Você está na página 1de 22

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(ÍZA) DE DIREITO DA ___ª


VARA CÍVEL DA COMARCA DE ARAGUARI/MG

Autos a distribuir
Inquérito Civil Público nº MPMG-0035.17.002248-3

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, presentado


pelo Promotor de Justiça Curador do Saúde infra-assinado, vem, respeitosamente,
perante Vossa Excelência, em defesa da saúde pública no Município de Araguari e em
observância dos princípios norteadores da Administração Pública, primordialmente o da
EFICIÊNCIA administrativa insculpido no art. 37, caput, da Constituição da República
Federativa do Brasil, arrimado ainda nos artigos 127, caput e 129, II, ambos da CF/88,
art. 25, IV, “a” e “b”, da Lei nº 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público),
propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA cumulada com DANO MORAL COLETIVO em desfavor de
FERNANDO BORGES SANTOS, brasileiro, casado, nascido em 30/5/1953, filho de
Geralda Augusta Santos e Josefino de Andrade Santos, RG nº M-154.251/SSP-MG,
inscrito no CPF sob o nº 302.025.746-87, com endereço na Avenida Hugo Alessi, nº
991, bairro Industrial, em Araguari.

1. DO OBJETO DA PRESENTE AÇÃO CIVIL PÚBLICA E DO SUPORTE


FÁTICO

A presente ação civil pública visa à condenação do requerido pelas


práticas de ato de improbidade administrativa e dano moral coletivo que gerou prejuízo
ao patrimônio público e violação de princípio administrativo estampado no art. 37,

1 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ARAGUARI/MG


Fernando Henrique Zorzi Zordan – Promotor de Justiça
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
caput, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, aplicando-lhe as
sanções previstas na Lei nº 8.429/1992. Visa, ainda, o afastamento do profissional
médico do atendimento pelo SUS em Araguari.

1.1 CASO 01 – 30/10/2017

Infere-se dos autos que, em 30 de outubro de 2017, por volta das 13h, no
Hospital Santa Casa de Misericórdia nesta cidade, Fernando Borges Santos, médico
obstetra em atendimento pelo serviço público municipal de saúde (SUS), causou dano
moral coletivo em face do sistema público de saúde e violou o princípio da eficiência
administrativa ao dar causa à morte do recém-nascido de Tânia Borges Vieira Silva
mediante inobservância de regra técnica de profissão durante o procedimento do parto.

Segundo a investigação, na ocasião acima indicada, Tânia Borges Vieira


Silva sentindo-se mal e com contrações buscou atendimento no Pronto Socorro
municipal de Tupaciguara, onde, após avaliação médica, foi regulada para hospital
maternidade via SUS-Fácil, sendo aceita pela Santa Casa de Misericórdia em Araguari.

Antes do início da viagem, a paciente foi reexaminada pelo médico local,


Dr. Mauro Antônio Pires de Barros Júnior, o qual aferiu boas condições clínicas para a
parturiente realizar a viagem, uma vez que ainda se encontrava com pouca dilatação e
tanto a gestante quanto o feto passavam bem, de forma que deliberou pela
desnecessidade de acompanhamento médico no trajeto, seguindo para Araguari, de
ambulância, a paciente acompanhada de sua irmã e de uma enfermeira.

Ao chegar na Santa Casa, em Araguari, segundo relatos da enfermeira


que acompanhou a viagem, da acompanhante da paciente, do motorista da ambulância
e da própria paciente, esta se encontrava em início de trabalho de parto, sem
rompimento de bolsa amniótica ou exteriorização de membros de feto.

Após dar entrada na Instituição Hospital, a parturiente foi avaliada pelo


médico obstetra, plantonista pelo SUS, Dr. Fernando Borges Santos, ora requerido, o

2 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ARAGUARI/MG


Fernando Henrique Zorzi Zordan – Promotor de Justiça
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
qual, embora ciente de se tratar de feto de grande porte, que se encontrava em
apresentação pélvica, deliberou pela realização de parto por via baixa (parto normal),
determinando o encaminhamento da paciente para a sala de parto, em absoluta
contrariedade ao Relatório de Recomendação do Ministério da Saúde, editado pela
CONITEC (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS) em abril de
2015, o qual aduz, à f. 10, que “A cesariana é recomendada para gestantes com fetos
em apresentação pélvica devido à redução de mortalidade perinatal e morbidade
neonatal” .

Ressalta-se que segundo as testemunhas ouvidas nos autos, até este


momento a parturiente se encontrava com bolsa íntegra.

Em seguida, já na sala de parto, o próprio requerido procedeu a exame na


paciente, durante o qual a bolsa gestacional foi rompida artificialmente, momento em
que, segundo a gestante, além de lhe ser ordenado que fizesse intensa força para
expulsão do feto, a enfermeira da Santa Casa passou a empurrar sua barriga para
baixo, na tentativa de expulsão do feto.

Entretanto, durante o parto, após a saída de membros inferiores e de


parte do tronco do nascituro, por se tratar de feto de grande porte estando em
apresentação pélvica, sobreveio episódio conhecido na literatura médica como “cabeça
derradeira”, consistente no aprisionamento da cabeça fetal no colo uterino após a saída
do corpo fetal.

