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Apresentação
Prólogo
Passo 1 - Tenha uma ideia clara sobre as duas principais formas de proceder
em um interrogatório
Referências Bibliográficas
Para Ingrid
“Interrogar é ensinar”.
Xenofonte
“A arte de interrogar é bem mais a arte dos mestres do que a dos discípulos; é
preciso ter já aprendido muitas coisas para saber perguntar aquilo que se não
sabe”.
L'art d'interroger n'est pas si facile qu'on pense; c'est bien plus l'art desmaîtres
que des disciples; il faut déjà avoir appris beaucoup de choses poursavoir
demander ce qu'on sait pas.
Por fim, minha gratidão a todos e a cada um dos alunos das diversas edições dos
cursos básico e avançado de Audiência Trabalhista e de Interrogatório
Trabalhista e aos colegas do Grupo de Estudos de Audiência e Conciliação da
Escola Judicial do TRT4, pelo compartilhamento de experiências.
Apresentação
A obra do Juiz do Trabalho Jorge Alberto Araujo supre uma lacuna na doutrina
nacional a respeito do tema. Com linguagem objetiva, direta e acessível, que se
afasta do “juridiquês” hermético, possibilita aos profissionais da área do Direito
do Trabalho preparação de forma adequada e eficaz para os interrogatórios nas
audiências trabalhistas, conquanto, é claro, também seja recomendável à consulta
de profissionais de outras áreas do direito.
Não é raro, por exemplo, que se opte por escrever algum tratado ou manual geral
sobre Argumentação Jurídica ou sobre os temas teoricamente mais complexos e
mais debatidos da "nova" matéria, com resultados que não costumam ser
esplendorosos. Em parte porque para ter uma visão geral e de certa profundidade
sobre uma matéria (sobre qualquer coisa) se necessita previamente ter algum
conhecimento de caráter, por assim dizer, "parcial" e mais ou menos
"superficial", e isso requer, como é lógico, certa experiência que, por definição,
não possui quem se aproxima do tema pela primeira vez. E em parte também
porque é muito provável que o que se necessite no campo da Argumentação
Jurídica não seja tanto uma nova teoria geral (ao fim e ao cabo, já há várias que,
sem ser objetáveis, proporcionam ao leitor um guia bastante confiável para se
adentrar neste território e obter uma adequada visão de conjunto), mas sim
melhores estudos situados em um plano de menor abstração e dirigidos para
entender melhor algum aspecto mais ou menos concreto deste novo "continente
jurídico".
A estratégia que seguiu Jorge Alberto Araujo, ao escrever o presente livro, segue
precisamente o segundo dos percursos mencionados. Pois não fez outra coisa
senão aproveitar sua experiência como Juiz do Trabalho e seus conhecimentos de
Argumentação Jurídica para escrever uma obra clara e agradável de ler que pode
resultar de utilidade para melhorar um aspecto muito concreto – porém de
importância, por certo, relevante – na prática argumentativa dos advogados. Se
trata, além disso, de uma questão, o interrogatório de testemunhas, cujo estudo e
domínio serve não apenas, por assim dizer, para ganhar demandas, mas também
para compreender melhor alguns aspectos gerais e teoricamente muito relevantes
da Argumentação Jurídica.
Sobre o primeiro, não creio que seja necessário insistir muito. Parece óbvio que
um advogado estará em melhores condições para ter êxito no manejo da prova
oral na medida em que seja capaz de compreender as diferenças existentes (em
relação aos objetivos pretendidos em cada caso e em relação às técnicas a usar)
entre o interrogatório direto e o contrainterrogatório; de manejar com habilidade
diversos tipos de perguntas que vem a ser como a caixa de ferramentas de que
pode lançar mão o interrogador (perguntas abertas, focalizadas, diretas, para
contrastar hipóteses, sugestivas) ou de usar a experiência própria para melhorar
suas capacidades de interrogador.
Tudo isso (e muito mais) é algo que se pode aprender com a leitura deste livro,
de uma maneira que, eu acredito, pode-se qualificar como "natural" porque, em
muito boa medida, Araujo utiliza como principal recurso pedagógico sua própria
experiência como Juiz do Trabalho, o que lhe permite mostrar de maneira muito
didática o que convém evitar e quais procedimentos devem ser seguidos para em
cada caso se obter um interrogatório efetivo. E, mais ainda, embora as regras
práticas que Araujo vai estabelecendo sejam extraídas do campo do Direito do
Trabalho, nada impede que elas também possam se estender sem grandes
dificuldades (basta introduzir as correspondentes adaptações ratione materiae) a
outros ramos do Direito.
