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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

Setor de Ciências Humanas – Departamento de Filosofia

Filosofia Contemporânea I - noite

Prof.: Paulo Vieira Neto

Aluno: Lucas Pozzo de Carvalho

Curitiba, Nov/2018

Acerca do Conceito no “O que é a filosofia?” de Deleuze e Guattari

con·cei·to
(latim conceptus, -a, -um, particípio passado de concipio, -ere, tomar juntamente, reunir, conter, absorver, receber,
recolher, conceber, perceber).
"conceito", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013

Uma questão tardia, enfrentada no ocaso da vida, “quando nada mais resta perguntar” - assim
Deleuze e Guattari colocam a questão: o que é a filosofia? Uma questão que esteve sempre
posta, foi a todo momento perguntada e esteve sempre respondida – filosofia é geração –
“filosofia é a arte de formar, de inventar, de fazer conceitos”. Esta é a resposta dada...(não
basta)

Foi em um espaço e tempo determinados que a questão nasceu, sendo posta com sentido pela
primeira vez na Grécia Clássica, onde os sábios foram substituídos por filósofos, os „amigos do
saber‟, aqueles que almejam, desejam e buscam algo que ainda não possuem (o saber) -
paradigma de vida, meta e objeto de amor fraterno por parte deste novo modo de vida, o
filósofo. Este modo novo, a filosofia, traz consigo novas categorias de pensar, quando é
colocada a diferença entre o sábio [figura já antiga e gasta] e o filósofo - fronteira do conhecer.
Aquele pensava por figuras e imagens, este inventa e pensa o Conceito.

O filo-sófo [o amigo do saber] é, portanto, amigo do conceito. Um novo sujeito. Não apenas
amigo mas amigo e senhor, ele cria o conceito ao trazer à tona relações antes ocultas e
imagens inexistentes - fazendo ser do não-ser. Essa força criativa que caracteriza a filosofia é a
força do sujeito filósofo, que imprime em sua criaturas [seus conceitos] seu caráter, uma
assinatura de paternidade intrínseca ao conceito criado – daí a necessidade da invenção e o
eterno „opor-se ao mestre‟, marca indelével da filosofia: a desconfiança acompanha aquele que
pensa conceitos que não são seus, o historiador da filosofia, daí a necessidade do novo
quando se quer fazer filosofia. O filósofo é o desconfiado, que duvida de tudo que não é “seu” e
que ao falar filosoficamente, fala o novo. O criar do filósofo não é apenas um criar sem sentido,
um criar pela criação [criação do mesmo], mas sim uma criação original e originária, ativa e
sempre nova, marcada pela diferença no pensamento e em constante oposição ao que está já
posto.

Contemplação, reflexão e comunicação. Resposta comum à pergunta que nos guia, pode ser
isto o que defina a filosofia, por que os conceitos? Essas três atitudes não são criação e,
portanto, para Deleuze e Guattari, não encerram a filosofia em si. Contemplação, reflexão e
comunicação seriam “máquinas de criar Universais”, ferramentas humanas de racionalização e
socialização - pode-se contemplar, refletir e comunicar-se sem necessariamente fazer filosofia.
Antes de explicar algo essas são atitudes que precisam ser explicadas, entendidas e
significadas, e é aí que se põe o filósofo. A filosofia é atividade autônoma, que vai de encontro
aos Universais ao apresentar-se sempre enquanto singularidade.

“Toda criação é singular e o conceito, como criação propriamente filosófica, é


sempre uma singularidade. O primeiro princípio da filosofia é que os Universais
não explicam nada, eles próprios devem ser explicados”

Assim Deleuze e Guattari começam a construir a base sobre a qual a resposta à pergunta “o
que é a filosofia?” pode ser colocada. É necessário primeiro desconstruir tudo o que está posto
para a colocação do novo, que sem isso não teria sentido algum além de ser um reflexo do que
já foi. É necessário criar um sistema de coordenadas conceituais, que gere um espaço próprio
no qual os conceitos serão colocados – um plano multidimensional que crie a possibilidade da
filosofia enquanto o “sempre novo”, não o novo pelo novo senão o novo que contenha em si a
atitude reveladora.

