de nós, então devemos olhar e
abrir o olho: isso é o que nós estamos fazendo com a nossa mente! Nós criamos esse bolha toda, nos
metemos dentro disso e geramos a nossa posição com a nossa identidade ali dentro. Temos que ver
que isso não é nem bom nem ruim. A gente construiu isso assim com a luminosidade da nossa
mente. Aí dizemos: “Uauhhh!” Quando a gente vê isso, automaticamente nós já estamos fora da
bolha!!! E aí a bolha perde o poder, e o sofrimento cessa!!! É por isso que o cotidiano é
maravilhoso, é perfeito! Ação irada é para impedir que o outro acumule carma. Isso é bem sério! A
ação irada pode ser bem útil: interromper a ação negativa que o outro está estruturando,
acumulando. Se não a interrompermos, daqui a pouco não conseguiremos nem ajudar o outro. O
outro começa a ficar intratável, impossível. Se o outro começa a acumular carma, temos que
interromper aquilo, tem uma emergência. O Lama acha melhor a pessoa fluir calma e lúcida, e aí
aquilo se expande.
● (57:00) Para ajudar os outros, a gente precisa das 4 Ações: ação de poder, que é a gente não se
perturbar; ação pacificadora, que é acalmar o outro; ação incrementadora, que é proporcionar o
surgimento de coisas favoráveis que o outro venha a fazer e que isso se reverta como méritos para
eles; ação irada, que é cortar as negatividades que outro comece a construir. Mas, para isso, é
preciso desenvolver uma relação de confiança e honestidade com o outro. Se isto acontece, então é
mais fácil de ajudar. Mas, ainda assim é demorado. A sensação de ser demorado é porque o outro
está numa condição muito aflitiva.
● A normose (Bloco 0) é uma perturbação. A Psicologia procura colocar as pessoas que saem da
normose de volta à normose. A Economia está baseada na normose, e a Educação forma as pessoas
para a normose. Quando as pessoas estão na normose, elas apresentam uma série de contradições, e
essas contradições vão produzir sintomas. Esses sintomas são considerados um desequilíbrio, e aí
tentamos curar aquilo e botar dentro da normalidade de novo. Se a Psicologia fosse uma Psicologia
de emancipação, então o Lama acha perfeito ela se adequar às ferramentas budistas de
mettabhavana, meditação, etc. Mas, como a Psicologia está na verdade tentando ajustar a pessoa à
“normalidade”, que não é uma normalidade mas sim um desequilíbrio, então vai surgir um certo
obstáculo. O que provavelmente vai acontecer se a pessoa começar a meditar é que ela vai abrir
mais a visão, e não propriamente voltar à uma normalidade. Dentro de grandes empresas, têm
pessoas que treinam meditação para desenvolver habilidades para poderem ter vantagens adicionais
dentro da normose como, por exemplo, serem mais competitivos, vitoriosos, etc. Desse modo, o
foco está equivocado. Enquanto o Budismo procura emancipar a pessoa, a Psicologia procura jogar
a pessoa de volta para o panelão. Muitas vezes essa é a situação dos médicos também. Por exemplo,
uma pessoa tem uma vida em que ela não faz exercícios, se alimenta mal, etc. Aí ela vai num
médico e o médico dá um tratamento. No entanto, o tratamento não faz a pessoa mudar de vida para
retirar os fatores de adoecimento. O tratamento é para a pessoa poder conviver com os fatores de
adoecimento pelo o tempo que der, até desgastar aquilo até o fim.
● (1:12:00) Se a pessoa tiver essa coragem de fazer isso, então é uma boa coisa, ela pode ajudar os
outros a mudar de vida de fato. O Lama tem uma aluna que é psicóloga e que faz isso. Ela diz: “A
única coisa que eu faço é o Dharma! Quando uma pessoa chega, eu trato com o Dharma e é dali
para frente! E quando a pessoa melhora, então ela vai para a sala de prática (budista)! Vira
praticante (budista)!”

Quarta – Manhã
● Então, a gente parou justamente no ponto (este é talvez um dos pontos principais do
Prajnaparamita) que diz: “Forma é vazio, vazio é forma, forma nada mais do que vazio, e vazio
nada mais é do que forma. Do mesmo modo, sensação, percepção, formação mental e consciência
são vacuidade.” Este é o cerne! Esse ponto é super importante! Ele uma importância muito grande
no Budismo todo! Quando começamos a olhar as formas, tanto olhar para nós mesmos como olhar
em volta, e percebemos o aspecto de vacuidade, na verdade isso significa que a gente percebe a
coemergência: a gente percebe o aspecto interno inseparável do aspecto externo. Não é que as
coisas não existem, mas sim que a característica das coisas é a vacuidade. Isso é super bonito! Essas
expressões são uma chave: “Não é que as coisas não existem, mas sim que a característica das
coisas é a vacuidade.” Não se está dizendo que as coisas não existem. Quando se diz que a
característica das coisas é a vacuidade, se está dizendo que não tem aquilo externamente ali. Não
tem nem essa separação, pois aquilo que estamos vendo é inseparável da própria estrutura da mente
que utilizamos enquanto olhamos, sem nem percebermos esse processo. Então, isso introduz uma
transição da percepção do mundo para um outro patamar, porque até então, de um modo geral, a
gente só olha com se fosse uma coisa externa à nós. Mas, agora, a gente reintroduz a mente nesse
processo. Então, a mente é inseparável da própria aparência do mundo por causa desse aspecto da
coemergência. Primeiro o Lama vai explicar isso rápido, mas depois o Lama vai explicar isso bem
detalhado. O Lama só está dando um sobrevôo nessa questão, só para trazer a importância desse
tema. Se a gente não entender muito bem o que o Lama está explicando, não tem importância, pois
depois o Lama vai seguir detalhando. Então, agora, a gente vê que o mundo material da própria
mente, ainda que o Lama não tenha descrito o que seria a mente. Isso é uma outra coisa complexa.
Mas a gente usa “mente” de uma forma fazendo de conta de ninguém vai se perguntar o que
“mente” é enfim. Então tudo bem, está explicado! Mas tem um aspecto interno. A própria noção de
aspecto interno é meio problemática. Mas tudo bem. Intuitivamente a gente entende isso. Na
verdade, a gente entende erroneamente, mas não importância, pois serve no momento. Mas, enfim,
os objetos (as coisas, as formas) têm a característica da vacuidade. Não é que eles não existem, não
é que a vacuidade seja contra o objeto. A característica mesmo do objeto é a vacuidade. Aí, nós
vemos que essa vacuidade é totalmente inseparável da luminosidade, pois a aparência surge! Então,
nós vamos dizer que o princípio ativo que produz a aparência das coisas é a luminosidade! Aí nós
encontramos esse aspecto extraordinário, que é a própria luminosidade da mente. Aí a gente vai
depois associar a luminosidade à própria noção de originação dependente, pois pegamos uma coisa
que não é, juntamos com outra, e criamos uma outra que é quase sem base; é tão sem base quanto a
gente dar um traço num papel e reconhecer o rosto de alguém. Aquilo é sem base!!! Aonde é que
está o olho do rosto desenhado se aquilo só tem riscos? Não tem olho nenhum! Mas aí todo mundo
olha e vê! É assim! Mesmo que o desenho do rosto não tente seguir as proporções e deforme aquilo,
ainda assim a gente vê. A gente está construindo! Não tem nada ali! E a gente considera que tem
alguma coisa do lado de fora: aquilo está lá e nós estamos aqui olhando! Como um observador
olhando de forma neutra um objeto que está do lado de fora!!! Isso é avidya, e nós estamos presos
nisso. Mas quando a gente está fazendo esse trajeto, a gente descobre a luminosidade. Aí, nós
olhamos em volta, e há luminosidade em todas as direções!!! No sonho à noite, o que é que está
acontecendo? Luminosidade! Quando estamos aqui felizes, infelizes, em crise, em êxtase, é tudo
luminosidade!!! Quando estamos meditando, é luminosidade! Quando estamos morrendo, é
luminosidade! A gente morreu, e do lado de lá aparece Maharaja, é luminosidade! Quando achamos
que agora vamos renascer de tal modo e em tal lugar, é luminosidade! Então, a luminosidade está
incessantemente presente!!! Todos os objetos que aparecem são a manifestação da luminosidade!!!
Quando a gente está sonhando, é óbvio! Quando a gente está acordado, é óbvio! Então, a
luminosidade nos acompanha, é a natureza da nossa mente! A luminosidade produz magicamente as
aparências e está incessantemente presente. Só que essa luminosidade produz as aparências, e as
aparências são vazias. É a característica das aparências: é luminoso e vazio. Não tem separação
entre luminosidade e vacuidade, é a mesma coisa. Então, nós contemplamos esse aspecto. Só que aí
a gente diz: “Bom, isso sou EU!” Isso é Clara-Luz Filho: está tudo separado, a minha, a sua, a outra.
Aí tem uma certa hora que a gente pergunta: “Mas qual é a diferença mesmo?” Não tem diferença, a
gente vê isso, é a Clara-Luz Mãe. Em todas as direções (se dissermos todos os seres, estaremos
separando) é luminosidade e vacuidade. A separação é totalmente artificial. Na imagem do Osho, é
como uma garrafa com água flutuando no oceano, é água. A garrafa tem a angústia de se ver
quebrada e aquela água dela se fundir com o oceano, o que seria horrível. Então a garrafa vai
flutuando e, num certo momento, Plim, e aquela água descobre que nunca foi água de garrafa, mas
sim que ela sempre foi água de oceano!!! Se surgir um mestre por perto e der ensinamentos para a
garrafa, a garrafa dirá: “Eu tenho uma angústia, um sofrimento...” Aí o mestre vai dizer: “Não, isso
tem causas, pode ser curado e tem um caminho para isso!” E a garrafa: “Como seria?”
Essencialmente, o mestre vai mostrar como que aquela água está sempre fluindo, que aquela garrafa
é pontilhada, não é nem de vidro, não é nem fechada, a água está cruzando por dentro!!! Por
exemplo, quando a gente olha os nossos conteúdos que são “NOSSOS”. Mas os conteúdos estão
mudando o tempo todo!!! Estamos o tempo todo pegando alguma coisa e cruzando aquilo tudo por
dentro de nós. Nós somos como uma garrafa pontilhada! É isso! A melhor fotografia de nós mesmo
é uma garrafa pontilhada e tudo cruzando por dentro. E cada fotografia do momento tem um
conteúdo, é aquilo, mas daqui a pouco tem outro conteúdo. E isso começa com essa análise: forma é
vazio, vazio é forma. A gente começa com as aparências. A nossa prática é diretamente as
aparências. Alguns mestres dizem: “Basta olhar as coisas como elas são!” O Lama gosta disso, é
simples! Eles dizem isso e a gente não entende nada, enfim (risos)! Os mestres ficam fazendo
tentativas... e o Lama acha que eles sofrem também. Eles ficam fazendo tentativas para ajudar os
seres. Então, devemos olhar as coisas como elas são. Se nós olharmos, então o Dharma, os
ensinamentos do Buda, está escrito nas aparências. O Prajnaparamita é isso: Chenrezig toma a
aparência ilusória, e sai da aparência ilusória em direção à natureza primordial. É maravilhoso! Isso
é Vajrasatva: não há aparência ilusória, não tem um traço de negatividade no mundo, todas as
aparências são um livro aberto da lucidez; nu, direto, é só olhar e ver! O “só” é que é o problema!
“Olhar” a gente ainda consegue, agora, “ver”, mais ou menos. O “só” é que é o mais difícil! Então,
aqui, nós vamos treinar. Por que é que nós vamos treinar tomando as aparências? Porque as coisas
estão escritas nas aparências! É isso! Nós vamos tomar as aparências! Se a gente quiser trabalhar o
aspecto secreto imediatamente de forma direta, a gente já viu isso antes: flor de udumbara, inspirar
& expirar com algo parado atrás vivo. Mas, agora, nós estamos entrando no aspecto sutil, e aí
começamos pelas manifestações das coisas: vamos olhar a energia, vamos olhar várias coisas. Mas,
aqui, estamos começando pela Prajnaparamita, e depois vamos seguindo. São 10 Itens que o Lama
vai apresentar, por enquanto.
● (22:50) No texto, nós estamos na página 29 da Essência do Prajnaparamita: “forma é vazio e
vazio é forma”. Para facilitar isso, tem várias maneiras de introduzir essa questão. Várias vezes o
Lama utilizou um processo progressivo. Já que vamos trabalhar com aparências, o Lama vai
começar com aparências muito sutis, e depois a gente vai tornando as aparências mais grosseiras e
lindando com elas. Então, por exemplo, as aparências grosseiras, no sentido de que elas aparecem
diante de nós como separadas, as mais sutis são as imaginadas, no sentido de que podemos imaginar
alguma coisa. Outro dia estávamos trabalhando com uma esfera dourada girando. Então, podemos
retornar para essa esfera. Imaginamos um esfera dourado girando e refletindo no centro da sala.
Quando nós olhamos isso, ainda que seja imaginado, esse objeto aparece como sendo externo. É um
verdadeiro escândalo: imaginamos alguma coisa e a vemos como um objeto externo!!! Então o
Buda diz: “A mente se divide entre objeto e observador.” Mas o objeto está aonde? Na própria
mente! Quando a gente observa um objeto, como é que a gente observa? A gente observa com a
mente! Mas, por incrível que pareça, a mente se divide entre objeto e observador como se não fosse
a mesma mente!!! Nós temos a sensação de que são coisas diferentes! Então é super importante a
gente entender que a mente pode se dividir entre objeto e observador, ainda que não haja divisão. A
evidência de que não há divisão é que estalamos os dedos e a esfera desaparece. Podemos acelerar o
girar da esfera, reduzir ou ampliar o seu tamanho. No entanto, enquanto fazemos isso, curiosamente
surge uma sensação estranha de que a esfera é separada de nós. Nós estamos observando, é incrível.
E enquanto nós olhamos isso nós temos uma sensação de que está vendo alguma coisa que é externa
à nós, mas aquilo é a nossa mente. É exatamente o que acontece no sonho. O sonho vai ocorrer
aonde? Vai ocorrer na nossa mente. Quando temos impossibilidades no sonho como, por exemplo,
não conseguimos fazer isso, não conseguimos escapar daquilo, é a nossa própria mente que está
configurando as próprias impossibilidades. Isso é incrível. Aí a gente luta, passa mal, tem a
sensação de que vai morrer. Mas está lá. A mente produz aquilo e ficamos sob o efeito do objeto
produzido. Ainda que essa expressão “nós ficamos sob o efeito” seja estranha, pois não tem um
“NÓS”, não tem um “EU” aí dentro, mas sim um conjunto de marcas mentais que está respondendo
àquelas aparências!!! Não é que as aparências surgem e agora as nossas marcas se conectam, mas
sim que as marcas mentais são inseparáveis da gênese das próprias aparências, as aparências são
expressões pictóricas das marcas mentais. Mas isso é um outro assunto. O ponto principal é esse:
aquilo parece externo. Uma outra característica perturbadora é que ao surgir a esfera ela produz uma
ação sobre nós mesmos, ainda que essa expressão “nós mesmos” comece a carecer de sentido. O
fluxo mental, o fluxo da energia, o fluxo das emoções pode ser afetado pela aparência que vamos
produzir. Isso é característico do sonho, mas acordado também podemos passar por isso. Dentro
desse processo surgem bênçãos e tragédias. Com visualizações como essa, podemos produzir
imagens cármicas que vão perdurar dentro de nós por um tempo muito longo, podendo causar
malefícios, doenças e aflições. É por isso que o Lama prefere criar esferas douradas, porque a nossa
condição cármica é super sensível. Dependendo do que a gente visualiza, podemos ficar presos. É
como um “spell”, um sortilégio, o outro fica preso. Então nós temos esse aspecto. Nesse momento,
a gente vê que a aparência e o observador surgem como sendo separados, ao ponto que o objeto a
ser observado pode produzir alterações na mente, na energia e eventualmente na saúde do próprio
observador. Uma característica é assim: é a própria mente que vê a mente, mas nós não nos damos
conta disso. A gente não vê que é a mente que vê a mente, não estamos vendo isso. E nós não
estamos vendo de que isso seria a coisa correta. Então, a gente não está vendo que a mente não vê
que a separação é artificial. Assim, nós estamos sob o domínio dessa separatividade. Essa
separatividade produz a ignorância. O objeto e o entorno do objeto surgem como se fossem o
mundo! E a nossa mente fica focada naquilo como se tivesse vendo legitimamente alguma coisa
real!!! Isso é avidya!!! No entanto, podemos perceber que o objeto surge coemergentemente com a
nossa própria mente. E, se a mente não produzir o objeto, então não surge. Então, a coemergência
caracteriza a vacuidade. E como é que manifestamos a vacuidade? Estalamos os dedos, e Pluft!
Acabou a esfera, e encerramos esse assunto! Assim, aquilo não tem uma substanciabilidade própria.
A característica do objeto é vacuidade e luminosidade, não tem diferença. Mas, aqui, naturalmente é
uma coisa super abstrata. Vamos agora imaginar uma coisa um pouquinho mais densa como um
desenho. A gente tem uma imagem desenhada sobre um papel, que pode ser a imagem de uma
esfera. Quando nós olhamos essa imagem, o que é que tem no papel? É papel e tinta! Se
desenharmos uma paisagem com montanhas, lagos, rios etc, não tem montanha, lagos, rios, etc. Não
tem! É super bonito isso! As gravuras do Escher também são super bonitas! Tem aquelas transições.
Aquilo é esquemático e vai ficando real, real, real. A água está sempre descendo, descendo,
descendo, mas parece que ela sobe. Isto é super bonito, porque o Escher está denunciando a
construção mental! Por exemplo, se vemos tudo funcionando direitinho, então aquilo tudo cai e
depois não sobe mais. Isso é o que a gente pode esperar das coisas. O desenho é super real, mas
aquilo desce e sobe sem a gente entender como é que desce e como é que sobe. Então, ele produz
um koan, ele produz uma coisa impossível que vemos como existindo! Mas como ali não tem
construção, água, não tem nada, só tem traços, então isso denuncia o fato de que são traços e papel:
no papel e nos riscos a gente faz o que a gente quiser. É a mente que está vendo água, pessoas
subindo, escada, prédios. É a mente que está vendo isso, nãoo está no papel!!! Então o Escher
denuncia isso. Através do absurdo, ele mostra que a nossa mente está operando dentro do desenho.
O Escher tem outros desenhos interessantes, como aquele da mão desenhando, a vidraça e a rua. O
Lama não gostava muito da arte do Dali, mas o Dali mostra através da arte que a loucura não é dele,
mas sim nossa!
● (38:05) Aí tem o desenho do cubo. Esse também é um bom exemplo da operação da mente. Já
seria uma coisa extraordinária a gente se dar conta que o desenho está em 2 dimensões, mas vemos
o cubo em 3 dimensões. Aí poderemos nos perguntar: “A face de frente do cubo está no papel ou
está antes do papel? Qual é face do cubo que está dentro do papel?” Aparentemente, nós não
conseguimos ver nenhum pedaço do cubo dentro do papel: quando a gente vê o cubo, o papel Pluft
(some)! Mas o que temos é papel e risco. No mínimo uma face do cubo tem que estar no papel, ou
não. Assim, nós estamos vendo que estamos criando uma terceira dimensão: tem 2 dimensões, mas
estamos criando 3! E não vemos que criamos! E não vemos que não vemos, ou seja, estamos
inocentes. Aí estalamos os dedos e o cubo muda de um para outro! Mas não mexemos em nada (o
papel e o riscos são os mesmos)! E o cubo mudou de um para outro. Isto significa que ao trocarmos
a base da mente, então o cubo muda!!! A aparência muda! Podemos pensar que tem pessoas que
ultrapassam isso. Os cientistas, que são super espertos, vão avançando além da aparência enganosa
geração após geração, eles vão vendo de uma forma melhor as coisas. É super bonito isso! Mas o
desenho está longe do juro do cheque especial e da conta do cartão crédito, que são bem densos e
“reais”! Mas vamos devagar!