Porém, lendo este livro, é possível se perceber que as coisas não são assim, ou
seja, o interrogatório que faz o advogado (insisto: uma prática que faz parte
inequivocamente da Argumentação Jurídica) não ocorre de acordo com as regras
de uma discussão cooperativa em que se busca alcançar à verdade ou a correção.
Como diz em algum momento de seu livro Araujo, no contrainterrogatório "o
interrogador tem interesses divergentes em relação ao interrogado"; este último
tem como objetivo "contar uma história que seja verossímil, porém não
necessariamente verdadeira" ao passo que o primeiro, o interrogador, tem o
interesse contrário: procurar que o interrogado contribua para uma narração dos
fatos que lhe traga (ou para a parte que o apresentou) "consequências negativas",
não importando se a narração em questão é ou não conforme os fatos.
Não sei se para algum leitor parecerá estranho, porém para mim não o é,
constatar uma vez mais que o método jurídico consiste em uma constante
interação entre o concreto e o abstrato, o prático e o teórico; de maneira que um
livro como o de Araujo, que diz perseguir interesses práticos e muito concretos,
supõem também (talvez sem o pretender) a refutação do que é a tese
emblemática da teoria padrão da Argumentação Jurídica.
A qualidade do seu interrogatório define os seus resultados
Porém, arrisco dizer que este material será de grande ajuda também em outras
áreas, pois tenho a convicção de que uma boa medida serve de maneira mais
ampla, e não somente para a área trabalhista.
Comecei fazendo uma pergunta aberta para obter informações da forma mais
espontânea possível. Segue abaixo o teor de nosso diálogo e minhas
considerações:
Juiz: Como era o seu ambiente de trabalho?
Não preciso dizer o grau de desconforto que o advogado que representava este
autor experimentou diante deste depoimento. Após a audiência, ele pediu para
conversar comigo no gabinete e jurou que não tinha conhecimento desta situação
e que não tinha sido o autor da petição inicial.
A tese da defesa era que o autor deveria ter feito este requerimento diretamente
no departamento de pessoal da empresa, em um determinado prazo, de acordo
com uma norma coletiva existente, que liberava expressamente a empresa desse
pagamento caso isso não ocorresse.
Com o intuito de entender o procedimento da empresa, interroguei sua preposta:
Preposta: Não. Isso não é necessário, nem nós aceitamos este tipo de
requerimento. A empresa é quem faz o cálculo e o pagamento.
Nas páginas que seguem está o fruto de uma pesquisa realizada em um farto
material que venho coletando desde quando frequentei o Máster de Teoria da
Argumentação Jurídica, na Universidade de Alicante, na Espanha, com o
Professor Manuel Atienza, que me conduziu a um campo completamente
inexplorado no que diz respeito à argumentação, o interrogatório judicial a partir
da declaração de que “el interrogatorio de testigos en el juicio oral constituye
también (yo diría incluso que sobre todo) un ejemplo de argumentación
dialéctica”2.
Este patrimônio de conhecimento já foi exposto com sucesso aos meus alunos
2 ATIENZA, 2010.
advogados trabalhistas gaúchos, por meio de cursos promovidos por diversas
instituições3: o Curso Básico de Audiência Trabalhista, o Curso Avançado de
Audiência Trabalhista e o Curso Prático de Interrogatório Trabalhista. A partir
desse material, somado ao que foi levantado nestes três cursos, resolvi escrever
esta obra, focada no interrogatório.
O advogado, na sua ação, tem não apenas que fazer a prova do que alega, mas
cuidar também de demonstrar a fragilidade da prova da parte adversária. E para
isso é necessário ter o conhecimento e o domínio das principais técnicas e
estratégias para um interrogatório eficiente, sem o que certamente comprometerá
o seu desempenho e os resultados positivos nos processos.
