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estudos sobre budismo v.2
Guia Básico
dos Estudos sobre
Budismo
Fonte
Basic Buddhism Guide
(BuddhaNet)
Tradução e edição
Bruna T. Gibson
abril de 2004
www.umeoutro.net D;
Guia básico
dos estudos sobre budismo
pontos principais e
resumos dos conceitos básicos
2
Índice
Uma introdução em cinco minutos ..............................................................4
Introdução ao budismo ................................................................................9
Ensinamentos e caminhos para a prática...................................................15
O caminho óctuplo .....................................................................................18
Ética budista ...............................................................................................22
Surgimento dependente ............................................................................30
Sobre reencarnação ...................................................................................41
A lei do karma ............................................................................................44
Conselhos sobre meditação .......................................................................50
Relances sobre o budismo..........................................................................53
Perguntas freqüentes sobre a cultura budista ...........................................62
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01
uma introdução em cinco minutos
O que é o Budismo?
Budismo é uma religião com cerca de 300 milhões de adeptos no mundo todo. O
termo vem de “budhi”, “acordar”. Originou‐se há cerca de 2.500 anos atrás, quando
Siddhartha Gautama ‐ conhecido como o Buddha ‐ despertou (foi iluminado) aos 35
anos de idade.
O Budismo é uma religião?
Para muitos, o Budismo vai além de ser uma religião e é mais uma filosofia de vida.
Esse termo é utilizado porque filosofia significa “amor pela sabedoria”, e o caminho
budista pode ser resumido assim:
1. Viver uma vida de preceitos morais;
2. Estar consciente de pensamentos e ações; e
3. Desenvolver sabedoria e compreensão.
Como o Budismo pode me ajudar?
O Budismo oferece um propósito para a vida, ele explica as injustiças aparentes e a
desigualdade ao redor do mundo, e apresenta um código de práticas ou filosofia de
vida que leva à verdadeira felicidade.
Por que o Budismo está se tornando tão popular?
O Budismo está se tornando popular nos países ocidentais por várias razões. A
primeira delas é que o Budismo tem respostas para muitos dos problemas das socie‐
dades materialistas modernas. Também inclui (para os que se interessam) um profun‐
do entendimento da mente humana (e terapias naturais), algo que vem despertando o
interesse de importantes psicólogos em todo o mundo por ser um conhecimento mui‐
to avançado e eficaz.
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Quem foi o Buddha?
Siddharta Gautama nasceu no seio de uma família real em Lumbini, no território
que hoje pertence ao Nepal, em 563 a.C. Aos 29 anos ele percebeu que riqueza e luxo
não garantiam felicidade, e passou a explorar os diferentes ensinamentos religiosos e
filosóficos da época, tentando achar a chave para a felicidade humana. Após seis anos
de estudo e meditação ele finalmente achou o “caminho do meio” e atingiu a ilumina‐
ção. Depois disso, o Buddha passou o resto de sua vida ensinando os princípios do Bu‐
dismo ‐ Dhamma ou Dharma, que significa Verdade ‐ até sua morte, aos 80 anos.
O Buddha era um deus?
Não era e nem afirmava ser. Ele foi um homem que ensinou o caminho para a ilu‐
minação a partir de sua própria experiência.
Os budistas adoram ídolos?
Os budistas às vezes prestam homenagens a estátuas do Buddha, mas não no sen‐
tido de adoração e nem para pedir favores. Uma estátua do Buddha com suas mãos
gentilmente repousadas sobre seu colo e um sorriso de compaixão nos lembra a nos
esforçarmos para desenvolver a paz e o amor dentro de nós. Curvar‐se à estátua é
uma expressão de gratidão pelos ensinamentos.
Porque há tantos países budistas que são pobres?
Um dos ensinamentos budistas é que a riqueza não garante felicidade e que a feli‐
cidade é, também, impermanente. O povo de todo e qualquer país sofre, tanto os ricos
como os pobres, mas aqueles que entendem os ensinamentos budistas podem encon‐
trar a felicidade verdadeira.
Existem diferentes tipos de Budismo?
Há muitos tipos de Budismo, porque a ênfase dada aos diferentes aspectos muda
de país para país, de acordo com os costumes e a cultura. O que não varia é a essência
do ensinamento ‐ a Dharma ou Verdade.
As outras religiões estão erradas?
O Budismo é um sistema de crenças que também é tolerante em relação a todas as
outras crenças e religiões. O Budismo concorda com os ensinamentos morais das ou‐
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tras religiões, mas vai além e provê um propósito a longo prazo para a nossa existência,
através da sabedoria e verdadeiro entendimento. O Budismo verdadeiro é muito tole‐
rante e não se preocupa com rótulos como “cristão”, “muçulmano”, “hindu” ou “bu‐
dista”; essa é a razão de nunca ter havido guerras em nome do Budismo. E essa é a
razão dos budistas não pregarem ou tentarem converter os outros ‐ ele só explica
quando uma explicação é solicitada.
O Budismo é científico?
A Ciência é um conhecimento que pode ser introduzido a um sistema, e depende
da observação e teste dos fatos e das leis naturais em geral. O âmago do Budismo se
enquadra nessa definição, porque as Quatro Nobres Verdades (ver abaixo) podem ser
testadas e provadas por qualquer um. De fato, o próprio Buddha pediu aos seus segui‐
dores que testassem os ensinamentos ao invés de aceitar sua palavra como verdadeira.
O Budismo depende mais do entendimento do que da fé.
O que o Buddha ensinou?
O Buddha ensinou muitas coisas, mas os conceitos básicos do Budismo podem ser
resumidos nas Quatro Nobres Verdades e no Caminho Óctuplo.
Qual é a Primeira Nobre Verdade?
A primeira verdade é que a vida é feita de sofrimento, isto é, a vida inclui dor, en‐
velhecimento, doença e morte. Nós também enfrentamos sofrimentos psicológicos,
como solidão, frustração, medo, vergonha, decepção e raiva. Este é um fato que não
pode ser negado. É mais realista do que pessimista, porque pessimismo consiste em
esperar que as coisas acabem mal. Ao invés disso, o Budismo explica como o sofrimen‐
to pode ser evitado e como podemos ser verdadeiramente felizes.
Qual é a Segunda Nobre Verdade?
A segunda verdade diz que o sofrimento é causado pelo desejo e pela aversão. Nós
sofreremos se esperarmos que as outras pessoas alcancem nossas expectativas, se
queremos que as outras pessoas gostem de nós, se nós não conseguimos algo que
desejamos etc. Em outras palavras, conseguir o que se quer não garante a felicidade.
Ao invés de lutar constantemente para conseguir o que queremos, deveríamos tentar
modificar nossos desejos. O ato de desejar nos tira nosso contentamento e felicidade.
Uma vida de vontades e desejos, especialmente o desejo de continuar a existir, cria
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uma poderosa energia que causa o nascimento do indivíduo. Assim, o desejo leva ao
sofrimento físico porque causa o renascimento.
Qual é a Terceira Nobre Verdade?
A terceira verdade é que o sofrimento pode ser superado e a felicidade alcançada;
que a verdadeira felicidade e contentamento podem ser obtidos. Se desistirmos do
desejo inútil e aprendermos a viver um dia de cada vez (não viver nem no passado,
nem no futuro), então poderemos nos tornar felizes e livres. Desse modo, teremos
mais tempo e energia para ajudar aos outros. Esse é o Nirvana.
Qual é a Quarta Nobre Verdade?
A quarta verdade diz que o Caminho Óctuplo é aquele que leva ao fim do sofrimento.
O que é o Caminho Óctuplo?
Em suma, o Caminho Óctuplo consiste em: ter moralidade (no que dizemos e fa‐
zemos); se concentrar na mente e em ser consciente de nossos pensamentos e ações;
e desenvolver sabedoria através do entendimento das Quatro Nobres Verdades e da
compaixão pelos outros.
Quais são os Cinco Preceitos?
O âmago moral do Budismo são os preceitos, e os cinco mais importantes são: não
tirar a vida de nenhum ser; não tomar nada que não nos foi dado; abster‐se de má
conduta sexual e sensualidade exagerada; não mentir; e evitar intoxicação, isto é, per‐
der a consciência.
O que é Karma?
Karma é a lei que diz que toda causa tem um efeito, ou seja, nossas ações têm um
resultado. Esta simples lei explica um sem‐número de coisas: a desigualdade no mun‐
do, o fato de uns nascerem deficientes e outros bem‐dotados, o porquê de alguns vi‐
verem uma vida curta. O Karma ressalta a importância de todos os indivíduos agirem
com responsabilidade em suas ações passadas e presentes. Como podemos testar o
efeito kármico de nossas ações? A resposta pode ser resumida em: 1) a intenção por
trás da ação; 2) os efeitos da ação no indivíduo que a pratica; e 3) os efeitos nos outros.
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O que é Sabedoria?
O Budismo ensina que o desenvolvimento da sabedoria deve ser concomitante ao
da compaixão. Em um extremo, você pode ser um tolo de bom‐coração e, no outro,
você pode adquirir conhecimento sem nenhuma emoção. O Budismo usa o caminho
do meio para desenvolver ambos. A maior sabedoria é ver que, na realidade, todos os
fenômenos são incompletos e impermanentes. A verdadeira sabedoria não é simples‐
mente acreditar no que nos dizem, mas experimentar e entender a verdade e a reali‐
dade. A sabedoria requer uma mente aberta, objetiva e sem preconceitos. O caminho
budista requer coragem, paciência, flexibilidade e inteligência.
O que é Compaixão?
É um conceito que inclui compartilhar, estar preparado e oferecer compaixão, sim‐
patia, preocupação e cuidados. No Budismo, nós podemos realmente entender os ou‐
tros e a nós mesmos através da sabedoria.
Como me torno um budista?
Os ensinamentos budistas podem ser entendidos e testados por qualquer um. O
Budismo ensina que as soluções para os nossos problemas estão dentro de nós mes‐
mos, e não fora. O Buddha pediu a todos os seus seguidores que não acreditassem em
sua palavra como verdadeira, e sim que testassem por si mesmos os conhecimentos.
Desse modo, cada pessoa decide por si só e assume responsabilidade por suas ações e
entendimento. Isso faz com que o Budismo seja mais um conhecimento que cada pes‐
soa aprende e usa de seu próprio modo, do que um pacote pronto com crenças para
serem aceitas em sua totalidade.
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02
introdução ao budismo
Este pequeno ensaio tem a intenção de oferecer uma breve introdução ao Budismo.
Discutiremos aqui como os budistas percebem o mundo, os quatro principais ensina‐
mentos do Buddha, a visão do Budismo acerca do ser, a relação entre esse ser e as vá‐
rias formas como ele responde ao mundo, o caminho budista e o objetivo final.
Os três marcos da existência
O Budismo já foi descrito como uma religião muito pragmática. Ele não adentra es‐
peculações metafísicas acerca de causas primordiais; não existe teologia, adoração ou
deidificação do Buddha. O Budismo tem uma visão muito direta no que diz respeito à
condição humana; absolutamente nada é baseado em especulações. Tudo o que o
Buddha ensinou foi fundamentado em suas próprias observações dos fenômenos e
suas naturezas. E tudo o que ele ensinou pode ser verificado por nossa própria observação.
Se olharmos nossa vida de forma muito simples e direta, veremos que ela é marca‐
da por frustração e dor. Isso ocorre porque tentamos manter nossa relação com o
mundo externo, solidificando nossas experiências de uma forma concreta. Por exem‐
plo, podemos jantar com alguém que admiramos muito; tudo vai muito bem, e quando
chegamos em casa mais tarde, começamos a fantasiar sobre tudo aquilo que podemos
fazer com nosso novo amigo, lugares onde podemos ir etc. Estamos passando pelo
processo de tentar concretizar o relacionamento. Talvez, na próxima vez em que vir‐
mos nosso amigo, ele estará com uma dor de cabeça e será seco conosco; nós nos sen‐
timos magoados, e tudo o que foi planejado cairá por terra. O problema é que o mun‐
do externo está constantemente mudando, tudo é impermanente e é impossível ter
uma relação permanente com qualquer coisa.
Se examinarmos de perto e honestamente a noção de impermanência, veremos
que ela se aplica a tudo, que tudo é marcado por ela. Nós podemos crer num princípio
de consciência eterna, ou de um ser superior, mas se examinarmos nossa consciência
de perto veremos que ela é feita de eventos e processos mentais temporários. Vemos
que o nosso “ser superior” é, na melhor das hipóteses, especulativo e imaginário. Nós
inventamos essa idéia para nos sentirmos seguros, para novamente concretizarmos
nossas relações. Por causa disso nos sentimos desconfortáveis e ansiosos, até mesmo
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nos melhores momentos. Apenas quando abandonamos completamente o apego é
que nos sentimos aliviados de nossos mal‐estares.
Estes três elementos ‐ dor, impermanência e inexistência do ego ‐ são conhecidos
como os três marcos da existência.
As Quatro Nobres Verdades
O primeiro sermão pregado por Buddha após sua iluminação foi sobre as quatro
nobres verdades. A primeira nobre verdade diz que a vida é frustrante e dolorosa. De
fato, se formos honestos, há tempos que ela se torna miserável. Tudo pode estar bem
conosco num dado momento, mas, se olharmos ao redor, vemos pessoas nas condi‐
ções mais ultrajantes ‐ crianças morrendo de fome, terrorismo, ódio, guerras, intole‐
rância, torturas ‐ e nos sentimos mal sobre a situação do mundo. Nós mesmos iremos,
um dia, envelhecer, ficar doentes e eventualmente morrer.
A segunda nobre verdade indica que o sofrimento tem uma causa. Nós sofremos
porque estamos constantemente lutando para sobreviver e tentando provar nossa
existência. Podemos ser extremamente humildes, mas mesmo assim ainda tentamos
nos definir ‐ somos definidos por nossa humildade. Quanto mais lutamos para tentar
estabelecer a nós mesmos e as nossas relações, mais dolorosa se torna nossa experiência.
A terceira nobre verdade afirma que a causa do sofrimento pode ser extinta. Nossa
luta pela sobrevivência, nosso esforço para provar a nos mesmos e as nossas relações
é desnecessário. Todos nós podemos viver confortavelmente sem isso. Poderíamos ser
pessoas simples e diretas. Podemos formar uma relação simples com o mundo, aban‐
donando nossas expectativas acerca do que esse mundo deveria ser.
Esta é a quarta nobre verdade: o caminho que leva ao fim da causa do sofrimento.
O tema central desse caminho é a meditação, que nada mais é do que a prática da
consciência (shamata ou vipashyana, em sânscrito). Nós praticamos a obtenção da
consciência sobre todas as coisas com as quais nos torturamos. Tornamos‐nos consci‐
entes ao abandonar nossas expectativas sobre como pensamos que as coisas deveriam
ser e, a partir dessa consciência, começamos a desenvolver a idéia de como as coisas
realmente são. Nós começamos a desenvolver o discernimento de que as coisas são
realmente bastante simples, que podemos cuidar de nós mesmos e de nossas relações
muito bem, assim que deixarmos de ser tão manipuladores e complexos.
Os Cinco Skandhas
A doutrina budista da inexistência do ego parece ser um pouco confusa para os o‐
cidentais. Acredito que isso se deve à confusão quanto ao significado de “ego”. O ego
no Budismo é bem diferente do ego freudiano. Ele é uma coletânea de eventos men‐
tais classificados em cinco categorias, chamadas skandhas.
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Se utilizarmos uma expressão ocidental, podemos dizer que “no começo” tudo es‐
tava indo muito bem. Em algum ponto, no entanto, houve uma perda de confiança no
modo como as coisas aconteciam. Houve um tipo de pânico primordial que produziu
confusão sobre o que estava acontecendo. Ao invés de se ter consciência dessa perda,
houve uma identificação com o pânico e a confusão. O ego, assim, começou a se for‐
mar. Esse é conhecido como o primeiro skandha, o skandha da forma.
Após identificar‐se com a confusão, o ego começa a explorar seus sentimentos so‐
bre a sua formação. Se gostamos da experiência, tentamos atraí‐Ia para nós. Se não
gostamos, a repelimos, ou tentamos destruí‐la. Se nos sentimos neutros, apenas a ig‐
noramos. O que sentimos pela experiência é chamado o skandha da forma; o que ten‐
tamos fazer a respeito dela é conhecido por skandha do impulso/percepção.
O próximo estágio é a tentativa de identificar ou rotular a experiência. Se pudermos
categorizá‐la, poderemos também manipulá‐la melhor. Este é o skandha do conceito.
O último passo no nascimento do ego é chamado de skandha da consciência. O ego
começa a misturar continuamente pensamentos e emoções, o que faz com que ele se
sinta sólido e real. Essa mistura contínua é chamada de samsara ‐ literalmente “girar”.
O que ele sente sobre sua situação (skandha do sentimento) determina qual dos seis
reinos de existência ele criará para si mesmo.