● (42:00) Agora, podemos pegar uma escultura, uma coisa densa. O Carnaval está cheio disso nos
carros alegóricos. A gente olha e a gente vê aquelas imagens. É óbvio que essas imagens também
são vacuidade, é inseparável, do mesmo modo que o papel. Do mesmo modo que as imagens no
papel, aquelas imagens surgem como uma aparência da nossa mente, surgem como separadas, e
produzem alterações na nossa energia, nas nossas emoções e nos nossos pensamentos. Elas
produzem isso. Então, a gente vê que aquilo surge por coemergência: se não tivermos um
posicionamento interno, então não conseguimos ver aquilo. Desse modo, os objetos todos são
assim!!! Aí tem essas coisas que são trabalhadas carmicamente, como a Moda, por exemplo. Moda
é alguma coisa próxima da Iluminação! É uma coisa super Budista! Moda é uma arte, mas só que é
uma arte perecível. O vestido que hoje fica bonito, ninguém sabe porque fica bonito. Mas aí passam
2 anos e a pessoa pensa: “Que horror! Eu vesti isso!” Mas isso é design: o olho olha e aquilo toca.
Na Arquitetura também. A arquiteta do Alto Paraíso fez uma série de projetos com telhados
assimétricos. Mas a gente para e olha. Nós temos uma simetria interna. Se quebramos a simetria,
então aquilo chama a atenção.
● (46:25) Do mesmo modo, nos filmes de cinema, as imagens que surgem são inseparáveis da nossa
própria mente. Eles colocam a música, colocam as palavras e colocam as pessoas (que não são
pessoas mas sim imagens que evocam em nós pessoas), e aí nós embarcamos totalmente naquilo.
Aquilo tem uma sequência, mas aquilo não está nem nas imagens. Uma vez o Lama andava
investigando essas coisas com mais cuidado, e aí o Lama foi olhando as imagens de um filme. Se
pegarmos o filme quadro por quadro (ou seja, foto por foto) vamos ver que eles não produzem a
emoção. O que acontece é o seguinte: vamos produzindo as imagens, e essas imagens se tornam a
base referencial interna (isto é, a emoção que temos numa imagem, que pode não ser muito grande)
para a imagem seguinte. Então, a sequência das imagens produz mais coisas do que a soma das
fotos isoladas. As fotos não são grande coisa, mas a sequência das fotos é que produz o efeito.
Então, a gente constrói as coisas mais facilmente desse modo. Aí a gente vai examinando como que
o processo ilusório se instala e se sustenta. Como que o desenho do cubo pode produzir um cubo?
Nós temos uma marca mental que termina surgindo como o significado daquilo que estamos vendo,
e o objeto ilusório que criamos se reflete sobre nós mesmos alterando nossas emoções e o fluxo da
nossa mente. Isso é avidya! Se tivermos uma impressora 3D, imprimirmos uma namorada depois de
termos brigado com ela, e a colocarmos na sala, aquilo vai nos fazer muito mal! Mas ali só tem algo
sintético! E o efeito é produzido! Aí a gente retorna para os 12 Elos da originação dependente. A
gente entende que quando estamos em vijnana a discriminação possível é a nossa existência, e aí a
gente aspira que surja um meio hábil para que a gente consiga criar coisas aparentemente externas
que estabilizem estados da mente. E aí nós começamos a criar. E esses objetos externos estão dentro
desse formato: eles estão estabilizando estados internos. E já estamos com isso automatizado:
quando olhamos para os objetos, eles surgem como externos e estabilizamos uma condição
energética, uma condição cognitiva. É isso que acontece quando a gente olha o cubo: o desenho do
cubo estabiliza uma imagem interna de cubo, e damos vida a esse cubo! Então, se tem alguém que
nos perturba, é uma imagem externa que estabiliza a perturbação. Vamos numa galeria de arte,
compramos um quadro e colocamos na parede. Aí passa um tempo e a gente não consegue mais
olhar para aquilo, já começa a incomodar; como o mundo interno vai mudando, então aquilo muda
também! Isso é coemergência. O conteúdo das coisas não é um conteúdo externo, mas surge de
modo coemergente. Aí se gente agora está olhando uma pessoa, podemos fazer um teste final, para
ver se a gente vê realmente a namorada ou não. Primeiro, olhamos para ela, e parece que estamos
vendo. Em seguida, tiramos uma foto, e olhamos para a foto. Agora, olhamos para ela. É a mesma
coisa! Portanto, não é externa!!! Ao olharmos para uma pessoa, nós acessamos um mundo interno, a
gente constrói a pessoa com o olhar. E, quando olhamos para a foto, a gente também constrói a
pessoa com o olhar!!! Estamos utilizando a mesma base para construir a pessoa olhando direto ou
olhando para a foto. A gente acessa a mesma base de experiência. Aí vem a pergunta: “Será que a
gente vê o outro no outro? Ou sempre vemos o mundo interno?” No mínimo, isso é coemergente.
Tem alguns psicólogos que estudam isso e que consideram que a gente nunca consegue ver o outro
direito. É como se ele amasse a ele mesmo, ou seja, ele ama as experiências internas que ele tem
quando ele olha o outro. Se as experiências internas que ele tem quando ele olha o outro começam a
ficar ruins, então a pessoa troca uma pessoa por outra, mas desde que as experiências internas que
ele tem quando ele olha para a outra fiquem boas. Assim, a pessoa está casada com as experiências
internas: ela só precisa de um detalhe, que é aparecer alguém do lado de fora para que aquelas
experiências apareçam. Mas isso tudo tem saída, que é boddhicita! Mas, aqui, nós estamos olhando
como que a gente se engana, como que todos esses processos... E aí podemos nos dar conta: “Ahhh,
agora estou entendendo algumas coisas...” Quando nós estamos olhando isso, nós vamos desde o
aspecto super abstrato de imaginarmos coisas até coisas densas que estamos vendo com os 5
sentidos. Por exemplo, é super bonito uma obra de arte que a gente toca. Aquilo parece super denso,
mas opera do mesmo jeito.
● (57:50) Então, não é que as formas não existam, mas sim que elas têm a característica da
vacuidade. Forma é isso! Quando dizemos que “forma é vazio”, achamos um pouco estranho
porque como que “forma”, que é uma coisa densa, existente, real e do lado de fora, é vazia? Então,
a palavra “forma” aparentemente significa isso: alguma coisa concreta e do lado de fora. Talvez a
expressão melhor fosse assim: “forma é forma”. Enfim, se dizemos que “forma é vazio”, então
parece que “forma” seria diferente de “vazio”, e também que “forma” agora não é “forma” mas é
“vazio”. Mas, se a gente realmente entender que “forma é vazio”, então vamos entender que “forma
é forma”. Isto porque “forma é vazio”, então “forma é forma”, ou seja, a própria forma já é vazia.
Não é assim: “A forma era forma, mas agora Krrr!, virou vazio!” Não é isso! A forma desde sua
gênese, desde sempre, sempre foi vazio. A característica básica da forma é ser vazia, e a gente
entende isso por coemergência!!! Coemergência é uma chave super importante para a gente
contemplar a vacuidade, que é assim: quando olhamos o cubo, podemos achar que o cubo começa
pelo lado de fora, ou seja, se não há o desenho do cubo na nossa frente, então não tem cubo. Então,
começa pelo o lado de fora. Mas, se quisermos, pensamos que o cubo só surge se tivermos um cubo
enquanto uma marca interna. Não importa se fazemos vários desenhos, o que importa é que o
desenho é um espelho que reflete o mundo interno. Então, isso é explicado pela mente. Podemos
explicar esta experiência tanto pelo objeto quanto pela mente. Mas aí nos damos conta de que,
quando explicamos pelo objeto, no momento em que vemos o objeto a mente operou internamente
também. E, se pensarmos que a mente tem isso dentro, então enquanto não aparecer o espelho a
mente não vê!!! Então isso é coemergência: o aspecto interno e o aspecto externo surgem juntos e
são inseparáveis!!! Se faltar um, então não temos o outro!!! Isso é uma característica da vacuidade,
isso é uma forma de falar da vacuidade, coemergência. Aí, no fim, no fim, no fim, apertamos tudo
isso e dizemos: “forma é vazio”.
● (1:03:00) Aquilo que a gente chama de uma pessoa é um conjunto de experiências que a gente
marcou!!! As memórias do passado são uma experiência do presente. Na medida em que o presente
se torna um outro presente, então as memórias do passado se tornam outras memórias do passado.
As próprias memórias mudam, o passado muda. A gente pode pensar: “O passado não muda! O
Lama pirou!” Mas é assim, por exemplo, quando olhamos o passado, olhamos sob os olhos do
passado. Mas aí começamos a olhar o passado com outros olhos. Podemos o olhar o passado com os
olhos do presente. É como se não tivéssemos outra alternativa a não ser de fato olhar o passado com
os olhos do presente. Mas podemos nos deslocar e olhar o passado com os olhos do passado. Mas
aquilo é meio esfumaçado, a gente termina reeditando. Por exemplo, quando a gente vivia com a
própria mãe, a gente não se dava conta de uma porção de coisas. Aí, hoje, olhando aquela
experiência, pensamos: “Uau! Como é que ela sobreviveu? Como é que ela pôde passar por aquilo?
Como é que ela girava aquilo tudo?” É assim. Aí é um outro olho, é um olho do presente. Mas não é
um olho do presente, é um outro olho, porque esse “presente” também não existe. O “presente”,
enfim, é o olho que estamos usando. Assim, mesmo a noção de passado, presente e futuro vai
escapando, a noção de temporalidade vai escapando. Por que? Porque, por exemplo, hoje podemos
utilizar a nossa visão, a nossa base cármica de hoje. Aí é o “hoje”. Mas a “base cármica de hoje”
não é “a base cármica de hoje, não tem esse "hoje”. Mais adiante podemos olhar para coisas para
trás com essa “base de hoje” ou então podemos abandonar essa base, a qual chamaríamos de “base
de hoje”, e utilizar uma base anterior ou tentar olhar uma base futura. No futuro, houve um futuro
num tempo passado. O futuro que há hoje é um outro, mas a gente não sabe se o futuro que há hoje
será um futuro mesmo. Aí, nós estamos entrando nessa região, e aí nós vamos chegar à conclusão
de que boddhicita é a única salvação! Dentro de “forma é vazio”, os referenciais usuais vão passar
por alguns problemas. Mas, na verdade, nós estamos migrando, estamos fazendo uma transição: nós
estamos saindo da margem da confusão e entrando nas águas revoltas da liberação em direção à
outra margem! Isso é o Prajnaparamita! No entanto, nós vamos encontrar chão firme! O Lama nos
garante!!! Só que a forma de operar a mente vai migrar! Ela vai migrando de uma coisa para outra!
Por exemplo, a sensação terra é o que nos dá a sensação de chão firme. Com boddhicita, nós temos
uma terra que independe das aparências de objetos que estamos olhando! Nós precisamos
estabilizar os 5 lungs! Estabilizando os 5 lungs, a loucura some! Então, a sensação terra é a
estabilidade dos 5 lungs!!! Assim, nós vamos trocar os referenciais! Agora, o nosso referencial são
imagens que movem as nossas emoções e as nossas energias. Quando descobrimos que essas
imagens não são confiáveis, então perdemos o referencial para as nossas emoções, energias e os
propósitos de movimento. A gente perde o referencial porque o referencial estava nas imagens,
estava nas formas, sensações, percepções, formações mentais e consciência. Estavam aí! Então,
vamos precisar migrar! Os aspectos cognitivos vão migrar em direção às 5 Sabedorias!!! E o
aspecto de energia vai migrar em direção aos 5 Lungs!!! Isso é a visão Vajrayana: os 5 Lungs e as 5
Sabedorias!!! E vamos migrando para isso!!! Quando nós operarmos com os 5 Lungs e as 5
Sabedorias, então a gente terá a Estabilidade e a Visão!!! Nesse momento, por que é que as coisas
começam a ficar assim flutuantes? É porque nós estamos revelando esses referenciais como
flutuantes. Não é que a gente esteja dissolvendo referenciais anteriores e os tornando flutuantes.
Não é isso, mas sim que eles sempre foram flutuantes!!! Qual é o sintoma de que esses referencias
são flutuantes? É o fato de que a impermanência existe!!! Existe impermanência interna e externa, e
elas estão flutuando o tempo todo. Quando elas flutuam devagar, então vamos nos arrumando. Mas,
quando elas flutuam rápido, então podemos entrar em crise!!! Essa flutuação é simbolizada também
pela transmigração: estamos transmigrando o tempo todo! Se a gente, por exemplo, fizesse uma
análise de como a gente via as coisas quando a gente estava num galho e como que a gente vê agora
num outro galho, e se a gente se perguntar que é o “EU” que estava num galho e que agora está
nesse outro galho, então a gente vai achar que tem incoerências!!! Podemos pensar: “Mas como é
que eu pude mudar daquilo ali para isso? Eu não sei! Só sei que agora eu estou aqui e estou com
urgências! Aliás, olhando aqui, eu já tenho coisas para fazer!” Assim, vamos substituindo a
coerência por uma sensação de urgência e vamos acelerando tudo!!! A gente não chega a examinar
a coerência das coisas!!! Não tem coerência, e vamos nos movendo assim!!! A gente não tem tempo
para pensar: “Mas como é que eu pude me enganar? Como é que aquilo parecia uma certa coisa e
não era?” A gente não tem esse tempo! Mas agora nós estamos olhando como que isso é assim e
porque que isso surge desse modo! Assim, nós estamos localizando a vacuidade isso. Mas, aqui, a
gente avançou no âmbito da consequência da seguinte afirmação: “forma é vazio, vazio é forma,
forma nada mais é do que vazio, e vazio nada mais é do que forma”.
● (1:14:20) Vamos contemplar a coemergência, vamos olhar a realidade como o espelho que reflete
o aspecto interno. Por exemplo, cientistas e os filósofos de filosofia natural, consideram que a
mente é um espelho que reflete de modo exato o mundo como ele está. Esse é o papel do cientista e
do filósofo: refletir de modo exato aquilo. E então eles ficam medindo, vendo e descrevendo. Já no
Budismo se diz que o mundo é um espelho que reflete o conteúdo da mente. Quando a gente fica
com um pouco de dúvida, a gente pensa que, no sonho, a imagem que aparece reflete o conteúdo da
mente. E aí a gente começa a entender coemergência, ou seja, a aparência externa é totalmente
inseparável do aspecto interno. Pergunta: “Mas tem uma materialidade, não?” Tem uma
materialidade que a gente pode entender pela originação dependente. Por exemplo, pegamos pedras
e construímos paredes. Aí olhamos as paredes e vemos um templo. Mas, não somos obrigados a
tomar as paredes e ver um templo. Podemos tomar as paredes e ver um alojamento para as pessoas
dormirem, podemos fazer um depósito, temos essa liberdade. Além do mais, quando olhamos uma
montanha, não precisamos ver pedras, mas aí a gente vê as pedras e cortamos as pedras. A gente vê
as pedras porque a gente quadriculou a montanha. Se não quadricularmos a montanha, então a gente
não vê as pedras. Quando quadriculamos, a gente já viu paredes. Então, pegamos o que não é,
pedras, e construímos paredes. Aí, pegamos paredes, que não são paredes, e construímos templos
que não templos. O que é que tem de real nisso tudo? O que tem de real é a mente luminosa
atribuindo significados e construindo coisas que são operativas e funcionam. Pergunta: “Mas em
cima de uma materialidade plástica?” Por exemplo, a pedra é material e plástica, mas ela tem um
nível de abstração: a pedra é a rocha, a montanha. Mas aí começamos a decompor e vamos sempre
para o nível anterior. Mas e a montanha? Vemos a montanha, e aí olhamos os átomos. E os átomos?
E vamos olhando... é sempre assim!!! Tudo o que apontarmos é uma construção que tem um
conceito e pode mudar, e já mudou e já foi outra coisa. Então, temos a sensação de materialidade,
estamos dentro do templo e vemos um templo. Temos uma sensação densa do templo, como
também do pai, da mãe, do irmão, etc. Temos uma clareza daquilo! Mas o fato de que temos uma
clareza daquilo é forma!!! A forma é plástica, é móvel! Esse é que é o ponto! Pergunta: “E o sujeito
é o conjunto das marcas mentais? Não tem sujeito, não é?” O sujeito também é uma construção.
Mas, essa construção é problemática. No início, podemos dizer que o sujeito é o conjunto de marcas
mentais, o conjunto de estruturas cármicas, etc. Aí isso funciona por um tempo. Mas, na medida em
que o nosso olhar começa a mudar, então começamos a ver tudo isso de forma mais sutil. Assim,
nós estamos fazendo um trajeto super complexo. O Lama acha isso mais difícil do que qualquer
ramo da Ciência!!! Porque na Ciência a gente tem a crença de que as coisas são o que estamos
vendo e que, se refinarmos bem, então vamos ver aquilo de um certo jeito e que é o jeito final. Mas,
aqui, não. Quando vamos refinando o olhar, então os objetos vão se transformando. Assim, é
preciso entender o significado da palavra “paramita”. Paramita é uma verdade transitória, é uma
história contada mas que nos ajuda a andar. O que importa é o lugar que chegamos e que podemos
olhar. Aí, chegamos num outro lugar através de uma verdade, que não é totalmente verdadeira, mas
fazemos um trajeto. Mas, quando chegamos naquele lugar, nós conseguimos ver melhor as coisas.
E, vendo melhor, descortinamos um caminho já um pouco diferente, e aí andamos mais um tanto.
Andamos por caminhos ilusórios. O Lama gostaria que não fosse assim, que pudéssemos caminhar
por um caminho que é o que é e que não vai mudar. Mas a gente anda por caminhos ilusórios.
Então, o Buda vai falar de dukkha, de sofrimento. Por que é que ele não vai falar direto da natureza
primordial? O Buda só vai falar da natureza primordial muito depois!!! Nós não temos olhos para
ver isso!!! O Buda fala daquilo que temos olhos para ver!!! Na verdade, é mais ou menos isso,
porque quando o Buda descreve dukkha, para muitas pessoas aquilo é uma surpresa, uma super
supresa, ou seja, a transmigração incessante, a impermanência, aquilo é uma surpresa. Mas, a gente
vai indo. Isto não é o ponto mais importante, mas é o ponto aonde nós estamos. A gente faz o pulo
que pode dar. E aí a partir disso a nossa visão muda. Quando a nossa visão interna muda, então o
que vemos ao nosso redor muda. Então, isso desbloqueia coisas onde nós estávamos fixados, e aí a
gente começa a andar. E quando a gente começa a andar a visão vai mudando, e aí a gente vai
vendo melhor. Então, é um processo estranho assim. Assim, mudamos um pouco internamente, e aí
mudamos um pouco externamente. E aí mudamos mais um pouco internamente, e mais um pouco
externamente. E então a nossa visão vai mudando. O ponto central é a mudança da visão!!! E o
ponto central da mudança da visão é poder ultrapassar todos os referenciais construídos. Então, na
medida em que vamos recuando, nós vamos nos livrando daqueles que foram os nossos senhores
por vidas incontáveis: as nossas disposições mentais e os nossos condicionamentos. O Buda disse
quando atingiu a Iluminação: “Me livrei daqueles que foram os meus senhores por vidas
incontáveis.” Isto quer dizer que o Buda se livrou dessas estruturas internas todas que dão os
significados e produzem as aparências. Então, esse trajeto existe. Mas, na medida em que vamos
indo, a história que contamos para nós mesmos muda um pouco. No início, a gente fala de dukkha,
que aqui se traduz por sofrimento. A gente vai falar de coisas assim, mas a gente vai ultrapassando
isso. O ponto central é que existe uma lucidez, a qual está descrita no Prajnaparamita:
“Inconcebível, inexprimível Prajnaparamita / Não-nascida, incessante, por natureza semelhante ao
céu”. Esse é o ponto que estamos indo!!! Mas, quando começamos esse Caminho, a gente tem a
impressão de que “NÓS” (a gente dá o próprio nome) podemos chegar à alguma coisa, se mantendo
como tal, existindo de um certo jeito, etc. No entanto, tudo isso vai mudando!!! Vai mudando
tudo!!! Não é que num certo momento nós morremos, não tem nada disso! Mas sim que vamos
clarificando. A clarificação não tem nenhum aspecto excludente, mas apenas um sorriso!!! Por
exemplo, a gente olha que a gente viveu, nasceu, os lugares que a gente andava, o que a gente fazia,
etc. Quando a gente olha tudo isso, não precisamos negar, mas sim que olhamos aquilo num sentido
muito mais amplo!!! Eventualmente, a gente se comove: que os pais cuidavam, que aquilo foi
assim, que a gente estava totalmente obscuro, a gente não via nada, mas teve alguém que cuidou da
gente! Então, a gente olha isso, mas sem rejeitar!!! A nossa visão era estreita, então a gente rejeita a
visão estreita!!! Mas agora estamos vendo mais amplo! Assim, na medida em que vamos olhando
de forma mais ampla, então vamos olhando todos os seres também de forma mais ampla!!! Esse é o
Caminho que estamos indo!!! Esse Caminho está descrito nos primeiros versos da “Essência da
Abençoada Prajnaparamita”. Nós estamos fazendo esse trajeto. No entanto, a gente começa
contemplando as aparências comuns porque, enfim, estamos partindo desse lugar das aparências
comuns. Paciência, perseverança, calma.
