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INTERROGATÓRIO EFICAZ

Tenha Sucesso na Prova Testemunhal

Jorge Alberto Araujo


SUMÁRIO

Agradecimentos

Apresentação

Prólogo

A qualidade do seu interrogatório define os seus resultados

Dificuldades para que a justiça seja feita

O dia a dia dos interrogatórios

Falta a prática processual

Conhecer os pontos fundamentais dos processos

Preparando-se para o interrogatório

Passo 1 - Tenha uma ideia clara sobre as duas principais formas de proceder
em um interrogatório

Passo 2 - Aprenda sobre as diversas formas de perguntar

Passo 3 - Escolha a estratégia correta para a prova a ser produzida

Passo 4 - Mantenha uma rotina de estudos sobre casos práticos

Mais casos da vida real


Uma habilidade de interrogatório ampliada

Interrogar é uma arte

Referências Bibliográficas
Para Ingrid
“Interrogar é ensinar”.
Xenofonte

“A arte de interrogar é bem mais a arte dos mestres do que a dos discípulos; é
preciso ter já aprendido muitas coisas para saber perguntar aquilo que se não
sabe”.

L'art d'interroger n'est pas si facile qu'on pense; c'est bien plus l'art desmaîtres
que des disciples; il faut déjà avoir appris beaucoup de choses poursavoir
demander ce qu'on sait pas.

Jean Jacques Rousseau – Julie, ou la Nouvelle Héloïse (1761), V, Lettre III


Agradecimentos

Ao casal de amigos e colegas Luiz Antonio Colussi e Elisabete Santos Marques,


pelo apoio de primeira hora.

Aos Desembargadores-Diretores da Escola Judicial do Tribunal Regional do


Trabalho da 4ª Região, José Felipe Ledur e Alexandre Corrêa da Cruz, pela
autorização e manutenção do Grupo de Estudos de Audiência e Conciliação
naquela instituição.

À Fonoaudióloga Débora Brum de Munno, que não apenas me deu dicas


imprescindíveis para a preparação e apresentação das minhas aulas, como foi
também uma grande incentivadora deste livro, inclusive me sugerido o contato
com o Professor Cabeggi.

Ao Professor Gilberto Cabeggi pelo seu profissionalismo e disponibilidade em


aceitar o desafio de orientar e auxiliar na elaboração do livro.

Um agradecimento especial às advogadas Daiane R. Silva e Caroline de


Camargo Freitas Bragança e aos colegas juízes Max Carrion Brueckner, Raquel
Hochmann de Freitas e Marcela Casanova Viana Arena, que se dispuseram a ler
os originais, apresentando críticas e sugestões extremamente úteis para a
finalização desta obra.

Por fim, minha gratidão a todos e a cada um dos alunos das diversas edições dos
cursos básico e avançado de Audiência Trabalhista e de Interrogatório
Trabalhista e aos colegas do Grupo de Estudos de Audiência e Conciliação da
Escola Judicial do TRT4, pelo compartilhamento de experiências.
Apresentação

A oralidade é uma das características mais marcantes do processo trabalhista. Em


grande parte das reclamações que tramitam na Justiça do Trabalho, a prova é
obtida por intermédio da oitiva de partes e testemunhas.

Em tempos atuais, não se admite que o advogado ou o juiz (em especial, o


trabalhista) possa comparecer em uma audiência sem conhecimento prévio
mínimo acerca das técnicas de interrogatório. Não há tempo hábil para que o
causídico consiga adquirir, no cotidiano das salas de audiência, a expertise
necessária para uma eficiente produção da prova. Tampouco o magistrado
adquire ao longo do concurso ou em sua formação inicial tal competência de
maneira completa. Imprescindível se faz o estudo sistemático da “ciência” do
interrogatório.

A obra do Juiz do Trabalho Jorge Alberto Araujo supre uma lacuna na doutrina
nacional a respeito do tema. Com linguagem objetiva, direta e acessível, que se
afasta do “juridiquês” hermético, possibilita aos profissionais da área do Direito
do Trabalho preparação de forma adequada e eficaz para os interrogatórios nas
audiências trabalhistas, conquanto, é claro, também seja recomendável à consulta
de profissionais de outras áreas do direito.

O excelente livro apresenta os passos fundamentais para o interrogatório, que


vão desde as principais formas de proceder ao interrogatório e as diversas
maneiras de perguntar, perpassando pelas melhores estratégias a serem
perfilhadas diante da prova almejada, até o atingimento de uma habilidade mais
ampliada do interrogatório.

Neste trabalho, fruto da experiência advinda da judicatura por quase duas


décadas, o brilhante magistrado e professor gaúcho põe em relevo a análise de
questões práticas, com excepcional didática.

Obra indispensável aos profissionais da área jurídica, de leitura fácil e agradável,


Interrogatório Eficaz – Tenha Sucesso na Prova Testemunhal representa uma
primorosa contribuição à “arte de interrogar”.

Alexandre Corrêa da Cruz,


Desembargador e Diretor da Escola Judicial do
Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região
Prólogo

Por Manuel Atienza1, Professor Catedrático de Filosofia do Direito da


Universidade de Alicante, Espanha.

Em minha experiência trabalhando há muitos anos no campo da Argumentação


Jurídica, pude constatar o efeito que se produz em muitos juristas que assistem
pela primeira vez algum curso ou seminário sobre a matéria. Compreendem logo
que esta é uma dimensão de extraordinária importância do mundo jurídico e,
diante da surpresa que lhes produz não terem tido notícias disso até então,
pensam que deveriam fazer algo para urgentemente preencher esta lacuna na
formação dos profissionais do Direito. Porém, a partir daqui, as reações diferem
consideravelmente, pois, obviamente, há muitos cursos de ação possíveis para
melhorar a situação.

Não é raro, por exemplo, que se opte por escrever algum tratado ou manual geral
sobre Argumentação Jurídica ou sobre os temas teoricamente mais complexos e
mais debatidos da "nova" matéria, com resultados que não costumam ser
esplendorosos. Em parte porque para ter uma visão geral e de certa profundidade
sobre uma matéria (sobre qualquer coisa) se necessita previamente ter algum
conhecimento de caráter, por assim dizer, "parcial" e mais ou menos
"superficial", e isso requer, como é lógico, certa experiência que, por definição,
não possui quem se aproxima do tema pela primeira vez. E em parte também
porque é muito provável que o que se necessite no campo da Argumentação
Jurídica não seja tanto uma nova teoria geral (ao fim e ao cabo, já há várias que,
sem ser objetáveis, proporcionam ao leitor um guia bastante confiável para se
adentrar neste território e obter uma adequada visão de conjunto), mas sim
melhores estudos situados em um plano de menor abstração e dirigidos para
entender melhor algum aspecto mais ou menos concreto deste novo "continente
jurídico".

Para continuar com esta metáfora geográfica: conhecemos, com um nível de

1 Professor Catedrático de Filosofia do Direito da Universidade de Alicante,


Espanha.
aproximação razoável, o mapa geral do território, porém agora necessitamos
conhecer mais a fundo cada uma das suas regiões, pois algumas delas seguem
sendo terra verdadeiramente desconhecida.

A estratégia que seguiu Jorge Alberto Araujo, ao escrever o presente livro, segue
precisamente o segundo dos percursos mencionados. Pois não fez outra coisa
senão aproveitar sua experiência como Juiz do Trabalho e seus conhecimentos de
Argumentação Jurídica para escrever uma obra clara e agradável de ler que pode
resultar de utilidade para melhorar um aspecto muito concreto – porém de
importância, por certo, relevante – na prática argumentativa dos advogados. Se
trata, além disso, de uma questão, o interrogatório de testemunhas, cujo estudo e
domínio serve não apenas, por assim dizer, para ganhar demandas, mas também
para compreender melhor alguns aspectos gerais e teoricamente muito relevantes
da Argumentação Jurídica.

Sobre o primeiro, não creio que seja necessário insistir muito. Parece óbvio que
um advogado estará em melhores condições para ter êxito no manejo da prova
oral na medida em que seja capaz de compreender as diferenças existentes (em
relação aos objetivos pretendidos em cada caso e em relação às técnicas a usar)
entre o interrogatório direto e o contrainterrogatório; de manejar com habilidade
diversos tipos de perguntas que vem a ser como a caixa de ferramentas de que
pode lançar mão o interrogador (perguntas abertas, focalizadas, diretas, para
contrastar hipóteses, sugestivas) ou de usar a experiência própria para melhorar
suas capacidades de interrogador.

Tudo isso (e muito mais) é algo que se pode aprender com a leitura deste livro,
de uma maneira que, eu acredito, pode-se qualificar como "natural" porque, em
muito boa medida, Araujo utiliza como principal recurso pedagógico sua própria
experiência como Juiz do Trabalho, o que lhe permite mostrar de maneira muito
didática o que convém evitar e quais procedimentos devem ser seguidos para em
cada caso se obter um interrogatório efetivo. E, mais ainda, embora as regras
práticas que Araujo vai estabelecendo sejam extraídas do campo do Direito do
Trabalho, nada impede que elas também possam se estender sem grandes
dificuldades (basta introduzir as correspondentes adaptações ratione materiae) a
outros ramos do Direito.

Porém, há também, como dizia, algumas considerações de caráter geral que a


leitura do livro de Araujo nos convida a fazer. Uma delas é a que leva a ratificar
o acerto do clássico conselho da tradição retórica, segundo a qual haveria três
caminhos para aprender a arte da Retórica (e, por extensão, a argumentação): o
estudo da teoria, a prática frequente e a utilização dos modelos de bom orador
(ou bom interrogador).

Outra consideração é que o interrogatório é um tipo de diálogo que


inequivocamente faz parte da Argumentação Jurídica e que, obviamente, não
obedece a forma do silogismo judicial, do modus ponens. Se poderia dizer que o
que no interrogatório (mais precisamente no contrainterrogatório) desempenha o
papel de "justificação interna" é o modus tolens (ou o seu equivalente lógico: a
redução ao absurdo), pois do que aqui se trata é mostrar que a partir de certa
afirmação da testemunha se segue alguma proposição que resulta inaceitável, o
que leva a debilitar (ou, em um extremo, a destruir) a credibilidade da afirmação
inicial.

É, portanto, o tipo de fundamentação que podemos encontrar nos diálogos


platônicos, de modo que, ao lado do Manual dos Inquisidores que Araujo
recomenda na sua bibliografia, se poderiam acrescentar outros textos de maior
enfoque filosófico como, sem irmos mais longe, A Apologia de Sócrates, um
manual no qual todo jurista poderia aprender a arte do interrogatório ao mesmo
tempo que alguns importantes ensinamentos da Filosofia e, por fim, o que talvez
tenha um maior significado – e que se conecta ao anterior – é mostrar a
importância que na Argumentação Jurídica tem o interrogatório de testemunhas
(e, em particular, as peculiaridades do contrainterrogatório) é uma maneira de se
enfrentar as concepções excessivamente idealizadas da Argumentação Jurídica
que nos últimos tempos têm sido aceitas por muitos juristas de maneira um tanto
irreflexiva e acrítica. Refiro-me à famosa tese do caso especial que parte de se
assumir que a Argumentação Jurídica, em todas as suas instâncias, obedece a um
único tipo de discurso ou de diálogo: o chamado "diálogo racional".

Porém, lendo este livro, é possível se perceber que as coisas não são assim, ou
seja, o interrogatório que faz o advogado (insisto: uma prática que faz parte
inequivocamente da Argumentação Jurídica) não ocorre de acordo com as regras
de uma discussão cooperativa em que se busca alcançar à verdade ou a correção.
Como diz em algum momento de seu livro Araujo, no contrainterrogatório "o
interrogador tem interesses divergentes em relação ao interrogado"; este último
tem como objetivo "contar uma história que seja verossímil, porém não
necessariamente verdadeira" ao passo que o primeiro, o interrogador, tem o
interesse contrário: procurar que o interrogado contribua para uma narração dos
fatos que lhe traga (ou para a parte que o apresentou) "consequências negativas",
não importando se a narração em questão é ou não conforme os fatos.

Não sei se para algum leitor parecerá estranho, porém para mim não o é,
constatar uma vez mais que o método jurídico consiste em uma constante
interação entre o concreto e o abstrato, o prático e o teórico; de maneira que um
livro como o de Araujo, que diz perseguir interesses práticos e muito concretos,
supõem também (talvez sem o pretender) a refutação do que é a tese
emblemática da teoria padrão da Argumentação Jurídica.
A qualidade do seu interrogatório define os seus resultados

Como Juiz do Trabalho, tenho percebido que frequentemente os advogados têm


uma ação com grande viabilidade de ganho. No entanto, a condução do processo,
em especial o manejo da prova oral, frequentemente faz com que ponham tudo a
perder.

Imagine este acontecimento: você, advogado, está no absoluto controle da


situação. A causa lhe chegou praticamente ganha. As suas peças processuais
estão todas elaboradas com primor, a prova documental lhe é favorável, as
testemunhas do seu cliente têm um bom conhecimento dos fatos. No entanto,
durante a prova oral algo acontece e você não vai tão bem quanto esperava. Pode
ser por uma confissão completamente inesperada de seu cliente, uma informação
obtida capciosamente das suas testemunhas ou, até mesmo, uma pergunta sua,
mal formulada, às testemunhas da parte adversária, que fez desmoronar, tal
castelo de cartas, a tese que há alguns instantes lhe parecia inexpugnável. E
agora, completamente atordoado, você nem ao menos consegue avaliar se a
proposta de acordo oferecida anteriormente pela parte adversária, que até então
lhe parecia ridícula, ainda pode ser alcançada, ou se será retirada.

Ao longo de toda a minha carreira na Justiça do Trabalho, que remonta ao


longínquo ano de 1990, tenho percebido que diversos aspectos do processo
judicial são negligenciados pelos profissionais do Direito. Há algumas matérias
que despertam muito interesse nos bacharéis, como, por exemplo, pressupostos
processuais, condições da ação e teoria dos recursos. Todavia, uma quantidade
talvez maior e mais significativa de institutos passa completamente ao largo de
qualquer espécie de estudos, sendo raríssimas as obras que os contemplam.

As matérias relativas à audiência estão compreendidas neste último grupo.

A criação das Escolas Judiciais, destinadas a formar e aperfeiçoar os


magistrados, parecia que iria suprir esta lacuna. Porém, o que tenho percebido é
que o seu conteúdo programático é apenas "mais do mesmo". Ou seja,
permanece-se estudando os institutos "populares", muitos dos quais inclusive
afastados da realidade da prática cotidiana, enquanto os profissionais ali
formados acabam sendo obrigados a criar as próprias heurísticas para enfrentar
os problemas relativos à audiência e outros igualmente deixados de lado.