Nada pode ser mais desagradável para um advogado do que ter uma tese
autêntica, de um direito legítimo, mas não conseguir demonstrar isso ao julgador
e por meio de uma decisão judicial ver perecer este direito. Em contrapartida, o
advogado da parte contrária que, sabendo-se sem razão, obtém a vitória, tem
duplas razões para comemorar, embora não se tenha alcançado a finalidade do
processo: a realização da justiça.
Sem dúvida, uma petição inicial em que um trabalhador alega prestar serviços,
diariamente, das 7h às 23h, sem registro das horas extraordinárias, e o
correspondente pagamento, gera, efetivamente, a perplexidade de quem vai
apreciar este tipo de demanda.
Muitos dos processos judiciais são perdidos porque as partes não conseguem
fazer corretamente a prova oral que lhes incumbe ou desconstituir a prova que
lhes prejudica, pura e simplesmente por desconhecimento de técnicas de
interrogatório ou por falta de um preparo prévio e cuidadoso de sua atuação
durante a audiência.
É muito comum perceber que os advogados vêm para a audiência com uma lista
enorme de perguntas previamente formuladas e, alheios a qualquer
acontecimento, mesmo a confissão da parte contrária, insistem em apresentar tais
questionamentos.
Por outro lado, é também muito frequente observar situações em que o advogado
de uma das partes se irrita com testemunhas da outra parte, que considera
mentirosas, a ponto de perder a concentração, sem, contudo, lograr demonstrar
os defeitos em seus depoimentos.
Ou, o que é ainda pior, em alguns casos, o advogado, depois de ter feito uma
minuciosa pesquisa acerca dos fatos alegados pela parte adversária e identificado
elementos aptos a demonstrar a sua inveracidade, na hora de os apresentar o faz
de forma atabalhoada e acaba por reduzir o impacto positivo que teria.
Autor: Sim, mas eu tinha que faltar muito e chegava atrasado com
frequência.
Autor: Sim.
Autor: ...
Como advogado, talvez você já tenha passado por algumas destas situações:
Por outro lado, elaborar um extenso rol de perguntas, contemplando toda a prova
que compete ser produzida, embora pareça uma boa ideia, não traz bons
resultados. A audiência é dinâmica e além de sua condução não competir ao
advogado, fatores humanos frequentemente atuam para modificar rapidamente o
panorama. Dessa maneira, trazer um grande rol de perguntas já preparadas, em
vez de ser um fator de otimização, pode acabar sendo um fator estressante para o
advogado que tem muitos fatos para demonstrar.
Como juiz, costumo interrogar as partes em especial no que diz respeito aos itens
que parecem principais no processo, ou nos quais as alegações das peças
processuais são por demais fantásticas. Assim, se na petição inicial está
informado que o autor trabalhava diariamente por 12 horas, sem direito a
intervalo, este fato me chamará a atenção e eu o procurarei contextualizar 4.
Agirei da mesma forma se o réu alegar em sua defesa que o trabalhador exercia
atividade externa, sem controle de horário. A partir de então, dependendo das
respostas das partes, poderei considerar que houve confissão em um ou outro
sentido e, por conseguinte, não caberá mais apresentar perguntas às testemunhas
sobre o tema.
Testemunha: O autor não saía após às 22h. Ele trabalhava até às 18h.
Testemunha: ...
Testemunha: Exatamente.
Testemunha: Não.
O que temos aqui? O autor tinha o ônus processual de fazer prova de suas
alegações. No entanto, a testemunha por ele trazida não corroborou o que ele
asseverara. Ao contrário, a testemunha derrubou talvez a parte principal de sua
demanda ao referir que as horas trabalhadas estavam todas registradas. Não é
preciso ser um especialista em Lógica para compreender que se a testemunha do
autor admitira que a jornada era toda registrada, também seria de se pressupor
que o fossem as horas trabalhadas em balanços.
Um exemplo:
Preposto: Sim.
Preposto: Sim.
Pois bem, é possível verificar que existem muitas outras situações que envolvem
questões igualmente importantes, em que, como advogado, é essencial que você
pense sempre:
Acredito que você já tenha se deparado com situações desse tipo, ou ao menos as
tenha presenciado em andamento em audiências. Pois então, estes são alguns dos
problemas que vamos avaliar e para os quais vou apresentar soluções neste livro.
Desta maneira, você vai poder se preparar ainda melhor e passar a ter uma
experiência mais positiva nos seus interrogatórios.