● (1:26:45) Mãe é uma condição da mente: podemos ser a mãe da nossa mãe!
● (1:27:15) Pergunta: “Se a mente era pura e primordial, então por que é que ela gerou essa
confusão toda? Por que é que a mente não permaneceu primordial sem confusão?” Na verdade, a
mente segue primordial. O Lama prefere escapar dessa pergunta, pois dentro de um mundo causal a
gente tem sempre “por quês”. Então, o Lama prefere escapar, pois essa é a mente do mundo causal
tentando encontrar uma causa.
● (1:33:30) Se nós estamos na dependência da configuração externa de uma outra pessoa para
manipular a nossa energia, então isso é o próprio samsara. Agora, se a pessoa estiver manifestando
boddhicita, então ela tem uma fonte interna. Ao invés dela ficar na dependência de uma
configuração externa, ela irradia para a configuração externa. Desse modo as relações podem ser
duradouras, longas. O que afeta as relações é o fato de que a pessoa fica na dependência da
configuração do outro. Se a pessoa tiver boddhicita, então vai surgir mais adiante as 5 Sabedorias,
os 5 Lungs, as 6 Perfeições e as 4 Qualidades Incomensuráveis, e tudo aquilo vai fluindo. E aí as
relações andam bem!!!
● (1:34:50) Pergunta: “Os nossos corpos físicos são reais?” O que é real é vazio, a realidade e a
vacuidade não se excluem. No entanto, a gente tem a tendência a procurar alguma coisa que é real
sem a coemergência, pois essa é a nossa posição usual. Mas a gente vai indo com calma, mais
adiante a nossa visão vai mudando. Em outras palavras, para a gente considerar a materialidade
externa autônoma de algumas coisas, nem que seja o nosso próprio corpo, mais adiante vamos
descobrir que temos pressupostos, que isso não é alguma coisa em si, mas sim que isso é alguma
coisa coemergente também. Nesse momento a gente não vê, mas não tem problema!!! Estamos
fazendo algumas coisas e algumas coisas a gente consegue ver, e com isso vamos trocando a
posição de onde a gente olha. Depois a gente vai exercitando essa visão de onde a gente olha e
começamos a desenvolver uma visão mais sofisticada sobre as coisas, e aí vamos indo!!!
● (1:43:40) As marcas mentais operam movimentando a energia. Então, quando a energia se
movimenta, nós temos essa responsividade. Quando a gente responde, aquilo que apareceu ganha
um furo de realidade, até mesmo porque a gente respondeu. Se outras pessoas respondem, aquilo
também respalda esse sentido. O Lama prefere raciocinar as marcas mentais a partir da energia, e
não da cognição. A responsividade é o obstáculo, é a substância também do próprio samsara. Por
exemplo, quando olhamos o desenho do cubo, tem uma responsividade direta: nós vemos o cubo.
Nós não estamos obrigados a ver o cubo, mas a gente vê o cubo!!! Poderíamos pensar que isso é
marca mental, mas quando vemos o cubo é o movimento da energia que nos fixa ao cubo!!! Se
mostrarmos isso para uma criança, talvez ela dê uma olhada e zarpe fora. Mas, se tem o movimento
da energia, então a gente vê. Por exemplo, se estamos vendo um cubo e tivermos que mudar para o
outro, então temos um certo incômodo assim. Esse incômodo é o movimento da energia!!! Quando
o outro cubo surge, então a energia se move daquele modo e ela fixa!!! Então, as marcas mentais
operam pelo movimento da energia. Por exemplo, se equilibrarmos, fizermos shamata nos 5 lungs,
então podemos olhar para as coisas sem elas nos pegarem, pois não são as coisas que pegam mas
sim o movimento da energia que pegam. Então, a base do marca mental, a base do carma, é o fato
de que aquilo está marcado na energia. A coemergência brota de um potencial, esse potencial é uma
estrutura, uma marca mental. Nós estamos naturalmente livres disso, mas a gente opera desse modo,
e aí funciona o samskara e o samsara também. Mas isso não significa que se todos vêem de um
jeito, então estaremos condenados a ver daquele jeito também. Então, sempre vai ter alguém que
olha de um jeito diferente, e daqui a pouco está todo mundo olhando para uma outra direção!!! Tem
essa liberdade! Ainda que se tenha a marca mental, existe a responsividade, existe a direção da
energia, a direção da cognição, existe o condicionamento, existe a liberdade como um princípio
mais fundamental do que esse princípio do condicionamento!!!
● (1:48:15) Estávamos olhando as formas. Na sequência, vamos olhar as sensações. As formas e as
sensações não se separam, pois podemos imaginar que a sensação é um atributo da forma. Fazemos
contato com os órgãos sensoriais (olhos, ouvidos, nariz, língua, tato e mente), e aí quando olhamos
para as coisas nós temos sensações: gostar ou não gostar. Hoje nós faremos a prática de Tsog. O
alimento é para isso: quando experimentamos com os olhos, nós temos sensações; quando
experimentamos com o tato, temos sensações; com o cheiro temos sensações; quando
experimentamos com o sabor, temos sensações. Quando vamos olhando desse modo, a gente tem
uma experiência de densidade disso, aquilo parece super real, super material. Mas aí vemos, por
exemplo, que as sensações podem mudar: há um tempo atrás a gente não tolerava pimenta, mas hoje
achamos bom; há um tempo atrás a gente achava que tudo que era amargo era horrível... Então, a
gente vê que aquilo flutua. Assim, as sensações são coemergentes. Não percebemos que tem uma
estrutura atrás produzindo a aparência da sensação, mas sim a clareza de que pimenta é
insuportável, por exemplo, e aí aquilo fica resumido. Então, aqui estamos fazendo a prática:
tomamos o alimento além da experiência que tem. Por exemplo, muitas vezes os jovens não querem
comer alguma coisa. Então dizemos: “Do mesmo modo que antes de vocês experimentar tomate
você não gostava de tomate, talvez antes de experimentar nabo você também não goste de nabo.
Pode ser que, milagrosamente, experimentando nabo você venha a gostar de nabo!” Então tem esse
aspecto: aquela sensação é vazia, e a gente também pode mudar. Por exemplo, podemos dizer: “Se
você tomar isso, então você vai ficar mais forte!” Assim, começamos a operar os conteúdos, outros
carmas, e aí conecta de outro modo. Aquilo é móvel. Do mesmo modo, as pessoas: a gente olha,
toca e vê, e percebe que as sensações são coemergentes. O Lama lembra da história que uma
senhora contou rindo muito. Essa senhora estava com o marido na frente de uma joalheria olhando
as jóias. Aí o marido foi para um lado e ela andou para outro. Daqui a pouco ela enfia o braço no do
marido e diz: “Eu quero aquela ali!” Mas aí ela olha, e não era o marido! Então isso é interessante,
porque, por exemplo, ela teve a sensação e a percepção que era o marido, e então quando ela enfiou
o braço ela teve uma sensação de confiança e de segurança: “Agora eu quero aquela ali!” Mas o fato
de que ela está com o braço nele quando ela olha e vê que não é o marido, aquele contato é
insuportável. Então, o contato físico começa completamente seguro e bem mas, por uma
coemergência, o mesmo contato físico se torna insuportável. É coemergente! Isso é um exemplo!
Então, aquilo gira! Nós estamos cheios dessas experiências! Assim, forma e sensação são
coemergentes. As sensações são: gostar, não gostar ou diferença. A indiferença também é
coemergente. Tem um momento que é indiferença, mas tem outro momento que não é mais
indiferença: pode haver agora aversão ou atração! Para nós dentro do samsara, por que é que
estamos analisando isso? Porque para nós sensação é denso, é real e é sólido, e daí a gente aponta!!!
Mas a gente vai entender que não: nós estamos fazendo um exercício de alongamento, ganhando
espaço. É isso! Por que é que a gente tem que analisar isso? Porque nós estamos super presos! Não
basta olhar isso teoricamente, nós vamos ter que olhar quase que situação por situação. É por isso
que a prática na vida cotidiana é crucial! Se não tivermos shamata, então quando temos a sensação a
gente simplesmente parte e vai andando! Nós precisamos sentar e estabilizar para poder se manter
estável mesmo diante das sensações em torno, ao ponto de poder ver as sensações como
vacuidade!!! Se não fizer isso, tudo bem! Mas nós estaremos apenas surfando por dentro do samsara
sem solução!!! Mesmo que a gente desenvolva uma compreensão super aguda da natureza
primordial, vendo tudo como natureza primordial, se não tivermos a capacidade de não responder e
poder mudar os conteúdos coemergentes, então não conseguimos nada!!! Assim, tem um diálogo
permanente entre shamata e vipássana. Vipássana é esse compreensão. Nós estamos aqui
trabalhando vipássana: como olhar as coisas!!! Podemos ver, mas se não pudermos mover a partir
da visão, então estaremos com uma falha!!! Então, precisamos trabalhar esses 2 aspectos
permanentemente: meditação & vipássana. Mas, meditação & vipássana podem convergir para
aquilo que é chamado de não-meditação. Como é que a meditação converge para a não-meditação?
Descobrimos, por exemplo, que não precisamos estar em lótus para estar estável. E, por exemplo,
descobrimos que a lucidez de vipássana pode se aliar à estabilidade e à não-responsividade da
meditação sem a necessidade de estarmos numa posição formal. Aí começamos a praticar não-
meditação, ou seja, lucidez estável em meio ao movimento das aparências. É o yogi da vida
cotidiana: não tem floresta mais rica para praticar do que rodeados pelas circunstâncias que estamos
operando. Isto porque os desafios que nós temos para nós mesmos avançarmos estão desenhados
nas aparências que nós vemos. Por que? Porque as aparências que nós vemos são o reflexo exato
das nossas estruturas internas, que são a manifestação exata das nossas dificuldades. Então, aonde é
que nós podemos imaginar que a gente vai praticar e liberar senão dentro desse ambiente?
Tokudasan dizia: “Se você tocar o chão do lugar aonde você estiver, ali é o templo do prática mais
elevada!” Não pense que precisamos ir para um outro lugar, aterrisar e botar o pé lá. O templo é
aonde nós estamos, pois é ali que aparece o reflexo de tudo que tem que ser trabalhado e
emancipado! Para facilitar e descrever o que é que tem que ser trabalhado e emancipado, chamamos
isso de: formas, sensações, percepções, formações mentais e consciência!!! É isso! Na verdade, os 5
skandhas não se separam. Nós os separamos apenas para facilitar, para podermos focar grupos
artificialmente construídos, para melhorar o foco!
● (2:01:30) Nós estamos com o prato de Tsog na frente. Aí vamos olhar e pensar: “Tem quindim!
Tem pastel! Argh! Gordura quente, isso é horrível! Todo mundo tem apego à gordura quente! Os
iluminados não! Tem pimenta! Imagina! Tem crianças aqui!” Aí se diz: “Os vários sabores
representam a multiplicidade das aparências do mundo.” Aí a gente olha: forma, sensação,
percepção (forma, sensação e percepção estão super próximas!); formação mental (a posição da
nossa mente diante daquilo produz forma, sensação e percepção; são inseparáveis!) e a mente (a
gente olha aquilo e pensa: “Como é que vamos escapar de comer isso. Queremos comer mais
daquilo. Será que não tem mais uns 5 quindinszinhos?”. Essa é a mente (consciência) operando a
partir de forma, sensação, percepção e formação mental para puxar aquilo que parece que vai fazer
a energia brilhar mais. Mas é tudo vacuidade! Depois de comer aqueles 5 quindins, estaremos
arrependidos. Aí, a consciência, que é vacuidade, muda da atração para o enjôo! Isso mostra a
vacuidade do quindim!!!). No Tsog, tem uma hora que a gente diz: “Om Ah Hung Ram Yam Kam.”
O que acontece? O prato, com todas as aquelas substâncias que a gente vai comer, se transforma
num néctar da Sabedoria Primordial. O que significa néctar da Sabedoria Primordial? Aquilo vai
virar a substância samaya: vamos pegar aquilo e transformar em lucidez! Aí a gente vê como atua a
sensação de um “EU” na ligação com o prato, como que o impulso de energia vem, como que a
vacuidade está ali. Se a gente não quiser comer, então a gente não faz a prática. A prática significa
encontrar o samsara: olhos, ouvidos, nariz, língua, tato e mente. Estamos vendo tudo isso e
colocando consciência sobre o nosso contato com o mundo, o prato significa o mundo. Quando a
gente diz “Om Ah Hung Ram Yam Kam”, estamos mentalmente mudando a percepção de uma
coisa comum do mundo (a comida) para uma substância que a gente vai treinar a lucidez diante do
contato com o mundo. Chagdud Rinpoche dizia: “Se der certo, então a pessoa pode atingir a
Iluminação! Se não der certo, aquilo parece festa de aniversário! A pessoa fica feliz! É uma prática
ótima, funciona em qualquer nível!” A consciência (vijnana) é localizarmos o quindim como
separado de nós e pensarmos: “É melhor mais quindim! Esse quindim está meio pequeno!”. Assim,
consciência (vijnana) é quando estamos pensando sobre as coisas, estamos manipulando, é a mente
que puxa para perto o que quer e empurra o que não quer, e nem vê o que é indiferente. Se
botarmos, por exemplo, uma bolota de arroz integral no prato do Tsog, talvez a gente nem veja!
Mas aí depende, se for uma pessoa macrobiótica, ela pode pensar: “Ah, que maravilha! Estou
salvo!” Aí se diz que o Tsog tem 5 sabores: forma, sensação, percepção, formação mental e
consciência.
● (2:10:20) A frase seguinte é: “Assim Sariputra, todos os dharmas são vacuidade.” Aqui, dharmas
são os objetos, as aparências. Desse modo, todas as aparências são vacuidade: forma, sensação,
percepção, formação mental e consciência em relação a todas as aparências!!! Isso é atravessar o
rio!!! Antes disso, a gente imaginava que todas as formas eram separadas de nós, sólidas e
independentes!!! Agora a gente está vendo que todas elas são coemergentes!!! Não é que elas não
existem, mas sim que elas existem através da coemergência!!!

Quarta – Tarde
● Então, a gente está passeando por esse aspecto do Prajnaparamita: “Forma é vazio, vazio é forma,
forma nada mais é do vazio, vazio nada mais é do forma.” O Lama considera que isto está mais ou
menos apresentado, mas na verdade a gente vai aprofundar isso, pois essa prática é insuficiente.
Assim, a gente vai chegar nos 8 Pontos do Prajnaparamita, que é um roteiro estruturado de prática
que vai convergir para os 6 Selos, que é um ensinamento de Guru Rinpoche. Então, nos estamos
indo, e isso vai ficando mais denso e mais claro. Mas o Lama vai seguindo aqui por enquanto por
dentro do próprio texto do Prajnaparamita até o final. E depois nós vamos olhar os 8 Pontos do
Prajnaparamita, que é uma meditação focada sobre isso e que vai aprofundar essa visão. E aí depois
nós vamos olhar os 6 Selos.
● Hoje de manhã nós estávamos olhando o texto, e fomos até essa expressão: “Assim Sariputra,
todos os dharmas são vacuidade.” Então, esses “dharmas” seriam aparências. A palavra “dharma”
se aplica para aparências ou para ensinamentos. Podemos pensar que são coisas totalmente
diferentes: as aparências são uma coisa, e os ensinamentos são outra coisa. Mas isso é a mesma
coisa, pois as aparências produzem a lucidez frente às próprias aparências. Então, se descrevermos
as aparências como elas verdadeiramente são, isso é o ensinamento!!! Os ensinamentos do Buda
vêm quando nós olhamos as coisas como elas aparecem e nós elucidamos as coisas como elas são!!!
● (14:00) “Assim Sariputra, todos os dharmas são vacuidade”, ou seja, todas as aparências são
vacuidade. E aí segue: “Não tem características”. Por exemplo, os templos não tem características
que existam sem a coemergência, é a coemergência que vai produzir as características; quando
trocamos o olhar nós vemos outras coisas. Então, as características vêm, brotam, surgem pelo
processo de coemergência.
● Depois: “São não-nascidos e não cessam.” Aqui é exatamente o Sutrayana. Tem uma diferença
entre o Sutrayana e Dzogchen. Por exemplo, quando dizemos “Assim Sariputra, todos os dharmas
são vacuidade”, estamos fazendo um comentário, não se está apontando que todos os dharmas são
vacuidade, não se está conseguindo explicitar que todos os dharmas são vacuidade. Se está apenas
dizendo. Desse modo, tem uma diferença. Por exemplo, se o Lama mostra o desenho do cubo e diz
“Vejam, quando a mente muda, então a imagem muda”, o Lama não está comentando que, a mente
mudando, a imagem pode mudar; o Lama está dizendo “Vejam, quando a mente muda, então a
imagem muda” e a gente vê! Assim, quando se diz que “Todos os dharmas são vacuidade”, não se
está mostrando, mas sim dizendo! Então, o Sutrayana em princípio é isso, mas ele está baseado na
capacidade nossa de uma vez ouvindo isso podemos encontrar um exemplo e fazer aquilo
funcionar. Então, aqui, dizemos também: “[Os dharmas] São não-nascidos e não cessam.” Não se
está apontando, não se está mostrando que eles são não-nascidos e não cessam, mas sim se está
dizendo. Aí, somos obrigados a parar e pensar: “Como é que os dharmas são não-nascidos e não
cessam?”; é a gente que vai ter que ver; vamos ter que descobrir como que os dharmas são nascidos
e não cessam. Pior ainda é o koan: “Todos os seres têm a natureza de Buda, mas um cachorro não
tem a natureza de Buda”; e ele ainda dá a pista errada; vamos ter que decodificar a pista errada,
vermos porque que ele deu a pista errada; e aí temos que fazer aquilo brotar como uma experiência
e resolver isso. Um koan é assim: o mestre “não” é nosso amigo e ele cria confusão. A nossa mente
é toda lógica, toda estruturada assim. Então, se a gente pega uma coisa lógica, então a gente pensa:
“Ah, é isso! Claro! Se todos os seres têm a natureza de Buda, então é óbvio que o cachorro também
tem a natureza de Buda”" E, assim, a gente nunca mais pensa sobre esse assunto. Agora: “Todos os
seres têm a natureza de Buda, mas o cachorro não tem.” Aí ficamos com uma coisa que vamos
precisar resolver. Então, essa nossa mente lógica funciona melhor por choque, por desequilíbrio.
Como Tokudasan dizia: “Aquilo tem que ser algo que não podemos negar nem incorporar”. Na
linguagem dele, ele dizia: “Aquilo tem que ser algo que não conseguimos vomitar nem engolir.”
