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INVESTIGAÇÃO DE CONCEITOS EM TERMODINÂMICA UTILIZANDO A

TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO DE CHAIM PERELMAN

Adriana Aparecida da Silva (silvavasconcelos@hotmail.com)


José Roberto Tagliati (tagliati@física.ufjf.br)
Universidade Federal de Juiz de Fora

Resumo: Palavras como calor e temperatura são comuns às crianças e adolescentes, estando
presentes, por exemplo, na previsão diária do tempo nos telejornais. No entanto, são noções
que aparecem misturadas dentro de suas concepções, muitas vezes com o mesmo significado.
A literatura apresenta trabalhos indicando que a linguagem utilizada tem papel muito
importante para que a aprendizagem dos conceitos científicos seja significativa. Visando
observar esta situação, aplicamos um teste cujas questões foram utilizadas na dissertação de
mestrado de Laércio Evandro Ferracioli da Silva, apresentada ao Instituto de Física da
UFRGS (1986). Interpretamos as respostas dos estudantes segundo traços da teoria da
argumentação de Chaim Perelman.
Palavras-chave: Termodinâmica, teoria da argumentação de Chaim Perelman, ensino.

Introdução: A aprendizagem significativa de calor e temperatura:


Conceitos como calor e temperatura são comuns na vida das crianças e adolescentes.
No entanto, ao ocorrer a formalização destes e de outros conceitos de Termodinâmica nas
aulas de Física, eles se tornam um conjunto de regras e fórmulas matemáticas que permitem a
solução de exercícios, mas não o entendimento real do fenômeno físico (PACCA,1984:23).
Então duas teorias – científica e espontânea - co-habitam as soluções dos problemas do dia-a-
dia e das avaliações. Para Oliveira (2002:4) ”dizer a um aluno que determinado saber
ensinado na escola é mais confiável que outro, de caráter popular, não implica
necessariamente ter que impor o primeiro mediante um argumento de autoridade. “
Frente à esta realidade, tornou-se fundamental procurar estratégias que permitam
tornar a aprendizagem significativa, evitando a Educação Tradicional, onde é priorizada a
quantidade de conhecimento, em detrimento da qualidade, e a avaliação valoriza a
memorização. Ausubel e Bruner, pesquisadores da “Teoria Cognitiva”, caracterizam a
aprendizagem significativa em seus trabalhos, que têm como objeto de estudo os processos de
aquisição de conhecimento pelo ser humano.
Segundo Costa (2004:3), para Bruner “... a aprendizagem implica quatro operações
fundamentais: o saber e a sua transformação, a transmissão pelo professor, as operações
mentais e a transferência pelo estudante”. Neste processo, os modos de pensamento
paradigmático, caracterizado pela modelagem lógico-matemática, e narrativo, fundamentado
“...no mundo vivido, contextualizado, personificado” (Gouvêa et all, 2001:73) devem ser
trabalhados conjuntamente.
Assim, a linguagem utilizada tem papel muito importante para que o momento da
aprendizagem seja produtivo. Segundo Stuchi, “o discurso de um monitor ou professor e sua
linguagem deve ser consonante com o material da exposição, ou seja, com o que os visitantes
estão observando”. Bruner destaca nitidamente a importância crucial da aquisição e do
domínio da representação simbólica do mundo, ou seja, da linguagem, da comunicação oral
ou escrita. Logo, a linguagem é o principal instrumento de captação da realidade do meio pelo
aluno. “O certo é que quanto mais conhecemos sobre as propriedades e poderes da linguagem,
mais devemos saber sobre usá-la para ajudar o raciocínio.” Oliveira (2002:4) afirma a
necessidade de “colocar os diferentes saberes em debate, ouvir os argumentos do aluno,
repensar as próprias razões”
O estudo da teoria da argumentação, proposta por PERELMAN e OLBRECHTS-
TYTECA, sugere a existência de um elo entre a linguagem natural e a transmissão do
conhecimento, ou seja, esse estudo permitiria “um maior entendimento da comunicação, pois
a linguagem natural não é expressa de maneira explícita, ou seja, não se destina apenas a
transmitir informações”.