Os Seis Reinos
Se o ego decide que gosta da situação, começa a misturar todas as formas que o
levam a possuí‐Ia. Surge o desejo de consumir a situação e nós ficamos ansiosos por
satisfazê‐lo. Quando isso acontece, um fantasma daquele desejo permanece conosco e
nós continuamos a procurar por algo mais a consumir. Entramos, assim, no padrão
habitual que nos torna orientados pelo consumo. Suponhamos que alguém comprou
um programa de computador. Utiliza‐o por um tempo até que a novidade se desgaste
e passa a procurar, então, pelo próximo programa que tem o brilho mágico de não ter
sido ainda possuído. Mal utiliza esse último programa quando começa a procurar pelo
próximo. Ter o programa e utilizá‐lo não parece tão importante quanto querê‐lo. Esse
reino é conhecido como o reino do fantasma faminto, onde nos ocupamos apenas em
desejar. Nunca alcançamos satisfação ‐ é como beber água salgada para saciar a sede.
Outro reino é o animal, onde a mente é como aquela de um animal. Aqui encon‐
tramos segurança ao ter certeza de que tudo é totalmente previsível. Não corremos
riscos nem exploramos novas possibilidades. O pensar em novas possibilidades nos
assusta, e olhamos com desprezo a qualquer um que sugira algo inovador. Esse reino é
caracterizado pela ignorância.
O reino infernal é caracterizado pela agressão intensa. Construímos uma parede de
ódio entre nós mesmos e nossa experiência. Tudo nos irrita, e até mesmo a mais inó‐
cua e inocente declaração nos deixa loucos de raiva. O calor da nossa raiva é refletido
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em nós de tal maneira que nos leva a um frenesi para tentar escapar de nossa própria
tortura, o que nos faz lutar ainda mais e gerar cada vez mais raiva. Tudo chega a um
nível tão agudo que não sabemos mais se estamos lutando com outra pessoa ou com
nós mesmos. Estamos tão ocupados lutando que não conseguimos achar outra alternativa.
Esses são os três reinos inferiores. Um dos três reinos superiores é chamado de
reino do deus egoísta. Esse padrão de existência é caracterizado por uma intensa pa‐
ranóia. Nós estamos sempre preocupados em “fazer”. Tudo é percebido a partir de um
ponto de vista competitivo. Estamos sempre procurando marcar pontos, e tentando
evitar que os outros marquem pontos em relação a nós. Se alguém alcança algo espe‐
cial, nos tornamos determinados a superá‐los. Não confiamos em ninguém; “sabemos”
que os outros estão tentando nos passar para trás. Se alguém tenta nos ajudar, tenta‐
mos ver o que este alguém está tramando. Se alguém não tenta nos ajudar, este al‐
guém não está sendo cooperativo, e procuramos nos vingar mais tarde.
Em alguma ocasião podemos ouvir falar da espiritualidade. Podemos ouvir a res‐
peito de técnicas de meditação oriundas de alguma religião oriental, que tornarão nos‐
sas mentes pacíficas a nos absorverão em uma harmonia universal. Começamos a me‐
ditar e a praticar certos rituais, e nos vemos absorvidos em um espaço infinito de esta‐
dos de existência cheios de graça ‐ nos tornamos orgulhosos de nossos poderes quase
divinos de absorção meditativa. Podemos até lutar no reino do espaço infinito com
pensamentos que raramente surgem para nos incomodar. Ignoramos tudo que não
confirme nossa divindade. Nós produzimos o reino divino, o mais alto dos seis reinos
da existência. O problema é que nós o produzimos. Nós começamos a relaxar e não
sentimos mais a necessidade de manter nosso estado de exaltação. Eventualmente
surge um pequeno vestígio de dúvida. Nós realmente conseguimos? No início, conse‐
guimos ultrapassar a dúvida, mas ela começa a ocorrer mais freqüentemente, e logo
recomeçamos nossa luta para reconquistar a confiança suprema. Assim que começa‐
mos a lutar, caímos nos níveis inferiores e recomeçamos todo o processo; do reino
divino, ao reino do deus egoísta, ao reino animal, ao reino do fantasma faminto, ao
reino do inferno. Até que em algum ponto começamos a nos perguntar se não há al‐
guma alternativa para modo como lidamos com o mundo. Esse é o reino humano.
O reino humano é o único no qual é possível se libertar dos seis estágios da exis‐
tência. Ele é caracterizado pela dúvida e inquirições e pelo anseio de algo melhor. Não
estamos tão absorvidos pelas preocupações consumidoras que existem nos outros
estados de existência. Começamos a nos perguntar se é possível nos relacionarmos
com o mundo como simples e dignos seres humanos.
O Caminho Óctuplo
O caminho para a libertação desses terríveis estados do ser é ensinado pelo Bud‐
dha, e tem oito pontos ‐ por isso é chamado de Caminho Óctuplo. O primeiro ponto é
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chamado “visão correta” ‐ o modo correto de ver o mundo. Temos uma visão incorreta
quando impomos nossas expectativas sobre as coisas; expectativas de como espera‐
mos que as coisas sejam, ou como tememos que elas possam vir a ser. A visão é corre‐
ta quando vemos as coisas de forma simples, como elas são. É uma atitude aberta e
complacente. Nela, abandonamos nosso medo e atingimos a felicidade pelo simples
fato de olhar a vida de forma direta.
O segundo ponto do caminho é chamado “intenção correta”, e decorre da visão
correta. Se conseguimos abandonar nossas expectativas, esperanças e medos, não
precisamos mais ser manipuladores. Não precisamos usar da astúcia para controlar
situações, tentando transformá‐las no que achamos que elas deveriam ser ‐ trabalha‐
mos com o que é. Nossas intenções são puras.
O terceiro aspecto do caminho é o “discurso correto”. Quando nossas intenções
são puras, não nos sentimos mais envergonhados por nossas palavras. Já que não es‐
tamos tentando manipular as pessoas, não temos que hesitar antes de dizer algo ou
evitar qualquer tipo de conversa por falta de autoconfiança. Dizemos o que precisa ser
dito, de forma simples e genuína.
O quarto ponto do caminho, a “disciplina correta”, envolve um tipo de renúncia.
Precisamos renunciar à nossa tendência de complicar as coisas ‐ devemos praticar a
simplicidade, ter uma relação direta com nossas refeições, empregos, casas e famílias.
E devemos desistir de todas as complicações frívolas e desnecessárias a partir das
quais muito comumente provocamos confusão em nossos relacionamentos.
“Vivência correta” é o quinto passo do caminho. É nada mais do que natural e cor‐
reto que devamos merecer nossa vida. Constantemente muitos de nós não gostamos
de nossos empregos. Mal podemos esperar para chegar em casa e recuperar a enorme
quantidade de tempo que nosso trabalho tirou de nós, e procuramos aproveitar a boa‐
vida. Talvez até desejássemos ter um trabalho mais glamoroso, pois não sentimos que
nosso emprego em uma fábrica ou num escritório seja compatível com a imagem que
queremos projetar. A verdade é que devíamos estar felizes com nosso trabalho, seja
ele qual for ‐ devíamos ter uma relação simples com ele. Precisamos realizá‐lo corre‐
tamente, atentando aos detalhes.
O sexto aspecto do caminho é o “esforço correto”. O esforço incorreto é a luta.
Constantemente encaramos nossa disciplina espiritual como se tivéssemos que con‐
quistar nosso lado maligno e promover o benigno. Estamos presos a um combate com
nós mesmos e tentamos arrasar a menor das tendências negativas. O esforço correto
não envolve em absoluto qualquer tipo de luta. Quando vemos as coisas como elas são,
podemos trabalhar com elas de forma gentil e sem qualquer tipo de agressão.
“Consciência correta”, o sétimo passo, envolve precisão e clareza ‐ consiste em
sermos conscientes dos mínimos detalhes de nossa experiência. Somos conscientes da
forma que andamos, do modo como realizamos nosso trabalho, da nossa postura, nos‐
sa atitude em relação aos amigos e família ‐ de cada detalhe.
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“Concentração correta” ou “absorção correta” é o oitavo ponto do caminho. Ge‐
ralmente somos absorvidos por nossas mentes vazias ‐ elas estão completamente cati‐
vadas por todos os tipos de entretenimento e especulações. Absorção correta é quan‐
do estamos completamente absorvidos no presente, nas coisas como elas são. Isso só
pode acontecer se tivermos algum tipo de disciplina, como a meditação. Podemos até
dizer que, sem a meditação, não podemos trilhar o Caminho Óctuplo. A meditação acaba
com esse vazio da mente, e oferece um espaço para a preocupação com nós mesmos.
O Objetivo
A maioria das pessoas já ouviu falar do Nirvana, que chegou a ser associado à ver‐
são ocidental de paraíso. Na verdade, Nirvana simplesmente quer dizer “cessação” ‐ a
cessação da paixão, agressão e ignorância, da luta para provar nossa existência no mu‐
do e para sobreviver. É não ter que sobreviver por completo; nos já sobrevivemos, e a
luta é apenas mais uma complicação que acrescentamos à nossa vida, devido à falta de
confiança no modo como as coisas funcionam. Não precisamos mais manipular nada
para nossa auto‐satisfação.
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03
ensinamentos e caminhos para a prática
As Quatro Nobres Verdades
1. A Nobre Verdade de Dukkha (sofrimento);
2. A Nobre Verdade da causa de Dukkha (desejo);
3. A Nobre Verdade do Nirvana (o fim de Dukkha, a iluminação);
4. A Nobre Verdade do caminho que leva ao Nirvana ou Iluminação.
Os Quatro Votos do Bodhisattva
1. Resgatar os seres vivos do sofrimento (ligado à Primeira Nobre Verdade);
2. Extinguir as infinitas aflições dos seres vivos (ligado à Segunda Nobre Verdade);
3. Aprender as imensuráveis portas para o Dharma (ligado à Quarta Nobre Verdade);
4. Adquirir consciência do caminho do Buddha (ligado à Terceira Nobre Verdade).
O Caminho Óctuplo
1. Visão correta, entendimento correto;
2. Atitude, pensamento e emoção corretos;
3. Discurso correto;
4. Ação correta;
5. Vivência correta;
6. Esforço, energia e vitalidade corretos;
7. Consciência correta;
8. Concentração correta.
Os Cinco Preceitos
1. Abster‐se de matar seres vivos;
2. Abster‐se de tomar aquilo que não foi dado;
3. Abster‐se da má conduta sexual;
4. Abster‐se do discurso falso;
5. Abster‐se do consumo de substâncias que confundem a mente (álcool e drogas).
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Os Cinco Preceitos em termos positivos
1. Agir com amor e bondade;
2. Ter coração aberto e ser generoso;
3. Praticar quietude, simplicidade e contentamento;
4. Falar com sinceridade, clareza e paz;
5. Viver conscientemente.
Os Dez Paramita
1. Generosidade;
2. Virtude, ética, moralidade;
3. Renúncia (ao desejo);
4. “Sabedoria” Panna ou Prajna (discernimento sobre a natureza da realidade);
5. Energia, vigor, vitalidade, diligência;
6. Paciência ou indulgência;
7. Sinceridade;
8. Resolução, determinação, intenção;
9. Bondade, amor, amizade;
10. Equanimidade.
Os Quatro Estados Sublimes
1. Metta (amizade, bondade, amor);
2. Karuna (compaixão);
3. Mudita (alegria, felicidade; apreço pelas boas qualidades das pessoas);
4. Upekkha (equanimidade, a mente pacífica).
Os Cinco Poderes ou Faculdades Espirituais
1. Fé, confiança;
2. Energia, esforço;
3. Consciência;
4. Samadhi;
5. Sabedoria;
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Os Cinco Defeitos
1. Desejo dos sentidos;
2. Má‐vontade;
3. Preguiça e torpor;
4. Inquietude e preocupação;
5. Dúvidas acerca dos tóxicos e crítica interna sem piedade.
As Quatro Bases de Referência da Consciência
1. Consciência do corpo (respiração, posturas, partes);
2. Consciência dos sentimentos (agradável, desagradável e neutro);
3. Consciência dos estados de consciência;
4. Consciência de todos os fenômenos ou objetos de consciência.
Os Três Sinais da Existência ou Propriedades Universais
1. Anicca (impermanência);
2. Dukkha (insatisfação, indução ao estresse);
3. Anatta (insubstancialidade ou o não‐ser).
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04
o caminho óctuplo por John Allan
O Caminho Óctuplo é a quarta das Quatro Nobres Verdades ‐ o primeiro ensina‐
mento do Buddha. Todos os outros ensinamentos derivam desses preceitos.
As Quatro Nobres Verdades são:
1. A Nobre Verdade da realidade de Dukkha como parte da existência condicionada.
Dukkha é uma palavra com muitos significados. Seu significado literal é “aquilo que é
difícil suportar”. Isso pode significar sofrimento, estresse, dor, angústia, aflição ou insa‐
tisfação. Todas as palavras em inglês1 são ou muito fortes ou muito fracas em seu sig‐
nificado para constituírem uma tradução bem‐sucedida no sentido universal. Dukkha
pode ser bruta ou muito sutil. Varia desde sutis conflitos interiores ou existenciais até
extrema dor física e mental.
2. A Nobre Verdade de que Dukkha tem um surgimento causal. A causa é definida
como avareza e apego ou aversão. Por um lado, é tentar controlar todas as coisas ape‐
gando‐se a elas ou procurando defini‐Ias; por outro, é controlá‐Ias ao afastá‐Ias ou
fugir delas. É o processo de identificação por meio do qual tentamos transformar as
coisas internas e externas em uma posse pessoal ou em algo totalmente separado de
Si. Isso está relacionado aos três sinais de existência ‐ impermanência (Anicca), estres‐
se ou sofrimento (Dukkha) e o Não‐Ser (Anatta). Isso porque toda a existência con‐
dicionada é impermanente e dá origem a Dukkha, o que significa que na existência
condicionada não existe a imutabilidade e nem o Ser permanente. Não há nada a que
se apegar e, na realidade, não há “alguém” que possa se apegar a alguma coisa. Nós
tentamos nos apegar ou afastar dos processos que são sempre dinâmicos, que sempre
estão em constante mudança. Essas tentativas de controle nos limitam às pequenas
definições daquilo que somos.
3. A Nobre Verdade da cessação de Dukkha, que é o Nirvana ou Nibbana. Além da
avareza e do controle e da existência condicional está o Nirvana. “A mente é como
fogo infinito”. A realização do Nirvana é o supremo Bodhi ou Despertar. É acordar para
1
O autor faz referência ao idioma do texto original. (N. do T)
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a verdadeira natureza da realidade. É acordar para a nossa verdadeira natureza. O Câ‐
none Pali do Theravada, os ensinamentos‐base budistas, dizem pouco sobre o Nirvana,
usando termos como Incondicionado e Sem‐morte, e os Não‐nascidos. Os ensinamen‐
tos do Mahayana falam mais sobre as qualidades do Nirvana e usam termos como
Verdadeira Natureza, Mente Original, Luz Infinita e Vida Infinita. Além do espaço e
tempo. O Nirvana desafia as definições.
Nirvana significa literalmente “infinito”, como em “Mente como fogo infinito”. Esta
bela imagem é a de um fogo que se alimenta de si mesmo. Imagine uma chama quei‐
mando num graveto; ela parece pairar por sobre a coisa que queima, estar em posição
superior. Ela parece ser independente do graveto, mas está apegada e presa a ele. Esse
sentido do Nirvana, da chama não estar apegada a nada, é comumente interpretado
erroneamente como se a chama houvesse se extinguido. Isso é completamente oposto
ao significado do símbolo. Essa chama “queima” e dá luz, mas não mais necessita de
material combustível. Não está extinta ‐ o que está extinto é o seu apego ao material
de que se alimenta. No fundo, o Nirvana está além da concepção e entendimento inte‐
lectual. Entendimento completo vem somente através da experiência direta de seu
“estado”, que está além das limitações e definições do espaço e do tempo.
4. A Nobre Verdade do Caminho que leva à Iluminação. Esse é um paradoxo. É algo
condicionado que diz‐se ajudar no incondicionamento. A Iluminação não é “feita” por
nada: não é produto de nada, nem dos ensinamentos do Buddha. Iluminada, sua ver‐
dadeira natureza já está sempre presente. Apenas não está desperta para essa reali‐
dade. Ao agarrar‐nos à limitação e ao tentarmos controlar o fluxo incessante dos fe‐
nômenos e processos, nossa verdadeira natureza é obscurecida.
O caminho é um processo que nos ajuda remover ou a mover‐nos para além das
respostas condicionadas que obscurecem nossa verdadeira natureza. Nesse sentido, o
Caminho é mais um desaprender do que um aprender ‐ outro paradoxo. Nós apren‐
demos para que possamos desaprender e descobrir. O Buddha chamou seu ensina‐
mento de Balsa. Talvez seja preciso construir uma balsa para cruzar um rio turbulento.
Quando construída, com muita determinação e com grande energia nós fazemos o
cruzamento. Depois de efetuado esse cruzamento, não precisamos mais carregar a
balsa conosco. Em outras palavras, não devemos nos prender a nada, incluindo os en‐
sinamentos. No entanto, devemos usá‐los antes de abandoná‐los. De nada serve saber
tudo sobre a balsa e não utilizá‐la. Os ensinamentos são ferramentas, e não dogmas.