O interrogatório, dentre todos os temas relativos à audiência, é o que se


demonstra mais preocupante, principalmente sob o ponto de vista da celeridade.

É assustadoramente frequente percebermos que advogados comparecem à


audiência trabalhista sem um projeto para a sua condução.

Mencionei a audiência trabalhista devido ao fato de minha experiência toda estar


sedimentada em matérias trabalhistas. Razão pela qual a grande maioria dos
meus exemplos, até pela minha prática, será trabalhista.

Porém, arrisco dizer que este material será de grande ajuda também em outras
áreas, pois tenho a convicção de que uma boa medida serve de maneira mais
ampla, e não somente para a área trabalhista.

Muitas vezes, o desenrolar da audiência, inclusive na parte que incumbiria aos


advogados produzir e sobre a qual, portanto, deveriam ter maior controle,
transcorre como se fosse uma grande surpresa para eles próprios. Isso acaba
gerando um número além do razoável de incidentes, que poderiam muitas vezes
terem sido facilmente identificados e evitados previamente.

Em uma situação em que atuei, uma petição inicial apresentava um longo


arrazoado sobre um pedido de indenização por danos morais. O fato alegado era,
efetivamente, grotesco e ensejaria, sem sombra de dúvidas, uma boa indenização.

Fiz um interrogatório preliminar com o autor, até com o intuito de buscar um


acordo rápido, que lhe evitasse ter de se submeter a um longo processo judicial
que, diante dos fatos narrados na inicial, poderia ser bastante estressante.

Comecei fazendo uma pergunta aberta para obter informações da forma mais
espontânea possível. Segue abaixo o teor de nosso diálogo e minhas
considerações:
Juiz: Como era o seu ambiente de trabalho?

Autor: Era ótimo. Um dos melhores lugares em que trabalhei.

A partir desta resposta, toda a minha impressão em relação ao fato alegado na


inicial se abalou. Todavia, ainda seria possível a existência do dano moral, talvez
até agravado em decorrência da quebra de confiança em um ambiente de trabalho
originalmente sadio. Fiz uma pergunta mais focalizada:

Juiz: E o senhor recorda de algum fato específico que tenha mudado,


de alguma forma, esta sua impressão?

Autor: Não. Foi assim até o fim.

Apenas agora com o intuito de confirmar a completa inexistência do fato,


prossegui:

Juiz: Se lhe fosse oportunizado, o senhor gostaria de retornar a


trabalhar na empresa no futuro?

Autor: Certamente que sim. Eu gostava muito de trabalhar lá.

Não preciso dizer o grau de desconforto que o advogado que representava este
autor experimentou diante deste depoimento. Após a audiência, ele pediu para
conversar comigo no gabinete e jurou que não tinha conhecimento desta situação
e que não tinha sido o autor da petição inicial.

Em outra circunstância que analisei, o autor pedia o pagamento de participação


nos lucros e resultados proporcionais ao ano em que fora despedido.

A tese da defesa era que o autor deveria ter feito este requerimento diretamente
no departamento de pessoal da empresa, em um determinado prazo, de acordo
com uma norma coletiva existente, que liberava expressamente a empresa desse
pagamento caso isso não ocorresse.
Com o intuito de entender o procedimento da empresa, interroguei sua preposta:

Juiz: Qual é o procedimento para que os trabalhadores obtenham o


pagamento da sua participação nos lucros após terem sido desligados?

Preposta: Os trabalhadores não têm que fazer procedimento algum: a


empresa faz este cálculo e efetua o pagamento.

Juiz: Certo, mas se a empresa não efetuar este pagamento, ou se o


trabalhador quiser registrar o requerimento, a empresa dá algum tipo
de recibo ou protocolo deste requerimento?

Preposta: Não. Isso não é necessário, nem nós aceitamos este tipo de
requerimento. A empresa é quem faz o cálculo e o pagamento.

Em ambos os casos é possível perceber que houve um divórcio entre a realidade


dos fatos e a as teses das partes, o que veio em seu prejuízo. O que foi facilmente
evidenciado através de um simples interrogatório conduzido de maneira
cuidadosa e adequada.

Nas páginas que seguem está o fruto de uma pesquisa realizada em um farto
material que venho coletando desde quando frequentei o Máster de Teoria da
Argumentação Jurídica, na Universidade de Alicante, na Espanha, com o
Professor Manuel Atienza, que me conduziu a um campo completamente
inexplorado no que diz respeito à argumentação, o interrogatório judicial a partir
da declaração de que “el interrogatorio de testigos en el juicio oral constituye
también (yo diría incluso que sobre todo) un ejemplo de argumentación
dialéctica”2.

Este patrimônio de conhecimento já foi exposto com sucesso aos meus alunos

2 ATIENZA, 2010.
advogados trabalhistas gaúchos, por meio de cursos promovidos por diversas
instituições3: o Curso Básico de Audiência Trabalhista, o Curso Avançado de
Audiência Trabalhista e o Curso Prático de Interrogatório Trabalhista. A partir
desse material, somado ao que foi levantado nestes três cursos, resolvi escrever
esta obra, focada no interrogatório.

O material pesquisado é realmente farto e diversificado. Cheguei a manusear


documentos como um manual apócrifo do DOPS para o interrogatório de
suspeitos, o Manual da Inquisição Espanhola, além de uma grande quantidade de
obras estadunidenses, onde a teoria e a prática do interrogatório estão anos-luz
adiante das nossas.

É importante advertir que grande parte do material coletado diz respeito ao


processo penal, em especial diante do fato de que os feitos de natureza civil são,
na sua imensa maioria, nos Estados Unidos, solucionados mediante acordo ou
arbitragem, dificilmente chegando a julgamento. Por conseguinte, muitas vezes a
exposição, em especial da teoria inicial, levará em consideração o Direito Penal,
inclusive para exemplos, nada obstante o enfoque principal seja principalmente o
trabalhista.

A partir da leitura do livro, o advogado poderá se beneficiar sob dois principais


aspectos. Em primeiro lugar, ficará apto a aplicar técnicas para obter, da melhor
forma possível, a informação, mediante o interrogatório da parte contrária, das
testemunhas do seu cliente e do adversário. E, por outro lado, estará habilitado a
identificar rapidamente os artifícios e armadilhas utilizados pelos advogados
adversários para trazer ao processo informações adequadas às suas teses.

Com o domínio adequado do interrogatório, advogados poderão comparecer às


audiências munidos de um projeto de condução que lhe favorecerá obter os
resultados desejados.

3 Vide acerca dos cursos à página http://direitoetrabalho.com


Dificuldades para que a justiça seja feita

O advogado, na sua ação, tem não apenas que fazer a prova do que alega, mas
cuidar também de demonstrar a fragilidade da prova da parte adversária. E para
isso é necessário ter o conhecimento e o domínio das principais técnicas e
estratégias para um interrogatório eficiente, sem o que certamente comprometerá
o seu desempenho e os resultados positivos nos processos.

Nada pode ser mais desagradável para um advogado do que ter uma tese
autêntica, de um direito legítimo, mas não conseguir demonstrar isso ao julgador
e por meio de uma decisão judicial ver perecer este direito. Em contrapartida, o
advogado da parte contrária que, sabendo-se sem razão, obtém a vitória, tem
duplas razões para comemorar, embora não se tenha alcançado a finalidade do
processo: a realização da justiça.

No entanto, quais fatores atuam neste autêntico jogo em que se transforma o


processo judicial e como fazê-los atuar em benefício de soluções mais justas?
Vejamos um exemplo.

Há algum tempo, uma experiente advogada trabalhista me confidenciou: quando


seus clientes lhe informavam trabalhar em uma jornada muito longa, sem o
recebimento das horas extraordinárias, ainda que percebesse que a história era
autêntica, ela informava uma jornada inferior na sua petição inicial. Isso ocorria
porque já havia perdido um sem número de casos, devido ao fato de o julgador
simplesmente haver considerado inverossímil a jornada informada.

Sem dúvida, uma petição inicial em que um trabalhador alega prestar serviços,
diariamente, das 7h às 23h, sem registro das horas extraordinárias, e o
correspondente pagamento, gera, efetivamente, a perplexidade de quem vai
apreciar este tipo de demanda.

Contudo, devo confessar que me impressionei positivamente após ter ouvido a


preposta Hellen, que apelidei, singelamente, de Hellen, a Supersincera. Naquela
circunstância, uma trabalhadora alegava que tinha, justamente, a jornada de
trabalho das 7h às 23h. Incrédulo, questionei a preposta Hellen, que representava
uma grande rede de supermercados.
Juiz: Srta. Hellen, a autora afirma que trabalhava diariamente das 7h às
23h. Isso procede?

Preposta Hellen: Sim. Às vezes, até mesmo além deste horário.

Esta resposta chegou a me surpreender. No entanto, nem sempre podemos contar


com a Hellen, a Supersincera, no outro lado, para corroborar com a nossa tese.

Tampouco se afigura como uma boa estratégia apresentar informação distinta da


que foi apresentada pelo trabalhador, como forma de reduzir os riscos. O
conteúdo do depoimento das partes deve não só ser, mas também parecer
verdadeiro, assim como dito no provérbio: “À mulher de César não basta ser
honesta, deve parecer honesta".

Nesta medida, se tendo recebido a informação do trabalhador de que a sua


jornada habitual era das 7h às 23h, sem registro desse período completo, o
advogado informa na inicial, temendo que pareça exagerada, que a jornada era
das 7h às 19h, ele se submete a um grande risco de ser contradito pelo seu
cliente, que ao ser interrogado informará a jornada que efetivamente
desempenhava. Ou, talvez ainda pior, orientado pelo advogado para "reduzir a
jornada no seu depoimento", o cliente dará uma informação insincera e, por
conta disso, mais facilmente afastável.

O que percebo, contudo, é que é assustadoramente frequente que advogados


compareçam à audiência de instrução sem um projeto para sua condução.
Apresentar o pleito de maneira exagerada, por exemplo, aumentando o número
de horas extraordinárias, é tão ruim quanto o fazer de forma contida, reduzindo-
as. Em ambos os casos, o advogado, além de ter que lidar com a demonstração
dos fatos, o que já é um trabalho e tanto, ainda terá que buscar se esquivar da
identificação da insinceridade de suas alegações.

Frequentemente percebemos que a parte (autor ou réu) comparece em juízo com


a convicção de seu direito. No entanto, em muitas circunstâncias, a prova oral
acaba lhes sendo prejudicial.

Muitos dos processos judiciais são perdidos porque as partes não conseguem
fazer corretamente a prova oral que lhes incumbe ou desconstituir a prova que
lhes prejudica, pura e simplesmente por desconhecimento de técnicas de
interrogatório ou por falta de um preparo prévio e cuidadoso de sua atuação
durante a audiência.

Muitas vezes a parte não consegue extrair da própria testemunha um depoimento


autêntico e, outras vezes, a dificuldade consiste em demonstrar a fragilidade ou
incongruência do depoimento das testemunhas da parte adversária.

É muito comum perceber que os advogados vêm para a audiência com uma lista
enorme de perguntas previamente formuladas e, alheios a qualquer
acontecimento, mesmo a confissão da parte contrária, insistem em apresentar tais
questionamentos.

Em outras ocasiões, pelo contrário, não têm absolutamente nenhuma pergunta


preparada e, no momento de interrogar, apresentam perguntas confusas,
ininteligíveis e sem objetivos aparentes.

Por fim, há os advogados que apresentam perguntas fechadas, aparentando um


acerto prévio com os interrogados, consistente apenas na resposta positiva às
perguntas apresentadas. Estas últimas, via de regra, são indeferidas, gerando
perplexidade nos advogados. Como se não houvesse outra maneira de apresentar
seus questionamentos, que não fosse direcionando a resposta na forma que lhes
seja mais conveniente.

Por outro lado, é também muito frequente observar situações em que o advogado
de uma das partes se irrita com testemunhas da outra parte, que considera
mentirosas, a ponto de perder a concentração, sem, contudo, lograr demonstrar
os defeitos em seus depoimentos.

Ou, o que é ainda pior, em alguns casos, o advogado, depois de ter feito uma
minuciosa pesquisa acerca dos fatos alegados pela parte adversária e identificado
elementos aptos a demonstrar a sua inveracidade, na hora de os apresentar o faz
de forma atabalhoada e acaba por reduzir o impacto positivo que teria.

Exemplo típico disso é o que eu chamo de "A Defesa do Estudante". Peguemos


novamente uma situação em que a petição inicial informa uma jornada de
trabalho habitual, mas não registrada, das 7h às 23h. Neste caso, estamos ao lado
da defesa e o procurador do demandado conseguiu descobrir que o trabalhador,
durante um período do contrato, estudou no horário noturno, das 19h30min às
22h, o que seria incompatível com a alegação da provocativa.

Percebam como, habitualmente, esta situação é colocada no interrogatório:

Advogado: Não é verdade que, durante o período em que o senhor


trabalhava, o senhor estudava à noite?

Autor: Sim, mas eu tinha uma combinação com os professores de


comparecer apenas no final da aula, para assinar o livro de chamada.

Advogado: E nos dias de prova?

Autor: Era possível apresentar trabalhos no lugar das provas.

O que ocorreu na situação acima? O advogado apresentou apressadamente, sem


o devido cuidado, a preciosa informação que obteve e que poderia ter
desacreditado toda a tese da inicial em relação à jornada.

Na forma como foi colocada a pergunta, o advogado permitiu que o interrogado


apresentasse uma alternativa válida para a situação identificada, deixando ir por
água abaixo um elemento precioso que, se usado de maneira adequada, poderia
lhe trazer um resultado completamente distinto.

Veja o exemplo abaixo, na mesma situação:

Advogado: O senhor diz que trabalhava diariamente até às 23h, isso é


correto?

Autor: Sim, às vezes além deste horário.

Advogado: Isso ocorreu durante todo o contrato?


Autor: Sim. Todo.

Advogado: O senhor tem certeza? Às vezes podemos generalizar


involuntariamente. Por exemplo, isso pode ter ocorrido apenas em
alguns dias, ou em uma determinada época, mas parecer que foi
sempre...

Autor: Não. Eu sempre desempenhei esta jornada.

Advogado: E no ano de 2012. Sempre foi esta jornada?

Autor: Sim. Sempre.

Advogado: Não é verdade que o senhor estudou pós-graduação em


Administração nesse período?

Autor: Sim, mas eu tinha que faltar muito e chegava atrasado com
frequência.

Advogado: Mas o senhor foi aprovado.

Autor: Sim.

Advogado: E qual era o percentual admitido de faltas?

Autor: Não sei.

Advogado: Não é verdade que é necessário no mínimo 75% de


presença para ser aprovado?

Autor: ...