Aquilo nos queima, e não conseguimos vomitar nem engolir. Aí, todo dia o mestre chama a pessoa
para explicar o koan: a pessoa está queimando, ela não aguenta mais aquilo, mas ela não consegue
rejeitar aquilo nem aceitar. Assim, aumenta a tensão. Então, esse é um outro método. Aqui, é um
método suave: “Todos os dharmas são vacuidade / São não-nascidos e não cessam.” Mas, vamos
precisar fazer a nossa parte, ou seja, vamos ter que tomar os dharmas e ver porque que eles são não-
nascidos e não cessam. Em cada linha do texto do Prajnaparamita, somos obrigados a: pensar,
contemplar e repousar!!! Essa é a nossa prática!!! A gente pensa sobre aquilo, entende aquilo. Aí,
nós contemplamos: puxamos um exemplo e tentamos ver como que aquilo é verdade ou não é
verdade. No entanto, nós não estamos recebendo alguma coisa do tipo “Olha isso e veja! Aonde está
o cubo? O cubo está no papel, na frente do papel, ou atrás do papel? Onde é que está o cubo?”, em
que nos defrontamos com a coisa mesmo. Tais ensinamentos são simbolizados pelo mudra de
apontar o dedo indicador: “Olhe assim!”, apontando diretamente e mostrando aquilo. Por exemplo,
na introdução do aspecto secreto o Buda mostrou a flor de udambara: a pessoa pode não ver, mas
ela vai para aquele lugar. Outro exemplo é o bater de um sino. Se ouvirmos até final, ficamos com a
cara da Iluminação (risos), estamos só ouvindo. A audição é uma abertura completa: se colocarmos
qualquer som interno na audição, então não ouvimos mais nada. Então, nós já sabemos como deixar
a mente aberta: é só ouvirmos uma coisa muito débil. Ao tentarmos ouvir o sino até o final, nós
estamos com o aspecto imovível aberto. No inspirando & expirando, tem algo parado atrás. E, ao
ouvirmos o sino até o final, o algo parado atrás é isso. Assim, esses são exemplos de ensinamentos
em que se mostra direto, sem nenhuma teoria, nada, mínimo de palavras!!! Mesmo que este texto
seja o sutra mais curto do Prajnaparamita (aliás, é o penúltimo mais curto: o mais curto é AH),
ainda assim tem palavras que a gente vai precisar pensar, contemplar e repousar. Então, aqui é um
roteiro de meditação.
● (22:20) “Os dharmas não tem características”. Por exemplo, nós olhamos para as mesas da sala de
meditação. A mesa é retinha, tem 2 pernas, etc. Mas isso nem mesa é. Quando olhamos as
características da mesa, temos que entender que houve a gênese da mesa. E a gênese da mesa vem
pela coemergência: se não tivermos uma mesa dentro, podemos ver a mesa como um banco. Assim,
que sentido faz perguntarmos sobre as pernas da mesa se não tem mesa. Então, isso tudo é
contemplação. E aí não tem características. E a mesa que não existe nasceu quando? Isso é uma
coisa super difícil de dizer. Podemos pensar que a mesa nasce quando pensamos nela, ou podemos
pensar que a mesa nasce quando a estrutura mesa surge no espaço abstrato da mente, quando o
referencial surge. Quando é que esse templo surgiu? Esse templo surgiu quando foram feitas as
cerimônias, foram jogados arroz na área, os mantras foram recitados e caminhamos em volta,
quando a primeira pedra foi colocada, ou quando foi dada a última pincelada na pintura? Aí já não
sabemos dizer!!! Ou foi quando a primeira atividade foi feita dentro de tempo? Ou foi quando o
desenho surgiu no papel? O desenho surgiu no papel mas não se sabia bem aonde colocar aquilo.
Então, teve que se ver o local exato. Desse modo, teve muitos nascimentos! E teve quase uma morte
também, pois aquilo começou a ser construído e surgiram todas as estruturas do telhado, mas aí foi
preciso abandonar a obra porque a estava tudo feito em madeira e a prefeitura embargou. Haviam
grandes troncos de eucalipto, e a prefeitura não aceitou o modelo galpão-crioulo. Aí foi preciso
transformar tudo em concreto! Como não se tinha como fazer aquilo, aí a obra parou. Veio um
amigo compassivo e disse: “Não há mais como aproveitar essa madeira. Perdemos tudo!” Já estava
tudo montado. Se a prefeitura tivesse vindo uma semana depois, as telhas já teria sido colocadas. E
aí parou tudo! As paredes envelheceram e ficaram cobertas de limo. A desgraça veio (risos)! Aquilo
durou uns 3 anos!!! Mas aí, quando é que afinal o templo existiu? Aí teve o dia em que não haviam
janelas, nem portas, nem piso, mas o Lama começou a utilizar o templo. As paredes estavam cheias
de limo, partes rebocadas e partes não rebocadas! No ano seguinte, estava tudo rebocado e com
janelas, mas ainda sem piso. E aí foi indo, e nunca mais parou. Aí teve a época em que não havia
uma pintura. E aí, quando é que é o nascimento do templo? Não sabemos!!! Então, quando é que
nasce? E também: quando é que cessa? Às vezes as coisas cessam antes de cessarem, mas já estão
liquidadas, não tem mais solução. Por exemplo, os fuscas cessaram. Eles ainda estão andando por
aí, mas cessaram. Então, as coisas cessam, ainda que elas vivam, elas cessam. O Fernando Rebelo
do Parque da Chapada dos Veadeiros diz: “O serrado cessou!”. O Lama acha isso comovente. Não
tem mais como recuperar o serrado. O serrado vai morrer. A razão é que as lavouras de soja
avançaram tanto que as pulverizações eliminaram os insetos que polinizam as plantas. Então, sem
os insetos não há como polinizar as plantas. Quando terminarem as plantas do serrado, então o
serrado terminou. O Fernando considera que não tem mais como retornar. Como o serrado inteiro
com o bioma todo é a esponja que alimenta a maior parte dos rios do Brasil, podemos considerar
que isso vai ter um efeito que ainda não sabemos o tamanho.
● (29:00) E então, quando é que cessa? Não sabemos bem assim, mas tem um momento que cessa.
Na história das missões do Rio Grande do Sul, a extinção final dos nativos foi muito triste. Eles
sabiam que iam morrer. As batalhas finais nem foram batalhas. Eram grupos de índios e eles
simplesmente não resistiram, eles foram trucidados. Eles ficavam parados, e aí os outros vinham e
matavam todo mundo. Os nativos não tinham mais nação, não tinham mais terra e não tinham mais
lugar nenhum para repousar. Em qualquer lugar que eles aparecessem eles iam ser ou escravizados
ou mortos. E aquela terra toda era deles antes. Mas tem um momento em que se morre em algum
lugar sutil. Ao se morrer num lugar sutil, então o lugar grosseiro é só o tempo de aguardar.
● (31:40) E aqui, como é que é? Os dharmas são não-nascidos, eles brotam no espaço sutil, e
cessam no espaço sutil. No aspecto grosseiro, é um detalhe. O espaço sutil não tem tempo, tem só
qualidades. Agora, os dharmas são puros ou impuros? O Prajnaparamita diz: “Nem impuros nem
puros (livres de impureza).” Isso é Vajrasatva. Por exemplo, se a gente disser que isso aqui é uma
mesa, podemos dizer que é uma impureza pois a mente ficou presa num aspecto causal parcial e
estamos vendo mesa. Mas, de fato, essa capacidade de tomar algo que não é, por exemplo, a tábua,
tábua é uma abstração e, mais fundamental do que tábua, é árvore, é tronco e depois árvore. No
entanto, não estamos vendo nem árvore nem tronco, mas sim tábua. Tábua é uma abstração, é uma
construção, é alguma coisa que a gente constrói: a partir do espaço sutil, vemos tábuas,
manipulamos coisas e estruturamos. Não tem uma tábua igual à outra, mas chamamos de tábua.
Como elas não são iguais umas às outras, sabemos que tábua é um aspecto abstrato, é um aspecto
sutil, não é alguma coisa assim. Mas, pegamos uma tábua, a cortamos, e fazemos uma mesa. Mas,
temos tábuas, e não temos mesa. Como é que uma configuração de tábuas vira uma mesa? Isso é
coemergência!!! Aí vemos a mesa. A mesa parece sólida, tem um custo financeiro e tem um apego:
a mesa está existindo. Podemos dizer que isso é a base da impureza: a fixação em alguma coisa
abstrata por não estarmos vendo a coemergência, e então é como se fosse alguma real separada da
gente; isso é o samsara. Mas, por outro lado, como é que surge uma mesa? É a luminosidade da
mente: nós somos capazes de juntar coisas, coisas e coisas, e Xopt!: vemos aquilo, criamos um
ambiente no qual aquilo é útil e utilizamos aquilo!!! Isso é a luminosidade da mente. Então, essa é a
própria capacidade da mente Vajra, da mente livre, de construir mundos!!! Assim, o que é que tem
aí de negatividade? Desse modo, se diz: “Nem impuros nem livres de impureza.” Aqui, é uma
abordagem Sutrayana, Mahayna, e então se diz: “Nem impuros nem livres de impureza”. Sob uma
abordagem Vajarayna, diríamos: “Maravilho! Extraordinário!” Por que? Porque o surgimento
ilusório das coisas é isso mesmo! É maravilhoso e extraordinário! É incrível que a aquilo se
sustente, que a gente consiga construir mundos e objetos, interagir, dar valor, se fixar e jogar o
jogo!!!
● (35:10) Em seguida: “Nem crescem nem decrescem.” Isto significa que não se transformam.
Podemos até fazer uma mesa maior, pegar coisas e ampliar, modificar, fazer um furo na mesa, botar
uma toalha sobre a mesa, pintar a mesa de uma outra cor, e começamos a mudar a mesa. Se
pegarmos uma mesa que não existe e começarmos a fazer transformações, alterar as características
da mesa, então a mesa continua sendo alguma coisa com a mesma origem coemergente! Então, o
fato de que pegamos a mesa e começamos à mudá-la, ainda assim não podemos dizer: “Ah, então a
mesa existe porque eu transformo ela!” No entanto, isso nada altera (em relação à existência da
mesa). Assim: “Nem crescem nem descrescem.” Então, aqui nós interrompemos uma linha de
argumentação que diz respeito à aparência das coisas: começamos com a aparência das coisas e
vamos até esse ponto. Aí, começa uma outra linha de argumentação dentro do próprio sutra que vai
falar sobre a vacuidade. Antes, o sutra estava falando que as coisas são vacuidade. Mas, agora, o
sutra vai falar da vacuidade. Começa com: “Portanto Sariputra, a vacuidade não tem forma, nem
sensação, nem percepção, nem formação mental, nem consciência." Então, a gente olha para as
coisas e vemos que forma é vazio, a essência da forma é vacuidade. Não vamos dizer que a
vacuidade é a negação da forma, mas sim que a vacuidade é a característica da forma!!! Devemos
guardar isso!!! A vacuidade é a característica da forma! A forma tem o atributo da vacuidade.
Agora, quando começarmos a pensar na vacuidade, a vacuidade aqui é aquele espaço imóvel atrás
da inspiração & expiração, é lucidez. Dentro desse aspecto, agora nós vamos avançar em direção à
Sabedoria Primordial. Por exemplo, quando olhamos as coisas, olhamos coemergentemente, e aí
surgem as mesas e os vários objetos. Então, essa coemergência significa que temos um conteúdo
interno que utilizamos por trás dos nossos olhos e esses conteúdos se refletem nas aparências. Mas,
agora, podemos imaginar que podemos ter um conteúdo, ou outro conteúdo, ou outro conteúdo, ou
outro conteúdo, ou conteúdo nenhum!!! Essa ausência de conteúdo atrás é o que vamos chamar de
vacuidade! Então: “Na vacuidade não há olhos, nem ouvidos, nem nariz, nem língua, nem tato, nem
mente.” Tudo isso é construído!!! Isto significa que se formos meditando sobre a vacuidade das
coisas, vamos olhando tudo, tudo, tudo, e chegaremos a esse ponto da lucidez segundo o qual nós
vemos que os olhos brotam sob condições, que os ouvidos, nariz, língua, tato e mente brotam sob
condições. Aí, vemos que para poder perceber isso estamos num lugar sem condições. Esse lugar
sem condicionamentos é a vacuidade. Assim, se na vacuidade nós olharmos profundamente cada
coisa, nós encontraremos senão a vacuidade. Desse modo: “Na vacuidade não há forma, nem
sensação, nem percepção, nem formação mental, nem consciência // Não tem olhos, ouvidos, nariz,
língua, tato e mente // Não tem aparência, som, cheiro, sabor, tato e objetos da mente.” Então, aqui
são 3 vezes 6: olhos, ouvidos, nariz, língua, tato e mente; temos assim 6; aí tem as mentes
associadas a isso, ou seja, as 6 mentes associadas aos olhos, ouvidos, nariz, língua, tato e mente; e aí
tem os 6 objetos, ou seja, as aparências, sons, cheiros, sabores, tato e objetos da mente. Esses são os
chamados 18 dhatus. Continuando: “Não tem os elementos de consciência relacionados aos olhos (e
aos demais sentidos físicos), e não tem mente ou elemento de consciência da mente.” Assim,
completam-se os 18 dhatus.
● (41:00) Aí, nós vamos perceber também que enquanto estamos nesse silêncio lúcido e estamos
com essa visão, nós estamos experimentando essa vacuidade. Nessa vacuidade não tem
ignorância!!! Para vermos a ignorância, temos que criar os objetos, ficarmos sob o efeito deles,
sentirmos os objetos como separados e ficarmos presos a isso e não conseguirmos ver mais nada.
Isso é a ignorância. Nessa vacuidade não há ignorância. Na vacuidade nós conseguimos ver as
aparências de forma lúcida. Na sequência: “Não há ignorância, nem extinção da ignorância, nem os
elos subsequentes até velhice e morte, e a extinção da velhice e da morte."\” Aí, podemos entender
numa outra direção também: se olharmos profundamente a ignorância, a gente não encontra a
ignorância; se olharmos profundamente, não encontramos as marcas mentais; não encontramos o vir
a ser; não encontramos os 12 Elos, nem velhice e morte, nem tampouco a extinção de velhice e
morte, não encontramos nada disso. Depois: “Do mesmo modo, se olharmos profundamente, não
encontramos sofrimento, ou origem do sofrimento, ou extinção do sofrimento, nem caminho, nem
sabedoria, nem realização e nem não-realização.” Não encontramos nada disso. Tudo isso é uma
história contada dentro do ambiente do sofrimento da perda de visão.
● (42:40) Em seguida: “Portanto, Sariputra, uma vez que os bodisatvas não tem nada para atingir...”
Tendo os bodisatvas entendido isso, agora começa uma outra argumentação que fala da vacuidade.
Mas, agora, quando se fala da vacuidade, se fala do ponto último. O ponto último não tem nenhum
conteúdo, é apenas essa condição de lucidez. Logo, os bodisatvas não têm nada para atingir, ou seja,
eles não estão juntando coisas para chegar em algum lugar, eles estão se despindo. Quando eles
conseguirem se despir totalmente, eles não conseguem nem mesmo falar deles mesmos. Então:
“Portanto, Sariputra, uma vez que os bodisatvas não tem nada para atingir, eles se manifestam
através da confiança na Prajnaparamita.” Como é então que um bodisatva se manifesta? Como é
que um bodisatva manifesta lucidez? Ele se manifesta através da confiança no Prajnaparamita,
nessa visão. O bodisatva tem essa visão a partir da vacuidade. Isso é o bodisatva. Um bodisatva não
é assim “Eu gosto mais disso e menos daquilo”, pois o bodisatva olha através da vacuidade. Como a
vacuidade não tem referenciais parciais e não tem construções internas, então não há obscuridades
mentais, pois obscuridade mental é justamente referenciais parciais. E, se não há obscuridades
mentais, então não há medos!!! Por que? Porque toda a obscuridade mental, toda a construção, é
passível de dissolução e, portanto, tem um apego à construção e tem um medo da dissolução!!!
Como Chagdud Rinpoche dizia: “O último veneno a ser eliminado é o medo.” Isso porque se
houver um traço de ignorância, então há um traço de apego e, portanto, há um traço de medo, tem
um pedaço do inferno vivo em algum lugar nos aguardando!!! Agora, os bodisatvas, eles repousam
na mente que está silenciosa e estável além da própria respiração, sem nenhuma construção. Como
não tem construção, o bodisatva consegue ver com lucidez seja o que for. Então, a base da
experiência dele é a vacuidade luminosa. A vacuidade luminosa só é essa vacuidade luminosa e
lúcida porque não tem condicionantes e perturbações internas. E, se não tem perturbações internas,
então não há medos!!! Então: “Uma vez que não há obscuridades mentais, não há medos.”
● (45:45) Aí vem: “Transcendendo completamente as visões falsas, atingem o verdadeiro nirvana.”
As visões falsas são todos os referenciais parciais que podem ser construídos, tudo que é
artificialidade. Como o bodisatva está naquele silêncio olhando com um “olhão”, ele transcende
completamente as visões falsas. O nirvana vai ganhar sentido a partir dessa lucidez. Esse estado
com a energia estável, lúcido, de forma natural, sem esforço e sem tempo, é a condição do
bodisatva. Aí os bodisatvas atingem o verdadeiro nirvana. O Buda quis usar essa expressão
“nirvana”, mas ela não é mais muito usada, pois é uma expressão védica. O budismo vai
substituindo isso por outras expressões. Depois: “Todos os Budas dos três tempos, por repousarem
na Prajnaparamita, atingem completamente a iluminação perfeita e insuperável.” Três tempos
significa passado, presente e futuro. Assim, todos os Budas dos 3 tempos atingiram a condição de
Buda por esse mesmo e único processo!!! É isso!!! Em seguida: “Portanto, o mantra da
Prajnaparamita – o mantra da grande lucidez – é o mantra insuperável, o mantra que torna igual o
que é desigual, o mantra que pacifica por inteiro todo o sofrimento.” Mantra da grande lucidez é o
mantra de rigpa. Marigpa é a prisão invisível que surge pelos condicionamentos que passam a
operar dentro da mente e que dão significados absolutos a coisas que são construídas. Isso é
marigpa, ficamos presos assim. Por exemplo, nós somos brasileiros, nós somos gaúchos, nós somos
cariocas, etc. Nós somos várias coisas e começamos a nos caracterizar. Por que é que o mantra da
Prajnaparamita é insuperável, por que é que essa Iluminação (da frase anterior) é perfeita e
insuperável? Porque não há conteúdo dentro!!! Se houvesse alguma coisa dentro que pudesse
mudar, então aquilo poderia mais adiante ser uma outra coisa. Mas, como não há conteúdo e não há
referencial, então não há o que mudar!!! Não tem como purificar adicionalmente, porque os
conteúdos e os referenciais já foram retirados. “...o mantra que torna igual o que é desigual”: temos
uma multiplicidade de coisas, e como é que elas são iguais? Elas são iguais porque elas brotam a
partir da coemergência, a partir de conteúdos que vamos colocando. Como os conteúdos podem
mudar, temos aparências diferentes, mas aquilo tudo brota desse mesmo modo por coemergência. O
poder e a vida que as coisas ganham vêm da própria luminosidade da mente que está viva, que
sustenta aquilo!!! “...o mantra que pacifica por inteiro todo o sofrimento”: o sofrimento usual está
ligado à vedana, ou seja, gostar ou não gostar; o sofrimento é nos defrontarmos com coisas que a
gente não gosta. Aí, precisamos transformar as coisas que estão diante de nós em outras coisas. No
entanto, curamos um sofrimento aqui e arrumamos outro ali; aquilo está sempre girando porque está
na dependência de coisas. Agora, se nos colocarmos numa posição em que estamos imunes às
aparências, em que estamos operando fora da dependência das aparências, então isso cura todo o
sofrimento!!!
● (51:25) Em seguida: “Uma vez que não produz engano, deveria ser reconhecido como
verdadeiro.” A frase “uma vez que não produz engano” significa que não opera a partir de um ponto
de vista parcial construído e flutuante. Como não opera a partir de uma base artificial, então
“deveria ser reconhecido como verdadeiro”. Depois: “O mantra Prajnaparamita é recitado assim:
OM GATE GATE PARAGATE PARASAMGATE BODHI SVAHA” A fórmula do mantra
significa essencialmente esse conteúdo todo: ao invés de se explicar todo o texto de novo em
palavras, usamos o mantra!!! Como é que praticamos isso? Começamos a olhar as aparências e
recitamos o mantra, reconhecendo como que as coisas surgem por luminosidade e coemergência,
reconhecendo esse estado livre a partir do qual a gente se permite ver a coemergência operando e o
surgimento das coisas operando!!!!! Então, esse é o Prajnaparamita!!!!! Fazer isso!!!!!