Os ensinamentos são Upaya, que significa “meios habilidosos” ou “método oportuno”.
São dedos que apontam para a lua ‐ e não se deve confundir os dedos com a lua.
19
O Caminho
1. Samma2‐Ditthi ‐ Visão Completa ou Perfeita, também traduzida como visão ou
entendimento retos. É a visão da natureza da realidade e do caminho para a transfor‐
mação.
2. Samma‐Sankappa ‐ Emoção ou Aspiração Perfeita, também traduzida como pen‐
samento ou atitude retos. É liberação da inteligência emocional em nossa vida e o agir
a partir do amor e da compaixão. Um coração informado e uma mente sensível são
livres para praticar o desapego.
3. Samma‐Vaca ‐ Discurso Perfeito ou Completo. Também chamado discurso corre‐
to. É a comunicação clara, verdadeira, positiva e que não causa mal.
4. Samma‐Kammanta ‐ Ação Integral. Também chamada ação correta. É a funda‐
mentação ética para a vida baseada no princípio da não exploração de si mesmo ou
dos outros. Compreende os cinco preceitos.
5. Samma‐Ajiva ‐ Vivência Apropriada. Também chamada vivência reta. Essa é uma
vivência baseada na ação correta e no princípio ético da não‐exploração. É a base de
uma sociedade ideal.
6. Samma‐Vayama ‐ Esforço, Energia ou Vitalidade Completa ou Total. Também
chamada de esforço ou diligência retos. É o direcionamento consciente de nossa ener‐
gia vital para o caminho transformador da ação criativa e curativa que fomenta a tota‐
lidade.
7. Samma‐Sati ‐ Conscientização Completa ou Profunda. Também chamada “cons‐
ciência reta”. São os diferentes níveis de consciência e conscientização ‐ das coisas, de
si mesmo, dos sentimentos, dos pensamentos, das pessoas e da Realidade.
2
A palavra Samma significa “apropriado”, “inteiro”, “minucioso”, “integral”, “completo” e
“perfeito” ‐ relacionado à palavra “cume” ‐ não significa necessariamente “certo” em oposição
a “errado”. No entanto, o termo é comumente traduzido como “certo”, o que pode passar
uma mensagem menos precisa. Por exemplo, o oposto de “Consciência Correta” não é neces‐
sariamente “Consciência Errada”. Pode ser simplesmente incompleta. O uso da palavra “certo”
pode gerar uma consistente e bem bolada lista de diferentes traduções. O lado negativo disso
é que também pode causar a impressão de que o Caminho é uma aproximação limitada e mo‐
ralista à vida espiritual. Foram utilizadas diversas interpretações para que o leitor possa consi‐
derar a profundidade dos significados. O que essas coisas significam para você nesse momento?
20
8. Samma‐Samadhi ‐ Samadhi Completo, Integral ou Holístico. Isso é comumente
traduzido como concentração, meditação, absorção ou direcionamento da mente. Ne‐
nhuma dessas traduções é adequada. Samadhi é literalmente estar fixado, absorvido
ou estabelecido em um determinado ponto; desse modo, o primeiro nível de significa‐
do é a concentração, quando a mente está fixada em um único objeto. O segundo nível
de significado vai além e representa o estabelecimento não só da mente, mas também
de todo o ser nos vários níveis ou modos de consciência. Este é o Samadhi no sentido
da Iluminação.
21
05
ética budista
Essencialmente, de acordo com os ensinamentos budistas, os princípios éticos e
morais são governados por meio da ponderação sobre se certo ato ‐ ligado ao corpo
ou ao discurso ‐ pode ser maléfico para si ou para outrem. Assim, a partir dessa pon‐
deração, é possível evitar quaisquer ações que tenham resultados negativos. Uma
mente habilidosa evita atitudes que possam causar sofrimento ou remorso.
A conduta moral para os budistas varia de acordo com a pessoa a quem está dire‐
cionada ‐ se aos leigos ou ao Sangha (clero). Um budista leigo deve cultivar boa condu‐
ta a partir do treinamento conhecido como os “Cinco Preceitos”. Esses preceitos não
se assemelham, por exemplo, aos dez mandamentos que, se quebrados, resultam em
punição por parte de Deus. Os cinco preceitos são regras de treinamento; se alguém
porventura as quebrar, esse alguém deve ter consciência de sua falha para evitá‐la no
futuro. O resultado de uma ação (comumente referido como Karma) depende mais da
intenção do que do ato propriamente dito. Isso implica em um menor sentimento de
culpa do que o encontrado nas tradições judaico‐cristãs. O Budismo dá grande ênfase
à “mente” e à angústia mental, tal como remorso, ansiedade, culpa etc. ‐ sentimentos
que devem ser evitados para que se possa cultivar uma mente calma e pacífica. Os
cinco preceitos são:
1) Aceitar o treinamento para evitar tirar a vida dos seres. Esse preceito se aplica a
todos os seres vivos, não somente aos humanos. Todos os seres têm direito à vida, e
esse direito deve ser respeitado.
2) Aceitar o treinamento para evitar tomar aquilo que não foi dado. Esse preceito
vai além do simples ato de roubar. Deve‐se evitar tomar qualquer coisa antes de se ter
certeza de que aquilo nos foi dado.
3) Aceitar o treinamento para evitar a má conduta sensual. Esse preceito é constan‐
temente mal‐traduzido ou mal‐interpretado como se relacionado somente à má conduta
sexual. Ele engloba, também, os abusos dos outros prazeres sensuais, como a gula.
22
4) Aceitar o treinamento para se abster do falso discurso. Além de evitar mentiras
e enganação, este preceito se refere tanto à difamação quanto a qualquer outro dis‐
curso que não beneficie os outros.
5) Aceitar o treinamento para se abster da ingestão de substâncias que causem in‐
toxicação ou alteração do estado mental. Esse preceito está em uma categoria especi‐
al, já que não se refere a nenhum mal intrínseco, digamos, ao álcool em si, mas sim
em relação ao abuso de tal substância, que pode acarretar na quebra dos outros qua‐
tro preceitos.
Esses são os preceitos básicos que devem ser seguidos diariamente no treinamen‐
to de qualquer budista leigo. Em dias santos, muitos budistas ‐ especialmente aqueles
que seguem a tradição Theravada ‐ observam três preceitos adicionais, enfatizando o
terceiro, que implica também na observação de estrito celibato. Os preceitos adicio‐
nais são:
6) Abster‐se de comer em horas inapropriadas. Isso significa seguir a tradição dos
monges Theravadin, ou seja, não comer do meio‐dia até o amanhecer do dia seguinte.
7) Abster‐se de dançar, cantar, ouvir ou tocar música ou desfrutar de quaisquer ou‐
tros meios de entretenimento; também se abster do uso de perfumes, ornamentos e
outros itens cuja finalidade é o embelezamento.
8) Aceitar o treinamento para se abster de usar camas altas ou luxuosas.
Todas essas são regras regularmente adotadas pelos membros da Sangha e segui‐
das pelos leigos em ocasiões especiais.
Os leigos seguidores da tradição Mahayana, que tomaram o voto do Bodhisattva,
também seguem uma dieta estritamente vegetariana. Esse é mais um fortalecimento
do primeiro preceito ‐ não matar ‐ do que um preceito propriamente novo. Por mais
indiretamente que seja, a ingestão de carne é considerada uma contribuição para a
morte dos animais.
O clero budista, conhecido como Sangha, é governado por cerca de 227 a 253 re‐
gras, dependendo da escola ou tradição para homens ou Bhikkhus (290 a 354 regras) e
para mulheres ou Bhikkhunis. Estas regras, contidas na Vinaya ou primeira coleção de
escrituras budistas, são divididas em diversos grupos, cada um atribuindo uma penali‐
dade proporcional à sua violação. As primeiras quatro regras para homens e as primei‐
ras oito para mulheres, conhecidas como Parajika ou regras da derrota, implicam em
expulsão imediata da Ordem, se violadas. Destas regras, as quatro que se aplicam tan‐
to aos homens quanto às mulheres são: intercurso sexual, matar um ser humano, rou‐
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bar a ponto de acarretar uma sentença de encarceramento e proclamar possuir pode‐
res miraculosos ou paranormais. As regras adicionais dirigidas às Bhikkhunis são rela‐
cionadas a diversos contatos físicos com homens; uma outra diz respeito a não comu‐
nicar a derrota ou parajika de outrem à Ordem. Antes de falecer, o Buddha instruiu
que era permitido o abandono ou ajuste de regras menores, se as condições exigissem
tal mudança. Essas regras se aplicam a todos os membros da Sangha, independente‐
mente da tradição que escolham seguir.
A interpretação das regras, no entanto, é diferente nas tradições Mahayana e The‐
ravada. Os Theravadins, especialmente os tailandeses, afirmam observar essas regras
ao pé da letra; no entanto, muitas vezes isso se dá mais na teoria do que na prática. A
Sangha Mahayana interpreta a regra de não comer em horas inapropriadas como não
comer durante o intervalo entre as refeições, ignorando, assim, a idéia não fazer refei‐
ções do meio‐dia até o amanhecer. A regra do jejum seria imprópria, sob o ponto de
vista da saúde, para a Sangha que vive em regiões frias como a China, Coréia e Japão.
Quando se examina a razão por que essa regra foi inicialmente instituída, a conclusão
pode ser de que a regra é atualmente supérflua. Era costumeiro no tempo do Buddha
que os monges fossem ao vilarejo com suas tigelas para receberem comida. Para que
se evitasse incomodar os habitantes do vilarejo mais do que o necessário, o Buddha
ordenou a seus monges que fizessem a visita uma vez ao dia, de manhã cedo. Isso
permitiria às pessoas conduzir suas tarefas diárias sem serem interrompidas pelos
monges que pediam comida. Hoje, é claro, as pessoas levam comida aos monastérios
ou a preparam segundo a premissa de que o motivo original não é mais válido na a‐
tualidade. Como muitos devem saber, em alguns países que seguem a tradição Thera‐
vada, os monges ainda vão de manhã cedo pedir esmolas, mas esta é mais uma ques‐
tão de preservar a tradição do que uma real necessidade. Também, uma regra que
proíbe que os monges manuseiem ouro e prata, em outras palavras dinheiro, é consi‐
derada pela Sangha Mahayana como uma impossibilidade de ser praticada nos dias de
hoje. Eles interpretam essa regra como evitar o acúmulo de riquezas que leva à ga‐
nância. Os monges Theravadin são contraditórios nesse aspecto; apesar da maioria
não tocar em moedas, muitos carregam consigo cartões de crédito e talões de cheque.
Vamos agora falar brevemente sobre a atitude budista em relação à violência, à
guerra e à paz. O Buddha disse, no Dhammapada:
“A vitória gera o ódio, porque o conquistado fica infeliz. Aquele que renun‐
ciou, tanto à vitória como à derrota, esse, o contente, é feliz.” (Dp. 15,5)
“O ódio nunca cessa com o ódio; o ódio só termina com o amor. Essa é uma
lei eterna.” (Dp. 1,5)
24
O primeiro preceito se refere ao treinamento da abstenção de matar seres vivos.
Apesar de a história ter registrado conflitos envolvendo as nações ditas budistas, essas
guerras não foram travadas por razões econômicas ou motivos do gênero. No entanto,
a história não nos fala de guerras em razão da propagação do Budismo. O Budismo e,
talvez, o Jainismo, são únicos nesse aspecto. Sua Santidade o Dalai Lama nunca suge‐
riu o uso do conflito armado para acabar com a perseguição e crueldade cometidas
pelas tropas de ocupação da China comunista ‐ ele sempre apelou para uma solução
pacífica. O Venerável Maha Ghosananda, Supremo Patriarca do Camboja, incitou os
cambojanos a deixar de lado a raiva gerada genocídio de Khmer Rouge e a tentar res‐
tabelecer sua nação. Ele escreveu:
“O sofrimento do Camboja foi profundo. Esse sofrimento criou grande com‐
paixão. Grande compaixão cria um coração pacífico. Um coração pacífico cria
uma pessoa pacífica. Uma pessoa pacifica cria uma família pacífica. Uma fa‐
mília pacífica cria uma comunidade pacífica. Uma comunidade pacífica cria
uma nação pacífica. Uma nação pacífica cria um mundo pacífico.”
Voltando aos primórdios do Budismo, o Imperador Asoka que, depois de uma
campanha bem‐sucedida porém sangrenta, governou mais de dois terços do subcon‐
tinente indiano, teve grande remorso pelo sofrimento que causou, baniu a matança
de animais e exortou seus súditos a serem bondosos e tolerantes. Ele também promo‐
via a tolerância para com todas as religiões, as quais ele apoiava financeiramente. As
religiões prevalecentes naquele tempo eram as dos sramanas ou ascetas errantes,
Brahmins, Ajivakas e Jains. Ele recomendou que todas as religiões abandonassem a
auto‐glorificação e a condenação dos outros. Seus pronunciamentos eram escritos em
rochas que ficavam na periferia de seu reino, em pilares ao longo das estradas e locais
aonde os peregrinos se reuniam. Ele também fundou muitos hospitais, tanto para
humanos quanto para animais. Alguns de seus importantes editos escritos em rochas
diziam:
1. Asoka ordenou que árvores banya e os arvoredos de mangas fossem plan‐
tados, que casas de descanso fossem construídas e poços fossem cavados a
cada meia milha nas estradas principais.
2. Ele ordenou que não mais se matasse nenhum tipo de animal para ser uti‐
lizado nas cozinhas reais.
3. Ele ordenou a construção de instalações médicas para humanos e animais.
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4. Ele ordenou obediência para com os pais, os sacerdotes e os ascetas, e
frugalidade nos gastos.
5. Todos os oficiais deveriam trabalhar para o bem‐estar dos pobres e dos idosos.
6. Ele registrou sua intenção de promover o bem‐estar de todos os seres,
como forma de pagar sua dívida.
7. Ele honrava os homens de todos os credos.
No entanto, nem todos os budistas seguem o caminho da não‐violência. Um mon‐
ge budista, Phra Kittiwutthi, do Colégio Phra Chittipalwon na Tailândia, é conhecido
por suas opiniões de extrema‐direita. Ele dizia que matar comunistas não era uma
violação do primeiro preceito. Disse também que, se a Tailândia estivesse sob a amea‐
ça de invasão estrangeira, ele se envolveria em luta armada para proteger o Budismo.
Sulak Sivaraksa, um ativista pacífico tailandês, reporta em seu livro, “Sementes da
Paz”, que Phra Kittiwutthi mudou sua opinião ao declarar, “matar o comunismo ou a
ideologia comunista não é um pecado”. Sulak acrescenta que o monge confessou que
seus sentimentos nacionalistas eram mais importantes que sua prática budista, e que
ele estaria disposto a abandonar seu manto amarelo para lutar contra comunistas
invasores vindos do Laos, Camboja ou Vietnã. Fazendo isso, dizia, ele estaria preser‐
vando a monarquia, a nação e a religião budista. Em contraste com as visões de Phra
Kittiwutthi, Sulak Sivaraksa reporta que o monge vietnamita Thich Nhat Hanh acredita
que “preservar o Budismo não significa que se deve sacrificar as vidas das pessoas
para salvaguardar a hierarquia, monastérios ou rituais budistas. Mesmo se o Budismo
que conhecemos fosse extinto, quando vidas humanas são preservadas e quando a
liberdade e dignidade humanas são cultivadas em razão da paz e da bondade afetuosa,
o Budismo pode renascer nos corações dos seres humanos.”
Concluindo, mencionarei brevemente outros assuntos discutidos no programa de
estudos.
O terceiro preceito sobre o treinamento da restrição dos sentidos inclui a sexuali‐
dade. Um budista deve ter consciência dos possíveis efeitos de uma atividade sexual
imprópria, tanto para si mesmo quanto para os outros. Isso também inclui adultério,
pois esse ato viola o preceito de não tomar aquilo que não lhe foi dado. Um relacio‐
namento com alguém que já está comprometido é roubo. O mesmo ocorre com os
casos de estupro e abuso sexual infantil, pois quem o pratica rouba a dignidade e a
auto‐estima de outros. Esse alguém também provoca sofrimento mental, além do so‐
frimento físico. Assim, tais comportamentos violam diversos preceitos.
O casamento não é um sacramento no Budismo, como ocorre em diversas outras
religiões. Ele é governado pela lei civil e espera‐se que um budista observe as leis de
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qualquer país em que ele viva. Na tradição Theravada, os monges são proibidos pelas
regras Vinaya de encorajar ou realizar uma cerimônia de casamento. A regra diz que:
“Se um bhikkhu atuar como mediador entre as intenções de um homem para
com uma mulher, ou de uma mulher para com um homem, sejam essas in‐
tenções de casamento ou união, mesmo que temporariamente, esse monge
será submetido a uma reunião da Sangha.”