Observe que neste último exemplo o advogado fez exatamente o contrário do


advogado do diálogo anterior.
Suponhamos que o litígio versasse sobre um período de tempo maior, por
exemplo, cinco anos. O elemento obtido pelo advogado dizia respeito
exclusivamente ao ano de 2010, ou seja, não seria impossível que no restante do
contrato o trabalhador tivesse prestado serviços no horário informado na inicial.
No entanto, o advogado, antes de trazer a informação mais importante – o
conhecimento de que o autor cursara um ano de pós-graduação no horário
noturno –, fez questão de questionar o interrogado respectivamente à
possibilidade de uma exceção e este se manteve irredutível em relação a isto.
Fato que acabou por fazer esmaecer a sua tese com relação a toda a jornada
extraordinária pleiteada.

Alguns autores afirmam existir mais de 150 formas de apresentar


questionamentos em interrogatórios judiciais. Algumas tão sutis que mesmo os
profissionais mais treinados têm dificuldades em identificar. Mas, uma coisa é
certa, e ninguém contesta: um bom interrogatório é, muitas vezes, a diferença
entre a vitória e a derrota no processo judicial.

O dia a dia dos interrogatórios

Como advogado, talvez você já tenha passado por algumas destas situações:

● Ao interrogar as testemunhas indicadas pelo seu cliente, ter perguntas


indeferidas pelo juiz sob o fundamento de que por meio destas estaria
conduzindo as respostas.
● Trazer um enorme rol de perguntas anotadas para apresentar às
testemunhas, mas ter muitas indeferidas por conta de o assunto se ter
esgotado mediante o interrogatório feito pelo juiz ou pela confissão de
uma das partes.
● Obter uma confissão da parte contrária, mas, ao tentar aprofundá-la,
acabar por permitir que seja "esclarecido" o fato confessado.
● Ouvir uma segunda testemunha apenas para "confirmar" um fato já
demonstrado e, no lugar disso, criar uma contradição prejudicial ao seu
cliente.
● Ou, pior, produzir uma boa prova testemunhal e a ver ser considerada
pelo juiz como "dividida" e o julgamento ocorrer pela mera aplicação
do ônus da prova.
No interrogatório das próprias testemunhas, a tendência do advogado é buscar
auxiliá-las a reconstruir os fatos. O advogado acredita que a versão de seu cliente
é a correta e, por a conhecer, apresenta as perguntas para as suas testemunhas de
maneira a facilitar a apresentação dos fatos que necessita provar. Contudo, isso
pode ser, e é muitas vezes, confundido com a sugestão da resposta.

A testemunha deve trazer ao processo os fatos de que tenha conhecimento. E


apresentar um interrogatório com perguntas fechadas, no qual a função da
testemunha fica adstrita a confirmar ou negar aquilo que é afirmado pelo
advogado, não atende este objetivo.

Por outro lado, elaborar um extenso rol de perguntas, contemplando toda a prova
que compete ser produzida, embora pareça uma boa ideia, não traz bons
resultados. A audiência é dinâmica e além de sua condução não competir ao
advogado, fatores humanos frequentemente atuam para modificar rapidamente o
panorama. Dessa maneira, trazer um grande rol de perguntas já preparadas, em
vez de ser um fator de otimização, pode acabar sendo um fator estressante para o
advogado que tem muitos fatos para demonstrar.

Como juiz, costumo interrogar as partes em especial no que diz respeito aos itens
que parecem principais no processo, ou nos quais as alegações das peças
processuais são por demais fantásticas. Assim, se na petição inicial está
informado que o autor trabalhava diariamente por 12 horas, sem direito a
intervalo, este fato me chamará a atenção e eu o procurarei contextualizar 4.
Agirei da mesma forma se o réu alegar em sua defesa que o trabalhador exercia
atividade externa, sem controle de horário. A partir de então, dependendo das
respostas das partes, poderei considerar que houve confissão em um ou outro
sentido e, por conseguinte, não caberá mais apresentar perguntas às testemunhas
sobre o tema.

4 Descontextualizar, neste caso, é utilizado no sentido de formular uma pergunta com o


objetivo de obter resposta sobre determinado tema, mas tirando-o do foco. No caso de
horas extraordinárias, por exemplo, no lugar de perguntar à parte qual o horário que ela
começava a trabalhar na empresa, posso perguntar, por exemplo, a que horas ela acorda
para ir trabalhar, ou a que horas sai de casa, ou, ainda, a que horas pega o ônibus. Todas
estas perguntas, provavelmente, não teriam como ter sido previstas pela parte ou seu
procurador e, portanto, a tendência é que sejam respondidas com mais sinceridade.
No entanto, quando o advogado elaborou (ou recebeu) uma lista muito grande de
perguntas, isso lhe toma muito de sua atenção e, via de regra, não lhe dá
condições de perceber que os temas contemplados pelas perguntas anteriormente
formuladas se encontram prejudicados. Isso também pode ocorrer quando há um
longo encadeamento de perguntas, dependendo as subsequentes das respostas das
antecedentes.

Não é raro que ocorra alguma situação do tipo exemplificado a seguir:

Advogado: O autor trabalhava à noite?

Testemunha: Não, o horário do autor era das 8h às 18h.

Advogado: Quando o autor saía após às 22h, como ele se deslocava


para casa?

Testemunha: O autor não saía após às 22h. Ele trabalhava até às 18h.

Advogado: Sobre o que era calculado o adicional noturno?

Testemunha: ...

Perceba que o advogado tinha a expectativa de obter a resposta positiva na


primeira pergunta: "O autor trabalhava à noite?". No entanto, como não a obteve
e estava muito vinculado ao seu texto, acabou por prosseguir de forma incoerente
com o interrogatório, apresentando as perguntas seguintes como se a primeira
tivesse sido respondida de maneira positiva.

Estes resultados são frutos não só de uma preparação equivocada do


interrogatório, mas também, sob muitos aspectos, do desconhecimento da sua
estrutura.

Outro problema com o qual frequentemente nos deparamos, e você mesmo já


pode ter percebido isso no dia a dia das audiências, é a dificuldade de o
advogado encerrar um interrogatório em um momento propício.
Por exemplo, o trabalhador requer na sua ação o pagamento da indenização de
transporte referente aos seus deslocamentos no trajeto de casa para o trabalho e
vice-versa, as conhecidas horas in itinere. Na sua defesa, o réu alega que não
havia necessidade desse pagamento porque o autor se deslocava de bicicleta.
Portanto, no interrogatório o que lhe incumbirá provar será apenas que o autor,
efetivamente, se deslocava de bicicleta.

No entanto, comumente, após obter esta informação preciosa, o advogado do réu


faz questão de prosseguir com perguntas do tipo: se o trabalhador chegou a
requerer o pagamento da indenização, se a empresa fornecia esse benefício para
os colegas do trabalhador, etc.

Em tais circunstâncias, o que o advogado do réu está fazendo é, justamente, o


trabalho do advogado da parte adversária – ou seja, criando hipóteses alternativas
para que se assegure o direito do autor.

Veja este exemplo: o autor estava requerendo o pagamento de horas


extraordinárias, com o argumento de que trabalhava sem que fosse permitido o
efetivo registro das horas trabalhadas. Os advogados haviam dispensado os
depoimentos pessoais, não fora produzido interrogatório judicial até então e
havia uma única testemunha, apresentada pelo autor. No interrogatório realizado
pelo procurador deste, a testemunha admitiu que toda a jornada trabalhada era
registrada. Não havia motivos para que o advogado do réu a interrogasse. No
entanto, ele insistiu:

Advogado: O senhor disse que o horário de trabalho era todo


registrado?

Testemunha: Exatamente.

Advogado: E quanto aos períodos de balanços?

A testemunha fez um instante de silêncio, como se pensasse, e


finalmente disse:

Testemunha: É verdade. Quando havia balanços, a empresa não


permitia o registro das horas extras.

Advogado: Mas a empresa fazia o pagamento das horas


extraordinárias?

Testemunha: Não.

O que temos aqui? O autor tinha o ônus processual de fazer prova de suas
alegações. No entanto, a testemunha por ele trazida não corroborou o que ele
asseverara. Ao contrário, a testemunha derrubou talvez a parte principal de sua
demanda ao referir que as horas trabalhadas estavam todas registradas. Não é
preciso ser um especialista em Lógica para compreender que se a testemunha do
autor admitira que a jornada era toda registrada, também seria de se pressupor
que o fossem as horas trabalhadas em balanços.

Neste quadro, a pergunta do procurador do réu serviu apenas para, diante da


credibilidade conquistada pela testemunha, fundamentar a condenação do seu
cliente no pagamento das horas extraordinárias trabalhadas em dias de balanço.
Ou seja, se houvesse declinado do interrogatório, acabaria obtendo uma posição
mais vantajosa.

A credibilidade da testemunha é um fator muito importante para o resultado final


do processo, mas é muito negligenciado. Em muitas oportunidades, o advogado
acaba até dando credibilidade à testemunha adversária ao lhe efetuar uma grande
quantidade de perguntas sem conseguir obter dela uma inconsistência ou
contradição que indique que o seu depoimento não é verdadeiro.

O comportamento do advogado nessas circunstâncias é muito importante.


Costuma-se dizer que o advogado não deve perguntar quando não sabe a
resposta. Isso é verdadeiro. Mas qual é o alcance disso? Você já parou para
analisar essa proposição?

Um exemplo:

O autor demandava da empresa o pagamento de horas extraordinárias, porque


ficaria à disposição com o celular que era por esta fornecido e, por conseguinte,
poderia receber ligações de clientes, inclusive fora de seu horário de trabalho 5. A
defesa apenas negava o tempo à disposição. As partes não apresentaram
testemunhas e o procurador do autor interrogou o preposto.

Advogado: A empresa fornecia aparelho celular ao autor?

Preposto: Sim.

Advogado: E ocorria de o autor atender a clientes da empresa após o


seu horário de trabalho?

Preposto: Sim.

O advogado, neste momento, já havia demonstrado a sua tese. Poderia


simplesmente interromper o interrogatório com a convicção de ter ganho a causa.
No entanto, resolveu prosseguir:

Advogado: E o autor poderia não atender ao cliente?

Preposto: Sim. Na verdade, o aparelho era fornecido pela empresa para


poder entrar em contato com os seus empregados. No entanto, após o
horário de expediente, não havia atividades. O que ocorria era que
alguns clientes acabavam obtendo este número e telefonavam. Quando
o trabalhador estava disponível, ele atendia o telefonema, pois poderia
adiantar algum atendimento que faria no dia seguinte, mas isso não era
necessário.

Ou seja, ao apresentar uma nova pergunta, absolutamente dispensável e para a


qual ele não tinha ideia da resposta, o advogado pôs a perder o que já poderia
contabilizar como ganho.

5 Conforme previsão do parágrafo único do art. 6º da CLT.


Esse é um caso típico de desobediência à regra de ouro: "Não pergunte se você
não sabe a resposta."

Pois bem, é possível verificar que existem muitas outras situações que envolvem
questões igualmente importantes, em que, como advogado, é essencial que você
pense sempre:

– Em situações em que se tenha que produzir uma prova testemunhal,


qual é a melhor abordagem?

– Como se preparar para uma audiência na qual os interesses em jogo


são grandes e o conteúdo da prova oral imponderável?

– E, na ocorrência da adversidade: uma confissão inesperada, uma


contradição das testemunhas, qual a melhor forma de agir?

– Você sabe perceber quando uma testemunha está mentindo e,


principalmente, expor esta sua percepção para outras pessoas?

Acredito que você já tenha se deparado com situações desse tipo, ou ao menos as
tenha presenciado em andamento em audiências. Pois então, estes são alguns dos
problemas que vamos avaliar e para os quais vou apresentar soluções neste livro.
Desta maneira, você vai poder se preparar ainda melhor e passar a ter uma
experiência mais positiva nos seus interrogatórios.

Falta a prática processual

Há mais de vinte anos, venho acompanhando o ensino nas faculdades de Direito


e reparo que o conteúdo é praticamente o mesmo: muitas disciplinas de Direito
Material, um pouco menos de Direito Processual e quase nada de Prática
Processual.

Durante esse período, pesquisei o currículo das faculdades mais importantes do


país e de todas as da Região Metropolitana de Porto Alegre. Nenhuma tem, como
disciplina obrigatória ou opcional, qualquer conteúdo relacionado a questões
eminentemente práticas, como a realização de um interrogatório, a demonstração
de diferenças ou a negociação de um acordo.

Não bastasse isso, o que já me parece absolutamente lamentável, há ainda uma


prática disseminada entre os escritórios de advocacia de considerar que a
audiência é um ato processual menor e, por isso, incumbi-la aos profissionais
mais jovens e, portanto, menos experientes. Até muito recentemente, os
designados para essa atividade eram estagiários, sequer formados.

Tampouco há, em nosso idioma, uma bibliografia recente acerca desta matéria
que pudesse ser acessível a quem por ela se interessar. Em minhas pesquisas,
identifiquei apenas duas obras que tratam do tema: A Prova Testemunhal -
Estudo de Psicologia Judiciária, do médico Alberto Cupertino Pessôa, professor
de Psicologia Judiciária e Polícia Científica do Curso Superior da Universidade
de Coimbra, cuja última edição é de 1931, e A Técnica do Interrogatório, de
Eudes de Oliveira, Juiz do Trabalho do Ceará, publicada em última edição em
1993.

Em grande parte, por conta dessas dificuldades, as metodologias de trabalho dos


interrogadores acabam sendo muito semelhantes entre si e, ainda pior,
inadequadas e pouco eficazes na condução dos processos.

Basicamente, podemos dividir a forma de atuação dos advogados em três grupos


principais:

● Aqueles que se dedicam a estudar o processo antes da audiência e


costumam elaborar uma extensa lista de perguntas, que contemplam
todos os fatos articulados na inicial, defesa e em diligências
intermediárias, como na inspeção pericial;
● Em outra frente, encontram-se aqueles profissionais que são designados
de última hora, apenas para a realização da audiência, e que recebem
pronto um rol de perguntas para serem apresentadas às partes e
testemunhas;
● E, finalmente, temos os profissionais da advocacia que não estudaram o
processo e tampouco têm perguntas para serem formuladas.

Em qualquer desses casos, o profissional da advocacia pode tropeçar na realidade


de que a audiência é dinâmica e exige também dinamismo e flexibilidade desse
mesmo profissional. O interrogatório formulado pelo juiz, o depoimento pessoal
da parte, requerido pelo adversário, o conteúdo dos depoimentos testemunhais e
até mesmo algum comentário feito por alguma das partes, ou pelos próprios
procuradores, pode, de repente, inverter completamente a situação processual.
Por conta disso, uma lista de perguntas, embora cuidadosamente elaborada, pode
perder completamente o sentido após o mero interrogatório de uma das partes.