Tampouco há, em nosso idioma, uma bibliografia recente acerca desta matéria
que pudesse ser acessível a quem por ela se interessar. Em minhas pesquisas,
identifiquei apenas duas obras que tratam do tema: A Prova Testemunhal -
Estudo de Psicologia Judiciária, do médico Alberto Cupertino Pessôa, professor
de Psicologia Judiciária e Polícia Científica do Curso Superior da Universidade
de Coimbra, cuja última edição é de 1931, e A Técnica do Interrogatório, de
Eudes de Oliveira, Juiz do Trabalho do Ceará, publicada em última edição em
1993.
Pelo procurador do reclamado foi dito que não tinha conhecimento do conteúdo
da defesa. O juiz então questionou o preposto da empresa, que disse,
igualmente, não ter ele conhecimento dos fatos.
Essa situação levou o magistrado a dar prosseguimento à audiência, então
fixando prazo para que o procurador do autor tivesse a oportunidade de se
manifestar sobre documentos acostados à defesa, bem como designando prova
pericial para a verificação de insalubridade na atividade.
Com certeza, enquanto lia o parágrafo anterior, você deve ter vociferado: "Hei!
O juiz tem que ser imparcial. Ele não pode pré-julgar!". Isso é verdadeiro, mas
não mais verdadeiro que o juiz é, antes de tudo, um ser humano. E, por ser
humano, este tipo de raciocínio deverá, obrigatoriamente, se aplicar ao
magistrado.
O segundo erro, mas tão importante quanto o anterior, está na questão relativa à
formulação das perguntas. Por exemplo, a apresentação de determinado tipo de
perguntas, como as perguntas fechadas, em que o que se exige da testemunha é
meramente que confirme uma afirmação em benefício da parte que a indicou.
Esse tipo de pergunta, além de vedada, é algo que, para um magistrado atento,
produz o efeito contrário ao pretendido.
O advogado que pretende ter bons resultados em audiências deve, antes de tudo,
ter consciência da verdadeira importância desse ato processual e também
conhecimento e domínio das técnicas e estratégias que lhe correspondem.
Merece registro que a doutrina estrangeira sobre a matéria contempla muito mais
o contrainterrogatório do que o interrogatório direto. O que é bastante
compreensível. A obtenção de um depoimento sobre fatos ocorridos deve ser
uma tarefa bastante simples, bastando ao interrogador que auxilie o interrogado
na sua reconstrução. Ao passo que através do contrainterrogatório trava-se entre
o advogado e o interrogado uma disputa de inteligência, na qual o advogado, no
curto espaço de tempo do interrogatório, deverá desacreditar a testemunha,
consagrando a contrario sensu sua tese.
Mas não é apenas isso. Além de ficar atento à sua posição no interrogatório, o
advogado que pretende ter bons resultados em suas audiências deve, também,
desenvolver sua capacidade de construir frases e fazer o uso adequado das
palavras. Veja, por exemplo, estas perguntas:
– O senhor é alcoólatra?
Veja que uma oração de não mais de cinco palavras pode trazer situações
extremamente distintas e complexas em relação ao interrogatório. Portanto, a
solução para se obter resultados desejáveis nos interrogatórios passa também,
obrigatoriamente, pelo interesse e trabalho do profissional de advocacia em
desenvolver sua capacidade de fazer um bom uso das palavras.
A proposta deste livro é, justamente, fazer com que você perceba esses pontos
fundamentais na atividade do advogado durante o interrogatório e ajudá-lo a
conhecer e desenvolver técnicas e estratégias eficazes para obter mais sucesso
nas demandas que lhe são confiadas.
Passo 1 - Tenha uma ideia clara sobre as duas principais formas de proceder
em um interrogatório
O primeiro erro é trazer as perguntas escritas, o que de certa forma vai engessar a
sua atuação durante o interrogatório – você irá perceber o quanto isso é
inconveniente, conforme avançarmos no conteúdo deste livro.
Por exemplo, se um grande amigo está me contando uma história que aconteceu
com ele, a minha postura será de escutá-lo e, de certa forma, ajudá-lo a detalhar
determinados acontecimentos.