Em muitos países da tradição Theravada, um casal pode, depois de concretizar seu
casamento numa cerimônia civil, convidar os monges a sua casa para uma cerimônia
de bênção. O casal oferece comida e cumpre com outras exigências em relação aos
monges, e convida amigos e família para participarem. Na tradição Mahayana, a mes‐
ma regra exprime um significado inteiramente diferente. Ela diz:
“Se um bhikkhu procurar estabelecer uma situação que conduza um homem
e uma mulher a tomarem parte em má conduta sexual, tenha este bhikkhu a
estabelecido por si mesmo, por ordem ou através de mensagens, e como re‐
sultado de suas atividades o homem e a mulher se encontrarem, ele come‐
teu uma ofensa.”
A regra não exclui o casamento; ela trata do monge que assume papel de media‐
dor de propósitos imorais. Nos países ocidentais, seguindo o precedente cristão, mui‐
tos monges da tradição Mahayana se tornam celebrantes registrados de casamento
para que, quando necessário, possam celebrar uma cerimônia no templo. Geralmente,
em países em que a lei permite, os budistas aceitam relacionamentos de fato. A pro‐
miscuidade é vista como má conduta sexual, mas uma relação estável entre duas pes‐
soas, tanto dentro quanto fora do casamento, seria considerada como conduta moral.
Já que um dos ensinamentos principais do Budismo é que todas as coisas são imper‐
manentes e sujeitas a mudanças, o término irrevogável de um relacionamento entre
um casal seria entendido sob essa luz, o que faz com que o divórcio não seja conside‐
rado impróprio.
A respeito das questões bioéticas, as opiniões divergem de escola para escola. Es‐
ses problemas estão relacionados ao conceito de renascimento e a quando ele ocorre.
De acordo com a tradição Theravada, o renascimento ocorre imediatamente após a
morte. O corpo do falecido não é mais considerado uma parte do ser, então procedi‐
mentos como autópsias, transplante de órgãos etc. são permitidos. De fato, muitos
que seguem a tradição Theravada, especialmente na Malásia, encorajam a doação de
órgãos humanos como sendo a maior forma de generosidade. Freqüentemente, em
especial durante o Vesak ‐ a celebração do nascimento, iluminação e falecimento do
Buddha ‐ doações de sangue são realizadas no templo. A tradição Mahayana, por ou‐
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tro lado, acredita que existe um estado intermediário entre as encarnações, conheci‐
do como Antarabhava. A maioria das pessoas que seguem essa tradição costumam
evitar tocar ou mover o corpo por, no mínimo, oito horas após a morte. Isso, é claro,
significa que os órgãos, após esse período, já não servem mais para transplante.
O ideal da ética budista em relação ao trabalho e aos negócios estaria intimamen‐
te ligado ao respeito pelo meio‐ambiente. Isso é bem descrito no livro de E. F. Schu‐
macher, “O Pequeno é Belo”:
“Enquanto os materialistas estão interessados principalmente nos bens, o in‐
teresse principal do budista é a libertação. Mas o Budismo é o Caminho do
Meio e, desse modo, não é contrário ao bem‐estar físico. O ponto principal
da economia budista é a simplicidade e a não‐violência. Da posição de um
economista, a maravilha do estilo de vida no Budismo é a completa raciona‐
lidade do seu padrão ‐ meios incrivelmente pequenos que levam a resultados
extraordinariamente satisfatórios.”
Ken Jones comenta, em seu artigo chamado “O Budismo e a Ação Social”:
“Schumacher esboça uma 'economia budista' na qual a produção é baseada
numa quantidade média de bens materiais (e não mais), e na harmonia com
o meio ambiente e seus recursos. Os princípios anteriores sugerem um tipo
de sociedade diversa e politicamente descentralizada, com administração e
posse cooperativa das riquezas produtivas. Seria concebida em uma escala
humana, em termos ou de tamanho e complexidade/organização, ou de pla‐
nejamento ambiental, e a tecnologia moderna seria utilizada seletivamente,
ao invés de servir a interesses egoístas. Nas palavras de Schumacher, 'É uma
questão de encontrar o caminho certo para o desenvolvimento, o Caminho
do Meio, entre o materialismo negligente e imobilidade tradicional. Em ou‐
tras palavras, é uma questão de encontrar a Vivência Correta.”
Apesar das teorias que tratam da prática comercial budista, a ganância ainda parece
ser a ordem do dia em muitos países budistas. Na Tailândia, um monge do norte, Acham
Ponsektajadhammo, tem liderado uma campanha contra o vandalismo ambiental da in‐
dústria madeireira. O desmatamento ao norte da Tailândia vem causando erosão e inun‐
dações, o que automaticamente acarreta a ruína de pequenos fazendeiros. Por seus es‐
forços em preservar o meio ambiente, Acham Ponsektajadhammo recebeu ameaças de
morte e foi recentemente preso. No Japão, um país aonde a maioria da população é bu‐
dista, a matança de baleias e golfinhos ainda prevalece. Os animais não parecem encon‐
trar um lugar na cultura da sociedade japonesa.
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Como pode ser percebido pelo que explicitamos, os princípios éticos budistas são mui‐
to nobres e, em um mundo ideal, sua prática traria paz e harmonia. Mas, infelizmente,
como o Buddha ensinou, as pessoas são motivadas por ganância e ilusão ‐ até mesmo os
budistas.
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06
surgimento dependente
1° Elo: Ignorância
2° Elo: Formações de Livre Vontade
3° Elo: Consciência
4° Elo: Mente ‐ Corpo
5° Elo: Esferas dos Seis Sentidos
6° Elo: Contato
7° Elo: Sentimento
8° Elo: Desejo
9° Elo: Apego
10° Elo: Formação
11° Elo: Nascimento
12° Elo: Velhice e Morte
Na lua cheia do mês de Visakha, há mais de dois mil anos atrás, o errante religioso
conhecido como Gotama, antes Príncipe Siddhartha e herdeiro do trono do povo Sakya,
por seu profundo conhecimento da verdade chamada Dhamma, que é corpo e mente,
se tornou por sua própria conta Aquele Perfeitamente Iluminado.
Sua Iluminação ou Despertar, chamado Sambodhi, o libertou da ignorância e do
desejo, da ganância destrutiva, da aversão e desilusão em seus sentimentos, de modo
que “surgiram sua visão, superconhecimento, sabedoria, descobrimento e luz ‐ uma
penetração total na mente e no corpo, sua origem, sua cessação e o caminho para a
cessação, o que foi ao mesmo tempo entendimento completo do 'mundo', da sua ori‐
gem, da sua cessação e do caminho para a cessação. Ele penetrou na verdade subja‐
cente de toda existência”. Estando em concentração meditativa durante toda uma
noite, mas depois de anos de luta, sua busca terminou e ele se tornou “Aquele‐que‐
Sabe, Aquele‐que‐Vê”.
Quando começou a explicar sua grande descoberta aos outros, o fez adequando
sua mensagem aos diferentes entendimentos daqueles que o escutavam e, assim, aju‐
dou‐os a se aliviarem dos problemas que os afligiam.
Ele sabia, com sua Grande Sabedoria, exatamente quais eram esses problemas,
mesmo que seus ouvintes não tivessem conhecimento deles e, a partir de sua Grande
Compaixão, ensinou o Dhamma àqueles que desejavam livrar‐se de seus fardos. Os
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fardos que os homens ‐ na realidade, que todos os seres ‐ carregam consigo não são
diferentes daqueles existentes no tempo do Buddha. Tanto antes como agora os ho‐
mens são vítimas da ignorância e do desejo. Eles não conheciam as Quatro Nobres
Verdades ou o Surgimento Dependente, e desejavam o fogo e o veneno e, também
tanto antes quanto agora, são consumidos por seus medos. O Senhor Buddha, Aquele
que alcançou a Segurança, disse:
“Profundo, Ananda, é este Surgimento Dependente, e também se mostra pro‐
fundo. É através do não entendimento, da não penetração nesta lei que o
mundo se parece com um emaranhado de fios, um ninho de pássaros, um ma‐
tagal de bambus e juncos, do qual o homem não consegue escapar dos (nasci‐
mentos nos) reinos inferiores da existência, dos estados de dor e perdição e,
dessa forma, sofre na roda do renascimento.”
A não compreensão do Surgimento Dependente é a raiz de todas as dores experi‐
mentadas por todos os seres. É também a mais importante das formulações da Ilumi‐
nação do Senhor Buddha. Para um budista, então, é extremamente necessário se apro‐
fundar nesse conhecimento. Isso não é feito através de leituras, ou do conhecimento
extenso das escrituras, e nem por especulações acerca dos conceitos de uns e outros,
mas sim ao enxergar o Surgimento Dependente na própria vida e lidar com suas con‐
seqüências através da calma e do conhecimento do “próprio” corpo e mente.
“Aquele que vê o Surgimento Dependente, vê o Dhamma”
1° Elo: IGNORÂNCIA (avijja)
Representado pela imagem de uma mulher cega que
caminha tropeçando, incapaz de ver para onde está
indo. Assim, ignorância é cegueira, é o não‐ver. É a
falta de conhecimento da realidade das coisas.
A palavra “avijja” é um termo negativo que significa “não conhecer completamen‐
te”, mas que não quer dizer “não saber de nada”. Este tipo de ignorância é muito es‐
pecial e não está ligado às formas comuns de conhecimento, pois aqui o que não se
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conhece são as Quatro Nobres Verdades. Nas vidas passadas, não nos importamos em
ver o “dukkha” (1), então não conseguimos destruir a “causa de dukkha” (2) ou desejo,
o que nos impeliu a procurar cada vez mais vidas, cada vez mais prazeres. A “cessação
de dukkha” (3), que talvez tenha sido vista em vidas passadas, não foi realizada, por‐
tanto chegamos à existência presente que tem como fardo inevitável o dukkha. E, no
passado, dificilmente conseguimos concluir que seguimos o “caminho da prática que
leva à cessação de dukkha” (4); nem mesmo descobrimos a sua entrada. Estamos ago‐
ra pagando por nossa negligência passada.
Essa ignorância não é um tipo de causa primordial no passado porque vive em nos‐
sos corações hoje. Mas, devido a esse desconhecimento, como logo iremos ver, colo‐
camos em movimento a roda que traz consigo a velhice e a morte, assim como outros
tipos de dukkha. Os “eus” passados que estavam na correnteza da continuidade indivi‐
dual não analisaram seus desejos e, desse modo, não conseguiram cortar o mal pela
raiz. Pelo contrário, eles criaram o kamma, alguns dos frutos que eu, como resultado
causal, estou recebendo nesta vida.
A imagem nos ajuda a entender isto: uma mulher velha e cega (avijja é uma palavra
do sexo feminino), com a ajuda de um graveto, percorre seu caminho pela floresta
petrificada coberta por ossos. Diz‐se que a imagem original deveria ser a de um camelo
fêmea guiado por um condutor, sendo que o animal estaria acostumando a jornadas
longas e cansativas através do campo inóspito, enquanto seu condutor estaria seguin‐
do seus próprios desejos. Em qualquer exemplo do gênero, a cegueira e a escuridão da
ignorância são bem representados. Nós somos os cegos que cambaleamos do passado
até o presente ‐ para que tipo de futuro?
Em dependência da existência da ignorância no coração surgem as ações
de livre vontade, kamma ou abhisankhara, criadas nas vidas passadas.
2° Elo: FORMAÇÕES DE LIVRE VONTADE (sankhara)
Representado por um ceramista. Assim como um cera‐
mista transforma a argila em algo novo, uma ação ini‐
cia uma seqüência que leva a novos efeitos. Uma vez
colocada em movimento, a roda do ceramista continua
a girar sem muito esforço. Da mesma forma, uma ação
cria um predisposição na mente.
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Ações intencionais têm um poder latente de trazer frutos no futuro ‐ seja numa
época mais distante da mesma vida em que foram praticadas, seja na próxima vida ou
em uma vida mais distante ‐ no entanto, sua potência não é perdida mesmo que se
passem eternidades; e quando as condições necessárias são alcançadas, o kamma pas‐
sado pode gerar seus frutos. Nas vidas passadas produzimos o kamma, e devido à nos‐
sa ignorância das Quatro Nobres Verdades temos sido “sustentadores do mundo” ‐ ao
produzirmos kamma bom e mau garantimos a nossa experiência contínua desse mundo.
Sendo assim, tendo o coração obstruído pela ignorância, somos comparados ao ce‐
ramista fazendo potes: ele faz cerâmicas muito belas (kamma habilidoso) e às vezes é
descuidado e seus potes quebram devido a várias falhas (kamma inabilidoso). E ele se
suja de argila assim como a pureza de seu coração é obscurecida pela lama do kamma.
A comparação ao ceramista é bastante adequada porque a palavra “Sankhara” signifi‐
ca “formando”, “dando forma” e “compondo”, sendo comumente traduzida como
“Formações”.
Em dependência da existência dessas ações de livre vontade produzidas em vidas pas‐
sadas, surge a Consciência chamada “religante”, que se torna a base da vida presente.
3° Elo: CONSCIÊNCIA (vinnana)
A consciência do renascimento ou “consciên‐
cia religante” é representada por um maca‐
co que vai de janela em janela. Isso repre‐
senta a percepção de uma única consciência
através dos vários órgãos sensitivos. O ma‐
caco representa a centelha primitiva da
consciência dos sentidos, que é o primeiro
momento na vida mental do novo ser.
Essa consciência religante pode ser de diferentes tipos, dependendo do kamma a
que está relacionada. No caso de todos aqueles que estão lendo este texto, a consci‐
ência que “saltou” para um novo ser no momento de sua concepção era uma consci‐
ência humana religada que surgia como resultado da prática de, no mínimo, os Cinco
Preceitos ‐ a base da “humanidade” ‐ nas vidas passadas. Deve‐se notar que essa reli‐
gação é uma conseqüência, um resultado, e não algo que pode ser controlado pela
nossa vontade. Se alguém não produziu o kamma necessário para se tornar um ser
humano, esse alguém não o será apenas por seu desejo. A época para as ações inten‐
cionais se deu quando tivemos oportunidade de praticar o Dhamma. Apesar de a nossa
consciência religante ter sido deixada para trás nessa atual existência, é agora que po‐
33
demos praticar o Dhamma e garantir um religamento de consciência favorável no futu‐
ro ‐ isso se desejarmos continuar no Samsara.
A consciência religante é o terceiro elemento constituinte necessário para a con‐
cepção. No entanto, se no momento da ovulação e do depósito do esperma no útero
não houver nenhum “ser” desejando o renascimento naquele lugar e hora, não haverá
fertilização do óvulo.
Em dependência da consciência religante está o surgimento da Mente‐corpo.
4° Elo: MENTE ‐ CORPO (nama‐rupa)
Representado por pessoas sentadas num
barco, sendo que uma delas o está conduzi‐
do. O barco simboliza a forma, e seus ocu‐
pantes, as agregações mentais.
Essa não é uma tradução precisa, mas dá um significado geral. Há mais subenten‐
dido em “rupa” do que somente aquilo interpretado como corpo, pois a mente é um
composto de sentimento, percepção, vontade própria e consciência. Mente e corpo
são duas continuidades interativas nas quais nada é estável. Apesar de no discurso
convencional falarmos de “minha mente” e “meu corpo”, fazendo‐se subentender que
há um tipo de dono se escondendo por trás de tudo, os sábios entendem que são as
leis que governam tanto os estados mentais quanto as mudanças físicas, e que não se
pode ordenar que a mente se livre das profanações e nem dizer ao corpo que ele deve
envelhecer, adoecer e morrer.
Mas é na mente que se pode criar uma mudança, ao invés de divagar pela vida à
mercê das instabilidades inerentes à mente e ao corpo. Assim, na ilustração, a mente
está trabalhando na condução do barco de estados psicofísicos que navega no rio dos
desejos, enquanto o corpo é um passageiro passivo. A ilustração tibetana mostra uma
embarcação sendo remada através de um redemoinho de águas, com outros três (ou
quatro) passageiros, que sem dúvida representam os outros grupos ou conjuntos (khanda).
Quando mente‐corpo passa a existir, há o surgimento das Esferas dos Seis Sentidos.
34
5° Elo: SEIS SENTIDOS (salayatana)
Representado por uma casa com seis
janelas e uma porta. Os sentidos são
“portais” que nos permitem adquirir
nossas impressões do mundo. Cada
um dos sentidos é a manifestação de
nosso desejo de experimentar as coi‐
sas de um modo particular.
Uma casa com seis janelas é o símbolo mais comum para esse elo. Os seis sentidos
são visão, audição, olfato, paladar, tato e o mental, e essas são as bases para a recep‐
ção dos vários tipos de informação que podemos reunir na presença das condições
corretas. Essa informação é subdividida em seis tipos, correspondentes às seis esferas:
imagens, sons, odores, gostos, objetos tangíveis e pensamentos. Além dessas seis esfe‐
ras de sentidos e de suas esferas objetivas correspondentes, não percebemos nada.