Em contraste, obviamente também não é prudente comparecer à audiência sem o


conhecimento do conteúdo do processo ou sem, ao menos, um plano de ação, sob
risco de total inadequação do profissional à situação que estiver sendo
apresentada.

Chamar a atenção do profissional de advocacia, ao dizer que é imprudente


comparecer em audiência sem o conhecimento do processo, pode parecer algo
óbvio, porém é de extrema importância. Afinal, é bastante frequente a ocorrência
de lesões massivas a direitos individuais, característica peculiar e nociva do
nosso sistema judicial – que permite que muitos advogados, em especial aqueles
de empresas, compareçam às audiências meramente com o intuito de dar
andamento aos processos. E, em grande parte das vezes, eles comparecem sem
ter nem mesmo a mais vaga ideia das suas particularidades e, muitas vezes, nem
sequer do conteúdo da peça processual da parte que representa.

Enquanto eu escrevia este capítulo, um colega narrou uma situação pitoresca,


mas que, infelizmente, não chega a ser nem mesmo surpreendente, devido à
frequência com que ocorre:

Em uma audiência, depois de apregoadas as partes, a mesa foi ocupada como de


hábito: duas pessoas de cada lado, dando a entender que se tratavam,
respectivamente, de cada uma das partes e seus advogados.

Identificadas as partes através de documentos entregues ao secretário, o juiz


passou às diligências de praxe, questionando-as acerca da possibilidade de
acordo.

Pelo procurador do reclamado foi dito que não tinha conhecimento do conteúdo
da defesa. O juiz então questionou o preposto da empresa, que disse,
igualmente, não ter ele conhecimento dos fatos.
Essa situação levou o magistrado a dar prosseguimento à audiência, então
fixando prazo para que o procurador do autor tivesse a oportunidade de se
manifestar sobre documentos acostados à defesa, bem como designando prova
pericial para a verificação de insalubridade na atividade.

A audiência se dirigia ao seu encerramento quando o procurador que estava ao


lado do demandado pediu, um pouco constrangido, para se manifestar,
dirigindo-se ao juiz:

Advogado: Doutor... O senhor vai ficar bravo comigo!

Juiz: Como assim? O que está acontecendo?

Advogado: Doutor... Esta não é a minha audiência. Minha audiência é


a próxima.

Ou seja, o advogado e o próprio representante da reclamada estavam tão


desconectados do processo que sequer conseguiram, rapidamente, perceber que
aquela audiência não tratava do processo para o qual foram designados.

Na verdade, ao verificar novamente, o juiz constatou que a demandada não fora


sequer citada.

Também a forma de apresentar as perguntas, assim como quais perguntas


apresentar, influi, e muito, na formação do convencimento do juiz. A questão que
fica aqui é “De que maneira o despreparo do profissional, ao fazer o
interrogatório, pode influir na decisão final do processo?”.

Em audiência, frequentemente, após um interrogatório superficial do autor – ou


deste e do representante do réu –, é possível a um juiz experiente ter uma boa
noção do processo e formar a sua convicção, que futuramente se materializará
em sua sentença.

Ocorre que o juiz examina diariamente dezenas de processos, em diversas fases,


da inicial à execução, passando por casos em fase de recurso, liquidação, e tantos
outros incidentes passíveis de ocorrer com uma demanda. Por conta disso,
queiramos ou não, a tendência é que ao receber um determinado tipo de ação,
ainda que inconscientemente, o juiz busque na sua experiência um modelo que se
ajuste a ela e, a partir de então, tenha uma opinião pré-concebida acerca daquele
caso.

Com certeza, enquanto lia o parágrafo anterior, você deve ter vociferado: "Hei!
O juiz tem que ser imparcial. Ele não pode pré-julgar!". Isso é verdadeiro, mas
não mais verdadeiro que o juiz é, antes de tudo, um ser humano. E, por ser
humano, este tipo de raciocínio deverá, obrigatoriamente, se aplicar ao
magistrado.

Outro ponto a ser levantado é que um questionário pré-elaborado tem


basicamente dois principais erros, que podem levar a perder todo um processo,
ainda quando se tenha razão.

O primeiro erro diz respeito à ausência de emoção decorrente de um questionário


desse tipo. Anotar perguntas prévias e as apresentar mecanicamente faz com que
o magistrado, também mecanicamente, decida de maneira automática, a partir de
seus próprios referenciais.

Ou seja, o interrogatório ou a prova testemunhal trazem poucos elementos para a


formação do convencimento do juízo.

O segundo erro, mas tão importante quanto o anterior, está na questão relativa à
formulação das perguntas. Por exemplo, a apresentação de determinado tipo de
perguntas, como as perguntas fechadas, em que o que se exige da testemunha é
meramente que confirme uma afirmação em benefício da parte que a indicou.
Esse tipo de pergunta, além de vedada, é algo que, para um magistrado atento,
produz o efeito contrário ao pretendido.

A título de exemplo: se o advogado do reclamante quer que uma testemunha


indicada por seu cliente diga que não era possível registrar o horário de trabalho
na saída, ou seja, que as horas extraordinárias não estavam registradas, ele não
deve simplesmente perguntar "Era possível registrar o horário de saída?". Esta
pergunta está, claramente, induzindo ou conduzindo a testemunha a responder da
forma que ela vai considerar mais benéfica para o trabalhador. No entanto, se
esta mesma pergunta for formulada pelo advogado da parte contrária, ou seja, se
o advogado do réu perguntar para a testemunha do autor se "era possível registrar
o horário de saída?", ele não estará induzindo a resposta, mas fazendo uma
pergunta objetiva.

Se você não compreendeu perfeitamente o exemplo anterior, não se preocupe,


pois ele será tratado com mais profundidade ao longo do livro. Neste momento,
basta que você o tenha em mente.

Há diversas formas de abordagens no interrogatório das partes ou no


questionamento de testemunhas e é necessário saber utilizar a técnica adequada
para causar no julgador, e até na parte contrária, a impressão correta para provar
o direito. E é exatamente sobre essas técnicas que vamos falar nos próximos
capítulos.

Conhecer os pontos fundamentais dos processos

O advogado que pretende ter bons resultados em audiências deve, antes de tudo,
ter consciência da verdadeira importância desse ato processual e também
conhecimento e domínio das técnicas e estratégias que lhe correspondem.

Um aspecto que precisa ser melhor trabalhado pelo profissional de advocacia,


mas que passa completamente despercebido, mesmo para os advogados mais
atentos, é o que diz respeito à sua posição no interrogatório. Seus objetivos serão
absolutamente distintos, dependendo se o advogado estiver em uma ou outra
situação, ou seja, de acordo com o papel que ele exerça no processo. Vejamos:

– Qual é o objetivo do advogado do autor ao interrogar as testemunhas


por este indicadas? Construir para o julgador um panorama dos fatos
que necessita provar para que ele, a partir disso, possa formar a sua
posição favorável à parte do autor.

– E qual é o objetivo do advogado do réu ao interrogar aquelas mesmas


testemunhas? Demonstrar a sua falta de credibilidade, fazendo ressaltar
os defeitos no depoimento.

Nesta medida, a forma de interrogar, em um e em outro caso, é absolutamente


distinta. E é fundamental que o profissional advogado tenha consciência dessas
diferenças e saiba posicionar-se adequadamente em cada caso.

As posições que o advogado assume são tratadas no Direito Processual


estadunidense, em especial em matéria criminal, como direct examination e
cross examination e o seu estudo tem-se expandido pelas Américas e Europa.
Em português, podemos chamar o interrogatório feito às testemunhas amistosas
de interrogatório direto, ao passo que o interrogatório ao adversário e às suas
testemunhas é chamado de contrainterrogatório.

Merece registro que a doutrina estrangeira sobre a matéria contempla muito mais
o contrainterrogatório do que o interrogatório direto. O que é bastante
compreensível. A obtenção de um depoimento sobre fatos ocorridos deve ser
uma tarefa bastante simples, bastando ao interrogador que auxilie o interrogado
na sua reconstrução. Ao passo que através do contrainterrogatório trava-se entre
o advogado e o interrogado uma disputa de inteligência, na qual o advogado, no
curto espaço de tempo do interrogatório, deverá desacreditar a testemunha,
consagrando a contrario sensu sua tese.

Mas não é apenas isso. Além de ficar atento à sua posição no interrogatório, o
advogado que pretende ter bons resultados em suas audiências deve, também,
desenvolver sua capacidade de construir frases e fazer o uso adequado das
palavras. Veja, por exemplo, estas perguntas:

– O senhor é alcoólatra?

– O senhor é alcoólatra, não?

– O senhor ainda é alcoólatra?

Você consegue identificar a diferença que existe entre elas?

A primeira, embora possa ser considerada ofensiva ou vexatória, é uma pergunta


regular. Por exemplo, em uma ação em que se discute a existência de justa causa
por embriaguez do trabalhador, ela deverá, em algum momento, ser efetuada.
A segunda, por outro lado, é uma pergunta argumentativa. Ela traz em si uma
afirmação, sendo que a parte verdadeiramente interrogativa da oração é aquela
que pede a confirmação (no caso, a negação).

Enquanto a primeira pergunta pode ser respondida simplesmente com um "não",


esta segunda questão, embora comporte uma resposta negativa, esta virá, ainda,
com certa carga de indignação.

Finalmente a terceira pergunta, pela mera inclusão do advérbio de tempo


"ainda", passou a ser uma pergunta irregular. Ela assume um fato não
evidenciado e a sua resposta é complexa: se o interrogado responde "não", isso
não significa que ele nunca foi alcoólatra, mas apenas que não é atualmente, ou
que deixou de ser. Por outro lado, se responde sim, está admitindo uma situação
negativa para ele.

Veja que uma oração de não mais de cinco palavras pode trazer situações
extremamente distintas e complexas em relação ao interrogatório. Portanto, a
solução para se obter resultados desejáveis nos interrogatórios passa também,
obrigatoriamente, pelo interesse e trabalho do profissional de advocacia em
desenvolver sua capacidade de fazer um bom uso das palavras.

A proposta deste livro é, justamente, fazer com que você perceba esses pontos
fundamentais na atividade do advogado durante o interrogatório e ajudá-lo a
conhecer e desenvolver técnicas e estratégias eficazes para obter mais sucesso
nas demandas que lhe são confiadas.

Preparando-se para o interrogatório

Passo 1 - Tenha uma ideia clara sobre as duas principais formas de proceder
em um interrogatório

Existem duas formas principais de proceder em um interrogatório, como já


vimos: o interrogatório direto e o contrainterrogatório.

Se você, quando prepara as perguntas que fará na audiência de instrução, elabora


apenas um rol de perguntas para apresentar tanto para a parte contrária quanto
para as testemunhas indicadas pelo seu cliente e as testemunhas indicadas pela
parte contrária, está cometendo pelo menos dois erros.

O primeiro erro é trazer as perguntas escritas, o que de certa forma vai engessar a
sua atuação durante o interrogatório – você irá perceber o quanto isso é
inconveniente, conforme avançarmos no conteúdo deste livro.

O segundo erro é desconhecer a existência de duas posições bastante claras que o


interrogador deve assumir em um processo: a do interrogatório direto e a do
contrainterrogatório. Aliás, podemos dizer que até as desconhecemos, mas,
surpreendentemente, na audiência parece que deixamos de lado um instinto
natural que sempre tivemos e que nos ajudaria a nos posicionarmos
corretamente.

Por exemplo, se um grande amigo está me contando uma história que aconteceu
com ele, a minha postura será de escutá-lo e, de certa forma, ajudá-lo a detalhar
determinados acontecimentos.

Supondo que ele me conta sobre um acidente de automóvel que sofreu. Ele diz o
horário em que isso ocorreu, qual era o seu estado de ânimo, as péssimas
condições de visibilidade da estrada, como o veículo que o abalroou surgiu e
como ocorreu a batida. Depois, descreve o que ocorreu quando os veículos
pararam, as suas condições, a dificuldade que teve para sair do veículo, a sua
primeira impressão quando viu o condutor do outro veículo e como foi feita a
chamada por socorro.

Durante sua narração, eu, eventualmente, tentarei me esclarecer acerca de


algumas questões pontuais que me ajudarão a formar uma imagem mental da
cena toda.

Ao ouvir a narrativa, eu não buscarei identificar quaisquer defeitos nesta e, se os


perceber – como, por exemplo, alguma contradição –, imediatamente lhe
comunicarei para que ele a corrija.

No entanto, se, no lugar de meu amigo, o protagonista do acidente fosse meu


filho ou um empregado meu, certamente a posição que eu teria no curso da
narrativa seria totalmente diferente.

Por exemplo, se o acidente ocorreu durante a noite, eu perguntaria por que ele
optou por viajar nesse horário. Se referir que estava cansado, perguntaria qual o
motivo do cansaço e por que, percebendo-se cansado, não optou por viajar no dia
seguinte. Ao referir que o veículo apareceu repentinamente, lembraria que é
comum que as pessoas acessem o celular, mesmo estando dirigindo, e
questionaria se não foi isso o que ocorreu.

Ademais, qualquer pausa, gaguejar, ou pequena contradição seria interpretada


por mim como mentira, ou tentativa de esconder a culpa pelo dano ao
patrimônio.

Podemos perceber que na primeira situação – em que um amigo narra uma


situação que ocorreu com ele – tudo o que eu quero é que ele reconstrua a sua
história da forma mais precisa possível. Esse seria um interrogatório direto.

Entretanto, na outra situação eu não tenho uma ideia precisa do que ocorreu e
preciso obter informações para saber exatamente a dimensão do ocorrido e as
atitudes a serem tomadas. Estamos, então, nos posicionando em um
contrainterrogatório.

A grosso modo, estes dois exemplos ilustram a diferença entre o interrogatório


direto e o contrainterrogatório. O que nos faz questionar: se isso é assim
naturalmente, por que ao interrogarmos em audiência não utilizamos essas
mesmas técnicas? Será que o mero fato de estarmos em juízo nos torna incapazes
de agir dentro do que seria lógico, natural e conveniente?

Não temos na nossa formação como profissionais do Direito matérias que


abranjam a prova oral em juízo. Com isso, os interrogatórios judiciais acabam
sendo bastante improdutivos sob o ponto de vista da realização de uma prova
eficiente e apta para solucionar os litígios.

Muitas vezes, após a produção de ampla prova oral – os depoimentos pessoais e


três testemunhas de cada parte6 –, tudo o que temos é uma situação bastante
semelhante a inicial, a partir da qual o magistrado deverá decidir pelo ônus da
prova. Isso quando não ocorre de as partes produzirem prova contrária. Ou seja,
o autor produzir prova favorável ao réu e vice-versa. E isso, por incrível que
pareça, é bastante comum.

