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LISBELA E O PRISIONEIRO:
São Paulo
2006
1
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UNIVERSIDADE PAULISTA – UNIP
LISBELA E O PRISIONEIRO:
São Paulo
2006
2
Frugoli, Ivan Daliberto
Lisbela e o prisioneiro: do texto verbal à transmutação audiovisual.
/ Ivan Dalberto Frugoli. – São Paulo, 2006.
133 f.
3
FOLHA DE APROVAÇÃO
______________________________________________
_______________________________________________
_______________________________________________
4
DEDICATÓRIA
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais Pedro Américo Frugoli e Anarlete Daliberto Frugoli
simplesmente por tudo (meus super-heróis); aos meus irmãos Alexandre e Marcio
Daliberto Frugoli por existirem em minha vida; à minha esposa Fabiana Stringher
por me acompanhar e me dar força nos momentos em que mais precisei; e aos
meus sobrinhos lindos.
6
SUMÁRIO
RESUMO...............................................................................................................................8
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................10
1 - O FILME........................................................................................................................12
1.1 - O CINEMA EM B REVE RELATO ............................................................................12
1.2 - S OM: D O C INEMA MUDO PARA LISBELA E O P RISIONEIRO.................................18
1.3 - A MÚSICA NO F ILME ............................................................................................26
1.4 - OS RECURSOS V ISUAIS NA CONSTRUÇÃO DO SENTIDO ....................................39
1.5 - O CINEMA FALADO DE GUEL A RRAES ...............................................................59
2 - METALINGUAGEM .........................................................................................................62
2.1 - A FÔRMA DO F ILME .............................................................................................62
2.2 - D ECUPAGEM E METALINGUAGEM NA OBRA F ÍLMICA ..........................................64
3 - TRANSMUTAÇÃO: DO VERBAL AO A UDIOVISUAL ...................................................75
3.1 - TRANSMUTAÇÃO TEXTUAL ..................................................................................75
3.2 - TRADUZIBILIDADE DAS OBRAS ............................................................................77
3.3 - OBRA DE SAÍDA X OBRA DE C HEGADA ...............................................................81
3.4 - TRANSMUTAÇÃO EM LISBELA E O P RISIONEIRO..................................................82
3.5 - A NÁLISE DAS E STRUTURAS .................................................................................84
3.5.1 - O PERCURSO GERATIVO .............................................................................84
3.5.2 - NÍVEL FUNDAMENTAL...................................................................................86
3.5.3 - O NÍVEL NARRATIVO ....................................................................................91
3.5.3.1 - MANIPULAÇÃO ....................................................................................94
3.5.3.2 - C OMPETÊNCIA .......................................................................... 97
3.5.3.3 - P ERFORMANCE................................................................................ 100
3.5.3.4 - S ANÇÃO NA OBRA ........................................................................... 104
3.5.4 - O NÍVEL D ISCURSIVO ............................................................................... 105
3.5.4.1 - TEMA................................................................................................ 106
3.5.4.2 - TEMPORALIZAÇÃO ........................................................................... 108
3.5.4.3 - E SPACIALIZAÇÃO............................................................................. 110
3.5.4.4 - A CTORIALIZAÇÃO............................................................................. 112
4 - INTERTEXTUALIDADE E TRANSMUTAÇÃO .................................................................. 115
4.1 - LISBELA E O PRISIONEIRO: REVISITAÇÃO OU RAÍZES NORDESTINAS?........... 115
4.2 - GUEL ARRAES , INTERTEXTUALIDADE E P ROD. CONTEMPORÂNEAS ............... 118
7
RESUMO
8
ABSTRACT
The master's thesis that will be presented on the following pages aims at
collaborating with the studies of adaptation and transmutation of the verbal text into
the audiovisual format. Therefore, we'll develop our work by focusing on the
elements that constitute the original Lisbela e o Prisioneiro, by Osman Lins, and on
the feature film directed by movie - maker Guel Arraes.
This work will approach the transforming elements between ori ginal work
and adaptation, respectively analyzing the way each one interferes positively or
negatively with the construction of the adapted work. Consequently, we’ll direct our
analysis to the discursive and narrative elements in both formats, identifying any
possible conjunctive and disjunctive points between original work and adaptation.
9
INTRODUÇÃO
10
narrativa está presente em todos os tempos, em todos os lugares,
em todas as sociedades; a narrativa começa com a própria história
da humanidade. 1
Sob essa ótica é que discorrerá nossa pesquisa, tendo como enfoque
principal, analisar como a narrativa literária transforma-se diante de sua adaptação
para os meios audiovisuais e, mais precisamente, a maneira como a adaptação da
obra literária e teatral de Osman Lins , é transposta para as telas de cinema com a
direção do cineasta Guel Arraes.
1
BARTHES, Roland. Introdução à Análise Estrutural da Narrativa, 1971, p. 18
11
1 - O FILME
12
Étienne Jules Marey (cronofotógrafo, 1888) e Thomas Edison (cinetoscópio,
1891).2
2
MARTIN, Marcel. A Linguagem Cinematográfica. 1985:13.
3
DeFleur, Melvin e Ball-Rokeach, Sandra. Teorias da Comunicação de Massa 1989, p.78.
13
amadores foram popularizadas quando essa tecnologia se tornou
acessível.4
4
DeFleur, Melvin e Ball-Rokeach, Sandra. Teorias da Comunicação de Massa. Op. Cit. p.89.
14
Inauguram-se as primeiras salas exibidoras na Europa, com preços
acessíveis; o público se posicionava muitas vezes de pé para assistir a curtos
filmes, breves, mas capazes de criar intensa afinidade com seus receptores. A
repercussão e a aceitação pública das imagens em movimento se intensificam,
despertando e exigindo atenção especial na evolução das produções fílmicas do
início do século XX.
5
Apud. MARCEL, Martin. Op. Cit. p. 108.
15
escrevem, “é uma faca de dois gumes, e é provável que seja
utilizado conforme a lei do menor esforço, isto é, simplesmente para
satisfazer a curiosidade do público”. Mas o maior perigo é talvez a
invasão do cinema “pelos dramas da literatura e outras tentativas de
teatralização na tela. Utilizado desse modo, o som destruirá a arte
da montagem, elemento fundamental do cinema. Pois toda adição
de som a frações de montagem intensificará ainda mais essas
frações, e isso inegavelmente em detrimento da montagem, que
produz seu efeito não por fragmentos, mas, acima de tudo, juntando
ponta com ponta esses fragmentos. (MARTIN, 1990:109).
16
verificamos que inúmeros são os processos de inovação desse meio de
comunicação, que incluem desde estudos da fisiologia do olho humano e
retardamento da captação de imagens gerando ilusão de movimentos contínuos,
passando pelos procedimentos de captura de imagens (desde os daguerreótipos
até os processos mais simplificados de fotografia), desenvolvimento das
tecnologias de projeção em tela, inclusão de sonorização às películas (sem contar
com os cinemas orquestrados), chegando à fase das adaptações narrativas.
17
totalidade. Parte-se, portanto, do texto fílmico para “desconstruí-lo” e
obter um conjunto de elementos distintos do próprio filme. 6
6
VANOYE, Francis. Ensaio sobre a análise fílmica. Editora Papyrus, 2002, p. 15.
18
insuficiências do cinema mudo. “O som, tratado enquanto elemento
novo da montagem (e como elemento independente da imagem
visual), introduzirá inevitavelmente um recurso novo e
extremamente afetivo para exprimir e resolver os problemas
complexos que nos desafiam até o presente e que não temos
podido resolver em virtude da impossibilidade de achar uma solução
contando apenas com elementos visuais.7
Segundo Martin, Eisenstein certa vez teria dito que “O som não foi
introduzido no cinema mudo, mas saiu dele. Surgiu da necessidade que levou
nosso cinema mudo a ultrapassar os limites da pura expressão plástica”. 8
7
MARTIN, Marcel. A Linguagem Cinematográfica. 1990, p.109
8
Id. Ibiden, p. 111.