Diante de tal ocorrência, o requerido, mais uma vez com imprudência,


consistente em inobservância de regra técnica da profissão, manobrou o corpo fetal
equivocadamente, culminando na decapitação do bebê de Tânia Borges Vieira Silva, a
qual teve de ser levada às pressas ao centro cirúrgico, para realização de intervenção
cirúrgica para retirada da cabeça fetal, a qual havia permanecido no interior de seu
corpo.

Sublinha-se, por fim, que o próprio requerido assinalou na declaração de


óbito do feto de Tânia Borges Vieira Silva que a morte se deu durante o parto, o que

3 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ARAGUARI/MG


Fernando Henrique Zorzi Zordan – Promotor de Justiça
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
afasta totalmente a famigerada alegação que não havia batimentos fetais quando do
início do parto, fato corroborado com o Relatório de Enfermagem que aduz que o parto
teria durado em torno de 15 (quinze) minutos e que somente 8 (oito) minutos antes do
fim da expulsão do corpo teria se notado ausência de batimentos fetais.

1.2 CASO 02 – 13/3/2018

Infere-se dos autos que, em 13 de março de 2018, por volta das 9h, no
Hospital Santa Casa de Misericórdia nesta cidade, Fernando Borges Santos, médico
obstetra em atendimento pelo serviço público municipal de saúde (SUS), causou dano
moral coletivo em face do sistema público de saúde e violou o princípio da eficiência
administrativa ao dar causa à morte do recém-nascido de Mariana Pereira de Araújo
mediante inobservância de regra técnica de profissão durante o procedimento do parto.

Narram as peças informativas que, nas circunstâncias acima citadas, a


parturiente Mariana Pereira de Araújo, a qual estava com 25 semanas e 1 dia de
gestação, deu entrada na Santa Casa de Misericórdia de Araguari, onde o requerido
atuava como médico obstetra do SUS, estando com bolsa protusa e feto em
apresentação pélvica.

Embora se tratasse de feto prematuro e em posição pélvica, o


denunciado, ainda tendo tempo suficiente para determinar a realização de parto por via
alta (cesariana), deliberou pela realização de parto por via baixa (parto normal),
determinando o encaminhamento da paciente para a sala de parto, em absoluta
contrariedade ao Relatório de Recomendação do Ministério da Saúde, editado pela
CONITEC (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS) em abril de
2015, o qual aduz, à f. 10, que “A cesariana é recomendada para gestantes com fetos
em apresentação pélvica devido à redução de mortalidade perinatal e morbidade
neonatal”1.

1
Disponível em http://conitec.gov.br/images/Consultas/Relatorios/2015/Relatorio_PCDTCesariana_CP.pdf.
Consultado em 26/10/2018.
4 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ARAGUARI/MG
Fernando Henrique Zorzi Zordan – Promotor de Justiça
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Ressalta-se que a bolsa gestacional da mãe da criança somente foi
rompida, após razoável período da admissão da parturiente no Hospital Santa Casa de
Misericórdia, artificialmente pelo próprio médico, sendo que a expulsão dos membros
inferiores do feto veio a ocorrer mais de uma hora após a entrada da parturiente no
nosocômio, o que deixa claro a existência de tempo razoável para ministração de
medicamento antenatal para retardamento do parto, bem como, no momento
adequado, a opção pela intervenção por via alta.

Finalmente, durante o parto, em razão da desproporção entre a cabeça e


o corpo do feto ainda prematuro, sobreveio episódio conhecido na literatura médica
como “cabeça derradeira”, consistente no aprisionamento da cabeça fetal no colo
uterino após a saída do corpo fetal.

Diante de tal ocorrência, o denunciado, mais uma vez com imprudência,


consistente em inobservância de regra técnica da profissão, manobrou o corpo fetal
equivocadamente, culminando na decapitação do bebê de Mariana Pereira de Araújo, a
qual teve de ser levada às pressas ao centro cirúrgico, para realização de intervenção
cirúrgica para retirada da cabeça fetal, a qual havia permanecido no interior de seu
corpo.

2. DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

2.1. DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O art. 127, caput, da Constituição Federal prescreve que “o Ministério


Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis”.

Ademais, complementa o art. 129, II, da Magna Carta:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

5 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ARAGUARI/MG


Fernando Henrique Zorzi Zordan – Promotor de Justiça
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de
relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição,
promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

Outrossim, o art. 37, § 4º, da Bíblia Política estabelece que “os atos de
improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da
função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e
gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.

Nesta perspectiva, em vista de que o Ministério Público é a instituição


encarregada pela Constituição Federal de defender os interesses individuais
indisponíveis, dentre os quais se incluem a saúde e a vida, deve-se punir o agente
inserido na esfera de serviço público que atue afastado dos princípios constitucionais
norteadores da Administração Pública, sendo que o legislador conferiu expressamente
legitimidade ativa ao Ministério Público para propor a ação civil por ato de improbidade
administrativa. Neste sentido o art. 17, caput, da Lei nº 8.429/1992:

Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério
Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de 30 (trinta) dias da
efetivação da medida cautelar.