Pois bem, para posicionar-se adequadamente, o profissional de advocacia deve


ter clareza em seus propósitos e saber diferenciar entre os tipos de interrogatórios
– além, é claro, de desenvolver a habilidade para atuar em ambos – para definir
qual deles usar em cada situação que lhe será apresentada durante a audiência.

Fazendo um paralelo com o ensino da Língua Inglesa, os professores ensinam


neste idioma as chamadas Yes/No Questions e também as Information Questions.
Yes/No Questions são as perguntas formuladas cujas respostas seriam
simplesmente "sim" ou "não". Ao passo que as Information Questions, ou
perguntas "informativas", são aquelas através das quais se busca obter alguma
informação – seriam aquelas precedidas de advérbios de interrogação como
quem, qual, como, quando, onde, por que, etc.

Assim, ainda utilizando os exemplos anteriores, caso eu estivesse novamente


com o meu amigo que sofreu o acidente e quisesse ajudá-lo a transmitir a mesma
história para um terceiro, usaria perguntas do tipo informativas, como, por
exemplo:

Você se lembra que dia era aquele?

De quem era mesmo o carro?

Como estava o motorista do outro carro?

Conte para ele quando você saiu do hospital.

Por outro lado, na segunda situação é mais provável que predominassem

6 No caso do Processo do Trabalho, sendo que no caso de Procedimento Sumariíssimo o


número de testemunhas se reduz para apenas duas para cada uma das partes.
perguntas que pedissem apenas uma resposta "sim” ou “não".

Havia mais alguém com você no carro?

Você havia bebido?

Você se distraiu usando o celular?

Você estava muito rápido?

Mas não é apenas isso. Na primeira situação há outro detalhe que faz toda a
diferença: a pessoa para a qual estou fazendo as perguntas tem uma atitude
amistosa para comigo. Sua intenção é me ajudar a reconstruir a história. E isso
ocorre porque:

(a) A história é verdadeira; e

(b) Nenhuma consequência adversa decorrerá da sua reconstrução.

Em contraste, na segunda situação, o interrogado é hostil e seu objetivo é contar


uma história que seja verossímil, mas não necessariamente verdadeira, pois:

(a) O interrogador tem interesses divergentes do interrogado; e

(b) O interrogado poderá sofrer consequências negativas decorrentes da


sua narração.

Em resumo, podemos concluir pela existência de duas formas principais de


conduzir o interrogatório em audiência: o Interrogatório Direto e o
Contrainterrogatório. Vamos conversar mais sobre essas duas modalidades em
um capítulo mais adiante e você, sem dúvida, poderá descobrir que por meio do
uso destas práticas a sua habilidade como interrogador irá melhorar e você obterá
maior êxito em suas demandas.
Passo 2 - Aprenda sobre as diversas formas de perguntar

Estudiosos afirmam que há cerca de 130 modos de se formular perguntas no


processo de interrogatório. Não necessitamos, para nos aprofundarmos no nosso
método, conhecê-las todas, mas sim perceber as sutis diferenças existentes entre
as diversas formas de apresentar uma questão a um interlocutor.

Como dissemos anteriormente, as perguntas podem ser abertas, quando o


interrogador busca uma informação:

– Qual era a função do autor na empresa?

Ou fechadas – quando o interrogador apresenta uma informação ao interrogado e


pede que ele confirme ou negue:

– Você trabalhou para a empresa ré?

O roteiro a seguir apresenta uma gradação desta escala:

1- Convite para a narração livre;


2- Perguntas focalizadas;
3- Perguntas diretas;
4- Perguntas para o contraste de hipóteses;
5- Perguntas sugestivas (condutoras).

1 - O convite para a narração livre é a pergunta mais aberta possível. Através


deste tipo de pergunta, o interrogador não deve interferir em absolutamente nada
do depoimento, dando ao interrogado a oportunidade para, através de suas
próprias palavras, apresentar a prova que se pretende demonstrar.

Por óbvio, em matéria trabalhista, haverá algumas informações que poderão ser
fornecidas, até para se evitar perda de tempo. Ou seja, se a demanda diz respeito
a justa causa, o pedido de narração livre poderá ser:

– Como se deu o desligamento do autor da empresa?


2 - As perguntas focalizadas, apresentadas após o convite para a narração livre,
terão por objetivo concentrar a atenção da testemunha sobre determinado fato
que seja útil para o processo. Em algumas ocasiões, a mera oportunidade de uma
narração livre pode não ser frutífera, em especial no contrato de trabalho que
corresponda a uma relação que se prolonga no tempo.

No exemplo utilizado seria possível, por exemplo, focalizar a pergunta


interrogando:

– O senhor sabe de quem foi a iniciativa do rompimento do contrato?

3 - As perguntas diretas são aquelas já referidas anteriormente, para as quais se


busca uma resposta do tipo “sim” ou “não”. Em um contexto no qual as
perguntas anteriores – de narração livre e focalizada – não trouxeram todos os
elementos considerados necessários, é possível agora apresentar uma pergunta
direta, que será apreciada com todo o seu contexto. No nosso caso, poderia ser
algo do tipo:

– O senhor tem conhecimento de que o autor abandonou o emprego?

4 - As perguntas para o contraste de hipóteses, por seu turno, transcendem as


perguntas diretas. Se a pergunta direta já é sugestiva, pois apresenta apenas as
alternativas "sim" ou "não", a pergunta para o contraste de hipóteses faz a mesma
coisa, porém induzindo a testemunha a optar entre duas opções possíveis.

– O autor abandonou efetivamente o emprego, ou não lhe permitiram


mais entrar no estabelecimento da empresa?

5 – Finalmente, as perguntas sugestivas (ou condutoras) representam mais do


que uma simples pergunta. São, na verdade, a mera solicitação de confirmação
do que é asseverado pelo interrogador. Por este motivo, no interrogatório direto
apenas terão lugar para, efetivamente, confirmar o que já foi evidenciado no
depoimento a partir das perguntas antecedentes:

– Então o senhor confirma que o autor compareceu diversas vezes à


empresa para trabalhar, mas não lhe permitiram ingressar no
estabelecimento?

Em uma ação que pede reparação por danos morais, por exemplo, poderíamos
imaginar as seguintes perguntas:

Convite para a narração livre: Como era o ambiente de trabalho na


empresa?
Focalizada: Como era a relação entre o autor e os demais trabalhadores
da empresa?
Direta: A testemunha chegou a ver, alguma vez, o autor sofrendo
algum constrangimento na empresa?
Contraste de hipóteses: O tratamento rígido do gerente era específico
com o autor, ou era com todos os subordinados?
Sugestiva: Então, não havia diferença entre a forma que o autor era
tratado e os demais empregados da empresa?

Há regras processuais, previstas na própria CLT, no Código de Processo Civil e


mesmo no Código de Processo Penal, que estabelecem alguns procedimentos que
devem ser observados na coleta da prova oral, em especial pelos advogados das
partes.

Merece especial atenção o que dispõe o art. 459 do CPC de 2015, cuja incidência
ao Processo do Trabalho decorre do art. 769 da CLT:

Art. 459. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha,


começando pela que a arrolou, não admitindo o juiz aquelas que (1) puderem
induzir a resposta, (2) não tiverem relação com as questões de fato objeto
da atividade probatória ou (3) importarem repetição de outra já respondida.

§ 1º O juiz poderá inquirir a testemunha tanto antes quanto depois da inquirição


feita pelas partes.

§ 2º As testemunhas devem ser tratadas com urbanidade, não se lhes fazendo


perguntas ou considerações (4) impertinentes, (5) capciosas ou (6) vexatórias.

§ 3º As perguntas que o juiz indeferir serão transcritas no termo, se a parte o


requerer.
Por perguntas que podem induzir a resposta devemos compreender aquelas
perguntas fechadas, formuladas com o intuito de serem respondidas com sim ou
não, trazendo uma informação distorcida para os autos. Este tipo de pergunta,
dependendo da forma como reproduzida, pode influenciar de forma equivocada
os julgadores, em especial nas ocasiões em que a sentença é prolatada muito após
o seu registro ou, ainda, aos julgadores de segundo grau, uma vez que não tendo
o contato direto com a coleta da prova, ficarão influenciados pela sua
literalidade.
Infelizmente, a CLT dá abertura a esta situação, na medida em que o parágrafo
único do seu Art. 828 admite que os depoimentos sejam registrados mediante
mero resumo. O mais correto seria – nas palavras de Alberto Pessoa, professor
da Universidade de Coimbra, que no início do século passado estudou este tema
mais profundamente – que fosse registrado integralmente, pergunta e resposta,
pois: “Pergunta e resposta fazem sempre, com efeito, um todo indivisível;
conforme a pergunta, assim será a resposta. Esta isolada tem um valor
duvidoso7”.
Situação um pouco distinta é a que diz respeito às perguntas que não tiverem
relação com as questões de fato objeto da atividade probatória. Haverá
situações em que o interrogador, em especial no contrainterrogatório, precisará
envolver o interrogado de modo a demonstrar a falsidade do seu depoimento. É o
que ocorre, exemplificativamente, no que temos chamado de Interrogatório do
Estudante.

Trata-se de uma situação bastante comum em ações trabalhistas o trabalhador


alegar a prestação de serviços habituais além da jornada normal de trabalho. Em
algumas ocasiões, advogados atentos logram identificar uma contradição básica:
o trabalhador, durante parte do período em que alega ter prestado serviços além
de seu horário normal ou contratual, frequentou alguma instituição de ensino. E a
comprovação deste fato o torna incompatível com a tese de que prestara serviços
além do horário.

Por conta disso, o advogado deve apresentar um interrogatório eficaz para

7 PESSOA, Alberto. A prova testemunhal (estudo de psicologia judiciária). 2. ed.


Coimbra: França & Armênio, 1920, 148 p.
demonstrar tal situação, sob o risco de não aproveitar a informação obtida. Para
tanto, o advogado deve construir muito bem o seu interrogatório, para obter o
melhor resultado.

Para deixar mais clara essa ideia, voltemos a analisar com mais detalhe o
exemplo que já estudamos, em que o empregado alega jornada excessiva, mas
frequenta a universidade à noite.

Observe:

Forma equivocada

1) Advogado: Não é verdade que, durante o período em que o senhor


trabalhava, o senhor estudava à noite?
Autor: Sim, mas eu tinha uma combinação com os professores, de
comparecer apenas no final da aula, para assinar a chamada.
2) Advogado: E nos dias de prova?
Autor: Era possível apresentar trabalhos no lugar das provas.

É possível perceber que o interrogador, ao apresentar a primeira pergunta,


imediatamente alerta o interrogado sobre qual é o seu objetivo. A partir de então,
o habilita a encontrar uma saída ao menos razoável para a evidente contradição.
Isso não ocorre em outra versão mais longa de interrogatório. Acompanhe o
exemplo:

Forma correta

1) Advogado: O senhor diz que trabalhava diariamente até às 21 horas.


Isso é correto?
Autor: Sim. Às vezes até além desse horário.

2) Advogado: Isso ocorreu durante todo o contrato?


Autor: Sim. Todo.

3) Advogado: O senhor tem certeza? Às vezes podemos generalizar


involuntariamente. Por exemplo, isso pode ter ocorrido apenas em
alguns dias, ou uma determinada época, mas parecer que foi sempre...
Autor: Não. Eu sempre desempenhei esta jornada.

4) Advogado: E no ano de 2010. Também foi sempre esta jornada?


Autor: Sim. Sempre.

5) Advogado: Não é verdade que o senhor estudou pós-graduação em


Administração na Universidade XYZ nesse período?
Autor: Sim, mas eu tinha que faltar muito e chegava atrasado com
frequência.

6) Advogado: Mas o senhor foi aprovado.


Autor: Sim.

7) Advogado: E qual era o percentual admitido de faltas?


Autor: Não sei.

8) Advogado: Não é verdade que é possível se ter no máximo 25% de


faltas?
Autor: ...
Analisando isoladamente, poderíamos considerar que as perguntas 5, 6 e 7
estariam fora do escopo probatório. No entanto, vistas no conjunto, podemos
concluir, com serenidade, a sua validade.
Há jurisprudência já firmada do nosso Tribunal Superior do Trabalho
estabelecendo que a prova do não pagamento de horas extraordinárias referentes
a um período do contrato pode se estender a um período maior 8. Por conseguinte,
também a demonstração de que a jornada alegada não ocorria em parte do tempo
deve ter como consequência a sua extensão para que seja inteiramente indeferido
o pedido. Em outras palavras, se o advogado consegue demonstrar que uma parte
da alegação é mentirosa, a tendência é que caia por terra todo a sua tese.
Outra situação delicada é a que diz respeito às perguntas que se caracterizam
como repetição de outra já respondida. Esse é outro defeito bastante comum.
Ele ocorre em três circunstâncias principais:

8 Orientação Jurisprudencial 233 da SDI I do TST.


(a) falta de atenção do interrogador em relação ao interrogatório
anteriormente procedido;
(b) incredulidade do interrogador em relação a resposta anterior ou,
ainda,
(c) tentativa de produzir uma contradição.
Podemos perceber de imediato que na terceira situação é possível admitir a
pergunta, não obstante represente uma repetição. Poderíamos usar como exemplo
o próprio interrogatório do estudante, pressupondo que as perguntas que
envolvem a versão correta já estivessem compreendidas em um interrogatório
anterior como, por exemplo, o feito pelo próprio juiz.
Em relação às perguntas impertinentes, é importante considerarmos o que
Douglas N. Walton, filósofo canadense destacado pelo estudo da argumentação,
afirma sobre isso, em sua obra Lógica Informal 9. A pertinência, conforme o
autor, teria relação com uma questão ou proposição controvertida, existente em
uma disputa entre dois lados, dos quais um afirma que determinada preposição é
verdadeira, e o outro, que é falsa. Neste contexto, as teses opostas definiriam a
questão da argumentação.
Impertinentes, portanto, seriam argumentos que não tivessem relação com as
respectivas teses. No entanto muitas vezes, as próprias partes em litígio têm
dificuldades em delimitar com precisão qual seria a questão propriamente dita, o
que implica um exame preciso em relação a isso.
Um exemplo bastante típico de pergunta impertinente acontece em uma demanda
envolvendo justa causa por abandono de emprego quando se questiona se o
trabalhador era violento. Ora, se o empregador apontou como fundamento para a
justa causa o fato objetivo de o trabalhador ter deixado de comparecer ao seu
emprego, não faz nenhum sentido fazer prova acerca do seu temperamento e,
portanto, a pergunta não tem pertinência.
Quanto às perguntas capciosas, são aquelas que, por outro lado, trazem um
artifício destinado a prejudicar injustamente a parte ou testemunha. Exemplo
disso é a pergunta, também referida por Walton, que se celebrizou por ser
utilizada por Winston Churchil. Diz-se que o primeiro-ministro inglês, ao ser
entrevistado por um jornalista, insistia em apresentar longas respostas. Irritado o
jornalista lhe questionou:

9 WALTON, Douglas N. Lógica informal: manual de argumentação crítica. 2. ed. São


Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.
– Senhor Churchil, o senhor não pode, por favor, responder apenas sim ou não
às perguntas?