19
Outra característica do cinema mudo, em suas investidas na superação da
ausência sonora, retratava um trabalho árduo nas técnicas de montagem da
época, conforme relata Martin:
9
Op. Cit. p. 113
20
Já nos filmes de ficção científica, não podemos deixar de mencionar os
exageros sonoros realizados por esse gênero cinematográfico, nos quais a
utilização do som contraria todo e qualquer fundamento da Física e dos estudos
das ondas mecânicas longitudinais, e o abuso do som chega a tomar proporções
de sermos capazes de ouvir explosões, tiros e roncos de jatos propulsores em
ambientes onde é impossível reproduzir o som devido à ausência de um meio
material de propagação.
21
abordagem é moderna (o que não quer dizer que seja superior às
duas outras), não visa – ou não espera – signos determinados,
classificados: não aquilo que é dito, ou emitido, mas aquele que
fala, aquele que emite: deve ser desenvolvida em um espaço
intersubjetivo, em que “escuto” na verdade quer dizer “escuta-me”; a
escuta apodera-se, pois, para transformá-la e lançá-la sem cessar
no jogo da transferência, de uma “significância” geral, que já não é
concebível sem a intervenção do inconsciente. 10
10
BARTHES, Roland. O Óbvio e o Obtuso. 1990, p. 217
22
sugeridos pelos autores mencionados, por julgarmos contribuições significativas e
pertinentes dentro de nossa linha de análise.
11
Op. Cit., p. 114.
23
Referente aos ruídos, Martin dedica atenção especial a esses elementos e
às formas de cooperação dos ruídos na construção dos sentidos, conforme segue
o trecho abaixo:
12
Op. Cit., p. 116.
24
Segue trecho do roteiro da obra para simplificar a análise:
25
Na cena descrita, a utilização da música ruído age com função simbólica e
narrativa, pois o som acaba se tornando o principal elemento constituinte da
seqüência, e conseguimos identificar que, sem esse ruído, o sentido pretendido
pelo diretor em projetar a personagem para um universo fictício não teria jamais
sido atingido.
26
seu livro Unheard Melodies, define essas características seguindo os mesmos
padrões de Martin, mas acrescenta ndo outros pontos de vista na forma de
estruturar suas idéias. Sendo assim, daremos seqüência em nossas análises
utili zando como referência os estudos desenvolvidos por Gorbman e que serão
relacionados a seguir.
- Invisibilidade: no qual o aparato técnico da música não diegética não deve ser
visível;
- Inaudibilidade: a música não é destinada a ser ouvida conscientemente. Ela
deve subordinar-se aos diálogos, às imagens, aos veículos primários da narrativa;
- Significador de emoção: a trilha musical pode estabelecer climas e enfatizar
emoções particulares sugeridas na narrativa, mas em primeiro lugar e acima de
tudo ela é um significador de emoção por si só;
- Sugestão narrativa: referencial/narrativa – a música proporciona sugestões
narrativas e referenciais, indicando pontos de vista, provendo demarcações
formais e estabelecendo ambientação e caráter; conotativa – a música interpreta e
ilustra eventos narrativos;
- Continuidade: a música provê continuidade rítmica e formal entre planos, em
transições, entre cenas, preenchendo lac unas.13
13
GORBMAN, Claudia. Unheard Melodies. 1987, p. 73. Tradução de Cíntia Onofre.
27
Observamos com isso que as definições de Martin acabam sendo
incorporadas nesse modelo, pois a função rítmica, dramática e lírica, conforme
sugere o autor, são sucessivamente abordadas por Gorbman dentro das funções
de continuidade, sugestão narrativa e significação de emoção. A partir dessa
definição de utilização da música nos conteúdos fílmicos, partiremos para nossas
análises, para verificar a pertinência desses conceitos em relação à obra
cinematográfica de Lisbela e o Prisioneiro.
28
Cena 1 – Sala de Cinema
29
Cena 36 – Rua
A cena conforme abordamos é uma das poucas dentro da obra fílmica que
se apropriam de sonorização diegética, na qual o aparato técnico de execução da
música é visível na composição da cena. Embora a execução do som não esteja
ocorrendo de fato na cena, pois ele é dublado e interpretado por um personagem.
30
acaba então enquadrado como um elemento não sonoro.
15
Roteiro do filme. Globo, 2002.
31
Partindo nossas análises a música como significadora de emoção,
observamos que dificilmente ela não possuirá essa característica; mesmo em
cenas em que a música é introduzida em segundo plano, ela é capaz de carregar
altos níveis de transmissão sentimental. Segundo Cíntia Onofre :
Em uma das cenas do filme, na qual Lisbela encontra-se pela primeira vez
com Leléu e este acaba se apaixonando pela moça, a música é introduzida de
forma primorosa na seqüência. A sutileza com que música é executada e a
maneira como ela é extraída do conteúdo, retratam exatamente a sensibilidade e
expressão dos personagens.
16
ONOFRE, Cíntia Campolina. O Zoom nas Trilhas da Vera Cruz. Campinas, 2005, p. 51.
32
Para demonstrarmos de maneira mais incisiva a música como significação
da emoção e como estruturação da narrativa, recorreremos, em nossa próxima
análise, ao trecho extraído do roteiro cinematográfico.
LELEU (OFF)
Senhoras e Senhores, eu peço aos que sofrem do coração que se retirem do
recinto. A cena que vamos assistir agora pode abalar o sistema nervoso das
pessoas mais sensíveis.
LISBELA
Eu sabia que era truque!
LELEU
E a melhor parte foi sumir com todo mundo.
LISBELA
E como é que faz a transformação?
LELEU (Vai demonstrando a transformação, fazendo Lisbela virar gorila, conforme
vai explicando)
Eu vou lhe mostrar. Fique desse lado que está iluminado que eu fico aqui no
escuro de forma que primeiro só se vê a senhora. Conforme eu vou apagando a
luz do seu lado eu vou aumentando a luz no macaco e um jogo de espelhos vai
33
projetando minha imagem por cima da sua de maneira que parece que a senhora
está se transformando em gorila.
LISBELA
É como uma máquina do tempo, fazendo a gente virar o que foi há milhares de
anos atrás.
LELEU
(Vai tirando a fantasia de macaco) Mas pode funcionar também como uma
máquina do amor.
LISBELA
E existe lá máquina pra isso?
LELEU
Quando a gente ama uma pessoa o que é que a gente mais quer nesse mundo?
LISBELA
Ficar bem juntinho dela.
LELEU
(Durante o poema ele vai invertendo as luzes de maneira que ele se transforma
nela) Tão juntinho, tão juntinho até que, como diz o poeta:
“Transforma-se o amador na coisa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho, logo, mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada”.
LISBELA
Achei mais bonita ainda essa máquina do amor.
LELEU
Pois fique quieta e feche os olhos. (Ele vai dando a volta por trás em direção ao
lado dela) Eu vou lhe mostrar agora como é que funciona a máquina do desejo.
Ele chega no lado dela, vai abraçá-la por trás e vê que é só a imagem.
LELEU
Eita, cadê?
Vemos que ela está do outro lado.
LISBELA (Sai correndo)
34
É que eu liguei a máquina da ilusão.17
(Inicia-se a música)
“...Ela é tão rica e eu tão pobre
Eu sou plebeu e ela é nobre
Não vale a pena sonhar...”
(A Deusa da Minha Rua, de Newton Teixeira e Jorge Faraj)
Cena - Ruas
Leleu e Inaura estão fugindo.
INAURA
Agora a gente vai viver em paz.
LELEU
17
Roteiro do filme. Globo, 2002.
35
Só viver, pra mim já está ótimo.
(Barulho de tiros. Leleu se joga no chão assustado)
LELEU
Danou-se! Botaram o exército todo pra me pegar.
INAURA
É não, homem. São os fogos.
LELEU
Fogos?
INAURA
(Indicando os fogos na direção da Igreja) Pro casamento! A noiva deve estar
entrando na igreja agora, só isso. Ave Maria, com você meu coração vive
disparando. Quando não é paixão é alvoroço.
LELEU (Olhando os fogos)
O meu é de paixão e de alvoroço.
INAURA
Você tem razão: querer bem e se aventurar. É assim que a vida merece ser vivida.