● (53:10) Aí, o sutra segue: “Sariputra, é desta forma que o bodisatva-mahasatva deveria treinar-se
na profunda Prajnaparamita.” Então, ele não está apresentando isso como se fosse uma lição ou algo
discursivo, mas sim apresentando como um roteiro de treinamento!!!!! Depois: “Então, o
Abençoado retornou de seu samadi e louvou o nobre Avaloktesvara, o bodisatva-mahasatva,
dizendo: Muito bom, muito bom! Ó filho de nobres qualidades. Assim é! Assim é! É exatamente
como ensinou. Deve-se praticar a profunda Prajnaparamita. Todos os tatágatas irão felicitar.”
Tatágatas são os Budas. Aí vem: “Quando o Abençoado pronunciou estas palavras, o venerável
Sariputra e o nobre Avaloktesvara, o bodisatva-mahasatva, junto com toda a assembleia e todo o
mundo com seus deuses, humanos, asuras e gandarvas, todos se alegraram, louvando o que o
Abençoado havia dito. Isso conclui o “Sutra do Coração da Prajnaparamita”.”
● Mais adiante: “Sob a proteção real do Rei Trisong Deutsen”, que é o criador do budismo no
Tibete, isso é o início do budismo no Tibete; o Rei Trisong Deutsen foi quem convidou Guru
Padmasambhava para ir para o Tibete e construir o primeiro mosteiro, “em meio ao oitavo século, o
tradutor tibetano (lotsawa) bhikshu Rinche De traduziu esse texto para o tibetano”, era um tempo
em que eles traduziam do Sânskrito e do Pali para o tibetano, era um tempo glorioso, como agora
nós estamos traduzindo do tibetano para o português, “com o mestre (pandita) Vimalamitra.”,
Vimalamitra era um grande Mestre Dzogchen, “Isso foi editado pelo grande editor de traduções
tibetanas (lotsawas) Gelo, Namkha e outros. Esse texto tibetano foi copiado de um afresco em
Gegye Chemaling, um dos templos do glorioso Samye Vihara.”. Então, isso é do mosteiro de
Samye, que tinha muitos templos dentro e que foi construído por Guru Padmasambhava e pelo Rei
Trisong Deutsen. Quando a gente termina as nossas práticas e diz “KEN LOB THÖ SUM RING
LUNG THE / ... / MI DRAL DÜ SUM GUE LEG SHOG”, nós estamos lembrando dos três (SUM)
que fundaram o budismo tibetano: Guru Padmasambhava, o Rei Trisong Deutsen e o Khenpo
Shantarakshita. Esse texto do Prajnaparamita foi copiado da parede do templo que eles construíram
naquela época!!!!! E estamos aqui estudando isso!!!!! Eles estudaram um bocado isso e nós estamos
agora estudando!!! Num certo sentido, é como se a gente sentisse a transmissão daquele tempo para
agora. Isso foi copiado de lá! É maravilhoso! Aqui está a transcrição fonética, que não é a melhor
coisa. Mas o Cebb tem o texto todo em tibetano, com as letras em tibetano.

Quinta – Tarde
● O Lama vai falar agora do roteiro de meditação dos 8 Pontos do Prajnaparamita. Nós estamos
trabalhando o aspecto sutil. Ainda que o nome seja sutil, mais sutil do que o aspecto sutil é o
aspecto secreto, o qual não tem conteúdo para olharmos. Mas, no aspecto sutil, nós vemos alguma
coisa, e vai surgir algum nível de lucidez ali dentro. No aspecto sutil nós estamos examinando como
que a mente está operando, enquanto que no aspecto secreto nós estamos vendo o que é que é a base
da mente, aquilo que não se move. E, no aspecto sutil, a gente vê o que é que se move; está super lá
no fundo, mas está se movendo e serve de referencial para as ações que vêm depois. O aspecto
grosseiro é o que a gente vê com os 6 sentidos (mente, olhos, ouvidos, nariz, língua e tato). Os
objetos que pensamos na mente são aspectos grosseiros. Forma, sensação, percepção, formação
mental e consciência estão num nível grosseiro. Mas, agora, começamos a examinar com mais
detalhes esse funcionamento, ou seja, como que a mente está operando e como é que as coisas são
vistas. Então, como nós somos yogis do cotidiano, nós seguimos um caminho individual. Ainda que
a gente não exista, a gente existe dentro das bolhas, e aquilo começa assim: “NÓS” delimitamos,
mas tem esse “NÓS” que delimita, mas surge essa delimitação por referenciais e surge uma bolha
de realidade; e, dentro dessa bolha de realidade, surgimos “NÓS” como os impulsos que originam a
própria bolha, que são esses referenciais. Os ensinamentos vêm para elucidar as dificuldades. Cada
um de nós tem esse nascimento dentro da própria bolha. Então, a bolha que uma pessoa opera não é
a bolha de outra pessoa: são bolhas. As bolhas são sonhos. Então, por exemplo, nós sonhamos à
noite, e aquilo é a bolha do sonho ainda que apareçam outras pessoas ali dentro do sonho. Essa é a
nossa bolha, somos nós que estamos sonhando aquilo. Aí, o Buda fala dentro da nossa bolha para
resolver aquilo. É como se fossem mundos específicos e identidades específicas ali dentro. Ainda
que as identidades sejam ilusórias, elas operam dentro daquelas bolhas!!! Na medida em que nós
vamos praticando, a gente vai encontrando essa base que não é de alguém, é uma base de
inseparatividade. Então, a inseparatividade é o ponto principal mas, nesse momento, nós temos a
nossa gênese a partir das bolhas de realidade. Assim, a gente se sente existindo a partir das
características que surgem dentro das bolhas, ainda que de fato o que é a nossa real existência é a
natureza estável que está além das transformações. Por exemplo, inspirando & expirando tem
alguma coisa parada atrás. Aí, não importa que a gente esteja pulando e saltando de um lado para
outro, não importa dentro de qual bolha, tem alguma coisa parada atrás. Essa coisa parada atrás não
é de alguém. Mas, quando estamos saltitando dentro de alguma coisa, quando surge uma bolha
dessas, aí surge o conjunto de características que dá origem à própria bolha. E nós vemos esse
conjunto de características que dá nascimento à bolha como se fosse estável, e aí nós associamos
esses referenciais a nós mesmos!!!!! Então, aqui, nós vamos seguir o nosso caminho, ou seja, nós
precisamos olhar as aparências, pois as aparências são a manifestação dos nossos obstáculos. A
mesmo tempo, a clareza total das aparências está escrita nas próprias aparências, pois as aparências
não se escondem, elas são desnudas!!! É como um filme. Quando estamos vendo um filme,
ninguém esconde a máquina de projeção e a tela, tem as propagandas para desligarmos o celular,
compramos pipoca, etc: está tudo desnudo! No entanto, a gente opta por entrar na história do filme
e ter emoções e experiências! A gente opta por isso! A gente não opta pela lucidez diante daquilo!
Do mesmo modo, em meio ao mundo a gente não opta pela lucidez, mas sim optamos por obter
uma melhor modulação da nossa energia para que as coisas andem melhor assim. Na nossa vida,
nós somos guiados pelos vedanas (gostar ou não gostar) o tempo todo. Agora, como é que
manobramos o vedana atrás? Tem um centro manobrador de vedanas, que são o conjunto de
referenciais que estamos atuando; dependendo da bolha, aquilo funciona de um jeito ou de outro.
De acordo com os referenciais que estamos atuando, aquilo se manifesta. Então, não é comum a
gente ter a aspiração de elucidar aquilo. Nós não temos a aspiração de elucidar, mas sim a aspiração
de que a energia esteja de um certo jeito e que a gente siga fluindo: essa que é a nossa vida!!! A
nossa vida é buscar que a energia se manifeste de um certo jeito!!! E, aí, ficamos manipulando as
coisas para obter esse resultado!!! Então, a gente tem uma aspiração de que as coisas tomem um
certo rumo, e aí a nossa energia tem uma certa posição assim.
● (16:10) Então, é muito raro a gente entrar nos 8 Pontos do Prajnaparamita. Os 8 Pontos começam
assim: olhamos as aparências; escolhemos alguma aparência e isso vai ser o nosso instrumento de
meditação; vamos agora olhar profundamente aquilo. Esse é o 1o dos 8 Itens. O 2o dos 8 Itens, é o
ensinamento de Maitreya que começa com o Item 2a: isso é, isso não é, isso é. Por exemplo: aquela
pessoa é o chefe, aquela pessoa não é o chefe, mas enfim aquela pessoa é o chefe. Maitreya já sabia
dessas 3 afirmações e contou para Asanga. Segundo Maitreya, essas 3 afirmações são a essência do
Caminho do Meio. Olhamos para a aparência: o primeiro, “isso é”, é dentro da bolha; o segundo,
“isso não é”, é o reconhecimento de aquilo só se dá dentro uma bolha e, portanto, aquilo não é; o
terceiro, “isso é”, é que sob o efeito da bolha, isso é. Esse terceiro, “isso é”, é um “é” super
importante: ele já tem o que se chama de tathata; é um “é” que “não é” ao mesmo tempo, pois
aquilo “é” mas está livre de ser rigidamente aquilo. Então, a totalidade das coisas que se manifesta
na conexão conosco dentro das bolhas cai nessa categoria: “é”, “não é”, “é”. Então, essa é uma
meditação super curta sobre a vacuidade. A gente não vai negar o objeto, pois vamos dizer que ele
“é”, depois que ele “não é”, mas que ele “é” enfim. Só que quando a gente fala o terceiro “é”, nós
estamos entendendo que aquilo surge de um certo jeito, surge na dependência de causas e condições
através da originação dependente, surge de modo coemergente com o conteúdo interno!!! Então,
essa noção de coemergência é super importante! Se tivermos dúvidas com respeito à coemergência,
podemos usar o recurso de que a explicação da existência daquelas coisas pode vir da contemplação
da mente ou da contemplação do objeto. Podemos explicar que aquilo é um objeto que temos à
frente, mas do mesmo modo não conseguimos negar que aquilo brota porque é algo que temos
dentro da gente. Aí, explicamos as 2 coisas e, explicando essas 2 coisas, percebemos que elas vêm
juntas. Isso é coemergência: quando uma está presente, então a outra está presente também. Isto
significa que quando surge um objeto do lado de fora, então sempre temos um objeto do lado de
dentro!!! E, quando temos o objeto do lado de dentro, então temos a predisposição de localizar o
objeto do lado de fora!!! Isso é uma coemergência, e não podemos dizer nem mesmo que um
procede o outro. Eles vêm juntos, eles coemergem, é uma experiência que coemerge!!! Então, a
coemergência traz um efeito muito interessante, pois se não tivermos o objeto dentro, então não
vemos o objeto fora!!! É claro que sempre podemos dizer: “Eu não vejo, mas ele está lá!” Mas, isso
não é assim!!! Isto porque, se ele estivesse lá, então a gente operaria desse modo. Mas ele não está
lá, a gente não consegue reconhecer, a gente não consegue operar daquele modo. Além do mais, ao
substituirmos um referencial interno por outro, então o mesmo objeto ganha uma objetividade e
uma existência numa outra perspectiva com uma outra descrição!!! Isso é super especial! Então,
esse é o Item 2a.
● (21:25) Aí vem o Item 2b, que é a base da transição das aparências condicionadas para o espaço
livre, que é essencialmente a compreensão da bolha! Então, a gente pega o objeto que estamos
contemplando e olhamos a coemergência. Aí nós contemplamos com cuidado e vemos a
coemergência com a forma: a aparência do objeto coemerge com a mente. Assim, nós vamos
fazendo esse exercício e vamos observando. Podemos pegar esse objeto ou aquele objeto, mas
sempre observando a coemergência do objeto com a posição da nossa mente. Mas aí a gente
percebe logo em seguida que não é só uma questão cognitiva de vermos aquilo. Tem uma série de
fatores que atuam por baixo junto. Então a gente precisa contemplar isso. Se a gente não contemplar
esses fatores sutis, então poderíamos dizer: “Realmente, isso coemerge, no entanto...” Aí pegamos
os outros fatores sutis como se fossem sólidos. Por exemplo, podemos pensar: “Ainda que eu esteja
enganado que aquilo é coemergente, de fato aquilo existe porque a minha energia muda!” E, aí,
tomamos o referencial da energia!!! Agora, somos obrigados a olhar que a energia também é
coemergente!!! Então, quando surgem a mente e o objeto como a aparência de espelho desse
conteúdo, se observarmos com cuidado tem uma energia também que se posiciona. Aí, começamos
a colecionar todos os aspectos que trazem sensação de realidade. Na opinião do Lama, uma das
coisas mais perturbadoras é o surgimento da objetividade, pois o surgimento da objetividade dá um
sentido de real existência. Aí, precisamos pegar, por exemplo, um jogo de tabuleiro. Num jogo de
tabuleiro, temos o tabuleiro e as peças. As peças são convencionais, nós vamos convencionalizar o
que é aquilo. O mesmo se aplica para o tabuleiro e as regras. Assim, não podemos dizer que aquilo
existe separado da nossa própria mente: se não explicarmos para o outro como é que ele tem que ver
o tabuleiro e as peças, então ele não tem como jogar!!! Não tem uma naturalidade ali, aquilo é uma
coisa construída, é uma bolha!!! Aí com o tempo, a gente vai ter a sensação de que aquilo é
completamente sólido: o tabuleiro é sólido, as peças são sólidas e as regras são sólidas! É tudo
sólido! Mas, naturalmente, teve uma data que aquilo surge. Antes disso ninguém nunca sofreu com
aquilo! Então, aquilo é uma construção, é óbvio! Mas, quando surge aquele tabuleiro, vemos que
surge uma causualidade: dependendo de como que movimentamos as peças, temos resultados mais
favoráveis ou mais desfavoráveis. Assim, é super importante olharmos isso com cuidado, pois
temos uma sensação de realidade!!! Essa sensação de realidade é “explicável”: se fizermos as coisas
de um certo jeito, temos um resultado; e se agirmos de um outro jeito, teremos um outro resultado.
Desse modo, parece haver uma “lei” ali dentro e não parece ser ilusório. Em relação a essa “lei”,
conseguimos matematizá-la, conseguimos simulá-la, conseguimos fazer o computador pensar sobre
aquilo. Pensamos: “Se aquilo não fosse real, então como é que o computador iria pensar sobre
aquilo? Aquilo é denso! É real!” Agora, se a gente entende que essa causalidade também vem dessa
configuração, então a gente começa a entender um outro aspecto que está associado à causalidade,
que é a visão estratégica. O Lama gosta de se movimentar dentro de uma visão estratégica: não é
que se tenha um resultado imediato, mas uma predisposição mais favorável. Essa é a diferença entre
a visão estratégica e a visão causal. Não precisamos estabelecer uma visão causal, mas
estabelecemos uma visão estratégica. Uma das formas de jogar xadrez é jogar pela visão estratégica,
e não pela visão causal. Desse modo, a pessoa estuda com cuidado e vê: “Ah, que interessante, as
mesmas regras se aplicam às mesmas peças, mas não é bem assim! Se o bispo estiver no centro do
tabuleiro, então ele domina duas diagonais mas, se ele estiver num canto, então ele vira um meio
bispo!” Logo, uma visão estratégica no jogo de xadrez seria assim: se as peças estão mais no centro
do tabuleiro, então elas exercem um efeito sobre mais posições do tabuleiro e, portanto, ela têm um
valor maior; assim, quando o jogo começa, é melhor conseguir posicionar as peças mais pro centro
do tabuleiro! Isso não é uma visão causal, mas uma visão estratégica. Isso é mais ou menos assim:
se o meu filho estudar, então ele tem mais chance! Isso não é olhar sob um ponto de vista causal
estrito, mas sim sob uma visão estratégica. Desse modo, a gente percebe esse aspecto estratégico da
própria vida. Então, quando a gente está olhando os objetos ao redor, tem uma mente coemergente
que dá significado para eles. Essa mente coemergente manifesta energia e manifesta também visão
estratégica. Então, naturalmente os pais e mães olham para as coisas com o seu olhar coemergente,
tem uma energia junto e tem uma visão estratégica. Todos nós também temos uma visão estratégica.
Logo em seguida a gente vai perceber que essa visão estratégica está operando dentro de uma bolha
de realidade. Por exemplo, nós temos a nossa própria visão de mundo, e essa visão de mundo
permite ver uma causualidade, visão estratégica e energia. Agora, tudo isso surge como se fosse
uma resposta natural de dentro de nós: o objeto, a energia, a visão estratégica e a visão de
causualidade surgem naturalmente dentro de nós. Por exemplo, uma pessoa vai jogar xadrez e então
ela olha: “Eu vou jogar aqui, eu vou jogar ali...” E tem um monte de palpiteiros em volta dizendo:
“Agora faz isso, agora faz aquilo...” Os palpiteiros começam a passar mal se eles não são ouvidos.
Isso é típico da noção de identidade, pois brota aquela energia e eles dizem: “Joga aqui, joga ali...”
No fim, a pessoa não consegue mais jogar, pois os palpiteiros querem empurrar aquilo. Isso é típico,
pois é vedana. Então, surge uma energia, e temos a visão e o apego. Por que é que o apego aparece?
O apego aparece porque a energia se movimenta e queremos manter aquela energia. Assim, temos
apego, e aí temos frustração, desejo e apego, e impulso da ação volitiva. Se não conseguirmos fazer
a ação volitiva associada à desejo e apego, então vamos passar mal! Viramos as costas e dizemos
(como palpiteiros) “Eu não quero nem ver isso, você vai perder! Por que é que você não me ouve?
Eu estou vendo isso!” Aí tem as frustrações inevitáveis. Por trás desse impulso, brota a certeza de
um “EU”, a operacionalidade de um “EU”, tem um “EU” ali operando! Mas se a gente perguntar:
“Mas quem é que somos “NÓS” mesmos? De onde brota a lucidez da nossa mente?” Não temos a
menor ideia, mas tem algo que brota vivo. Aí, quando começamos a mergulhar nisso, vamos
encontrando uma região obscura de onde as coisas aparecem, mas não conseguimos penetrar e ver
isso. No entanto, podemos perceber que no dia seguinte faríamos aquilo diferente. Podemos
perceber, por exemplo, que no dia seguinte não queremos nem olhar para aquele tabuleiro,
queremos fazer outra coisa. Podemos ter uma outra ideia de como resolver algo que nos
incomodava. Assim, começamos a entender que essa base não é sempre igual! Então, a própria
pessoa não é sempre igual. Mesmo que a pessoa não tenha muita clareza no cotidiano, não seja um
meditante, ainda assim a pessoa pode tomar algumas medidas que são melhores. Entre as medidas
melhores, é não tomar uma decisão na primeira visão, ou seja, esperar a volta para casa, dormir,
falar com outras pessoas, ir ao cinema, fazer uma outra coisa, dispersar a mente, etc, para então
voltar a olhar aquilo. Quando a pessoa volta a olhar aquilo, ela está vendo de um outro lugar
constituindo uma outra bolha, e aí ela olha aquela coisa e surge de uma forma totalmente diferente.