Ao que Churchil tranquilamente respondeu:

– Claro que posso, perfeitamente, desde que o senhor me responda, também


com sim ou não, a minha pergunta: – A sua mulher ainda grita muito quando o
senhor bate nela?

Perguntas como esta o interrogador não pode responder sem ter que apresentar
uma pequena introdução, pois se responder "sim" ou "não" dará ensejo a que se
conclua que agride habitualmente a esposa. O que é sempre condenável.
Por fim, o código ainda veda as perguntas ou considerações vexatórias. Este
termo, a exemplo dos anteriores, é bastante subjetivo, mas tem íntima relação
com o dever de urbanidade que as partes devem manter em todos os atos
processuais.
Eudes de Oliveira10 refere como exemplos de pergunta vexatória aquelas que
expõem o interrogado ao ridículo como, por exemplo:
Interrogador: Já que a testemunha tem uma memória prodigiosa, será
que pode nos dizer a cor da cueca do seu chefe naquele dia?
No caso, a pergunta é duplamente vexatória. Em primeiro lugar por ironizar a
memória da testemunha e, em segundo, por insinuar uma relação sexual com o
seu superior, sem que isso se tenha evidenciado ou tenha qualquer importância
para o conteúdo do depoimento.
Por óbvio, vai haver situações em que as perguntas poderão ser, de certa forma,
delicadas, ou expor intimidades das testemunhas. Por exemplo, quando se
pretende demonstrar a falta de isenção no depoimento. Nestas circunstâncias, o
interrogador deverá estar pronto para apresentar defesa em relação à sua
pergunta ao juiz, de modo a poder formulá-la em benefício de seu cliente.
Além de conhecer as diferentes formas de perguntar e suas diferenças,
recomenda-se o treino intenso e consciente dessas técnicas, para o aumento do
domínio em interrogatórios, como forma de obter os melhores resultados no
processo.

10 OLIVEIRA, Eudes. A técnica do interrogatório. São Paulo: Revista do Tribunais,


1990.
Passo 3 - Escolha a estratégia correta para a prova a ser produzida

Ao apresentar testemunhas próprias, devemos proceder na modalidade de


interrogatório direto, ou seja, voltado a auxiliá-las a expor para o julgador, da
forma mais clara possível, os fatos tal como eles ocorreram.

Por outro lado, no momento de fazer perguntas à parte contrária e às suas


testemunhas, devemos utilizar o contrainterrogatório, por meio do qual
buscaremos evidenciar mentiras ou contradições no seu depoimento, de modo a
evidenciar para o julgador ao lado de quem está o direito.

Vamos explorar um pouco mais esses conceitos:

O Interrogatório Direto

Deve ser praticado para a reconstrução dos fatos para o julgador, considerando-
se que a testemunha é amigável e que a sua pretensão é obter a verdade.

Uma vez que se parte do pressuposto de que os fatos são verdadeiros, deve ser
evitado, ao máximo, que o interrogador influa no depoimento, em especial
apresentando perguntas fechadas, como aquelas que podem ser respondidas com
"sim” ou “não".

O principal objetivo disso é evitar que o julgador tenha uma apreensão irreal do
seu conteúdo e, em segundo lugar, impedir que uma bem-intencionada condução
do depoimento por parte do interrogador o torne artificial e indigno de confiança
para o juiz.

O Contrainterrogatório

Neste caso, o interrogador tem interesses divergentes do interrogado. Mais


adiante neste livro vamos nos ocupar de mais detalhes deste tipo de
interrogatório.

Para ter sucesso em suas audiências, o profissional de advocacia precisa


desenvolver sua habilidade de atuar dentro dessas duas formas de proceder em
um interrogatório. Para tanto, existem algumas ações que devem ser adotadas e
praticadas constantemente. São elas:

● Conhecer as diversas modalidades de perguntas (formas de perguntar) e


perceber as diferenças entre elas, muitas vezes sutis;
● Aprender a perceber e fazer ressaltar (para o julgador) as diferentes
formas de responder e as suas consequências;
● Analisar os resultados de cada caso de que participou, comparando
esses resultados com suas próprias ações durante os interrogatórios;
● Sempre que possível, acompanhar interrogatórios de outros
profissionais e, a partir dos seus erros e acertos, aperfeiçoar-se;
● Envolver-se em simulações de casos importantes com colegas e amigos,
buscando identificar matérias fundamentais e a melhor abordagem para
o seu interrogatório.

Ficamos, então, com uma questão a ser resolvida: como se realizam tais
interrogatórios?

No interrogatório direto, o interrogador deve utilizar perguntas abertas. São


aquelas que iniciam com um pronome interrogativo (Quem? Qual? Quando?
Como? Onde? Por quê?...) ou um verbo que implique uma ação narrativa
(Explique, diga, conte-nos, esclareça, descreva...).

As perguntas abertas têm como característica permitir ao entrevistado dar uma


resposta longa, na qual ele pode apresentar opiniões próprias, expressar
sentimentos. É importante, contudo, que o interrogador tenha presente que elas
também trazem um perigo grande, que consiste em conceder ao interrogado o
controle sobre o diálogo.

Suponhamos que você está instruindo uma prova relativa a trabalho


extraordinário prestado após o registro de saída do ponto. Ou seja, você é o
advogado do autor e o seu cliente afirma que era obrigado a registrar a saída no
cartão-ponto e retornar para o seu posto de trabalho para prestar mais algum
período de trabalho, sem o pagamento respectivo.

Ao apresentar sua testemunha, você deve fazer-lhe perguntas abertas como, por
exemplo:

– Como era o seu dia de trabalho?

Ou:

– Descreva a sua jornada de trabalho.

Eventualmente, a testemunha pode não compreender bem a pergunta e fazer a


descrição de algum outro aspecto do seu "dia de trabalho" que não tenha muita
relevância para o seu caso. Nesta hipótese, você pode restringir um pouco mais a
pergunta, utilizando o roteiro que apresentamos no capítulo anterior. Apenas para
recordar e reforçar, pela importância desta sequência:

1. Convite para a narração livre;


2. Perguntas focalizadas;
3. Perguntas diretas;
4. Perguntas para o contraste de hipóteses;
5. Perguntas sugestivas ou condutoras.

No entanto, é importante demonstrar ao juízo que não está havendo a


interferência do interrogador no depoimento, através da utilização de perguntas
ditas "condutoras" ou que induzem a resposta.

É igualmente muito importante que a testemunha seja sempre deixada muito à


vontade para apresentar a sua versão dos fatos, de modo a permitir que o
julgador forme a sua convicção não apenas a partir do conteúdo do depoimento,
mas também da sua forma. Quanto mais espontânea e natural a descrição dada
pela testemunha dos elementos referentes ao contrato de trabalho de seu cliente,
maior a probabilidade de um julgamento favorável.

Também sob o ponto de vista da estratégia, é muito importante evitar provas


duplicadas. Embora possa aparentar ser positiva a utilização da chamada
"testemunha de reforço", ou seja, a testemunha ouvida apenas com o intuito de
confirmar o depoimento de uma testemunha anterior, via de regra ela é
desastrosa.
Em primeiro lugar, a grande maioria dos julgadores não se pauta pelo número de
testemunhas, mas sim pela sua qualidade. O fato de uma das partes apresentar
uma quantidade maior de testemunhas não implica a sua vitória na matéria
controvertida, em especial caso a parte contrária tenha trazido apenas uma
testemunha, mas com maior credibilidade.

De outra parte, a segunda testemunha tem uma grande possibilidade de restringir


um direito já provado. No caso em que as duas testemunhas apresentadas pela
parte informem valores diferentes em relação a uma grandeza que lhe incumbiria
demonstrar, o julgador tenderá a ficar com a informação mais desfavorável à
parte que apresentou a testemunha, não importando a ordem em que foi prestado
o depoimento.

Por exemplo: se a primeira testemunha informou que o autor trabalhava em horas


extraordinárias dois dias por semana e a segunda fala em apenas um dia por
semana, o juiz tende a ficar com esta última informação. No entanto, se a ordem
de produção da prova foi diversa, sendo primeiro informado um dia por semana e
posteriormente dois, ainda assim a informação aproveitada será a menos
favorável. Isso se não acontecer algo pior: a divergência entre as testemunhas
resultar por desacreditar ambas irremediavelmente, sendo o caso julgado de
forma desfavorável ao autor do pedido.

No que diz respeito à oitiva do adversário e das suas testemunhas, a estratégia é


diferente. Para isso utilizaremos a técnica do contrainterrogatório ou
interrogatório cruzado. Em se tratando das testemunhas da parte adversária,
nosso objetivo não será mais auxiliá-las a construir a narrativa, mas, pelo
contrário, demonstrar a total ausência de credibilidade de seus depoimentos.

Neste caso, não haverá a necessidade de lhes permitir expor os fatos tais como
ocorreram, mas demonstrar para o julgador a inconsistência do depoimento. As
perguntas podem e devem ser apresentadas na modalidade "fechadas",
imediatamente, sem que se considere estas perguntas como irregulares.

Como já referimos, perguntas fechadas são aquelas que podem ser respondidas
com uma resposta curta, ou com "sim" ou "não", tais como "Qual é a sua
idade?", "Onde você mora?" ou "Você via o autor trabalhando?".
Ouvir o depoimento da parte contrária em narração livre implica, inicialmente,
uma difícil decisão: oportunizar à parte contrária depor é permitir-lhe trazer para
os autos a sua história.

No Processo do Trabalho, as partes envolvidas – autor e réu – não têm a opção


de se manifestar ou serem ouvidas pelo seu próprio procurador. Neste quadro,
exceto no caso de o juiz querer ouvi-la de ofício, a única forma de o seu
depoimento vir aos autos é através da iniciativa da parte contrária. Portanto,
quando o depoimento da parte adversa tiver a possibilidade de ser
suficientemente coerente a ponto de criar uma impressão positiva ao julgador,
será mais aconselhável não o requerer. Ou, se a esta constatação se chegar no seu
curso, deve-se interrompê-lo o mais breve possível, evitando ou minimizando os
estragos.

Diante do objetivo de desacreditar a testemunha é necessário, em primeiro lugar,


que o seu depoimento tenha, efetivamente, inconsistências. Então, se você está
"do lado errado" do processo, defendendo um cliente que sabe não ter razão,
talvez você esteja em apuros.

No entanto, temos uma boa notícia. Nos processos trabalhistas é muito comum
que as partes incluam uma série de pedidos e de alegações. Com muita
frequência, ao lado de pedidos legítimos do autor ou de contestações igualmente
legítimas do réu, encontramos pedidos ou defesas inconsistentes. Nestas
situações, o mais inteligente a se fazer é atacar os alicerces mais frágeis para,
assim, lograr derrubar a construção toda.

Por exemplo, você como procurador do réu sabe que o autor efetivamente era
credor de adicional de insalubridade por estar exposto a agentes insalubres, sem
que lhe fossem fornecidos equipamentos de proteção individual (EPIs) ou
efetuado o respectivo pagamento. No entanto, o advogado adversário resolveu
"incluir" um pedido de diferenças salariais que sabe ser de difícil acolhimento.
Neste caso, o réu, usando desta fragilidade aberta pelo advogado do autor,
buscará a improcedência de ambos os pedidos, não obstante tenha consciência de
que o primeiro pedido é, efetivamente, procedente.

Uma boa forma de demonstrar a falta de credibilidade do depoimento da


testemunha adversária é fazer ver a impossibilidade de ela ter aquele
conhecimento. Isso é muito comum quando o depoimento ocorre acerca de datas.
Por exemplo, em casos em que a controvérsia repousa sobre o vínculo de
emprego, nas hipóteses em que se discute um desvio ou equiparação salarial, a
testemunha afirma com precisão a data de determinado evento relacionado ao
autor como, por exemplo, quando este foi contratado ou quando passou a
desempenhar uma determinada função. Entretanto, ao ser questionada em relação
à sua própria situação, desconhece ou lembra com menos detalhes ou ainda faz
uma longa pausa para se recordar.

Tratando-se, no entanto, do representante da empresa – geralmente o preposto –,


o seu conhecimento não necessita ser direto. O preposto fala pela empresa e as
suas declarações a obrigam. Isso não significa, porém, que o seu conhecimento
tenha que ser pessoal. Ele pode, por exemplo, ter informações obtidas da própria
empresa, pois ele é o responsável por sustentar em juízo a versão desta. O
preposto, inclusive, não pode se escusar de depor ao argumento de não ter
conhecimento dos fatos.

Por outro lado, o preposto também não pode apresentar informações que sirvam
para qualquer caso sem responder ao caso concreto. Veja este exemplo:

Interrogador: O autor fazia horas extraordinárias?

Preposto: A empresa orientava para que as horas extraordinárias


fossem todas registradas e pagas.

É possível perceber que o preposto se omite sob dois aspectos. Não responde se
o autor fazia ou não horas extraordinárias – o que é o escopo da pergunta –, além
de apresentar uma informação genérica que sequer indica que era observada
pelos seus gerentes e demais encarregados: "orientava" para que as horas
extraordinárias fossem registradas.

Passo 4 - Mantenha uma rotina de estudos sobre casos práticos

Por mais que eu me esforce para criar exemplos didáticos sobre temas de
interrogatório, sempre sou superado pela realidade. Em uma única das sessões de
audiências que ocorrem diariamente na 5ª Vara do Trabalho de Porto Alegre – e
com certeza em todas as outras espalhadas pelo Brasil –, podemos colher uma
infinidade de exemplos do que se deve e do que não se deve fazer nos
interrogatórios.

Na semana em que escrevo este texto, por exemplo, um advogado que sustentava
que o seu cliente tinha atribuições idênticas a de outro empregado da ré e, por
isso, pleiteava equiparação salarial, impugnou o depoimento deste mesmo
empregado apresentado como testemunha da ré, alegando que ele tinha sido o
chefe do reclamante. Ora, se a pessoa indicada como equiparando era chefe do
autor, logicamente não poderiam, ambos, terem as mesmas atribuições.

Diante deste autêntico show da vida real, defendo que, ao lado dos passos
anteriores, o contínuo estudo de casos práticos terá uma importância vital para
melhorar a sua qualidade de bom interrogador, tornando-o apto, inclusive para a
improvisação.