A teoria da argumentação de PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA


Chaim Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca caracterizam a argumentação como a
necessidade de persuasão e convencimento do ouvinte para que haja a adesão ao que se
propõe. Para isso, deve-se estabelecer a transmissão de uma mensagem, seja pela fala, gestos
ou pela escrita, utilizando argumentos que atraiam e seduzam o ouvinte, buscando o seu
convencimento. Também afirmam que a argumentação pode ser desastrosa se for identificada
como contrária às ideologias do ouvinte, cabendo ao orador preparar-se para conquistar o
público.
Na deliberação consigo mesmo, o sujeito “não pode deixar de ser sincero (...) e, é
mais do que ninguém capaz de experimentar o valor de seus próprios argumentos”
(PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 2002:45), não havendo a preocupação em defender
uma tese, mas escolher os argumentos que melhor traduzem sua certeza.
Para os autores, as premissas são ferramentas do orador para adquirir a adesão do
auditório, ou seja, são o ponto de partida para introduzir a persuasão e podem ser agrupadas
em duas categorias: “uma relativa ao real que comportaria os fatos, as verdades e as
presunções, a outra relativa ao preferível, que conteria os valores, as hierarquias e os lugares
do preferível.”( PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 2002:74) Associada à escolha do
argumento que será utilizado está a construção e a interpretação dos dados, conferindo-lhe um
sentido e tornando-o significativo dentro de um discurso. Assim, na argumentação, essa
escolha confere diferentes significados a um mesmo dado.
Além disso, os argumentos também podem ser agrupados por critérios como
quantidade (avaliam quantitativamente), qualidade (o valor de um é suficiente para contestar o
todo), ordem (o que é anterior e o que é posterior?), existência (valoriza o que é real sobre o
que possível), essência (o que melhor encarna a realidade de um objeto ou função) e pessoal
(o valor está associado à sua dignidade, mérito ou autonomia).

Descrição do trabalho desenvolvido e resultados obtidos:


Visando analisar alguns argumentos utilizados na explicação de conceitos associados à
temperatura e calor, aplicamos um teste à uma turma de 19 estudantes do 3º ano do ensino
médio de uma escola particular de Juiz de Fora. As questões foram retiradas da dissertação de
mestrado “Concepções espontâneas em Termodinâmica: um estudo em um curso
universitário, utilizando entrevista clínica”, de Laércio Evandro Ferraciolli da Silva ( UFRGS
-1986). (Anexo 1)
Utilizando os critérios de agrupamento das premissas sugeridos por Perelman e
Olbrechts-Tyteca classificamos alguns argumentos utilizados pelos alunos:
Quantidade: o que é melhor, normal, provável, útil, universal, eterno, superior ou verossímil
em relação à outra coisa.
Questão 4: Um cubo de gelo de 1g à 0o C e três cubos de gelo 1g/cada à 0o C são
colocados em dois recipientes diferentes contendo a mesma quantidade água. Qual dos
dois esfriará mais as quantidades de água? Justifique.
Aluno 2: “Os três cubos de gelo é uma quantidade maior de temperatura para ser
transformado de estado sólido para o líquido esfriando a quantidade de água.”
O aluno respondeu a questão utilizando como premissa a quantidade de cubos de gelo, sendo
normal e claro das suas experiências do cotidiano, que ocorrerá um maior resfriamento da
água. Percebemos, também, que o termo temperatura não foi utilizado de maneira adequada,
tendo seu significado associado à quantidade de calor da amostra de gelo.

Existência: valoriza o real sobre o possível


Questão 2: Duas esferas a e b, sendo b maior que a, são colocadas num forno e depois
em recipientes contendo a mesma quantidade de água. Qual das duas esferas aquecerá
mais as quantidades de água? Justifique.
Aluno 4: “As duas, pois receberão a mesma quantidade de calor.”
A informação fornecida no enunciado da questão “...são colocadas num forno”, parece ter
indicado ao estudante que o aquecimento seria o mesmo para as duas esferas porque o local
era o mesmo, independentemente de sua dimensões. Foi utilizado o argumento da localização
real das esferas.
Questão 3: Um cubo de gelo de 1g à 0o C e uma porção de água de 1g à 0o C são
colocados em dois recipientes diferentes contendo a mesma quantidade água. Qual dos
dois esfriará mais as quantidades de água? Justifique.
Aluno 5: “Eles esfriarão igualmente por serem de mesma temperatura.”
A resposta sugere que esse estudante considerou irreal a possibilidade das amostras de gelo e
água, à mesma temperatura inicial, produzirem diferentes alterações nas quantidades de água,
não observando a proposta da questão de discussão do processo de mudança de fase de uma
substância.