Por exemplo, a pessoa está pensando em pedir demissão do trabalho. É melhor não pedir demissão
assim. A pessoa pensa: “Não, eu vou pedir demissão, eu vou sair.” Aí, no dia seguinte a pessoa olha
aquilo de novo e pensa: “Não... olhando sob esse lado aqui, talvez isso não seja uma boa ideia.” E aí
passa um dia, e ela pensa: “Mas eu acho que vou pedir demissão mesmo!” Às vezes o Lama
enfrenta essas situações em que aparece alguém que está afim de tomar uma decisão grave. O Lama
lembra de uma senhora jovem que tinha um marido super legal para ela e vários filhos, mas ela
queria ir embora. Então, o Lama usou o método do “terror”, e disse para ela: “Olha, estás indo
embora, e o que é que vai acontecer? Daqui a um ou dois anos, vás ver uma pessoa cuidando dos
teus filhos, andando com o teu ex-marido de um lado para o outro, e usando as tuas coisas. Tudo
bem?” E aí ela desistiu! Ela passou mal e desistiu! Esse é um ponto interessante, porque a pessoa
olha por uma perspectiva de bolha e ela vê uma coisa, e quando ela olha numa outra bolha então ela
vê uma outra coisa. Então, isso é a bolha!!! Aí a pessoa pode pensar que está enlouquecendo por
não conseguir tomar decisão nenhuma. Mas não é isso! É que a pessoa numa hora olha de uma
bolha, e numa outra hora olha de outra bolha! É uma coisa simples!!! Por exemplo, um terapeuta
pode olhar uma pessoa e ver que ela tem um sintoma, mas sem saber o que é. Os terapeutas e os
médicos se enganam. Como é que eles se enganam? Eles não vêem o que está ali para ser visto, eles
vêem segundo uma posição da mente. Então, se a gente quiser ser cauteloso, é melhor a gente
consultar diferentes pessoas que olham com diferentes olhares. Começamos consultando aqueles
que causam menos impacto como, por exemplo, um naturopata. Aí, procuramos um alopata. Mas o
último a ser procurado é o cirurgião! Por que? Porque se a gente procurar um cirurgião de saída,
então ele fica com aquele olhar: “O que é que eu vou cortar?” E vai que ele descobre alguma coisa
para cortar. Um cirurgião não é uma boa opção. Temos que procurar pessoas que não vão cortar
nada. É só em último caso para cortar assim. As coisas simplesmente nos enganam. Quando um
médico ou um terapeuta acerta no diagnóstico e no tratamento, isso é uma boa coisa, a gente tem
que ter sorte. Mas isso não quer dizer que os alopatas sejam menos hábeis que os naturopatas, ou
que os cirurgiões sejam melhores do que os alopatas. Isso não quer dizer que os diversos médicos
sejam uns melhores do que os outros. Todo mundo se engana porque nós operamos dentro de
bolhas de realidade, a gente olha as realidades a partir de posicionamentos da mente. É
essencialmente isso. Os cientistas também estão submetidos a essas dificuldades. Se a gente estudar
a evolução da Ciência, veremos que a evolução da Ciência é a história dos enganos! Todo mundo
tinha certeza de um certo tipo de coisa, todas as indicações apontavam para aquilo, aquilo estava
resolvido, mas aí passa um tempo e não é mais assim, é de um outro jeito!!! Isso é muito
impressionante! Então, isso diz respeito às bolhas. Aí a pessoa tem um impulso de energia, tem uma
visão de mundo, tem a causualidade e a causualidade se dá. No caso da Ciência, é mais perturbador.
Os cientistas fazem os experimentos em laboratório. No entanto, os experimentos são feitos dentro
da estrutura da bolha, e aí os resultados se repetem ali dentro. Então, parece que aquilo está
totalmente resolvido, e na sequência se vê que aquilo tem uma limitação da visão. Começamos a
olhar de uma forma mais geral, a olhar de um outro jeito. Ainda que os experimentos continuem
iguais, eles agora são vistos de um outro modo. É muito impressionante isso. No caso da Física, nós
vamos encontrar a Física Clássica inteira, um edifício complexo de muito êxito. Esse conjunto de
experimentos, visões e teorias termina sendo criticado duramente e ultrapassado tanto pela visão
relativística quanto pela visão quântica.
● (46:25 até 1:01:10): o Lama comenta sobre: Teoria da Relatividade; Newton; Hermes Trimegisto;
para o cientista, as leis físicas estão escritas nas aparências; as leis físicas são o aspecto sutil do
aspecto grosseiro da natureza, mas são bolhas e a realidade não se curva para bolhas; na visão
budista, essa noção de leis fixas pertence a bolhas e, além do mais, o universo não está na
dependência das bolhas e das leis, o que permite os siddhis (não é possível explicar os siddhis por
enquanto por não haver linguagem para isso); Filosofia da Matemática; sequência de números.
● (1:01:10) Até quando a gente educa as crianças, a gente não vê o espaço infinito deles. A gente vê
eles fazendo uma coisa errada, e então a gente diz: “Eles vão passar o resto da vida fazendo isso...”
Mas que nada! Aquilo está mudando o tempo todo!!! A gente se impacienta e pensa: “Agora eu vou
ter que bater aqui, porque se eu não fizer por aqui... É de pequeno que se torce o pepino...” Aí, a
visão totalmente oposta a essa é a do filme “Primavera, Verão, Outono, Inverno, Primavera”. O
Lama recomenda esse filme, que é assim: tem um menino que faz tudo errado, e o mestre não bate;
aí o mestre morre e o menino refaz os passos do mestre e atinge a lucidez, resolve tudo, e vai. Isto
significa que ele muda de bolha. Existe um movimento “transbôlhico” de uma bolha para outra, de
uma bolha para outra, existe a liberação. Agora, nós estamos operando dentro de uma bolha que
parece realidade, e nós temos que cortar tudo, torcer e ajeitar porque parece que é tudo ali dentro!!!
É super importante entender Kahlil Gibran também, que vai dizer: “Os pais não conseguem ver os
mundos onde os filhos vão viver. A mansão do amanhã é onde os filhos vão viver, mas os pais não
têm permissão de entrar, eles não suspeitam o que é que vai acontecer.” Em etapas da nossa vida, a
gente nunca imaginou que o futuro teria a cara das coisas que estamos passando aqui. Não
podíamos imaginar o tipo de coisa que tem decorrido. A nossa mente não alcança aquilo. Então, é
uma coisa curiosa, pois terminamos projetados para dentro de um futuro que não fomos capazes de
imaginar. Então, é melhor não perder tempo!!! Aí vem a visão estratégica: não importa qual seja o
futuro, é melhor purificarmos tudo onde estivermos!!! É melhor praticarmos as qualidades mais
elevadas, praticar a lucidez e escapar das bolhas, pois isso vai ser útil em qualquer circunstância!!!
Isso é visão estratégica!!!
● (1:04:20) Mas, aqui, nesse ponto, vamos supor que entendemos um pouco essas questões das
bolhas. Aí, nós olhamos outros objetos, outras aparências, e percebemos que o ver da aparência
arrasta a nossa energia e arrasta a nossa mente, produzindo de novo uma visão sequencial de futuro,
uma visão estratégica, produzindo tudo isso de novo. A gente percebe que liberamos um pedaço,
mas que tem outras que estão intactas: elas respondem direto, sem a gente precisar raciocinar. Aí,
trabalhamos aquilo, mas aí tem outra que responde. Aí, tem uma vastidão de aparências que
precisamos trabalhar. Quando estamos nesse ponto, aí a gente entende: “É melhor fazer retiro. É
melhor praticar.” Vamos também perceber que, ao sentarmos em silêncio, estamos dentro dessa
perspectiva e aí surgem “Plinc! Plinc! Plinc!”, e aí começamos a ver uma porção de coisas. Se não
praticarmos, aí a gente não vê, não temos a bênção daquilo!!! Se praticarmos, aí começa a aparecer
a clareza das coisas!!! Aí a gente vê que a gente avança. Se não praticarmos, aí não avançamos. Aí,
nós estamos nesse ponto, e aí pode ser que a pessoa sinta a necessidade de viver mais recolhida,
focada, meditando e estudando!!!!! Isso é uma boa coisa!
● (1:06:25) Então, nós estamos por dentro dos 8 Pontos do Prajnaparamita. O Lama olhou mais ou
menos o Item 2b, não foi olhado totalmente.

Sexta – Manhã
● Nós vamos seguir hoje com o Roteiro dos 8 Pontos do Prajnaparamita, que é um roteiro de
meditação, um roteiro de retiro. É quase inútil apresentar um roteiro se a gente não vai praticar. Por
outro lado, a explicação desse roteiro é interessante, e aí nós vamos entendendo melhor. Mesmo que
a gente não faça um retiro imediatamente nem as práticas imediatamente, pelo menos aquilo fica
como uma semente, fica como um mérito que depois eclode na forma de prática.
● Nós estamos fazendo esse procedimento que é uma decorrência da ação de Chenrezig. Chenrezig
nos encontra onde nós estamos. Ele nos leva do ponto onde nós estamos em direção à liberação
através de um processo gradual. Onde nós estamos é diante das aparências, todo mundo tem as
aparências diante de si. Então, a gente começa pelas aparências e vamos indo, com as mais variadas
aparências. Naturalmente, o caminho não precisa ser apenas esse. Existe também esse caminho no
qual nós avançamos em direção aos Budas, que é o processo de Guru Yoga direto, em que, olhando
os ensinamentos e olhando os Budas, a gente tenta utilizar as qualidades que são latentes em nós,
que estão disponíveis e operando em nós sem que a gente veja. Aquilo não é propriamente uma
flexibilidade dos Budas na nossa relação, mas sim uma flexibilidade nossa na relação com os
Budas. As relações são assim: um avança e o outro avança, estabelecendo-se essas pontes. Então,
esse processo no qual nós somos convidados a olhar as aparências, é como se a gente não pudesse
escapar da condição de estarmos presos à avidya, à ignorânica, nós estamos presos em dukkha. Nós
sentimos existência dentro disso, ainda que verdadeiramente nem isso seja. Mas, na nossa
perspectiva, aquilo está denso e nós não temos como sair disso. Aí, o Buda joga a corda lá no fundo
do poço e nós vamos ter as explicações que a gente tiver a partir do ambiente do fundo do poço para
segurar a ponta da corda. Nós não temos a capacidade de o Buda dizer lá de fora: “Venha! Você
pode!” A gente não consegue! Então, nós vamos seguir desse modo. Para algumas pessoas surge
um obstáculo, do tipo ela pensar: “Por que é que que eu vou ficar olhando as aparências e
analisando, analisando?” Mas tudo bem, pois aí tem outros métodos também: quando uma coisa não
funciona, então a gente usa outra! No entanto, há esse método que é o Prajnaparamita, através do
qual nós olhamos em volta o que está presente e tratamos de ver de forma cada vez mais nítida,
mais clara, o que é que é isso. Isso vem dentro dessa noção de que se nós simplesmente olharmos as
aparências como elas são, então a gente vê as coisas de forma lúcida. A gente não precisa criar uma
outra artificialidade. Nós estamos é tentando olhar as coisas como são. Então, a gente vai começar
de como a mente comum opera olhando as coisas. Assim, estamos agora olhando como que a mente
olha!!! E, quando a gente olha como que a mente olha, então a gente descobre a própria mente,
como que ela funciona!!!!! A gente pensa que a mente apenas olha as aparências. Mas aí a gente
descobre que a mente, de modo oculto e não visível, produz de modo coemergente as próprias
aparências que ela olha!!! A coisa é mais complicada! Nós estamos estudando e vendo isso! No
entanto, a gente reage. Um pouco a gente entende, e um pouco não entende, mas aí a gente vai indo.
O nosso objetivo nisso é que primeiro a gente vê esse aspecto sobre a realidade ao redor, ou seja,
nós olhamos as aparências. A gente poderia dizer: “As aparências são vazias!” A gente pode
entender que as aparências são vazias, mas depois a gente precisa entender que elas são
coemergentes, pois se elas são vazias então depois vem a pergunta: “Mas então como é que elas
surgem?” E aí a gente vê que elas surgem de modo coemergente. Mas aí tem todos os outros tipos
de validação de como aquela realidade fosse sólida. E então a gente tem que atravessar isso. Depois
a gente precisa entender isso em geral, e não somente como um ponto ou outro ponto, um exemplo
ou outro exemplo. Quando a gente entende isso em geral, pode então surgir a pergunta: “Mas como
é que essas aparências surgem se elas não são? O que é que produz?” Aí nós vamos entender a
luminosidade da mente. E a gente se pergunta: “Como é que opera mesmo a luminosidade da
mente? Como é que é isso?” Aí nós vamos entender a originação dependente, que a originação
dependente está incessantemente operando, e que isso é o aspecto mais fundamental em nós!!!!! Na
sequência, podemos ainda nos perguntar: “Mas se isso é o aspecto mais fundamental em mim, então
nos outros como é que é” E aí a gente vê que em todos os seres é assim! E também que não há
separação efetiva entre os seres!!! Nós construímos as separações, mas elas de fato não existem. Aí
nós vamos entender como é que essa mente muito ampla está operando, que é a Clara-Luz não mais
individual, a Clara-Luz Filha, mas sim a Clara-Luz Mãe. Então, nós estamos olhando por esse
trajeto. Se nós estivermos, por exemplo, em Bloco 3, então já estamos olhando esse aspecto:
estamos olhando como é que a mente, além pessoalidade, está operando; como é que os Budas estão
operando, como é que se dá esse funcionamento todo; nós estamos baseados nisso, estamos
baseados em Sambogakaya. Aqui, nós estamos olhando a partir de Nirmanakaya, que é o aspecto
grosseiro, e de Rupakaya, que é o corpo de forma, o corpo ilusório. Nós temos a sensação de que as
coisas são externas, de que tem uma matéria externa que compõe as coisas. Nós estamos com esse
processo. Mas aí, nós vamos olhando etapa por etapa, e nós vamos fazendo essa transição do olhar.
E aí nos vamos reconhecer que isso é operativo. A gente vai descobrir, usando uma linguagem da
Física, que tem outros graus de liberdade no funcionamento das coisas, e não apenas aquilo que a
gente usualmente imagina. Tem outras coisas operando. E aí a gente descobre outras formas de lidar
com as coisas, e vai indo. Então, nós estamos fazendo esse trajeto. Assim, a gente precisa de
paciência para ir olhando esses vários itens. Nós estamos usando a mente lógica porque a mente
lógica é a mente desse lugar. Se usarmos uma outra mente que faz assim Pluft!, aí a pessoa vai
dizer: “Ah, isso não!” Então, a gente precisa usar a própria mente comum e usá-la para contemplar
as coisas, pois nesse momento é a mente comum que nos dá segurança. Então, nós vamos seguir
pela mente comum e vamos seguir também olhando como que a própria mente comum opera. E aí
nós vamos ultrapassando e vendo aspectos mais sutis. Esse é um processo delicado. O Lama
acredita que mesmo que ele explique a gente acaba esquecendo. Mas, tudo bem. A gente esquece,
mas daqui a pouco lembramos de novo; e o Lama explica de novo e de novo e de novo. No entanto,
um ponto importante é que quando nós olhamos alguma coisa, inevitavelmente nós estamos em
uma posição interna que nos permite ver as coisas. Então, quando nós vemos as coisas, nós não
apenas vemos as coisas externamente, pois tem uma contrapartida, tem uma inseparatividade entre
o que estamos vendo e o aspecto interno que não estamos vendo!!! Os Budas atuam a partir daquilo
que se chama de Vajrasana, que é o Assento Vajra. Esse é o nome que se dá para isso. O Assento
Vajra é a própria vacuidade, é o lugar secreto de onde eles olham tudo. Quando eles olham com
esse olhar, então eles vêem as coisas como são!!!!! Então, Vajrasana é o lugar que não tem
condicionamentos dentro. Cada um de nós olha a partir de um assento próprio. Então, aonde esse
acento está a gente vê a paisagem de um certo jeito. Isso é inevitável, mesmo na filosofia
contemporânea. Wittgenstein, por exemplo, vai trazer essa visão clara. Outros grande autores da
Filosofia também examinaram isso e viram como a nossa percepção da realidade está na
dependência do lugar a partir do qual nós olhamos. Esse lugar é um lugar sutil, não é um lugar
físico. Mas tem essa contrapartida, e usamos essa noção de lugar como se fosse um lugar físico,
essa linguagem, porque essa também é a nossa experiência. Em cada posição que estamos na sala
do templo, nós vemos as coisas de um certo jeito. É inevitável! No entanto, tem um lugar que não é
um lugar!!! Isso é Vajrasana pois, quando se está ali, se olha sem condicionamentos e se vê como
que os condicionamentos estão operando nos vários ambientes, não ficando condicionado àquela
posição. No exemplo do koan de inspirarmos & expirarmos até percebermos que tem algo parado
atrás, podemos pensar assim: temos bolhas e outras bolhas e outras bolhas, e depois de tanto pular e
transmigrar de bolha para bolha, acabamos descobrindo que tem algo parado atrás. Todas as bolhas
têm referenciais bem claros, e são esses referenciais que configuram a aparência da bolha!!! Sem
aqueles referenciais aquilo não aparece!!! Além disso, sem aqueles referenciais, a linguagem e a
forma de as pessoas conversarem entre elas não fazem sentido!!!!! Ela fica tão difícil de entender
como visitarmos pessoas que estão operando em outros universos culturais e entendermos porque
que eles fazem isso ou aquilo! Então, quando nós estamos imersos numa visão própria, então brota
um bolha e as bolhas não se entendem muito bem. As visões dentro de uma bolha não conseguem
dialogar muito bem com as visões de outras bolhas. Isso é uma coisa bem delicada, super delicada,
e super importante na Educação, na Psicologia, no Direito, na Medicina e nas várias áreas. Isto
porque as nossas diferentes manifestações dependem das bolhas e das paisagens onde nós nos
sentimos. Então, isso é muito extraordinário! Assim, estamos olhando desse modo, estamos
estudando como que as bolhas operam, como que as paisagens operam, como que os propósitos
operam, e aí vamos descobrindo que mesmo que a gente salte e transmigre de uma bolha para outra
e de uma bolha para outra, nunca vamos encontrar uma bolha que seja final. Mas, há essa condição
que está além das bolhas, essa condição do espaço além das bolhas, e a gente vai terminar
descobrindo que esse lugar é sem condicionantes (como ao inspirarmos & expirarmos descobrimos
que há alguma coisa atrás). E desse lugar, podemos ver as bolhas uma por uma, e dizer: "Quando eu
tinha 5 anos de idade eu vivia essa bolha, aos 10 isso, aos 15 aquilo, aos 20 aquilo...” Assim, a
gente vai vendo diferentes etapas da nossa vida que traduziram bolhas específicas. Aquilo era
visível: a pessoa tinha propósito, tinha energia, tinha visão de mundo, tinha identidade, tinha tudo;
aquilo estava tudo muito claro. O Lama lembra perfeitamente o período em que ele estava na
universidade e pensava: “Eu nunca vou sair daqui! Aqui é um bom lugar! Gosto de pensar, gosto de
organizar coisas, gosto de estar junto com outras pessoas, e eles ainda me pagam para isso! E ainda
tenho férias, vou pra lá e pra cá, pagam passagem de avião pra lá e pra cá! Isso é um bom lugar! Eu
não vou sair daqui!” Mas aí aquilo vai indo, indo e indo. E aí o que acontece é que tem um
momento em que a gente olha de um outro jeito. O jeito que o Lama olhou foi que os alunos do
Lama na universidade eram por 4 meses, meio rápido assim. E depois não se vê mais eles, eles
seguem suas vidas. Aí o Lama já tinha vários alunos fora da universidade e eles estavam dedicados
àquilo, um semestre depois do outro, não tem fim de semana, não tem nada, eles estavam dedicados
estudando e meditando. Assim, o Lama pensou: “Eu tenho que dedicar a minha energia à isso!” Aí
teve um dia em que o Lama pediu demissão. Aquilo andava tão rápido que o Lama nem sentou. O
Lama pediu demissão em pé, e foi!
● (30:20) Então, isso são as bolhas, aquilo vai mudando, a gente configura as coisas de um jeito. E
nós podemos olhar a nossa própria vida assim, ou como o Buda que olhou para atrás e viu todas as
vidas dele para trás. Tá certo que isto depende do detalhe. Mas, se cada um de nós olhar para trás,
vamos nos lembrar de todas as nossas vidas se a gente simplesmente pensar que a gente apenas
transmigrou de uma coisa para outra. Não precisamos de detalhes para aonde a gente transmigrou.
