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INCONSTITUCIONALIDADE E GARANTIA DA CONSTITUIÇÃO

Inconstitucionalidade e garantia em geral

Inconstitucionalidade em geral

Noção restrita de inconstitucionalidade

A inconstitucionalidade é a relação de contrariedade que se estabelece entre um acto


político (na forma de acção ou de omissão) e uma norma ou normas constitucionais. Há
inconstitucionalidade quando um acto público viola ou contrária uma norma ou mais de
uma norma da constituição.

O acto político positivo (por acção) é um acto que ou é praticado quando não devia ser
praticado, ou é praticado contra uma norma constitucional.

Acto negativo (omissão), traduz-se na omissão (falta) de prática de um acto cuja prática
era imposta por uma norma constitucional. Trata-se da inércia do poder político nos
casos em que uma norma constitucional mandava praticar um acto.

Entretanto, o acto político, negativo ou positivo, tem de ser necessariamente um acto


infraconstitucional, designadamente uma lei ordinária, um decreto-lei, um decreto do
conselho de ministros, um decreto presidencial ou um diploma ministerial. Esse acto
poderá também ser uma norma constitucional resultante de revisão constitucional, mas
nunca pode ser uma norma constitucional originária.

De acordo com Jorge Miranda, nos casos que o acto público contrariasse toda a
constituição, não estaríamos perante uma inconstitucionalidade, mas diante de uma
revolução ou uma anticonstitucionalidade.

É verdade que nos termos do número 4 do artigo 2 da CRM as normas constitucionais


sobrepõem-se sobre as demais normas do ordenamento jurídico, o que significa que todos
os actos infraconstitucionais devem conformar-se com a (CRM, já no artigo 243 n°1 a)
da CRM fica claro que os actos que estão sujeitos a fiscalização jurisdicional (ao
ajuizamento da inconstitucionalidade pelo Conselho Constitucional) são os actos
normativos (previstos no artigo 142 da CRM). Já o artigo 214 da CRM proíbe aos
tribunais a aplicação de leis (lei em sentido material) e princípios ofensivos à CRM.
Destes preceitos, resulta que ficam excluídos do controlo jurisdicional de
inconstitucionalidade por exemplo os actos praticados por particular, para os quais,
haverá outro regime de controlo de legalidade.

Do artigo 244 da CRM não está prevista a fiscalização da inconstitucionalidade das


normas do direito internacional, nomeadamente, os tratados e acordos internacionais, por
aí se referir apenas a actos normativos dos órgãos do Estado, o que afasta os tratados e
acordos internacionais que não são actos normativos dos órgãos do Estado moçambicano
e por não terem como fundamento de validade as normas constitucionais. Porém, isso não
significa que esses instrumentos de direito internacional estejam absolutamente isentos
de fiscalização em Moçambique, como veremos adiante.

a) uma relação directa: é aquela que afecta um acto ou uma omissão, ou uma norma que
esteja em relação directa com a Constituição, ou que venha a estar em relação directa com
ela; ou seja, uma relação directa, porque o acto público do Estado (praticado no exercício
do poder político, administrativo ou jurisdicional) ou uma norma provém de um órgão
constitucional, ou porque a sua formação fundou-se na constituição. Dito doutro modo,
estabelece-se uma relação directa quando um acto funda-se na constituição, por possuir
os seus pressupostos definidos na constituição.

b) há também relação directa, quando um acto público viola directamente uma norma
constitucional, nomeadamente, esteja em contradição com as regras de fundo, de
competência ou de forma definidas por uma 147 Acórdão nº02/CC/2007, de 20 de
junho, Processo nº 06/CC/07. A norma constitucional (não se trata de um acto público
que viola as regras de uma norma que, por sua vez, funda-se na norma constitucional,
pois neste caso seria uma violação indirecta da constituição).

c) A desconformidade dos actos públicos com as normas constitucionais indicada na


alínea anterior, para que se traduza em inconstitucionalidade é necessário que seja uma
relação de desconformidade e não de mera incompatibilidade; essa desconformidade terá
como efeito a invalidade das normas ou actos desconformes à constituição.

d) quando forem normas do direito internacional que infraconstitucionais que estejam


em desconformidade com a constituição, a consequência será a de ineficácia (não
produção de efeitos, e não de invalidade.
Inconstitucionalidade de normas constitucionais

Pode haver inconstitucionalidade das normas supervenientes em relação as preexistentes,


uma vez que as supervenientes decorrem dessas. Também pode haver
inconstitucionalidade das normas constitucionais de revisão sempre que as normas de
revisão ou oriundas de revisão forem contrárias às normas originárias da constituição,
uma vez que a revisão se funda formal e materialmente na Constituição. Ou seja, podem
ser inconstitucionais, quer as normas de revisão constitucional ou resultantes da
revisão constitucional, quer as normas supervenientes.

É óbvio que uma norma constitucional originária pode dispor de forma contrária ao
espírito e aos princípios tendencialmente concebidos pelas restantes normas
constitucionais originárias, mas isso não origina a inconstitucionalidade da norma
constitucional originária, poderá suscitar uma interpretação ou correctiva ou ab-rogante,
por incompatibilidade. Pode efectivamente suceder que determinada norma
constitucional originária seja contrária ao princípio da justiça, mas neste caso, o problema
será o da injustiça da norma e não da inconstitucionalidade da mesma. Questão diferente
é a de saber se o juiz pode ou não apreciar a injustiça dessa lei, nomeadamente, os juízes
podem se recusar a aplicar essa norma constitucional ao abrigo do artigo 214 da CRM?
Entendemos que não cabe no artigo 214 a possibilidade dos juízes se recusarem a aplicar
uma norma constitucional, pois neste preceito impõe-se apenas o dever de os tribunais
não aplicarem normas que ofendem a constituição, que não é o caso. Podem sim, os
tribunais se recusarem de aplicar essa norma, invocando os princípios gerais
supraconstitucionais.