Este estudo de caso pode ser dividido em quatro modalidades, todas muito
importantes, mas cada uma com aspectos particulares: experiências próprias e
alheias e experiências consistentes em erros e em acertos.

Recomendo, ainda, a utilização de um meio de registro dessas experiências. A


memória frequentemente nos trai e nada melhor do que um meio de poder, com
rapidez, obter as recordações importantes para a nossa atividade. No meu caso,
atualmente tenho utilizado para isto as ferramentas gratuitas do Google,
notadamente o Google Drive, no qual criei uma pasta e um arquivo onde vou
registrando, com a maior quantidade de detalhes possível (até para poder
pesquisá-las através de palavras-chave) as experiências de audiência.

Quem pretende iniciar ou está iniciando na atividade de advogado interrogador


deve, antes de qualquer coisa, assistir muitas audiências. No entanto, não basta
assisti-las passivamente. É preciso ter uma postura de analisar o que se assiste,
de modo a interiorizar os ensinamentos de cada situação.

Há uma teoria de que uma pessoa para ser realmente boa em alguma coisa deve
ter, pelo menos, 10 mil horas nessa atividade. Contudo, não bastam apenas as 10
mil horas. É necessário que a pessoa tenha envolvimento nessa sua atividade
para se tornar, de fato, um especialista.
O advogado que está interessado em aprender deve, tanto quanto possível, tentar
compreender quais as questões que estão controvertidas no processo que está em
discussão e que deverão ser solucionadas através da prova oral. Isso, muitas
vezes, pode ser intuído apenas mediante a observação dos interrogatórios. No
entanto, se for possível obter as peças processuais, ainda que apenas as principais
(inicial, contestação e atas de audiências), tanto melhor.

Assistindo uma audiência alheia você deve procurar observar qual informação o
advogado está tentando obter e quais os meios que ele está usando para isso.
Fique atento, também, para a posição do advogado nesse depoimento, se ele está
procedendo no interrogatório direto (buscando apresentar ao julgador uma ampla
visão dos fatos) ou no contrainterrogatório (procurando demonstrar defeitos no
depoimento).

Tema Modalidade Pergunta Perguntas


errada certas

Intervalo entre Direto A empresa 1. Quais eram os


jornadas concedia horários do
intervalo de 11 autor?
horas entre as
jornadas de 2. Quando o
trabalho? autor saía após
as 2 h da manhã,
a que horas ele
tinha que se
apresentar no dia
seguinte?

3. E se ele não se
apresentasse
neste horário, o
que ocorria?

Horas Cruzado O autor fazia Estratégia A: não


extraordinárias horas fazer esta
extraordinárias? pergunta no
interrogatório
cruzado

Estratégia B (se
não houver outro
meio de fazer a
prova das horas
extraordinárias):

1. Qual era o
horário de
funcionamento
do
estabelecimento?

2. Ocorria, em
algumas
ocasiões, de
fechar mais
tarde?

3. Com que
frequência isso
ocorria?

4. Você lembra
de ter trabalhado
além do horário
normal?

5. Nessa ocasião,
houve o registro
das horas extras?

Em muitas oportunidades acompanhando um interrogatório, posso perceber que


o advogado está defendendo alguém que tem um direito legítimo, mas, no
entanto, a forma como está perguntando causa a impressão inversa. Por exemplo,
se o advogado pretende demonstrar que a ré não concedia o intervalo mínimo de
11 horas entre duas jornadas de trabalho, ele não pode perguntar para a sua
testemunha algo do tipo "A empresa concedia intervalo de 11 horas entre as
jornadas de trabalho?", pois a resposta "não" não acrescenta nada de informação
ao processo, exceto que a testemunha nega uma informação trazida pelo
advogado da parte.

Da mesma forma, se este mesmo advogado, ao contrainterrogar a testemunha da


ré, perguntar-lhe se "Havia a prestação de jornada extraordinária?", a impressão
que dará ao juízo é que ele dá, a esta testemunha, credibilidade a ponto de lhe
permitir manifestar-se acerca de um ponto importante dos fatos controvertidos.

A partir, portanto, da constatação de formas como não se deve proceder nos


interrogatórios, o estudante deve anotar:

● O fato a ser provado;


● A modalidade do interrogatório (direto ou cruzado);
● A pergunta como foi feita e como você entende que deveria ser
formulada.

Por exemplo:

Analisar os acertos, por incrível que pareça, é algo mais difícil. Em especial
porque bons interrogadores, muitas vezes, farão parecer natural o interrogatório
por eles conduzido. Por outro lado, quando somos nós próprios envolvidos em
interrogar e o interrogatório funciona, temos a tendência da soberba, ou seja,
passamos a nos considerar excelentes interrogadores, deixando de refletir,
justamente quando é mais necessário, nos aspectos que utilizamos para obter
aquele resultado.

Veja, por exemplo, este contrainterrogatório apresentado em um processo em


que uma trabalhadora que exercia a função de vigilante pleiteava o
reconhecimento, como horas extraordinárias, do tempo destinado à troca de
uniforme.

Interrogador: Qual era o seu horário de trabalho?

Autora: Das 9h30min às 18h18min.

Interrogador: A senhora registrava o horário trabalhado?

Autora: Não. Eu tinha que chegar, ir ao vestiário e colocar a farda.


Após isso, eu tinha que ir ao local onde ficavam as armas, pegar e
verificar a minha arma. Só então eu registrava o horário de entrada. Por
conta disso, eu tinha que chegar em torno de 30 minutos antes do
horário de início.

Interrogador: E a que horas a senhora tinha que efetuar esse registro


de entrada?

Autora: Às 9h30min.

Interrogador: A empresa teria alguma objeção se a senhora


conseguisse chegar, se arrumar suficientemente rápido e registrar a
entrada às 9h30min?

Autora: Não.

Interrogador: Haveria alguma punição para a senhora por chegar, por


exemplo, apenas 5 minutos antes das 9h30min, mas se no horário exato,
das 9h30min, estivesse no seu posto de trabalho?
Autora: Não.

Interrogador: Então a senhora apenas tinha a obrigação de estar


fardada e armada às 9h30min para iniciar a sua jornada. É isso?

Autora: Sim.

Nestes casos, para identificar a técnica a ser aplicada, devemos, antes de mais
nada, identificar o aspecto a ser provado. A seguir estudamos qual seria a nossa
melhor estratégia para a sua obtenção.

Este tema – horas extraordinárias devido à troca de uniforme – tem sido bastante
frequente e decorre do que dispõe o art. 4 o da CLT, que estabelece que é tempo
efetivo de serviço todo aquele que o trabalhador esteja à disposição de seu
empregador. Neste quadro, o que se impõe provar é se há, efetivamente, um
período em que o empregado fica à disposição do empregador enquanto ele se
encontra vestindo o uniforme.

O interrogatório mais frequente em relação a este tema – e errado – é mais ou


menos como no exemplo a seguir:

Interrogador: Qual era o seu horário de trabalho?

Autora: Das 9h30min às 18h18min.

Interrogador: E a que horas a senhora chegava?

Autora: Eu já estava na empresa antes das 9h, pois tinha que vestir o
uniforme.

Interrogador: E a senhora registrava esse horário?

Autora: Não. A orientação da empresa era para que eu registrasse o


horário apenas quando estivesse fardada e armada.
É possível observar que ambos os depoimentos, obtidos por interrogatório, são
igualmente verdadeiros e com um conteúdo muito semelhante. No entanto, o
interrogador do segundo caso não conseguiu obter da autora a informação de que
a exigência da empresa era exclusivamente para que ela estivesse no seu posto e
pronta para trabalhar às 9h30min, a partir do que se pode depreender não existir
esta exigência.

Pode-se perceber que a diferença entre ambos os interrogatórios é o foco da


investigação. No segundo interrogatório o foco do interrogador foi no horário de
chegada, ao passo que no primeiro interrogatório foi no horário exigido pela
empresa para o início da jornada.

Neste caso, as anotações poderiam ser no seguinte sentido:

Tema Modalidade Condução Condução


errada correta

Horas Cruzado Foco: horário de Foco: horário


extraordinárias / chegada. exigido para
troca do início do
uniforme Qual era o trabalho.
horário em que o
empregado 1. Qual era o
chegava? horário exigido
para que o
empregado
começasse a
trabalhar?

2. Haveria
alguma
penalidade se
chegasse "em
cima do
horário", mas
conseguisse
começar a
trabalhar no
horário
contratual?

O quadro anterior é apenas um exemplo simples de como se pode elaborar um


arquivo de estratégia de interrogatórios. Cada pessoa pode desenvolver o seu
próprio método, aumentando ou reduzindo o número de colunas, ou
estabelecendo outras prioridades. O importante é estar sempre atualizando esse
acervo e, principalmente, estudar repetidamente as estratégias. Nunca sabemos
quando precisaremos utilizar novamente uma estratégia usada anteriormente ou
elaborar, a partir dela, uma nova, destinada a um novo fato.

Mais casos da vida real

Nos exemplos a seguir, reuni situações bastante comuns no dia a dia da atuação
de profissionais durante interrogatórios. Analise com atenção, estude os casos,
perceba quais foram os erros cometidos em cada uma das situações a seguir e
elabore a forma correta como elas deveriam ter sido conduzidas.

Situação 1

Ação trabalhista ajuizada contra um banco. A autora pleiteava, dentre vários


outros pedidos, o pagamento de horas extraordinárias, alegando que era obrigada
a registrar 18 horas como seu horário de saída do trabalho, conforme constava
em seu contrato de trabalho. Porém, tinha que permanecer trabalhando até as 21
horas.

Após terem sido ouvidas as duas testemunhas apresentadas pela autora, estava
sendo ouvida, em interrogatório preliminar, a testemunha apresentada pelo réu
– neste caso, o banco.

Juiz: Qual era o seu horário de trabalho?


Testemunha: Das 11 h às 18 h, com uma hora de intervalo.

Juiz: Este horário era registrado?

Testemunha: Sim. Todo registrado.

Juiz: O advogado tem alguma pergunta?

Advogado do réu: Tenho sim, Excelência! Qual era o horário de saída


do reclamante?

Testemunha: Ele saía por volta das 20h ou 21h.

Análise da situação

O que podemos perceber nesta situação?

Em primeiro lugar, é importante ressaltar que a testemunha, via de regra, terá


muito mais credibilidade no que disser e for desfavorável a quem a apresentou.
Isso decorre do fato de que, se esta testemunha foi indicada pela parte,
pressupõe-se que ela fez esta indicação por entender que a testemunha tinha o
conhecimento dos fatos e traria um depoimento confiável.

Neste caso, o interrogatório do juiz se resumiu a informações sobre a


testemunha. Presume-se que se o empregador cumpria as normas trabalhistas em
relação à testemunha, deveria ter cumprido também em relação à autora.

Por conseguinte, o procurador do banco já tinha o seu cliente em uma boa


posição e a pergunta apresentada era, no mínimo, desnecessária. Neste quadro, a
informação trazida pela testemunha, por provocação do advogado do réu, lhe
deixou em uma situação mais prejudicial do que a anterior.

Situação 2

Audiência inicial de um processo em que o autor pleiteava o reconhecimento de


vínculo de emprego. O trabalhador era vigilante e demandava contra uma
construtora, sustentando que ela seria a responsável pelo terreno que lhe
incumbia zelar. A empresa negava veementemente qualquer relação com aquele
terreno e, por essa razão, alegava não ter o vigilante como seu funcionário.

Os representantes da construtora solicitaram uma pausa para entrar em contato


com os administradores e verificar a possibilidade de acordo, quando um
advogado que estava apenas assistindo a audiência pediu para se aproximar do
juízo e indicou em seu celular o endereço do terreno, que coincidia com o da
página web da construtora, como um de seus próximos “lançamentos”.

Análise da situação

Neste caso, há erro estratégico de ambas as partes.

1) Em relação ao réu.

A mentira, ou mesmo a omissão de informações, é um grave problema em


grande parte das ações trabalhistas. Porque se pressupõe que quem esconde algo
é porque é culpado.

Em princípio, o fato de a empresa possuir, efetivamente, a previsão de


lançamento de uma obra no endereço apontado como de prestação de serviços do
autor não é senão um mero indício a ser considerado.

No caso, portanto, a demandada deveria ter fornecido a informação completa,


referindo, por exemplo, que o terreno onde o autor asseverava trabalhar era de
um terceiro e que em breve iniciaria as obras naquele local, mas que o não havia
ocupado até então e, portanto, não tinha responsabilidade sobre a existência de
trabalhadores no local.

2) Em relação ao autor.

O reclamante deve, mesmo antes do ajuizamento da sua ação, reunir todos os


elementos que possam servir de prova para o seu direito. No caso, a existência de
lançamento pela empresa de obra no local era um importante elemento a ser
trazido ao juízo, e suficientemente acessível, tanto que o advogado presente na
assistência pôde obtê-la a partir de seu Smartphone.

Situação 3

Audiência de instrução. A testemunha insistia que o muro divisório entre o seu


local de trabalho – um estacionamento – e o local do reclamante – um prédio de
apartamentos – era gradeado, o que lhe possibilitaria acompanhar a jornada do
autor, que era zelador do prédio e alegava jornada extraordinária não paga.

Com o intuito de compreender a controvérsia, eu, como juiz da causa,


simplesmente acessei o Google Street View, onde pude visualizar ambos os
locais, sendo possível verificar que o muro que os separava era alto e de tijolos, o
que impossibilitaria a visão declarada pela testemunha.

Análise da situação

Neste caso, vale a máxima de que a mentira tem pernas curtas. Muitas vezes a
alegação da parte ou da testemunha sucumbirá muito facilmente a uma mera
consulta à web. Atualmente, por exemplo, é fácil se constatar a distância entre
dois endereços a partir de uma consulta ao Google Maps, que pode, inclusive,
informar o tempo de deslocamento entre os pontos, tanto a pé quanto de ônibus
ou de carro.

É importante ressaltar que no contrainterrogatório a missão do advogado é,


simplesmente, desacreditar o depoimento da testemunha. Ou seja, não é
impossível que o trabalhador, efetivamente, prestasse serviços em jornada
extraordinária. No entanto, a partir do momento em que se percebeu que a prova
apresentada não era idônea, deu-se a desconstrução da tese e uma fatídica
improcedência.

Situação 4

Uma senhora, empregada de serviços de limpeza, demandava contra a empresa


para a qual trabalhara, cujos administradores desapareceram sem deixar vestígios
e sem efetuar os pagamentos de salários e verbas decorrentes do término do
contrato. No caso foi incluído, ainda, o Hospital da Brigada Militar, onde ela
afirmava que era alocada para prestar serviços.