Sobre o tema, vale trazer a lume a lição de Francisco Octávio de Almeida


Prado:

Em conclusão, não se nega ao Ministério Público legitimidade para ajuizar ação


civil com vistas a punir os responsáveis por atos de improbidade administrativa.
Sua legitimidade para tanto deriva, antes de tudo, da previsão explícita do
inciso III do art. 129 da Lei Maior, que encontra plena ressonância no art. 17 da
Lei 8.429, de 1992. O que se quer salientar é que a via adequada para este fim
não é a ação disciplinada pela Lei 7.437, de 1985, mas a ação prevista e
regulada pela Lei 8.429, de 1992 (arts. 17 e 18), prevista especificamente para
os atos de improbidade administrativa. Não vemos impedimento a que ela seja
chamada também de ‘civil pública’. O que, a nosso ver, não faz sentido é
admitir a existência de dois procedimentos especiais, substancialmente
distintos, destinados a abrigar a mesma lide” (PRADO, Francisco Octávio de
Almeida. Improbidade Administrativa, Malheiros, 2001, p. 191).

6 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ARAGUARI/MG


Fernando Henrique Zorzi Zordan – Promotor de Justiça
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Destarte, tem-se que é inequívoca a legitimidade ativa do Ministério


Público para ajuizar a ação civil pública por ato de improbidade administrativa, a qual
segue o rito da Lei nº 8.429/1992.

2.2. DA LEGITIMIDADE PASSIVA

O art. 1º da Lei de Improbidade Administrativa prescreve que o ato de


improbidade administrativa pode ser praticado por "qualquer agente público, servidor
ou não".

A menção a "qualquer agente público" significa que os atos de


improbidade podem ser praticados por todas as categorias de agentes públicos,
incluindo servidores estatutários, empregados públicos celetistas, agentes políticos,
contratados temporários e particulares em colaboração com a Administração, tais como
os requisitados de serviço (mesários e conscritos, por exemplo).

Dessa forma, admite-se a sujeição de particulares às penalidades da LIA,


desde que induzam, concorram ou se beneficiem dos atos de improbidade.

Art. 3º As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que,
mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de
improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

No caso dos autos, salienta-se que o requerido possui legitimidade para


figurar no polo passivo da ação, na medida em que, nas ocasiões dos fatos tratados,
atuava na condição de médico obstetra do Sistema Único de Saúde, na cidade de
Araguari, mais precisamente na Santa Casa de Misericórdia, atendendo parturientes na
rede pública municipal, e durante tais atendimentos provocou dano moral coletivo
contra a sociedade malbaratando a imagem do SUS, ferindo ainda o princípio da
eficiência administrativa.

7 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ARAGUARI/MG


Fernando Henrique Zorzi Zordan – Promotor de Justiça
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
2.3. DOS DANOS

2.3.1 DO DANO MORAL COLETIVO

Adotando posição vanguardista, a Lei 7.347/85 prevê a responsabilização


por danos morais coletivos, nos seguintes termos:

Art. 1: Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as
ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:
[...]
IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;
[...]
Art. 3: A ação civil poderáá́ ter por objeto a condenação em dinheiro ou o
cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

Vale dizer, enquanto o dano moral individual é a lesão causada sobre os


direitos da personalidade do titular, não se misturando com a dor, o sofrimento ou o
abalo psicológico experimentado pela vitima - estes constituem tão somente efeitos da
ofensa –, o dano moral coletivo é a lesão aos valores fundamentais guardados pela
sociedade.

Sendo assim, é absolutamente possível cumular a responsabilidade pelo


desgraçamento da vida de famílias que tiveram seus sonhos de paternidade e
maternidade interrompidos bruscamente por erro de outrem (dano moral individual,
devidamente perseguidos em ações individuais personalíssimas) com a
responsabilidade pela lesão ao sentimento e confiança que a sociedade nutre no
Sistema Público de Saúde (dano moral coletivo).

O Superior Tribunal de Justiça, por meio da 2ª e 3ª Turmas, passou a


admitir de modo sistemático a possibilidade de responsabilização por dano moral
coletivo, sua função punitiva, e mais: a legitimidade do Ministério Publico para fazer
seu requerimento em sede de ação civil pública. Neste sentido, colaciona-se o seguinte
precedente:

8 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ARAGUARI/MG


Fernando Henrique Zorzi Zordan – Promotor de Justiça
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
ADMINISTRATIVO – TRANSPORTE – PASSE LIVRE – IDOSOS – DANO
MORAL COLETIVO – DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA DOR E
DE SOFRIMENTO – APLICAÇÃO EXCLUSIVA AO DANO MORAL INDIVIDUAL
– CADASTRAMENTO DE IDOSOS PARA USUFRUTO DE DIREITO –
ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA PELA EMPRESA DE TRANSPORTE – ART. 39,
§1o DO ESTATUTO DO IDOSO – LEI 10741/2003 VIAÇÃO NÃO
PREQUESTIONADO.
1. O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma
classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela
presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto
síntese das individualidades percebidas como segmento, derivado de uma
mesma relação jurídica-base.
2. O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de
sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do
indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos.
3. Na espécie, o dano coletivo apontado foi a submissão dos idosos a
procedimento de cadastramento para o gozo do benefício do passe livre, cujo
deslocamento foi custeado pelos interessados, quando o Estatuto do Idoso, art.
39, §1° exige apenas a apresentação de documento de identidade.
4. Conduta da empresa de viação injurídica se considerando o sistema
normativo.
5. Afastada a sanção pecuniária pelo Tribunal que considerou as circunstâncias
fáticas e probatória e restando sem prequestionamento o Estatuto do Idoso,
mantém-se a decisão.
6.Recurso especial parcialmente provido.
(STJ. REsp 1057274/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA,
julgamento 01/12/2009, DJe 26/6/2010).