Esse novo ponto de vista, ao mesmo tempo em que resolve, problematiza - se a filosofia atua
em oposição aos Universais, sendo o conceito forçosamente singular e novo, onde jaz a
unidade e noções como “verdade” e continuidade na filosofia? Aí está um retorno e uma
reconfiguração daquilo que é tema da filosofia desde sempre, a possibilidade da unidade da
multiplicidade, mas como entendê-la sem tomar os conceitos como Universais? Uma possível
resposta está na articulação dos conceitos e na sua colocação como sendo sempre uma
resposta, o que lhes dá como pressuposto sempre uma pergunta. Os conceitos respondem,
estando sempre em relação com um problema, “Ser filósofo é também trabalho de papel, cola e
tesoura: é preciso saber cortar, ligar, desconectar ideias nos conceitos para fazê-los responder
aos problemas [...]. Conceituar é conectar componentes interiores até a saturação ou o
fechamento, de tal modo que mudar suas conexões mudaria sua natureza”. Eles (os conceitos)
são a complexa articulação de componentes mentais: um nome que encerra em si mesmo uma
miríade de relações, que recorta a realidade arbitrariamente e a reagrupa sob um novo
significado, unindo e conferindo sentido ao que era antes difuso, de maneira que se esclareça
ou esmiúce uma determinada questão. A verdade do conceito tem, portanto, um caráter
limitado, que se relaciona com a historicidade da questão que ele visa responder e o coloca no
encadeamento do devir filosófico, essa multitude de questões que, ao serem respondidas por
conceitos sempre novos, mudam de forma, se unindo à pretensa resposta e gerando novas
questões. Essa dinâmica faz da filosofia um acontecimento historicamente linear e passível de
apreensão enquanto tal. A verdade do conceito é sempre uma verdade mutável, aplicada em
um ponto específico da historia e da geografia da filosofia, verdade para um determinado
ambiente filosófico. Daí o fato de Deleuze colocar o importante papel do estudo da história da
filosofia e a depreciação de discussões filosóficas – o debate filosófico só se dá enquanto
embate historicamente colocado, com a recolocação e ressignificação de questões já
colocadas; no trabalhar e revolver expressões sintéticas “datadas, assinadas e batizadas”. A
filosofia se estrutura, então, no movimento criativo de conceitos exigidos na colocação de, sem
com isso encerar-se em si mesmo, em um vórtice criativo – a consistência do conceito filosófico
não aciona solidez ou exatidão, por vez, deixa-se prender pelo movimento ao mesmo tempo
em que é operada por este.

Para estabelecer um tal entendimento do conceito, Deleuze e Guattari lançam mão de


artifícios, que descrevem e delimitam. Um deles, centralmente colocado é o “personagem
conceitual”. Todo conceito encontra-se relacionado ao pensador, fonte originária do
pensamento, mas não em uma relação de sujeito e objeto, mas de modo dinâmico e reflexivo;
O personagem conceitual é uma ferramenta que auxilia o movimento e a criação de conceitos,
refletindo a imagem do pensador sem as limitações da realidade, de maneira a possibilitar um
desprendimento do que está posto e a livre colocação de hipóteses, que, ao serem
desmontadas e remontadas, formarão o novo, o conceito filosófico. “Os personagens
conceituais são pensadores, unicamente pensadores, e seus traços personalísticos se juntam
estreitamente aos traços diagramáticos do pensamento e aos traços intensivos dos conceitos.”
O conceito nào está, portanto, „no‟ pensador, contido por ele aguardando para ser solto, mas
antes está „com‟ o pensador, em uma relação de quase igualdade ontológica: o pensador é
recolocado no mundo quando o conceito é criado, num devir constante que afeta a pergunta e
„quem‟ pergunta quando da colocação da resposta.

Assim sendo, o personagem conceitual é um recorte do filósofo em um momento específico,


quando envolvido no conceito. É potência e ato em um, puro movimento, é o que dá
personalidade ao conceito ao mesmo tempo que recebe dele seu motivo de ser – personagem
conceitual e conceito se encontram e se confundem em um movimento que torna ambos
“reais”, na medida em que passam a ter sentido em um contexto. É nessa relação intrínseca, e
apenas nela, que se dá a filosofia. “O personagem conceitual é o devir ou o sujeito de uma
filosofia”, sendo o devir o movimento dos conceitos; assim a relação entre conceito e
personagem conceitual se dá intrinsecamente, o que permite afirmar a conexão de ambos em
um plano dinâmico que é o “fazer filosofia”.

Deleuze e Guattari criam, assim, um espaço novo e inesgotável em si mesmo, condição e fruto
do pensar filosófico enquanto expressão do seu puro movimento, um devir criativo que
expande, a cada nova colocação, o horizonte da filosofia historicamente colocada. Nesse
horizonte, o poder de criação conferido ao filósofo surge como inerente à responsabilidade que
ele assume ao colocar o novo, o sempre diferente – os conceitos são mutáveis mas carregarão
sempre consigo o signo do seu criador, a assinatura do filósofo que o concebeu – em uma
relação de imanência e automotriz. A resposta à pergunta “o que é a filosofia?” nos traz, então,
à constante ressignificação da própria vida, uma vez que nos coloca frente a frente com
entidades que estão além do tempo e do espaço como os experienciamos, entidades que são
por si mesmas, singulares porém em constante mutação e, ainda assim, sensíveis às menores
mudanças na realidade ao mesmo tempo em que criam as ferramentas para a compreensão
dessa realidade.

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