A empregadora, como já era esperado, não compareceu à audiência e o Hospital


se fazia representar pela Procuradoria do Estado. Na defesa, constava que a
empresa referida não tinha contratos recentes com o Hospital.

O juízo questionou a autora sobre onde ela havia prestado serviços e ela
informou que era próximo à Rua 24 de Outubro, onde era público e notório que
funcionava o Hospital Militar do Exército e não o da Brigada, este localizado na
Zona Sul. Ou seja, o processo fora simplesmente direcionado, equivocadamente,
por falta de um interrogatório eficaz.

Análise da situação

Uma boa entrevista feita ao cliente, acompanhada de uma pesquisa, pode reduzir
dissabores como este. O feito havia sido mal direcionado exclusivamente pelo
defeito na entrevista inicial do cliente, que poderia ter já indicado o real tomador
de serviços da autora.

Situação 5

Em um caso em que se alegava pagamento de salário “por fora”, a ré trouxe uma


testemunha.

Perguntada, pela própria ré, sobre qual era o seu salário, a testemunha informou:

– “Na carteira, era R$ 984,00”.

Análise da situação

A prova de salário “por fora” é, talvez, uma das mais difíceis de ser feita, uma
vez que, por ser um pagamento clandestino, geralmente é feito em separado para
cada trabalhador, em dinheiro e sem que ocorra contabilização dos valores em
registro oficial. Por conseguinte, a convicção geralmente é feita por meio de
indícios.

Um indício importante foi, sem de dúvida, o depoimento espontâneo da


testemunha indicada pela ré que, apenas perguntado sobre o seu salário, tratou de
dizer, sem pestanejar, que: “Na carteira, era R$ 984,00”.

Ora, se o empregador pagasse corretamente os valores em conformidade com a


lei, não seria necessário salientar que o salário "na carteira" era tal.

Situação 6

Ação contra uma rede de supermercados. O autor afirmava, na audiência inicial,


prestar jornada extraordinária em diversas ocasiões e por vários motivos, sem a
devida remuneração.

A prova produzida pelo reclamante, consistente na ouvida de duas testemunhas,


não trouxe nenhuma conclusão de grande valor.

A ré, então, apresentou a sua testemunha. E o interrogatório assim seguiu:

Advogado da ré: Qual era o horário de trabalho do autor?

Testemunha: Das 8 h às 18 h, com duas horas de intervalo.

Advogado da ré: Este horário era registrado?

Testemunha: Sim. Todo registrado.

Advogado da ré: E quando havia os balanços?

Testemunha: Há, os balanços eram em finais de semana, durante a


madrugada, a partir das 22 horas. E as horas não eram registradas.
Análise da situação

Neste exemplo podemos ver um dos mais famosos e graves erros de estratégia: a
famigerada "última pergunta", que podemos chamar também de "mais uma
pergunta".

Trata-se de um excesso de zelo por parte do advogado que, na melhor das


hipóteses, deixa o seu cliente na mesma situação, mas que não muito raramente o
deixa em maus lençóis. Neste caso, por exemplo, se a testemunha já havia
confirmado que o horário era inteiramente registrado, não havia nenhum objetivo
a ser alcançado com "mais uma pergunta".

No caso, esta pergunta a mais destruiu a prova, até então construída, de que a
empresa permitia o registro integral da jornada.

Situação 7

Uma trabalhadora de supermercado, operadora de caixa, demandava por


indenização por danos morais consistentes em humilhações, que eram praticadas
tanto por clientes da empresa quanto por seus superiores na sua atividade. Sua
única testemunha era um empregado que declarou trabalhar no setor de padaria
da empresa.

O advogado da ré questionou a referida testemunha especificamente acerca da


localização do seu posto de trabalho, recebendo como resposta que era próximo à
frente de caixa.

Num momento seguinte, ao ouvir sua própria testemunha – aliás, sem prestar
compromisso, uma vez que ela se apresentou como detentora de cargo de
confiança na empresa –, o advogado retomou o tema. E recebeu também de sua
testemunha a confirmação de que a padaria, no estabelecimento em que a autora
prestava serviços, ficava efetivamente próxima à frente de caixa.

Análise da situação

Um dos meios de se formar o convencimento judicial, ao lado das provas, é a


aplicação das regras de experiência comum subministradas pela observação do
que ordinariamente acontece (art. 375 do CPC de 2015).

Ordinariamente, o setor de padaria nos supermercados fica ao fundo da loja, o


que decorre até de uma questão de estratégia de venda, uma vez que o cliente que
comparece ao estabelecimento apenas para comprar pão, por ter que percorrer
outros corredores até chegar a este produto, acaba vendo e adquirindo também
outras mercadorias, gerando maiores lucros para a empresa.

Neste caso específico, portanto, o juiz havia se convencido, pelo simples fato de
a primeira testemunha ser de um setor que fica costumeiramente distante do setor
de caixas, que o conteúdo de seu depoimento merecia pouco crédito.

Portanto, a pergunta do procurador da ré à testemunha da autora, fazendo-a


informar a localização diferenciada do setor em que trabalhava, já melhorou a
situação da reclamante. E, definitivamente, o questionamento do procurador da
ré à própria testemunha em relação a este aspecto, confirmando a localização do
setor de padaria próximo ao de caixas, foi desastroso para a empresa – tanto que,
a partir de então, esta acabou sucumbente neste aspecto.

O que mais surpreende neste caso é que o advogado demostrava claramente não
ter sequer conhecimento direto do local (ele não o havia visitado) ou mesmo
indireto (não buscou informações sobre) do estabelecimento de seu cliente, tendo
apresentado perguntas arriscadas que colocaram em xeque a posição de seu
cliente.

Situação 8

Audiência de instrução em uma ação na qual o autor, dentre vários outros


pedidos, pleiteia indenização por danos morais. Refere que trabalhava como
frentista e recebia valores e que houve uma diferença a menor nos valores
recebidos. Por conta disso, teria sido destratado e humilhado por seu chefe
perante outros trabalhadores e clientes da empresa. Em apoio ao seu pedido,
acostou um boletim de ocorrência em que denunciava o ocorrido.

O autor não tinha testemunhas e a demandada informou ter a intenção de ouvir


uma testemunha em relação ao pedido de indenização por danos morais. No
depoimento, a testemunha revelou nada saber acerca dos fatos informados,
inclusive porque sequer havia trabalhado no mesmo estabelecimento que o autor.

Chegou o momento de o procurador do autor fazer o contrainterrogatório:

Procurador do autor: O senhor conhecia o autor?

Testemunha: Sim. Eu trabalhei alguns dias com ele.

Procurador do autor: E o senhor conhecia o senhor Olegário (chefe do


autor)?

Testemunha: Sim.

Procurador do autor: O senhor não sabe se houve um


desentendimento entre eles, é isso?

Testemunha: Pois é, eu não sei não.

Procurador do autor: O senhor sabe dizer se era possível ter havido


um desentendimento entre ambos, inclusive que há um BO em relação a
isso?

Testemunha: Ah! Era possível sim! Era muito comum. Se fosse


apresentar BO de cada briga que havia na empresa não ia ter lugar para
tanto BO.

Procurador do autor: Obrigado. Não tenho outras perguntas.

Análise da situação

Trata-se de um primoroso exemplo de desconhecimento de ônus da prova que foi


fatal para o réu. Competia ao autor fazer prova do seu pedido de indenização por
danos morais. Na ausência desta prova, o pedido se conduzia para a
improcedência. No entanto, a insistência do procurador do réu em apresentar
uma testemunha, desnecessária, e a estratégia utilizada pelo procurador do
reclamante fez com que este último lograsse reverter uma improcedência
praticamente certa em uma situação perfeitamente factível.

É interessante destacar que a testemunha não tinha conhecimento dos fatos e não
provou a sua existência, mas apenas aumentou substancialmente a plausibilidade
do fato narrado na petição inicial.

A ação foi resolvida através de um acordo em valor superior ao que poderia ter
sido solucionado se a testemunha não tivesse sido ouvida.

Assim como nos exemplos anteriores, muitas são as situações de julgamento com
que podemos aprender e reforçar nossa experiência no trato estratégico nos
interrogatórios. Por essa razão, reforço aqui a sugestão para que você acompanhe
o máximo de casos possível, analisando e tirando suas conclusões, verificando os
procedimentos inadequados e traçando hipóteses mais adequadas para a solução
de cada caso. Essa é a experiência que vai ajudá-lo a ter um desempenho cada
vez melhor nos casos pelos quais for responsável.

Uma habilidade de interrogatório ampliada

A condução do processo da maneira acertada, e, em especial, o manejo correto


da prova oral, vai dar a você o poder de ampliar as suas possibilidades de ganho
de causa de uma forma simples, elegante e eficaz.

Muito mais do que simplesmente afastar a frustração de ter perdido uma causa
ou não ter conseguido alcançar os objetivos traçados, você vai ter o grande
prazer de ver seus esforços darem resultados para seu cliente e lograr o
fortalecimento do seu nome como profissional que resolve. Sem dúvida, suas
chances de sucesso aumentarão significativamente.

Frequentemente, estudantes a quem orientei dão-me testemunho de que já nas


primeiras audiências em que participaram, após tomar conhecimento deste
método, tiveram a oportunidade de fazer uso destas técnicas, com um incremento
muito grande de resultados positivos.
Como advogado, estudante de Direito, perito ou preposto profissional, ou ainda
como outro profissional envolvido com processos, a partir de agora você estará
munido com alguns dos mais importantes elementos para a compreensão e o
aprimoramento dos processos de interrogatórios.

Na sua atuação como advogado, ao aprimorar sua habilidade de fazer


corretamente a prova oral que lhe incumbe, com o conhecimento de técnicas e
estratégias eficazes de interrogatório, você poderá melhorar o seu desempenho e
os seus resultados nos processos e, dessa forma, conseguir um índice muito
melhor de ganhos de causas a favor dos seus clientes. Terá muito mais
consciência de seu papel no processo, permitindo conduzir o interrogatório de
suas testemunhas de modo a que transmitam ao julgador e insiram no processo
os fatos do qual decorre o direito de seu cliente, de uma forma natural, clara,
verossímil, impecável.

Por outro lado, terá também segurança para confrontar a parte ou testemunhas
adversárias, demonstrando, através de questionamentos apresentados na forma e
ritmo corretos, a inverossimilhança ou outros defeitos das suas narrativas, de
modo a macular-lhes a credibilidade e, dessa forma, desconstituir a prova que lhe
prejudica.

Em especial, você desenvolverá a aptidão para descartar facilmente depoimentos


inverídicos, demonstrando suas fragilidades e contradições e os derrubando com
maior tranquilidade. Será muito mais simples agora você conseguir extrair de sua
própria testemunha depoimentos autênticos e, quando for o caso, demonstrar a
fragilidade ou a incongruência do depoimento testemunhal da parte adversária.

Com a sua habilidade de interrogatório ampliada pelo conhecimento destas


técnicas e estratégias que lhe apresentei, você irá comparecer em juízo com a
plena convicção de defesa do direito do seu cliente e agirá da maneira correta
para tornar a prova oral um elemento favorável à causa que defende.

Habituando-se à participação e ao estudo de audiências, principalmente as de


instrução, com a oitiva de partes e testemunhas, você será capaz de fazer dessa
atividade algo muito mais prazeroso e gratificante.

As audiências passarão a ser-lhe algo muito mais simples e tranquilo, você vai se
destacar em seu meio profissional e terá uma carreira muito mais gratificante e
promissora, recheada de vitórias e aprendizados.

Comece hoje mesmo a ganhar suas ações com um interrogatório bem preparado,
mais inteligente e muito mais eficaz.

Interrogar é uma arte

Quando comecei a estudar mais a fundo o tema da audiência e as habilidades que


os profissionais nela envolvidos deveriam desenvolver, eu tinha em mente que
conseguiria, através das minhas investigações, chegar a uma ciência por meio da
qual poderíamos listar fórmulas de sucesso, como na Matemática e em outras
ciências. Por exemplo, imaginei que poderíamos dizer algo do tipo “no
interrogatório, se você perguntar da forma ‘x’ e o interrogado responder da
forma ‘y’, o resultado será, invariavelmente, ‘z’".

Porém, ao longo de todo o meu estudo, deparei-me muito mais vezes com a
palavra "arte" do que com a palavra "ciência". No entanto, isso não é tão ruim
quanto parece.

A arte, assim como a ciência, pode ser ensinada e aprendida. Excetuando-se


alguns virtuosos do passado, em especial os que desenvolveram alguma técnica
ou estilo novo, os artistas mais consagrados também aprenderam o seu ofício a
partir do conhecimento de outros, aproveitando as lições de seus mestres.

Além disso, ao saber que o interrogatório é uma arte, passamos a perceber que o
nosso aprimoramento depende não só de estudo, mas, talvez até mais, do
desenvolvimento de uma sensibilidade que apenas as artes exigem.

Ter o conhecimento da arte e das técnicas de interrogatório significará, muitas


vezes, entender que em uma situação aparentemente idêntica, a estratégia a ser
usada precisará ser a oposta à que normalmente se utilizaria.

Assim como músicos, pintores, bailarinos e atores estão constantemente


ensaiando ou estudando novas técnicas, os interrogadores bem-sucedidos terão
prazer em se manter afinados na sua arte, seja na teoria ou na prática.
Fica aqui, então, o meu convite para que você se prontifique e aja no sentido de
treinar sempre. Treine em processos próprios e aproveite suas idas ao Foro para
assistir audiências em que estejam sendo produzidos depoimentos testemunhais.
Preste atenção e você perceberá os advogados cometendo erros e acertos.
Relacione-os e tente retomá-los em casa. Analise-os, questione o que assistiu,
formule soluções a partir do seu próprio entendimento.

Envolva-se a fundo com as técnicas e a arte do interrogatório e faça uma grande


diferença nos tribunais em que for escalado para atuar.
Referências Bibliográficas

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Marcial Pons, 2012. p. 9-20.

CAROFIGLIO, Gianrico. El arte de la duda. Marcial Pons, 2012.

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Xlibris Corporation, 2011.

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DE MAGALHÃES, Marion Brepohl; DO PARANÁ, Estadual de Arquivo


Público. Documento: manual do interrogatório. História: Questões & Debates,
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(Edição digitalizada e disponibilizada pelo Google Books.)

OLIVEIRA, Eudes. A técnica do interrogatório. Revista dos Tribunais, 1993.

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RAMÍREZ, Julio García; FLORENTINO, Luis Romero; GONZÁLEZ, García.


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URY, William L.; FISHER, Roger; PATTON, Bruce. Como Chegar ao Sim: a
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WALTON, Douglas N. Lógica informal: manual de argumentação crítica.


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