Corroborando tal entendimento, a 1ª Turma do Superior Tribunal de


Justiça também firmou importante aresto acerca da possibilidade de compensação por
dano moral coletivo e, mais: a legitimidade conferida ao Ministério Público em seu
pleito:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO


RECURSO ESPECIAL. COMPETÊNCIA PARA O PROCESSAMENTO E
JULGAMENTO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL OBJETIVANDO INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS
COLETIVOS EM DECORRÊNCIA DE FRAUDES EM LICITAÇÕES PARA A
AQUISIÇÃO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO MEDIANTE A UTILIZAÇÃO

9 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ARAGUARI/MG


Fernando Henrique Zorzi Zordan – Promotor de Justiça
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
DE RECURSOS FEDERAIS. EMISSÃO DE DECLARAÇÕES FALSAS DE
EXCLUSIVIDADE DE DISTRIBUIÇÃO DE MEDICAMENTOS ART. 535 DO
CPC NÃO VIOLADO. UNIÃO FEDERAL ADMITIDA COMO ASSISTENTE.
SÚMULA 150 DO STJ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ART. 109, I,
DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE
DOCUMENTOS INDISPENSÁVEIS À PROPOSITURA DA AÇÃO
RECHAÇADA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA
7 DO STJ.
[...]
2. À luz dos artigos 127 e 129, III, da CF/88, o Ministério Público Federal tem
legitimidade para o ajuizamento de ação civil pública objetivando indenização
por danos morais coletivos em decorrência de emissões de declarações falsas
de exclusividade de distribuição de medicamentos usadas pra burlar
procedimentos licitatórios de compra de medicamentos pelo Estado da Paraíba
mediante a utilização de recursos federais.
[...]
(STJ. AgRg no REsp 1003126/PB, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 01/03/2011, DJe 10/05/2011).

Assim, tem-se que doutrina e jurisprudência pátria optaram pelo


estabelecimento de dois requisitos para a caracterização (e, por suposto, a
responsabilização) do dano moral coletivo, sendo eles: i) razoável significância do fato
ilícito e ii) repulsa social.

Ao passo que para o dano moral individual basta a lesão aos direitos da
personalidade, vale dizer: a mitigação da integridade física por falta de assistência à
saúde.

Examinando as provas arregimentadas pela instrução das peças


informativas que instruem esta exordial, foi possível constatar a presença de ambos
requisitos fixados doutrinária e jurisprudencialmente para as duas dimensões de danos
morais (individuais e coletivos), pois há prova farta de lesão à integridade das
parturientes, de seus familiares e de seus fetos pela conduta equivocada empregada
pelo requerido, assim como clara repulsa social pelos erros praticados e pelos danos
deles decorridos, gerando inexorável descrédito e abalo de confiança no Sistema
Público de Saúde.

10 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ARAGUARI/MG


Fernando Henrique Zorzi Zordan – Promotor de Justiça
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

2.3.2 DA CARACTERIZAÇÃO DO ATO DE IMPROBIDADE


ADMINISTRATIVA

Os agentes públicos podem praticar, no exercício das funções estatais,


condutas violadoras do Direito, capazes de sujeitá-los à aplicação das mais diversas
formas de punição.

Nos casos, como o feito em testilha, em que o comportamento cause


dano, moral ou material, pleiteia-se em ação civil a reparação do dano. Sendo
praticada conduta tipificada como crime, instaura-se, como deveras foi feito no
presento caso, processo penal tendente a aplicação de sanções restritivas da
liberdade.

Há ainda previsão na hipótese de infração de natureza funcional, do


Poder Público instaurar um processo administrativo que, em caso de condenação do
agente, resulta na fixação de sanções relacionadas ao cargo público, como
advertência, suspensão e até demissão do servidor.

Essas 3 (três) instâncias distintas de responsabilidade, a civil, a penal e a


administrativa, compõem tradicionalmente a denominada tríplice responsabilidade do
agente público.

A par das repercussões civil, penal e administrativa, é possível identificar


uma quarta esfera de responsabilização do agente público em decorrência de condutas
praticadas no exercício de suas funções, a saber: aquela decorrente da aplicação da
Lei nº 8.429/1992.