Toda nossa experiência é limitada pelos sentidos e seus objetos, sendo a mente consi‐
derada o sexto sentido. Os outros cinco sentidos coletam informações somente no
presente, enquanto que a mente, lugar onde essas informações são coletadas e pro‐
cessadas, abrange os três tempos, acrescentando memórias do passado e esperanças e
medos para o futuro, como também pensamentos de diversos tipos relacionados ao
presente. Ela também pode incluir informações sobre as esferas da existência que es‐
tão além do alcance dos cinco outros sentidos, tais como os diferentes paraísos, esta‐
dos‐fantasmas e estados infernais. Uma mente desenvolvida através da coletividade
(samadhi) é capaz de perceber esses mundos e seus habitantes.
Com a existência das esferas dos seis sentidos, há o Contato.
6° Elo: CONTATO (phassa)
Um casal que se abraça retrata o contato dos órgãos
sensitivos com os objetos. Com esse elo, o organismo
psicofísico começa a interagir com o mundo. A impres‐
são sensitiva é simbolizada por um beijo. Isso indica
que há um encontro com o objeto e uma distinção em
relação a ele antes da produção do sentimento.
35
Isso representa o contato entre os seis sentidos e seus objetos respectivos. Por e‐
xemplo, quando as condições necessárias são alcançadas, se houver um olho funcio‐
nando corretamente, um objeto que esteja à vista, luz e uma pessoa acordada, é bem pro‐
vável que haja contato visual. O mesmo acontece com cada um dos sentidos e seu tipo de
contato. O símbolo tradicional para esse elo retrata um homem e uma mulher abraçados.
Em dependência das impressões sensitivas, surge o Sentimento.
7° Elo: SENTIMENTO (vedana)
O símbolo é um olho perfurado por uma flecha. A
flecha representa a informação dos sentidos impin‐
gida nos órgãos sensitivos, nesse caso o olho. De
uma forma muito vívida, a imagem sugere os fortes
sentimentos que as experiências sensitivas evocam ‐
apesar de, nesse caso, somente o sentimento de dor
estar subentendido, esse elo se refere tanto ao que
é doloroso quanto prazeroso. Mesmo uma condição
muito pequena causa uma grande sensação no olho.
Da mesma forma, não importa que sentimento nós experimentamos ‐ seremos dirigi‐
dos e condicionados por ele.
Quando ocorrem os diferentes tipos de contato através dos seis sentidos, surgem
os sentimentos como respostas emocionais àqueles contatos. Existem três tipos de
sentimentos: os agradáveis, o dolorosos e os nem agradáveis nem dolorosos. Os pri‐
meiros são bem‐vindos e constituem a base da felicidade, enquanto os segundos são a
base de dukkha e os terceiros são os sentimentos neutros que experimentamos com
freqüência e dificilmente notamos.
Mas todos os sentimentos são instáveis e sujeitos à mudança, pois nenhum estado
mental pode permanecer em equilíbrio. Mesmo os momentos de maior felicidade
terminam e dão lugar a outros diferentes. Assim, até mesmo a felicidade, que é im‐
permanente e baseada nos sentimentos agradáveis é, na realidade, dukkha, pois como
a verdadeira felicidade pode ser encontrada naquilo que é instável? Assim, a imagem
mostra um homem com seus olhos perfurados por flechas ‐ uma ilustração adequada
para essa situação.
Quando surgem os sentimentos, Desejos são (geralmente) produzidos.
36
8° Elo: DESEJO (tanha)
Representado por uma pessoa bebendo cerveja.
Não importa quanto mal lhe faça, não importa o
quanto você beba, você continua bebendo. Tam‐
bém conhecido como apego, é um fator mental que
aumenta o desejo, sem nunca alcançar satisfação.
Até agora, a sucessão dos eventos foi determinada pelo kamma passado. O desejo,
no entanto, leva à criação de um novo kamma no presente e agora, somente agora, é
possível praticar o Dhamma. O necessário aqui é a conscientização (sati), pois sem ela
nenhum Dhamma pode ser praticado enquanto somos levados pela força de hábitos
passados e deixamos o desejo e a ignorância se intensificarem no coração. Quando
temos consciência, podemos saber que “isto é agradável”, “isto é desagradável”, “isto
não é nem agradável, nem desagradável” ‐ e tal contemplação dos sentimentos nos
leva a entender e estar atentos à ganância, aversão e ilusão, que são respectivamente
associadas aos três sentimentos. Com esse conhecimento, podemos interromper a
Roda do Nascimento e Morte. Mas sem esta prática do Dhamma é certo que os senti‐
mentos conduzirão a mais desejos e nos farão girar cada vez mais na roda do dukkha.
Em sânscrito, a palavra “trisna” (tanha) significa “sede”, e num sentido amplo quer
dizer “sede por experiência”. Por essa razão, o desejo é mostrado como o ato de beber
gulosamente as bebidas intoxicantes e, na imagem, foram acrescentadas mais garrafas
para representar o desejo pela esfera sensual da existência e o desejo pelos céus supe‐
riores dos mundos‐Brahma, que têm ou forma sutil ou são até mesmo amórficos.
Quando o kamma dos desejos adicionais é produzido, surge o Apego.
9° Elo: APEGO (upadana)
Representado por um macaco que tenta
alcançar uma fruta. Significa apegar‐se
mentalmente a um objeto que desejamos.
37
Esse é o estado mental em que nos apegamos ao objeto. Por causa desse apego, que é
descrito como desejo em um grau mais elevado, o homem se torna um escravo da paixão.
O Upadana tem quatro aspectos: 1) apego aos prazeres sensuais; 2) apego a opini‐
ões erradas e más; 3) apego à observância de rituais meramente externos; e 4) apego
ao ser, uma entidade chamada alma, erroneamente imortal. O homem cultiva pensa‐
mentos de desejo e, na mesma proporção em que não os ignora, eles crescem até al‐
cançarem o grau de apego tenaz.
Essa é uma intensificação e diversificação do desejo que é dirigida a quatro fins:
prazeres sensuais, opiniões que se desencaminham do Dhamma, ritos e votos religio‐
sos externos e apego a uma visão de alma ou ser como entidades permanentes. Quan‐
do isso se intensifica em alguém, ele não consegue nem se interessar pelo Dhamma,
pois seus esforços estão direcionados para longe do Dhamma, e para perto de dukkha.
A reação comum é a de redobrar os esforços para encontrar paz e felicidade nos obje‐
tos do apego. Portanto, ambas as imagens mostram um homem tentando colher mais
frutas, apesar de sua cesta já estar cheia.
Onde há o apego, há a Formação.
10° Elo: FORMAÇÃO (bhava)
Representado por uma mulher em gravidez avan‐
çada. Assim como ela em breve gerará uma crian‐
ça completamente desenvolvida, o kamma que
produzirá a próxima vida é inteiramente potencia‐
lizado, apesar de ainda não ter se manifestado.
Com os corações fervendo de desejos e apegos, as pessoas garantem cada vez mais
para si mesmas os diferentes tipos de vida, e assim fornecem o combustível para o
fogo de dukkha. A pessoa comum, que desconhece dukkha, acaba por estimulá‐lo, mas
o caminho budista deixa que o fogo se apague por falta de combustível, ao interrom‐
per o processo de desejo e apego ‐ cortando, assim, a ignorância pela raiz. Se quere‐
mos ficar no samsara devemos ser diligentes e ver que nossa “formação”, que aconte‐
ce a toda hora e é moldada pelo kamma, deve estar na direção correta. Isso significa
“formar‐se” na direção da pureza e seguir o caminho da prática do Dhamma. Isso irá
contribuir para o que vamos ou não nos tornar ao fim dessa vida, quando os caminhos
38
para os vários reinos se abrem e nos “formamos” de acordo com nossa prática e nossa
consciência da morte.
Na presença da Formação há o novo nascimento.
11° Elo: NASCIMENTO (jati)
Este elo é representado por uma imagem explí‐
cita de uma mulher dando à luz uma criança.
Nascimento significa o aparecimento dos cinco elementos (forma material, senti‐
mento, percepção, formação e consciência) no ventre da mãe.
O nascimento, como se pode esperar, é retratado por uma mãe em trabalho de
parto, um acontecimento doloroso e que nos lembra de como dukkha não pode ser
evitado em vida alguma. Qualquer que seja o futuro de nossa vida, se não formos ca‐
pazes de fazer a roda parar na vida presente, esse futuro certamente estará condicio‐
nado pelo kamma que produzimos agora. Mas não adianta pensar que, como haverá
nascimentos futuros, podemos adiar a prática do Dhamma até lá, pois não temos cer‐
teza de como serão nossos nascimentos futuros. E quando eles chegarem, também
farão parte do presente. Não adianta esperar!
Onde há Nascimento, naturalmente haverá Velhice e Morte.
12° Elo: VELHICE E MORTE (jara‐marana)
O elo final é representado por uma pessoa à
beira da morte. A velhice é progressiva, aconte‐
cendo a cada momento de nossa vida, e tam‐
bém é degenerativa, levando à morte.
Quantidades suficientes de Ignorância e Desejo asseguram um futuro de vidas sem
fim, mas também de mortes com fim. A vida apela à ganância, mas a morte faz surgir a
39
aversão. Um não existe sem o outro. No entanto, esse é o caminho da negligência. O
caminho do Dhamma nos leva diretamente à Extinção da Morte, para além do nasci‐
mento e da morte e de todo o dukkha.
Esse foi um breve resumo do funcionamento da roda à qual nos apegamos para o
nosso próprio mal e o mal dos outros. Somos os feitores dessa roda e também aqueles
que a fazem girar, mas se quisermos e trabalharmos para isso, também somos aqueles
que podem interromper o seu movimento.
Conclusão
A Roda da Vida nos ensina e nos lembra de muitos aspectos importantes do
Dhamma. A contemplação de todas as suas partes nos ajuda a ter o verdadeiro insight
da natureza do Samsara. Com essa ajuda e nossa própria prática podemos enxergar o
Surgimento Dependente em nós mesmos. Quando isso for feito minuciosamente, to‐
das as riquezas do Dhamma estarão disponíveis para nós, não por meio livros ou dis‐
cussões, nem por ouvir as explicações dos outros... O Buddha Exaltado disse:
“Aquele que vê o Surgimento Dependente, vê o Dhamma;
Aquele que vê o Dhamma, vê o Surgimento Dependente.”
Créditos
Texto escrito por Bhikkhu Khantipalo. Re‐escrito a partir de um artigo no “Visakha
Puja” (251), o Anuário da Associação Budista da Tailândia. Gráficos adaptados do livro
O Sentido da Vida, de S. S. o Dalai Lama. Preparado em BuddhaNet para distribuição
eletrônica por Ven. Pannyavaro, em Fevereiro de 1998.
40
07
sobre reencarnação por Takashi Tsuji
Vocês budistas acreditam que é possível para um ser humano reencarnar na forma
de um animal na próxima vida? Você será um cachorro ou uma vaca no futuro? A alma
transmigra para o corpo de outra pessoa ou de algum outro animal? Qual é a diferença
entre transmigração e reencarnação? É igual a renascimento? Karma é a mesma coisa
que destino? Essas e centenas de outras perguntas similares são freqüentemente diri‐
gidas a mim.
Existe hoje um vasto mal‐entendido sobre o Budismo, especialmente no que diz
respeito à reencarnação. O mal‐entendido mais comum é o de que uma pessoa viveu
inúmeras vidas passadas, geralmente como um animal, mas, de algum modo, nasceu
nessa vida como um ser humano, e na próxima nascerá novamente como animal, de‐
pendendo de como ela vive sua vida presente.
Essa confusão surge porque as pessoas geralmente não sabem como ler os sutras
ou escrituras sagradas. Diz‐se que o Buddha deixou 84.000 ensinamentos; a quantida‐
de simbólica representa as diversas experiências, gostos etc. das pessoas. O Buddha
ensinou de acordo com a capacidade mental e espiritual de cada indivíduo. Para os
simples habitantes de vilarejos que viviam na época do Buddha, a doutrina da reen‐
carnação era uma poderosa lição de moral. O medo de nascer no mundo animal deve
ter assustado muitas pessoas, que acabavam por desistir de agir como animais na vida
presente. Se interpretarmos esse ensinamento de forma literal nos dias de hoje, fica‐
remos confusos porque não poderemos entendê‐lo racionalmente.
Exatamente aqui está o nosso problema. Uma parábola, quando interpretada lite‐
ralmente, não faz sentido para a mente moderna. Portanto, devemos aprender a dife‐
renciar os mitos e parábolas da realidade. No entanto, se aprendermos a ir além ou
transcender esses mitos e parábolas, seremos capazes de entender a verdade.
As pessoas irão dizer, “Nesse caso, por que não falar diretamente, para que as pes‐
soas tenham consciência imediata da verdade?” Tal pergunta é compreensível, mas a
verdade é muitas vezes inexpressível3. Assim, escritores e mestres freqüentemente
recorrem à linguagem da imaginação para guiar o leitor de uma verdade menor até
uma maior. A doutrina da reencarnação é muitas vezes vista sob essa luz.
3
Nós, enquanto seres humanos, temos acesso limitado ao “conhecimento búdico”. Nós não
podemos falar a VERDADE, somente palavras SOBRE a verdade. (Comentário do Editor)
41
O que a reencarnação não é
A reencarnação não é o simples nascimento físico de uma pessoa; por exemplo, Jo‐
ão renascendo como um gato numa vida futura. Nesse caso João possui uma alma i‐
mortal que adota a forma de um gato depois de sua morte. Esse ciclo repete‐se várias
vezes. Ou talvez, se tiver sorte, ele renascerá como um ser humano. Essa noção de
transmigração da alma definitivamente não existe no Budismo.
Karma
Karma é a forma em sânscrito derivada da raiz “Kri” (fazer ou produzir), e simples‐
mente significa “ação”. Opera continuamente no universo como a reação em cadeia de
causa e efeito. Não está confinado somente a produções no sentido físico; também
tem implicações morais. “Causa boa, efeito bom; causa ruim, efeito ruim” é um ditado
comum. Nesse sentido, o Karma é uma lei moral.
Os seres humanos estão constantemente emanando forças físicas e espirituais em
todas as direções. Na Física aprendemos que nenhuma energia é desperdiçada; ela
somente muda de forma. Essa é a lei da conservação da energia. De forma similar, as
ações espirituais e mentais nunca são perdidas. Elas são transformadas. Assim, o Kar‐
ma é a lei da conservação da energia moral.
Por ações, pensamentos e palavras o homem libera energia espiritual para o uni‐
verso e é, por sua vez, afetado pelas influências que vêm em sua direção. O homem é,
portanto, o emissor e o receptor de todas essas influências. Todas as circunstâncias
que o cercam são seu Karma.
Com cada ação‐influência que ele envia e, ao mesmo tempo, recebe, ele está mu‐
dando. Sua personalidade em constante mudança e o mundo no qual ele vive consti‐
tuem a totalidade de seu Karma.
O Karma não deve ser confundido com destino. Destino é a noção de que a vida do
homem já foi pré‐planejada por um poder externo, e que ele não tem controle sobre
seu futuro. O Karma, pelo contrário, pode ser modificado. Isso porque o homem é um
ser consciente e pode ter consciência de seu Karma e, desse modo, lutar para mudar o
curso dos eventos. No Dhammapada encontramos as seguintes palavras, “Tudo o que
somos é resultado daquilo que pensamos, é fundamentado no que pensamos e consti‐
tuído pelo que pensamos.”
O que nós somos, então, é inteiramente dependente do que pensamos. Assim, a
nobreza do caráter de um homem é dependente de seus “bons” pensamentos, ações e
palavras. Ao mesmo tempo, se ele adotar pensamentos degradantes, esses pensamen‐
tos invariavelmente acarretarão palavras e ações negativas.
42
O mundo
Tradicionalmente, o Budismo ensina a existência de dez reinos. No topo está o rei‐
no Buddha, e a escala decresce da seguinte forma: Bodhisattva (um ser iluminado que
irá se tornar um Buddha, mas que permanece na terra para ensinar os outros); Pratye‐
ka Buddha (um Buddha por si mesmo); Sravka (discípulo direto do Buddha); seres ce‐
lestiais ([anjos?] supra‐humanos); seres humanos; Asura (espíritos relutantes); bestas;
Preta (espíritos famintos); e homens depravados (seres infernais).
Esses dez reinos podem ser vistos como mundos não‐fixos e não‐objetivos, como
estados mentais e espirituais. Esses estados são criados pelos pensamentos, ações e
palavras dos homens. São, em outros termos, estados psicológicos. Esses dez reinos
são “mutuamente imanentes e mutuamente inclusivos, cada um contendo em si os
nove reinos restantes”. Por exemplo, o reino dos seres humanos possui em si todos os
outros nove reinos (desde o inferno até o búdico). O homem é, ao mesmo tempo, ca‐
paz de exercer o verdadeiro egoísmo, criando seu próprio inferno, ou de exercer a ver‐
dadeira compaixão, refletindo o Amida Buddha. Os Buddhas também têm os nove rei‐
nos em suas mentes, pois como um Buddha poderia salvar alguém que esteja no infer‐
no se ele mesmo não consegue se identificar com o sofrimento desse alguém e guiá‐lo
à iluminação?