Nós transmigramos o tempo tempo! É isso! Tem uma consciência ilusória transmigrando e
buscando alguma coisa! E então nós vagueamos por todas as bolhas. Mas, ainda assim tem alguma
coisa livre das próprias bolhas, e que num certo momento a gente para e pode ver que tinha essa
bolha, aquela bolha, etc!!! Quando nós conseguimos ver as bolhas de forma realmente livre, é
porque nós estamos fora das bolhas!!! Então, enquanto nós estamos estudando aqui, nós estamos
fazendo um movimento que é mais importante do que a própria contemplação, o estudo e os
conteúdos que possam aparecer. Na verdade, o que nós estamos fazendo é recuando em direção à
essa área livre!!! Quando nós estamos olhando uma bolha e outra bolha e outra bolha, o conteúdo
dessas bolhas não importa. O que importa é assim: para podermos ver as bolhas, temos que estar
fora das bolhas, pois senão a gente não consegue ver que aquilo é uma bolha!!! Quando estamos
dentro, aquilo parece uma realidade como, por exemplo, o templo aqui; o lugar onde estamos parece
uma coisa real. Para podermos ver aquilo como bolha, temos que internamente estar num lugar fora
da bolha, pois senão não conseguimos ver. Aí, nós treinamos isso, e terminamos encontrando esse
lugar que está fora das bolhas, que é o que importa, que é o lugar de onde os budas olham!!! Ao
olharmos a partir desse lugar, então repentinamente não precisamos agora ficar olhando muitas
bolhas: para aonde a gente olha, a gente vê que se trata de bolhas, de visões desse tipo. No entanto,
precisamos fazer essa prática! Isso é uma transição que vai acontecendo! E aí o olhar muda! E muda
por que? Não é que os olhos mudam, mas sim que os olhos vêem a partir de um outro lugar!!! Esse
outro lugar é um lugar não construído! E aí vira Prajnaparamita! Quando nós olhamos assim, então
nós podemos dizer: (1) é vazio; (2) é vazio, mas está aí; (3) é vazio, está aí, e opera; (4) é uma
aparência inseparável da luminosidade da mente, e aí nós começamos a olhar a luminosidade da
mente como um atributo desse espaço livre, e estamos mergulhando em Guru Yoga, começando a
entender como que a mente fundamental opera. Mas, agora, nós estamos nessa etapa: nós
procuramos uma aparência e começamos a trabalhar com isso, que é onde nós estamos. Ontem a
gente começou olhando o ensinamento de Maitreya, Asanga e Vasubandu, em que tem essa
afirmação: “Isso é, isso não é, isso é”. A gente olhou isso. Depois, nós trouxemos a noção de
coemergência, e começamos a olhar assim: as diferentes aparências coemergem com a mente. Aí a
gente viu que as aparências também possuem uma energia associada: tem uma aparência (um
forma, por exemplo) e tem uma energia. E aí a gente viu que tem uma causualidade, ou seja, as
aparências têm uma conexão causal. Aí a gente viu que tem uma visão estratégica: o Lama usou o
exemplo de como a visão estratégica surge no jogo de xadrez. Aí tem também uma identidade que
surge: nós temos soluções e visões que aparecem e que se repetem, e nós associamos isso à uma
identidade. Aí tem outros itens que não ficaram tão claros. Por exemplo, tem uma noção de
propósito: nós estamos dentro da bolha e estamos operando com um propósito, ou seja, nós estamos
num ponto e queremos chegar num outro ponto. Tem uma noção de coerência também: estamos
operando dentro de uma visão, e devemos ser coerentes, ou seja, nós não vamos andar para cá e
depois andar para lá; nós vamos andar seguindo uma coerência. Tem também a noção de urgência:
não importa se isso é real ou não, mas agora nós vamos salvar tais coisas, e salvamos aquilo. Tem
também a noção de linguagem ou comunicação: uma coisa que respalda muito a noção de realidade
é o fato de perguntamos para uma outra pessoa “O que é que você acha?”, e a outra responde “Eu
acho isso também. É assim”. E aí nós temos a sensação: “O Buda viajou! A coisa está aqui. Nós
estamos nos comunicando aqui, está todo mundo de acordo e entendendo!” Isso é o que algumas
visões chamam de intersubjetividade, ou seja, tem uma subjetividade que é compartilhada, e então
ela dá uma sensação de algo objetivo e concreto. Um exemplo disso é irmos a um estádio de
futebol. Aquilo é uma fantasia que se torna totalmente real através desse efeito da
intersubjetividade. E aí nós vamos olhando as coisas uma por uma. O Lama também trouxe os
exemplos da moda e do design, que são intersubjetividades flutuantes. O design é interessante numa
época, mas daqui a pouco aquilo fica retrô. E aí, por ser retrô, volta. As coisas não prendem a
mente, mas sim produzem uma energia. Quando as coisas produzem uma energia, então a nossa
atenção vai naquela direção. Por exemplo, se botarmos dois brincos é uma coisa, mas se botarmos
só um brinco, então é outra coisa, pois não temos uma prisão na simetria. Assim, começamos a
perceber esse efeito interno e externo, como que a gente constrói as coisas, como que a energia se
move, como que tem uma coemergência. Aí percebemos que o universo inteiro vai operando assim:
as coisas todas têm essa característica. O ponto central aqui é a palavra coemergência, a
compreensão da coemergência. Aí a gente continua olhando as mentes das pessoas: a gente vê que
têm pessoas que operam com bolhas estáveis, são as pessoas confiáveis, elas operam em Bloco 0 +
Faixa 2, são as pessoas organizadas. Mas, nós vamos encontrar também pessoas que estão no meio
de uma bolha e então saltam para outra com a maior facilidade, ou então elas operam em borbulhas,
que nem é muito uma bolha; elas estão fazendo uma coisa e vão pensando numa outra coisa, tudo
junto assim. Para olharmos as borbulhas com cuidado, é assim: a pessoa faz uma coisa, mas
enquanto ela faz ela deixa um resíduo na mente. A pessoa então se confunde com esse resíduo, e
desse resíduo ela cria uma outra direção. Por exemplo, nós (“pessoas confiáveis”) fazemos coisas
segundo uma bolha e um propósito: aparecem coisas, mas aquilo em princípio não deveria desviar
do caminho. Já as pessoas que estão operando de modo borbulhante, elas se movem um pouco e
esquecem o que estavam fazendo porque surge uma experiência no meio, a qual produz um outro
impulso e então a pessoa transmigra com a maior facilidade para uma outra bolha. As crianças têm
esse aspecto. Essas são as borbulhas: nós vamos fazendo alguma coisa e pensamos “Sigo ou não
sigo? Agora eu vou fazer outra coisa”. Então, nas ações brotam imagens, e essas imagens se
transformam em referenciais para outras ações e, assim, a gente perde o curso principal. É como
alguém assistindo uma aula de matemática, e daqui a pouco está pensando no final de semana: a
pessoa se distraiu, ela andou para outra direção. Deveríamos perceber que, nesses exemplos, sempre
há originação dependente e coemergência atuando!!!
● (45:05) Aí, nós olhamos também como que essas bolhas se manifestam nos 6 reinos (deuses,
semideuses, etc), nos 6 bardos (vida, sonho, meditação, morrer, pós-morte e renascer); olhamos
como que isso está operando. Olhamos, ainda, como que essas coisas acontecem na Ciência e nos
jogos de tabuleiro. Assim, nós vamos olhando os múltiplos exemplos. E vamos olhando também os
12 Elos: como é que um elo dá origem ao outro elo, que dá origem ao outro, e como que aquilo vai
indo, como que isso funciona.
● (45:55) Quando nós contemplamos esse variado conjunto de experiências e compreendemos a
coemergência, então a gente chega ao Item 3, que é contemplar o aspecto vazio. No Item 3, a gente
diz: “Não há aquilo dentro”. Isto significa que, se não tivermos um templo interno, então a gente
não vê o templo no templo. E aí segue: se não tivermos tal coisa (dentro), então não vemos tal coisa.
Desse modo, as coisas não estão nas coisas, ou seja, as coisas não estão nas aparências, não estão
nos objetos, não estão em rupa, não estão na forma, mas sim as coisas brotam coemergentemente.
Assim, não estão na forma. Esse é o aspecto vazio: não há aquilo naquilo!!!
● (47:00) Depois, a gente passa para o Item 4: percebemos o aspecto luminoso ou coemergente, ou
seja, tem aquilo naquilo. Isto significa que não é que tem (aquilo) de modo absoluto mas, por
exemplo, quando chegamos aqui, é inútil dizermos que não tem um templo aqui dentro. Aí dizemos:
“Não tem, mas tem! Tem um templo aqui dentro.”
● (47:30) Aí nós entramos no Item 5, que é o aspecto conjunto: (o aspecto) vazio e (o aspecto)
luminoso; ou seja, é na forma que o vazio se manifesta. Aí brota a Sabedoria Primordial, a mente do
Dharma do Buda, Tathata. Então, a gente vê a dupla realidade: ainda que não tenha isso aqui, tem
isso aqui. Não existe templo algum que não surja desse mesmo jeito, ou seja, por coemergência.
Nada deixa de surgir senão por coemergência. Então, a forma depende da vacuidade, e a vacuidade
depende da forma; elas estão juntas. A forma é um atributo da vacuidade, e a vacuidade é um
atributo da forma; elas são totalmente inseparáveis!!! Esse é o Item 5. No entanto, precisamos
contemplar isso! E, para contemplarmos, temos que começar duvidando. Esse é o método que o
Lama sempre utilizou. Ao invés de o Lama pensar “Isso deve ser assim”, ele pensava
“Provavelmente isso não é assim”. E então o Lama tentava encontrar um argumento que se opõe
àquilo. Esse é o método de Nagarjuna: quando ouvimos os ensinamentos, ao invés de nos filiarmos
a eles, a gente se opõe aos ensinamentos. O método mais fácil de avançarmos nos ensinamentos é se
opondo. A gente se opõe e, enquanto a gente consegue se opor, então é porque a gente não entendeu
totalmente. Enquanto a gente encontra exemplos em que aquilo não é, nós estamos reforçando a
visão. Aí, quando a gente enfim descobre que aquilo é, então a gente tem uma super convicção, e
aquilo fica muito claro para nós. O Lama acredita que este seja um bom exemplo: ao invés de a
gente acreditar, a gente se opõe. Por exemplo: contemplamos o aspecto vazio, não tem aquilo
dentro. Pensamos: “Não! Tem aquilo dentro!” E aí a gente vê que é coemergente, não tem aquilo
dentro: se não tiver dentro do observador, então não tem aquilo no objeto. Aí nós percebemos o
aspecto luminoso e coemergente, e pensamos: “Mas tem aquilo dentro! É claro que tem! Todo
mundo está vendo! Aquilo é óbvio! É claro que está ali!” Aí a gente descobre que se olharmos para
aquilo e mudarmos o aspecto interno, então a gente vê de um outro jeito! Está cheio de exemplos
disto. Por exemplo, antes um toca-disco era uma coisa super boa. Mas tem um hora que aquilo ficou
velho. E hoje, aquilo seria uma raridade, cult, uma coisa retrô maravilhosa. Assim, a coisa muda.
Por que? Por que o olhar muda. Aquilo é coemergência. Aquilo está morto, mas ressuscita. Por que?
Porque é tudo coemergente. A gente diz: “Aquilo passou, ficou velho, acabou.” Então, as coisas
dependem da coemergência, dependem do olho que a gente olha. Assim: aquilo é, não é, e é.
● (53:20) Aí vem o Item 6. De um modo geral, a gente trata essas coisas no aspecto cognitivo, e não
no aspecto de energia. Mas precisamos colocar isso (o aspecto de energia). Por que? Porque
podemos dizer: “Não me importa se isso é ou não é, pois eu sinto com o meu coração”. Essa coisa
do coração é a energia. O coração também não é muito confiável: do mesmo modo que vai para um
lado, vai para o outro lado também, e a gente também não entende como é que essa coisa funciona,
e não só em nós como nos outros também. Então, é super importante contemplarmos a energia. Por
que? Porque a energia dá um significado e um referencial para as nossas ações. Podemos dizer:
“Isso deveria ser assim, eu entendo. Mas a minha energia não é para isso. No fundo do meu
coração, eu não quero isso. Eu quero uma outra coisa”. Para o bem ou para o mal, o coração existe.
Essa coisa de manobrar o coração é super complicada. É importante entendermos que há
coemergência: o coração, ou seja, a energia, coemerge com o referencial atrás. Por exemplo, isso é
bem assim na hora de dar comida para as crianças: a realidade e o coração coemergem rapidamente.
E é muito comum os adultos fazerem chantagem, dizendo: “Se você comer nabo, então eu lhe dou
tal coisa”. Aí é incrível como a mente muda e a energia muda. Isso é muito inacreditável! Então,
nós contemplamos a energia. A gente deveria entender a vacuidade contemplando os 5 lungs. Por
exemplo, a gente olha um objeto e o objeto aparece dentro da bolha. Agora, ao olharmos o objeto, a
característica principal do objeto é a energia, ou seja, o objeto move a nossa energia numa certa
direção. Por exemplo, se pegarmos um cubo mágico e aparecer a vontade de ficar brincando com
aquilo, então devemos contemplar o cubo em termos do: éter (o éter se estreitou, virou um foco
estreito), ar (o ar mudou, a nossa respiração não é mais a comum, ficou mais curta e rápida), fogo
(dependendo como for, o fogo também é alterado), água (a água enrijeceu, se foi, pois estamos
operando segundo um script), e terra (a terra ficou um terra incerta, pois ficou na dependência dos
resultados daquilo). Aí vemos isso direitinho. Podemos então colocar o cubo mágico de lado e
repousamos: abrimos o éter, respiração equilibrada, calor uniforme no corpo, água é a não tensão,
equilíbrio (terra). Aí, desse ponto, olhamos de novo a brincadeira com o cubo mágico, e
descobrimos que estávamos super crispados numa coisa limitada. Então, aqui, não é o conteúdo,
mas sim o movimento da energia. Assim, descobrimos que dentro da relação com os objetos brota a
coemergência, e essa coemergência se manifesta com os 5 lungs. Ainda que a coemergência
manifeste os 5 lungs, não tem substanciabilidade no objeto; aquilo brota por coemergência; não é o
objeto, mas sim a coemergência. Podemos agora voltar a olhar o objeto com os 5 lungs
equilibrados, e aí o objeto tem uma outra característica.
● (59:00) Aí nós vamos para o Item 7. Vemos como a multiplicidade das experiências, a qual
parece ser algo existente em si mesmo, brota desse movimento da mente a partir da coemergência.
Então, tem uma magia nisso!!! E aí, de novo, a gente percebe que a própria causualidade que surge
nisso pertence a esse processo, à essa magia.
● (59:45) Aí vem o Item 8, e a gente sorri!!! Sorrir significa que não encontramos o monstro, e
agora estamos sorrindo pelo processo pelo qual as coisas acontecem. A gente olha para as coisas
agora e tem uma expressão para isso (Natureza Vajra). A gente não nega a aparência das coisas, e
chamamos isso de Natureza Vajra. As coisas tem a natureza vajra, as coisas tem uma aparência
vajra. Essa é a prática de oferenda das aparências ao Buda Primordial, oferenda a Samantabhadra.
Então, a gente vai fazer essa prática: a gente olha uma aparência e oferece para Samantabhadra. A
gente vai olhando para tudo e se admira. Por que para Samantabhadra? Porque Samantabhadra
representa esse espaço livre da mente, aquilo que não se move atrás, como o céu. Então a gente vai
olhando isso. Aí nós vemos que a substanciabilidade do samsara não é propriamente o que a gente
pensa, mas sim o movimento da energia. Então: “Diante da energia que brota da forma vazia e
luminosa, eu sorrio!” E assim a gente sorri. Esse sorriso é o que quebra a fixação. Esse é o Item 8.
● (1:01:45) Desse modo, são 8 Pontos (Itens). O ponto mais importante disso é que quando
percebemos esses aspectos é porque a gente migrou para um lugar da mente livre dos próprios
condicionantes que fazem as bolhas aparecerem como tais. Por exemplo, se a gente olhar um jogo
de xadrez com o olho do jogador, então nós já ficamos presos. Mas, a gente pode olhar o jogo e
entender como é que aquilo tudo faz sentido na mente do outro, como que poderia fazer sentido na
nossa mente e como é que a nossa energia se moveria; a gente olha aquilo tudo. Quando a gente
olha assim, então é porque nós não estamos dentro da bolha. Nós vamos olhando as bolhas uma por
uma, mas sem estar dentro delas. Então, o que é que nós verdadeiramente estamos treinando? Nós
estamos treinando esse lugar que não adquire as características dos referenciais das bolhas. Existe
uma inteligência que é assim: a gente trata de ver a bolha e pular para dentro. Mas existe uma
inteligência em que a gente vê as bolhas mas não pulamos para dentro. A gente treina não pular
para dentro!!! Esse é o Prajnaparamita!!! Prajnaparamita é essencialmente treinar poder ver sem
pular para dentro da bolha, sem ser arrastado para dentro da bolha. Então, o que é que resulta de
lucro para nós? Resulta esse lugar que não é abalado pelas bolhas. Nós vamos utilizar esse lugar que
não é abalado pelas bolhas para fazer a meditação seguinte: nós vamos repousar sobre esse lugar
não afetável pelas bolhas. Nós vamos chamar isso de Meditação da Presença. Por que? Porque essa
condição está sempre presente. É aquilo que está sempre presente. Não tem como fazer Meditação
da Presença se a pessoa não treinar isso antes. A Meditação da Presença não é uma outra bolha na
qual criamos uma bolha de estabilidade e mergulhamos nela, mas sim um lugar fora das bolhas!!!
Se começarmos a fazer instruções pondo as pernas assim, os olhos assim e isso assim, então nós
estamos construindo uma bolha. A meditação não é o foco da aparência da mente que vamos
estabilizar, mas sim o aspecto que está atrás. Como é que podemos trabalhar esse aspecto que está
atrás se não vemos ele? Ele não é um objeto que podemos olhar. Então isso a gente trata de modo
indireto: nós vamos olhando as bolhas e nos livrando das bolhas; e, se nos livramos das bolhas,
então é porque estamos nesse lugar. E, quando conseguimos estabilizar esse lugar, o qual está fora
das bolhas, sabemos que estamos fora das bolhas porque vemos as bolhas como algo coemergente e
vazio. Se conseguimos ver em todas as direções as coisas coemergentes e vazias, então é porque
estamos nesse lugar que não está envolvido pela bolha. E, agora, paramos naquele lugar: isso é a
Mãe Darmata; isso é a Meditação da Presença inseparável da Mãe Darmata; é o lugar de onde a
lucidez brota; é o lugar de onde a sabedoria do Prajnaparamita brota!!! Mas é difícil explicar isso, é
super difícil. E é inútil explicar se a gente não praticar. É totalmente inútil, mas tudo bem. Se a
gente não pratica, o que é acontece? Nós estamos dentro das bolhas transmigrando para outras, e
transmigrando para outras. Isso é dukkha. Isso é o que em português nós vamos chamar de
sofrimento. O Buda se levantou e veio aqui para nos ajudar a sair de dukkha, ou seja, sair da
limitação de um mundo aparentemente sem sentido, pois saímos de uma bolha e vamos para outra
bolha e depois para outra bolha, e essa coisa não termina!!! As bolhas só aumentam!!! Nós estamos
numa inflação de bolhas: tem bolha para tudo que é lado, de todo o jeito e de todas as cores. E a
gente segue tentando administrar os funcionamentos pela manipulação das aparências. Como a
gente desenvolveu muitas habilidades nisso, nós estamos olhando tudo ao nosso redor como
recursos para a mudança da nossa mente. E a gente nem percebe que é isso. Nós mudamos a cor das
coisas, mudamos a aparência das coisas para a nossa mente ter um brilho fugaz. E, quando aquilo
cessa, a gente desmancha tudo e faz uma outra coisa. Nós estamos condenados como seres
famintos, como escravos, a fazer isso. Aí nós vamos mudando tudo, desmanchando tudo e causando
o maior problema, afetando as outras vidas e afetando tudo. Isso é um sintoma natural da condição
que nós estamos vivendo. A destruição ambiental é uma condição natural disso.