Trazendo o Direito à espécie, nos casos em testilha, o requerido, na


condição de médico do Sistema Único de Saúde (SUS), agente público, portanto,
causou dano moral ao patrimônio público e violou o princípio da eficiência
administrativa estampado no art. 37, caput, da Constituição da República Federativa do

11 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ARAGUARI/MG


Fernando Henrique Zorzi Zordan – Promotor de Justiça
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Brasil, ao prestar serviço público de saúde em desacordo com as normas técnicas
previstas para a profissão, causando, imprudentemente, os óbitos, bem como as
decapitações dos fetos das parturientes Tânia Borges Vieira Silva e Mariana Pereira de
Araújo.

Com efeito, denota-se das peças informativas anexas que a técnica


levada a efeito por Fernando Borges Santos ocasionou a decapitação dos bebês após
o parto pela via baixa (vaginal), fato que poderia ser evitado caso o profissional da
saúde se atentasse para as condições das gestantes e para a literatura médica, uma
vez que estando os fetos em apresentação pélvica, cada uma com suas
particularidades, recomendável seria a feitura de parto por via alta.

Importante destacar, ademais, que embora o requerido defenda que não


haveria tempo para a realização de cirurgia cesariana na parturiente Tânia Borges
Vieira Silva, há prova testemunhal em sentido diverso, firmando que ainda não havia
ocorrido rompimento da bolsa e exteriorização de membros do feto quando da chegada
da gestante à Instituição Hospitalar.

Mais grave ainda a questão envolvendo a parturiente Mariana Pereira de


Araújo, a qual, inexoravelmente, foi recebida no hospital Santa Casa de Misericórdia de
Araguari com a bolsa gestacional íntegra e o feto em apresentação pélvica. Vale dizer,
era extremamente viável, e lógico, a saída do feto pela via alta (cirurgia cesariana).

Não bastasse, ademais, a opção do requerido, em ambos os casos, pelos


partos por via baixa, nos dois episódios, após sobrevindo “cabeça derradeira”, o
médico manobrou os fetos imprudentemente, levando em ambos os casos à
decapitação dos nascituros.

Sublinha-se que o próprio requerido assinalou na declaração de óbito do


feto de Tânia Borges Vieira Silva que a morte se deu durante o parto, o que afasta
totalmente a famigerada alegação que não havia batimentos fetais quando do início do
parto.

12 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ARAGUARI/MG


Fernando Henrique Zorzi Zordan – Promotor de Justiça
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Por outro lado, embora o requerido tenha assinalado na declaração de
óbito do feto de Mariana Pereira de Araújo que o falecimento se deu antes do parto, há
vasta documentação juntada aos autos demonstrando que o feto não apenas era
viável, do ponto de vista da medicina, mas também teve seus batimentos regulares
auscultados em mais de uma oportunidade durante o parto, o que demonstra falta de
veracidade do afirmado na declaração de óbito.

Tal fato, por si só, viola o dever de honestidade e lealdade institucional


existente para aquelas pessoas que se dispõem a atuar no serviço público. Não
poderia jamais o requerido, na condição de médico atuante no sistema público de
saúde, falsear a realidade em uma declaração de óbito, com o nítido fim de mascar o
desenrolar dos fatos, para amenizar o erro por ele cometido.

Regulando a matéria dispõe a Lei 8.429/92:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao


erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda
patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou
haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei. [...]

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os


princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os
deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições

Assim, a partir da leitura dos fatos acima descritos, torna-se imperioso


aferir que as condutas do médico Fernando Borges Santos resultaram em inegável
dano moral coletivo gerador de prejuízo ao patrimônio público consistente na
descrença da sociedade quanto a qualidade da prestação do serviço público de saúde
no âmbito do SUS.

Vale dizer, as ofensas irrogadas às gestantes – que tiveram seus sonhos


de mãe interrompidos pela brutalidade do atendimento do requerido, que se descuidou
de atuar regrado pelos mais modernos direcionamentos da ciência médica –
suplantaram a esfera individual e atingiram a sociedade araguarina como um todo.

13 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ARAGUARI/MG


Fernando Henrique Zorzi Zordan – Promotor de Justiça
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Em consequência, o Sistema Público de Saúde sofreu valoroso
descrédito junto a sociedade local, que passou a ter verdadeiro receio da realização de
partos na Instituição Hospital provida de maternidade do SUS na cidade, consoante
demonstram diversos comentários constantes dos autos lançados em páginas da rede
social Facebook, onde os casos repercutiram.

Sobre a matéria leciona a irretocável doutrina de Emerson Garcia, para


que “a Lei nº 8.429/1992, como temos defendido, não se destina unicamente à
proteção do erário, concebido como patrimônio econômico dos sujeitos passivos dos
atos de improbidade, devendo alcançar, igualmente, o patrimônio público em sua
acepção mais ampla, incluindo o patrimônio moral”. (Estudos sobre Improbidade
Administrativa, Editora Lumen Juris; Rio de Janeiro, 2010, p. 141).

Pois bem. No caso em cena, denota-se que o médico Fernando Borges


Santos, atuando como agente público do SUS, violou o mais caro dos valores da
sociedade: a vida.

Além disso, frisa-se que o erro médico se repetiu em menos de 6 (seis)


meses, demonstrando que a permanência do requerido na prestação de serviço
público de saúde acarreta verdadeiro risco às parturientes que lhe forem submetidas a
atendimento.