Supondo que ele me conta sobre um acidente de automóvel que sofreu. Ele diz o
horário em que isso ocorreu, qual era o seu estado de ânimo, as péssimas
condições de visibilidade da estrada, como o veículo que o abalroou surgiu e
como ocorreu a batida. Depois, descreve o que ocorreu quando os veículos
pararam, as suas condições, a dificuldade que teve para sair do veículo, a sua
primeira impressão quando viu o condutor do outro veículo e como foi feita a
chamada por socorro.
Por exemplo, se o acidente ocorreu durante a noite, eu perguntaria por que ele
optou por viajar nesse horário. Se referir que estava cansado, perguntaria qual o
motivo do cansaço e por que, percebendo-se cansado, não optou por viajar no dia
seguinte. Ao referir que o veículo apareceu repentinamente, lembraria que é
comum que as pessoas acessem o celular, mesmo estando dirigindo, e
questionaria se não foi isso o que ocorreu.
Entretanto, na outra situação eu não tenho uma ideia precisa do que ocorreu e
preciso obter informações para saber exatamente a dimensão do ocorrido e as
atitudes a serem tomadas. Estamos, então, nos posicionando em um
contrainterrogatório.
Mas não é apenas isso. Na primeira situação há outro detalhe que faz toda a
diferença: a pessoa para a qual estou fazendo as perguntas tem uma atitude
amistosa para comigo. Sua intenção é me ajudar a reconstruir a história. E isso
ocorre porque:
Por óbvio, em matéria trabalhista, haverá algumas informações que poderão ser
fornecidas, até para se evitar perda de tempo. Ou seja, se a demanda diz respeito
a justa causa, o pedido de narração livre poderá ser:
Em uma ação que pede reparação por danos morais, por exemplo, poderíamos
imaginar as seguintes perguntas:
Merece especial atenção o que dispõe o art. 459 do CPC de 2015, cuja incidência
ao Processo do Trabalho decorre do art. 769 da CLT:
Para deixar mais clara essa ideia, voltemos a analisar com mais detalhe o
exemplo que já estudamos, em que o empregado alega jornada excessiva, mas
frequenta a universidade à noite.
Observe:
Forma equivocada
Forma correta
Perguntas como esta o interrogador não pode responder sem ter que apresentar
uma pequena introdução, pois se responder "sim" ou "não" dará ensejo a que se
conclua que agride habitualmente a esposa. O que é sempre condenável.
Por fim, o código ainda veda as perguntas ou considerações vexatórias. Este
termo, a exemplo dos anteriores, é bastante subjetivo, mas tem íntima relação
com o dever de urbanidade que as partes devem manter em todos os atos
processuais.
Eudes de Oliveira10 refere como exemplos de pergunta vexatória aquelas que
expõem o interrogado ao ridículo como, por exemplo:
Interrogador: Já que a testemunha tem uma memória prodigiosa, será
que pode nos dizer a cor da cueca do seu chefe naquele dia?
No caso, a pergunta é duplamente vexatória. Em primeiro lugar por ironizar a
memória da testemunha e, em segundo, por insinuar uma relação sexual com o
seu superior, sem que isso se tenha evidenciado ou tenha qualquer importância
para o conteúdo do depoimento.
Por óbvio, vai haver situações em que as perguntas poderão ser, de certa forma,
delicadas, ou expor intimidades das testemunhas. Por exemplo, quando se
pretende demonstrar a falta de isenção no depoimento. Nestas circunstâncias, o
interrogador deverá estar pronto para apresentar defesa em relação à sua
pergunta ao juiz, de modo a poder formulá-la em benefício de seu cliente.
Além de conhecer as diferentes formas de perguntar e suas diferenças,
recomenda-se o treino intenso e consciente dessas técnicas, para o aumento do
domínio em interrogatórios, como forma de obter os melhores resultados no
processo.
O Interrogatório Direto
Deve ser praticado para a reconstrução dos fatos para o julgador, considerando-
se que a testemunha é amigável e que a sua pretensão é obter a verdade.
Uma vez que se parte do pressuposto de que os fatos são verdadeiros, deve ser
evitado, ao máximo, que o interrogador influa no depoimento, em especial
apresentando perguntas fechadas, como aquelas que podem ser respondidas com
"sim” ou “não".
O principal objetivo disso é evitar que o julgador tenha uma apreensão irreal do
seu conteúdo e, em segundo lugar, impedir que uma bem-intencionada condução
do depoimento por parte do interrogador o torne artificial e indigno de confiança
para o juiz.