A lição
Podemos aprender uma lição valiosa do ensinamento sobre a reencarnação.
Em que reino você vive agora? Se você tem fome de dinheiro, amor e auto‐
reconhecimento, você vive no mundo Preta, ou dos espíritos famintos. Se você é moti‐
vado somente pelas sedes do organismo humano, você está vivendo no mundo das bestas.
Considere bem seus motivos e intenções. Lembre‐se que o homem é caracteristi‐
camente colocado ao meio dos dez reinos; ele pode rebaixar‐se abrupta ou gradual‐
mente até o inferno ou, através da disciplina, cultivo e despertar da fé elevar‐se até o
estado Iluminado do Buddha.
43
08
a lei do karma por Dr. Peter Della Santina4
Chegamos então a duas idéias inter‐relacionadas que são comuns no Budismo ‐
karma e renascimento. Essas idéias estão muito próximas, mas, como o assunto é de‐
veras extenso, começaremos hoje a lidar com a idéia de karma, e lidaremos com o re‐
nascimento em uma outra palestra.
Já sabemos que o que nos prende ao samsara são as profanações ‐ desejo, má von‐
tade e ignorância. Falamos sobre isso quando discutimos a Segunda Nobre Verdade ‐ a
verdade sobre a causa do sofrimento. Essas profanações são praticadas por todos os
seres vivos que estão no samsara, sejam estes seres humanos ou animais ou seres que
vivem em outras dimensões normalmente não são percebidas por nós. Nesse aspecto,
todos os seres vivos são semelhantes. No entanto, conseguimos perceber que existem
muitas diferenças entre eles. Por exemplo, alguns de nós somos ricos, enquanto outros
não têm tantas posses; alguns são fortes e saudáveis, enquanto outros são deficientes,
e assim por diante. Existem muitas diferenças entre os seres vivos, e mais inda entre
animais e seres humanos. Essas diferenças existem devido ao karma.
Tudo o que nós compartilhamos ‐ desejo, má vontade e ignorância ‐ são comuns a
todos os seres vivos, mas a situação particular em que nos encontramos é o resultado
de nosso karma, que condiciona essa situação ‐ riqueza, boa saúde etc. Essas circuns‐
tâncias são decididas pelo karma. É nesse sentido que o karma explica as diferenças
que existem entre os seres vivos. Ele explica o porquê de alguns seres terem boa sorte,
enquanto outros são menos afortunados; de alguns serem felizes, enquanto outros
não o são. O Buddha declarou que o karma explica essas diferenças. Você também
deve se lembrar que a compreensão do karma como fator que afeta o nascimento dos
seres em circunstâncias felizes ou infelizes ‐ o conhecimento de que os seres vivos vão
de circunstâncias felizes a circunstâncias infelizes, e vice versa, pois tanto a felicidade
quanto a infelicidade são resultado de seu karma ‐ foi parte da experiência do Buddha
na noite de Sua iluminação. É o karma que explica as circunstâncias nas quais os seres
vivos se encontram.
Tendo tratado da função do karma, vamos olhar mais de perto o que é karma. Va‐
mos defini‐lo. Talvez possamos chegar a uma definição melhor se estabelecermos pri‐
meiramente o que ele não é. É muito comum encontrar pessoas que se confundem
4
Extraído de “Os Fundamentos do Budismo”.
44
com a noção de karma. Isso é particularmente verdade quando examinamos o uso
casual que fazemos diariamente do termo. Encontramos pessoas dizendo que não se
pode mudar a própria situação por causa do karma que possuímos. Nesse sentido, o
karma se torna um tipo de meio de fuga. Ele se torna similar à predestinação ou fata‐
lismo. Esse é enfaticamente o entendimento incorreto do karma. É possível que essa
confusão se dê por causa da idéia popular que temos sobre sorte e destino. Pode ser
essa a razão pela qual nossa idéia sobre o karma se associou, no pensamento popular,
à noção de predestinação. O karma não consiste nem em destino nem em predestinação.
Se o karma não é nem destino, nem predestinação, então o que ele é? Vamos e‐
xaminar o termo em si. Karma significa “ação”, “fazer”. Imediatamente temos uma
indicação de que o significado real do karma não é destino, porque karma é ação. Ele é
dinâmico. Entretanto é mais do que a simples ação, porque não se trata de algo mecâ‐
nico. Não é ação inconsciente ou involuntária. É ação intencional, consciente, delibe‐
rada e intencional. Como é que essa ação intencional condiciona ou determina nossa
situação? É que toda a ação tem uma reação, um efeito. Essa verdade foi expressa, em
relação ao mundo físico, pelo grande cientista Isaac Newton, com a formulação da lei
que diz que toda ação deve ter uma reação igual e oposta. Encontramos na esfera mo‐
ral das ações conscientes uma contraparte à lei da ação e reação ‐ toda ação intencio‐
nal deve ter seu efeito. Esse é o porquê de às vezes falarmos sobre Karma‐Vipaka, ação
intencional e seu efeito, ou Karma‐Phala, ação intencional e seu fruto. É quando fala‐
mos de ação intencional e seu efeito ou fruto que falamos da Lei do Karma. No seu
sentido mais básico, a Lei do Karma na esfera moral ensina que ações similares terão
resultados similares. Vamos dar um exemplo. Se plantarmos uma semente de man‐
gueira, a árvore que brotará será uma mangueira, e eventualmente teremos mangas.
Plantamos o que colhemos. O fruto se criará de acordo com a ação. De forma seme‐
lhante, na Lei do Karma, se fizermos uma boa ação, teremos bons frutos; e se prati‐
carmos ações ruins, teremos frutos ruins. É isso que queremos dizer quando afirma‐
mos que a causa traz efeitos semelhantes. Veremos isso de forma muito clara quando
chegarmos aos exemplos específicos de ações boas e ruins.
Podemos entender, por essa introdução geral, que existem dois tipos de karma ‐
karma sadio ou bom, e karma doentio ou ruim. Para não nos confundirmos com essa
descrição do karma, é bom examinarmos os termos originais. Nesse caso, o karma ku‐
shala é o karma bom, e o karma akushala é o ruim. Para entendermos como esses
termos são utilizados, é importante saber o verdadeiro significado e kushala e akushala.
Kushala significa inteligente ou habilidoso, enquanto akushala significa não‐inteligente,
não‐habilidoso. Assim sendo, isso nos ajuda a entender que os termos não são utiliza‐
dos no sentido de bom ou ruim, mas sim de inteligente ou não‐inteligente, habilidoso
ou não‐habilidoso, sadio ou doentio. Agora, por que sadio e por que doentio? Sadio no
sentido daquelas ações que beneficiam a si próprio e aos outros, que não brotam do
45
desejo, má vontade ou ignorância, mas sim da renúncia, da bondade‐afetiva e compai‐
xão, da sabedoria.
Agora podemos perguntar como é possível saber se uma ação sadia ou doentia irá
produzir felicidade ou infelicidade. A resposta é só o tempo pode dizer. O próprio Bud‐
dha respondeu a essa questão. Ele disse que um tolo considerará como sadia a ação
doentia que não traz sofrimento. Mas quando aquela ação doentia trouxer sofrimento,
ele a considerará como doentia. Da mesma forma, enquanto uma ação sadia não trou‐
xer felicidade, um tolo a considerará como doentia. Quando trouxer felicidade, ele
perceberá que a ação é mesmo sadia. Assim, deve‐se julgar uma ação como sadia ou
doentia do ponto de vista dos efeitos a longo prazo. De forma muito simples, ações
sadias resultarão em felicidade eventual para si próprio e para os outros, enquanto
ações doentias terão resultado oposto ‐ o sofrimento para si e para os outros.
Especificamente, as ações doentias que devem ser evitadas se relacionam às três
portas ou meios de ação, que são o corpo, o discurso e a mente. Existem três ações
doentias do corpo, quatro do discurso e três da mente, que devem ser evitadas. As três
ações doentias do corpo que devem ser evitadas são matar, roubar e ter má conduta
sexual. As quatro ações doentias do discurso que devem ser evitadas são mentira, di‐
famação, discurso severo e fofoca maliciosa. As três ações doentias da mente que de‐
vem ser evitadas são ganância, raiva e ilusão. Ao evitar essas dez ações doentias, evi‐
tamos suas conseqüências. Essas ações trazem como fruto o sofrimento. E esse fruto
pode assumir várias formas. O fruto inteiramente maduro das ações doentias consiste
no nascimento em reinos inferiores, nos reinos do sofrimento ‐ inferno, espíritos fa‐
mintos e animais. Se essas ações doentias não são suficientes para resultarem no re‐
nascimento nesses reinos inferiores, elas resultarão em infelicidade na vida como ser
humano. Aqui podemos ver em ação o princípio da causa tendo como resultado um
efeito semelhante. Por exemplo, a matança habitual, que é motivada pela raiva e má
vontade, resultará no renascimento em reinos que estão saturados de raiva e má von‐
tade, onde aquele que lá se encontra poderá ser morto repetitivamente. Se a matança
não for suficientemente habitual ou considerável para resultar em renascimento nos
reinos infernais, o ato de matar resultará em vida mais curta como ser humano, sepa‐
ração dos entes queridos, medo ou paranóia. Aqui também podemos ver que o efeito
é similar à causa. Matar diminui a vida dos outros, os separa de seus entes queridos e
assim por diante; desse modo, se matarmos experimentaremos esses mesmos efeitos.
Similarmente, o roubo, que é gerado pela profanação do desejo, pode resultar no re‐
nascimento como espírito faminto, situação em que se é completamente separado dos
objetos desejados. Se, no entanto, o ato de roubar não resultar no renascimento como
espírito faminto, irá resultar em pobreza, uma vida dependente, e assim por diante. A
má conduta sexual resulta em dores no casamento ou casamentos infelizes.
Enquanto que as ações doentias produzem efeitos doentios (sofrimento), as ações
sadias produzem efeitos sadios (felicidade). Podemos interpretar as ações sadias de
46
duas formas. Podemos considerar como ação sadia o ato de evitar as ações doentias ‐
matar, roubar, ter má conduta sexual e todo o resto. É possível também falar de ações
sadias em termos positivos. Aqui, podemos nos referir a uma lista de ações sadias que
incluem generosidade, boa conduta, meditação, reverência, culto, transferência de
méritos, regozijo pelo mérito dos outros, ouvir o Dharma, ensinar o Dharma e corrigir
as próprias opiniões. Assim como as ações doentias produzem sofrimento, as ações
sadias trazem benefícios. Aqui, novamente, os efeitos são semelhantes às ações. Por
exemplo, a generosidade resulta em riqueza, e ouvir o Dharma resulta em sabedoria.
As ações sadias têm como conseqüências similares os efeitos sadios, assim como as
ações doentias têm efeitos doentios.
O Karma, seja ele sadio ou doentio, é modificado pelas condições em que execu‐
tamos as ações. Em outras palavras, uma ação sadia ou doentia pode ser mais ou me‐
nos forte dependendo das condições nas quais ela é realizada. As condições que de‐
terminam o peso ou força do karma podem ser divididas em: aquelas que se referem
ao sujeito ‐ o que pratica a ação ‐ e aquelas que se referem ao objeto ‐ o ser em rela‐
ção ao qual a ação é praticada. Desse modo, as condições que determinam o peso do
karma se aplicam ao sujeito e ao objeto da ação. Especificamente, se tomarmos o e‐
xemplo do ato de matar, cinco condições devem estar presentes para que ele tenha
seu poder completo e absoluto ‐ um ser vivo, a consciência da existência desse ser, a
intenção de matá‐lo, o esforço ou ação de matá‐lo e a sua conseqüente morte. Aqui,
também, podemos perceber as condições subjetivas e objetivas. As condições subjeti‐
vas são: a consciência da existência do ser vivo, a intenção de matar e a ação de matar.
As condições objetivas são a presença do ser vivo e sua conseqüente morte.
De forma semelhante, existem cinco condições que modificam o peso do karma:
ações persistentes e repetitivas; ações praticadas com grande intenção e determina‐
ção; ações praticadas sem arrependimento; ações direcionadas àqueles que possuem
qualidades extraordinárias; e ações direcionadas àqueles que nos beneficiaram no pas‐
sado. Aqui também encontramos as ações subjetivas e objetivas. As ações subjetivas
são: ação persistente; ação intencional; e ação sem arrependimento. Se praticarmos
uma ação doentia várias e várias vezes com grande intenção e sem arrependimento, o
peso será maior. As condições objetivas são: a qualidade do objeto a que se direciona
a ação e a natureza da relação. Em outras palavras, se praticarmos uma ação sadia ou
doentia direcionada a seres vivos que possuem qualidades extraordinárias, como os a‐
rhats ou o Buddha, essa ação terá maior peso. Finalmente, o poder das ações sadias ou
doentias direcionadas àqueles que nos beneficiaram no passado ‐ como nossos pais,
professores e amigos ‐ será maior.
O conjunto das ações objetivas e subjetivas determina o peso do karma. Enten‐
dendo isso, entenderemos também que o karma não é simplesmente um problema
em preto e branco, de bem e mal. Karma é ação moral e responsabilidade moral. Mas
o funcionamento da Lei do Karma está muito bem sintonizado e balanceado para com‐
47
binar causa e efeito e levar em consideração as condições objetivas e subjetivas que
determinam a natureza de uma ação. Isso garante que os efeitos e ações sejam iguais
e similares à natureza das causas.
Os efeitos do karma podem ser evidentes tanto a curto quanto a longo prazo. Tra‐
dicionalmente, dividimos o karma em três partes, de acordo com o tempo necessário
para que os efeitos das ações se manifestem. O karma pode manifestar seus efeitos na
vida presente, na próxima vida ou em uma vida mais distante. Quando o karma mani‐
festa seus efeitos nesta vida, podemos ver seus frutos em um período de tempo relati‐
vamente curto. Essa variedade de karma é facilmente verificável por qualquer um de
nós. Por exemplo, quando alguém se recusa a estudar, se envolve em distrações malé‐
ficas como álcool e drogas ou começa a roubar para sustentar esses hábitos maléficos,
os efeitos serão evidentes em um curto período de tempo ‐ podemos verificá‐los na
perda de um estilo de vida, de amizades, de saúde e assim por diante. Não podemos
ver os efeitos a longo prazo do karma, mas o Buddha e seus discípulos que desenvolve‐
ram suas mentes são capazes de perceber diretamente esses efeitos. Por exemplo,
quando Maudgalyayana foi espancado até a morte por bandidos, o Buddha foi capaz
de dizer que esse evento foi o efeito de algo que Maudgalyayana havia feito numa vida
passada, quando havia levado seus pais idosos até a floresta e os espancado até a mor‐
te, dizendo depois que eles haviam sido assassinados por bandidos. O efeito de sua
ação doentia de muitas encarnações atrás foi manifestado nessa sua última vida. Na
morte temos que deixar tudo para trás ‐ nossas posses e nossos entes queridos ‐, mas
nosso karma nos acompanha como uma sombra. O Buddha disse que não há lugar no
céu ou na terra para o qual podemos escapar de nosso karma. Assim, quando as condi‐
ções forem corretas, dependendo da mente e do corpo, os efeitos do carma se mani‐
festarão nas mesmas condições de dependência em que uma manga aparece numa
mangueira. Podemos ver isso até mesmo no mundo da natureza, quando certos efei‐
tos demoram mais para aparecer do que outros. Por exemplo, ao plantarmos semen‐
tes de dois tipos diferentes de árvores, uma pode gerar frutos mais rapidamente do
que a outra. Da mesma forma, os efeitos do karma se manifestam tanto em curto co‐
mo em longo prazo.
Além dessas duas variedades de karma (sadio e doentio), devemos mencionar o
karma neutro ou ineficaz. Karma neutro é o karma que não tem conseqüência porque
ou a natureza da ação é tal que não existe conseqüência moral ou porque é realizada
involuntariamente e sem intenção. Por exemplo, dormir, andar, respirar e comer são
ações que por si só não têm conseqüências morais. De forma similar, a ação não inten‐
cional é karma ineficaz. Em outras palavras, se alguém pisa em um inseto por acidente,
não tendo consciência da existência do animal, essa ação também constituirá karma
neutro porque não houve intenção ‐ o elemento da intencionalidade não está presente.
O benefício do entendimento da Lei do Karma está no fato de que essa compreen‐
são desencoraja a prática de ações doentias, que resultam em sofrimento. Quando
48
entendermos que nossa própria vida será afetada por uma reação igual às ações que
praticamos, que experimentaremos os efeitos daquela ação, seja ela sadia ou doentia,
vamos nos abster de comportamento doentio, já que não desejaremos sofrer os efei‐
tos dessas ações. De forma similar, ao entendermos que ações sadias trarão como fru‐
to a felicidade, iremos cultivar essas ações. Assim, a Lei do Karma ‐ ação e reação no
plano moral ‐ nos encoraja a não praticar ações doentias, e a praticar ações sadias.
