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A LINGUAGEM FALSA DA HISTÓRIA DO BRASIL – Loryel Rocha

A Linguagem Falsa da História do Brasil é o título de uma obra do historiador paulista


Tito Lívio Ferreira que faz uma chamada de atenção dupla:

1) Alerta que, em começos do século XIX, a História documentada passa a ser


explicada pelos autores, o que equivale a dizer que os documentos/fontes primárias são
interpretados segundo a ótica da “autoridade intelectual”, inaugurando uma
metodologia que, ao invés de interrogar, ignora e interpreta segundo a visão dominante
da época que analisa, construindo distorções oficializadas à margem de qualquer
verdade escrita no próprio documento.

2) Denuncia que, por ignorância histórica e sociológica, os escritores do século


passado, a partir de Robert Southey, fingiram ignorar que a vida do Brasil esteve
fundida com a de Portugal, num só bloco, na mais perfeita unidade, por mais de
tresentos anos. Deformaram esses tresentos anos de história comum, de hsitória da
comunidade portuguesa no Brasil, de história luso-brasileira, para arquitetarem com
os capítulos da História de Portugal uma história do Brasil falseada, para criarem o
nacionalismo brasileiro, sem raízes no passado, como planta indígena e não como flor
maravilhosa da tradição lusíada em nossa terra. E fizeram do ESTADO DO BRASIL,
província do Império de Portugal, uma “colónia”, um simples “território”
“econômico”, apagada expressão geográfica, sem o mais leve exame de critica
histórica.

Além destes e em estreita consonância, concerne igualmente considerar que o Visconde


de Porto Seguro, sob o patrocínio do Imperador D. Pedro II, é um dos arautos dessa
“nova visão" de Brasil. O Império do Brasil, obra da Maçonaria, inaugurado por D.
Pedro I, instigado por José Bonifácio de Andrada, rompe com a tradição portuguesa e
inicia um movimento de “reescrever” a história do Brasil e de Portugal, aprofundado no
reinado de D. Pedro II, onde o Visconde de Porto Seguro “resgata” documentos
históricos preciosos e os reedita, com notáveis “correções” com o claro fim de
“inventar” uma história do Brasil sob a ótica do Império dos Braganças do Brasil.

Dois exemplos paradigmáticos elucidam parte dessa questão:

1) Qual a origem do título de Imperador atribuído aos Bragança do Brasil se a tradição


portuguesa teve somente Reis? Desde o início da nacionalidade, todos os monarcas de
Portugal tiveram o título de Rei. D. Sebastião, acolhe a tradição de Ourique e encarna
para si o título de Imperador do Quinto Império. D. João VI já era chamado de
Imperador — consoante a tradição de Ourique e segundo as modificações das Armas já
realizadas por D. Sebastião- antes da Maçonaria apropriar-se do termo para o Príncipe
Regente D. Pedro.

2) Para fazer cumprir a “idade futura” vaticinada por toda uma tradição mítico-profético
que perpassa a história de Portugal, incluso a célebre Batalha de Ourique, cujas
repercussões incidem diretamente na história do Brasil, entronizando a dinastia dos
Bragança.

Após a Batalha de Alcácer Quibir, onde D. Sebastião é pretensamente dado como morto
sem deixar descendentes, a coroa Imperial fechada será mantida nas armas nacionais.
No entanto, os Bragança usam o antigo título de Rei e não de Imperadores. Essa
tradição será rompida com D. Pedro I e D. Pedro II do Brasil que outorgam para si o
título de Imperador passando a usar a coroa Imperial fechada, mas, sem nenhuma
ligação desta com a tradição de Ourique e o mito do Quinto Império.

3) D. João IV, primeiro Rei de Bragança, determinou, em 6 de Dezembro de 1644, que


Nossa Senhora da Conceição fosse entronizada Padroeira do Reino de Portugal,
inaugurando desse modo uma dinastia de Reis sem Coroa, uma vez que entrega a coroa
Imperial portuguesa à Nossa Senhora da Conceição. Assume- se, doravante, que
nenhum Rei da dinastia dos Bragança poderá ser coroado, pois, a Coroa pertence à
Nossa Senhora da Conceição, fiel depositária de uma das armas nacionais até o retorno
de D. Sebastião, conforme previsto nas profecias do Quinto Império (vide meu artigo
NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO “APARECIDA” -Notas, Fontes e Estudos de
Iconografia, Simbólica e História Sagrada).

Diante do acima exposto, evidencia-se que desde D. João IV até D. Manuel II, todos os
Reis da Casa de Bragança não usam Coroa, excetuando-se D. Pedro I (D. Pedro IV em
Portugal) e D. Pedro II (do Brasil) que, além de usarem a coroa Imperial arrogam para si
o título de Imperador, cujo sentido à luz da história de Portugal revela-se somente
dentro do contexto da tradição do Quinto Império.

Destes breves apontamentos, vislumbra-se que a denúncia feita por Tito Lívio Ferreira
acerca das ideias que informam o programa encarnado pelo Iluminismo e aprofundado
na República de se fazer História explicada recolhem um consenso generalizado de
privilegiar a visão do intérprete em detrimento da verdade que os documentos oficiais
dão testemunho. Assim, a historiografia luso-brasileira do século XIX introduziu
palavras e conceitos à revelia do que constam nos documentos oficiais, contemplando a
falsidade das coisas e dos homens, não passando, portanto, de uma literatura de
compromisso que prefere ignorar a interrogar, limitando-se a exaltar fidalgas ou
plebeias virtudes, sem penetrar a alma autêntica da terra e dos homens em busca da sua
vera essência.

Nesta conformidade, a obra de Tito Lívio Ferreira apresenta-se como um espaço- tempo
de reflexão transdisciplinar dos arquétipos luso-brasileiros, à margem de chauvinismos,
constituindo um contraponto indispensável à cultura do efémero tão em voga.

Written by Loryel Rocha IMUB


Filósofo, pesquisador em Cultura Oral e Simbólica Tradicional Luso-Afro-
Brasileira. Presidente do IMUB www.imub.org

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