O Contrainterrogatório
Ficamos, então, com uma questão a ser resolvida: como se realizam tais
interrogatórios?
Ao apresentar sua testemunha, você deve fazer-lhe perguntas abertas como, por
exemplo:
Ou:
Neste caso, não haverá a necessidade de lhes permitir expor os fatos tais como
ocorreram, mas demonstrar para o julgador a inconsistência do depoimento. As
perguntas podem e devem ser apresentadas na modalidade "fechadas",
imediatamente, sem que se considere estas perguntas como irregulares.
Como já referimos, perguntas fechadas são aquelas que podem ser respondidas
com uma resposta curta, ou com "sim" ou "não", tais como "Qual é a sua
idade?", "Onde você mora?" ou "Você via o autor trabalhando?".
Ouvir o depoimento da parte contrária em narração livre implica, inicialmente,
uma difícil decisão: oportunizar à parte contrária depor é permitir-lhe trazer para
os autos a sua história.
No entanto, temos uma boa notícia. Nos processos trabalhistas é muito comum
que as partes incluam uma série de pedidos e de alegações. Com muita
frequência, ao lado de pedidos legítimos do autor ou de contestações igualmente
legítimas do réu, encontramos pedidos ou defesas inconsistentes. Nestas
situações, o mais inteligente a se fazer é atacar os alicerces mais frágeis para,
assim, lograr derrubar a construção toda.
Por exemplo, você como procurador do réu sabe que o autor efetivamente era
credor de adicional de insalubridade por estar exposto a agentes insalubres, sem
que lhe fossem fornecidos equipamentos de proteção individual (EPIs) ou
efetuado o respectivo pagamento. No entanto, o advogado adversário resolveu
"incluir" um pedido de diferenças salariais que sabe ser de difícil acolhimento.
Neste caso, o réu, usando desta fragilidade aberta pelo advogado do autor,
buscará a improcedência de ambos os pedidos, não obstante tenha consciência de
que o primeiro pedido é, efetivamente, procedente.
Por outro lado, o preposto também não pode apresentar informações que sirvam
para qualquer caso sem responder ao caso concreto. Veja este exemplo:
É possível perceber que o preposto se omite sob dois aspectos. Não responde se
o autor fazia ou não horas extraordinárias – o que é o escopo da pergunta –, além
de apresentar uma informação genérica que sequer indica que era observada
pelos seus gerentes e demais encarregados: "orientava" para que as horas
extraordinárias fossem registradas.
Por mais que eu me esforce para criar exemplos didáticos sobre temas de
interrogatório, sempre sou superado pela realidade. Em uma única das sessões de
audiências que ocorrem diariamente na 5ª Vara do Trabalho de Porto Alegre – e
com certeza em todas as outras espalhadas pelo Brasil –, podemos colher uma
infinidade de exemplos do que se deve e do que não se deve fazer nos
interrogatórios.
Na semana em que escrevo este texto, por exemplo, um advogado que sustentava
que o seu cliente tinha atribuições idênticas a de outro empregado da ré e, por
isso, pleiteava equiparação salarial, impugnou o depoimento deste mesmo
empregado apresentado como testemunha da ré, alegando que ele tinha sido o
chefe do reclamante. Ora, se a pessoa indicada como equiparando era chefe do
autor, logicamente não poderiam, ambos, terem as mesmas atribuições.
Diante deste autêntico show da vida real, defendo que, ao lado dos passos
anteriores, o contínuo estudo de casos práticos terá uma importância vital para
melhorar a sua qualidade de bom interrogador, tornando-o apto, inclusive para a
improvisação.
Este estudo de caso pode ser dividido em quatro modalidades, todas muito
importantes, mas cada uma com aspectos particulares: experiências próprias e
alheias e experiências consistentes em erros e em acertos.
Há uma teoria de que uma pessoa para ser realmente boa em alguma coisa deve
ter, pelo menos, 10 mil horas nessa atividade. Contudo, não bastam apenas as 10
mil horas. É necessário que a pessoa tenha envolvimento nessa sua atividade
para se tornar, de fato, um especialista.
O advogado que está interessado em aprender deve, tanto quanto possível, tentar
compreender quais as questões que estão controvertidas no processo que está em
discussão e que deverão ser solucionadas através da prova oral. Isso, muitas
vezes, pode ser intuído apenas mediante a observação dos interrogatórios. No
entanto, se for possível obter as peças processuais, ainda que apenas as principais
(inicial, contestação e atas de audiências), tanto melhor.