Muito embora a Lei nº 8.429/1992 estabeleça em seu art. 1º, caput, que
são sujeitos passivos dos atos de improbidade administrativa as pessoas jurídicas ali
elencadas, sublinha-se que a titularidade dessas entidades pertence à própria
sociedade.

Outrossim, tendo em vista que o Sistema Único de Saúde (SUS),


constituído pela reunião de esforços da União, Estados e Municípios, deve gozar de
credibilidade e moral ilibada diante de seus destinatários, bem como considerando que
qualquer conduta tendente a ferir essa imagem deve ser reprimida, sustenta-se que o
médico Fernando Borges Santos provocou a violação da imagem do SUS perante os

14 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ARAGUARI/MG


Fernando Henrique Zorzi Zordan – Promotor de Justiça
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
araguarinos por intermédio dos dois atos mencionados nos autos, visto que tais fatos
geraram desconfiança no sistema, que deve ser restabelecida.

Defendendo a existência de dano moral coletivo decorrente da prática de


atos de improbidade administrativa, ensina mais uma vez a doutrina:

No campo dos interesses difusos, a indenizabilidade do dano moral se vê


expressamente admitida pelo art. 1º da Lei da Ação Civil Pública, com a
redação dada pela Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994 (Regem-se pelas
disposições desta Lei, sem prejuízo da Ação Popular, as ações de
responsabilidade por danos morais e patrimoniais...). Antes mesmo da referida
alteração legislativa, a matéria já encontrava expressa previsão no art. 6º, VI,
do CDC. Evidentemente “... se o indivíduo pode ser vítima de dano moral, não
há porque não possa sê-lo a coletividade. Assim, pode-se afirmar que o dano
moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou
seja, é a violação antejurídica de um determinado círculo de valores coletivos.
Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção de fato de
que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor)
idealmente considerado foi agredido de maneira absolutamente injustificável do
ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a
própria cultura, em seu aspecto imaterial.

Temos como induvidosa, deste modo, não só em razão dos sólidos


fundamentos jurisprudenciais e doutrinários acima referidos, como também, e
sobretudo, em razão da expressa previsão legal, a possibilidade de formulação
de pedido indenizatório de tal natureza, sozinho ou cumulado com o
ressarcimento de danos materiais, se existentes, conclusão que se vê
confirmada se considerarmos que o conceito de ‘patrimônio público’ não se
confunde com o de ‘erário’. Também pela própria Lei de Improbidade, cujo art.
12, ao aludir ao ‘ressarcimento integral do dano’, não distingue entre dano
material e moral (Improbidade Administrativa, Emerson Garcia e Rogério
Pacheco Alves, 2ª ed., Lumen Juris Editora, 2004, p. 709).

E o dano moral coletivo, nos casos de improbidade administrativa, pode


ser constatado sob dois prismas ou vertentes, ou seja, do ponto de vista da honra
objetiva, considerado o sentimento de descrédito na relação entre o ente público e
seus administrados, causado pelos atos ímprobos, bem como sob a óptica da honra

15 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ARAGUARI/MG


Fernando Henrique Zorzi Zordan – Promotor de Justiça
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
subjetiva, estampado o dano no constrangimento, no abalo e perturbação ao meio
social, pelo atuar ímprobo2.

Destarte, inconteste de dúvidas que as condutas do requerido


configuraram ato de improbidade administrativa causador de prejuízo ao patrimônio
público, já que evidente nos autos o dano moral coletivo consistente na incredulidade
da população de Araguari no tocante ao atendimento do médico pelo SUS.

Finalmente, sublinha-se que os erros médicos de Fernando Borges


Santos durante os nascimentos dos bebês de Tânia Borges Vieira Silva e Mariana
Pereira de Araújo – dois casos de crianças com as cabeças arrancadas durante o
parto, em intervalo inferior a seis meses – não são característicos da imprevisibilidade
da atuação médica, haja vista que possuem elemento normativo bem definido,
característico de culpa grave, ferindo irremediavelmente os preceitos da boa prestação
do serviço público tutelada na Lei de Improbidade Administrativa e especialmente o
princípio constitucional da eficiência administrativa.

3. DAS SANÇÕES CABÍVEIS

O dever de punição dos atos de improbidade administrativa tem


fundamento constitucional no art. 37, § 4º, do Texto Maior:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da