● (1:07:40) Na sequência dos 21 Itens, nesse ponto tem uma descrição que é “Indo ao Ponto
Último”. Podemos olhar tal texto e o contemplar. E tem também uma instrução de meditação de
Guru Rinpoche chamada de “Seis Selos”, que agora o Lama incorporou nas práticas diárias da
sadana. Então a gente recita isso. Isto está na página 8 da sadana. Esses “Seis Selos” são muito
parecidos com esse roteiros de 8 Itens. Isso é uma instrução de meditação de Guru Rinpoche para
localizar a Mãe Darmata em meio à vida. Então, ele diz “Dê às aparências o selo da vacuidade”: nós
olhamos para as coisas e vemos a vacuidade. Novamente, nós começamos com as aparências. E
poderia ser assim: “Localize as aparências que você vai praticar. Dê a elas o selo da vacuidade.” O
“selo” significa que, uma vez que você olhou isso e reconheceu como vacuidade, não esqueça
mais!!! Isto significa o “selo”. Uma vez que você entendeu as aparências como vacuidade, não
perca mais isso. Isso é o “selo da vacuidade”. Aí, a frase seguinte é “Sele a vacuidade com as
aparências”: perceba que a vacuidade é uma característica das aparências. A vacuidade não faz
sentido se não estivermos falando das aparências. Depois “Sele ambas com a não dualidade de
aparência e vacuidade”: do mesmo modo que não tem como aparecer um objeto senão pela
luminosidade da mente (e o surgimento dele atesta que ele é vazio), a qualidade de ser vazio é um
atributo dos objetos que surgem naturalmente como uma expressão luminosa. Não é que a
vacuidade seja alguma coisa em algum lugar, mas sim que a vacuidade é um atributo da
característica daquilo que olhamos separativamente como se fosse existente. Olhamos o templo
aqui, e o templo é vazio, e encontramos a qualidade da vacuidade no templo. Mas, se não tivermos
nenhum objeto, então não conseguimos falar sobre vacuidade daquilo. Então, a vacuidade é uma
característica daquilo que surge. Assim, elas são inseparáveis. Aí, “Sele ambas com a não dualidade
de aparência e vacuidade”, ou seja, aparência e vacuidade são inseparáveis. Em seguida “Sele essa
não dualidade com a grande bem-aventurança”: isso seria sukkha em sânscrito, ou seja, é a
felicidade dos budas; eles olham com esse olhar e vêem como que surge esse tecido extraordinário
da realidade. Depois “Sele a grande bem-aventurança com a ausência de pensamentos”: essa
ausência de pensamentos é a ausência de referenciais condicionados na base. Por fim “Dê à
ausência de pensamentos o selo do imutável darmata”: o imutável darmata é essa condição
incessantemente presente, sem conteúdo, mas viva.
● (1:13:20 até 1:28:00) Aí, Guru Rinpoche vai explicar isso nos 5 bardos: da vida, do sonho, da
meditação, da morte e do renascer. Então, “Reconhecer a esfera absoluta (ou seja, Darmata, a Mãe
Darmata) durante o bardo desta vida, como uma criança perdida reencontrando sua mãe”: nós
estamos em meio ao mundo transmigrando de um lado para o outro. Nós estamos perdidos, mesmo
que a gente não entenda que estamos perdidos. E nós vamos transmigrando. Aí, num certo momento
a gente descobre a esfera absoluta incessantemente presente. Está lá, sempre esteve, e é a base para
o próprio surgimento das aparências. Então, nós estamos procurando esse apoio verdadeiro, e a
gente encontra. Assim, nós vamos dizer que isso é a Mãe Darmata. E nós temos essa alegria como
uma criança perdida que encontra a sua mãe. Então, essa é a nossa prática, isso é o yogi do
cotidiano. Guru Rinpoche explicou em duas linhas o que é que nós fazemos em meio à vida, o que é
que é a prática budista: é reencontrar a Mãe Darmata, é reencontrar a realidade das coisas. Aí vem o
segundo, “Esclarecer o que não estiver claro ao reconhecer a natureza durante o bardo do samadhi
(ou seja, o bardo da meditação) como uma garota vaidosa olhando para um espelho”: estamos
sentados em meditação e, nesse âmbito, a meditação é clarificar aquilo que estiver confuso com
respeito à nossa natureza, ou seja, à Mãe Darmata. “Como uma garota vaidosa olhando para um
espelho” significa que ela está encontrando as características que já estão ali: ela está diante do
espelho olhando as características que estão ali, que sempre estiveram. Aí ela encontra as
características e ainda gosta daquilo, ela acha aquilo interessante. Então essa é uma garota vaidosa.
Agora nós estamos ali olhando e reconhecendo essa natureza extraordinária sempre se manifestando
em nós. É como se enfim a gente tivesse descoberto que o nosso nariz é lindo; nós estamos olhando
ali no espelho e achando aquilo maravilhoso. Por que? Porque nós já temos isso e aí nós estamos
encantados na meditação, estamos achando aquilo o máximo que essa natureza está presente. É
extraordinário isso! Então, a prática da meditação nesse nível é Guru Yoga, porque a Mãe Darmata
é a essência de Guru Yoga, é a essência de todos os budas. Depois vem o bardo do sonho. Durante o
bardo do sonho nós fazemos que prática? Se nós não estivermos totalmente obscurecidos pelas
bolhas que brotam, as quais são o próprio sonho... Se a gente estiver praticando durante o bardo da
vida e durante o bardo da meditação, então é muito possível que essa lucidez migre para dentro do
sonho. Então, nós podemos fazer práticas dentro do sonho. Aí vem, “Conectar as tendências
habituais [com o samadhi] durante o bardo do sonho, como o fluxo de um rio”: as tendências
habituais são os impulsos cármicos que produzem a aparência do sonho. Então, nós vamos buscar
conectar as tendências habituais com o samadhi, ou seja, uma vez que as tendências habituais se
apresentam (e elas se apresentam porque aquilo não está claro, aquilo está operando carmicamente),
devemos então localizar o aspecto cármico que aflora e tentar fazer o mesmo que fazemos na
meditação, isto é, esclarecer o que não estiver claro, reconhecendo a natureza primordial como uma
garota vaidosa olhando para um espelho. Assim, durante o bardo do sonho, sorrimos para o que
aparecer, vendo isso como uma manifestação luminosa da própria natureza primordial. Agora,
quando surgir a morte, a gente tem um apagamento. Esse apagamento é semelhante ao apagamento
do sono. O apagamento do sono é um estado condicionado: se as coisas passam de um certo ponto,
nós produzimos voluntariamente um apagamento. O apagamento da morte também é assim, não é
um estado de relaxamento, mas sim um estado de sonho da morte. Então a gente sonha: as
experiências são tão aflitivas que a gente interrompe as experiências, e aí tem um apagamento, a
mente tem um apagamento. Num certo momento, a mente ressurge, como um reboot. Aí, aquilo
resseta e começa a aparecer novamente a tela (das aparências). Mas aí, a gente se dá conta de que
isso é coemergente, isso é produzido pela Mãe Darmata!!!!! Assim, a gente tenta reconectar como
alguém que reconecta um cano quebrado: nós tínhamos uma mente que estava operando lúcida na
vida e no sonho, e agora a gente conecta de novo. Pensamos: “Uau! É a mesma coisa!!!” Então,
“Continuar a experiência (de lucidez) durante o bardo do nascimento e da morte, como reconectar
um cano de água quebrado”. E aí, nós estamos nesse bardo pousados num galho. Mas, de repente,
vem a consciência de que estamos no bardo do vir a ser, ou seja, nós estamos parados assim
pensando: “Para aonde que eu vou?” Esse é o bardo do vir a ser. Quando estamos no bardo do vir a
ser se aprontando para transmigrar em direção à uma existência com corpo, nós estamos nos
conectando com o carma residual, ou seja, com a base cármica que é presente e que dá a sensação
de identidade. Mas, quando nos conectamos com o carma residual, devemos novamente ver que
isso é a base que produz a aparência diante de nós!!!!! Novamente devemos ver isso como
manifestação da Mãe Darmata. E isso é como ascender uma lâmpada num quarto escuro. A gente
está pronto para fazer aquele movimento, mas então a gente se dá conta de que aquilo é um
manifestação coemergente da luminosidade da mente, e aí a gente vê esse aspecto. Aí nós
clarificamos o processo do bardo do vir a ser. Então, aqui tem 5 bardos, começando pelo bardo da
vida, que é o mais importante, é o bardo aonde nós estamos agora. Então, durante o bardo dessa
vida nós buscamos a reconexão com a Mãe Darmata, como uma criança perdida reencontrando sua
mãe. Agora, se estivermos no bardo da meditação, o que é que estamos fazendo? Estamos tentando
fazer o mesmo. Por estarmos no bardo da meditação, podemos vasculhar e reconhecer através das
múltiplas experiências o que é que estamos olhando que não tem clareza, que não tem lucidez.
Estamos trabalhando com isso: pegamos uma aparência, depois outra e depois outra, e vemos o que
é que não tem lucidez. Aí vamos olhando esses vários elementos e tentamos ver a Mãe Darmata
produzindo essa experiência!!! E, quando encontramos a Mãe Darmata produzindo essa
experiência, nos alegramos como uma garota vaidosa se olhando no espelho e encontrando essas
características extraordinárias. Durante o bardo do sonho, nós estamos dominados por tendências
habituais, dominados por estruturas cármicas; nós estamos dentro de uma bolha, sonhando. Uma
imagem do sonho produz outra imagem, que produz outra imagem, e a gente vai fluindo no meio
daquilo. E, agora, o que é que nós vamos fazer? Nós vamos reconhecer essas tendências habituais a
partir da própria experiência da meditação. Então, nós estamos no bardo do sonho, mas
conseguimos meditar dentro do sonho, reconhecendo aquilo como a Mãe Darmata. Mas, se nós
morremos, então a gente tem esse apagamento, o qual é um estado condicionado. Num certo
momento, esse estado condicionado migra para outro onde as imagens começam a aparecer
novamente. Quando essas imagens aparecem, então a gente reconecta com a lucidez da própria
prática de samadhi, que conecta ao reconhecimento da natureza primordial, a qual é a Mãe Darmata.
Mas pode ser que a gente esteja no bordo de esvoaçar e transmigrar em direção à uma outra vida
comum. Então, nesse momento, nós nos damos conta disso: quando estamos configurando
realidades, já começando a sonhar sobre as realidades e começando a fazer os movimentos, então a
gente ascende a lâmpada, ou seja, nós reconhecemos tudo isso como manifestação coemergente e
luminosa. E aí a gente acorda no meio daquele sonho. Então, pela motivação de trazer benefícios
aos seres, a pessoa dirige isso a partir de bodhicita, e então a pessoa não nasce de um ventre mas
sim num lótus, mesmo que seja num ventre. A pessoa vai dizer: “Isso é um lótus! Com certeza! Vou
nascer no ventre de lótus da minha mãe!” Mas esse ventre de lótus da mãe depende do olho da
pessoa. Então, esses são 5 bardos e como atravessar essas 5 experiências pela lucidez que brota da
contemplação do próprio Prajnaparamita: olhamos as aparências e vemos aquilo que está além das
aparências, vemos a coemergência. Quando vamos compreendendo a coemergência, então estamos
nos livrando das bolhas. E, quando começamos a nos livrar das bolhas em todas as direções, então
descobrimos que estamos fazendo isso de modo natural porque já estamos fora das próprias bolhas.
E aí estamos nesse espaço livre, que é a Mãe Darmata. E então nós treinamos isso em cada um dos
bardos: da vida, da meditação, do sonho, do morrer e do pós-morte. Treinamos isso, um por um.
● (1:28:00 até 1:41:15) 2 Perguntas com Respostas do Lama
● (1:41:15 até 1:43:30) Pergunta: “Como trabalhar a energia no Item 6 do Prajnaparamita? Isso
seria um tipo de shamata nos 8 Pontos do Prajnaparamita?” Resposta do Lama: No Item 6, nós
estamos contemplando como que a energia nos engana e como que a configuração das aparências
movimenta a energia. A gente não está tentando levar a energia para lado nenhum, mas sim estamos
apenas vendo a energia. Estamos só contemplando como aquilo se move. Eventualmente, podemos
perceber como que aquilo se estabelece, e então fazer shamata nos 5 lungs e ver o contraste que se
dá. Com esse contraste, podemos perceber melhor como que as aparências mudam a energia. Esse
ponto é importante quando estamos tratando de saúde, pois as aparências movem a energia (e a
gente vai ver que elas movem), e aí nós vamos ver que dependendo das aparências a nossa energia
pode tomar um rumo que vai levar a algum tipo de sintoma. Estamos diante das aparências, as
aparências produzem uma alteração na nossa energia. Quando as aparências produzem uma
alteração na energia, então a energia se desequilibra e a gente tenta reequilibrar fazendo a energia
surgir de um modo artificial e de um certo jeito. Essa artificialidade que a gente produz no
surgimento da energia termina produzindo um sintoma, um efeito colateral.
● (1:43:30 até 1:55:10) Pergunta sobre Phowa com Resposta do Lama
● (1:55:10) O Lama vai falar agora sobre o ensinamento do lenço do Buda. Um dia o Buda estava
junto com a sanga, e então o Buda pegou um lenço e atou um nó. O Buda então mostrou para a
sanga e perguntou: “O que é isso?” As pessoas já estavam acostumadas que aquilo nunca era a coisa
óbvia, aquilo nunca dava certo. Ananda então respondeu: “Isso que pende da mão dourada do
Abençoado é um lenço ao qual foi atado um nó.” O Buda disse “Sim!”, deu um outro nó, e mostrou
para Ananda. Ananda falou: “Isso que pende da mão dourada do Abençoado é um lenço ao qual
foram atados dois nós.” E aquilo vai indo, até que o lenço tem 6 nós. O Buda disse “Sim! O lenço
tem 6 nós”, começou a puxar o lenço, e perguntou: “E se eu quiser desfazer os nós, é assim que a
gente faz?” Ananda falou: “Não, não! Não é assim Abençoado!” Então como é que a gente faz para
desfazer os nós? A gente dissolve na ordem inversa em que eles foram atados. A gente olha com
cuidado como é que foi atado o nó, e dissolve um por um. Então esse é o ensinamento. Aí o Buda
vai dizer que o lenço é a nossa mente e que nós atamos condicionamentos à própria mente, mas
nunca o lenço deixa de ser o lenço, o lenço ao qual foram atados os nós. Se quisermos dissolver os
nós, a gente não aperta as coisas, mas sim a gente olha como é que foram gerados e dissolvemos.
Isto significa que a mente é a mesma mente. Então nós vamos usar esse processo. O Buda converge
para esse aspecto desta mesma Mãe Darmata, esse mesmo ponto primordial disponível.
● (1:58:15 até 2:06:55) Isso também conecta com a noção de Vajrasatva. Vajrasatva é super
importante! Naturalmente, Vajrasatva é uma emanação do Buda Primordial. Enquanto o Buda
Primordial está quieto, sendo o próprio espaço livre e lúcido, Vajrasatva dá o ensinamento sobre as
coisas. O ensinamento que Vajrasatva dá não é exatamente igual ao de Amitaba, mas tem uma
superposição. O ensinamento de Vajrasatva é o reconhecimento sorridente das aparências. Quando
nós entendemos que é a mente da originação dependente que pega coisas, junta com outras coisas e
constrói outras coisas, então aquilo deixa de ser condenável. É como, por exemplo, a gente pega um
pedaço de madeira, corta num formato de asas, faz um corpo de um aviãozinho, joga aquilo e o
avião voa. Isso é puro condicionamento!!! Assim a gente vê que a gente junta coisas, cria coisas
condicionadas e produz outras coisas que andam condicionadas. Então, Vajrasatva olha para o
samsara inteiro com o olhar que uma criança olha para um brinquedo que ela faz. Assim, isso é a
natural perfeição das coisas, e então a gente não consegue criticar. Por que? Porque não tem a
pretensão de aquilo seja alguma coisa perfeita e absoluta. Aquilo é um condicionamento produzido
pela própria natureza livre da mente. Mas qual é o problema? Aí nós vemos que dukkha, o
sofrimento, não está ligado à aparência nem ao movimento da energia, mas sim ligado a um nível
de desejo e apego de controle daquilo, como se a nossa energia só pudesse fluir a partir de uma
configuração. Assim, Vajrasatva produz as manifestações, mas ele não está na dependência da cara
que aquilo possa ter, ou seja, não tem uma expectativa, não tem uma prisão, não tem dukkha, ali
dentro. Aí nós contemplamos isso com todo o cuidado: as manifestações comuns enquanto mente,
enquanto energia, enquanto corpo, todas elas surgindo através da originação dependente, e aí aquilo
segue pelas emoções, visões, vida e morte, os 12 Elos e os 6 reinos. Olhamos tudo isso com o olho
de um natural surgimento. Nós olhamos o samsara inteiro como se fosse o jardim onde os budas se
movimentam. Não tem propriamente um obstáculo. Nós vamos encontrar a noção de obstáculo, de
sofrimento, de dificuldade, etc, quando nós estamos operando em Faixa 2 + Bloco 0, querendo ter
um controle causal sobre as aparências e querendo que as coisas sejam de um jeito e não de outro.
Nós estamos esquecidos da natureza livre e esquecidos da realidade das coisas. É como se a gente
tivesse criado o jogo de xadrez e tivesse sorrido para aquilo achando incrível que dá para jogar, mas
então a gente começa a jogar e daqui a pouco nós começamos a ficar sérios: “Eu quero ganhar! Eu
quero produzir esse resultado e não aquele!” E assim começamos a ficar aflitos. Vajrasatva está
nessa fase: criamos o jogo, e agora a gente sorri!!! Ou então, Vajrasatva está na fase assim: surgiu o
sofrimento, as pessoas estão tensas e brigando no meio do jogo, e Vajrasatava diz “Olha só! Isso
aqui é um jogo! A gente construiu isso assim! Olhem que bonita essa construção!” E então a gente
retorna para esse ponto!!! Isso é Vajrasatva! A gente não consegue criticar! A mãe pode dizer “Eu
vou queimar esse jogo! Eu vou quebrar tudo em pedaços!”, como se o problema fosse o tabuleiro e
as pedras!!! Mas não é isso!!! O problema não está nas pedras nem no reconhecimento das pedras
nem no tabuleiro. Não está em nada disso. A questão está em avidya: nós entramos numa bolha,
ficamos presos, e aí começamos a incomodar dentro daquela bolha. Então, Vajrasatva retorna a
visão ampla das coisas. Isso às vezes é perturbador. Por que? Porque a gente diz: “Bom, aí
Vajrasatva retorna, mas na verdade aquilo está me produzindo sofrimento. A gente retorna ao
sofrimento também, e tem coisas que dá para olhar com o olho de Vajrasatva e tem coisas que não
dá”. Aí nós vamos encontrando os limites das nossas estruturas cármicas direitinho. Se nós
olharmos Guru Rinpoche, os budas e os mestres, vamos ver que, milagrosamente, há o que se
chama de Intenção Iluminada. Os budas olham para isso e manifestam interesse em resolver essa
coisas. Eles operam numa outra região. Eles não operam dentro das bolhas. Eles estão operando
com um outro olhar. Eles operam dentro de um mundo muito mais amplo. É como se eles
operassem dentro do mundo que vê a construção do jogo de xadrez. Ainda que eles vejam as peças
e o tabuleiro, eles não estão jogando. E os seres não conseguem ver isso: “Como é que foi montado
o jogo de xadrez? Isso realmente não importa! O que importa é que eu quero ganhar!” Esse é o
samsara! Então, esse âmbito muito amplo funciona de um outro jeito. O âmbito de quando a pessoa
está jogando o jogo é super estreito: ele (o âmbito) obedece às regras daquilo e está todo presa ali
dentro! Já o âmbito amplo é uma outra coisa. A realidade das coisas está nesse nível amplo, e os
outros (âmbitos) são simplesmente as bolhas flutuantes. Então, dentro desse âmbito amplo, não tem
tempo nem espaço. Tempo e espaço são atributos das bolhas. Não tem as individualidades. A
linguagem é totalmente diferente. Esse é o âmbito onde estão os budas e bodisatvas. Quando nós
dizemos “É onde estão os budas e bodisatvas”, nós usamos uma linguagem do mundo das bolhas, e
então aquilo nunca fica muito direito. Mas, enfim, é isso.
● (2:06:55 até 2:25:30) O Lama responde uma pergunta sobre Cosmologia e relaciona com
Prajnaparamita, Ciência, Dalai Lama, Niels Bohr e Complementariedade.

Sexta – Tarde
● Perguntas e Respostas (o Lama comenta o texto “Os Oito Versos que Transformam a Mente”)

Sábado (Conselhos do Coração)

Domingo – Manhã (O Lama comenta o texto “Os Vinte e Três Versos de Mahamudra
oferecidos por Tilopa a Naropa”, com base no livro “Tilopa's Mahamudra Upadesha: The
Gangama Instructions with Commentary", de Sangyes Nyenpa e David Monk)

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