Iremos examinar mais de perto, na palestra da semana que vem, os efeitos específicos
do karma em vidas futuras e como as condições kármicas determinam o nosso renas‐
cimento futuro.
49
09
conselhos sobre meditação por Sogyal Rinpoche
Quando lemos livros sobre meditação, ou quando a meditação muitas vezes nos é
apresentada por diferentes grupos, vemos que se dá muita ênfase às técnicas. No Ori‐
ente as pessoas tendem a se interessar muito pela “tecnologia” da meditação. No en‐
tanto, a característica mais importante não é a técnica, e sim o jeito de ser, o espírito,
que é chamado de “postura” ‐ uma postura que está mais relacionada ao espírito e à
atitude do que ao físico.
É bom reconhecer que, quando começamos uma prática de meditação, estamos
entrando em uma dimensão da realidade totalmente diferente. Normalmente, na vida,
nos esforçamos muito para alcançar coisas, e por isso estamos sempre lutando. A me‐
ditação é exatamente o oposto ‐ é uma pausa do modo no qual geralmente operamos.
Meditação é simplesmente uma questão de ser, de derreter como um pedaço de
manteiga exposto ao sol. Não tem nada a ver com “saber” algo sobre o assunto. De
fato, toda vez que você for praticar meditação deve estar renovado, como se a estives‐
se praticando pela primeira vez. Você apenas senta calmamente, seu corpo fica parado,
seu discurso silencia, sua mente relaxa e permite que os pensamentos venham a vão,
sem se deixar prender por eles. Se você precisa fazer algo, então observe sua respira‐
ção. Este é um processo muito simples. Quando expirar, saiba que está expirando;
quando inspirar, saiba que está inspirando. Não fomente nenhum tipo de comentário
extra ou conversas mentais internas ‐ apenas se identifique com a respiração. Aquele
simples ato de conscientização processa seus pensamentos e emoções e então, como
uma pele velha que se desprende, algo é desprendido e libertado.
Geralmente as pessoas tendem a relaxar o corpo concentrando‐se nas suas dife‐
rentes partes. O relaxamento real vem de dentro, pois, quando alcançamos essa con‐
dição, todo o resto segue o mesmo caminho.
Quando você começa a praticar, fica centrado, entra em contato com seu “ponto
suave” e permanece lá. Você não precisa se concentrar em nada no início. Apenas seja
espaçoso e permita que seus pensamentos e emoções se acalmem. Se assim o fizer,
quando você for mais tarde utilizar algum método, como o de observar a respiração,
sua atenção será mais facilmente direcionada. Não há uma etapa específica da respira‐
ção na qual você precise se concentrar; concentre‐se simplesmente no processo da
respiração. Vinte e cinco por cento da sua atenção está na respiração, e setenta e cin‐
co por cento está relaxada. Na realidade, tente se identificar com a respiração, ao in‐
50
vés de somente observá‐la. Você pode se concentrar num objeto ‐ uma flor, por e‐
xemplo. Às vezes você é instruído a visualizar uma luz na testa, ou no coração. Às vezes
você pode utilizar um som ou um mantra. Mas, no início, é melhor simplesmente ser
espaçoso, como o céu. Pense em você mesmo como sendo semelhante ao céu, supor‐
tando todo o universo.
Quando se sentar, permita que tudo se acalme e que o seu eu discordante, com
toda sua falsidade, se dissolva, e que seu ser verdadeiro surja. Você então experimenta
um aspecto de si que é mais genuíno e mais autêntico ‐ o seu “verdadeiro eu”. En‐
quanto você se aprofunda, começa a descobrir e a se conectar com a sua bondade
fundamental.
O objetivo principal da meditação é o de se acostumar com aquele aspecto já es‐
quecido. Em tibetano, “meditação” significa “se acostumar a”. Se acostumar a quê? À
sua natureza, sua natureza búdica. Esse é o porquê, no maior ensinamento do Budis‐
mo, Dzogchen, de você ser aconselhado a “descansar na natureza da mente”. Você
apenas senta calmamente e deixa que os pensamentos e conceitos se dissolvam. É
como quando as nuvens se desfazem, ou quando o nevoeiro se dissipa, e um céu limpo
e um sol brilhante se revelam. Quando tudo se dissolve dessa forma, você começa a
experimentar sua natureza verdadeira, você começa a “viver”. Então você sabe e, na‐
quele momento, se sente muito bem. É diferente de qualquer outro sentimento de
bem‐estar que você já experimentou. Essa é uma bondade genuína, na qual você expe‐
rimenta um verdadeiro sentimento de paz, contentamento e confiança em si mesmo.
É bom meditar quando estamos inspirados. As primeiras horas da manhã podem
trazer essa inspiração, já que os melhores momentos de funcionamento da sua mente
ocorrem no começo do dia, quando ela está mais calma e fresca (o tempo tradicional‐
mente recomendado é antes do amanhecer). É mais apropriado sentarmos para medi‐
tar quando estamos inspirados, porque nossa mente estará mais preparada para a
meditação, e também porque estaremos encorajados a praticá‐la. Isso trará mais con‐
fiança à prática, e no futuro você estará pronto para praticar quando não estiver inspi‐
rado. Não há necessidade de meditar por muito tempo: só leve o tempo que for preci‐
so para que você fique um pouco aberto e seja capaz de se conectar com a essência de
seu coração. Esse é o objetivo principal.
Depois disso, podemos de fato praticar a meditação. Quando a sua consciência ti‐
ver sido despertada pela meditação, sua mente estará calma e sua percepção será um
pouco mais coerente. E então você estará presente em qualquer coisa que fizer. Há um
famoso ditado Zen que diz: “Quando como, como; quando durmo, durmo”. Você esta‐
rá inteiramente presente em qualquer ato que praticar. Até o ato de lavar pratos, se
executado com concentração, pode ser energizador, libertador e purificador. Quando
você está mais pacífico, se torna mais “você”, adota o seu “Eu Universal”.
Um dos pontos fundamentais da jornada espiritual é perseverar ao longo do cami‐
nho. Apesar de nossa meditação ser boa num dia e não tão boa no outro, como um
51
cenário que muda, essencialmente não são as experiências, boas ou más, que contam
tanto. Bom ou mal são apenas conceitos relativos, assim como o clima que pode variar
entre bom e ruim, sem que o céu sofra mudanças. Se você perseverar e adotar a atitu‐
de espaçosa, semelhante ao céu, sem ser perturbado por emoções ou experiências,
você desenvolverá a estabilidade, e a verdadeira profundidade da meditação surtirá
seus efeitos. Você perceberá que sua atitude irá mudar gradualmente, quase de forma
despercebida. Você não vai se prender às coisas tanto quanto antes, ou se apegar tan‐
to a elas e, apesar de ainda acontecerem crises, você lidará com elas de forma melhor,
mais relaxada e até com humor. Você será até capaz de rir um pouco das dificuldades,
já que há mais espaço entre você e elas, e você está mais livre de si. As coisas se tor‐
nam menos sólidas, levemente ridículas, e você se torna mais alegre e despreocupado.
52
10
relances sobre o budismo
Principais diferenças entre o Budismo e as outras religiões
compilado por Tan Swee Eng
1. Não há um Deus todo poderoso no Budismo. Não há ninguém para punir ou recom‐
pensar num suposto Dia do Julgamento.
2. O Budismo não é uma religião no sentido de fé e adoração de um ser sobrenatural.
3. Não há o conceito de salvador no Budismo. O Buddha não salva a ninguém em de‐
corrência de sua própria salvação. Apesar de o budista procurar refúgio no Buddha e
tê‐lo como um guia incomparável que indica o caminho da pureza, ele não assume o
papel de servo. Um budista não acredita que pode obter a pureza simplesmente por
procurar refúgio no Buddha ou por meramente ter fé Nele. O poder do Buddha não
extingue as impurezas dos outros.
4. O Buddha não é uma encarnação de deus/Deus (como alguns seguidores hindus
afirmam). A relação existente entre o Buddha e seus discípulos é a de um professor
para com seus alunos.
5. Nossa libertação é nossa própria responsabilidade. O Budismo não exige de seus
seguidores uma fé cega e inquestionável. Ele dá grande ênfase à autoconfiança, auto‐
disciplina e luta individual.
6. Tomar refúgio na Tripla Jóia, isto é, o Buddha, o Dharma e a Sangha, não significa
entregar‐se ou confiar totalmente numa força externa para ajuda ou salvação.
7. O Dharma (os ensinamentos no Budismo) existe independentemente da existência
de um Buddha. Sakyamuni Buddha (como o Buddha histórico) descobriu e partilhou os
ensinamentos/verdades universais com todos os seres. Ele não é nem o criador de tais
ensinamentos, nem o profeta de um Deus todo‐poderoso que transmite ensinamentos
aos outros.
53
8. Todos os seres vivos possuem a Natureza/Essência Búdica, ensinamento este espe‐
cialmente enfatizado no Budismo Mahayana. Podemos nos tornar um Buddha (ser
supremo e iluminado) se praticarmos com diligência e alcançarmos a pureza da mente
(ou seja, ausência absoluta de ilusões e aflições).
9. No Budismo, o objetivo final dos seguidores/praticantes é a iluminação e/ou liberta‐
ção do Samsara, ao invés da ida para um Céu (ou reino deva, no contexto da cosmolo‐
gia budista).
10. O Karma e a Força Kármica são pedras fundamentais nas doutrinas budistas. Elas
são minuciosamente exploradas no Budismo. O Karma refere‐se a um importante con‐
ceito que trata da ação e suas conseqüências. Essa lei explica o problema do sofrimen‐
to, o mistério do chamado destino e predestinação em algumas religiões e, acima de
tudo, toda a desigualdade entre os seres humanos.
11. O renascimento é outra doutrina‐chave no Budismo, e está intimamente ligada ao
karma. Há uma diferença sutil entre renascimento e a reencarnação, como é explorada
no Hinduísmo. O Budismo rejeita a idéia de uma alma eterna transmigrante, seja ela
criada por um deus ou emanada de uma essência divina.
12. Maitri ou Metta em páli (Bondade Afetuosa) e Karuna (Compaixão) para com todos
os seres vivos, incluindo os animais. O Budismo proíbe estritamente o sacrifício animal,
independentemente de sua razão. O vegetarianismo é recomendado, no entanto não é
obrigatório.
13. A importância do desapego. O Budismo vai além de fazer o bem e ser bom. Não
devemos nos apegar às boas ações ou à idéia de fazer o bem; de outra maneira, isso
seria apenas outra forma de desejo.
14. No Budismo, há consideração por todos os seres vivos (sem se restringir apenas
aos seres humanos, como em outras religiões). Os budistas reconhecem/aceitam a
existência dos animais e seres em outros reinos do Samsara.
15. Não há o conceito de guerra santa no Budismo. O ato de matar rompe com um dos
preceitos‐chave da moral budista. Não é permitido matar outra pessoa em nome da
religião, de um líder religioso ou de qualquer outro pretexto religioso ou desculpa
mundana.
16. O sofrimento é outra pedra fundamental do Budismo. É a primeira das Quatro No‐
bres Verdades. Os sofrimentos são muito bem analisados e explicados no Budismo.
54
17. A idéia de pecado ou pecado original não tem lugar no Budismo. O pecado também
não deve ser igualado ao sofrimento.
18. Os ensinamentos budistas não estabelecem nem um começo e nem um fim para a
existência ou vida de alguém. Virtualmente não há reconhecimento de uma causa pri‐
mordial ‐ por exemplo, “como se iniciou a existência humana?”
19. O Dharma oferece uma explicação bem detalhada da doutrina de anatman (anatta
em páli) ou da inexistência da alma, isto é, essa entidade não existe (seja em uma vida
ou em muitas vidas).
20. O Buddha é onisciente, mas não é onipotente. Ele é capaz de realizar inúmeros
feitos, mas existem três coisas que ele não pode fazer. O Buddha também não pode
proclamar ser o criador de vidas ou do Universo.
21. A Sabedoria Prajna (Panna em páli) ou Transcendente ocupa uma posição de suma
importância nos ensinamentos budistas. O Buddha Sakyamuni explicou os conceitos
Prajna por cerca de 20 anos em suas pregações. Ensinou o equilíbrio entre a compai‐
xão e o prajna, ou seja, emoção (fé) e razão (entendimento/verdade/lógica corretos).
22. A tradição e a prática da meditação no Budismo são relativamente importantes e
fortes. Enquanto todas as religiões ensinam algumas formas ou variações de estabele‐
cer a meditação centrada, só o Budismo enfatiza a meditação Vipassana (Insight) como
uma ferramenta importante para nos assistir na busca da libertação/iluminação.
23. A doutrina do Sunyata ou Vazio é exclusiva do Budismo, e seus diversos aspectos
são bem explorados nos ensinamentos budistas avançados. Resumidamente, essa dou‐
trina afirma a natureza transcendental da Realidade Última. Declara que o mundo dos
fenômenos é destituído de todas as limitações da particularização e que todos os con‐
ceitos de dualismo são abolidos.
24. Surgimento Condicionado (Paticcasamuppada, em páli) ou Criação Dependente é
outra doutrina‐chave no Budismo. Esse ensinamento explica que todos os fenômenos
psicológicos e físicos que constituem a existência individual são interdependentes e se
condicionam mutuamente; isso, ao mesmo tempo, explica o que prende os seres cons‐
cientes ao samsara.
25. O conceito de Inferno(s) no Budismo é muito diferente dos conceitos das outras
religiões. Não é um lugar para danação eterna, como afirmam as religiões dos “criado‐
55
res todo‐poderosos”. No Budismo, é apenas um dos cinco reinos do Samsara (isto é, o
pior dos três reinos indesejáveis). Existe virtualmente um número ilimitado de infernos
na cosmologia budista, como também existe um número infinito de mundos búdicos.
26. A cosmologia budista (ou universo) é bastante diferente das ensinadas em outras
religiões, que geralmente reconhecem somente esse sistema solar como o centro do
Universo e a Terra como o único planeta com seres vivos. A visão budista de um mun‐
do búdico (também conhecido como o Sistema dos Três Mil Mundos) é de que existe
um bilhão de sistemas solares. Além disso, as doutrinas do Budismo Mahayana expli‐
cam que existem outros mundos búdicos contemporâneos, como a Terra Pura de Ami‐
tabha e o sistema de Bhaisajyaguru.
27. Samsara é um conceito fundamental no Budismo e consiste nos “ciclos perpétuos
da existência” ou ciclos infinitos do renascimento nos seis reinos da existência. Esse
padrão de renascimento cíclico terminará somente quando um ser consciente alcança
o Nirvana, ou seja, exaustão virtual do karma, traços habituais, profanações e ilusões.
Todas as outras religiões pregam a existência de um único céu, uma única terra e um único
inferno, mas essa perspectiva é muito limitada quando comparada ao samsara budista,
onde o céu é apenas um dos seis reinos da existência e tem vinte e oito níveis/planos.
Semelhanças entre Budismo Theravada e Budismo Mahayana
compilado por Tan Swee Eng
1. O Buddha Sakyamuni é o fundador original e histórico do Budismo.
2. Os Três Selos Universais, Quatro Nobres Verdades, Nobre Caminho Óctuplo e Doze
Elos da Criação Dependente são a fundamentação básica para todas as escolas do Bu‐
dismo, incluindo as escolas tibetanas do Vajrayana.
3. O treinamento triplo dos Preceitos, Meditação e Sabedoria é universal a todas as
escolas.
4. A organização dos ensinamentos budistas/Dharma em três classificações (Sutra,
Vinaya e Sastra) é praticada nos Cânones Budistas de vários países.
5. O conceito da mente que supera a matéria. A mente como área principal para disci‐
plina e controle é fundamental a todas as escolas.
56
Diferenças entre Budismo Theravada e Budismo Mahayana
Nº TÓPICO BUDISMO THERAVADA BUDISMO MAHAYANA
Além do Buddha Sakyamuni, outros Buddhas
Só o Buddha Gautama Sakyamuni histórico
1 O Buddha contemporâneos como o Amitabha e o Budha da
e os Buddhas anteriores são aceitos.
Medicina são também muito populares.
Além de Maitreya, os bodhisattvas Avalokitesvara,
2 Bodhisattvas Só o bodhisattva Maitreya é aceito. Mansjuri, Ksitigarbha Samanthabadra também
são muito conhecidos.
O Cânone do Budismo Mahayana também inclui
O Cânone Páli é dividido em três cestos a Tripitaka das disciplinas, discursos (sutras) e
Organização das (Tipitaka): Vinaya Pitaka dos cinco livros, Sutta análises do dharma. É geralmente organizado em
4
escrituras budistas Pitaka das cinco coleções (vários suttas) e 12 divisões de tópicos, como Causa e Condições
Abhidhamma Pitaka dos sete livros. e Versos. Contém praticamente toda a Tipitaka
do Theravada e vários sutras que esta não possui.