LELEU
É, mas mesmo pra um homem mulherengo assim que nem eu, tem uma hora que
o coração quer sossegar.
INAURA
É que a paixão está virando amor, meu bem. Eu sinto a mesma coisa por você.
LELEU
Mas eu estou falando é de outra coisa...
INAURA
(Com segundas intenções) Eu já sei que coisa é essa seu sem vergonha...
LELEU
Não é isso não, quer dizer... é isso também... mas é que o coração da gente só
sossega ao lado da metade que completa ele.
INAURA
E a sua metade se chama Lisbela.
LELEU
36
Estava difícil dizer. Ainda bem que você disse.
INAURA
Preferi dizer eu mesma, pra não morrer ouvindo da sua boca.
LELEU
A Dona Lisbela é até menos carnuda, menos mulherão que você, mas é nela que
eu estou enganchado.
INAURA
O que você tem para oferecer a ela? A mim você já desgraçou. Mas a ela não.
Está casando agora. Vai ser mãe, dona de casa, tem um futuro inteiro pela frente.
Fique comigo por amor a ela.
LELEU
Ninguém ama por tabela. Eu tenho que ir. Essas c oisas não têm explicação.
INAURA
Então deixe eu ir também. Ela não vai nem ficar sabendo.
LELEU
E você acha que isso presta?
INAURA
E você acha que está prestando desse outro jeito? Você não vive sem ela, eu
também não vivo sem você.
LELEU
Posso não, Inaura. E mesmo que eu pudesse você ia terminar com raiva de mim.
E dizem que para cada mulher que odeia um homem, é um ano a menos que ele
vive. (Sai)
INAURA
Pois então você está já se acabando. 18
(Inicia-se a música)
“Sei que aí dentro ainda mora um pedacinho de mim
Um grande amor não se acaba assim
Feito espumas ao vento
18
Roteiro do filme. Globo, 2002.
37
Não é coisa de momento
Raiva passageira
Mania que dá e passa feito brincadeira
O amor deixa marcas que não dá pra apagar
Sei que errei e estou aqui pra te pedir perdão
Cabeça doida, coração na mão
Desejo pegando fogo...”
(Espumas ao vento, de Acioly Neto)
Informações Lisbela conversa com seu pai (Tenente Guedes), que lhe dá
sobre a narrativa conselhos sobre a vida de casado e tenta falar sobre sexo
com a filha.
Informações Cena interna.
técnicas Ambientação: casa de Lisbela.
Personagens: Tenente Guedes e Lisbela.
38
Tenente Guedes e sua filha tentam conversar sobre sexo
(plano médio); quando Lisbela questiona o pai sobre
obedecer ao marido ou não, o pai da moça fica encabulado
e abraça sua filha, dizendo para ela obedecer, mas só um
pouquinho. Inicia-se som de fanfarra e a cena é cortada e
alterada para uma externa que mostra o carro de Leléu
chegando à cidade.
Informações Inserção musical diegética.
sobre a trilha
musical
39
narrativo, os quais se inter-relacionam em um ambiente propício e adequado para
sua efetivação.
Com isso, verificamos que cada recurso possui interdependência, sem que
um se sobressaia ao outro, mas sim, conforme já abordamos, que cada um
desses elementos participe de maneira homogênea na construção dos sentidos.
Embora a obra fílmica seja constituída por uma série de recursos, cabe
dizer que a imagem é a essência do cinema, pois é através dos códigos visuais
que se constitui toda a obra cinematográfica, bem como toda sua força de
persuasão, identificação e fidelização com público. Na imagem, o espectador se
40
projeta para um universo paralelo, encontrando o conforto, a emoção ou até
mesmo o estranhamento do que está sendo exibido, conforme relata Martin:
Para isso, iniciaremos nossos estudos com foco nos recursos da imagem,
abordando inicialmente os conceitos da montagem cinematográfica, na qual
utilizaremos, como ponto de partida a proposta de Eisenstein:
19
MARTIN, Marcel. A Linguagem Cinematográfica. 1990, p. 28
20
Eisenstein, Sergei. O Sentido do Filme. 1990, p. 51
41
Seguindo proposta do autor, verificamos a importância no domínio dos
códigos compositivos de uma obra para a construção da imagem e sentido
pretendido, sendo que a construção destes, não se faz única e exclusivamente
através dos próprios códigos da imagem, mas sim, através de vários elementos
extraídos de campos diversos, que favorecem e enobrecem a construção do todo.
21
Op. Cit. 1995, p. 62
42
dos elementos da ação segundo uma relação de causalidade) e
psicológico (a compreensão do drama pelo espectador). Em
segundo lugar, temos a montagem expressiva, baseada em
justaposições de planos cujo objetivo é produzir um efeito direto e
preciso pelo choque de duas imagens; neste caso, a montagem
busca exprimir por si mesma um sentimento ou uma idéia; já não é
mais um meio, mas um fim: longe de ter como ideal apagar-se
diante da continuidade, facilitando ao máximo as ligações de um
plano a outro, procura, ao contrário, produzir constantemente efeitos
de ruptura no pensamento do espectador, fazê-lo saltar
intelectualmente para que seja mais viva nele a influência de uma
idéia expressa pelo diretor e traduzida pelo confronto dos planos.22
Segundo Martin, a montagem narrativa tem como objetivo relatar uma ação
e o desenrolar de um a seqüência de acontecimentos. Apóia-se às vezes em
relações de plano a plano, mas envolve sobretudo as relações de cena a cena ou
de seqüência a seqüência, levando-nos a considerar o filme uma totalidade
significativa.23
22
MARTIN, Marcel. A Linguagem Cinematográfica. 1990, p. 132
23
Op. Cit. p. 155.
43
Montagem alternada: montagem por paralelismo baseada na contemporaneidade
estrita de duas (ou várias) ações que se justapõem, as quais acabam na maioria
das vezes por se juntar no final do filme.
Montagem paralela: duas ou mais ações são abordadas ao mesmo tempo pela
intercalação de fragmentos pertencentes a cada uma delas, alternadamente, a fim
de fazer surgir uma significação de seu confronto. Aqui, a contemporaneidade das
ações não é mais absolutamente necessária, o que faz com que esse tipo de
montagem paralela seja o mais sutil e também o mais vigoroso.
44
empregar o conceito de montagem paralela, por notarmos que essa também
contempla as ações em simultaneidade, favorecendo ainda a inserção de
fragmentos sem a preocupação de contemporaneidade, nas quais entrariam tanto
os programas narrativos paralelos como a inserção de um filme dentro de outro
filme.
24
EISENSTEIN, Sergei. A Forma do Filme. 1990, p. 42
45
Essa característica é nitidamente identificada pela influência profissional de
Guel Arraes em produções anteriormente realizadas para a TV, entre as quais
podemos citar sua atuação em programas como Armação Ilimitada, TV Pirata,
Dóris para Maiores e, mais recentemente, nas séries Cena Aberta, Sexo Frágil,
Brasil Total e o quadro “Retrato Falado” (exibido durante as apresentações do
Fantástico) da Rede Globo de Televisão. Em todas essas produções, o ritmo
acelerado acabou por se tornar uma assinatura do diretor.
É fato que a obra original de Lisbela e o Prisioneiro, escrita por Osman Lins,
também oferece ritmo um tanto quanto acelerado, mas bem menos intenso, se
comparada com a obra fílmica que analisamos.
46
47
48
49
Partindo para o estudo das imagens conforme apresentadas, verificamos,
em primeiro lugar, a presença da montagem paralela (como já havíamos definido
anteriormente), e também podemos identificar o ritmo extremamente acelerado na
composição da seqüência. Para analisarmos o ritmo imposto pelo filme, bem como
os planos que o constituem, utilizaremos legendas da seguinte forma: GPG –
Grande Plano Geral; PG – Plano Geral; PM – Plano Médio; PA – Plano
Americano; MPP – Meio Primeiro Plano; PP – Primeiro Plano ; PPP –
Primeiríssimo Plano.