Essência: o que encarna a realidade de um objeto


Questão 3: Um cubo de gelo de 1g à 0o C e uma porção de água de 1g à 0o C são
colocados em dois recipientes diferentes contendo a mesma quantidade água. Qual dos
dois esfriará mais as quantidades de água? Justifique.
Aluno 1: “O cubo de gelo, pois possui menos temperatura”
Observa-se que esse estudante confere ao gelo o sentido verificado no seu cotidiano, onde o
gelo é mais “frio” que a água, independentemente de suas temperaturas, também não
analisando o processo de mudança de fase.

Pessoal: o valor está vinculado à sua dignidade, ao seu mérito ou à sua autonomia
Questão 7: O que é temperatura?
Aluno 5: “sensação sentida em um meio específico”
Aluno 6: “sensibilidade térmica”
Questão 8: O que é calor?
Aluno 3: “é sensação que se tem quando a temperatura está elevada”
Os alunos utilizam a sensação tátil como argumento para definir temperatura e calor. Segundo
Teixeira (1992:43) ”calor e temperatura são noções que normalmente aparecem misturadas
dentro das concepções das crianças e não raras vezes apresentam o mesmo significado”

Conclusões:
As respostas dos estudantes no teste indicam a ambigüidade de significados dos
termos temperatura e calor, bem como suas concepções espontâneas. Também sugerem a
necessidade de reflexão dos educadores para o significado e o sentido das expressões
utilizadas nas argumentações, durante as atividades desenvolvidas.
A classificação sugerida por PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA tem sua
importância, pois a linguagem natural usada pelos estudantes, geralmente constituída da
ambigüidade dos termos, do equívoco das palavras, da variedade dos sentidos e das leituras
interpretativas, pode ser utilizada como elemento de análise do conhecimento deles.
Referências Bibliográficas
PACCA, Jesuína L. A., “Entendimento de conceitos e capacidade de pensamento formal”,
Revista Brasileira de Ensino de Física 6, 2 (1984)
VILLANI, A. “Reflexões sobre o ensino de Física no Brasil: práticas, conteúdos e
pressupostos”, Revista Brasileira de Ensino de Física 6, 2 (1984)
BRUNER, Jerome S. “Uma nova teoria de aprendizagem” Rio de Janeiro: Bloch Editores
(1966)
“O processo da educação” São Paulo: Companhia Editora Nacional (1974)
AUSUBEL, David “Psicologia Educacional” - Rio de Janeiro Ed. Interamericana (1980)
STUCHI, Adriano M., FERREIRA, Norberto C. “Análise de uma exposição científica e
proposta de intervenção” Revista Brasileira de Ensino de Física 25, 2 (2003)
PERELMAN, Chaim, OLBRECHTS-TYTECA, Lucie “Tratado da argumentação: a nova
retórica”, São Paulo: Martins fontes (2002)
SILVA, Laércio Evandro Ferraciolli “Concepções espontâneas em Termodinâmica: um
estudo em um curso universitário, utilizando entrevista clínica”, dissertação de mestrado
UFRGS (1986)
OLIVEIRA, Renato José de “(Pós)-Modernidade e educação: algumas reflexões sobre o
problema do conhecimento” Revista Espaço 17, julho (2002)
TEIXEIRA, Odete Pacubi Baierl “Desenvolvimento de calor e temperatura: a mudança
conceitual e o ensino construtivista” dissertação de mestrado USP (1992)
COSTA, Victorino “Como auxiliar os alunos a construir o seu saber: o papel da área escola na
metacognição” Centro de Formação Francisco de Holanda- Escola E.B. 2-3 de Previdém

Anexo 1:
1. Duas esferas idênticas a e b são colocadas, respectivamente, no forno e na geladeira.
quando as retiro
destes locais, estas esferas diferem basicamente em suas temperaturas. Por quê?
2. Duas esferas a e b, sendo b maior que a, são colocadas num forno e depois em recipientes
contendo a mesma quantidade de água. Qual das duas esferas aquecerá mais as
quantidades de água? Justifique.
3. Um cubo de gelo de 1g à 0o C e uma porção de água de 1g à 0o C são colocados em dois
recipientes diferentes contendo a mesma quantidade água. qual dos dois esfriará mais as
quantidades de água? Justifique.
4. Um cubo de gelo de 1g à 0o C e três cubos de gelo 1g/cada à 0o C são colocados em dois
recipientes diferentes contendo a mesma quantidade água. Qual dos dois esfriará mais as
quantidades de água? Justifique.
5. O que ocorre com a temperatura do ar no interior de uma seringa ao comprimir
rapidamente o êmbolo? Justifique.
6. O que ocorre com a temperatura da água contida numa garrafa térmica após a
chacoalharmos fortemente? Justifique.
7. O que é temperatura?
8. O que é calor?

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