Dá‐se maior ênfase à auto‐libertação. Além da auto‐libertação, é importante
5 Conceito do Bodhicitta Há confiança total no indivíduo para a para os seguidores da tradição Mahayana
erradicação de todas as profanações. ajudar os outros seres conscientes.
Ênfase muito restrita aos três corpos do Muito mencionado no Budismo Mahayana.
6 Conceito do Trikaya Buddha. As referências estão principalmente O samboga‐kaya ou corpo recompensa/
no nirmana‐kaya e no dharma‐kaya. divertimento completa o conceito do Trikaya.
Expansão direcionada ao sul ‐ Sri Expansão direcionada ao norte ‐ Tibete,
7 Rota da expansão Lanka, Tailândia, Burma, Laos e China, Taiwan, Japão, Coréia, Mongólia
Camboja, e partes do sudeste da Ásia. e partes do sudeste da Ásia.
O cânone budista é traduzido para a língua
Ensino do Tipitaka estritamente em
local (exceto pelos 5 intraduzíveis), p.ex.
8 Idioma de ensino do dharma páli. Ensino do dharma em páli,
tibetano, chinês e japonês. O idioma
complementado pelo idioma local.
original da transmissão é o sânscrito.
Também conhecido como “libertação do
Não há distinção entre o nirvana alcançado pelo
9 Nirvana (Nibbana, em páli) Samsara”. Existem diferenças sutis no nível
buddha, pelo arahat ou pelo pacceka buddha.
alcançado para cada uma das três situações.
Muitos bodhisattvas são apresentados
Os discípulos do Basicamente os discípulos históricos,
10 pelo Buddha Sakyamuni. A maioria
Buddha Sakyamuni sejam arahats ou pessoas comuns.
deles não são figuras históricas.
Devido a influências culturais, há uma
Existem alguns rituais, mas eles não são tão ênfase muito maior no uso de rituais; p.ex.
11 Rituais e liturgia
enfatizados quanto nas escolas Mahayana. rituais para os falecidos, alimentação dos
Petas, formalidades tântricas (no Vajrayana).
Muito usados na escola Vajrayana do Budismo
12 Uso de Mantras e Mutras Alguns equivalentes no uso dos Parittas. Mahayana. Outras escolas também incluíram
alguns mantras em suas liturgias diárias.
A escola Vajrayana é particularmente
meticulosa nessas áreas. Existem muitos sinais
Muito pouca pesquisa e conhecimento sobre a
internos e externos manifestados pelas pessoas
morte e o ato de morrer. Geralmente, as pessoas
13 Morrer e os aspectos da morte antes de morrer. Há um trabalho muito árduo na
prestes a morrer são aconselhadas a meditar
prática da transferência de méritos nas semanas
sobre a impermanência, o sofrimento e o vazio.
imediatamente após a morte, para assistir no
próximo renascimento do falecido.
Esse estado (depois da morte e antes do Todas as escolas Mahayana ensinam
14 Bardo
renascimento) é ignorado na escola Theravada. esse aspecto do pós‐morte.
58
Essa é uma prática altamente respeitada, mas
15 Prática da refeição única no dia Essa é a regra entre as sanghas do Theravada.
cabe a cada indivíduo decidir nas várias sanghas.
Esse aspecto não é obrigatório. Na
Bastante observado nas escolas do Mahayana
Tailândia, onde as rondas matutinas
16 Vegetarianismo (exceto as tibetanas, devido às circunstâncias
diárias ainda são praticadas, é muito difícil
geográficas). No entanto, não é obrigatório.
insistir no tipo de comida a ser doado.
Pode ser bastante elaborado; com uma
câmara/salão para o Buddha Sakyamuni e
Disposição simples. A imagem do dois discípulos, um salão para os três Buddhas
17 Foco da adoração no templo
Budha Sakyamuni é o foco da adoração. (incluindo o Amitabha e o Budha da Medicina)
e um salão para os três bodhisattvas principais;
além dos protetores etc.
Oito maiores escolas (chinesas) baseadas nas
doutrinas parciais (sutras, sastras ou vinaya) dos
Uma escola maior que sobreviveu por ensinamentos. As quatro escolas inclinadas a
18 Escolas/Seitas da tradição anos de atritos, reduzindo um número práticas como Terra Pura/Amitabha, Ch’an, Va‐
que chegou a ser de dezoito. jrayana e Vinaya (não para leigos) são mais popu‐
lares do que a filosofia baseada nas escolas como
Tien Tai, Avamtasaka, Yogacara e Madhyamika.
No curso da integração e adoção pelos povos de
Principalmente influências indianas/bramânicas, outras civilizações, houve muitas influências
anteriores ao Budismo. Vários termos como mútuas. Na China, tanto o Confucionismo como
19 Influências não‐budistas karma, sangha etc. eram muito utilizados no o Taoísmo exerceram alguma influência no
tempo do Buddha Sakyamuni. Foram aproveita‐ Budismo que, por sua vez, também causou um
das referências dos Vedas e dos Upanishads. impacto nas crenças nativas. A situação se
repetiu no Japão e no Tibete.
Ausente nos ensinamentos da Extremamente enfatizada, particularmente nas
20 Natureza búdica
tradição Theravada. escolas cujas práticas se inclinam a esse fim.
59
Criação Dependente (12 elos do surgimento dependente)
Nº PÁLI (SÂNSCRITO) TRADUÇÃO HABITUAL OUTRA REFERÊNCIA OBSERVAÇÕES
Falta de sabedoria, que é a raiz de todos
1 Avijja (Avidya) Ignorância –– os males. Obscuridade relacionada ao ser
das pessoas e ao ser dos fenômenos.
Pensamentos, discurso e atos
2 Sankhara (Samskara) Formações kármicas Ação composicional
corpóreos sadios ou doentios.
Geralmente seis conscientizações, interpretadas
3 Vinnana (Vijnana) Conscientização ––
como oito na Escola Yogacara.
Realidade física e Existência física e mental. Quatro
4 Nama‐rupa Nome e forma
mentalidade agregados mentais e um corpo físico.
Seis órgãos/esferas Visão, audição, olfato, paladar,
5 Ayatana (Shadayatana) Seis bases
sensitivos(as) tato e faculdade mental.
Um fator e período mental em que objetos,
poder/órgãos dos sentidos e consciência se
6 Phassa (Sparsha) Impressões sensitivas Contato
unem, possibilitando que se distinga um
objeto como prazeroso, doloroso ou neutro.
Apresentado como um fator mental que
experimenta prazer, dor e sentimentos neutros.
7 Vedana Sentimento Sensação
O prazer leva a um forte desejo de ter sempre
mais, enquanto a dor gera um desejo de evitação.
Um fator que aumenta o desejo,
8 Tanha (Trishna) Desejo Apego
mas não alcança a satisfação.
60
Um nível mais elevado de desejo. Quatro
variedades básicas: objetos desejados,
9 Upadana Aderência Ganância
interpretações do ser, sistema ruim de ética
e conduta; e outras opiniões ruins.
Período que dura desde a potencialização total
10 Bhava (Bjava) Formação Existência
do karma até o início da próxima vida.
Jará‐marana
12 Envelhecimento e morte Decadência e morte ––
(Jaramaranam)
Notas:
Os elos 1, 2, 8, 9 e 10 são as cinco causas kármicas do renascimento.
Os elos 3, 4, 5, 6 e 7 são os cinco resultados kármicos nas rodas dos renascimentos.
Essa doutrina é interpretada de várias formas e em vários níveis:
A tradição Theravada a adota para explicar o surgimento de todos os sofrimentos; e que toda a existência composta não possui subs‐
tancialidade. Essa doutrina é, portanto, utilizada como base para a negação do ser.
Na tradição Mahayana também se interpreta o surgimento condicionado como forma de validação da irrealidade da existência, consi‐
derando sua relatividade.
A Escola Madhyamika equipara essa doutrina ao shunyata (vazio). O surgimento condicionado é utilizado para demonstrar que, em ra‐
zão da sua relatividade, as aparências têm apenas validade empírica e são, no final das contas, irreais.
Sob o ponto de vista do Yogacara, só o verdadeiro entendimento dessa doutrina pode superar o erro de tomar por existente aquilo que
não existe, e vice‐versa.
Os Prajnaparamita Sutras enfatizam que essa doutrina não se refere a uma sucessão temporal, e sim à interdependência essencial de
todas as coisas.
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perguntas freqüentes sobre a cultura budista
Os budistas oram?
Os budistas não oram para um Deus Criador, mas praticam meditações devocionais
que podem ser comparadas à oração. Acredita‐se que emanar bondade‐afetuosa para
todos os seres vivos é uma prática que beneficia esses seres. A distribuição do mérito é
uma prática na qual se dedica a bondade da própria vida para beneficiar a todos os
seres vivos. Também oramos por uma pessoa em particular.
No Tibete, pratica‐se a oração quase o tempo todo. Os tibetanos oram de uma ma‐
neira muito especial. Eles acreditam que certos sons e palavras, chamados mantras,
quando repetidos muitas vezes, fazem surgir boas vibrações no interior da pessoa que
os pratica. Se um mantra for repetido com intensidade, pode abrir a mente para uma
nova consciência, que está além das palavras e pensamentos.
No Japão milhões de budistas oram para o Amida Buddha, o Buddha da Luz Infinita.
Eles acreditam que Amida criou uma Terra Pura no oeste e aqueles que possuem fé e
repetem o nome de Amida ao orarem irão para esse lugar. Entretanto, também acredi‐
tam que Amida está de fato dentro deles.
Como posso me tornar um budista?
De certa forma ser budista significa pertencer a uma comunidade em particular e
seguir o caminho ensinado pelos Buddhas (seres iluminados). Os membros da comuni‐
dade budista são formalmente aceitos quando tomam refúgio no Buddha, no Dharma
(o ensinamento) e no Sangha (a comunidade de nobres discípulos).
Quando for visitar Centros e Templos, o que devo fazer?
Muitas pessoas têm vergonha de visitar centros ou templos porque pensam:
1. Que lhes pedirão dinheiro.
2. Que serão importunadas sobre conversão, com ligações, e‐mails e coisas do tipo.
Em primeiro lugar, o ensinamento do Budismo é sempre gratuito. Ir a um templo
não custa nada, e ensinamentos sobre meditação são geralmente gratuitos. A crença
budista é de que a religião deve ser livre, aberta e verdadeira. É costume, quando va‐
mos ao templo, levar uma pequena oferenda, como flores ou comida, por exemplo. Se
você conversar com um mestre por longos períodos, você pode querer deixar uma
pequena doação.
Para algumas atividades ‐ palestras abertas ao público, cursos de meditação, reti‐
ros ‐ cobra‐se alguma quantia, porque as despesas envolvidas na organização podem
ser substanciais. Se você tem grande interesse e é sincero, mas tem problemas finan‐
ceiros, isso pode ser discutido com os organizadores. O ensinamento não deve ser ne‐
gado às pessoas que não têm bens acumulados.
É muito, muito raro que alguém tente converter os não‐budistas, e é quase desco‐
nhecida a existência de qualquer tipo de correspondência ou solicitação via e‐mail (é
aconselhável que fiquemos longe de qualquer templo que faça isso). Os estudantes
novatos, que acabaram de descobrir o Budismo, tendem a querer contar a todos os
seus amigos como ele é maravilhoso. Estudantes mais experientes sabem que todos
têm seu próprio caminho e seu próprio ritmo.
Os budistas são seres humanos. Existem algumas organizações ruins. É obrigatório
responder sinceramente às questões acerca dos professores e da linhagem que se se‐
gue. Os professores que podem ser encontrados em templos budistas, especificamen‐
te se receberam treinamento tradicional, no estrangeiro, são incrivelmente qualifica‐
dos, com décadas de experiência. Se um templo é aberto e honesto, se está conectado
à corrente principal da tradição budista, então é quase certamente seguro. Os cultos
são fechados e reservados. Confie no seu próprio julgamento.
Por que os budistas entoam cânticos?
Porque nos lembra do Dharma, evitando que ele seja esquecido; quando a medita‐
ção é inviável e quando a simples conscientização não dá muito consolo, os cânticos
podem ser muito proveitosos como extensão do ato de meditar, com palavras que
produzem calma e alguma paz interior; eles certamente expressam forte confiança no
Dharma. Recitar os mesmos cânticos diariamente também tem uma vantagem ‐ a cria‐
ção de karma sadio repetitivo que, evidentemente, trará muitos frutos positivos.
E os santuários e imagens budistas?
Os santuários encontrados nos templos ou em lares budistas são um ponto focal
das observâncias budistas. Ao centro do santuário, geralmente está uma imagem do
Buddha. A imagem pode ser feita de uma variedade de materiais, como mármore, ou‐
ro, madeira ou até mesmo cerâmica. A imagem é um símbolo que ajuda as pessoas a
lembrarem as qualidades do Buddha.
O santuário também pode ter outros objetos, tais como um volume das escrituras
budistas, para representar o Dharma. Outros santuários podem incluir mais itens, co‐
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mo imagens ou fotografias de monges budistas para representar o Sangha. Quando
um budista se coloca diante de um santuário, os objetos que ele vê ajudam‐no a lem‐
brar‐se das qualidades encontradas no Buddha, no Dharma e na Sangha. Isso o inspira
a cultivar essas qualidades na sua própria vida.
Por que os budistas fazem reverências?
No Budismo, o gesto tradicional de reverência à Jóia Tripla consiste em unir as
palmas das mãos e levantá‐las à altura do rosto, comumente até o nível da testa. Para
expressar profunda veneração, um budista pode se curvar ou prostrar ante a imagem
do Buddha, dos membros da Sangha e dos mestres do Ensinamento. Quando um bu‐
dista se prostra diante de uma imagem, ele reconhece o fato de que o Buddha alcan‐
çou a perfeita e suprema Iluminação. Tal ato o ajuda a superar sentimentos egoístas e
a se tornar mais apto para escutar o Ensinamento do Buddha.
Existem lugares sagrados para os budistas?
Os quatro locais sagrados de peregrinação para os budistas são Lumbini (onde o
Buddha nasceu), Bodh Gaya (onde alcançou a iluminação, sob a árvore Bodhi), Sarnath
(onde proferiu o primeiro ensinamento do Dharma) e Kusinagara (onde o Buddha fale‐
ceu).
E os festivais budistas?
Festivais budistas são sempre ocasiões alegres. Em maio, na noite de lua cheia, os
budistas ao redor do mundo celebram o Vesak – pelo nascimento, iluminação e morte
do Buddha.
Na tradição Theravada, as práticas observadas pelos leigos no Vesak incluem a ob‐
servância dos oito preceitos (os cinco comuns, e mais: não fazer refeições após o meio‐
dia, praticar o celibato e não exagerar no sono). Os leigos também podem participar de
meditações e cânticos, além ouvir sermões.
Em vilarejos tailandeses, as pessoas se aprontam durante o dia. Elas limpam suas
casas e penduram guirlandas de flores. Os homens colhem areia limpa do leito do rio e
espalham por sobre o pátio do templo, onde todos andam descalços. As estátuas do
Buddha são retiradas do templo para serem lavadas e polidas, e todos os livros são
separados para que se retire a poeira. Quando escurece, os habitantes do vilarejo se
reúnem à luz de velas e lamparinas. A maior estátua do Buddha é colocada em uma
plataforma, iluminada por todos os lados. Derrama‐se sobre ela água perfumada. Se‐
gurando velas, todos começam a circular ao redor da estátua, iluminando‐a.
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Um não‐budista pode ir a um culto?
Muitos, e talvez até a maioria dos templos budistas recebe não‐budistas. Os tem‐
plos maiores e mais bem estabelecidos muitas vezes publicam anúncios nos jornais
locais, informando os horários dos cultos. É apropriado antes fazer um telefonema,
para saber se visitantes são aceitos em dada observância religiosa. Os visitantes são
livres para participar de ritos comunais. Os maiores rituais incluem oferenda de incen‐
so, entoação de textos dos Sutras ou hinos e meditação silenciosa. Visitantes que op‐
tam por não participar devem observar em silêncio no fundo ou lados do templo.
E as cerimônias de casamento?
Os monges são proibidos de celebrar casamentos, no entanto podem “abençoar” o
casal, recitando o Dharma (entoação) depois de uma cerimônia secular.
Como é um funeral budista?
É uma simples cerimônia onde as boas ações do falecido são lembradas; pode‐se
também praticar a meditação da bondade‐afetuosa e a distribuição de méritos.
O que é uma Stupa?
Quando a pessoa que faleceu é um Buddha (iluminado), um Arhant (santo) ou um
grande professor, relíquias são coletadas depois da cremação. Elas podem ser guarda‐
das em uma stupa ou pagoda ou em uma Buddha‐rupa (imagem do Buddha). Toda vez
que um budista vê uma stupa no campo ou uma Buddha‐rupa num santuário, é lem‐
brado do Dharma (ensinamento) e honra o local por causa disso.
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D;
Texto em inglês
BASIC BUDDHISM GUIDE
Fonte
Buddhanet.net
Tradução e Edição
Bruna T. Gibson
Abril de 2004
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