50
ruídos do
ambiente
9 5:59 Ambiente interno: Efeito sonoro PP Zoom out
cena paralela – (continuidade)
laboratório do Dr. e início da fala
Steve do
personagem –
montagem
paralela
10 6:06 Ambiente interno: Música PPP Câmera
cena paralela – significadora estática
laboratório do Dr. de emoção
Steve (suspense) e
fala do
personagem
montagem
paralela
11 6:10 Ambiente interno: Música PPP Câmera
laboratório do Dr. significadora estática
Steve de emoção
(suspense) e
fala do
personagem –
montagem
paralela
12 6:12 Ambiente interno: Música PPP Câmera
laboratório do Dr. significadora estática
Steve de emoção
(suspense) e
fala do
personagem –
montagem
paralela
13 6:13 Ambiente interno: Música MPP Zoom in
laboratório do Dr. significadora
Steve de emoção
(suspense) e
fala do
personagem
montagem
paralela
14 6:21 Ambiente interno: Música PP Câmera
laboratório do Dr. significadora estática
Steve de emoção
(suspense) e
fala do
personagem
15 6:28 Ambiente interno: Música PM Câmera
laboratório do Dr. significadora estática
Steve de emoção
(suspense) e
51
fala do
personagem
16 6:29 Ambiente interno: Música MPP Travelling
laboratório do Dr. significadora horizontal
Steve de emoção
(suspense),
ruído ambiente
e fala do
personagem
17 6:33 Ambiente interno: Música PP Zoom out
quarto significadora
de emoção
(suspense),
ruído ambiente
e fala da
personagem
18 6:34 Ambiente interno: Música PP Câmera
laboratório do Dr. significadora estática
Steve de emoção
(suspense)
19 6:35 Ambiente interno: Música PP Panorâmica
quarto significadora horizontal
de emoção
(suspense), e
fala da
personagem
20 6:38 Ambiente interno: Música MPP Câmera
laboratório do Dr. significadora estática
Steve de emoção
(suspense), e
ruídos
21 6:40 Ambiente interno: Música PP Câmera
laboratório do Dr. significadora estática
Steve de emoção
(suspense)
22 6:41 Ambiente interno: Música PG Câmera
laboratório do Dr. significadora estática
Steve de emoção
(suspense)
23 6:42 Ambiente interno: Música PP Câmera
laboratório do Dr. significadora estática
Steve de emoção
(suspense)
24 6:43 Ambiente interno: Música PG Panorâmica
laboratório do Dr. significadora horizontal
Steve de emoção
(suspense)
25 6:44 Ambiente interno: Música MPP Câmera
laboratório do Dr. significadora estática
Steve de emoção
52
(suspense)
53
na Normandia sob intenso fogo cruzado, a variação de planos fica por volta de um
plano a cada cinco segundos, ou seja, bem menos intensa que a proporção de um
plano para cada três segundos, se comparada com a cena analisada de Lisbela e
o Prisioneiro.
54
Nas cenas da narrativa paralela à de Lisbela e o Prisioneiro, ou seja, do
filme dentro do filme, tais situações de enquadramento também são exploradas:
aparecem o mocinho e o bandido, alternando-se em enquadramento de plongée e
contra-plongée, dependendo da situação retratada.
55
Segundo Martin, o figurino no cinema pode ser definido de três formas,
sendo elas:
25
MARTIN, Marcel. A Linguagem Cinematográfica. 1990, p. 63
56
Frederico Evandro (temido matador) Ten. Guedes e Citonho (autoridade)
57
2 – Impressionista: o cenário é escolhido em função da dominante
psicologia da ação, condiciona e reflete ao mesmo tempo o drama
dos personagens; é a paisagem estado de alma para os românticos.
3 – Expressionista: enquanto o cenário impressionista é em geral
natural, o expressionista é quase sempre criado artificialmente,
tendo em vista sugerir uma impressão plástica que coincida com a
dominante psicológica da ação.26
58
1.5 - O CINEMA FALADO DE GUEL ARRAES
27
Revista Época, 18 de agosto de 2003.
59
O maior perigo que correm os diretores no que diz respeito ao
diálogo é o de fazer prevalecer a explicação verbal sobre a
expressão visual: estou querendo dizer que todo enredo puramente
verbal deveria se reduzir ao mínimo em cinema, já que a imagem é
capaz de mostrar os acontecimentos, mas sobretudo que, através
dos meios à sua disposição (a metáfora e o símbolo em particular,
mas também os movimentos de câmera, os ângulos de filmagem, os
enquadramentos, os ruídos), o filme pode significar sem ter que
dizer, ou seja, pode transpor o sentido da linguagem verbal para o
da expressão plástica.28
28
MARTIN, Marcel. A Linguagem Cinematográfica. 1990, p. 177
29
Id. Ibidem p. 181
60
adaptado do roteiro literário/teatral de Osman Lins, mas pelo fato de
incessantemente priorizar a fala no decorrer da obra.
61
2 - METALINGUAGEM
62
incessantemente os elementos metalingüísticos em seus projetos. Ao citarmos
Jorge Furtado, podemos verificar que, em seus curtas Ilhas das Flores, 1989; O
Sanduíche, 2000; e no longa O Homem que Copiava (2002), os recursos
metalingüísticos apresentam-se de forma diversificada e amplamente explorados.
31
SOUZA, Christiane Pereira. A Construção em Abismo como Construção Crítica em 8 ½ de
Fellini. 2003, p. 41
32
Entrevista concedida à revista IstoÉ Gente no ano 2000, edição 59.
63
Sendo assim, e considerando as influências do diretor e dos roteiristas de
nosso objeto de estudo, podemos dizer que o resultado do filme não poderia ser
diferente, ou seja, a incorporação de elementos metalingüísticos na constituição
da obra.
64
DOUGLAS
Que tipo de filme é esse?
LISBELA
Comédia romântica com aventura. Tem um mocinho namorador que nunca se
apaixonou por ninguém até conhecer a mocinha. Tem uma mocinha que sofre
bem muito porque o amor do mocinho é cheio de problemas. Tem um bandido que
só quer saber de matar o mocinho ou de ficar com a mocinha ou as duas coisas.
Tem também mais uma ruma de personagens, uma mulher que também quer o
mocinho mas ele não quer nada com ela, tem uns que ficam fazendo graça para
animar a história. O mocinho quer conquistar a mocinha mas também tem que
fazer o trabalho dele, que é salvar alguém e prender o bandido. As duas coisas se
misturam, o trabalho do mocinho e o amor da mocinha. No fim de tudo o mocinho
e a mocinha ficam juntos e o bandido se lasca.
DOUGLAS
Você já viu?
LISBELA
Não, mas todos são assim.
DOUGLAS
Qual é a graça?
LISBELA
A graça não é saber o que acontece. É saber como acontece. E quando acontece.
(As luzes diminuem)
LISBELA
Shh. Vai começar. Eu adoro esta parte. A luz vai apagando devagarzinho, o
mundo lá fora vai se apagando devagarzinho, os olhos da gente vão se abrindo.
Daqui a pouco a gente nem vai mais lembrar que está aqui. A gente vai conhecer
um monte de pessoas novas, um monte de problemas que a gente não pode
resolver, só eles podem. Vamos ver como. E quando. Vai começar.
65
gerar reflexão sobre a teoria narrativa e sobre as próprias características do
cinema. Na apresentação dos personagens, já conseguimos identi ficar inclusive o
sujeito, anti-sujeito, ajudantes, oponentes e objeto valor da trama, os quais
estudaremos de maneira mais incisiva em nosso próximo capítulo.
Quando Lisbela diz que “a graça não é saber o que acontece. Mas é saber
como acontece. E quando acontece”, o diretor Guel Arraes está jogando com a
rigidez das narrativas constantemente exploradas na produção cinematográfica,
33
MORIN, Edgar. O Cinema ou o Homem Imaginário. 1982, p. 182
66
ou seja, os padrões existentes entre os diversos gêneros fílmicos. Segundo a
autora Ana Maria Balogh:
34
BALOGH, Anna Maria. O Discurso Ficcional na TV. 2001, p. 90
67
Na análise de Oróz, os quatro temas paradigmáticos do melodrama
viriam dos mitos da cultura judaico-cristã: o amor, a paixão, o
incesto e a mulher (1992:29). No tocante ao tema do amor, a autora
distingue o amor do homem pela mulher (1992:50), cujo objetivo
principal é o casamento, do amor-sacrifício, presente sobretudo no
laços filiais e fraternos e que visa propiciar a ascensão social do
ente querido. 35
Cena 19
LISBELA
Bandido eles sempre mostram de pertinho que é pra gente se assustar com
aquele carão espevitado na tela.