União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos

2
Sobre o tema, confiram-se novamente as lições de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves: “Ainda sob o
enfoque da honra objetiva, tem-se aquelas condutas que, causando, ou não, dano ao erário (arts. 9º, 10, 11 da Lei
de Improbidade), contribuem fundamente para o descrédito das instituições públicas, do Estado junto à sociedade,
esmaecendo o vínculo de confiança que deve existir entre ela e os exercentes do poder político, degenerando-o de
modo a colocar em xeque a própria segurança das relações sociais, disseminando entre os indivíduos, sobretudo
entre os menos favorecidos economicamente, o nefando sentimento de impunidade e de injustiça social. Aviltando,
enfim, o próprio sentimento de cidadania. Detectada tal característica do atuar ímprobo, vale dizer, a sua elevada
repercussão negativa no meio social – para o que concorrerá não só a magnitude da lesão mas também a própria
relevância política do agente ímprobo e o grau de confiança nele depositada pelo povo – deve se reconhecer o dano
moral difuso”.
Numa segunda perspectiva, a da denominada honra subjetiva, a análise do dano moral, de sua ocorrência,
deve ser deslocada para o plano da coletividade, isto em razão da óbvia impossibilidade de a pessoa jurídica de
direito público suportar ‘dores físicas ou morais’. O foco, aqui, será voltado à detecção de estados de comoção
deflagrados no meio social pelo atuar ímprobo (dano moral coletivo), devendo-se, para tanto, identificar a natureza
do bem lesado e a dimensão do prejuízo suportado pela coletividade (Improbidade Administrativa, 2ª ed., Lumen
Juris Editora, 2004, p. 764-765).
16 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ARAGUARI/MG
Fernando Henrique Zorzi Zordan – Promotor de Justiça
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e,
também, ao seguinte:

§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos


políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o
ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da
ação penal cabível.

Trata-se de norma de eficácia limitada cuja aplicabilidade somente


ganhou alcance prático com a promulgação da Lei nº 8.429/1992.

O responsável por ato de improbidade administrativa previsto nos artigos


10 e 11 da Lei de Improbidade Administrativa está sujeito às seguintes sanções:

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas


previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade
sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou
cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:

[…]

II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou


valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância,
perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito
anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e
proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou
incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por
intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo
de cinco anos;

III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da


função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos,
pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração
percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou
receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente,
ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo
prazo de três anos.

17 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ARAGUARI/MG


Fernando Henrique Zorzi Zordan – Promotor de Justiça
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Vertente outra, configurados os requisitos ensejadores da caracterização
do dano moral coletivo, a fixação de sua reparação deve observar o que dispõe as
legislações civilistas regentes da espécie, razão pela qual o Ministério Público de Minas
Gerais pugna pela fixação de dano moral coletivo em valor não inferior a R$ 200.00,00
(duzentos mil reais), tendo em vista ser tal valor razoável à reposição da ofensa ao
bem jurídico difuso violado, qual seja: a credibilidade e confiabilidade do Sistema
Público de Saúde na cidade de Araguari/MG.

Assim, devidamente demonstrados os atos de improbidade administrativa


praticados pelo requerido, que importaram em considerável prejuízo ao erário, na
espécie dano moral coletivo em face do Sistema Público de Saúde, bem como ofensa
irremediável a princípio constitucionalmente protegido da eficiência administrativa,
a imposição das respectivas sanções legais ao autor causador é medida de rigor.

4. DOS PEDIDOS

4.1. DO PEDIDO LIMINAR

O agente público, independentemente do vínculo que mantenha com a


Administração Pública, deve zelar pelo efetivo respeito à Carta Política, que estabelece
uma ampla tábua de direitos e deveres, dentre eles merecendo destaque a vida e a
saúde, ora tutelados com o pedido de proibição do requerido de contratar com o poder
público, traduzido à espécie como afastamento liminar do requerido de exercer a
medicina na rede pública de saúde (SUS) até o julgamento final da lide.

Retira-se dos autos que Fernando Borges Santos realizou dois partos
com resultados (culposamente) trágicos semelhantes dentro de um curto período de
seis meses no hospital Santa Casa de Misericórdia de Araguari, dilacerando a vida dos
pais das crianças e instigando o anseio da sociedade por Justiça, nisso consistindo o
fumus boni iuris da medida cautelar.

18 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ARAGUARI/MG


Fernando Henrique Zorzi Zordan – Promotor de Justiça
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Além disso, o periculum in mora também resta evidenciado pela real
probabilidade de reiteração da conduta ímproba, geradora de dano moral coletivo
contra o patrimônio público e violadora de princípios da administração pública, por
parte do médico requerido, sobretudo porque não se trata de caso isolado em sua vida,
já que houve reiteração da ilicitude em período curto de tempo.

Nota-se, portanto, que se Fernando Borges Santos não for impedido de


praticar suas atividades profissionais como médico do SUS, corre-se o risco de novas
ocorrências de parto com “cabeça derradeira” em Araguari.

Com efeito, sustenta o Ministério Público que cumpre ao Poder Judiciário


inibir novos comportamentos atentatórios à vida de gestantes e de seus bebês
mediante a concessão de medida liminar de impedimento do requerido de exercer a
medicina na rede pública de saúde (SUS) até o julgamento final da lide.

Ademais, acresce-se que não se está a pleitear o impedimento do


requerido de exercer a medicina, e sim o seu afastamento de exercê-la junto à rede
pública de saúde (SUS), uma vez que nesta rede não cabe à paciente optar pelo
médico de sua confiança, como ocorre na rede particular, havendo verdadeiro “contrato
de adesão” imposto à paciente no que tange ao profissional médico que lhe atenderá
no momento do parto.

Sabe-se que, na rede pública, a parturiente tem seu parto realizado por
aquele profissional que se encontra escalado no momento em que se inicia o seu
trabalho de parto, de forma que a permanência da atuação do requerido junto ao SUS
não apenas deixa nítida a possibilidade de reiteração dos episódios trágicos acima
referidos, mas também tem como efeito verdadeira tortura psicológica na parturiente
que busca a rede pública para a realização de seu parto e se depara com o requerido
como responsável pelo procedimento.

Salienta-se, finalmente, que dada à carga negativa dos acontecimentos


narrados, eles se tornaram conhecidos nacionalmente, consoante demonstram
publicações juntadas aos autos, sendo certo que inexiste parturiente atendida pelo

19 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ARAGUARI/MG


Fernando Henrique Zorzi Zordan – Promotor de Justiça
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
sistema pública de saúde em Araguari que não conheça tais episódios e tema
profundamente destino tão trágico aos seus nascituros.

Desta forma, demonstrados fumus boni iuris e periculum in mora o


atendimento do pleito liminar, determinando-se o impedimento do requerido de exercer
a medicina na rede pública de saúde (SUS) até o julgamento final da lide é medida que
se impõe.

4.2 DOS PEDIDOS E REQUERIMENTOS FINAIS

Considerando que a presente ação tem por escopo estabelecer cognição


para aplicação de sanção de improbidade administrativa, bem como a condenação por
dano extrapatrimonial coletivo, os pedidos serão desencadeados em etapas. Sublinha-
se que a cumulação é perfeitamente possível, conforme o domínio de entendimento
nos Tribunais, especialmente no Tribunal da Cidadania:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.


IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PREFEITO. ATO ADMINISTRATIVO DE
TRANSFERÊNCIA DE SERVIDORES. DESVIO DE FINALIDADE.
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ART. 129, III, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SÚMULA 329/STJ.
Cuidam os autos de Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do
Estado de Minas Gerais contra o Município de Rio Espera, em decorrência de
suposta improbidade administrativa que envolve desvio de finalidade na
remoção de servidoras públicas aprovadas por concurso público para atender
interesse político.
A suposta conduta amolda-se aos atos de improbidade censurados pelo art. 11
da Lei 8.429/1992, pois vai de encontro aos princípios da moralidade
administrativa e da legalidade (patrimônio público imaterial).
O Ministério Público possui legitimidade para ajuizar Ação Civil Pública com o
intuito de combater a prática da improbidade administrativa.
Condutas ímprobas podem ser deduzidas em juízo por meio de Ação Civil
Pública, não havendo incompatibilidade, mas perfeita harmonia, entre a
Lei 7.347/1985 e a Lei 8.429/1992, respeitados os requisitos específicos
desta última (como as exigências do art. 17, § 6°). Precedentes do STJ.
Recurso Especial provido.
20 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ARAGUARI/MG
Fernando Henrique Zorzi Zordan – Promotor de Justiça
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
(STJ. 2a Turma, REsp 1.219.706/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, j.
15.03.2011, DJe 25.04.2011).

Destarte, por todo o exposto, o Ministério Público de Minas Gerais requer


a este digno Juízo:

a) O atendimento das formalidades do art. 17, § 7º, da Lei nº 8.429/1992;

b) A concessão de medida liminar para impedir o requerido de exercer a


medicina na rede pública de saúde (SUS) até o julgamento final da lide, consoante
fundamentação do item 4.1;

c) A citação do réu, nos termos do art. 17, § 9º, da Lei nº 8.429/1992;

d) A Condenação do réu por improbidade administrativa nas penas do


art. 12, III, da Lei nº 8.429/1992, especificamente:
 Suspensão dos direitos políticos por 5 (cinco) anos;
 Pagamento de multa civil a ser fixada em 100 (cem) vezes o valor
da remuneração percebida pelo requerido por ocasião dos partos
de Tânia Borges Vieira Silva e Mariana Pereira de Araújo, que
segundo documentação juntada aos autos foi de R$785,66
(setecentos e oitenta e cinco reais e sessenta e seis centavos);
 Proibição do requerido de contratar com o poder público, trazido à
espécie como impedimento de exercer a medicina na rede pública
de saúde (SUS), pelo prazo de 3 (três) anos, a contar do trânsito
em julgado da condenação.

e) A Condenação do réu por dano moral coletivo ao pagamento


indenização ao Fundo Municipal de Saúde no montante sugerido de R$ 200.000,00
(duzentos mil reais), ou outro valor a ser arbitrado por esse Juízo.

f) A produção de todas as provas em Direito admitidas.

21 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ARAGUARI/MG


Fernando Henrique Zorzi Zordan – Promotor de Justiça
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Dá-se à causa, para efeitos processuais e fiscais, o valor de
R$278.566,00 (duzentos e setenta e oito mil e quinhentos e sessenta e seis reais),
dispensando-se o adiantamento de despesas de qualquer natureza, conforme disposto
no art. 18 da Lei de Ação Civil Pública.

Araguari, 13 de novembro de 2018.

Fernando Henrique Zorzi Zordan


Promotor de Justiça

22 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ARAGUARI/MG


Fernando Henrique Zorzi Zordan – Promotor de Justiça

Você também pode gostar