Inconstitucionalidade e ilegalidade

O termo legalidade pode-se usar para referir ao mérito ou conformidade do poder com o
Direito a que esse poder se subordina. É o que pode resultar do artigo 3 da CRM onde
se refere que a República de Moçambique é um Estado de Direito, baseado no
pluralismo de expressão, na organização política democrática, no respeito e garantia dos
direitos e liberdades fundamentais do Homem”, para significar que a legalidade do Estado
seria a vinculação deste ao regime do Estado dedireito democrático, que implica, dentre
outros, a submissão aos princípios democrático, de legalidade (stricto sensu), etc.
Pode-se falar outros sim em legalidade para referir à relação de conformidade que se
estabelece entre um acto público com uma norma do direito ordinário. E no caso de
desconformidade com o direito ordinário resultaria a ilegalidade do acto contrário. Já a
inconstitucionalidade seria a desconformidade das leis ordinárias com as normas
constitucionais, sendo a constitucionalidade, a conformidade da norma ordinária com a
constituição. É este o sentido que aqui interessa.

Assim, o acto do poder pode ofender tanto a constituição, passando a ser inconstitucional,
quanto uma norma ordinária, o que se designa por ilegalidade. Será inconstitucional o
acto do poder que, encontrando os seus pressupostos directamente da Constituição, viole
esses pressupostos.

Será ilegal o acto do poder que, baseando a sua validade numa norma ordinária, viole
essa norma. As dificuldades de qualificação, se o acto do poder é inconstitucional ou
ilegal, podem se colocar nos casos em que esse acto encontre fundamento, em parte na
Constituição (exemplo quanto à competência e forma) e em parte na lei ordinária
(exemplo, quanto ao conteúdo que a norma deve ter). Trata-se das situações em que, por
exemplo, estabelecendo a constituição que certo acto do poder deva subordinar-se a uma
norma inconstitucional, esse acto viole a lei ordinária, o que vai significar
consequentemente a violação da própria constituição.

Exemplos: a subordinação dos actos da Assembleia da República ao seu regimento, a


limitação dos regulamentos produzidos pelas autarquias locais aos actos normativos
produzidos pelas autoridades tutelares.

Com efeito, do relacionamento entre a norma constitucional, norma legal e norma


regulamentar (incluindo aqui regulamentos de execução e regulamentos autónomos),
podem surgir as seguintes situações:

1ª) A norma legal é constitucional, a norma regulamentar é legal: aqui há harmonia


entre os princípios, pois a norma regulamentar está em conformidade com a norma legal
de que se serve de base, e esta, por sua vez, está em conformidade com a constituição.

2ª) A norma legal é constitucional, a norma regulamentar é ilegal: neste caso, prevalece
a norma legal, decretando-se a ilegalidade da norma regulamentar.

3ª) A norma legal é inconstitucional, a norma regulamentar é legal: neste caso, a norma
legal é que é ofensiva à constituição, entretanto, a norma regulamentar não ofende
nenhuma norma da constituição. Para Jorge Miranda, ainda que a norma regulamentar
não ofenda a constituição, a mesma não poderá subsistir, devido ao seu carácter de
acessoriedade em relação à norma legal, contudo, a norma regulamentar não poderá ser
impugnada, na medida em que atacar o regulamento equivale a atacar a norma legal.
Entretanto, sendo declarada a inconstitucionalidade da lei ordinária, a norma
regulamentar, ainda que não ofensiva à constituição, fica sem base, à menos que seja um
regulamento autónomo (e não simples regulamento executivo)

4ª) A norma legal é inconstitucional, a norma regulamentar é ilegal: não se pode cogitar
que sendo declarada a inconstitucionalidade da norma legal inconstitucional, a norma
regulamentar ilegal passará automaticamente a ser constitucional. Entretanto, se for um
regulamento autónomo ou constitucionalmente independente: regulamentos que se
baseiam directamente na constituição e não por via de lei ordinária, não se colocam
quaisquer problemas, pois se forem contrários à constituição serão inconstitucionais.

Inconstitucionalidade e hierarquia

A Constituição prevalece sobre as normas que imediatamente a seguem. Estas


sobrepõem-se sobre as restantes normas infraconstitucionais que, entretanto, não se
subordinam directamente à constituição. As normas sobre a produção jurídica prevalecem
sobre as normas de produção jurídica. Os actos normativos sobrepõem-se aos actos
concretos por si regidos. As leis sobrepõem-se aos regulamentos. Os actos de função
jurisdicional e política sobrepõem-se aos actos de função administrativa.

A hierarquia entre as normas em Moçambique pode se estabelecer da seguinte


forma: a Constituição ocupa uma posição suprema sobre todas as restantes normas do
ordenamento. As normas de valor acrescentado sobrepõem-se às normas ordinárias, estas
sobrepõem-se aos decretos do conselho de ministros. Os decretos do Conselho de
Ministros prevalecem sobre os diplomas ministeriais.

“Apesar de todo o esforço e cuidado postos na sua elaboração, este guia é susceptível de conter
possíveis falhas, pelo que apelo para a compreensão e costumada benevolência do estudante,
neste sentido aconselho os colegas a confrontarem com outros livros”.

Por: Ednilson Mondlane

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