Viu só!
Bandido que é bandido mesmo, fala como se fosse o mocinho, bem educado,
calmo.
Já o mocinho, xinga o tempo todo.
35
BALOGH, Op. Cit. p. 168-169
68
Nesse exemplo, identificamos que as peculiaridades dos enquadramentos,
dos planos e até mesmo dos personagens estereotipados acabam sendo
exploradas nas descrições da personagem. A citação de que o bandido sempre é
mostrado de perto, segundo a fala de Lisbela, é uma leitura técnica da utilização
do primeiríssimo plano, cujas propriedades se tornam eficazes na demonstração
da expressão e dos sentimentos do personagem.
69
ao Steve-Monstro. Até que a mocinha dá o antídoto pra o Dr. Steve e corta para
Lisbela arrancando a máscara do gorila e vendo Leleu)
LISBELA
Eu sabia que era truque!
LELEU
E a melhor parte foi sumir com todo mundo.
LISBELA
E como é que faz a transformação?
LELEU (Vai demonstrando a transformação, fazendo Lisbela virar gorila, conforme
vai explicando)
Eu vou lhe mostrar. Fique desse lado que está iluminado que eu fico aqui no
escuro de forma que primeiro só se vê a senhora. Conforme eu vou apagando a
luz do seu lado eu vou aumentando a luz no macaco e um jogo de espelhos vai
projetando minha imagem por cima da sua de maneira que parece que a senhora
está se transformando em gorila.
70
Com essa abordagem, verificamos que a metalinguagem do recurso
aplicado em Lisbela e o Prisioneiro é, em sua mais pura essência, a da trucagem
cinematográfica, pois fica bem clara a intenção do diretor em reproduzir o truque
de forma bem rudimentar, e com o objetivo único e exclusivo de explicitar o
recurso utilizado para iludir o espectador, o que o diferencia da classificação de
efeitos especiais.
Luz do cinema acende, Lisbela e Douglas vão saindo. Lisbela mais uma vez
imagina como o herói se sairá dessa.
LISBELA
Amanhã vai começar a melhor parte, quando o mocinho encontra a mocinha.
DOUGLAS (Sorrindo)
Como é que você sabe?
LISBELA
Por que já mostrou o mocinho, já mostrou a mocinha, chegou a hora de mostrar os
dois juntos.
71
formas de construção da obra, seguindo as intenções de Guel Arraes, ou seja, ela
funciona como uma espécie de narrador personagem (intradiegético) da obra. A
personagem narra os acontecimentos que acontecerão em um futuro próximo, e
participa deles ao mesmo tempo em que vão acontecendo.
36
EIKMEIER, Martin. Trilha Sonora. A Música como Elemento de Sintaxe do Discurso Narrativo no Cinema – Estudo de
Caso: “Amadeus”. Dissertação (Mestrado em Multimeios) - Universidade Estadual de Campinas, 2004, p. 59.
72
também ela possui a propriedade de antecipar as falas e penetrar na mente dos
personagens, como nos sugere o roteiro da obra fílmica:
73
Verificamos, com isso, que tanto o que tange à estrutura narrativa como às
características técnicas da produção cinematográfica receberam atenção especial
do diretor e de sua equipe com a finalidade de explicitar as diversas formas de
manipulação, e os diversos recursos técnicos que podem ser utilizados para
realização da obra. Através de elementos metalingüísticos, Guel Arraes torna
claras as suas intenções e fornece autonomia para a personagem Lisbela explorar
o universo audiovisual.
Devemos nos ater ao fato de que a obra em questão tra ta-se de uma
adaptação do título original de Osman Lins, porém os estudos realizados até o
presente momento desta dissertação (capítulo 1 e capítulo 2) são referentes ao
conteúdo da obra adaptada e direcionada ao cinema, pois os elementos sonoros,
imagéticos e metalingüísticos, conforme analisados, são pertinentes à obra fílmica,
não tendo qualquer aplicabilidade à obra original.
74
3 - TRANSMUTAÇÃO: DO
VERBAL AO AUDIOVISUAL
75
1 - A tradução intralingual ou reformulação (rewording) consiste na
interpretação dos signos verbais por meio de outros signos da
mesma língua.
2 - A tradução interlingual ou tradução propriamente dita consiste na
interpretação dos signos verbais por meio de alguma outra língua.
3 - A tradução intersemiótica ou transmutação consiste na
interpretação dos signos verbais por meio de sistemas de signos
não-verbais.37
37
JAKOBSON, Roman. Lingüística e Comunicação. 1969, p. 64-65
76
procedimento, como The Androids Dream of Electric Sheep?, do americano Phillip
K. Dick, e que ficou mais conhecido em sua versão fílmica como Blade Runner,
lançado comercialmente em 1982 e relançado em 1991 numa versão chamada de
“versão do diretor”; Chocolate, de Joanne Harris, adaptado por Lasse Hallström; e
o grande sucesso dos últimos anos, a trilogia de O Senhor dos Anéis, adaptado
por Peter Jackson do livro escrito por J. R. R. Tolkien. 38
38
As adaptações citadas, foram discutidas e analisadas durante o programa de mestrado na
Universidade Paulista, junto a disciplina: Transformações da linguagem audiovisual, lecionas pela
orientadora desta dissertação e Profa. Dra. Anna Maria Balogh.
77
tendências antagônicas, atingindo sua plenitude nesse
39
compromisso e nessa instabilidade.
39
Op. Cit. p. 77
40
PAZ, Octávio. 1971
78
avaliado por Jakobson, a poesia é intraduzível. Se enfocarmos nossas análises
nos estudos desenvolvidos por Anna Maria Balogh, teremos a oportunidade de
verificar que:
Observamos, com isso, que parte dos textos originais utilizados nos
processos de transmutação serve como alicerce para o decorrer das tramas e a
estruturação das narrativas adaptadas, não se aplicando na íntegra, pois, antes de
qualquer influência, a obra cinematográfica deve preservar suas características e
autonomia fílmica. O conteúdo transposto deve ser visto em primeiro lugar como
uma unidade autônoma e única, devido à peculiaridade de cada suporte e às
propriedades inerentes a cada formato textual.
79
outro. Não um romance filmado ou uma peça de teatro filmada. São
duas formas diferentes. Uma maçã e uma laranja.
Quando você adapta um romance, peça de teatro, artigo ou mesmo
uma canção para roteiro, você está trocando uma pela outra. Está
escrevendo um roteiro baseado em outro material. 42
Com isso, verificamos que caso a obra adaptada não mantenha sua
autonomia fílmica, estamos diante de um produto extremamente fiel à obra de
partida, o que levou Balogh a classificar esse procedimento de literalização nas
adaptações como “tradução servil” ou “meramente ilustrativa”.
42
FIELD, Syd. Manual do Roteiro. 1982, p. 174
43
Op. Cit. p. 52
80
3.3 - OBRA DE SAÍDA X OBRA DE CHEGADA
44
BALOGH, Anna Maria. O Discurso Ficcional na TV. 2002, p.25
81
consagradas da literatura e mitologia, para criar obras direcionadas às grandes
massas. Convém notar que a ampla difusão gerada pelo cinema e TV está
mesclando parte das produções culturais já desenvolvidas e causando fusão entre
cultura erudita (culta) e cultura popular, da mesma forma que é preciso constatar
que essa mesma indústria cultural tornou bem mais fluidas as fronteiras existentes
entre as artes, inaugurando o que pode ser chamado de trânsito de informações,
conforme observado por Lucia Santaella. Esse trânsito, na verdade, torna-se tão
fluido que não se interrompe dentro da esfera específica dos meios de massa,
mas avança pelas camadas culturais outrora chamadas de eruditas e populares.45
Diante de toda essa mescla, na qual grande parte do público receptor perde
o referencial de qual obra é a de partida e qual é a adaptada, seguiremos o
modelo de Mounin de obra de partida e obra de chegada, em que teremos
respectivamente como alvo de nossas análises o primeiro sendo o roteiro literário
e teatral de Osman Lins e o segundo, o filme dirigido por Guel Arraes.