Assistindo uma audiência alheia você deve procurar observar qual informação o
advogado está tentando obter e quais os meios que ele está usando para isso.
Fique atento, também, para a posição do advogado nesse depoimento, se ele está
procedendo no interrogatório direto (buscando apresentar ao julgador uma ampla
visão dos fatos) ou no contrainterrogatório (procurando demonstrar defeitos no
depoimento).
3. E se ele não se
apresentasse
neste horário, o
que ocorria?
Estratégia B (se
não houver outro
meio de fazer a
prova das horas
extraordinárias):
1. Qual era o
horário de
funcionamento
do
estabelecimento?
2. Ocorria, em
algumas
ocasiões, de
fechar mais
tarde?
3. Com que
frequência isso
ocorria?
4. Você lembra
de ter trabalhado
além do horário
normal?
5. Nessa ocasião,
houve o registro
das horas extras?
Por exemplo:
Analisar os acertos, por incrível que pareça, é algo mais difícil. Em especial
porque bons interrogadores, muitas vezes, farão parecer natural o interrogatório
por eles conduzido. Por outro lado, quando somos nós próprios envolvidos em
interrogar e o interrogatório funciona, temos a tendência da soberba, ou seja,
passamos a nos considerar excelentes interrogadores, deixando de refletir,
justamente quando é mais necessário, nos aspectos que utilizamos para obter
aquele resultado.
Autora: Às 9h30min.
Autora: Não.
Autora: Sim.
Nestes casos, para identificar a técnica a ser aplicada, devemos, antes de mais
nada, identificar o aspecto a ser provado. A seguir estudamos qual seria a nossa
melhor estratégia para a sua obtenção.
Este tema – horas extraordinárias devido à troca de uniforme – tem sido bastante
frequente e decorre do que dispõe o art. 4 o da CLT, que estabelece que é tempo
efetivo de serviço todo aquele que o trabalhador esteja à disposição de seu
empregador. Neste quadro, o que se impõe provar é se há, efetivamente, um
período em que o empregado fica à disposição do empregador enquanto ele se
encontra vestindo o uniforme.
Autora: Eu já estava na empresa antes das 9h, pois tinha que vestir o
uniforme.
2. Haveria
alguma
penalidade se
chegasse "em
cima do
horário", mas
conseguisse
começar a
trabalhar no
horário
contratual?
Nos exemplos a seguir, reuni situações bastante comuns no dia a dia da atuação
de profissionais durante interrogatórios. Analise com atenção, estude os casos,
perceba quais foram os erros cometidos em cada uma das situações a seguir e
elabore a forma correta como elas deveriam ter sido conduzidas.
Situação 1
Após terem sido ouvidas as duas testemunhas apresentadas pela autora, estava
sendo ouvida, em interrogatório preliminar, a testemunha apresentada pelo réu
– neste caso, o banco.
Análise da situação
Situação 2
Análise da situação
1) Em relação ao réu.
2) Em relação ao autor.
Situação 3
Análise da situação
Neste caso, vale a máxima de que a mentira tem pernas curtas. Muitas vezes a
alegação da parte ou da testemunha sucumbirá muito facilmente a uma mera
consulta à web. Atualmente, por exemplo, é fácil se constatar a distância entre
dois endereços a partir de uma consulta ao Google Maps, que pode, inclusive,
informar o tempo de deslocamento entre os pontos, tanto a pé quanto de ônibus
ou de carro.
Situação 4
O juízo questionou a autora sobre onde ela havia prestado serviços e ela
informou que era próximo à Rua 24 de Outubro, onde era público e notório que
funcionava o Hospital Militar do Exército e não o da Brigada, este localizado na
Zona Sul. Ou seja, o processo fora simplesmente direcionado, equivocadamente,
por falta de um interrogatório eficaz.
Análise da situação
Uma boa entrevista feita ao cliente, acompanhada de uma pesquisa, pode reduzir
dissabores como este. O feito havia sido mal direcionado exclusivamente pelo
defeito na entrevista inicial do cliente, que poderia ter já indicado o real tomador
de serviços da autora.