45
SANTAELLA, Lúcia. Mídia, Cultura e Comunicação. 2002, p.49
46
Op. Cit. p.55
82
A relação intertextual entre o roteiro original e a obra adaptada de Lisbela e
o Prisioneiro se define logo no início das primeiras cenas, nas quais se explicita tal
condição.
47
BALOGH, Anna Maria. Conjunções, Disjunções e Transmutações – Da Literatura ao Cinema e à TV. 2005, p. 54.
83
3.5 - ANÁLISE DAS ESTRUTURAS
48
FIORIN, José Luiz. Elementos de Análise do Discurso. 2005, p. 15-16.
84
narrativas constituídas com menos elementos até mesmo outras com maior
número de manipulações e intensidade.
85
A sintaxe dos diversos patamares do percurso tem também um caráter
conceptual, o que significa que cada combinatória de formas produz um
determinado sentido. A distinção entre sintaxe e semântica não decorre do fato de
que uma seja significativa e a outra não, mas de que a sintaxe é mais autônoma
do que a semântica, na medida em que uma mesma relação sintática pode
receber uma variedade imensa de investimentos semânticos. 49
49
FIORIN, José Luiz. Elementos de Análise do Discurso. 2005, p. 21.
50
Id. Ibidem.
86
apresenta -se na forma de Leléu ganhar o amor de Lisbela versus Leléu perder o
amor de Lisbela. Também foram observadas oposições semânticas nas formas
de: liberdade x prisão e felicidade x infelicidade.
LISBELA
Leléu, vou pedir para meu pai.
LELÉU
O quê?
LISBELA
Para falar com o juiz. O juiz pode mandar você para o Recife, para a detenção.
LELÉU
Não.
LISBELA
Lá você ficará seguro.
51
Op. Cit. p.23
87
LELÉU
Não quero.
LISBELA
Deixe eu falar com meu pai. Ele detesta-o, gostará de ver-se livre de você.
LELÉU
Quero ficar aqui, dê no que der.
LISBELA
Por que isso?
LELÉU
Não quero ficar longe da senhora. A senhora é minha paz, dona Lisbela. Tudo isso
que a senhora me diz não vale nada. O que vale é que a senhora está aqui.
LISBELA
Você sabe que eu estou para casar. Não deve falar desse modo.
LELÉU
A senhora não é noiva no seu coração. Só é noiva na mão e na palavra.
LISBELA
Pois é, eu dei minha palavra e minha mão.
LELÉU
E assim tem sido a minha vida, sempre me perdendo atrás do que é bonito.
LISBELA
E vai terminar trancado numa prisão.
LELÉU
Hoje eu tô vendo o sol quadrado. Mas a vida é minha mãe. Ainda vou viver junto
da senhora.
LISBELA
A gente nunca vai se encontrar. Você está preso na cadeia e eu no casamento.
LELÉU
88
A senhora não é noiva no seu coração. Só é noiva na mão e na palavra.
LISBELA
Pois é, eu dei minha palavra e minha mão.
LELÉU
Eu vou arrumar um modo de fugir daqui e é daqui há pouco. A senhora vai saber
logo, que a coisa vai dar uma complicação doida.
LISBELA
Mas eu não posso fugir do meu casamento.
LELÉU
A senhora não é noiva no seu coração. Só é noiva na mão e na palavra.
LISBELA
Pois é, eu dei minha palavra e minha mão. Você vai ter que me esquecer Leléu.
52
Op. Cit. p.23
89
Sendo assim, teremos em ambas as versões de Lisbela e o Prisioneiro o
seguinte esquema:
Euforia Disforia
Oposição Semântica
Ganho versus Perda
A
Afirmação de A Negação de A Afirmação de B
B
Afirmação de B Negação de B Afirmação de A
Nessa análise, tivemos que tomar o cuidado de não desviar o foco de nosso
estudo, em função das divergências na oposição semântica do termo “amor”, pois,
caso trabalhássemos a contrariedade de “amor versus ódio”, estaríamos
cometendo um grande equívoco em nossas análises. Definimos, dessa maneira,
que a forma mais apropriada de trabalharmos a contraditoriedade do nível
90
fundamental foi opor o “ganho do amor” e a “perda do amor de Lisbela”, mantendo
assim a fidelidade dos conteúdos.
53
Op. Cit. p. 28.
91
Sendo assim, observamos que o enunciado de estado inicial sugere uma
disjunção entre sujeito e objeto (Leléu e Lisbela), visto que os dois iniciam a
história separadamente. A partir do momento em que a narrativa vai se
desenvolvendo, surge o enunciado de fazer, no qual o personagem Leléu investe
na conquista do futuro amor, o que acaba por resultar em um novo enunciado de
estado, ou seja, a conjunção com o objeto de desejo – conquista do amor.
92
As quatro fases apontadas formam a seqüência narrativa canônica
que, unida a um sujeito e a um objeto, constitui o Programa
Narrativo (PN).
(BALOGH, 2005:58-59)
Obra Literária/Teatral
PN 1 PRINCIPAL (Amor) PN 2 (Vingança)
Sujeito – Leléu Sujeito – Leléu
Anti-sujeito – Douglas Anti-sujeito – Frederico
Objeto Valor – Lisbela Objeto Valor – Vingança
Obra Fílmica
PN 1 PRINCIPAL (Amor) PN 2 (Traição) PN 3 (Amor)
Sujeito – Leléu Sujeito – Leléu Sujeito – Lisbela
Anti-sujeito – Douglas Anti-sujeito – Frederico Anti-sujeito – Inaura
Objeto Valor – Lisbela Objeto Valor – Vingança Objeto Valor – Leléu
93
uma narrativa paralela no decorrer da trama e o PN 3 por se tratar de um
acréscimo existente na obra fílmica.
3.5.3.1 - MANIPULAÇÃO
54
BALOGH, Anna Maria. Conjunções, Disjunções e Transmutações – Da Literatura ao Cinema e à
TV. 2005, p. 70.
55
Op. Cit. p. 16.
94
conflito suficiente para manter o público, ou o leitor, interessado. A
história tem sempre que mover-se para adiante, na direção de sua
resolução.56
Manipulação PN Principal
Obra Literária/Teatral 58
LISBELA
Então, lhe prenderam de novo.
LELÉU
Me prenderam, dona, mas eu acho que valeu a pena. Só poder ver a senhora
outra vez.
LELÉU
...fiquei triste quando não lhe vi naquele dia. A senhora, no circo.
Tinha me batido tantas palmas!
LISBELA
56
FIELD. Op. Cit. p 16
57
BALOGH, Anna Maria. O Discurso Ficcional na TV. 2002, p. 63.
58
O trecho da obra literária foi extraído do livro: LINS, Osman. Lisbela e o Prisioneiro, p. 19-20.
95
Como é que você pode se lembrar de mim? Todo mundo bateu palmas.
LELÉU
Eu só via as da senhora, moça. Num domingo de tarde. A senhora estava na
segunda fila de cadeiras, de blusa branca e uma fita no cabelo. Eu vi.
Obra Fílmica59
LELÉU
O senhor conhece a filha do delegado?
CITONHO
Dona Lisbela?
LELÉU
Eu sabia que aquela tinha “bela” no nome.
CITONHO
Não se anime não que ali o senhor não apanha nada.
LELÉU
Eu queria que o senhor levasse um recado pra ela.
CITONHO
Isso eu não posso fazer. O delegado é uma fera. E a menina é de família, ainda
por cima noiva.
LELÉU
Com um noivo daquele é até castigo. Deus dá rapadura a banguelo...