Situação 5
Perguntada, pela própria ré, sobre qual era o seu salário, a testemunha informou:
Análise da situação
A prova de salário “por fora” é, talvez, uma das mais difíceis de ser feita, uma
vez que, por ser um pagamento clandestino, geralmente é feito em separado para
cada trabalhador, em dinheiro e sem que ocorra contabilização dos valores em
registro oficial. Por conseguinte, a convicção geralmente é feita por meio de
indícios.
Situação 6
Neste exemplo podemos ver um dos mais famosos e graves erros de estratégia: a
famigerada "última pergunta", que podemos chamar também de "mais uma
pergunta".
No caso, esta pergunta a mais destruiu a prova, até então construída, de que a
empresa permitia o registro integral da jornada.
Situação 7
Num momento seguinte, ao ouvir sua própria testemunha – aliás, sem prestar
compromisso, uma vez que ela se apresentou como detentora de cargo de
confiança na empresa –, o advogado retomou o tema. E recebeu também de sua
testemunha a confirmação de que a padaria, no estabelecimento em que a autora
prestava serviços, ficava efetivamente próxima à frente de caixa.
Análise da situação
Neste caso específico, portanto, o juiz havia se convencido, pelo simples fato de
a primeira testemunha ser de um setor que fica costumeiramente distante do setor
de caixas, que o conteúdo de seu depoimento merecia pouco crédito.
O que mais surpreende neste caso é que o advogado demostrava claramente não
ter sequer conhecimento direto do local (ele não o havia visitado) ou mesmo
indireto (não buscou informações sobre) do estabelecimento de seu cliente, tendo
apresentado perguntas arriscadas que colocaram em xeque a posição de seu
cliente.
Situação 8
Testemunha: Sim.
Análise da situação
É interessante destacar que a testemunha não tinha conhecimento dos fatos e não
provou a sua existência, mas apenas aumentou substancialmente a plausibilidade
do fato narrado na petição inicial.
A ação foi resolvida através de um acordo em valor superior ao que poderia ter
sido solucionado se a testemunha não tivesse sido ouvida.
Assim como nos exemplos anteriores, muitas são as situações de julgamento com
que podemos aprender e reforçar nossa experiência no trato estratégico nos
interrogatórios. Por essa razão, reforço aqui a sugestão para que você acompanhe
o máximo de casos possível, analisando e tirando suas conclusões, verificando os
procedimentos inadequados e traçando hipóteses mais adequadas para a solução
de cada caso. Essa é a experiência que vai ajudá-lo a ter um desempenho cada
vez melhor nos casos pelos quais for responsável.
Muito mais do que simplesmente afastar a frustração de ter perdido uma causa
ou não ter conseguido alcançar os objetivos traçados, você vai ter o grande
prazer de ver seus esforços darem resultados para seu cliente e lograr o
fortalecimento do seu nome como profissional que resolve. Sem dúvida, suas
chances de sucesso aumentarão significativamente.
Por outro lado, terá também segurança para confrontar a parte ou testemunhas
adversárias, demonstrando, através de questionamentos apresentados na forma e
ritmo corretos, a inverossimilhança ou outros defeitos das suas narrativas, de
modo a macular-lhes a credibilidade e, dessa forma, desconstituir a prova que lhe
prejudica.
As audiências passarão a ser-lhe algo muito mais simples e tranquilo, você vai se
destacar em seu meio profissional e terá uma carreira muito mais gratificante e
promissora, recheada de vitórias e aprendizados.
Comece hoje mesmo a ganhar suas ações com um interrogatório bem preparado,
mais inteligente e muito mais eficaz.
Porém, ao longo de todo o meu estudo, deparei-me muito mais vezes com a
palavra "arte" do que com a palavra "ciência". No entanto, isso não é tão ruim
quanto parece.
Além disso, ao saber que o interrogatório é uma arte, passamos a perceber que o
nosso aprimoramento depende não só de estudo, mas, talvez até mais, do
desenvolvimento de uma sensibilidade que apenas as artes exigem.
INBAU, Fred E. et al. Criminal interrogation and confessions. 5. ed. Jones &
Bartlett Publishers, 2011.
URY, William L.; FISHER, Roger; PATTON, Bruce. Como Chegar ao Sim: a
negociação de acordos sem concessões. Rio de Janeiro: Solomon, 2014.