CITONHO
E o sujeitinho é metido a carioca. O cabra nasceu em Cabrobró mas só porque
passou um mês no Rio de Janeiro só fala cantando. Mas é rico e o tenente faz
gosto. Não enfie seu carro ali não que você atola.
LELÉU
Tem mais jeito não, já estou enganchado. Desde a hora que olhei pra ela
brilhando mais que as luzes do parque.
59
O trecho citado da obra fílmica foi extraído do roteiro fornecido pela TV Globo.
96
Em ambas as situações apresentadas, verificamos que na trajetória de
Leléu existe a automanipulação em função de um querer (querer o amor de
Lisbela), e o personagem é levado pelo desejo de conquistar seu objeto valor.
3.5.3.2 - COMPETÊNCIA
60
BALOGH, Anna Maria. O Discurso Ficcional na TV. 2002, p. 63.
97
O Programa Narrativo de Uso caracteriza-se pela função da aquisição da
competência do personagem no decorrer da trama, ou seja, o espectador da obra
é envolvido e praticamente participa do processo de preparo do personagem, o
qual, quase sempre, lhe contempla ao final da narrativa com uma apresentação
digna da superação que resultou no nível da competência desejado e,
conseqüentemente, a obtenção de seu objeto valor.
CITONHO
Tenente! Leléu é um rapaz tão bom!
TEN. GUEDES
É bom mas por causa dele nós dois estamos sendo processados. Ah, juiz
miserável!
CITONHO
O senhor disse por causa dele? Menas a verdade. Por causa, com licença da
palavra, de V. Sª., que foi o responsável por toda a confusão.
TEN. GUEDES
Citonho, olhe essa falta de prudência. Parece que está desregulado! Além de me
faltar com respeito, querendo defender aquele cafajeste.
CITONHO
Nada disso, Tenente. Continuo dizendo que é um rapaz muito bom.
98
TEN. GUEDES
Bom não sei. Mas com a folha de serviço que ele tem, um casamento no civil,
outro com padre, outro no anabatista, ou na igreja brasileira, outro não sei mais no
quê, fora os defloramentos, pelo menos deve ser gostoso. (Riem, menos Testa-
Seca)
TESTA-SECA
Oito. Oito donzelas ferradas, por esse Brasil velho de guerra. Ele não contou, mas
a gente soube. Oito, e eu nunca tive uma. Mundo mal dividido.
EDITH – uma das mulheres da feira, já vem pagando pra Leléu/Mané Gostoso que
está ali pelo seu ponto.
EDITH
Você tem diploma de salafrário, não é?
LELÉU
Tenho mas é falsificado.
EDITH
Gaiato. (Devolvendo o vidro do remédio) Sua garrafada não serviu pra nada, viu?
Dei o frasco todo e meu marido continua lá derrubado.
LELÉU/MANÉ GOSTOSO
É que pra marido tem que ser mais concentrado. E o seu remédio eu misturei com
água pra ter o gosto de lhe ver de novo.
EDITH
E como é que fica meu prejuízo?
LELÉU/MANÉ GOSTOSO (Ele joga o vidro numa caixa vazia)
A senhora quer o seu dinheiro de volta ou a satisfação garantida?
EDITH
Deixe de intimidade, e eu lhe conheço?
99
LELÉU/MANÉ GOSTOSO
Manoel Felício, mais conhecido como Mané Gostoso. E eu não ganhei esse
apelido de graça...
EDITH
Por que é que todo propagandista é mentiroso?
LELÉU/MANÉ GOSTOSO
Eu não. Prometo lhe indenizar pelo dinheiro gasto, pelo tempo desperdiçado e
pelas esperanças perdidas.
Ela vai cedendo.
EDITH
Se depender do seu xarope...
LELÉU/MANÉ GOSTOSO
E eu lá preciso disso. O elixir melhor que tem é a senhora, dona...
3.5.3.3 - PERFORMANCE
100
seu livro Manual do Roteiro, nomeia a performance como ponto de virada ou plot
point, e define esse conceito como o ponto incoativo para a seqüência da trama,
na qual as ações transformadoras/plot points servirão para mover cuidadosamente
a história adiante.
LELÉU (OFF)
Ô coisa linda. E eu fico pensando que nasci pra isso: pra viver uma coisa bem
grande como essa. E eu sei que ela também sentiu: conheço aquele sangue,
aquele jeito de olhar. O negócio é eu conseguir falar com ela de novo e tudo vai
dar certo. Chego de mansinho e me apresento...
101
LELÉU
E eu nunca que vou me esquecer da senhora de vestido azul e com essa fitinha
azul no cabelo.
Entrega a fita pra ela.
LISBELA
Obrigada. Muito prazer, Lisbela.
LELÉU
Agora a senhora já me conhece e eu já conheço a senhora. Mas a gente ainda
não se conhece junto. Quem sabe vamos dar uma volta pra ficar se conhecendo?
LISBELA
Não posso. Eu estou esperando meu noivo para ver o filme.
LELÉU
A senhora tem vontade de ser a rtista de cinema?
LISBELA
Eu não sou nem americana para ser artista.
LELÉU
Oxe! E a senhora nunca ouviu falar em artista nacional, não, é?
LISBELA
Ah, mas aqui no Brasil ninguém tem coragem de fazer as estripolias todas que
eles fazem.
LELÉU
No cinema é fácil. É cheio de truque. Quero ver é esses cabras terem coragem de
pegar uma briga de faca, enfrentar um boi brabo, topar com uma onça no mato ou
botar polícia pra correr.
LISBELA
Mas história de amor bonita mesmo é no cinema.
LELÉU
Pois aposto que a nossa pode ser bem melhor.
LISBELA
Deixa de ser besta. Eu sou noiva. Não lhe dei essa ousadia.
LELÉU
102
A senhora é doce como as chuvas de caju que caem de repente no calor mais
duro de novembro. Linda como o vento num pasto bem grande. Dona Lisbela, a
senhora para mim é a bandeira brasileira. Uma bandeira bem grande. Leléu
Antônio da Anunciação é o mastro para senhora.
E eles se beijam.
103
Por que eu tinha de ir. Não podia não ir. Fui com glória! Eu fui feito um andador,
na frente da procissão.
DR. NOÊMIO
Você está variando. Isso é uma profanação.
LISBELA
Fui com banda de música. Quando vi aquele passarinho na gaiola... Pensei que
minha vida, se eu ficasse, ia ser assim, vida de triste, de quem desejou, de quem
quis de corpo e alma e, mesmo assim, não fez. Aí, eu fui. Fui e vou toda vez que
ele me chame. Não precisa nem que ele me fale. Nem que me olhe. Basta estalar
os dedos. Vou feito cão. Mas coroada, vocês me compreendem? Feito uma
rainha.
Obra fílmica
TENENTE
Como é que você teve coragem de renegar seu casamento?
LISBELA
Eu fui por que tinha que ir. Não podia ficar. Pensei que minha vida inteira, se eu
ficasse, ia ser assim, vida de tristeza, de quem desejou, de quem quis de corpo e
alma, e mesmo assim não fez. Aí eu fui, vocês me entendem? Fui e vou toda vez
que ele me chame. Vou feito um cão. Mas coroada, como uma rainha! Vou feito
um andador na frente da procissão.
104
A última fase é a sanção. Nela ocorre a constatação de que a
performance se realizou e, por conseguinte, o reconhecimento do
sujeito que operou a transformação.61
61
FIORIN, Luiz. Elementos de Análise do Discurso. 2005, p.31
105
O nível discursivo opera sobre os mesmos elementos que a análise
narrativa, porém, retom a aspectos que naquela foram deixados de
lado tais como a cobertura figurativa de conteúdos narrativos, os
temas, mecanismos de delegação do saber, modos de organização
dos atores, da espacialidade e da temporalidade etc.62
3.5.4.1 - TEMA
106
nível narrativo, a situação de oposição dos termos que constituem Lisbela e o
Prisioneiro ganha um investimento semântico, sendo ele: ganho do amor versus
perda do amor, direcionando -nos conseqüentemente ao tema das obras
estudadas. Tanto a obra literária/teatral quanto a obra fílmica possuem a mesma
temática, preservando-se as características e o gênero melodramático do título em
questão.
64
GREIMAS, A. Julien. Sémantique Structurale. 1966, p. 181
107
e da vingança, veremos que este segundo programa narrativo contextualiza-se no
padrão do ódio e desejo de vingança, conforme sugerido pelo autor.
3.5.4.2 - TEMPORALIZAÇÃO
65
BALOGH, Anna Maria. O Discurso Ficcional na TV. 2002, p.74
108
Outro ponto disjuntivo na temporalidade existente entre a obra de saída e a
obra de chegada diz respeito à seqüência que constitui a narrativa, pois
observamos uma ordem temporal mais concisa e linear no texto literário/teatral,
sendo essa seqüência quebrada e explorada de formas alternadas na produção
cinematográfica, o que demonstra que, embora a narrativa seja a mesma, no nível
discursivo as ordens e formas de expor tais conteúdos são relativizadas em
função das propriedades e especificidades pertinentes a cada suporte.
109
acabaram descartadas no produto finalizado, assim como algumas cenas
excluídas da obra.
3.5.4.3 - ESPACIALIZAÇÃO
110
esse é o ambiente explorado na obra. Porém, na produção cinematográfica, Leléu
é retratado seguidamente em planos e cenários abertos, demonstrando, dessa
maneira, o estilo de vida livre e aventureiro do moço – é dada maior ênfase à
figura da liberdade do respectivo personagem.
111
passa a ser apresentada sem a supervisão do pai ou namorado, iniciando suas
aparições com enquadramentos, planos e espaços abertos.
3.5.4.4 - ACTORIALIZAÇÃO
112
Visto isso, apresentaremos os personagens que constituem a obra Lisbela
e o Prisioneiro, apontando consecutiva mente as conjunções e disjunções
existentes entre a obra original e a obra transmutada. Segue abaixo a
apresentação dos personagens dividida por obra.
113
personagens da obra literária acabarem incorporadas em um único personagem
da obra adaptada, demonstrando certa economia no que tange à constituição da
obra cinematográfica, como nos sugere o quadro abaixo.
Lisbela Filha do Tenente Guedes Lisbela Moça dócil e apaixonada, aficionada a cinema
Na obra filmica dirigida por Guel Arraes, Lisbela ganha maior peso
dramático e praticamente uma vida nova, apresentando-se no decorrer da obra de
forma muito mais expressiva e, conseqüentemente, fazendo jus ao título de
Lisbela e o Prisioneiro , pois, no caso contrário, fica até mesmo questionável a
relação entre título e personagem.
114
4 - INTERTEXTUALIDADE E
TRANSMUTAÇÃO
Um dos motivos que nos levou a tecer estudos sobre a obra Lisbela e o
Prisioneiro foi justamente a questão de ser uma obra consolidada como sucesso
de crítica e bilheteria no ano de 2003, recebendo premiações diversas e críticas
das mais variadas formas possíveis. Porém, alg umas críticas mencionando a falta
de criatividade do cinema nacional, que por esse motivo transpõe conteúdos
literários para as telonas, acabaram nos chamando a atenção de forma especial.
115
principalmente ao elenco dos filmes, que nas duas apresentações é formado por
Selton Mello, Bruno Garcia, Marco Nanini e Aramis Trindade.
116
Osman Lins, pernambucano nascido na cidade de Vitória de Santo Antão,
iniciou sua carreira literária quando escre veu Os Gestos (1957) e O Fiel e a Pedra
(1961), Nove Novena (1966), Avalovara (1973) e Rainha dos Cárceres da Grécia
(1976), em que teve a possibilidade de demonstrar pleno domínio das palavras,
técnicas e estilo literário. Os personagens criados em suas produções literárias
sempre foram apresentados de forma riquíssima em suas características e
potencialidades narrativas, variando desde velhos, doentes, crianças, até
mulheres em situações prosaicas da vida. 66
66
LINS, Osman. Lisbela e o Prisioneiro, Posfácio, p. 112.
117
Lisbela e o Prisioneiro é o fruto de um meticuloso trabalho
preparatório, pois Osman Lins já tinha obtido menção honrosa no I
Concurso Nacional da Companhia Tônia, Celi, Autran, com a peça
O vale do sol, em 1958. Insatisfeito com sua incursão como
dramaturgo, considerando-a deficiente, matricula-se neste mesmo
ano no curso de Dramaturgia da Escola de Belas Artes de Recife,
onde vem a ser aluno de Joel Pontes, de Hermilo Borba Filho e de
Ariano Suassuna. Numa entrevista, Osman Lins mencionara este
último como professor da disciplina de play-writer, que teria exercido
uma possível influência sobre ele no que diz respeito às normas de
composição de Lisbela e o Prisioneiro. 67
67
NITRINI, Sandra. Lisbela e o Prisioneiro, 2003, p. 113
118
trabalho de transformações e de assimilação de vários textos
operando por um texto centralizador que detém a liderança do
sentido. 68
68
Balogh. Mídia, Cultura e Comunicação. 2002, p. 79
69
BALOGH, Anna. A criação Intertextual nos processos mediáticos. Significação – Revista
Brasileira de semiótica. São Paulo (18): 28 – 30.
119
garçonete chamada Cecília (Mia Farrow), que sustenta o marido violento e
alcoólatra durante a depressão do pós-guerra americano.
A moça foge da sua triste rotina de vida, assistindo filmes exibidos em uma
sala de cinema, até que em um determinado momento, o herói do filme que
Cecília presencia, rompe os limites da tela e se declara a ela, gerando tumulto nos
outros atores e na continuidade da trama.
120
Nas imagens apresentadas, vemos praticamente a mesma composição e
significado das cenas, nas quais os personagens da montagem paralela
gesticulam, conversam e interagem com os personagens da narrativa principal, ou
seja, é um acréscimo existente na obra transmutada de Guel Arraes, que retoma
as mesmas características do filme dirigido por Woody Allen.
121
Direcionando nossas análises por uma outra ótica, veremos que a própria
utilização da musica na obra transmutada, é definida como elemento intertextual
do filme, visto que praticamente todas as trilhas executadas durante o percurso
audiovisual, são adaptações de pérolas do cancioneiro popular das décadas de 60
e 70, as quais foram regravadas com novos e sofisticados arranjos.
122
A característica de Guel Arraes em mesclar o exercício da produção
audiovisual, a elementos pertinentes a outros suportes, já é conhecido desde o
inicio de seu percurso profissional na rede Globo de televisão, conforme já
analisado por Balogh:
123
que caracterizaram o cinema de “Nouvelle Vague” francesa, nos
anos 60, sobretudo a cinematografia de Jean Luc Godard.70
70
BALOGH. A criação Intertextual nos processos mediáticos . Significação – Revista Brasileira de
semiótica. São Paulo (18): 33
124
tornando difícil até mesmo o discernimento de quais são as fontes de saída e de
chegada frente a essa enorme gama de possibilidades.
125
5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
126
melhor aproveitamento dos recursos imagéticos, resulta em enquadramentos,
movimentos de câmera, planos, velocidade dos cortes e fragmentação do
conteúdo, muito próximos aos praticados nas novelas e seriados da TV brasileira,
mais especificamente, da rede Globo de Televisão.
127
justificando dessa maneira não somente o título da adaptação, mas também
grande fidelidade na transposição do conteúdo.
71
BALOGH, Anna Maria. Conjunções, Disjunções e Transmutações – Da Literatura ao Cinema e à
TV. 2005, p. 51
128
que embora a narrativa permaneça com boa parte de sua estrutura inalterada, é o
plano de expressão quem dita grande parte das disjunções em função das
propriedades inerentes a cada suporte.
129
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BALOGH, Anna Maria. O discurso ficcional na TV. São Paulo, Edusp, 2002.
1976.
130
FERRÉS, Joan. Funções do vídeo no ensino. In: Vídeo e Educação . Porto Alegre,
Paulo:Rocco, 1995.
Universitária, 1984.
131
XAVIER, Ismail. A experiência do Cinema. Rio de Janeiro, editora Graal, 1983.
132
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )