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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Maria José Nélo

Discursos do risível e do riso numa visão socio-cognitiva

DOUTORADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

SÃO PAULO

2011
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Maria José Nélo

Discursos do risível e do riso numa visão socio-cognitiva

DOUTORADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

Tese apresentada à Banca Examinadora da


Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como requisito parcial para obtenção
do título de Doutor em Língua Portuguesa,
sob a orientação da Profª Drª Regina Célia
Pagliuchi da Silveira.

São Paulo

2011
Banca Examinadora

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In Memoriam:

Maria Cilene Nélo Cachina, minha irmã mais velha que a


partiu de forma inesperada e sem adeus.

Gabriel Nélo de Oliveira, meu pai que vive em meu coração.

Delfina Gomes Crisanto e Julieta Crisanto, minhas tias que


partiram sem adeus.

A saudade que sinto por todos é tão grande que os faz


presentes. Todos vivem em meu coração e viver no coração
dos que ficam não é partir.
À Profª Drª Regina Célia Pagliuchi da Silveira

Meu muito obrigada, pois “o valor das coisas não está no


tempo que elas duram, mas na intensidade com que
acontecem. Por isso, existem momentos inesquecíveis, coisas
inexplicáveis e pessoas incomparáveis”.
AGRADECIMENTOS

Observo a grandeza de Deus nos pequenos corpúsculos, nas galáxias, na


criação dos seres e de fazeres. Com toda minha religiosidade agradeço a Deus
por todas as coisas. Assim, curvo-me perante sua Gloriosa Força para agradecer
mais um grau atingido.

Ao Programa de Estudos Pós-Graduação em Língua Portuguesa da


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, e aos professores, pela partilha e
compartilhamento de conhecimentos. Meu especial agradecimento à secretária
Maria de Lourdes Scaglione.

A meus pais, irmãos e irmãs pela força, pelas orações, pelos estímulos que,
mesmo distantes e no anonimato, acompanham meus passos. Incluo neste rol
meus amigos e amigas de caminhadas que, ausentes ou presentes, contribuíram
para alicerçar a compreensão dos sucessos e dos desencantos de minha
jornada.

Aos colegas do Departamento de Letras da UEMA, pelo apoio ao meu


afastamento, bem como aos da Secretária de Estado da Educação. Aos colegas
do NUPPLE-IP/PUC, em especial, à Regina Sellan, Deborah, Maria do Carmo
Ribeiro, Viviane Gama, Siomara, Milton, Rodrigo, Adriana mineira, Aninha,
Dulcelita, Nilza, entre outros, que acompanharam a conclusão desta tese e
demonstraram preocupações com o desenvolvimento do trabalho mediante as
fragilidades familiares. Obrigada a todos aqueles que não foram citados, mas
que, direta ou indiretamente, garantiram, por meio de idéias, colaborações e
apoio, a consecução deste trabalho.

Às queridas Benê e Zelinda pelos cafezinhos nos finais de tarde, quando


meus pensamentos necessitavam ser re-ativados.

À CAPES pelo apoio financeiro.


Às Professores Drª Josênia Antunes Vieira (UnB) e Drª Ana Rosa Ferreira
Dias (PUC/SP), componentes da banca de qualificação, pelas valiosas
sugestões, bem como agradeço, por antecipação, aos componentes da banca
examinadora, que terão o trabalho de ler e outros de reler esta tese. À Drª Jeni
Silva Turazza por sua contribuição na vida acadêmica.

A todos,

Muito obrigada!
NÉLO, Maria José. Discursos do risível e do riso numa visão socio-cognitiva.
2011. 187f. Tese (doutorado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

RESUMO: Esta tese tem por objetivo geral contribuir com os estudos do risível e
do riso tanto em texto verbais, quanto os expressos por outras semióticas além
dos multimodais; e, por objetivos específicos: 1) verificar se o risível é um gênero
discursivo ou textual; 2) identificar as funções e as ações praticadas pelo locutor
e pelo interlocutor, enquanto participantes de um contexto discursivo; 3)
examinar as estratégias argumentativas utilizadas pelo locutor que, ao objetivar o
riso de seu interlocutor, leva-o a aceitar uma opinião nova; e, 4) investigar a
intersecção dos intertextos e interdiscursos na produção do risível e do riso. Ao
considerar que o riso e o risível têm sido tratados na uni e interdisciplinaridade,
esta tese situa tanto o riso quanto o risível na intersecção de intertextos e
interdiscursos, numa visão integradora, visto que é fundamental tratá-los por uma
visão multidisciplinar, tendo por transdisciplinaridade as ciências da cognição.
Assim, optou-se por um modelo integrador de forma a tratar de aspectos:
enunciativos, textuais, discursivos, históricos, interacionais, anatômico-
fisiológicos e culturais. Nesse sentido, a pesquisa adotou os seguintes
procedimentos metodológicos: 1) procedimento teórico-analítico: revisão teórica
dos diferentes tratamentos sobre o risível e o riso, e outros estudos relativos a
texto e discurso, com o ponto de vista socio-interacional; 2) seleção dos corpora,
o material selecionado para análise é composto de chistes, histórias, crônicas do
cotidiano e charges jornalísticas. Os resultados indicam que os intertextos e os
interdiscursos compõem as ações que integram o ato ilocucional de provocar o
riso com o ato perlocucional de quem ri.
Palavras-chave: 1) texto e discurso; 2) cognições sociais; 3) riso e risível.
ABSTRACT: This thesis aims 1) generally – at contributing studies on the
laughable and laughter both in verbal texts and texts expressed by semiotic
means other than the multimodal ones; and, 2) more specifically – at examining
whether the laughable is a discursive or textual genre; at identifying the functions
and actions performed by the speaker and interlocutor as participants of a
discursive context; at evaluating the argumentative strategies used by the
speaker, who, intending to secure the interlocutor’s laughter causes him/her to
accept a new opinion; at investigating the intersection of the intertexts and
interdiscourses in the production of the laughable and laughter. In considering
that both laughter and the laughable have been dealt with in uni and
interdisciplinarity, this thesis places both laughter and the laughable in the
intersection of intertexts and interdiscourses, forming an integrative view, once it
is crucial to tackle them by a muldisciplinary view, viewing the cognitive sciences
as transdisciplinarity. Thus, an integrative model was chosen, so as to discuss
enunciative, textual, discursive, historic, interactional, anatomical/physiological
and cultural aspects.In this sense, this research has adopted the following
methodological procedures: 1) theoretical/analytical procedure: theoretical review
of the different treatments given to laughter and the laughable, besides other
studies concerning text and discourse, with socio-interactional point of view; 2)
selection of the corpora; the material selected for the analysis comprises jokes,
stories, chronicles of daily life and editorial cartoons. The findings suggest that
intertexts and interdiscourses form the actions which integrate the illocutionary act
provoking laughter with the perlocutionary act of the one who laughs.

Keywords: 1. text and discourse; 2) social cognition; 3. laughter and laughable.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 14
CAPÍTULO I
O RISO E O RISÍVEL .............................................................................................. 20
1.1 Diferentes tratamentos dados ao riso: pontos de partida .................................. 20
1.1.1 Tratamento anatômico e fisiológico do riso .................................................... 20
1.1.2 Tratamento filosófico dado ao riso ................................................................. 22
1.1.3 Tratamento linguístico dado ao riso ................................................................ 24
1.1.4 Tratamento histórico-cultural dado ao riso ...................................................... 26
1.1.5 Tratamento narrativo dado ao riso .................................................................. 26
1.1.6 Tratamento antropológico dado ao sorriso e ao riso ..................................... 30
1.1.7 Tratamento socio-político dado ao riso ........................................................... 30
1.2 Risível e riso por uma visão integradora: a proposta desta tese ....................... 31
1.2.1 Risível: um gênero discursivo ......................................................................... 35
1.2.2 Práticas sociais discursivas ............................................................................ 36
1.2.3 Contexto discursivo ........................................................................................ 38
1.2.4 Macroatos de fala ........................................................................................... 39
1.2.5 Fatos sociais e históricos ................................................................................ 41
1.2.6 Contexto cognitivo .......................................................................................... 42
1.2.7 Esquemas mentais: scripts e frames .............................................................. 43
1.2.8 Associação e dissociação .............................................................................. 45
1.2.9 Focalização e similitude .................................................................................. 47
1.2.10 Cognições sociais: cultura e ideologia .......................................................... 49
1.2.11 Inferência ostensiva e relevância ................................................................. 50
CAPÍTULO II
CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS EM REVISÃO ........................................................ 54
2.1 Contribuições dadas pelas ciências da cognição .............................................. 54
2.1.1 Teoria de memórias por armazém .................................................................. 54
2.1.2 Unidade e diversidade: opinião e marco de cognições sociais ...................... 59
2.1.3 Contexto(s) ..................................................................................................... 62
2.1.4 Interacionismo simbólico e representações sociais ........................................ 63
2.2 Análise Crítica do Discurso ................................................................................ 68
2.2.1 Vertente socio-cognitiva da ACD .................................................................... 70
2.2.1.1. Categorias Sociedade, Cognição e Discurso ............................................. 75
2.2.2 Vertente semiótica social ................................................................................ 76
2.3 Mídia e escândalo............................................................................................... 80
2.4 Linguística textual e os esquemas textuais ....................................................... 82
2.4.1 Superestrutura ................................................................................................ 84
2.4.2 Referenciação ................................................................................................. 87
2.5 Teoria da enunciação ........................................................................................ 91
2.6 Análises textuais e discursivas .......................................................................... 95
CAPÍTULO III
O RISÍVEL E O RISO EM TEXTOS NARRATIVOS VERBAIS E MULTIMODAIS.. 108
3.1 Risível e riso em chistes .................................................................................... 108
3.1.1 Gênero discursivo do risível ............................................................................ 108
3.1.1.1 Chiste que envolve parentesco (genro X sogra) ........................................ 108
3.1.1.2 Chiste que envolve a vaidade feminina em idade avançada ....................... 114
3.2 Histórias ............................................................................................................. 120
3.2.1 Gênero discursivo do risível em histórias ....................................................... 120
3.2.1.1 História com mais de um episódio ............................................................... 121
3.2.1.2 História com um episódio ............................................................................. 128
3.3 Crônicas do cotidiano ........................................................................................ 134
3.3.1 Gênero discursivo do risível em crônicas do cotidiano ................................... 135
3.3.1.1 Crônica do cotidiano entre grupos sociais em conflitos: texto 5 .................. 135
3.3.1.2 Crônica do cotidiano entre grupos sociais em conflitos: texto 6................... 142
3.4. Charges jornalísticas ........................................................................................ 150
3.4.1 Gênero discursivo do risível em texto multimodal .......................................... 150
3.4.1.1 Charge Sarney santificado ........................................................................... 150
3.4.1.2 Charge da chegada do homem à lua .......................................................... 157
3.5 Resultados obtidos ............................................................................................ 164
3.5.1 Macroatos de fala (provocar o riso e rir) ......................................................... 164
3.5.2 Ações do provocador do riso são: selecionar dois fatos, sendo que cada
qual se apresenta no texto como uma isotopia ....................................................... 164
3.5.3 Associação e dissociação são articuladas pelo dado com o novo.................. 165
3.5.4 Ato de associar ............................................................................................... 165
3.5.5 Ações daquele que ri ...................................................................................... 166
3.6 Visualização em gráfico proposto por Adam ..................................................... 166
CONCLUSÕES ........................................................................................................ 169
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 175
LISTA DE ESQUEMAS

Esquema 1..................................................................................................................... 84

Esquema 2..................................................................................................................... 85

Esquema 3..................................................................................................................... 86

Esquema 4..................................................................................................................... 96

Esquema 5................................................................................................................... 102

Esquema 6................................................................................................................... 103

Esquema 7................................................................................................................... 111

Esquema 8................................................................................................................... 116

Esquema 9................................................................................................................... 124

Esquema 10................................................................................................................. 131

Esquema 11................................................................................................................. 138

Esquema 12................................................................................................................. 146

Esquema 13................................................................................................................. 154

Esquema 14................................................................................................................. 160

Esquema 15................................................................................................................. 167

LISTA DE FIGURAS

Figura 01 Charge Sarney santificado ........................................................................... 151

Figura 02 São Sebastião.............................................................................................. 151

Figura 03 Foto inédita da chegada do homem à lua..................................................... 158


Ridendo castigat mores

“Pelo riso corrigem-se os costumes”

Provérbio Latino
INTRODUÇÃO

Esta tese está situada na linha de pesquisa Texto e Discurso nas


modalidades oral e escrito, do Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua
Portuguesa da Pontifícia Universidade Católica - PUC/SP.

O riso e o risível têm sido objeto de estudos desde a antiguidade até nos
nossos dias. Todavia, os estudos realizados ou são unidisciplinares ou
interdisciplinares. Dependendo da focalização dada pelos autores, o riso recebe
diferentes tratamentos: anatômico e fisiológico, filosófico, linguístico, histórico-
cultural, narrativo, antropológico, retórico argumentativo, sócio-político.

O risível vem recebendo os mesmos tratamentos e seus estudos se


desenvolveram com a contribuição da psicologia cognitiva e comportamental.
Entende-se que o riso e o risível estão inter-relacionados com os macroatos de
fala: o ilocucional e o perlocucional.

Segundo Adam (2008), texto e discurso podem ser analisados de forma


integrada, desde que os níveis do texto e os níveis dos discursos se inter-
relacionem por objetivos e interesses que envolvem os atos de fala. Esta tese
está situada nesta inter-relação e trata da produção do risível e da produção do
riso. A tese defendida tem uma visão integradora de tratamentos e, portanto,
multidisciplinar, tendo como transdisciplinaridade as ciências da cognição.

Nessa perspectiva, o discurso é visto como uma prática social que se define
por um esquema mental constituído pelos papéis representados por seus
participantes, suas funções e ações. O texto é visto com a expressão por
multimolidades semióticas, entre as quais está o verbal.

Numa acepção ampla, os estudiosos do humor localizam-no em uma área


do cérebro humano, onde estão situadas as emoções e a razão. O humor pode
ser visto, também, na interação social pela alegria/tristeza, bondade/maldade,

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inteligência/tolice, ironia/sinceridade, riso/choro. O humor risível é constitutivo de
grande complexidade e modifica-se nas relações sócio-históricas humanas.

Entende-se que o produtor do risível constrói, intencionalmente, plano de


ações para ser executado conjuntamente com o seu interlocutor. Este, sendo
conivente com o seu locutor, realiza uma série de ações. Para tanto, orienta-o,
argumentativamente, por intermédio de texto verbal, a fim de que o interlocutor
possa reconhecer a atração e a subversão isotópica, a partir de palavras
polissêmicas.

Tendo por pressuposto o posicionamento de Bazerman (2005), entende-se


que as pessoas, pelo uso de texto, não só organizam suas ações diárias, mas,
também, criam significações e fatos sociais num processo interativo tipificado
num sistema de atividade que encadeia significativamente as ações discursivas.
Para se entender um gênero discursivo é necessário compreender seu
funcionamento na sociedade, na sua relação com os indivíduos situados naquela
cultura e, também, suas instituições.

O riso é uma das expressões mais frequentes do brasileiro, enquanto o


risível decorre de um agente que tem por macroato de fala ilocucional,
<<provocar o riso>>. Dessa forma, o riso e o risível não só estão presentes,
como comandam as ações diárias das pessoas em suas interações quotidianas.

Ao considerar que o homem vem sendo definido como <<o animal que ri>>,
nesse sentido, o foco é projetado sobre o riso e situado no homem. Bergson
(1900, p. 2-3) discute essa definição e, segundo o autor,

“Não há comicidade fora do que é propriamente humano. Uma


paisagem poderá ser bela, graciosa, sublime, insignificante ou feia;
nunca será risível. Riremos de um animal, mas por termos
surpreendido nele uma atitude humana ou certa expressão humana.
Rimos de um chapéu; mas então não gracejando com o pedaço de
feltro ou de palha, mas com a forma que os homens lhe deram, com
o capricho humano que lhe serviu de molde, da fantasia humana
que ele assumiu. Como é possível que fato tão importante, em sua

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simplicidade, não tenha merecido atenção mais acurada dos
filósofos? Já se definiu o homem como “um animal que ri”. Poderiam
também ter sido definido como um animal que faz rir, pois, se outro
animal o conseguisse, ou algum objeto inanimado, seria por
semelhança com o homem, pela característica impressa pelo
homem ou pelo uso que o homem dele faz”.

Como se pode verificar, Bergson situa o risível no locutor, “naquele que faz
rir”. Com tal concepção, esta tese trata, portanto, do risível e do riso definindo o
macroato ilocucional do locutor como <<aquele que faz rir>> e o macroato
perlocucional do interlocutor como <<aquele que ri>>.

Todavia, nem sempre aquele que faz rir obtém o riso de seu interlocutor.
Também, muitas vezes, o locutor não tem a intenção de provocar o riso e isso
ocorre na face do interlocutor. Sendo assim, esta tese examina o macroato
ilocucional com o macro perlocucional, de forma que se obtenha o princípio da
felicidade proposto por Austin (1962).

Para orientar a pesquisa realizada tem-se por objetivo geral contribuir com
os estudos do risível e do riso tanto em texto verbais, quanto os expressos por
outras semióticas, além dos textos multimodais.

São objetivos específicos:

verificar se o risível é um gênero discursivo ou textual;

1)identificar as funções as ações praticadas pelo locutor e pelo interlocutor,


enquanto participantes de um contexto discursivo;

2)examinar as estratégias argumentativas utilizadas pelo locutor que ao


objetivar o riso de seu interlocutor, leva-o a aceitar uma opinião nova;

3)investigar a intersecção dos intertextos e interdiscursos na produção do


risível e do riso.
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A pesquisa seguiu os seguintes procedimentos metodológicos:

1 Procedimento teórico-analítico, com a revisão teórica dos diferentes


autores sobre o risível e o riso, e outros estudos relativos a texto e discurso, com
o ponto de vista socio-interacional;

2 Seleção dos corpora, o material selecionado para análise é composto de


chistes, historias, crônicas do cotidiano e charges jornalísticas.

Justifica-se essa seleção, pois se objetiva situar o risível e o riso na


intersecção de intertextos e interdiscursos. Por conseguinte, os textos
selecionados, no percurso dos últimos quatro anos, foram publicados em jornais,
revistas, livros e internet. Dos textos coletados, foram analisados um total de cem
(100), ou seja, vinte e cinco (25) de cada composição textual: chistes, histórias,
crônicas do cotidiano e charges jornalística. Nesta tese, a título de
exemplificação, são apresentados apenas oito (8) análises de textos, sendo dois
(2) de cada composição.

Esta tese está organizada em três capítulos, a saber:

Capítulo I – O RISO E O RISÍVEL - Este capítulo é composto por dois


tratamentos diferentes. O primeiro é designado tratamento isolado, pois refere-se
a uni ou interdisciplinaridade. Tal tratamento é considerado antítese para a tese
defendida.

O segundo tratamento, multidisciplinar, tendo por transdisciplinaridade as


ciências da cognição, é designado modelo integrador, de forma a tratar de
aspectos: enunciativos, textuais, discursivos, históricos, interacionais, anatômico-
fisiológicos e culturais.

Tanto a antítese quanto a tese são apresentadas com suas bases teóricas
a partir de estudos realizados sobre o risível e o riso.

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Capítulo II – CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS EM REVISÃO - Este capítulo
apresenta a revisão de outras contribuições teóricas que fundamentam a tese
defendida e, desse modo, trata de questões relativas ao texto, pela linguística
textual; aspectos da teoria da enunciação e análises textuais e discursivas, de
forma a integrar níveis do texto com níveis do discurso. As questões relativas ao
discurso referem-se às Analises do Discurso – as bases teóricas que
fundamentam a construção e a sustentação da tese defendida, ao considerar um
modelo integrador multidisciplinar ancorado.

Capítulo III – A CONSTRUÇÃO DO RISÍVEL A PRODUÇÃO DO RISO EM


TEXTOS VERBAIS E MULTIMODAIS - Apresentam-se, neste capítulo, as
análises do gênero discursivo risível, de forma a tratar de intertextos e
interdiscursos e das ações que integram o ato ilocucional de provocar o riso com
o ato de perlocucional de quem ri. As ações são ordenadas, por uma questão
metodológica, embora no processamento da informação elas sejam recursivas.

18
BOM ALUNO
- Joãozinho, o que você está estudando?
- Geografia mamãe.
- Muito bem! Então me responda: onde fica a Inglaterra?
- Deixa eu ver... Na página 83!

19
CAPÍTULO I

O RISO E O RISÍVEL:

uma questão socio-cognitivo-histórico cultural para o tratamento


linguístico de um gênero discursivo

Este capítulo apresenta uma síntese de diferentes tratamentos dados ao


risível. Apresenta, também, a tese aqui defendida. Esta, por um prisma
multidisciplinar, defende e resgata contribuições teóricas já consagradas situadas
nas ciências sociais, nas cognições, na retórica argumentativa e em focalização
de contextos históricos.

1.1 Diferentes tratamentos dados ao riso: pontos de partida

O riso e o risível já foram objeto de diferentes estudos realizados por


pontos de vistas distintos, logo, com tratamentos diferentes.

1.1.1 Tratamento anatômico e fisiológico do riso

Os primeiros estudos realizados sobre o risível apresentam um tratamento


voltado para aspectos anatômicos e fisiológicos, de forma a situar o risível como
decorrente de partes que compõem o corpo humano e/ou no funcionamento de
tais partes.

Na Antiguidade Clássica, Aristóteles (1956, cf. Alberti, 2002) refere-se ao


humor como resultado de substâncias líquidas existentes no corpo. Contavam-se
quatro tipos de substâncias para as manifestações de humores: sangue, bile
amarela, fleuma ou pituíta e bile negra ou atrabílis.

20
Com a contribuição recebida da filosofia, e de estudos sobre o teatro, o
tratamento anatômico e fisiológico do humor passa a ser relacionado às relações
no social.

Para os filósofos Platão e Aristóteles, o risível resultava do “bom”


funcionamento do organismo humano, podendo ser entendido como causas
atenuadoras dos efeitos do “mau” humor. Dessa forma, o foco do risível passa a
ser centrado no humor e em seus efeitos. Para esses filósofos, o humor decorria
da “essência” circulatória de um líquido que percorria o corpo humano, causando
um bem-estar fisiológico. Por esse prisma, as ocorrências do riso eram
estabelecidas nas reações orgânicas resultantes de situações sociais. Assim,
quando se pretendia tomar grandes decisões públicas, seja para amenizar
conflitos seja para esmaecer opiniões adversas, o riso era importante para se
obter o humor positivo, a fim de reduzir o mau humor.

Aristóteles afirma que o homem é “um animal que sabe rir” e que o riso
decorre da “essência” do organismo humano; por isso, o riso é um “enigma”, que
ocorre como fator atenuante de tomadas de decisões em situações difíceis ou
rígidas. Para o filósofo, o riso pode manter entre os homens a parcimônia e o
equilíbrio, em momentos de tensão, pois o homem é emocionalmente controlável
pela palavra; a seriedade é fundamental, mas o homem necessita de
descontrações emocionais manifestas pelo riso entre os interlocutores.

Em suma, essas manifestações, muitas vezes, surtiam efeitos atenuadores


de comoções sociais, devido a tensões entre grupos em conflitos ou em casos de
tomadas de decisões tensas, a fim de reduzir o mau humor. Logo, o riso decorre
de um tipo de humor que, no percurso da história, foi alvo de interesse para se
compreender as manifestações da essência fisiológica da vida humana; assim,
propõe-se que o riso seja a essência do bem-estar dos ânimos que pode facilitar
as tomadas de decisões, em sociedade; e, em caso de tensões, busca ativar
algo risível que possibilite arrefecer os conflitos.

Os psicólogos e neurologistas tratam as causas e os efeitos do riso e do


humor. Para eles, o humor é localizado no cérebro. Segundo Wild e Ueckermann

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(2009), entre outros, o humor é composto por três aspectos, a saber: o cognitivo,
o emocional e o motor. A excitação no lóbulo temporal no córtex é acionada por
estímulos positivo e negativo, decorrentes de meios diversos, tais como: a leitura
de um gibi, ouvir gracejos e assistir a cenas teatrais ou cinematográficas.

No campo da psicanálise, Almeida (1998), de certo modo, trata o riso no


domínio das emoções. A autora recorre a Freud que, no final do século XIX, faz
uma série de críticas ao determinismo e ao mecanicismo, fontes anteriores para
o tratamento do riso. Nesse sentido, a autora, tendo por ponto de partida os
chistes, textos reduzidos de piadas, propõe que o riso é ativado por chistes. Essa
condição de comicidade foi capaz de reduzir o determinismo e o mecanicismo,
ao considerar os textos chistosos como ativadores de emoções. Em outros
termos, para Almeida, o riso contrasta bom humor com o mau humor, ativando
emoções ou positivas ou negativas, de forma que os humores negativos se
tornem positivos como a alegria de um ser. Dessa forma, o riso decorre da
mudança consciente das emoções.

Alberti (2002) trata do riso conforme Aristóteles, ou seja, o riso é próprio do


homem. Segundo a autora, o riso é situado entre a razão humana e a não-razão,
isto é, na “paixão”, na “loucura”, na “distração”, no “pecado”, pois o riso não é
apenas a emoção, mas também pensamento. Sendo assim, o riso decorre do
indizível pelo locutor que exige do interlocutor uma explicitação pelo racional;
portanto, é o espaço complementado pelo pensamento. Logo, para a autora, o
risível é percebido pelos sentidos exteriores, conduzidos ao cérebro, ao mesmo
tempo em que comove a “alma”.

1.1.2 Tratamento filosófico dado ao riso

Os filósofos consideram o riso por duas concepções básicas: o homem é


um animal que ri e o homem é um animal que faz rir. Tais concepções são
atribuídas, respectivamente, a Aristóteles e a Bergson.

22
Entende-se que Aristóteles, ao afirmar que o homem é um animal que ri,
está situando o riso em seu aspecto motor, que provoca mudança facial. Essa
perspectiva é coerente com o tratamento anatômico e fisiológico, que propicia
tratar o riso situado no interlocutor.

Bergson (1900, p.3) discute que o homem seja um animal que ri e propõe
que é o único animal que faz rir, porque fora do homem não há o risível. Nesse
sentido, aquele que ri é resultado de uma causa que é “fazer rir”. Trata-se do
rompimento com a lógica, pois é ela que cria uma expectativa que, ao ser
rompida por aquele que faz rir, produz o riso. Dessa forma, para Bergson, o
maior opositor do riso é a emoção, pois ela inibe o riso, já que exige que o
interlocutor se coloque na condição do outro, o que rompe com o estado lógico.
Logo, nesse sentido, o interlocutor pode, em vez de rir, até chorar.

Bakhtin (1965), considerado filósofo da linguagem, ultrapassa a visão de


língua como sistema. Para ele, não se pode entender a língua isoladamente;
portanto, qualquer análise linguística deve incluir fatores extra-linguísticos, como
contexto de fala, a relação do falante com o ouvinte, o momento histórico, entre
outros. Na obra, A cultura popular na Idade Média e no Renascimento, Bakhtin,
pautado em Rabelais, apresenta, para aquele período histórico, uma síntese
entre o popular e o erudito, o velho e o novo, o real e o imaginário. A partir disso,
considera que as manifestações populares são relativas a muito riso, ao passo
que as manifestações eruditas, a pouco riso.

Assim sendo, Bakhtin (1965) explica que o riso representa a característica


principal da cultura popular Medieval em oposição à cultura oficial, erudita, de
vigência religiosa, ou seja, a cultura dos homens doutos da Igreja. No período
medieval, as manifestações religiosas se distanciam da cultura popular. Nessa
tradição popular, o riso é visto como expressão do carnaval e da alegria, capazes
de atenuar o medo da condenação eterna do inferno e da morte, impostas pela
Igreja. O riso marca a subversão desses valores oficiais, pelo caráter renovador e
contestador da ordem oficial. Logo, para Bakhtin, o momento histórico é
importante para o tratamento do riso.

23
1.1.3 Tratamento linguístico dado ao riso

Raskin (1985) trata o risível como o causador do bom-humor. Segundo o


autor, o bom-humor tem a função social de modificar o estado de agressividade
ou infelicidade para o outro estado, o da alegria. A maneira pela qual o bom-
humor é realizado depende da seleção das palavras, no texto verbal. A proposta
de Raskin foi possível, na medida em que os estudos de língua passaram a ser
tratados pelo prisma pragmático, considerando a língua em seu uso efetivo.
Dessa forma, Raskin discute que, anteriormente, o humor risível ou foi tratado
pela expressão facial motora ou pelo momento histórico em que o riso foi situado
e propõe tratar o riso e o risível pelo texto verbal.

Possenti (1989) trata do riso como humor, tendo por base a enunciação
lingüística, em textos reduzidos de “piadas”. O autor situa o humor risível como
decorrente da seleção de palavras polissêmicas e ambíguas que constroem
oposições semânticas. Nesse sentido, para ele, o humor risível é expresso
linguisticamente. Logo, a sua contribuição inicial é tratar linguisticamente o humor
pela polissemia. No domínio da enunciação, o autor propõe que o riso resulta da
escolha enunciativa do locutor, que seleciona palavras que são expressões
polissêmicas, no texto verbal.

A partir de 2001, o autor passa a privilegiar as representações mentais,


postulando que o risível é provocado pelo contraste de dois scripts, sendo um do
locutor e outro do interlocutor, embora ambos estejam situados, em diálogos, no
texto produto, atualizados linguisticamente.

Travaglia (1995) trata o riso em textos televisivos do Programa Casseta &


Planeta da TV Globo e, também, em “piadas” que envolvem comportamentos e
ações dos portugueses. Dessa forma, o autor situa a produção do riso em
diferentes planos da língua: fonológico, morfológico, sintático, semântico,
pragmático, textual e/ou discursivo. Os resultados apresentados pelo autor
indicam um tratamento retórico enunciativo do riso, pois o apresenta a partir de
dois processos argumentativos: associação e dissociação semânticas.

24
Segundo o autor, o riso decorre de situações diversas e é provocado na
interação discursiva, de forma a privilegiar o co-texto e o contexto, construídos
com os diferentes planos, já referidos. Travaglia trata dos textos usados pelos
atores do programa de humor Casseta &Planeta pelo uso de estratégias que, por
associação e por dissociação, produzem os efeitos humorísticos devido à
presença de ambiguidade, ironia, contradição e paródia.

A partir da análise de textos reduzidos “piadas”, Amaral (2001) trata o riso


como enunciação linguística que, sutilmente, constrói o que se gostaria de dizer
e não foi dito em outra situação. Por essa razão, o risível transcorre, na maioria
das vezes, de temas polêmicos no domínio social.

França (2006) trata o riso em crônicas jornalísticas do José Simão. Os


resultados apresentados pela autora indicam que o riso decorre das maneiras
jocosa, irônica e crítica, presentes na construção do fato noticioso. Para a autora,
os textos de José Simão são construídos com associação de imagens e cores ao
verbal, sendo, portanto, uma estratégia utilizada para construir a opinião
jornalística para seu público leitor. Em outros termos, segundo a autora, provocar
o riso é uma estratégia retórica que visa persuadir os leitores, a fim de que
acatem a opinião jornalística de forma prazerosa.

No que se refere ao ensino de literatura em sala de aula, Azeredo (2007)


comenta que os textos trazidos pelo professor são analisados por diferentes
focos, mas que não há o hábito de tratar, em tais focos, o risível. Para o autor,
focalizar o risível propiciaria maior interesse e prazer aos alunos, tornando as
aulas de literatura mais produtivas, principalmente para aquisição do léxico e
melhoria da produção textual deles.

Dessa forma, Azeredo (2007) situa o risível no texto verbal. Pautado em


Charaudeau, Azeredo propõe que a comicidade é risível tanto em situações
imaginárias quanto em situações vividas, embora nada em si mesmo seja
engraçado. Para ser risível, apenas o homem é capaz de reunir, como já sabido,
um conjunto de conhecimentos sociais e interacionais, contidos nas expressões
verbais. Dessa forma, o interlocutor segue a linearidade do texto enunciado e,

25
repentinamente, depara-se com uma mudança que transforma, por exemplo, o
belo em feio, o justo em injusto, o esperado em inesperado. O autor concluiu que
há certo “contrato de comunicação” que causa o riso; por essa razão, há uma
apropriada cumplicidade.

1.1.4 Tratamento histórico-cultural dado ao riso

Saliba (2002) trata do risível no período em que se inicia o sistema de


comunicação radiofônico, no Brasil, e nas representações humorísticas das
práticas jornalísticas e nos teatros de revista nacionais. Dessa forma, situa o riso
no momento histórico do Brasil da Belle Epoque.

Segundo o autor, o riso resulta do humor e é uma forma de representação


da história da sociedade de cada época. A sociedade se constitui de contrastes e
de estranhamentos imprevisíveis entre diferentes grupos sociais. Logo, o riso
resulta do contraste e do estranhamento que propiciam a criação de novos
significados em relação aos dados culturais de uma época, devido à
ambiguidade das palavras do texto.

No campo da história, Burke (2000) propõe que o risível decorre da cultura


e do momento histórico no qual ele se insere. Assim sendo, é necessário
considerar, também, que os valores culturais são variáveis de grupo social para
grupo social; portanto, o risível para um grupo cultural já não o é para outro e,
ainda, o que é risível para um mesmo grupo cultural não o é em outros
momentos históricos diferentes.

Dessa forma, para ambos os autores, o momento histórico é importante


para situar os valores culturais, pois estes estão em constantes modificações.

1.1.5 Tratamento narrativo dado ao riso

Pirandello (1996) situa o risível na comicidade e trata o riso e o risível em


narrativas teatrais e a sua manifestação, por expressões fisionômicas. O autor
26
entende que, na expressão fisionômica, pode haver o sorriso e o riso. As
pessoas riem porque acham engraçado algo e sorriem para expressar uma certa
cumplicidade com o outro. Enquanto o riso implica uma mudança nas emoções,
por exemplo, de triste para alegre, de indignado para bom; o sorriso pode estar
presente em emoções que são polares, sem que haja mudança de estado, pois
alguém sorri: tanto quando alegre quanto quando triste, tanto com algo que é
bom quanto com algo que causa indignação, tanto com ações inteligentes quanto
com ações tolas, tanto nos procedimentos de soberba quanto nos de
cordialidade, tanto em procedimentos depreciativos quanto enaltecedores.

Dessa forma, o autor situa o riso e o esboço do sorriso na dimensão


orgânica do humano.

O autor situa, também, o humor risível no âmbito social, pelo momento


histórico e pela cultura; por isso, o humor risível pode ser manifestado de
diferentes formas, por exemplo, a sátira, a facécia (anedotas), a paródia, o
cômico. Para Pirandello, o risível decorre tanto do que se diz quanto da forma de
dizer, de modo a provocar diferentes efeitos no organismo.

O autor, por ter tratado da comicidade risível como fenômeno decorrente de


textos narrativos teatrais, propõe que o texto risível pode ser examinado em duas
situações. A primeira é o momento em que o autor da narrativa teatral, para fazer
seu auditório rir, ativa em si mesmo as suas experiências causadoras de risos,
pois acredita que o que é risível para si, para os outros, também, deve ser. A
segunda situação está relacionada ao ator e à sua capacidade de interpretar,
pois, no teatro, a comicidade risível exige que o autor faça a junção entre o texto
escrito e suas expressões em atos, gestos, reticências e atitudes.

Ao tratar do riso, na plateia teatral, Pirandello retoma Bergson (1983), e


confirma que o homem é o único animal que faz rir; porém, não é apenas isso,
pois “fazer rir”, para Pirandello, depende das condições sociais e do momento
histórico de um fato. Por isso, nem todas as peças teatrais, construídas com a
expectativa de causar o riso para a plateia, propiciam a ela o riso. Em outros

27
termos, nem tudo que é risível em uma sociedade o será em outra, ou, mesmo
para aquele grupo social, o que é risível em uma época, não o é em outra.

Propp (1976) leva em conta que selecionar hábitos opostos aos atuais,
ainda que remotamente, produz um rompimento com as formas de
conhecimentos atuais, de modo a provocar o riso. Assim, no momento histórico
em que o autor viveu, o da Revolução Socialista Russa, os valores positivos, no
teatro, eram atribuídos ao estático; por essa razão, selecionar conceitos opostos
com valores negativos produz o riso da plateia, tal como a farsa, a palhaçada e
os espetáculos circenses. Propp verificou, também, que essa oposição entre
valores negativos e positivos estava ligada ao corpo humano e suas tendências
naturais; dessa forma, os valores negativos atribuídos à gula, à bebedeira, ao
suor e à expectoração eram capazes de produzir o riso.

Todorov (1980) observa alguns aspectos do discurso cômico, presentes em


textos reduzidos de chiste. O autor menciona que o chiste é objeto de reflexão
teórica e, há milênios, situa-se no interior da retórica, pois o propósito do orador é
ludibriar a expectativa dos ouvintes, muitas vezes, ridicularizando o personagem
para excitar o riso. Por meio de estratégias linguísticas e discursivas, o orador
prende a atenção dos ouvintes e, ao romper com as expectativas deles, leva-os a
procurar uma nova interpretação; assim, a partir de um primeiro sentido, surge
um segundo.

No que se refere ao verbal, Arthur Azevedo (apud Martins, 1998) propõe


que a palavra tem grande importância no teatro, pois, para se fazer rir, não é
necessário assistir ao fato, basta que este seja representado por palavras para
que a plateia o reconstrua. Todavia, Azevedo considera que não é apenas a
palavra a geradora do riso, pois a mesma palavra que pode gerar riso em um
determinado tempo e espaço e, em outro, não; assim como em uma sociedade e,
em outra, não.

No final do século XX, Mattos (2004) situa o riso e o risível nas perspectivas
literária, teatral e cinematográfica brasileiras, na obra escrita por Ariano
Suassuna, Auto da Compadecida. Mattos entende que riso e dor caracterizam a

28
identidade do brasileiro, na medida em que o riso é uma forma de amenizar a
dor. As situações adversas vividas pelos personagens da obra estudada
constroem as frequentes rupturas da narrativa, num diálogo constante entre o
religioso e o profano, o qual pode ser considerado como um paradoxo necessário
à vida. Nesse trágico-cômico, no teatro e no cinema, representam-se nas
narrativas situações ambíguas e paradoxais dos personagens da história.

Silveira e Sellan (2008) tratam do risível em textos narrativos de suspense e


consideram a construção textual do humor risível tanto no texto produto,
expressão enunciativa do autor, quanto no texto processo por temas e saberes
sociais. Por se tratar de narrativas de suspense, as autoras apresentam o risível
pela categoria narrativa desequilíbrio e retomada do equilíbrio. Dessa forma, o
risível é entendido pelas estratégias de velar e revelar da narrativa de suspense.

Em Silveira (2009), o humor risível é tratado no processamento cognitivo


das informações recebidas, a partir do texto produto de narrativas curtas, com e
sem suspense. A autora situa o risível no processamento cognitivo do interlocutor
– o enunciado linguístico entra na sua memória de trabalho e é processado por
dois grandes movimentos recursivos, nesta memória: 1) por expansão
semântica, através de inferência, decorrente da ativação de conhecimentos
armazenados na memória de longo prazo, que constrói sentidos secundários,
explicitando conteúdos e implícitos; e 2) por redução de vários sentidos
secundários a um sentido mais global que, progressivamente, constrói para o
interlocutor a coerência do texto.

Os movimentos de expandir e reduzir propiciam a construção de sentidos


mais globais, produzindo a coerência do texto. Assim, o risível decorre da quebra
de uma expectativa que leva o processador da informação a construir um
contexto cognitivo. A ruptura é ocasionada pela ambiguidade que, ao ser
resolvida pelo processador da informação, leva-o a construir uma inferência
ostensiva, obrigando-o a reformular o seu contexto cognitivo. Nesse sentido, o
risível ocorre tanto pela reformulação da representação verbal, quanto pelo leitor
rir de si mesmo; tanto pela reformulação dos fatos representados pelo verbal,
quanto pelo interlocutor que ri de si mesmo, devido ao seu engano.
29
1.1.6 Tratamento antropológico dado ao sorriso e ao riso

O tratamento antropológico do sorriso está presente no relato de Driessen


(2000) a respeito de suas pesquisas de campo, realizadas com vários grupos
sociais diferentes da cultura do pesquisador. Ele verificou que quando os
informantes de um grupo social não sorriem é porque eles, interacionalmente,
não o haviam aceitado. Mas, conforme a sua gesticulação e as suas emissões
verbais primárias propiciavam aos membros do grupo social pesquisado
sorrirem, isso demonstrava que eles o estavam aceitando.

Tal resultado possibilitou que Driessen (2000) situasse o sorriso na


interação sócio-comunicativa, de forma a entender que sorriso é a manifestação
sócio-interacional de grupos sociais diferentes, contendo implícita a aceitação da
inclusão do estranho, no grupo.

1.1.7 Tratamento socio-político dado ao riso

Segundo Skinner (2002), inicialmente, o riso é tratado do ponto de vista da


fisiologia; depois, pela psicologia comportamental dos humores, o riso é tratado
pela noção do bom humor, ao contrário do mau humor.

Assim, Skinner enfatiza, ainda, a importância da novidade e da surpresa,


argumentando que uma mesma coisa deixa de ser ridícula quando se torna
corriqueira ou usual. Seja o que for que provoque o riso, isso deve ser tratado
como algo novo e inesperado. Situa, assim, o riso na mudança repentina de uma
expectativa, seja na forma de alguma justaposição surpreendente, seja de algum
outro modo de incongruência.

O pesquisador analisou o comportamento das pessoas que politicamente,


exercem altos cargos sociais e verificou que elas apresentam uma forma usual e
esperada para representarem-se com vestimentas e atitudes características do
cargo ocupado. Porém, quando esse personagem aparecesse com outras
vestimentas e atitudes transformavam o usual e esperado em novo e inesperado,
produzindo o riso dos expectadores.
30
Por essa síntese dos diferentes tratamentos já dados ao riso e ao risível,
poder-se-ia afirmar que tais tratamentos foram realizados a partir de pontos de
vista isolados, ainda que em vários desses tratamentos esteja incluída uma
noção de contextos históricos, social, cognitivo ou cultural. Entende-se que esses
tratamentos possam ser inter-relacionados, com uma visão integradora, para
melhor entender a complexidade que envolve o riso e o risível: “fazer rir” e “rir”.

1.2 Risível e riso por uma visão integradora: a proposta desta tese

Integrar implica, além de somar tratamentos, agrupá-los de forma


hierárquica por uma visão integradora. Assim, a tese, aqui, defendida é
multidisciplinar, e tem as ciências da cognição como transdisciplinaridade que
agrupa as diferentes disciplinas consideradas necessárias para tratar da
complexidade de “fazer rir” e “rir”.

Assim, a tese defendida pode ser apresentada por:

- o risível, gênero discursivo que produz o riso e define-se pelo uso de textos
encontráveis em diferentes práticas sociais discursivas. Logo, como gênero
discursivo, o humor risível pode integrar outras práticas sociais discursivas, por
exemplo, o risível no discurso publicitário, no discurso jornalístico, no discurso
político e no discurso literário.

- os textos risíveis, por estarem relacionados às diferentes práticas sociais


discursivas, podem, também, ser definidos por um contexto global, segundo Van
Dijk (1997), um esquema mental, que é armazenado na memória de longo prazo
social das pessoas que sabem fazer rir e que querem e podem rir. Tal contexto
se define por participantes, suas funções e suas ações.

- os participantes: locutor, que representa o papel de provocador do riso, e


interlocutor, que representa o papel daquele que ri.

A existência de cada um desses papéis requer o conhecimento de um


conjunto de estratégias que autoriza cada participante a representar seu papel.
31
Autorizados, cada participante representa seu papel na inter-relação, pois
só haverá aquele que ri, quando há o provocador do riso. Cada participante tem
por função praticar em conjunto dois macroatos de fala: um macro ato
ilocucional e outro, perlocucional. Para tanto, cada um deles agrupa seus
diferentes atos de fala específicos para que o gênero discursivo do risível se
manifeste.

Logo, a função do provocador do riso é autorizada pelo <<saber fazer>> o


outro rir e a do interlocutor é autorizada pelo <<saber, poder rir>>, por ter
reconhecido, nas ações construtoras do texto, a intenção do locutor de fazer rir.
Dessa forma, há conivência entre ambos. Todavia, muitas vezes, o macroato
ilocucional de fazer rir não propicia o riso do interlocutor, pois ele não reconhece
as intenções do seu locutor, expressas no texto; ou ainda, o interlocutor ri porque
reconhece no conjunto nas ações praticadas pelo locutor o macroato de fazer rir,
embora o locutor não tenha sido a intenção de praticar tal macroato ilocucional,
ao construir seu texto verbal. Em ambos os casos, não se atinge o princípio da
felicidade proposto por Austin (1962).

- as ações do provocador do riso são:

- selecionar dois fatos com dois conjuntos sêmicos, por terem mais de um script
sêmico, histórico e cultural, os quais formam duas representações mentais
diferentes;

- associar dois conjuntos - A e B -, por um ato produzido para ativar, na memória


de longo prazo do interlocutor, formas de conhecimentos já sabidas por ele;

- construir retoricamente os fatos para seu interlocutor o que implica associar


conhecimentos a respeito do script e/ou de um frame;

- focalizar, no script, por associação, um sema que apresente similitude com


outro sema do segundo script;

- selecionar, para a construção do texto verbal, expressões linguísticas


polissêmicas, para serem manifestadas no co-texto verbal, as quais possam

32
construir ambiguidade para o interlocutor, pois se remetem a conjuntos
semânticos diferentes de conhecimentos;

- dissociar, por um ato produzido para a reconstrução do que anteriormente foi


associado, de forma a resolver a polissemia pela reconstrução do fato
selecionado; para tanto, o provocador do riso muda o papel que o personagem
vinha representando;

- relacionar associação e dissociação como um ato retórico que articula o dado


com o novo, de forma a persuadir o interlocutor a aceitar o novo a partir do
velho que ele já conhecia;

- resolver a polissemia de palavras selecionadas por ele, para reconstruir os


conhecimentos sociais, atuando de forma a apresentar o novo a partir do
velho.

- criar para o interlocutor uma cumplicidade, no que se remete ao já sabido por


ele.

- as ações daquele ri são:

- seguir as orientações de leitura, conforme o ato associativo do provocador do


riso;

- construir um contexto cognitivo, na memória de trabalho, para guiar a produção


de inferências, ao expandir e reduzir os sentidos construídos durante o
processamento das informações expressas na materialidade do texto. No caso
do texto narrativo, reconhecer os personagens pelos papéis sociais atribuídos
a eles, pelo locutor;

- ativar, na memória de longo prazo social, o respectivo script, que pode ser
apresentado em uma cronologia temporal de semas seguindo o frame (sentido
mais global), que hierarquiza os demais sentidos secundários;

- reconhecer a focalização dada no frame do script e ao continuar a processar a


informação dada e entrada pela memória de curto prazo;
33
- construir por inferências um outro script ativado pelo interlocutor; este varia de
interlocutor para interlocutor, embora haja uma orientação do locutor, no texto;

- fazer uma inferência, que se torna ostensiva no contexto cognitivo até então
construído, propicia ao interlocutor reconhecer uma relevância em seu
contexto cognitivo; assim, continua a dar entrada da informação, processando-
a para resolver a ambiguidade resultante da relevância;

- processar a sequência de expressões linguísticas e ativar um outro script;

- tomar consciência da quebra da expectativa propicia dissociar o que estava


sendo associado;

- aceitar a quebra de expectativa, o que leva o interlocutor a produzir a


reformulação do seu contexto cognitivo. Esse procedimento exige mudar os
papéis sociais, atribuídos durante a associação, dissociando-os;

- realizar o ato de fala perlocucional, praticando a ação de rir, ao reconhecer o


macroato de fala do provocador do riso, com cumplicidade; atinge-se, assim, o
princípio da felicidade;

- reformular o contexto cognitivo para que o interlocutor ative, no seu cérebro, ou


seja, no lóbulo temporal e no córtex exteriores, o emocional, o cognitivo e o
motor;

- ativar o emocional por uma ação realizada pela condição cômica que
transforma o valor negativo do humor em valor positivo do achar graça,
causado por seu próprio engano, em sua memória de trabalho;

– ativar o cognitivo que pela condição cômica realiza a consciência racional da


mudança socio-histórico cultural do já sabido, ativado pelo contexto cognitivo
da memória de trabalho sobre o dado e o novo;

- expressar facialmente como aceitação de quem ri, a partir das estratégias


retóricas de quem provoca o rir, para resolver a ambiguidade existente que
produziu a relevância no contexto cognitivo do interlocutor.
34
Nesse sentido, o locutor constrói, por expressões linguísticas polissêmicas,
uma orientação de leitura para propiciar a associação, seguida de uma
dissociação aceitável para o interlocutor que reconhece, emocionalmente, a
ambiguidade com a produção de uma inferência ostensiva devido à relevância e
reformula racionalmente seu contexto anterior.

Esta tese, por um prisma multidisciplinar, hierarquizado pelas ciências da


cognição, defende que o riso é visto como uma manifestação fisionômica de um
macroato perlocucional da fala, pois ocorre no momento em que o interlocutor
toma consciência das intenções do macroato ilocucional do locutor, que é fazer
rir e a prática da ação de rir.

A seguir, apresentam-se as bases teóricas que sustentaram a visão


integradora proposta, tais como: gênero discursivo, práticas sociais discursivas,
contexto discursivo, macroatos de fala, fatos sociais e históricos, contexto
cognitivo, esquemas mentais - scripts e frames, associação e dissociação -,
focalização e similitude, cognições sociais: cultura e ideologia, ostensividade e
relevância.

1.2.1 Risível: um gênero discursivo

O gênero discursivo, segundo Bazerman (2005), define-se pelo uso de


textos com os quais não só se organizam as ações diárias, mas, também, criam-
se significações e fatos sociais, num processo interativo, tipificado por um
sistema de atividades que encadeia, significativamente, as ações discursivas.
Assim, Bazerman focaliza o texto que representa em língua os fatos sociais que
emergem das atividades sociais. Isto significa que são, socialmente, organizadas
como fenômenos de reconhecimentos psicossociais, pois fazem parte da
situação na qual os participantes estão envolvidos.

O participante que exerce o papel de provocador textual coordena as


atividades e compartilha significados e propósitos com o interlocutor. Significa
35
que a própria vida social e a atuação dos participantes são encadeadas por uma
série de ações textuais que funcionam como enquadres e, mesmo que os
gêneros sejam bastante específicos, eles permitem aos participantes novas
realidades de significação, relações e conhecimentos, ao fazer uso de textos.

Os fatos sociais consistem em ações significativas realizadas pela


linguagem, ou seja, atos de fala. Tais atos são responsáveis pela produção de
textos inteligíveis, que se relacionam a outros textos e gêneros ocorrentes nas
atividades humanas, podendo oferecer instrumentos para a reflexão sobre o
papel da criatividade social, de forma que os participantes podem fazer coisas
novas acontecerem de maneiras novas em diferentes oportunidades
interacionais.

Os fatos sociais resultam de coisas que as pessoas acreditam que sejam


verdades e, assim, afetam o modo como as pessoas definem uma situação. As
pessoas atuam como se esses fatos fossem verdades, como crenças.

Adam (1999, 2008) propõe a análise textual dos discursos e afirma que a
Análise do Discurso abrange a textual. Segundo o autor, os gêneros são
discursivos e, dessa forma, propõe para análise textual dos discursos dois níveis
ou plano de análise, a saber: o de discurso e o da análise textual. Esses níveis
estão integrados.

1.2.2 Práticas sociais discursivas

O risível é uma prática social e se define por participantes, suas funções e


suas ações. Os participantes dessa prática discursiva são representados de
diferentes maneiras: o locutor é representado como aquele que diz algo
engraçado e o interlocutor é aquele que sabe reconhecer o que é engraçado;
assim, as suas funções são: locutor é quem faz rir e interlocutor é quem ri. As
suas ações são guiadas por macroatos: o locutor, pelo macroato ilocucional,
implica as suas intenções de fazer rir, e o interlocutor, com seu macroato

36
perlocucional, capta as intenções do locutor e, pelo emocional e pelo racional,
compreende o que é engraçado, de forma a provocar o riso.

Enquanto discurso, o risível é um gênero discursivo. As pessoas, pelo uso


de texto, podem construir o riso, pois não só organizam as suas ações diárias de
diletantismo, mas também criam significações e fatos sociais num processo
interativo, na medida em que o risível reconstrói, de maneira jocosa, fatos e
conhecimentos já armazenados na memória social.

Em outros termos, trata-se de uma estratégia para levar o outro a


abandonar o que já sabia e reformulá-lo, representando-o a partir de outro ponto
de vista. Para tanto, é necessário que o macroato perlocucional do interlocutor
reconheça o macroato ilocucional do locutor, desde que o interlocutor esteja
conivente com ele.

Segundo van Dijk (1997), as categorias analíticas propostas na vertente


sócio-cognitiva para a Análise Crítica do Discurso são: Discurso, Sociedade e
Cognição. Estas categorias são inter-relacionadas de forma que uma define a
outra. Esta tese situa o risível na inter-relação dessas categorias. Dessa forma, é
necessário situar o risível nas inter-relações das categorias que estão reunidas
aos diferentes grupos sociais. Estes se definem por terem, cada um, as suas
próprias cognições sociais.

A categoria Sociedade é definida por um conjunto de grupos sociais que se


caracterizam por suas próprias cognições sociais e, por essa razão, estão em
constantes conflitos interacionais.

A categoria Cognição é definida pela memória social, ou seja, pelo conjunto


de conhecimentos que são crenças decorrentes da projeção de um ponto de
vista comum a todos os membros do grupo social. Cada ponto de vista grupal é
definido por objetivos, interesses e propósitos comuns a todos os membros que
constituem o grupo.

Dessa forma, os conhecimentos são plurais, relativos a um mesmo


referente do mundo. Esses conhecimentos são crenças, na medida em que são
37
apresentados como verdades para cada grupo social e essas verdades variam.
Essas crenças constroem, com um conjunto de valores, os fatos sociais.

As crenças sociais decorrem do vivido e experienciado socialmente,


embora haja também experiências pessoais. Tais experiências constroem formas
de conhecimentos que estão armazenadas na memória individual das pessoas,
ao passo que as sociais estão armazenadas na memória social, sendo que
ambas, as sociais e as individuais, ficam armazenadas na memória de longo
prazo das pessoas. Van Djik (2000) propõe que há uma dialética entre o
individual e o social. As crenças sociais, como forma de conhecimento, guiam a
construção das crenças individuais e estas modificam as sociais.

A categoria Discurso é definida como uma prática socio-interacional que


pode ser tanto institucional e pública, quanto evento discursivo particular,
havendo uma dialética entre eles. Todas as formas de conhecimentos são
construídas no e pelo discurso e este, por ser uma prática social, permite que as
pessoas expostas a tais práticas construam um esquema mental, designado por
Van Dijk (1997), contexto discursivo.

1.2.3 Contexto discursivo

O contexto discursivo é diferenciado pelo autor em contexto global e


contexto local.

O contexto discursivo global é definido pelos seus participantes, suas


funções e suas ações. As pessoas, que conhecem o contexto discursivo de uma
determinada prática social discursiva, são capazes de definir o papel social que
cada participante representa durante a prática social de um determinado
discurso.

Dessa forma, quando a pessoa conhece um determinado contexto


discursivo global, é capaz de reconhecer, no momento da fala, qual prática
discursiva está em ação, pois reconhece as pessoas que agem nesta prática
discursiva, pelos papéis sociais que elas estão representando.
38
Os contextos discursivos, segundo van Dijk (1997), dependem do momento
sócio-histórico-cultural em que tal prática é aceita, ou está em vigor.

Todas as formas de conhecimentos, crenças, são construídas no e pelo


discurso. Dessa forma, entende-se que o risível é um gênero discursivo que se
define por um sistema de outros gêneros discursivos manifestados em diferentes
textos, específicos de cada discurso. Nesta tese, são analisados textos de
chistes, de narrativas curtas e de histórias com um ou mais de um episódio,
crônicas do cotidiano e charges políticas jornalísticas.

Como gênero discursivo, esses textos mantêm relações com o contexto


histórico-social e cultural. O gênero discursivo do risível pode tanto estar em
discursos públicos institucionalizados quanto em eventos discursivos
particulares.

1.2.4 Macroatos de fala

Austin (1965), um dos filósofos de Oxford, situa o estudo da linguagem


na fala, de forma a tratá-la por três atos: locucional, ilocucional e perlocucional.

O ato locucional implica a organização linguística do enunciado. O ato


ilocucional é relativo às intenções do locutor. Ao falar, indiretamente, o locutor
pretende que sua fala seja dotada de uma força locucional que ele acredita
possível de ser reconhecida pelo interlocutor, em função das circunstâncias
imediatas e do modo como a expressão textual foi construída.

O ato perlocucional é realizado pelo interlocutor quando ele reconhece a


intenção de seu locutor, construindo, assim, sentidos para a expressão textual-
verbal. Se isso ocorre, segundo Austin, o princípio da felicidade é alcançado.

Todavia, é possível que o interlocutor possa considerar o dito com


significados completamente diferentes daqueles pretendidos pelas intenções
do locutor. Nesse caso, o ato ilocucionário não é compreendido, e o princípio
da felicidade não é alcançado.
39
Embora Searle (1969) tenha modificado, em parte, os princípios dos atos
de fala de Austin, o essencial desses atos é mantido. A análise em três níveis
dos atos de fala – o que foi literalmente dito, o ato pretendido e seu efeito real
– é, também, aplicável a textos escritos.

Nas relações sociais, os participantes do discurso, por meio de vários


sistemas cognitivos, sabem e reconhecem as condições e adequações dos atos
de fala e os seus respectivos contextos. De acordo com van Dijk (1995), a partir
dos atos de fala, numa interação comunicativa, os participantes tanto sabem
como reconhecem uma manifestação de crenças, desejos, preferências, normas
e sistemas de valores; sendo assim, os sistemas de conhecimento
desempenham um importante papel na adequação das condições sociais e da
comunicação.

As condições de adequação comunicativas são de natureza cognitiva e


incluem o que o locutor visa alcançar do interlocutor, a saber: a) o locutor sabe
sobre o quê; b) o locutor acredita que; c) o locutor quer que; e, d) o locutor
considera bom que. Tais premissas, para van Dijk (1997), constituem-se de
“idealizações” entre aceitação e compreensão dos atos de fala. Para tanto, o
objetivo do locutor será alcançado se o interlocutor compreender o que está
sendo comunicado.

Uma vez que os usuários da língua, reciprocamente, podem atribuir aos


enunciados dos atos convencionais: promessas ou ameaças, aviso ou
declaração, pergunta ou orientação, entre outros, num contexto comunicativo, o
locutor tem certas obrigações e intenções com os interlocutores, na medida em
que ativa atos precedentes, enunciados, observações e suposições já
armazenados ou inferidos pelos atos.

Pelos atos de fala, os usuários da língua sabem, selecionam e entendem


cada situação comunicativa, pois as pessoas, pelo uso dos textos, tanto
planejam suas ações diárias como (re)criam significações de fatos sociais num
processo interativo, tipificado naquela cultura e em suas instituições (cf.
Bazerman, 2005). Para tanto, é necessário entender que os atos de fala

40
envolvem a relação dos indivíduos na sociedade, situados, no e pelo discurso, na
cultura e em suas instituições.

Para Van Dijk (1995), os macroatos de fala são ações, resultam de uma
sequência de atos e requerem o planejamento e uma representação global. Isto
é, certas sequências de vários atos de fala podem ser pensados e entendidos,
pois funcionam, socialmente, como um só ato de fala. Tal conjunto de atos de
fala é realizado por sequências que denominam ato global de fala.

O ato da enunciação humorística, para Charaudeau (2006), ocorre no


interior de diversas situações e tem por fins estratégicos fazer de seu interlocutor
um cúmplice, quando ocorre uma ruptura com a ordem de direito. O ato
humorístico resulta do jogo que se estabelece entre os parceiros da comunicação
e os protagonistas da situação de enunciação.

Para Chabrol (2008), o ato humorístico implica existir, entre locutor e


interlocutor, conivência. Na medida em que encobre a ruptura com a ordem de
direito, constrói a subversão, ou seja, como uma prática em conluio, fundada em
características, por vezes, deslocadas de um enunciado e de uma enunciação.

A conivência deve-se a intenções do locutor de estabelecer uma ação


comunicativa com seu interlocutor, sem ofendê-lo em suas crenças nem em seus
valores. O autor considera natural que o destinatário pode não reconhecer essa
intenção, ou entendê-la mal, ou ainda recusá-la, uma vez que é raro comunicar,
de maneira homogênea e contínua, de forma humorística.

1.2.5 Fatos sociais e históricos

Os fatos sociais decorrem de coisas que pessoas acreditam serem


verdadeiras e, assim, afetarem o modo como tais pessoas definem uma situação.
Essas, assim, agem como se esses fatos fossem verdades. As coisas passam a
ser reais em suas consequências e no que as pessoas acreditam ser um fato.

41
Os fatos sociais relacionam temas fundamentados no agir e na
compreensão social de uma série historicamente desenvolvida de
compreensões, de acordo com as instituições de autoridades que são acatadas
pelas pessoas, do mesmo modo que as pessoas são levadas a reconhecer e
legitimar essa autoridade, sob certas condições do que se fala ou se escreve
como força do agir das pessoas.

Há de se considerar, também, a intertextualidade como fato social, pois o


que foi dito, anteriormente, compartilha com a situação do texto em ocorrência,
de forma que as referências intertextuais tendem a estabelecer uma retomada
apropriada com aquelas que legitimam o fazer.

As pessoas, após processar a informação, constroem um esquema mental


do fato conhecido. Esse foi construído em determinado momento histórico do seu
acontecimento; assim, o vivido e o experienciado socialmente, juntamente com o
vivido e experienciado individualmente propiciam formas históricas de
conhecimentos, as quais são dinâmicas, na medida em que um fato social é
construído e guiado por valores culturais e ideológicos.

Quando o interlocutor situa a relevância no seu contexto cognitivo, devido à


quebra de expectativa produzida pelo locutor no momento da dissociação, o
“fazer rir” leva “quem ri” a reconstruir o fato, selecionado pelo provocador do riso
como tema. Esta reconstrução, no caso da narrativa, implica reconhecer nos
personagens uma mudança dos papéis sociais que vinham sendo representados.

1.2.6 Contexto cognitivo

Segundo van Dijk (1997, 2000), durante o processamento da informação, o


contexto cognitivo é caracterizado pelas relações entre as proposições que são
construídas a partir das expressões verbais lineares do texto verbal. Como o
modelo proposto pelo autor é hierárquico, o contexto cognitivo é construído
recursivamente como microproposições e macroproposições, de forma a se obter

42
a representação mental ocorrente, resultante do processamento da informação
recebida.

As microproposições mantêm relações com o verbal do texto e as


macroproposições são compostas por sentidos mais globais, guiados por:
tópicos, tema, assunto, ponto de vista.

Na interação, o processamento do texto envolve, por si, parte de uma


situação social. Esta é representada como um modelo de situação, sendo
decorrente de experiências individuais.

Segundo van Dijk (1988), o termo modelo é reservado para designar


representações mentais construídas a partir do vivido e experienciado
individualmente e, por essa razão, os modelos estão armazenados na memória
individual ou episódica e de longo prazo das pessoas.

Devido aos conhecimentos armazenados na memória de longo prazo, os


scripts e frames contêm uma situação social, cujos participantes exercem certas
funções ou papéis, que seguem regras específicas. Tal contexto social também é
ativado para o contexto cognitivo, durante a construção da representação mental
ocorrente.

1.2.7 Esquemas mentais: scripts e frames

As formas de conhecimentos construídas pela memória de trabalho e


armazenadas na memória de longo prazo têm uma organização interna e são
características da razão humana.

Bartlett (1932), ao pesquisar os conhecimentos humanos, construiu a teoria


dos esquemas mentais, que postula serem todas as formas de conhecimentos
humanos organizadas por esquemas mentais. São as formas de conhecimentos
humanos, organizadas por esquemas mentais tipo. Esses possibilitam diferenciar
conhecimentos conceituais, conhecimentos de prossequências narrativas,
conhecimentos de planos de ações e conhecimentos relativos a cerimoniais e
43
rituais. Esses esquemas cognitivos têm recebido denominações tais como:
scripts, frames, cenários e planos.

Com o desenvolvimento dos estudos a respeito das representações


mentais, aparecem diferentes teorias para tratar dos esquemas mentais. Mais
tarde, os estudos realizados concluíram que há uma inter-relação entre os
esquemas mentais e, dessa forma, as noções de frame e script passam a ser
consideradas as mais genéricas para dar conta das diferenças existentes entre
os diferentes esquemas.

Frame compreende um esquema mental conceitual, com sentidos mais


globais, conhecido por um grande número de pessoas, por exemplo, para os
brasileiros, o “carnaval”. O script é uma forma de conhecimento organizada com
cronologia temporal, por exemplo, “enterrar um defunto”, em que se tem um
momento anterior, estar vivo; um momento posterior, estar morto, que resulta em
enterro do defunto, conforme o ritual de cada cultura dos brasileiros.

Van Dijk (1988) diferencia os conhecimentos individuais de conhecimentos


sociais. Os conhecimentos sociais são organizados por frames e scripts e os
conhecimentos individuais são designados pelo autor “modelos”.

Os modelos são representações da memória individual de longo prazo.


Decorrem de experiências individuais, interpretadas, incluindo o que as pessoas
têm em mente sobre uma situação à qual o discurso se refere. Os modelos são
subjetivos, embora guiados na sua construção por conhecimentos sociais. Para o
autor, a noção de modelo é um componente necessário para se entender por que
as pessoas não reagem da mesma forma, diante do que acontece no mundo.

A noção de modelo, para o autor, propicia explicar por que o mesmo texto
não produz a mesma leitura, seja por leitores diferentes, seja para o mesmo
leitor, em momentos distintos.

Nesse sentido, os fatos sociais selecionados por quem “provoca o riso” nem
sempre propicia o riso para todos os interlocutores. Estes projetam modelos de

44
situação diferentes, o que os impedem de serem coniventes com “o provocador
do riso”.

Os conhecimentos armazenados na memória de longo prazo, tanto


individual quanto social, são representações mentais tipo, ao passo que a
representação mental construída pela memória de trabalho é ocorrente. As ações
praticadas pelo provocador do riso são agrupadas em seu macroato de fala para
serem reconhecidas por “aquele que ri”. Esse reconhecimento é feito pelo
interlocutor durante a construção de representação mental ocorrente, em seu
contexto cognitivo, na memória de trabalho.

1.2.8 Associação e dissociação

Associação e dissociação são figuras de naturezas argumentativas e são


usadas para persuadir o auditório a abandonar o que já sabia. Para tanto, o
orador associa o que ele atribui como “conhecido”, para seu auditório, ou seja, o
“dado”, para após, dissociar, construindo o “novo”. Perelman e Tyteka (1970)
tratam da associação como um acordo que orador dispõe para poder
argumentar.

Nesse acordo, é necessário que o orador atribua a seu auditório um


conjunto de “saberes” que será o ponto de partida para se construir a
argumentação. Para tanto, é necessário que o orador saiba selecionar os
“dados”. O fato de selecionar certos elementos e de apresentá-los ao auditório
implica que os elementos selecionados têm importância e são pertinentes no
debate.

Esses elementos agirão de maneira direta sobre a sensibilidade do


auditório, os quais são ativados durante o processamento da informação na
memória de longo prazo das pessoas que compõem o auditório. Tais elementos
estarão presentes na consciência dessas pessoas, tornando-os disponíveis para
o debate. Dessa forma, toda argumentação é seletiva, pois ela escolhe os
elementos e a maneira pela qual se tornará presente na consciência do auditório.

45
Para tanto, é necessário selecionar os dados e a maneira pela qual eles serão
interpretados, ou seja, a significação escolhida para ser atribuída aos dados.

A dissociação das noções escolhidas produz uma ruptura com a ligação


anterior, de forma a modificar as condições de uma situação escolhida pelo
orador. A técnica de romper a ligação consiste em afirmar, portanto, que os
dados associados são elementos que deveriam permanecer separados e
independentes. Ao contrário, a dissociação pressupõe a unidade dos elementos
confundidos no interior de uma mesma concepção, designados por uma mesma
noção. Dessa forma, não se trata de romper os fios que uniam os elementos
isolados da associação, mas de modificar a própria estrutura deles.

A dissociação de tais noções, segundo Perelman e Tyteka (1970), consiste


no remanejamento mais profundo dos dados associados, sendo provocado pelo
desejo de apresentar uma incompatibilidade nascida da confrontação de uma
tese com outra(s), seja por questão de normas, de fatos ou de verdades. A
dissociação das noções corresponde a uma reestruturação da noção de
concepção de real e de verdade atribuída ao auditório.

Assim, as noções novas que resultam da dissociação podem adquirir tal


consistência que aparecem como se fossem ligadas à incompatibilidade, de
forma que esta seja resolvida.

Para tanto, só há persuasão quando ocorre a relação entre associação e


dissociação, obtendo, como resultado, a reformulação do “dado”, aquilo que faz
parte do marco das cognições sociais, conhecido pelos membros do grupo social
e, também, pelo extra-grupal, ocorrendo o aparecimento do “novo”.

Na Análise do Discurso, aparecem as noções de captação e subversão. A


captação é entendida como uma noção que é utilizada por dois valores
diferentes: um pela perspectiva retórica da captação de um auditório e, outro,
pela perspectiva interdiscursiva.

A estratégia de captação, para Charaudeau (1998), visa seduzir ou


persuadir o parceiro da troca comunicativa, de tal forma que termine por entrar
46
no universo de pensamento que é o ato de comunicação e, assim, compartilhe a
intencionalidade, os valores e as emoções dos quais esse ato é portador. Para
obter esse feito, o sujeito falante pode escolher dois tipos de atitude, a saber: a
polêmica e a dramatização.

A atitude polêmica leva o falante a questionar certos valores, que seu


parceiro defende, ou que um terceiro faz referência, ou a questionar a própria
legitimidade do parceiro. A dramatização leva o sujeito a colocar em prática uma
atividade de dramatização discursiva feita de analogias, de comparações, de
metáforas etc.; essa atividade discursiva se apóia mais em crenças do que em
conhecimentos para forçar o outro a experimentar certas emoções.

Segundo Maingueneau (1984), a captação e a subversão são duas


estratégias opostas de re-investimentos de um texto ou de um gênero de
discurso. Captação e subversão podem atingir um texto particular associado a
um gênero. A captação consiste em transferir para o discurso re-investidor
autoridade relacionada ao texto ou ao gênero fonte. Contrariamente, na
subversão, a imitação permite desqualificar a autoridade do texto ou gênero
fonte.

Dessa forma, o rir resulta da captação e da subversão de uma regra


admitida, de uma conduta usual, de uma crença existente.

1.2.9 Focalização e similitude

No que se refere às figuras de linguagem, desde a retórica clássica,


similitude e dissimilitude vêm sendo diferenciadas. A similitude é definida por dois
elementos que, entre si, mantêm uma zona de identidade, por exemplo, João é
um leão, cuja similitude é dada pela ferocidade do leão atribuída a João.

A focalização é definida pelo foco projetado em uma parte do todo; assim,


por exemplo, vi dois olhos passarem por aqui, o palito nos dentes contente.

47
A similitude e a focalização resultam da intenção do locutor e estão
ancoradas no tema do texto.

Enquanto figuras retóricas e de estilo, a similitude e a focalização são


designadas, respectivamente, metáfora e metonímia. Para a construção da
similitude é necessário que se estabeleça uma analogia que, segundo Perelman
e Tyteka (1970), é uma conduta da inteligência e que é essencial para a
invenção.

O que faz a originalidade da analogia, e que a distingue de uma identidade,


é a noção de parecença, que não é uma relação de parecença, mas é uma
parecença de relações.

Segundo os autores, a analogia é um meio de argumentação instável e, por


essa razão, muitas vezes, não é compreendida. É que a especificidade da
analogia implica quatro elementos: A está para B, assim como C está para D, por
exemplo: A luz solar está para a luz elétrica, assim como Deus. A luz é do mundo
visível e está para invenção, assim como Deus está para a existência do mundo
inteligível.

A metáfora é uma analogia condensada.

– Analogia: A – João, A está para B, e B – ferocidade = “João está para a


ferocidade”; assim como, C está para D: “o leão está para a ferocidade”;

– Metáfora: é C – João é feroz.

Como se pode observar, no caso da metáfora, as relações internas entre A


e B, assim como C e D, estão implícitas; dessa forma, a metáfora é polissêmica e
a sua polissemia é construída, na língua em seu uso efetivo, pelo locutor.

Na tradição dos mestres da retórica, segundo Perelman e Tyteka (1970), a


metáfora é um tropo, isto é, <<uma feliz mudança de uma palavra ou de uma
locução>>. Em outros termos, transporta-se a significação própria de um nome
para uma outra significação, que ocorre devido a uma comparação que está no

48
“espírito”. Entender a metáfora é insistir sobre a ideia de comparação entre dois
elementos.

Assim, a metáfora pode intervir para dar crédito à analogia. Por isso, para
se entender os temos da metáfora (“A é C”), é necessário recorrer ao contexto
que permitiu a construção da similitude entre dois elementos.

Para os autores, as metáforas podem fazer nascer o cômico. Conhece-se a


anedota porque as pessoas são capazes de estabelecer similitudes por terem
conhecimentos dos dois domínios ou dos dois termos comparados. A metáfora
não exerce apenas sua influência sobre a argumentação a partir da qual ela é
criada, mas contribui, notadamente, para a polissemia.

1.2.10 Cognições sociais: cultura e ideologia

As cognições sociais compreendem os conhecimentos construídos no


vivido e experienciado socialmente. Todavia, há, também, cognições individuais,
construídas em experiências individuais.

Há uma dialética entre o social e o individual, segundo a vertente sócio-


cognitiva da ACD. Assim, entende-se que o social guia o individual e os
conhecimentos individuais modificam o social, de forma dinâmica. A tarefa
prioritária dos analistas do discurso com visão crítica é denunciar o domínio das
mentes pelos discursos públicos institucionalizados.

As mentes das pessoas são dominadas pela introspecção de valores que


compõem as formas de conhecimentos, como representações mentais. Tais
valores são não apenas ideológicos, mas, também, culturais.

Segundo Silveira (2009), a diferença entre ideologia e cultura decorre dos


valores que compõem as formas de conhecimentos. A ideologia impõe uma
escala de valores decorrentes dos interesses da classe de poder; esses valores
têm por intenção discriminar as pessoais. Os valores culturais são relativos ao
vivido e ao experienciado em sociedade e têm raízes históricas e
49
contemporaneidade, são transmitidos de geração para geração, de forma a
construir normas e atitudes que guiam as pessoas ao se relacionarem com o
mundo, sem o objetivo da discriminação. Os valores ideológicos são, por
exemplo, os preconceitos e os tabus; os valores culturais, por exemplo, estão
presentes nas formas de se vestir, de se calçar, de se alimentar, de se relacionar
socialmente.

Tanto os valores ideológicos quanto os culturais são dinâmicos, pois, em


cada contemporaneidade, há problemas novos a serem resolvidos. No que se
refere à ideologia, a dinâmica decorre da mudança da elite que ocupa o Poder e,
portanto, de interesses que mudam. Os valores culturais têm uma dinâmica
resultante de novas necessidades a serem supridas; dessa forma, recorre-se ao
velho para resolver o novo.

1.2.11 Inferência ostensiva e relevância

De acordo com Sperber e Wilson (1994), desde Aristoteles até a semiótica


moderna, as teorias de comunicação estiveram baseadas no modelo teórico do
código. Nesse modelo, a comunicação é obtida como codificação e decodificação
de mensagens, pois há crença no significado unitário do signo. Sob o prisma da
pragmática, com o estudo da língua no seu uso efetivo, aparecem o modelo
teórico inferencial. Segundo esse modelo, a comunicação é obtida mediante a
produção e a interpretação de provas.

O modelo teórico inferencial tem por ponto de partida que o que foi dito é o
explícito, embora contenha, também, implícitos. Explicitar implícitos contidos no
dito, durante o processamento da informação, propicia que se construa um
contexto cognitivo na memória de médio prazo do processador, de forma a guiar
a construção de sentidos na sua memória de trabalho, durante a recursividade
dos sentidos globais e sentidos secundários. Um contexto cognitivo mental, de
acordo com Sperber e Wilson, é, portanto, um suporte de ancoragem projetado
pelo processador da informação a partir do que ele representa para si como
verdadeiro.
50
Na interação comunicativa do eu-tu, quando há comunicação, a intenção
retórica é de alterar o contexto cognitivo dos interlocutores. Dessa forma, o
locutor orienta o seu interlocutor, a partir do “dado”, a construir o seu contexto
cognitvo para, depois, com a entrada do “novo”, levá-lo a uma reformulação.

Os seres humanos são dispositivos de processamento de informação muito


eficazes. A eficácia é definida em relação a um objetivo. Alguns objetivos, tais
como, ganhar um jogo ou resolver um problema, consistem em criar um estado
de coisas concreto, que pode existir ou não, em um dado momento. Outros
objetivos, tais como, melhorar o golpe de vista ou compreender a si mesmo são
relativos, pois consistem em elevar o valor de uma determinada variável e, por
conseguinte, só podem ser obtidos em certo grau.

O contexto cognitivo de uma pessoa compreende o conjunto de suposições


ativadas com base naquilo que essa pessoa conhece.

Durante o processamento da informação, o locutor orienta seu interlocutor a


processar o que está sendo informado, levando-o a fazer uma série de
inferências, decorrentres da ativação de conhecimentos armazenados na
memória de longo prazo do locutor, tanto como cognições sociais quanto
cognições individuais, pois ambas mantêm uma dialética entre si.

Repentinamente, o locutor dá entrada a uma informação que porduz


ostensividade inferencial no contexto cognitivo construido até então. Essa
ostensividade leva o processador da informação a reconhecer na informação
nova, uma relevância, que é incompativel com o contexto cognitivo já construido.

Ao reconhecer a relevância, o processador da informação é obrigado a


reformular o seu contexto cognitivo. A relação entre o dado e o novo é um fator
crucial na realidade humana. Para Sperber e Wilson, o que manifesta a intenção
do locutor é uma ostensão, isto é, ato ou efeito de mostrar um imprevisto. Uma
inferência ostensiva é construída pela relevância de uma informação nova, pois
não pertence ao mesmo conjunto das inferências que construiram o contexto
cognitivo do processador. A inter-relação é dinâmica entre o dado e o novo que
obriga o processador a reformular seu contexto mental.
51
Em síntese, neste capítulo, está apresentada a tese defendida e seus
pontos de partida, tantos os relativos às partes que compõem a tese defendida
quanto os relativos às bases teóricas que propiciaram a construção do modelo
integrador.

No capítulo seguinte, apresentam-se as bases teóricas integradoras desta


tese, considerando-se a multidisciplinaridade das ciências da cognição, na
medida em que agrupa diferentes disciplinas.

52
SEGUNDA-FEIRA, 13 DE JULHO DE 2009

http://jamirlima.blogspot.com/2009/07/charges-sobre-sarney-pra-variar.html

53
CAPÍTULO II

CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS EM REVISÃO

Este capítulo apresenta as bases teóricas que contribuíram para a


construção e a sustentação da tese defendida, ou seja, um modelo integrador
multidisciplinar ancorado, transdisciplinamente, nas ciências da cognição.

2.1 Contribuições dadas pelas ciências da cognição

Tratar da língua em seu uso efetivo exigiu inter e multidisciplinaridade. A


seleção dessas disciplinas, de forma geral, foi ancorada na transdisciplinaridade.
Assim, dois grandes eixos transdisciplinares são instaurados pelas ciências da
cognição e ciências sociais.

2.1.1 Teoria de memórias por armazém

Na década de 1980, os linguistas tomam consciência de que o discurso é


uma ação e que, para entendê-lo nessa perspectiva, é necessário tratar de
processos de ordem cognitiva, pois quem age precisa dispor de esquemas
mentais de ações e de tipos de ações.

Com o foco dado nas operações de ordem cognitiva, o texto passa a ser
considerado como processo e como produto. O texto produto é de natureza
verbal e traz representado em língua a progressão semântica de um tema. O
texto processo é resultado de processos mentais e tem natureza memorial.
Nesse sentido, entende-se que os parceiros do discurso possuem saberes
acumulados, relativos aos diversos tipos de atividade da vida social que são
representados na memória, como formas de conhecimentos, que necessitam ser
ativados durante o processamento da informação na memória de trabalho.

54
Há diferentes modelos teóricos a respeito da memória. Van Dijk (1978) e
Kintsch e van Dijk (1983) selecionam o modelo de memória por armazéns. Este
modelo diferencia as memórias de curto, médio e longo prazo.

A memória de curto prazo é sensorial e quantitativa, controlada pelo chunk,


unidade de memorização da quantidade de informação entrada na memória,
sendo que esta pode ser expressa em diferentes semióticas. Como ela é a base
do processamento da informação, é preciso sempre que o chunk seja esvaziado
pela memória de trabalho, situada entre a memória de curto prazo e a memória
de médio prazo; caso contrário, a informação que está sendo entrada perde-se.
A memória de trabalho e a memória de médio prazo são operacionais, pois
comportam o armazenamento provisório do conteúdo semântico processado, na
medida em que constrói a representação mental ocorrente, como forma de
conhecimento.

Na memória de trabalho, os enunciados são representados, mentalmente,


de forma diferente da que ocorre na formulação linguística: o que estava
representado em língua passa a sê-lo representado, semanticamente,
construindo-se, assim, unidades de sentidos secundários, que expandem, por
inferências de conhecimentos já sabidos, as expressões linguísticas do texto
produto.

A fim de esvaziar o chunk, recursivamente, o processo de expansão


semântica em sentidos secundários é acompanhado de um processo de redução
da informação, de forma a se construir sentidos mais globais. Estes são
armazenados provisoriamente na memória de médio prazo, construindo-se,
assim, um contexto cognitivo, que é composto de determinadas expectativas
relativas à progressão semântica do texto produto, devido a um guia semântico,
designado, por Kintsch e van Dijk (1983), modelo de situação.

Assim, durante a expansão e redução de sentidos, constrói-se, pelo


processador, o cálculo de significação, com o auxílio de conhecimentos prévios,
armazenados na memória de longo prazo. Esse contexto resulta dos
reconhecimentos do processador que identifica quais elementos linguísticos

55
entrados, sensorialmente, são salientes ou relevantes, devido às orientações
dadas no texto produto pelo locutor. Segundo Sperber e Wilson (1980), à medida
que uma relevância não se ajusta ao cálculo de significação já realizado, o que é
relevante modifica as proposições (unidades de sentidos) pela multiplicação de
inferências ostensivas, levando o processador a reformular os seus
conhecimentos ocorrentes, de forma flexível. Nesse sentido, o tema do texto
produto é reconhecido pelo modelo de situação projetado, decorrente do
macroato de fala (intenção geral do locutor e efeitos que ele pretende produzir
em seu interlocutor). Logo, a memória de trabalho é qualitativa, pois opera com
unidades semânticas, hierarquicamente, mais altas que as entradas verbais.

A memória de longo prazo é um armazém de formas de conhecimentos.


Esses estão organizados em um complexo sistema que se estabelece como uma
verdadeira rede, a partir de conhecimentos de língua, conhecimentos de mundo,
conhecimentos interacionais e conhecimentos de modelos textuais globais.

O conhecimento linguístico é um sistema que arquiva conhecimentos


gramaticais e lexicais. É ele que responde, por exemplo, pela articulação som-
letra-sentidos; pela organização do material linguístico na superfície textual; pelo
uso de meios coesivos, para efetuar a remissão e as sequenciações textuais;
pela seleção lexical adequada ao tema e/ou aos conhecimentos ativados.

O conhecimento enciclopédico, ou conhecimento de mundo, é relativo aos


fatos do mundo, que são construídos em esquemas mentais de natureza socio-
histórico-cultural, adquirido tanto em sociedade quanto por experiências
individuais.

Os conhecimentos socio-interacionais são conhecimentos sobre ações


verbais, ou seja, sobre as formas de inter-ação através da linguagem. Englobam
os conhecimentos de atos de linguagem, máximas conversacionais e esquemas
textuais, entre outros.

O conhecimento ilocucional permite reconhecer, durante o processamento


da informação, os objetivos e propósitos que um locutor, em dada situação de
interação, pretende atingir. Havendo esse conhecimento, desencadeia-se o ato
56
perlocucional, pois ele exige dos interlocutores o conhecimento necessário para
reconhecer o objetivo ilocucional.

O conhecimento comunicacional é relativo às normas comunicativas gerais,


por exemplo, a quantidade de informação necessária para que os interlocutores
sejam capazes de reconstruir o objetivo do produtor do texto; a seleção da
variedade linguística adequada a cada situação de interação e a adequação de
tipos de textos a situações comunicativas.

O conhecimento metalinguístico permite ao produtor do texto evitar


perturbações ou sanar conflitos durante a produção do texto, propiciando
atividades específicas de formulações textuais, tais como: paráfrases, repetições,
correções etc.; trata-se do conhecimento a respeito de vários tipos de variações
linguísticas que propiciam que o locutor oriente o seu leitor para a compreensão
do texto, a fim de conseguir dele conivência.

O conhecimento sobre estruturas ou esquemas textuais globais é aquele


que permite aos interlocutores reconhecer textos como exemplares de
determinados gêneros ou tipos; conhecimentos sobre macro categorias ou
unidades globais que distinguem os vários tipos de textos, bem como sobre a
conexão entre objetivos, estruturas semânticas e estruturas textuais globais.

A memória de longo prazo compreende um armazém social e um armazém


individual de conhecimentos. O armazém social, também designado memória
semântica, é composto de conhecimentos construídos pelo vivido e
experienciado socialmente e, principalmente, pelos discursos públicos e
institucionalizados.

O armazém individual, designado memória episódica, é composto de


conhecimentos resultantes de experiências individuais. Segundo van Dijk (1988),
os conhecimentos sociais compõem o marco das cognições sociais
compartilhados pelos membros de um grupo e consiste em um conjunto de
atitudes relevantes, organizadas em níveis mais altos através de normas, valores
e interesses selecionados pelo grupo. Essas atitudes funcionam como processos

57
de avaliação de fatos, atores ou situações sociais e, ao mesmo tempo, podem
ser usadas para planificação de uma ação.

Segundo o autor, na memória episódica, ou individual, estão armazenados


os modelos mentais que se definem como representações de experiências
pessoais interpretadas, incluindo o que as pessoas “têm em mente” sobre uma
situação à qual um discurso se refere. Dessa forma, os modelos são correlatos
cognitivos dos fragmentos captados do mundo e, portanto, também de situações
sociais nas quais o indivíduo participa ou das quais ouve falar.

Esses modelos são subjetivos e caracterizam crenças avaliativas, assim


como outras experiências pessoais. São os modelos de situação que permitem
explicar como os indivíduos estão capacitados para reagir de maneiras diferentes
diante do que acontece no mundo, ou para planificar ações específicas que
dependem das experiências, objetivos e interesses pessoais.

É, por essa razão, que os membros de um grupo, quando guiados pelo


marco de cognições sociais, são levados a compreender ações exatamente da
mesma maneira; mas, com a projeção de um modelo de situação, as reações
das pessoas são diferentes.

A diferença entre conhecimentos sociais e individuais consiste em que os


sociais são persistentes por serem estereótipos de conhecimentos também
designados representações mentais tipo, pois participam da memória social. Os
conhecimentos individuais são flexíveis, reformuláveis a cada nova experiência,
embora, ao serem construídos, sejam guiados pelos sociais.

As diferentes contribuições dadas pela teoria dos esquemas mentais (cf.


Bartlett, 1932), com o desenvolvimento das pesquisadas realizadas, propiciou
diferenciar a noção de script, frame, plano, entre outros esquemas mentais.

O script é um esquema mental que implica um conjunto de ações ordenado


no tempo, como um conhecimento protípico partilhado socialmente e como
padrões que guiam as ações das pessoas.

58
O frame é o estereótipo conceitual, a representação geral de qualquer
“coisa” (pessoas, tipos, objetos, conceitos, entidades etc.), que figura como tema
ou assunto, ou focalização referencial, dentro de uma atividade qualquer,
correspondente passível de ser evocada, ou referida, nas atividades e
relacionamentos sociais.

Os planos compreendem esquemas organizados por um cálculo de ações a


serem realizadas.

Na construção verbal do texto produto, as expressões linguísticas contêm,


além de seu semema, um conjunto de implícitos culturais e ideológicos que são
históricos. Tais implícitos precisam ser explicitados durante o processamento da
informação na memória de trabalho e na construção do modelo cognitivo na
memória de médio prazo. Para tanto, o processador da informação, a partir do
verbal, produz um n-tuplo de inferências e explicitações, decorrentes da ativação
na memória de longo prazo, tanto de conhecimentos sociais quanto individuais,
para construir sentidos e reformulá-los durante a construção da representação
mental ocorrente, como forma de conhecimentos produzidos, a partir da
informação entrada pela memória de curto prazo.

2.1.2 Unidade e diversidade: opinião e marco de cognições sociais

A unidade de conhecimentos entre as pessoas que compõem os diferentes


grupos sociais é uma questão complexa, pois a memória social está articulada
com a memória individual para a construção da identidade das pessoas.

Dessa forma, a identidade do indivíduo pode ser concebida, segundo Dias


(1996), como a consciência que ele tem de si, enquanto individualidade,
singularidade e, embora apresente singularidade num todo, há uma certa
constância e uma certa unicidade que definem a sua identidade social, cultural e
ideológica, a partir de como se avalia o que acontece no mundo; assim, cultura,
ideologia e opinião estão relacionadas por uma unidade imaginária, decorrente

59
da memória social, de maneira que cada grupo social seja definido pelo seu
próprio marco de cognições sociais.

Desde que se entenda que as cognições sociais são grupais, pois elas se
definem como formas de crenças, ou seja, conhecimentos avaliativos,
decorrentes de objetivos, interesses e propósitos comuns aos membros de um
mesmo grupo social, é necessário compreender que os grupos sociais estão em
constantes conflitos inter-grupais. No entanto, é possível, também, compreender
que pode haver conflito intra-grupal, quando o que é individual apresenta
diferença com o que é social.

Os discursos públicos institucionalizados constroem conhecimentos para as


pessoas que compõem diferentes grupos sociais; por serem impostos, esses
conhecimentos são extra-grupais.

Já, segundo van Dijk (1997), a noção de grupo social é definida pelas
cognições sociais, não havendo nelas nenhuma forma de reconhecimento de
sema material. Para o autor, a primeira decisão teórica que precisa ser tomada é
localizar a opinião na mente. Desse modo, quando <<as pessoas têm uma
opinião sobre x>> é necessário que em primeiro lugar, tenham uma
representação mental de X. Na maioria das vezes, os linguistas têm reduzido as
opiniões às suas manifestações no texto, isso significaria que os seres humanos
não têm opiniões antes de começar a falar delas e que as opiniões somente se
relacionam ao contexto e se constituem como parte do discurso propriamente
dito.

Para o autor, essa redução produz problemas para se entender as formas


de conhecimentos humanas, pois não explica:

• Como uma pessoa pode ter opiniões e não expressá-las;


• Como se pode ter uma opinião A, mas expressar uma opinião B,
por motivos contextuais, tais como, cortesias, normas sociais,
timidez, preservar a face etc.;
• Como se pode expressar de maneiras diferentes uma mesma
opinião;
60
• Como se pode ter a mesma opinião em ocasiões distintas;
• Como se pode compartilhar a mesma opinião com outros;

Uma concepção estrita de opinião construída no e pelo discurso


propicia entender que as pessoas têm tantas opiniões quantos
discursos forem efetivados, e, assim, teríamos um método para
justificar a identidade social compartilhada de opiniões (pág. 274).
(Tradução nossa).

Tratar da opinião, situada na mente, propicia distinguir a opinião dos meios


utilizados para expressá-la. A opinião é construída na representação mental que
pode ou não ter manifestação discursiva; os modos em que se pode manifestar e
utilizar a opinião são diversos, aplicados ou expressos em distintos contextos
sociais. A opinião é um tipo de crença, da mesma forma que qualquer
conhecimento.

Em filosofia, epistemologia e lógica filosófica há diferença entre crença e


episteme. Essa é um conhecimento resultante do que se processou como
ocorrência no mundo e, portanto, pode ser atribuído a ele o valor de verdade e
de falsidade. Por exemplo, quando alguém diz que “o passarinho voa”, isso é
observável no mundo e, portanto, a ele se atribui o valor de verdade. A crença é
avaliativa e, por essa razão, não é observável no mundo. Por exemplo, quando
alguém diz “Há muitos ETs em Varginha”, é uma crença, pois não é observável
no mundo, na medida em que não há como comprovar a presença materializada
de ETs.

Para van Dijk, todas as formas de conhecimentos são avaliativas, pois são
construídas com objetivos, interesses e propósitos comuns, que diferem de
pessoas para pessoa e de grupo social para grupo social.

Dessa forma, há opiniões sociais, doxas, e opiniões individuais, ainda que


estas sejam guiadas pelo social. As crenças consideradas verdade por um grupo
de pessoas são consideradas verdadeiras socialmente. Por conseguinte, a
representação mental é, assim, uma forma de representação social, e estão
arquivadas na memória semântica de longo prazo ou memória social.

61
As experiências pessoais produzem um conjunto de conhecimentos sobre
eventos específicos. Logo, uma pessoa pode ter opiniões pessoais ou
compartilhar opiniões com os outros, socialmente.

Na produção de um texto, devido ao fator de informatividade é manifestada


a representação subjetiva do tema do texto, decorrente da projeção de um
modelo de situação. Por essa razão, os textos são meios de manifestar opiniões
que podem ser tanto sociais quanto individuais, pois como o texto é produto de
uma ação individual, é o modelo de situação projetado no social que produz o
novo.

Por conseguinte, as crenças, conhecimentos avaliativos, são construídas


tanto com valores culturais quanto com valores ideológicos.

2.1.3 Contexto(s)

Um evento tem sua ocorrência no mundo, em um determinado contexto


socio-histórico-cultural. Esse contexto é analisado pela semântica extensional,
pois está fora do texto verbal. O texto verbal se apresenta com o co-texto, ou
seja, com a sintaxe coesiva das orações que o compõem.

O contexto sócio-histórico-cultural define a contemporaneidade das formas


de conhecimentos e dos usos dos textos em sociedade, (cf. Bazerman, 2004).

O contexto discursivo decorre de se entender o discurso como uma prática


social e é diferenciado em contexto global e contexto local. O contexto global é
um esquema mental, definido por participantes, suas funções e suas ações. O
contexto local é organizado pelos atores que representam efetivamente a prática
social discursiva, (cf. van Dijk, 1997).

O contexto enunciativo se define pelo quadro enunciativo, ou seja, quem


enuncia o que, para quem, por que, quando e onde (cf. Kerbrat-Orecchioni,
1980).

62
Há, também, o contexto cognitivo que é construído como um cálculo de
significações durante o processamento da informação na memória de médio
prazo das pessoas, (cf. Sperber e Wilson, 1986). Logo, com a contribuição dada
pelas ciências da cognição, a noção de contexto torna-se plural e abarca
diferentes tipos de contextos, de forma a considerar diversas propriedades para
cada tipo de contextos: participantes, papéis sociais, papéis comunicativos,
estabelecimentos de circunstâncias, intenções, objetivos, motivos, dêiticos
discursivos e outras propriedades.

2.1.4 Interacionismo simbólico e representações sociais

A psicologia social vem contribuindo com os estudos do texto e do discurso


através dos postulados do interacionismo simbólico, ou seja, como as pessoas
interacionam entre si pelo verbal, na prática social discursiva.

Segundo Bazzili (1998), o interacionismo simbólico inicia-se com duas


vertentes: a estrutural e a funcional. A vertente estrutural entende a sociedade
como uma estrutura de papéis sociais a serem representados pelas pessoas. A
metáfora da cena teatral é o pano de fundo para a teoria dos papéis sociais. No
teatro, tem-se a cena, onde se apresentam os atores e cada qual representa um
papel, dependendo da peça teatral. Uma estrutura de papéis sociais varia de
grupo para grupo social, na medida em que, para atender os objetivos, interesses
e propósitos das pessoas que constituem o grupo social, certos papéis são
escolhidos e outros não. Por isso, no marco das cognições sociais, há uma
estrutura de papéis sociais disponíveis para ser escolhida por cada pessoa.

A vertente funcional propõe que a sociedade não é uma estrutura ou


organização, mas a ação comum que leva as pessoas a agirem, interpretarem e
representarem uma situação, construída de acordo com o modo de as pessoas
avaliarem as coisas e as situações. Isto é, as formas como se avaliam as coisas
do mundo são sociais. O indivíduo escolhe uma função social quando se
identifica com tais avaliações em sociedade.

63
A necessidade de viver em sociedade é própria do ser humano, que tem
por base a interação entre os seres em diferentes situações, mas as relações
dessas funções sociais são passíveis de mudança.

Assim, para o interacionismo simbólico, o significar é compartilhar sentidos


na interação social, embora o significado linguístico seja entidade independente.

Segundo o interacionismo simbólico, o eu é diferente do self (este é


diferente do mim). O eu é um sujeito deliberador que quer interacionar-se com o
outro e, para tanto, representa-se como self, como se fosse mim, a fim de ser
aceito pelo outro. O self varia dependendo dos contextos socio-hitórico-culturais,
de forma a produzir uma mudança tanto dos papéis sociais quanto na escolha
que se faz dele. Dessa forma, a interação é vista como um espaço de
simbolização entre o social e o individual, de forma que ambos se mantêm e se
modificam, constantemente. Interação vista como um processo social básico dá
aos atores que interagem um papel de não apenas agentes de reprodução, mas
de reinventores da vida social. Nesse sentido, a interação é complexa e
problemática, enquanto processo social básico.

A dimensão privilegiada para tratar dessa complexidade é, sobretudo, a


diferença entre os atores. Assim, enfatiza-se o fato de os indivíduos envolvidos
na interação serem da mesma cultura, falarem a mesma língua; forçosamente,
chama-se atenção para o que há de comum, o que aproxima os atores, seu
pertencimento a uma cultura comum, com seus sistemas de valores, crenças,
interesses etc.

Porém, a diferença entre os atores produz a coexistência problemática das


diferenças. Nesse sentido, todos os processos internos da diferenciação de uma
sociedade são relevantes.

Segundo Gilberto Velho (1986), classes, grupos de status, estratos, assim


como pertencimentos de minorias étnicas e regionais, grupos desviantes,
religiões específicas são pistas fundamentais para o mapeamento dessa
diversidade. Nessa perspectiva, o conflito coloca-se como possibilidade

64
permanente, desde que haja interesses e valores diferentes e, muitas vezes,
antagônicos.

É, nesse sentido, que se entende o conflito inter-grupal de papéis sociais,


que compõem o marco das cognições sociais de cada grupo.

Moscovici (2007) apresenta a teoria das representações sociais como parte


de suas investigações em psicologia social. Para o autor, a teoria das
representações trata do papel e da influência da comunicação no processo da
representação social, além de buscar a maneira como as representações se
tornam senso comum. Segundo ele, as representações sustentadas pelas
influências sociais da comunicação constituem a realidade de nossas vidas
cotidianas e servem como principal meio para estabelecer as associações com
as quais as pessoas são ligadas umas às outras.

Assim, o conhecimento não é uma simples descrição ou uma cópia do


estado de coisas. Ao contrário, o conhecimento é sempre produzido através da
interação e da comunicação, e sua expressão está sempre ligada aos interesses
humanos implicados nesse conhecimento.

Segundo, Moscovici (2007, p. 10):

“As representações sociais são entidades quase tangíveis. Elas


circulam, se entrecruzam e se cristalizam, continuamente, através
de uma palavra, de um gesto ou de uma reunião, em nosso mundo
cotidiano. Elas impregnam a maioria de nossas relações, os objetos
que nós produzimos ou consumimos, ou estabelecemos. Nós
sabemos que elas correspondem, de um lado, à substância
simbólica que entra na sua elaboração e, por outro, à prática
específica que produz essa substância do mesmo modo como
ciência ou mito, que correspondem a uma prática científica ou
mítica”.

Logo, as representações sociais não correspondem ao que as pessoas


chamam de mundo externo.

65
As representações sociais possuem duas funções:

a) em primeiro lugar, elas convencionam objetos, pessoas ou


acontecimentos que estão no mundo. Elas lhes dão uma forma definitiva, pois
localizam-nas em uma determinada categoria e, gradualmente, colocam-nas
como um modelo de determinado tipo, distinto e partilhado por um determinado
grupo de pessoas.
b) em segundo lugar, as representações sociais são prescritivas, elas
se impõem sobre nós como uma força irresistível. Essa força é uma combinação
de uma estrutura que está presente, antes mesmo que as pessoas comecem a
pensar, e de uma tradição que prescreve o que deve ser pensado.

Logo, as representações sociais tornam-se capazes de influenciar o


comportamento dos indivíduos de uma coletividade e, dessa maneira, elas são
criadas internamente, mentalmente, pois é dessa maneira que o próprio processo
coletivo penetra como fator determinante, no pensamento individual. A dialética
entre as representações sociais e as representações individuais constrói a
dinâmica das representações sociais. Caso contrário, o individual será sempre
guiado pelo social, não havendo interação.

Goffman (2005), ao tratar das representações sociais, afirma que o


indivíduo objetiva alcançar o domínio das mentes de seus interlocutores, ao
elaborar a sua atuação no grupo. Para atingir esse propósito, após observar o
contexto da situação discursiva, o individuo constrói, para si, um determinado
papel, constituído por meio de uma máscara, cuja finalidade é representar o seu
verdadeiro eu, ou seja, aquele personagem que deseja que a sociedade
reconheça e que, muitas vezes, pode ser diferente da sua verdadeira forma de
atuar socialmente.

Por essa razão, ele deixa de ser o indivíduo, no instante em que pratica
uma ação, em que se filia a um determinado grupo social, pois, ao submeter-se
às pressões sociais impostas pelo grupo social, ele se posiciona como mero
executor de papéis sociais, por ser destinado a adaptar-se ao seu meio, o que

66
fará com que deixe de ser um indivíduo para torna-se um sujeito social, na
interação comunicativa.

Logo, no interacionismo simbólico, o conhecimento sócio-interacional é o


conhecimento sobre as ações verbais, isto é, sobre as formas de inter-ações,
através da linguagem. Por isso, engloba os conhecimentos do ilucucional,
comunicacional, metacomunicativo e de esquemas textuais.

Na interação comunicativa, as ações praticadas pelos interlocutores visam


estabelecer, manter e levar a bom termo uma interação verbal. Entre essas
ações, podem-se mencionar a realização dos diversos tipos de atos, as diversas
formas de preservação da face e/ou de representação positiva do self, que
envolvem o uso das formas de atenuação, bem como ações de polidez, de
negociação, de atribuição aos maus-entendidos, entre outras.

Com as contribuições das ciências cognitivas, a linguística começa uma


nova fase, pois a tradicional separação entre exterioridade e interioridade passa
a ser questionada, na medida em que o que acontece dentro da mente dos
indivíduos incorpora o que acontece fora dela. Logo, o ambiente seria apenas um
meio a ser analisado e representado internamente, ou seja, uma fonte de
informações para a mente do processador da informação.

Dessa maneira, a cultura, a ideologia e a vida social seriam parte do


ambiente que exige a sua representação na memória, seja de longo, médio ou
curto prazo.

Uma visão que incorpore aspectos sociais, culturais e ideológicos,


históricos e interacionais propicia uma melhor compreensão das representações
mentais, tanto individuais quanto sociais, pois esses aspectos situam muitos
processos cognitivos que acontecem na sociedade, e não exclusivamente nos
indivíduos.

Por essa perspectiva, as ações verbais são ações conjuntas, já que usar a
linguagem é sempre se engajar em alguma ação, em que ela – a linguagem - é o
próprio lugar onde a ação acontece, necessariamente, em coordenação com os
67
outros. Essas ações não são simples realizações individuais, mas são ações que
se desenrolam em contextos sociais, com finalidades sociais e papéis
distribuídos socialmente.

O tipo de relação que se estabelece entre linguagem e cognição é estreita,


interna, de mútua constitutividade, pois supõe que não há possibilidade de
pensamento ou domínios cognitivos fora da linguagem, nem possibilidade da
linguagem fora de processos interacionais humanos. Por essa concepção,
amplia-se cada vez mais a noção de contexto, já apresentada no item anterior,
pois todos os contextos mantêm relação com a cognição, mesmo o ambiente
exterior.

2.2 Análise Crítica do Discurso

Como as demais análises do discurso, a Análise Crítica do Discurso (ACD)


estuda textos concretos, reduzidos e extensos, utilizados na interação social,
tanto expressos de forma verbal quanto em outras semióticas. Segundo
Fairclough e Wodak (1997), a ACD entende o discurso como uma forma de
“prática social”, a partir do uso da linguagem, na fala e na escrita. Por isso,
analisa o discurso como prática social, tanto em eventos discursivos particulares
quanto discursos públicos e institucionalizados, em uma relação dialética: o
social guia o individual, e este modifica o social.

Devido à importância da influência social do discurso, este exige o


tratamento de importantes questões relativas ao poder. Dessa forma, a ACD tem
por objetivo intervir nas práticas sociais e nas relações sociais.

Uma visão crítica da linguagem e sua modificação são preocupações


capitais para se denunciar os domínios das mentes, pelas práticas discursivas
institucionais e públicas.

Hoje, a linguagem ocupa um lugar proeminente e importante na variedade


de processos sociais. Essa importância da linguagem na vida social teve como
resultado um maior grau de intervenção consciente do poder, para controlar e
68
moldar as práticas linguísticas, conforme os objetivos econômicos, políticos e
institucionais. Segundo Giddens (1991), a vida contemporânea é reflexiva, no
sentido de que as pessoas modificam radicalmente suas práticas – seu modo de
vida – como resultado dos conhecimentos e das informações que adquirem
sobre tais práticas.

Dessa forma, a ACD trata o discurso como uma característica da vida social
contemporânea.

Em suas origens teóricas, a ACD se desenvolveu no “marxismo ocidental”,


que dá ênfase à dimensão cultural e histórica, pois realça o fato de que as
relações sociais capitalistas estabelecem-se e mantêm-se, por se reproduzirem,
em grande parte, no seio da cultura, em que se origina a ideologia.

O termo “crítica” está associado à Escola Filosófica de Frankfurt. Esta


corrente retoma os fundamentos do pensamento de Marx e os reformula.
Segundo os filósofos de Frankfurt, não é possível tratar os produtos culturais
como mero epifenômenos da economia. Ao contrário, eles consideram que esses
produtos são expressões relativamente autônomas de contradições dentro do
todo social e advertem que algumas dessas expressões da fisionomia social do
presente regem a ordem social.

Segundo Habermas (1979), uma visão crítica deve refletir sobre os


interesses subjacentes ao social, que deve considerar o contexto histórico em
que ocorrem as interações sociais e linguísticas, sem que excluam as relações
de poder.

A obra de Bakhtin, de modo geral, também trouxe uma enorme contribuição


para a ACD, na medida em que é uma teoria linguística da ideologia. Essa
sustenta que os signos linguísticos (palavras e expressões maiores) são
materiais da ideologia, e que todo uso da linguagem é ideológico. Dessa forma,
os signos linguísticos são “o terreno da luta de classes”, devido ao sentido das
palavras.

69
O autor, na sua obra, destaca as propriedades dialógicas dos textos, sua
“intertextualidade”: a ideia de que qualquer texto está integrado em uma cadeia
de texto, isto é, mantêm relações, incorporações e transformações com outros
textos. Bakhtin, também, desenvolveu uma teoria dos gêneros discursivos,
segundo a qual todo texto está moldado, necessariamente, por um repertório de
gêneros discursivos socialmente disponíveis, por exemplo, o gênero dos artigos
científicos ou os gêneros da publicidade, ainda que se possa mesclar gêneros de
modo criativo.

Em sentido amplo, a ACD tem por ponto de partida a dialética entre o social
e o individual: este é guiado pelo social, que é modificado pelo individual. Para
tanto, busca-se interpretar a mediação entre o texto e o social, assim como
considerar a multifuncionalidade dos textos como uma característica importante.
Ambas são consideradas para se atingir o objetivo geral da ACD: denunciar o
domínio das mentes, pelos discursos públicos e institucionalizados. Logo, a ACD
postula a multidisciplinaridade, a fim de que possa atingir esse objetivo.

Esta tese não objetiva denunciar o domínio das mentes pelo discurso, mas
tratar dos fundamentos teóricos da ACD que trazem contribuições para o
tratamento do risível e do riso.

Há diferentes vertentes para se realizar a Análise do Discurso com enfoque


Crítico. Dessas vertentes, são destacadas duas, a vertente sócio-cognitiva e a
vertente da semiótica social, por terem dado mais contribuições para a
construção da tese defendida.

2.2.1 Vertente socio-cognitiva da ACD

Van Dijk é o maior representante da vertente socio-cognitiva da ACD.

Segundo van Dijk (1997), a ACD caracteriza-se, essencialmente, por um


estudo oposicional das estruturas e das estratégias do discurso da elite e de
suas condições e consequências cognitivas e sociais, nas quais se incluem o
discurso de resistência a tal dominação. Para tanto, pressupõe-se a existência de
70
normas e valores sociais, que são as formas de conhecimento da memória
social.

A vertente socio-cognitiva busca descobrir os padrões de dominação ou


manipulação em textos. Dessa forma, centra-se nos problemas sociais e políticos
de maior relevância e em temas, tais como: o machismo e o racismo, para os
quais é necessário detalhar “como” se expressam as formas de desigualdade e
“como” se interpretam, legitimam e, finalmente, se reproduzem em textos, na
fala.

Segundo van Dijk, em diferentes textos, a ACD, com vertente sócio-


cognitiva, é caracterizada por:

• tratar mais dos problemas ou dos temas do que de modelos teóricos


e metodológicos específicos;
• ter uma postura explicitamente crítica para estudar o texto e a fala.
• buscar inter e multidisciplinaridade para o tratamento da relação
existente entre discurso e sociedade, pela inclusão de
conhecimentos individuais e sociais;
• situar as ciências sociais por um prisma cognitivo;
• focalizar todos os níveis do texto e dimensões do discurso, isto é,
gramaticais (fonologia, morfologia e sintaxe), lexicais (semântica),
estilo, retórica, organização esquemática, atos de fala, estratégias
pragmática e de interação entre outras;
• estudar o discurso na sociedade, centrando-se, particularmente, nas
relações de poder, dominação e desigualdade, assim como, na
maneira pela qual os integrantes de um grupo social reproduzem tais
relações ou se opõem a ela, com resistência, através do texto e da
fala;
• esforçar-se para descobrir, revelar, ou divulgar aquilo que é implícito,
que está oculto ou que, por algum motivo, não é, imediatamente,
óbvio nas relações discursivas ou de suas relações subjacentes;
• centrar-se, especificamente, nas estratégias de manipulação,
legitimação, criação de consenso e outros mecanismos discursivos
71
que influenciam o pensamento e, indiretamente, as ações, em
benefício do poder;
• esforçar-se para descobrir os meios discursivos de controle mental e
de influência social daqueles que ocupam o poder das elites.

Para o autor, o conceito principal da vertente socio-cognitiva da ACD é o


plano mental do conhecimento, pois só ele propicia tratar do controle da mente
das pessoas pelo discurso.

O esquema mental é uma representação mental de experiências,


construídas quando a pessoa observa um evento, participa dele ou lê/ouve algo
acerca do respectivo evento. Os esquemas mentais representam a interpretação
contextual e a avaliação de tais eventos que são, por definição, singulares e
pessoais. As estratégias discursivas (descrições detalhadas, citações,
testemunhas presenciais, figuras retóricas ou fontes de informações
autorizadas), são utilizadas para efetuar a construção/aceitação dos citados
esquemas mentais, em sociedade.

Todavia, a compreensão de um evento ou de um discurso sobre um evento


não é mero processo individual; precisa-se da integração das crenças relevantes
ou de um conhecimento ou de atitudes que compõem as representações mentais
socialmente compartilhadas. Os esquemas mentais, portanto, são conexões
cruciais entre o específico e o geral, entre o social e o pessoal.

Essas conexões permitem a generalização e as abstrações das


representações mentais, armazenadas na memória de longo prazo social, e as
especificações e concretizações das representações mentais armazenadas na
memória de longo prazo episódica, individual.

Os meios de comunicação têm a função de “estandardizar” socialmente os


conhecimentos pessoais; para tanto, usam expressões como: “todo mundo
sabe..., pensamos que..., acreditamos na verdade contida nisso...”.

As formas de conhecimentos sociais organizam-se no marco de cognições


sociais, de forma a incorporar avaliações básicas que definem os diversos
72
interesses materiais ou simbólicos de um grupo social. Uma vez desenvolvidas e
generalizadas, essas formas de conhecimentos permitem que o grupo
desenvolva suas próprias atitudes, para tratar de temas ou eventos sociais
novos. Desse modo, o pensamento pessoal é controlado pelo social com a
hegemonia das crenças.

Consequentemente, segundo o autor, o poder dos meios de comunicação é


definido em termos de controle das cognições sociais compartilhadas para aquilo
que dá acesso ao público.

A partir dessas colocações, van Dijk propõe as seguintes categorias para


analisar o discurso com uma visão crítica.

a) Poder, Controle e Acesso

Estas categorias são propostas para analisar os discursos públicos,


institucionalizados e midiáticos, pois são eles controlados pela ideologia do
Poder. Segundo van Dijk (2000), as ideologias são plurais, pois compõem cada
qual um determinado marco de cognições sociais, grupal e extra-grupal, quando
impostas socialmente por instituições.

Como o autor entende o discurso como uma prática social que se define por
um contexto global composto por participantes, suas funções e suas ações, tais
categorias são assim propostas.

- categoria Poder

A categoria Poder é definida por participantes, cuja função é tomar


decisões e cujas ações são manifestadas por ordens;

- categoria Controle:

A categoria Controle é definida por agrupar participantes, cuja função é


executar as decisões tomadas pelo poder. Suas ações são relativas ao
cancelamento e à saliência de dados que compõem o que se pretende
representar no texto produto.
73
- categoria Acesso

A categoria Acesso reúne os participantes responsáveis pela expressão do


que será dado acesso ao público; portanto, por exemplo, agirá sobre a
diagramação das informações, das relações estabelecidas entre essas
informações, pelo tamanho da letra, pela seleção de cores, pelas distribuições
em cadernos, entre outros.

Os padrões de acessos dos discursos públicos ligados ao poder social


propiciam entender as bases do poder simbólico. As pessoas comuns têm
normalmente acesso a conversações cotidianas com seus familiares, amigos ou
colegas, e somente um acesso passivo às mídias de comunicação.

Por conseguinte, as elites definem-se precisamente pelo controle de seu


texto e de sua fala, os quais têm acesso frequentemente ao público, pois elas
são grupos de maior influência em diversas situações e instituições sociais,
tornando-se ativas a um público passivo.

Essas relações organizam as práticas sociais discursivas institucionalizadas


de forma a definir que a categoria poder é formada por participantes, suas ações
e suas funções

Sendo assim, o poder decide quais as representações, como formas de


conhecimentos, deverão ser transmitidas para o domínio das mentes das
pessoas. Desse modo, o querer do Poder é sutil, pois, a partir do Controle, ele se
manifesta nos produtos que têm Acesso ao público.

As ideologias são dinâmicas, pois dependem dos interesses do Poder, e


este pode mudar suas crenças, dependendo do contexto socio-histórico, do
ambiente onde se situa o discurso.

74
2.2.1.1 Categorias Sociedade, Cognição e Discurso

As categorias Sociedade, Cognição e Discurso são propostas por van Dijk


(1997), para se analisar as práticas sociais discursivas, sejam elas eventos
discursivos particulares ou discursos institucionalizados, a fim de se estabelecer
a dialética entre o social e o individual

A categoria Sociedade agrupa diferentes grupos sociais, sendo que cada


qual representa a reunião de pessoas que têm, em comum, os mesmos objetivos
<<o que se quer alcançar>>, os mesmos interesses <<o que é bom e mau para
nós>> e os mesmos propósitos <<quais atitudes adotar para alcançar o que
pretendemos>>. Objetivos, interesses e propósitos determinam o ponto de vista
que é projetado sobre o que é evento no mundo.

A Cognição reúne os diferentes marcos das cognições sociais relativos a


cada grupo social e são decorrentes do ponto de vista projetado por eles. Todas
as formas de conhecimentos, enquanto representações mentais, constroem um
estado de coisas para o evento do mundo. Como cada grupo social tem um
ponto de vista diferente para focalizar o evento, este será representado por cada
grupo social em determinado estado de coisas, a partir do qual se constroem as
crenças de cada grupo. Porém, como os discursos institucionalizados e públicos
dominam a mente das pessoas de diferentes grupos sociais, as cognições
sociais, também, podem ser extra-grupais, de forma a amenizar o conflito
cognitivo inter-grupal.

A categoria Discurso reúne diferentes contextos discursivos, enquanto


práticas sociais de cada grupo e extra-grupais, a fim de dar conta dos eventos
discursivos particulares e dos discursos públicos. Todas as formas de
conhecimentos são construídas no e pelo discurso, dessa forma, van Dijk (1997),
menciona a dialética entre eventos discursivos particulares e discursos sociais
públicos: uma dinâmica resultante do social e do individual.

75
Segundo a vertente socio-cognitiva, o que define os grupos sociais é a
cognição e o discurso; dessa forma, há uma inter-relação entre as categorias
Sociedade, Cognição e Discurso, pois uma se define pela outra, sendo que todas
as categorias estão presentes nas práticas sociais discursivas.

2.2.2 Vertente semiótica social

A vertente semiótica social, segundo Vieira (2007, p. 9), tem uma visão
multissemiótica do texto, na medida em que...

Examina as práticas de linguagem que, por sua natureza social,


espelham as mudanças da escrita, tornando-as instância mais
adequada para estudar tanto as ordens do discurso, em especial o
texto, que se apresenta na pós-modernidade como multissemiótico
ou multimodal, quanto os novos gêneros textuais que ora surgem.

Segundo a autora, no passado, os textos eram considerados orais e/ou


escritos como verbais. A partir da pós-modernidade, os textos são construídos
com aparato tecnológico que requer cores variadas e sofisticados recursos
visuais. Tal aparato tecnológico é mais utilizado do que uma composição de
frases e de períodos, para a construção de novos sentidos exigidos pelos textos
contemporâneos, de forma a transformar a imagem como a forma de
comunicação mais eloquente da pós-modernidade. Assim, não se pode
interpretar os textos com atenção voltada apenas para o verbal, pois, para ser
lido um texto deve-se combinar os vários modos semióticos que vem coexistindo
com o verbal.

Vieira (2007, p. 10), sustentada por outros estudiosos da vertente semiótica


social, propõe que:

Uma vez que a Análise do Discurso se concentra no texto


linguisticamente realizado, o enfoque multimodal visa a transpor
esse nível de análise e pretende compreender os diferentes modos

76
de representação que entram no texto com a mesma precisão com
que se faz a análise do texto linguístico.

Em síntese, essa vertente se ocupa de como explorar métodos de análises


aplicáveis às imagens visuais (desde as fotografias de imprensa e as imagens de
televisão até arte renascentista), assim como a relação existente entre a
linguagem e as imagens (cf. Kress e van Leeuwen, 1990).

Esses dois últimos autores investigam o valor das categorias da linguística


sistêmica para análises das imagens visuais e tratam de determinar como as
categorias dado X novo realizam-se mediante estrutura composicional das
figuras. Para eles, o dado aparece à esquerda e o novo, à direita.

Mais tarde, Kress, Leite-Garcia & van Leeuwen (2000) partem dos
seguintes pressupostos:

1) a produção e compreensão de texto sempre envolve um conjunto de


modalidades semióticas;
2) cada modalidade é produzida culturalmente para obter suas
potencialidade especificas de representação e comunicação;
3) para se ler os textos multimodais, devem-se considerar os textos
coerentes em si mesmos;
4) tanto os produtores quantos os interlocutores exercem poder em relação
ao texto;
5) produtores e interlocutores produzem signos complexos – textos cujos
signos emergem do “interesse” do produtor do texto;
6) tal interesse decorre da convergência de um complexo conjunto de
fatores: histórico, social e cultural. Esses agem sobre o contexto
comunicativo;
7) o interesse resulta na eleição de significantes (formas) apropriados para
expressar significados (sentidos), pois a relação entre significante e
significado é motivada pelo intencional.

Segundo van Leeuwen (2005), os objetos retratados nas figuras, também,


são de grande importância para interpretações das imagens, pois os objetos são
77
considerados indutores de ideias na cena interpretada. Outras vezes, de uma
maneira mais velada, os objetos podem funcionar como verdadeiros símbolos;
assim, os objetos são excelentes elementos de significação pois, de um lado,
eles são descontínuos e completos em si mesmos; e, de outro, eles dizem
respeitos a significados claros e familiares, na medida em que já são conhecidos
para os interlocutores. Logo, são elementos essenciais de um verdadeiro léxico.

A questão da distribuição de imagens e cores, no texto, lugares relativos


aos locais onde estão situados – acima e abaixo -, passa a ter um importante
papel na construção e compreensão dos elementos textuais multimodais, por
serem metáforas da verticalidade.

As posições acima e abaixo, segundo Bernardes (2009), significam


conceitos de experiências diárias. Para van Leeuwen (2005) as metáforas da
verticalidade desempenham um papel importante na construção e manutenção
das diferenças sociais. Por exemplo, “Dilma subiu ao poder”; “Meirelles desceu
do comando do Banco Central”. Ou ainda, por exemplo, “ele está acima de
qualquer suspeita”; “Ele está abaixo de qualquer salvação”; “Ele está por fora do
atual comando governamental”.

Van Leeuwen (2005) apresenta os seguintes resultados, para cima, se


hierarquizam-se as informações mais elevadas às quais se pretende dar
relevância, portanto, relativas ao ideal; em oposição, para baixo, não menos
importantes, as representações que indicam o real.

A metáfora da verticalidade é construída com traços culturais e morais. Por


essa razão, dependendo do contexto, alto pode ter valores negativos; e, baixo,
valores positivos, por exemplo, para se dizer que alguém é consciente, diz-se
“ele tem os pés no chão” e para dizer que alguém é alienada, “ele vive nas
alturas”.

Segundo van Leeuwen (2005), a composição imagens, cores e verbal nem


sempre significa divisão e polarização, pois pode reunir, também, seus
elementos em redor de um centro, isto é, o ponto que conecta os elementos
circundantes, mantendo-os unidos.
78
Para o autor, quanto mais um espaço é centralizado, mais importantes,
sagradas, públicas e interativas são as atividades que ali acontecem. O que está
no centro, todavia, não é oposto à margem, pois ele mantém unido o que está
organizado ao seu redor, de forma a criar um relacionamento de igualdade entre
os elementos dispostos no texto. Sempre que pessoas e objetos, entre outros,
estão dispostos em um espaço, o construtor do texto multimodal pode optar pela
polarização, pela centralização ou por ambas.

Segundo o autor, se uma composição usa de modo significativo o centro e


coloca um elemento no meio, de forma que os outros fiquem ao seu redor, ou
quando posiciona elementos em torno de um centro vazio, em ambos os casos,
no centro, é apresentado o núcleo do que é comunicado, e os demais que estão
em redor, nas margens, são representados, em determinados sentidos, como
auxiliares ou dependentes dele.

Mas, em muitas composições, as margens são idênticas ou muito similares


uma das outras e, por essa razão, não há senso de polarização, ou seja, não há
divisão dado e novo ou ideal e real. No entanto, no caso em que o centro e a
margem combinam com dado e o novo e/ou ideal e real, há tanto centralidade
como polarização.

Para van Leeuwen (2005), a metáfora visual é um princípio semiótico


inovador, pois implica um modo novo de expressar ideias, de criar novas ideias
e, também, de criar novas práticas. Segundo o autor, a essência da metáfora é a
ideia de transferência, ou seja, o ato de transferir alguma coisa de um lugar para
o outro, tendo por base a consciência de uma similitude entre os dois lugares.

Em síntese, no caso da metáfora linguística, transportam-se palavras de um


núcleo semântico para outro, por questões de similaridade entre os dois grupos
diferentes; no que diz respeito à metáfora multimodal, transportam-se imagens
de um contexto a outro, desde que haja entre essas imagens alguma
similaridade.

Na abordagem da metáfora, segundo Chouliaraki e Flairclough (1999), há


recontextualização: a deslocação de um elemento do seu contexto original e sua
79
relocação em outro contexto. Dessa forma, a recontextualização é manifestada
tanto pelos intertextos quanto pelos interdiscursos dos textos, em que os
elementos selecionados, para serem recontextualizados, são articulados
juntamente com elementos já existentes e transformados em um modo particular,
de acordo com uma lógica de base ou um princípio de recontextualização.

Como a tese proposta articula o social e o individual, a ideologia e a cultura,


discursos institucionalizados públicos e eventos discursivos particulares, o dado
e o novo, entre outros, embora com o objetivo de tratar do riso e do risível, e não
de denunciar o domínio da mente pelo discurso, as bases apresentadas das
duas vertentes selecionadas trouxerem contribuições pertinentes para a
construção do modelo integrador que, aqui, se defende.

2.3 Mídia e escândalo

Com advento da mídia impressa e eletrônica, o escândalo aparece como


um fenômeno de importância maior nos discursos públicos e institucionalizados.

Thompson (2002) propõe que o escândalo midiático é um acontecimento


que implica a revelação, através da mídia, de atividades que até então foram
ocultadas ou conhecidas por apenas um pequeno círculo de pessoas. Trata-se
de atividades de caráter moral ignominioso, que, ao se tornarem públicas,
acabam trazendo implicações prejudiciais às pessoas envolvidas.

O autor destaca que o uso contemporâneo da mídia transformou a conduta


dos líderes políticos e a vida política em geral. Parte dessa mudança pode ser
atribuída à transformação da visibilidade, ou seja, do desdobramento das
fronteiras entre o que é público e o que é privado. É nesse contexto de
reconfiguração política e social que o autor coloca a questão do escândalo
político midiático como forma de dar, também, reconfiguração ao poder exercido
em sociedade.

80
Thompson diferencia os escândalos midiáticos dos escândalos localizados.
Kuwae (2006, p. 58) apresenta um quadro das diferenças entre os dois tipos de
escândalos:

Quadro 1

Escândalo midiático Escândalo localizado

Transgressão de valores, normas ou Transgressão de valores, normas ou


códigos morais: mistura da primeira e códigos morais: principalmente de
segunda ordem. primeira ordem.
Tipo de publicidade: publicidade Tipo de publicidade: tradicional de co-
midiática. presença.
Tipo de vazamento de comportamento da Tipo de vazamento de comportamento da
região de fundo para as regiões frontais: região de fundo para as regiões frontais:
por meio de formas da comunicação por meio de formas da comunicação
midiática relativamente abertas. verbal ou outras formas de comunicação
relativamente fechadas.
Participantes: pluralidade de não- Participantes: os localizados no mesmo
participantes em contextos diversos. contexto.
Modo de desaprovação: pelas formas Modos de desaprovação: por meio de
abertas de comunicação midiática (as falas orais expressas no decurso da
manchetes dos jornais, as críticas, as comunicação face a face.
caricaturas), com apresentação repetida
gerando o clima de desaprovação.
Base de evidência das afirmativas dos Base de evidência das afirmativas dos
não-participantes: emprego de certos não-participantes: emprego de certas
meios técnicos de comunicação que palavras, portanto, dependentes da
fixam o conteúdo do intercâmbio memória.
simbólico de modo estável e recuperável.
Referencial espaço-temporal: Referencial espaço-temporal: localizados.
deslocalizados, e se estendem através do
espaço e do tempo
FONTE: Kuwae (2006, cf. referência bibliográfica)

Os escândalos implicam, necessariamente, ruptura com os princípios


morais e éticos. Tais princípios definem as regras e os procedimentos adequados
à legalidade instituída pela sociedade. Assim, o escândalo decorre da
transgressão de valores de ordem ética e moral que compõem a memória social
das pessoas.

81
2.4 Linguística textual e os esquemas textuais

A linguística de texto aparece, na segunda metade do século XX, e postula


que o objeto da linguística não são palavras isoladas ou sequências de frases,
mas textos completos e coerentes. Dessa forma, suas tarefas são: a) tratar da
completude de texto; b) investigar a coesão e a coerência; e c) construir uma
tipologia de texto.

Ao considerar essas tarefas, Isenberg (1987) propõe que o objetivo da


linguística de texto é a boa formação de um texto. Definir “texto” torna-se uma
tarefa difícil diante da complexidade do que seja “texto”, considerando as
contribuições dadas pelas ciências da cognição.

A linguística de texto, nesse primeiro momento, produziu modelos teóricos


diferentes para se entender o texto bem formado. Assim, as terminologias são
variadas e não se busca agora discuti-las.

Nessa perspectiva, o texto foi tratado por dois pontos de vista: texto produto
e texto processo. O texto produto tem natureza linguística e é construído com as
representações do tema em língua e a sua progressão semântica.

O tema é uma ancoragem decorrente de uma determinada focalização


projetada no referente e que, um “texto bem formado”, passa a ser entendido
como aquele que mantém um tema e progride-o semanticamente até que a
informação nova esteja expressa.

O texto, com as atualizações de expressões verbais, quando traz


representado em língua seu tema e sua progressão semântica constrói, do ponto
de vista verbal, o texto produto.

No que se refere ao texto processo, a produção do locutor propicia


compreender como a coerência constrói para o interlocutor a noção de texto, que
tem natureza memorial. Trata-se de como são produzidas as inferências e as
explicitações de implícitos para se construir a base de texto que é semântica, a

82
partir da construção de um n-tuplo de sentidos, que depende da maturidade do
produtor e do leitor.

Para tanto, foram tratadas as noções de coerência e de coesão. Segundo


Koch (2004), habituou-se designar por coesão a forma como os elementos
linguísticos se organizam na superfície do texto, de como se interligam e se
interconectam por meio de recursos linguísticos, de modo a formar um “tecido”,
uma unidade de nível superior à frase e que dela difere qualitativamente.

Os resultados obtidos pela maioria dos pesquisadores propiciaram a


classificação de recursos coesivos em dois grandes grupos: a remissão ou
coesão referencial e a coesão sequencial, realizadas de forma a garantir a
continuidade dos sentidos. A coesão remissiva referencial está relacionada à
anáfora, à catáfora e à exófora, na medida em que as palavras do texto são
remissivas à construção de referências textuais.

Nesse sentido, os elementos de ordem lexical responsáveis pela coesão


referencial têm a função de reiterar referentes textuais. A repetição de um
mesmo item lexical pode ser realizada, por exemplo, por sinônimos, hiperônimos,
nomes genéricos e formas nominais, inclusive nominalizações. Assim, pelos
elementos lexicais são operadas a remissão e a referenciação de elementos
textuais.

As remissões lexicais operadas com as inferências constroem sentidos


relativos à referenciação do texto. A coesão sequencial diz respeito aos
procedimentos linguísticos pelos quais são estabelecidos diversos tipos de
relações semânticas e/ou pragmáticas discursivas, na medida em que propicia a
progressão semântica do texto.

A coesão sequencial favorece a interdependência do semântico com a


informatividade e a progressividade semântica do tema. A coerência de um texto,
dentre outros tratamentos, é entendida como a construção dos seus sentidos
mais globais; trata-se, portanto, no texto processo, pelas inferências da expansão
de sentidos secundários que, recursivamente, são transformados em sentidos

83
mais globais. Em outros termos, a coerência textual é vista como um resumo do
texto produto.

Tratar da noção de completude do texto, ou seja, o que propicia que o


interlocutor reconheça o texto lido completo ou interrompido, necessitou de um
enfoque cognitivo, decorrente das contribuições dadas pelas ciências da
cognição. Estas contribuíram, entre outras noções, com a de esquemas mentais.
Estes são relativos a conceitos, sequências de ações e, também, a esquemas
textuais, entre outros. Kintsch e van Dijk (1975) designam os esquemas textuais
como superestruturas.

2.4.1 Superestrutura

Para Kintsch e van Dijk, o conhecimento da superestrutura de um texto


auxilia o leitor a compreender e resumir o texto lido. Em 1975, os autores
trataram de narrativas de história e apresentaram para elas a seguinte
superestrutura:

Esquema 1

Narrativa de história

História moral

Episódio1 Episódio2 Episódio...n

Apres. Compl. Res. Apres. Compl. Res. Apres. Compl. Res.

Entre outros termos, conforme os autores, uma narrativa de história pode


ser formada por um ou mais episódios narrativos, mas quanto maior o número de
episódios mais complexa as narrativas de história se torna.

84
Um episódio é formado pelas seguintes categorias textuais, assim
ordenadas: Apresentação, Conflito e Resolução. O(s) episódio(s) está(ão)
ordenado(s) com a moral, que pode ou não vir explícita.

Essas categorias narrativas foram propostas por Labov (cf. Kintsch e van
Dijk, 1977). Após os estudos das narrativas de história, van Dijk (1978, p. 162)
apresenta a superestrutura da argumentação:

Esquema 2

Superestrutura do texto argumentativo

Argumentação

(±) Premissa hipótese Justificativa Conclusão

Marco das Cognições Sociais Circunstância

Ponto de partida Fato

Legitimidade Reforço

Segundo o autor, a categoria premissa hipótese não ocorre,


frequentemente, no texto produto. A sua presença é determinada pelas
condições de produção no texto, ou seja, a sua situacionalidade. O autor propõe,
ainda, que os conhecimentos que compõem o marco das cognições sociais não
são objetos de argumentação, pois se trata do “sabido”, do dado. Para haver
argumentação, é necessário que se tenha um fato compreendido como uma
circunstância em relação às cognições sociais. Para que se aceite a conclusão
proposta, ou os conhecimentos avaliativos a respeito do fato, é necessário que
se apresentem argumentos de legitimidade e de reforço. Estes são construídos

85
com base nas cognições sociais; caso contrário, não se obtém a aceitação do
interlocutor.

Em outros termos, as cognições sociais, tratadas por van Dijk, apresentam


uma inter-relação com a noção de associação proposta por Perelman e Tyteka
(1976).

Silveira (2000) e Gabriel Jr. (2010, p. 75) apresentam, para as crônicas


nacionais do cotidiano, o seguinte esquema textual:

Esquema 3

Crônica do cotidiano

Focalização

Paradoxo

Estrutura A Estrutura B

Marco das Cognições Sociais focalização do cronista

Polo 1 Polo 2

Resolução por Comparação

Similitude

Silveira (2000) trata as cônicas nacionais como texto opinativo que é


estruturado, textualmente, de forma mais hierárquica pela superestrutura
argumentativa (premissa hipótese, justificativa e conclusão) proposta por van Dijk
(1978).

86
Nesse sentido, o esquema apresentado por Gabriel jr. encaixa-se na
categoria Justificativa da superestrutura argumentativa, anteriormente proposta
por van Dijk (1978).

Em outros termos, o cronista opina a respeito de uma circunstância


apresentada por ele, em relação ao marco das cognições sociais. A relação entre
polo 1 (marco das cognições sociais) e polo 2 (focalização do cronista) possibilita
a construção dos argumentos de legitimidade, os quais são comparados por
traços de similitude existentes entre eles, de forma a se construir uma metáfora
textual.

2.4.2 Referenciação

Há uma diferença entre semântica intencional e semântica extensional. A


semântica intencional trata dos significados e dos sentidos em relação ao co-
texto e, a extensional, em relação ao contexto, enquanto ambiente.

A visão tradicional de referência é extensional, ou seja, a hipótese de que


os conceitos são dados a priori numa relação direta de correspondência com o
mundo real, é a que Koch (2002, p. 79) define como “simples representação
extensional de referentes do mundo extra-mental”.

Mondada e Dubois (1995) discutem essa visão tradicional, pois ela


pressupõe que o mundo autônomo de objetos ou “entidades” possa existir,
independentemente, de qualquer sujeito que se refira a ele e,
consequentemente, as representações linguísticas são vistas como instruções
que precisam se ajustar adequadamente a esse mundo. A posição de Mondada
e Dubois, passa a ser aceita por outros estudiosos da área. E, assim, o papel do
sujeito e o contexto da enunciação passam a ser objetos de atenção.

Os resultados obtidos por vários pesquisadores propiciaram uma outra


concepção de referenciação, diferente da tradicional, que é representacionalista
da língua. Dessa forma, aparece a abordagem da referência numa perspectiva

87
não extensional que está fundamentada na concepção de linguagem como ação
intersubjetiva e considera que os referentes ou objetos do discurso são
construídos no e pelo discurso.

Nesse sentido, no que concerne à construção do fato, a identificação e a


categorização dos referentes são muito mais do que relativas ao contexto
interacional de uma apreensão cognitiva da realidade; por exemplo, um elefante
pode ser categorizado, para uns, como animal exótico de circo, ou como
condução, na Índia; na África, animal caçado para comercialização, e, para
Aníbal Barca, como instrumento de guerra.

Nos diferentes grupos sociais, é a categorização do mundo que diferencia a


categorização dos conhecimentos de grupo social para grupo social. Em outros
termos, no texto, havendo informação nova a respeito do já sabido, ocorre uma
mudança de categorização. No caso das teorias dos papéis, as mudanças de
papéis representados por um mesmo ator resultam por categorização e
recategorização dos elementos da ação.

Nesse sentido, a referenciação é construída no texto para a manutenção


temática e a sua progressão semântica. A categorização e a recategorização
permitem as categorias argumentativas, marco de cognições sociais e
circunstâncias.

A concepção da atividade de categorização é atravessada pelos conceitos


de mente. Os estudos sobre a cognição humana, atualmente, ultrapassam a
visão tradicional anterior, também, denominado objetivista, realizada na forma de
proposições objetivamente verdadeiras ou falsas. Neste momento, o estudo da
cognição humana vem sendo realizado por uma visão experiencialista que
considera os aspectos imaginativos da razão, isto é, metáfora, metonímia e
imagens mentais, (cf. Lakoff, 1987). Os experiencialistas propõem uma
abordagem mais ampla para a razão, que abrange tanto a experiência como a
imaginação humana.

Dessa forma, passa-se a entender que os sistemas conceituais são


organizados em termos de categorias, as quais envolvem quase todo tipo de
88
pensamento. Nesse enfoque, a base dos sistemas conceituais está na percepção
humana, no movimento corporal e na experiência realizada, tanto no ambiente
físico quanto no ambiente social.

Assim, as formas de conhecimentos decorrem da projeção de um foco


sobre o que se percebe no mundo, ou seja, por um processo metonímico, que
foca um ponto. A relação entre o dado e o novo é possível devido às zonas de
similitude, isto é, pelas relações daquele ponto com o todo que produz a
metáfora. Assim, de acordo com o modo como se categoriza, têm-se por
resultado a representação mental. Logo, o caráter imaginativo do pensamento
emerge cada vez que se categoriza alguma coisa, de forma que não se espelha
a natureza, mas cria-se.

Assim, segundo Lima (2007), a visão experiencialista trabalha a natureza


do conhecimento numa perspectiva mais ampla, na qual prevalece o
entendimento de que a razão humana é corporificada e imaginativa. Para a
autora, a categorização não pode ser vista como matéria do intelecto apenas,
pois ela é parte daquilo que nossos corpos e cérebros estão constantemente
envolvidos para fazer.

Por essa razão, as categorias são instáveis e decorrem de crenças.


Mondada e Dubois (1995) entendem que as instabilidades das configurações
semânticas resultam em conceitos instáveis, pois informações diferentes são
incorporadas, a cada instante, em diferentes situações, à representação do
conceito.

Assim, as categorias e os objetos do discurso pelos quais os sujeitos


compreendem o mundo são elaborados durante a realização das atividades,
transformando-se a partir dos contextos. Dessa forma, aparece uma concepção
de categorias como produto de interações entre os membros de uma
coletividade, juntamente com as práticas linguísticas contextualizadas. Logo, o
sentido emerge do sujeito com suas experiências com o mundo, e estas são
guiadas por aspectos sociais da interação na construção dos sentidos, pois a

89
categorização espontânea e dos objetos do mundo são feitas, recebendo a
influência do contexto, em função das intenções do interlocutor.

Para tanto, os tradicionais conceitos de anáfora, catáfora e exófora foram


redimensionados. As formas remissivas referenciais são realizadas como
unidades lexicais, de tais formas selecionadas que a coesão textual se instaura
como unidades lexicais, que se remetem umas às outras. Assim, ocorre a
recategorização lexical, a partir do tipo de manifestação de expressões
anafóricas do discurso.

O redimensionamento do conceito de anáfora, numa visão não extensional


da referência compreende, segundo Ciulla (2002), a concepção de que uma
expressão referencial pode introduzir e manter um referente, que pode ser
localizado, ou no próprio texto, ou nas cognições sociais compartilhadas pelos
interlocutores, ou ainda, em algum outro elemento da situação extralinguística.
Logo, as expressões anafóricas não são usadas somente para apontar para um
objeto do discurso, mas podem ser usadas, também, para modificá-lo. Entre as
ocorrências de recategorizações, estão as recategorizações metafóricas que se
situam no nível de ocorrência das transformações operadas pelo próprio
referente anafórico, que podem ser: a) recategorizações lexicais explícitas; b)
recategorizações lexicais implícitas e c) modificações da extensão do objeto ou
do seu estatuto lógico. Assim, as recategorizações metafóricas ocorrem, mais
comumente, nas recategorizações lexicais explícitas.

Nesse caso, ao se realizar uma recategorização com o propósito


argumentativo, a expressão recategorizadora decorre de uma metáfora. Em
síntese, as recategortizações metafóricas, de forma mais geral são manifestadas,
lexicalmente, através de uma anáfora direta co-referencial, recategorizadas por
metáfora, com recategorização lexical explícita. Porém ocorrem, também,
recategorizações metafóricas não manifestadas, lexicalmente construídas com
anáforas indiretas.

90
2.5 Teoria da enunciação

Kerbrat-Orecchioni (1980) trata da subjetividade da enunciação. Para a


autora, todos os textos são subjetivos, embora eles se diferenciem por serem
mais ou menos subjetivos.

O sujeito enuncia e representa as coisas do mundo de forma explícita e,


aparentemente, variada por inúmeros motivos afetivos, tal como emoções,
recorrentes em “termos” explícitos, ou mesmo, implícitos. Para a autora, a
subjetividade explícita é aquela em que o sujeito da enunciação se mostra de
forma declarada no enunciado, assumindo, por isso mesmo, a responsabilidade
pelo dito. Por sua vez, a subjetividade implícita é aquela em que o sujeito
enunciador não se evidencia no enunciado, podendo, por isso, eximir-se da
responsabilidade do que diz e, consequentemente, dos efeitos de sentidos que
possam provocar.

Todo sujeito enunciador constrói enunciados subjetivos e estes,


dependendo do grau de subjetividade, são construídos em discursos objetivos
(por exemplo, científico), ou subjetivos (por exemplo, memórias). Assim, pode-se
entender que a subjetividade está explícita ou implícita no texto.

A subjetividade explícita ou implícita pode estar manifestada por


substantivos, adjetivos, verbos e advérbios como indícios que sinalizam a
inscrição e o juízo avaliativo do enunciador sobre algo durante a enunciação.
Essas seleções lexicais, quando inscrevem a subjetividade do enunciador, são
designadas como subjetivemas, cujas avaliações resultam de traços afetivos,
axiológicos, modalizadores de emoções.

Intencionalmente, o enunciador evidencia os sujeitos e os objetos


construídos pela referenciação. Eles mesmos são centro de cristalizações
axiológicas, ou seja, objetos de juízo de valor variáveis de uma sociedade para
outra. Por exemplo, uma mulher que pretende ter uma aparência jovial, embora
seja de meia idade, axiologicamente, pode ser avaliada, de forma positiva, por
um grupo; e, de forma negativa, por outro.

91
A autora propõe que os valores axiológicos são sociais e estão
relacionados à memória social de cada grupo. Os subjetivemas são valores
individuais e estão relacionados ao sujeito enunciador. Por conseguinte, todos os
lexemas podem conter valores axiológicos ou subjetivemas.

Os substantivos axiológicos são, também, avaliativos e, em sua maioria,


são derivados de verbos ou de adjetivos, por exemplo, “comemoração”, “enterro”,
“santificação”, entre outros. As representações substantivas permitem constituir
valorizações negativas, ou positivas, por exemplo, “louvores”, selecionados como
valores positivos quando religiosos; e, como valores negativos, para denúncia.

Assim, os valores axiológicos localizam-se em níveis de representações


referenciais, de forma a refletir uma prática simbólica do que é instaurado pelos
significados lexicais nas representações discursivas das práticas sociais. Logo, o
valor axiológico de um termo torna-se, necessariamente, polissêmico quando se
atribui mais de um significado para o conteúdo sêmico de um mesmo
significante. Como a seleção lexical para construção da referenciação modifica-
se, devido ao ato ilocucional e ao fator de informatividade do texto, os
significados são, relativamente, estáveis. Por exemplo, os atos ilocucionais
podem ser manifestados por atitudes que implicam: depreciação, reverência,
cortesia. Assim, o enunciador tem possibilidade de escolher e hierarquizar sua
reinterpretação, por tal e qual valor tenham os objetos referendados e quais
lugares ocupam, subjetivamente, no interior do enunciado.

As variabilidades dos valores axiológicos lexicais, por estarem ligados ao


ato ilocucional, são suscetíveis de construírem a legitimidade de argumentos; e,
como esses variam de texto para texto, a construção da referenciação é
argumentativa, de forma a reforçar os valores axiológicos. Assim, desencadea-se
a relação que existe entre o valor semântico e a sua função pragmática. Tal
relação se manifesta em duas categorias, positiva e negativa, de fatos
característicos das línguas naturais. Em outros termos, os valores axiológicos
variam segundo as intenções enunciadas.

92
Os termos axiológicos decorrem de avaliações subjetivas, na medida em
que refletem algumas particularidades das competências culturais e ideológicas
do sujeito enunciador e de intenções que são enunciadas por graus variados de
subjetividade para o enunciatário.

Essa variabilidade axiológica é apresentada pela autora da seguinte forma:

a) Os axiológicos avaliativos

O uso adjetival implica atribuir avaliações a respeito de algum fato da


natureza, do objeto ou do sujeito numa relação com a qual se predica um estado,
referente ao sujeito da enunciação e relativa ao sistema de avaliação; mas, se for
referente à estética, à ética, pressupõe uma qualificação implícita numa escala
de referência à qual não se aplica a hiperonímia.

Assim, o contexto especifica o valor axiológico no uso, tal como “mas”, que,
como coordenador, pode desempenhar efetivamente diferentes papéis: “aditivo X
adversativo”. Mesmo que as palavras sejam intrinsecamente valorizadoras ou
não, o código linguístico não propõe tais valores; eles decorrem do ato
enunciativo.

b) Os axiológicos afetivos

Estes implicam valores que atenuam a construção da referenciação no


texto; para tanto, o enunciador usa eufemismos, ironias cômicas, paradoxos,
cujas subjetividades permitem ao enunciador tomar posições arbitrárias como
fonte de juízo avaliativo sobre o referente.

Entende-se, assim, que os interlocutores da enunciação não tratam das


coisas do mundo com imparcialidade absoluta, mas, pelo contrário, veem-se
constituídos por certos modos de interpretação das práxis sociais, sendo que
estas caracterizam graus de orientações e de juízos de valor circunscritos nos
enunciados linguísticos.

A interação transforma, pois, tanto o contexto quanto o enunciado ou os


próprios interlocutores. Kerbrat-Orecchioni considera que os enunciados, como
93
ações, são entendidos não apenas para agir sobre outro, mas, também, para
levá-lo a reagir, na troca comunicativa, de forma a praticar outras ações.

Para a autora, a força ilocucional do ato praticado pelo enunciador nem


sempre corresponde ao que é esperado por tal enunciado, ou está expresso por
ele, no sentido de uma correspondência biunívoca entre ilocução e perlocução.

Desse modo, os subjetivemas, para Kerbrat-Orecchioni, são lexemas que


têm a função de apresentar a subjetividade do enunciador no texto. Por exemplo,
os verbos subjetivos podem ter valores subjetivos, pois transmitem juízos de
avaliação e apresentam tantas complexidades quantos os substantivos e os
adjetivos.

A seletividade verbal, geralmente, é responsabilidade do sujeito enunciador.


Os verbos de sentimento, de acordo com a autora, são afetivos e axiológicos e
expressam uma disposição favorável ou desfavorável do enunciador diante do
objeto que ele constrói em língua para o interlocutor.

Os verbos introdutores de relato mostram a existência de uma enunciação,


na qual se incluem e dão orientação dos modos do dizer: atitudes, relações
interpessoais e de poder (ordenar, aconselhar), dimensões interativas (replicar,
interromper). Há, também, usos de verbos de opinião: “pensar, crer, dar
informações”; de valoração de sentimentos: “enterrar”, “aconselhar”, entre outros
verbos considerados comunicativos em contexto interlocucional, como:
“começar”, “interromper”, “finalizar.

Verbos com maior grau de assertividade, ao lado de outros recursos,


lingüísticos ou não, podem contribuir para legitimar os atores da enunciação.
Assim, Kerbrat-Orecchioni observa que é necessário, para estruturar um conjunto
lexical, recorrer a cinco eixos sêmicos, a saber:

• o verbo implica ou não um julgamento fundado na experiência;


• o verbo implica ou não uma experiência da coisa;
• o verbo implica ou não uma predicação original;

94
• o locutor apresenta ou não como “certa” a opinião expressa na
completiva;
• o locutor apresenta ou não sua opinião como produto de uma reflexão;

O valor de opinião pode, ainda, vir expresso sob outras formas linguísticas.
Em síntese, para Kerbrat-Orecchione, o exame dos subjetivemas e dos valores
axiológicos propiciam tratar da subjetividade inscrita no enunciado,
reconstruindo-se o ato ilocucional do enunciador.

2.6 Análises textuais e discursivas

No século passado, a liguística textual foi desenvolvida por pesquisas


realizadas em textos concretos, sendo as tarefas dos pesquisadores: tratar da
noção de completude de um texto, estudar e definir a coesão e a coerência e
construir uma tipologia de texto.

Paralelamente à linguística textual, foram realizadas as análises do discurso


que objetivam encontrar categorias analíticas para o discurso visto tanto como
um acontecimento quanto como uma prática social. Com o desenvolvimento das
Análises do Discurso, foi possível construir a teoria do discurso, realizada por
diferentes vertentes, entre elas: Análise Crítica do Discurso (ACD), Análise do
Discurso de linha francesa (AD), a Análise do Discurso anglo-saxônica e anglo-
americana.

Com o desenvolvimento dos estudos do discurso e do texto, resgatou-se de


Bakhtin a noção de “gênero”. Num primeiro momento, o gênero foi tratado tanto
no texto quanto no discurso: gêneros textuais e gêneros discursivos. Atualmente,
aparece uma tendência de aproximar texto e discurso na realização de análises
linguísticas.

Na apresentação da edição brasileira da obra A linguística – introdução à


análise textual dos discursos, de Jean-Michel Adam (2008, p. 13), lê-se a análise

95
textual dos discursos, isto é, uma teoria da produção co(n)textual de sentido que
deve, necessariamente, ser fundamentada na análise de textos concretos.

O autor vem construindo, no percurso dos últimos anos, um enfoque


abrangente do texto, de seus procedimentos de análises, das tarefas da
linguística textual e de sua inserção nas ciências da linguagem. Entre os
diferentes aspectos do seu programa de pesquisa, dois têm apresentado grandes
contribuições para o tratamento do gênero discursivo e para o tratamento do
texto produto concreto. O primeiro refere-se à intersecção entre linguística textual
e Análise do discurso; o segundo, às categorias descritivas do texto processo, ou
seja, às operações de textualização.

Adam (2008, p. 61) apresenta um modelo entre discurso e texto. Neste


esquema, o autor trata interdiscurso e intertexto em planos sobrepostos; mais
tarde, conforme apresentação a seguir, o autor sugere um modelo integrado,
entre interdiscurso e intertexto.

Esquema 4:

NÍVEIS OU PLANOS DA ANÁLISE DE DISCURSO

FORMAÇÃO INTERAÇÃO AÇÃO


URSIVA SOCIAL (VISADA, OBJETIVOS)
(N3) (N2) (N1)

INTERDISCURSO
Língua(s)
Gênero(s)

TEXTO

Textura Estrutura Semântica Enunciação Atos de discurso


(proposições composicional (Representação (Resposabilidade (ilocucionário)
enunciadas & (sequências e discursivas) enunciativa) & & Orientação
períodos) planos de textos) (N6) Coesão argumentativa
(N4) (N5) polifônica (N8)
(N7)
NÍVEIS DA ANÁLISE TEXTUAL DO RISÍVEL

96
Dessa forma, o autor propõe uma abordagem na qual texto e discurso são
pensados de forma articulada e situa a linguística textual como um subdomínio
de uma área mais ampla da análise das práticas discursivas, postulando, ao
mesmo tempo, uma diferença e uma complementaridade.

As operações de textualização são de dois tipos: segmentação e ligação,


sendo que cada qual se desdobra em diferentes subcategorias. As operações de
ligação garantem a continuidade textual e são especificadas como ligações
semânticas (anáforas, co-referências, isotopia e colocações) e como ligações do
significante, entre outras ligações possíveis.

A partir da unidade textual elementar – a proposição-enunciado – as


operações de ligações são construídas, de forma recorrente, como unidades
textuais de complexidade crescentes, conforme a seguinte hierarquia: proposição
> períodos/sequências > plano de textos. Segundo o autor, essa abordagem
enfatiza a dimensão sequencial linear, que deve ser complementada por uma
dimensão não sequencial, mas que contribui para a significação do texto com
base em redes de elementos que se distribuem de forma não sucessivas.

A coesão textual é tratada pelas categorias focalização e progressão


temática. Pela focalização constrói-se o tema que progride semanticamente sem
ser alterado no texto produto por informações novas.

Assim, Adam propõe que unidade textual elementar é a proposição


enunciada construída como uma micro unidade enunciativa e textual para o ato
de referência, que é a construção de uma representação discursiva pelo
produtor.

Dessa forma, a progressão semântica é realizada por uma responsabilidade


enunciativa que constrói uma orientação argumentativa dos enunciados a partir
de microatos de discursos.

Entre os diferentes itens tratados por Adam, foram selecionados os tipos de


ligação das unidades textuais de base, entre o dito e o não dito: da elipse ao

97
implícito; períodos e sequências - unidades composicionais de base e
estruturações sequenciais e não-sequenciais dos textos.

Para o autor, as unidades composicionais de bases decorrem de certas


propriedades linguísticas que constituem as relações semânticas de co-
referências: pronominalização, referenciações dêiticas anafóricas - na medida em
que uma operação referencial dêitica depende de uma outra, presente no co-
texto (anáfora e catáfora) e no contexto ou na situação de enunciação que as
diferenciam do funcionamento dos designadores (exofórico) - e mais as
repetições, elipses, progressão temática e inferências.

Adam (2008), quando focaliza o que ele designa de ato de referência e


construção de uma representação discursiva, propõe as seguintes categorias
enunciativas:

1) índices de pessoas;

2) dêiticos espaciais e temporais;

3) tempos verbais;

4) modalidades do tipo objetivas (dever, ser necessário); intersubjetivas


(uso do imperativo, perguntas); subjetivas (querer, pensar, esperar);
verbos de opinião (crer, saber, duvidar); lexemas afetivos e avaliativos;
axiológicos concernentes à moral “bom”, “mau”;

5) diferentes modos de representação da voz de outros (“enunciativo e


meta-enunciativo que reflete sobre o dito) e opinião anônima: “parece
que”.

Pode-se entender que os enunciados referenciais propiciam a existência do


referente. Este pode ser identificado por inferência, ou seja, as unidades
referenciais presentes no co-texto permitem o desenvolvimento de uma relação
do tipo todo-partes, isto é, formas explícitas e/ou elípticas usadas,
estrategicamente, para permitir não dizer tudo e propiciar que o interlocutor
complemente por inferências.
98
Assim, o fato de um texto concreto não apresentar uma visão de plenitude
ou de completude sintática não é considerado falta ou defeito para os
interlocutores, mas uma fonte de variantes expressivas de feitos e de sentidos,
ao considerar que as expressões linguísticas (paráfrases, concessões etc.)
concedem o suficiente para que o interlocutor encadeie outros domínios, tais
como as figuras retóricas e macro-enunciados que exercem a função de
supressão.

Nesse sentido, é necessário considerar que um texto concreto, para ser um


texto, deve fazer sentido para seus interlocutores, pois apenas os enunciados
não constituem um texto. A língua empregada pelo locutor deve ser conhecida
pelos interlocutores daquele ato interativo; porém, não basta somente que o meio
linguístico seja conhecido e dominado pelos interlocutores, a fim de que eles
possam interagir. É necessário que os interlocutores saibam reconhecer os
recursos estilísticos, os modos de organização textual, as formas de
conhecimentos representadas em língua, entre outros.

Uma outra noção importante para a construção da coesão textual é a noção


de isotopia do discurso e colocações de elementos linguísticos por ligações
semânticas.

A questão de isotopia da mensagem ou plano isotópico do discurso foi


proposta por Greimas (1976, p. 28, apud Adam, 2008). Segundo Greimas:

A existência do discurso – e não de uma sequência de frases


independentes – só pode ser afirmada se postulada, para a
totalidade das frases que o constituem, uma isotopia comum,
reconhecível, graças a um leque de categorias linguísticas ao longo
do seu desenvolvimento. Assim, somos inclinados a pensar que um
discurso “lógico” deve ser sustentado por uma rede de anafóricos
que, remetendo-se de uma frase a outra, garantem sua
permanência tópica.

Mais tarde, Charolles (1988) também trata da isotopia que, por ser
semântica, situa-a na coerência do texto, enquanto Greimas (1976) situa-a na

99
coesão textual. Todavia, ambos os autores entendem que um texto organizado
tem uma isotopia, ou seja, uma unidade temática que progride semanticamente
no texto. Com o desenvolvimento da linguística textual, a noção de coesão passa
a ser situada no texto produto e a noção de coerência, no processador da
informação, de forma a se afirmar que a coerência não está na representação
verbal do texto.

Por essa razão, Eco (1985, p. 131) define que isotopia consiste em
constância de um percurso de sentido que um texto exibe quando é submetido a
regras de coerência interpretativa. Adam (palestra proferida dia 19 de novembro
de 2010, na PUC/SP) situa a isotopia na dimensão semântico-referencial, num
nível intermediário entre o local e o global, porque é analisável em termos de
coesão de mundo representado, ou ainda, conforme delimita o autor, a coesão
semântica é um fato de co-textualidade que a noção de isotopia permite teorizar.

A noção de isotopia pode ser situada na ligação estabelecida entre dois


lexemas numa estrutura frasal ou transfrasal. Esse conceito apresenta a
vantagem de ressaltar a importância do léxico no trabalho interpretativo do leitor.

Por essa razão, Arrivé (1976, p. 15) afirma: ler um texto é identificar a(s)
isotopia(s) que o percorre(m) e seguir passo a passo os (dis)cursos dessas
isotopias. O conceito de isotopia permitiu distinguir fatos de co-topia (lugar), de
heterotopia (lugares diferentes) e de poliisotopia (inúmeros lugares).

Robert Martin (1983), por uma lógica do sentido, define uma língua como
uma relação metafórica porque uma palavra se define pela outra, de forma a
construir áreas semânticas, que são conhecidas dos falantes de uma língua. É
esse conhecimento que ao seguir a orientações de um texto permite a
recategorização de um texto de forma a transformar co-topias, heterotopias e
poliisotopias por recategorização em uma isotopia.

Ao tratar da conexidade na dimensão sequencial das proposições, Adam


distingue os planos micro e macroestrutural. O primeiro remete à estruturação
morfossintática da unidade proposição-frase, descrita tradicionalmente pela

100
lingüística. Essa estruturação só é explicada por intermédio de uma semântica de
mundos, ou seja, pela configuração de conhecimentos globais.

No que se refere ao plano macroestrutural da conexidade, devem-se


considerar as cadeias de proposições, unidades de sentido. Inserem-se, nessa
etapa, os recursos já mencionados acerca da recorrência: a pronominalização, a
substituição lexical, a reformulação, as recuperações pré-suposicionais e as
retomadas de inferências que exercem, muitas vezes, a função de conectores
argumentativos.

Os conectores argumentativos possibilitam que as funções de segmentação


enunciativa e de orientação argumentativa dos enunciados permitam uma
reorganização dos conteúdos proposicionais, seja como argumento, seja como
conclusão, até mesmo, como contra-argumento numa cadeia de atos de
discurso.

Com essa concepção, pode-se entender que um texto não é uma simples
sequência de atos de enunciação, mas de valor ou força ilocucionária de uma
estrutura de atos de discurso ligados entre si e de elementos auxiliares que
compõem as práticas discursivas.

No que se refere à dimensão do texto, Adam, na palestra proferida dia 19


de 2010, na PUC/SP, apresentou o seguinte esquema:

101
Esquema 5:

Responsabilidade enunciativa (unidade de sentido) dimensão não-frasal da proposição

Ponto de vista (Unidade tópica, unidade semântica)

N7 (enunciação)

N4 (textura) N5 (estrutut. Compos.) N5 (estrutura comp.) –N4 (textura)


(prop. enun. e per.) (seq. e planos de text.) (seq. e planos de textos) (propos. enunc. e per.)
Ligação com um Ligação com um
Co-texto Proposição co-texto posterior
(dito ou implícito) Enunciado (dito ou implícito)
Unidade semântica

A-N6 (Semântica) C-N8 (Atos de discurso)


(representação discursiva) (ilocucionário e orientação argumentativa)

Referência como Valor ilocucionário


Representação discursiva resultante das
Construída pelo pontecialidades argumentativas
Conteúdo proposicional dos enunciados

Obs.: As palavras abreviadas estão expandidas no esquema 06, a seguir.

Com essa concepção, pode-se entender que um texto não é uma simples
sequência de proposições, mas de uma proposição enunciada que agrupa todas
as proposições secundárias do texto, de forma isotópica.

Da mesma forma, com essa concepção, pode-se entender que um texto


não é uma simples sequência de atos de fala, mas cuja força ilocucionária
agrupa os diferentes atos de fala, de forma a interligá-los entre si, juntamente
com elementos auxiliares que compõem as práticas discursivas. Logo, um texto é
uma unidade composta de inúmeras sequências de nódulos e planos diferentes.

As unidades sequenciais são unidades complexas formadas cada qual de


uma proposição-enunciado: macroproposição. As macroproposições reúnem-se
em unidades mais hierárquicas de forma que uma sequência passa a adquirir
sentidos em relação a outras sequências.

Dessa maneira, uma sequência constitui-se de uma rede relacional


hierárquica e, ao mesmo tempo, é uma entidade relativamente autônoma, dotada

102
de uma organização interna, numa relação de dependência versus
independência.

Com a inserção da noção de sequência e de dominante sequencial, Adam


confirma a ideia de heterogeneidade constitutivas dos textos. Esta mantém uma
relação com a noção de macroestrutura, uma representação semântica de
significado global, conforme proposto van Dijk (1978 e 1983).

Em palestra proferida por Adam, em 19 de novembro de 2010, na PUCSP,


o autor apresenta o seguinte esquema integralista, ou seja, a intersecção de
texto-discurso:

Esquema 6:

ANÁLISE TEXTUAL DOS DISCURSOS

NÍVEIS OU PLANOS DA ANÁLISE DO DISCURSO

FORMAÇÃO INTERAÇÃO AÇÃO SOCIODISCURSIVA


N2 SOCIAL N1 (VISADA, OBJETIVOS)

INTERDISCURSO
LÍNGUA(S), INTERTEXTO S
& GÊNERO(S) N3

TEXTO

TEXTURA ESTRUTURA SEMÂNTICA ENUNCIAÇÃO ATOS DE


COMPOSICIONAL DISCURSO
(Proposições (Representação (Responsabilidade (Ilocucionário)
enunciadas & (sequências e discursiva) enunciativa) & & orientação
Períodos) Planos de textos) Coesão polifônica argumentativa

N4 N5 N6 N7 N8

NÍVEIS DA ANÁLISE TEXTUAL DO RISÍVEL

103
O esquema proposto por Adam apresenta o texto como um objeto
complexo. A proposta teórica do autor é tratar dessa complexidade por uma
teoria de níveis, pois ela divide a complexidade do texto em conjuntos pensáveis
e interligados. Os níveis para Adam vão de 1 a 8, de forma a sugerir que o texto
é uma sequência de fatos discursivos com orientação argumentativa. A partir da
inter-relação proposta entre discurso e texto, o autor não separa gêneros do
discurso de gêneros de texto, pois o gênero do discurso integra um sistema de
discursos e de textos relativos a cada um dos discursos.

Segundo Adam, não há tipos de textos: o texto objeto teórico e o texto


singular, concreto, é produto de uma enunciação.

Enquanto modelo teórico, o texto apresenta um nível que é a sua textura;


um outro nível, é a sua estrutura composicional; um nível a mais, é a semântica,
além de mais dois níveis, a saber: a enunciação e os atos de discurso.

Segundo o quadro apresentado, um gênero define-se em relação a outros


gêneros; logo, quando se estuda um gênero, estuda-se um sistema de gêneros.
Assim, para tratar da formação socio-discursiva, é necessário ligar ao texto
concreto por interdiscursos, língua(s), intertextos e gêneros. Nos interdiscursos,
os intertextos são textos compartilhados socialmente por uma comunidade, na
medida em que os intertextos formam parte do sentido do texto singular,
concreto, objeto das análises textuais dos discursos.

A formação discursiva decorre da interação social e esta de forma


recursiva está relacionada à ação visada, conforme os objetivos traçados. Nesse
sentido, a ação discursiva está inter-relacionada no texto concreto pelos atos de
discurso, sendo que o ato ilocucional planeja a orientação argumentativa.

Nos níveis ou planos da análise textual, o texto concreto é analisado:

- pela sua textura: proposições enunciadas e períodos;

- pela sua estrutura composicional: sequências e planos de textos;

- pela semântica: representação discursiva da referenciação;


104
- pela enunciação: seleção realizada pelo produtor, a fim de atender a
responsabilidade enunciativa, articulada com a coesão polifônica;

- pelos atos de discursos: ilocucional, responsável pela orientação


argumentativa.

Adam, ao propor o gênero no discurso, segue Bakhtin ao tratar os gêneros


do discurso como aqueles que organizam a nossa fala, ao mesmo tempo que
organizam as formas gramaticais. Para Adam, embora os gêneros do discurso
sejam mutáveis e flexíveis, eles têm, também, um valor normativo: os gêneros
são dados ao produtor, não é ele quem os cria, isso porque o enunciado em sua
singularidade, a despeito de sua individualidade e de sua criatividade, não pode
ser considerado como uma combinação absolutamente livre das formas da
língua.

Dessa forma, o texto não aparece mais como dissociado do discurso, pois
ambos são pensados de forma articulada. Trata-se, portanto, de um
reposicionamento desses dois planos de análises, o discursivo e o textual, que
trazem consequências importantes para teorizá-los, propor metodologias de
análises e estabelecer suas relações mútuas e com outras áreas do “saber”.

Ao se referir às categorias descritivas, Adam (2008, p. 14) propõe que as


operações de textualização consistem no conjunto de operações que levam um
sujeito a considerar, na produção e/ou na leitura/audição, uma sequência de
enunciado que forma um todo significante.

Em síntese, este capítulo apresentou os fundamentos teóricos que


contribuíram para a construção da tese defendida. Foram apresentados,
aspectos relativos ao cognitivo: (processamento da informação, na memória de
trabalho); relevância (reconstrução do contexto cognitivo, na memória de médio
prazo); ativação de conhecimentos da memória de longo prazo individual e social
para a expansão proposicional do texto verbal-produto, ou texto concreto. O
tratamento do gênero foi situado nos interdiscursos e nos intertextos de cada

105
discurso, de forma a entender que o gênero é discursivo e se define a partir de
um sistema de discursos que apresenta, entre si, uma mesma formação sócio-
cultural discursiva, num dado momento histórico. Assim, foi possível, segundo
Adam (2010, conferência proferida na PUC/SP) integrar os planos da análise
textual com os planos das análises do discurso, a partir de níveis:

- nível 1 interação–social;

- nível 2 formação sociodiscursiva;

- nível 3 interdiscurso(s), língua (s), intertextos e gênero(s);

- nível 4 textura;

- nível 5 estrutura composicional;

- nível 6 semântica;

- nível 7 enunciação;

- nível 8 atos de discursos (que inter-relacionam os planos da análise


textual com a análise do discurso pelos objetivos, ação visada pelo sujeito).

A seguir apresentam-se as análises das ações construídas pelo produtor do


riso e de quem ri, situados como gênero discursivo de humor engraçado em um
sistema de gêneros, aqui, agrupados em: chistes, histórias, crônicas e charges, os
quais possibilitaram identificar que os produtores do riso, por meio de textos,
propiciam aos interlocutores ativar a construção dos sentidos que levam ao riso.

106
Qual é o seu foco!
Um paciente diz ao psiquiatra:
- Toda vez que estou na cama, acho que tem alguém embaixo. Aí eu vou
embaixo da cama e acho que tem alguém em cima.
Pra baixo, pra cima, pra baixo, pra cima. Estou ficando maluco!
- Deixe-me tratar de você durante dois anos. Venha três vezes por semana
e eu curo este problema – diz o psiquiatra.
- E quanto o senhor cobra? – pergunta o paciente.
- R$ 120,00 por sessão – responde o psiquiatra.
- Bem, eu vou pensar – conclui o sujeito.
Passados seis meses eles se encontram na rua.
- Por que você não me procurou mais? – pergunta o psiquiatra.
- A 120 paus a consulta, três vezes por semana, dois anos = R$ 37.440,00.
Ia ficar caro demais. Aí um sujeito num bar me curou por 10 reais.
- Ah é? Como? – pergunta o psiquiatra.
- Por 10 paus ele cortou os pés da cama.
Muitas vezes o problema é sério, mas a solução pode ser muito simples. Há
uma grande diferença entre foco no problema e foco na solução.
Concentre-se na solução ao invés de ficar pensando no problema.

107
CAPÍTULO III

O RISÍVEL E O RISO EM TEXTOS NARRATIVOS VERBAIS E MULTIMODAIS

Este capítulo apresenta as análises, do gênero discursivo risível, referentes


às ações praticadas pelo provocador do riso e àquelas realizadas por quem ri.
Dos textos analisados, chistes, histórias, crônicas e charges de jornais, foram
selecionados alguns para serem apresentados, a título de exemplificação.

Os textos são construídos pelo provocador do riso, a partir de


conhecimentos instaurados pelos discursos públicos e/ou eventos discursivos
particulares, de forma a propiciar, em seu interlocutor, o riso.

3.1 Risível e riso em chistes


O chiste, objeto de reflexão desde o orador Cícero, é compreendido como
recurso retórico de possível fonte espirituosa, que visa surpreender e satisfazer o
interlocutor. Logo, para Todorov (1980), o chiste é uma figuração sintagmática
que hierarquiza dois sentidos; consiste, retoricamente, em chamar a atenção do
ouvinte, para que ele ative um primeiro sentido, e deste construa um segundo.

3.1.1 Gênero discursivo do risível


O chiste é um texto usado constantemente tanto em eventos discursivos
particulares quanto em discursos públicos, em que o provocador do riso é o
locutor cômico.

Entende-se que o chiste é um texto reduzido que tem completude.

3.1.1.1 Chiste que envolve parentesco (genro X sogra)


(texto 1)
O amigo pergunta para o Zé.
- Zé de onde você vem?
- Acabei de enterrar a minha sogra.
- Por que você está todo arranhado e sujo de barro assim?
- Porque a velha não queria ser enterrada.

108
a) No que se refere aos macroatos de fala, as ações do locutor são guiadas pelo
seu macroato para provocar o riso. A fim de obter a conivência do interlocutor,
quem provoca o riso pratica as seguintes ações:

b) as ações do provocador do riso são:

b.1) selecionar dois fatos:

fato 1 – o relacionamento familiar entre genro e sogra que, culturalmente, é


representado com um valor negativo, seja pelo genro, seja pela nora, pois a sogra
é concebida como aquela que interfere nas relações sociais do casal, impondo,
de forma dominadora, suas opiniões, tornando-se desagradável. O valor positivo
do relacionamento com a sogra é atribuído à sua ausência e o valor negativo à
sua presença.

fato 2 – o enterro de um parente que é representado culturalmente pela dor da


perda.

b.2) associar A com B, de forma retórica:

As expressões verbais: “sogra” e “enterro” propiciam ao interlocutor


associar um conjunto de conhecimentos, ao ativar a sua memória de longo prazo.
Trata-se de duas isotopias: “sogra”, “enterro”.

Ambos os fatos estão situados na contemporaneidade discursiva.

- A construção retórica é realizada pelo locutor que orienta o seu interlocutor a


associar conhecimentos a respeito do script de enterro de um familiar cujo sentido
mais global, ou seja, o frame é <<a dor da perda>>.

b.3) focalizar semas com similitudes:

No fato 1, é focalizado no sema enterrar valor positivo dado à ausência da


sogra, que apresenta similitude com um sema enterro do script do fato 2, pois o
fato social enterro é representado pela ausência do vivo que se tornou morto. Em
ambos os scripts ocorrem << a ausência definitiva de alguém>>.

b.4) selecionar expressões linguísticas polissêmicas:

109
No chiste analisado, as expressões linguísticas, construídas para o
interlocutor, são: “enterrar” e “enterrada”.

b.5 ) dissociar o que foi associado por polissemia:

O provocador do riso muda o papel que o personagem vinha representando:


o genro, numa situação inicial, representa o papel de quem vem consternado do
enterro da sogra para representar um novo papel: daquele que mata a sogra para
ver-se livre dela.

Assim, “enterro da sogra” é reconstruído: pela mudança do frame: “a dor da


perda do parente”, substituída por <<a alegria da exclusão definitiva da sogra>>.
Esses sentidos estão implícitos no co-texto verbal: não querer ser enterrada =
sujeito agente deliberador = pessoa que quer permanecer viva:

- Por que você está todo arranhado e sujo de barro assim?


- Porque a velha não queria ser enterrada.

O conteúdo da palavra “enterrada” é reconstruído pela mudança do frame


<<o morto é enterrado porque se decompõe>> por <<o vivo é enterrado para
morrer, porque aborrece as pessoas>>.

b.6) relacionar a associação e a dissociação por articular o dado com o novo:

b.6.1) – o novo é o meio “ser enterrada viva” para <<conseguir excluir, para
sempre, a presença desagradável da sogra>>.

b.6.2) – o velho é a morte como ausência de um ente familiar que causa dor; a
morte causa a perda, para sempre, da sogra que é o parente desagradável.

c) essas ações de associação e dissociação são representadas por van Dijk


(1978), na estrutura da argumentação,

110
Esquema 7:

Estrutura da argumentação

premissa hipótese justificativa conclusão

a presença da sogra é enterrá-la viva é causar-lhe a morte


desagradável e produz conflito de forma a obter, com sua ausência, a
alegria e o prazer

marco das cognições sociais circunstância


- embora a presença da sogra seja desagradável, obter a ausência definitiva da sogra a fim
segundo os valores morais, deve-se tratá-la como mãe; de evitar conflito
os valores éticos não deixam que ela perceba
que não é bem-quista.

A expressão <<a presença da sogra ser desagradável e produzir conflito>>,


na atual contemporaneidade, é avaliada, negativamente, no marco das cognições
sociais, mas que, devido aos valores morais e éticos, <<suporta-se a presença da
sogra sem que ela perceba o fingimento>>, na medida em que rompe com os
valores morais e éticos das cognições sociais.

- criar para o interlocutor uma cumplicidade, ao resolver a polissemia:

Nesse sentido, a partir do velho, busca-se criar no interlocutor uma


cumplicidade, pois se remete ao já sabido por ele, que está alocado em sua
memória social. Para tanto, dissocia-se o que anteriormente foi associado, para
resolver a polissemia, pela reconstrução do fato narrado; assim, o provocador do
riso muda o papel social que o personagem vinha representando.

d) as ações daquele que ri

d.1) seguir orientações de leitura, conforme ato associativo do provocador do riso:

O interlocutor reconhece a isotopia que está sendo associada: “enterrar a


sogra defunta”.

d.2) construir um contexto cognitivo, para guiar a produção de inferências:

111
A palavra “enterrar” ativa na memória de longo prazo social o respectivo
script, que, devido à cultura cristã do brasileiro, pode ser apresentado em uma
cronologia temporal dos seguintes semas:

- tempo - (t)1 morte da sogra; t2 velório da sogra; t3 seleção do cemitério pela


família; t4 cerimonial religioso; t5 acompanhamento dos presentes ao lugar da
cova; t6 última despedida do morto; t7 descida do caixão; t8 encerramento da
cova; t9 despedida dos presentes; t10 familiares e amigos consternados
retornam à casa de um dos parentes mais próximos para fazer companhia.

d.3) ativar, na memória de longo prazo social, respectivamente, script e frame:

O script de “enterro” apresenta, culturalmente, o seguinte frame (sentido


mais global), que hierarquiza os demais sentidos secundários: <<a dor da
perda>> do familiar.

O interlocutor reconhece a focalização dada no frame do script e ao


continuar a processar a informação dá entrada pela memória de curto prazo a:
“- Por que você está todo arranhado e sujo de barro assim?”, que se relaciona a
uma outra isotopia, “esforço para manter a sogra enterrada”.

Os sentidos construídos por inferências decorrem de um outro script ativado


pelo interlocutor e este varia de interlocutor para interlocutor, embora, seguindo a
orientação do locutor, os semas orientadores sejam: “sujo, arranhado”. É
possível, assim, que ele ative o script de “briga corporal”, cujo frame é <<a
violência corporal>>.

d.4) fazer essa inferência, para que ela se torne ostensiva no contexto cognitivo:

O locutor propicia que o interlocutor reconheça uma relevância em seu


contexto cognitivo, pois <<a dor da perda de um parente>> não pode entrar no
mesmo contexto de “violência corporal”. Dessa forma, continua a dar entrada à
informação, para resolver o que é ostensivo em seu contexto cognitivo:

- “Porque a velha não queria ser enterrada”.

112
O interlocutor, ao processar essa sequência de expressões linguísticas,
ativa um outro script “assassinato, por enterrar uma pessoa viva”. Dessa forma,
para produzir a junção de duas isotopias em uma única isotopia, o interlocutor
recategoriza os sentidos mais globais.

d.5) tomar consciência da quebra da expectativa:

Aceitar a quebra de expectativa implica que o interlocutor produza a


reformulação do seu contexto cognitivo. Dessa forma, por:

Associação: papéis sociais representados pelos personagens (p): p1 sogra


morta, velada e enterrado com a dor da perda dos parentes; p2 genro, parente
da sogra, caracterizado pela dor de sua perda;

Dissociação: p1 sogra, reagindo, agressivamente, ao ser enterrada viva pelo


genro; p2 genro, quem mata a sogra, a fim de livrar-se definitivamente de sua
presença desagradável.

Realizar o ato de fala perlocucional, praticando a ação de rir, ao reconhecer


o macroato de fala do provocador do riso. Com essa cumplicidade, atinge-se o
princípio da felicidade.

d.6) reformular o contexto cognitivo leva o interlocutor a:

– ativar o emocional: a tristeza é transformada, pela condição cômica, em achar


graça, causada pelo seu próprio engano;

– ativar o cognitivo: a reconstrução pelo intelecto decorre das relações de


parentesco entre genro e sogra, no atual contexto sócio-histórico e cultural de
grupos sociais brasileiros.

- o dado: embora a presença da sogra seja desagradável para o genro, ele a


respeita socialmente, ou seja, não quer que ela acredite que é desagradável para
ele; e o novo: a presença desagradável da sogra é afastada definitivamente pelo
genro que a enterra viva, para morrer.

113
- a expressão facial: o achar graça resolve a ambiguidade existente que produziu
a relevância no contexto cognitivo.

3.1.1.2 Chiste que envolve a vaidade feminina em idade avançada


(texto 2)

Uma senhora muito pintada e com a roupa muito justa e curta, olha
para um rapaz e pergunta-lhe: quantos anos você me dá?

- Ele olhou, olhou, olhou, hesitou e acabou dizendo: - Se eu lhe der


mais dois anos a senhora já estaria durinha, aqui.

a) No que se refere aos macroatos de fala, as ações do locutor são guiadas pelo
seu macroato para provocar o riso. A fim de obter a conivência do interlocutor,
quem provoca o riso pratica às seguintes ações:

b) as ações do provocador do riso:

b.1) selecionar dois fatos:

fato 1 – um personagem caracterizado e representado verbalmente no texto,


como uma mulher de meia idade, que acredita ser jovem, por ter copiado a
aparência de uma mulher jovem; uma mulher de meia idade, para determinado
grupo de mulheres que não querem envelhecer e querem manter-se sempre com
a aparência de jovem, culturalmente, recebe valor positivo nesse grupo; porém,
em outros grupos sociais, tal vaidade pode receber valor negativo.

fato 2 – o rapaz, por ser cortês, não conseguiu atribuir em números a meia idade
da senhora.

b.2) associar A com B, de forma retórica:

As expressões verbais: “senhora de idade” e “estaria durinha” propiciam


que o interlocutor associe um conjunto de conhecimentos, ao ativar a sua
memória de longo prazo. Trata-se de duas isotopias: “senhora de idade” “estaria
durinha”.

114
Ambos os fatos estão situados na contemporaneidade discursiva.

- A construção retórica é realizada pelo locutor que orienta o seu interlocutor a


associar conhecimentos a respeito de dois esquemas mentais conceituais-
descritivos: 1 - mulher vestir roupas justas e curtas, estar na moda, usar muita
pintura no rosto, principalmente, nos olhos e na boa; usar vários acessórios para
se enfeitar com designer da moda jovem do momento; esquema mental
conceitual 2 - uma mulher muito idosa próxima da morte; com aparência de
senhora com organismo deteriorado, membros e corpo enrijecido “estaria
durinha”, com dificuldades de locomoção e com dificuldades para respirar,
enxergar, comer entre outras.

b.3) focalizar semas com similitudes:

No esquema mental conceitual 1, o sema “durinha” tem similitude com o


sema do outro esquema mental conceitual 2, pois no primeiro “durinha” é igual a
<<enrijecimento pela morte>> e segundo “durinha” é igual ao <<enrijecimento
muscular próprio da juventude>> de valor positivo dado à aparência externa de
uma mulher de meia idade. Em ambos os scripts, ocorre <<enrijecimento>>.

b.4) selecionar expressões linguísticas polissêmicas:

No chiste analisado, as expressões linguísticas são: “já estaria durinha” é


polissêmico, pois tanto contém <<enrijecimento pela morte>> quanto o
<<enrijecimento por atividades da juventude>>.

b.5 ) dissociar o que foi associado por polissemia:

O locutor dá uma direção de leitura, a fim de que o interlocutor reformule os


papéis sociais representados por quem quer provocar o riso. Assim, na
dissociação, é a senhora velha estar próxima da morte.

O locutor direciona seu interlocutor a realizar a mudança da aparência da


idade, ao selecionar “já estaria durinha”, no futuro do pretérito. Esses sentidos
estão implícitos no co-texto verbal, pois uma pessoa enrijecida é igual a estar
morta:
115
Quantos anos você me dá?
- Ele olhou, olhou, olhou, hesitou e acabou dizendo: - Se eu lhe der
mais dois anos a senhora já estaria durinha, aqui.

A expressão “já estaria durinha” pode propiciar, dependendo da conivência


do interlocutor, uma dissociação dos esquemas mentais conceituais de
<<enrijecimento pela morte, para quem é idoso>> para <<enrijecimento pela
atividade da juventude, para quem é jovem>>.

b.6) relacionar a associação e a dissociação por articular o dado com o novo:

b.6.1) – as expressões “já estaria durinha” é selecionado para ativar no


interlocutor o esquema mental conceitual 2 <<musculatura rija do jovem>>, e o
esquema mental conceitual 1 << enrijecimento da morte>>, a fim de dissociá-lo
para que o interlocutor, pela reconstrução do velho, construa novo;

b.6.2) – um outro conceito para o fato de as pessoas velhas quererem adotar


atitudes de jovens, para parecerem mais jovens, o velho.

c) essas ações de associação e dissociação são representadas por van Dijk


(1978), na estrutura da argumentação,

Esquema 8:

Estrutura da argumentação

premissa hipótese justificativa conclusão

uma mulher velha que adota a mulher velha parece mais velha pela
aparência de jovem para disparidade da aparência de jovem
parecer mais jovem adotada.

marco das cognições sociais circunstância

- grupo 1: uma pessoa velha não aceitar os efeitos - uma velha vestida e maquiada como jovem
da idade e querer ter a aparência de jovem, adotando acreditando que é jovem.
a aparência dos jovens do seu momento histórico;
grupo 2: uma pessoa velha valoriza a sua idade por
ser mais experiente e vivida que uma pessoa jovem,
mantendo a aparência de velha.

116
Na expressão “já estaria durinha” <<a pessoa velha que não aceita os
efeitos da idade por querer manter a aparência de jovem>>, propicia sugerir a
vaidade feminina que tem valor positivo para o grupo 1, das “pessoas que querem
manter a aparência jovem”, e valor negativo para o grupo 2, das pessoas que
aceitam alterações naturais, como valores culturais grupais.

De forma retórica, associação e dissociação entre cognições sociais são


relacionadas e, respectivamente, tem-se:

- associação e dissociação como ações realizadas por quem provoca o riso, pois
a conclusão apresentada dissocia na medida em que rompe com os valores
culturais das cognições sociais.

- criar para o interlocutor uma cumplicidade, ao resolver a polissemia:

Dessa forma, quem provoca o riso tem por intenção que seu interlocutor
resolva a polissemia instaurada; visa, pois, prover que ele ria do seu engano.

Nesse sentido, a partir do velho, quem provoca o riso busca criar no


interlocutor uma cumplicidade, já que se remete ao já sabido por ele. Dessa
forma, orienta que seu interlocutor dissocie o que anteriormente tinha associado,
para resolver a polissemia e reconstruir o conceito focalizado. Para tanto, o
provocador do riso sugere a mudança do papel social representado pelo
personagem focalizado para manifestar o conceito que deve ser reformulado.

d) as ações daquele que ri

d.1) seguir as orientações de leitura, conforme o ato associativo do provocador do


riso.

O interlocutor reconhece a isotopia que está sendo associada, “a mulher


velha que quer parecer jovem e adota a aparência que os jovens têm naquele
momento histórico”.

d.2) construir um contexto cognitivo, para guiar a produção de inferências:

117
A expressão “Quantos anos você me dá?” ativa na memória de longo prazo
social os respectivos esquemas mentais conceituais, devido à cultura contida no
marco das cognições sociais, no esquema mental conceitual descritivo 1: uma
mulher vestir roupas justas e curtas, estar na moda, usar muita pintura, usar
acessórios para se enfeitar com designer da moda jovem do momento histórico;
no esquema mental conceitual descritivo 2: uma mulher muito idosa próxima da
morte; com aparência de senhora deteriorada, membros e corpo enrijecidos, com
dificuldades de locomoção e com dificuldades para respirar, enxergar, comer,
entre outras, querer ter, sempre, a aparência de jovem.

d.3) ativar, na memória de longo prazo social, respectivamente, script e frame:

A construção realizada pelo interlocutor ao associar conhecimentos a


respeito dos dois esquemas mentais conceituais. No esquema mental conceitual
1: “já estaria dura” equivale a <<enrijecimento da morte>> e, no esquema mental
conceitual 2, ao <<enrijecimento muscular da atividade da juventude>> de valor
positivo dado a aparência externa de uma mulher de meia idade.

Ao dar entrada na memória de curto prazo, o interlocutor reconhece a


focalização dada, pelo locutor, que ativa, pela expressão “Se eu lhe der mais dois
anos a senhora já estaria durinha”, dois esquemas mentais conceituais para o
interlocutor processar a informação de quem tem aparência do frame “durinha”,
que apresenta o script ter a musculatura enrijecida pelas atividades “de jovens” e
de enrijecimento “pela morte”, que se relaciona a uma outra isotopia,
rejuvenescimento.

Os sentidos construídos por inferências decorrem de o interlocutor seguir as


orientações dadas pelo locutor e propiciar a construção de dois esquemas
mentais conceituais sobre “já estaria durinha”, a fim de ativar o script de
“musculatura rija por malhação corporal” e, por frame, <<aparência corporal>>.

d.4) fazer essa inferência, para que ela se torne ostensiva no contexto cognitivo:

Ao fazer essa inferência, propicia que o interlocutor reconheça uma


relevância em seu contexto cognitivo, pois <<o enrijecimento muscular de jovem
118
malhada>> não pode entrar no mesmo contexto de “enrijecimento pela morte”.
Dessa forma, continua a entrada incompatível de dois momentos diferentes que
deve ser resolvida, ostensivamente, em seu contexto cognitivo: “- Se eu lhe der
mais dois anos a senhora já estaria durinha, aqui.” O interlocutor, ao processar
essa sequência de expressões linguísticas, ativa um outro script “a senhora está
muito velha e está prestes a morrer”.

d.5) tomar consciência da quebra da expectativa:

Para aceitar a quebra de expectativa, o interlocutor reformula no seu


contexto cognitivo as mudanças dos papéis sociais atribuídos, pelo locutor, por:

Associação: papéis sociais representados pelos personagens: p1, mulher,


senhora, que quer aparentar pouca idade, quer que um rapaz jovem atribua sua
idade; p2 rapaz, jovem, cortês, que não transformou em números a idade da
senhora, oculta a informação com os efeitos da morte, isto é, enrijecimento
muscular;

Dissociação: p1 mulher, senhora que acredita aparentar ter musculatura


enrijecida, aparência jovem, por usar roupas curtas e justas, maquiagem e
pintura de jovens; p2 rapaz, jovem que não expõe a idade da senhora, mas
sugere a aparência de quem está prestes a morrer.

Alcançar o ato de fala perlocucional, significa reconhecer o macroato de fala


do provocador do riso. Com essa cumplicidade, atinge-se o princípio da
felicidade.

d.6) reformular o contexto cognitivo leva o interlocutor a:

– ativar o emocional: o “já estaria durinha” associa morte à musculatura rija de


uma jovem, causa graça pela sutileza dada pelo engano;

– ativar o cognitivo: a reconstrução pelo intelecto decorre das relações ativadas


por enrijecimento muscular de quem pratica atividades de musculação e à morte.

119
- o dado: embora a aparência da senhora seja uso de roupas curtas e justas,
além do designer, pintura, maquiagens de jovens, o rapaz a respeita, não
enumerando a idade da senhora; o novo é dado pelo acréscimo de mais dois
anos de idade para senhora ter o enrijecimento por morte.

- a expressão facial: o rir decorrente da manifestação de achar graça, ao


resolver a ambiguidade existente que produziu a relevância no contexto
cognitivo.

É importante ressaltar que o chiste é um texto curto que não tem resolução,
para tanto nos chistes analisados apresentaram-se, diretamente, as possíveis
constatações naqueles que riem.

3.2 Histórias

As histórias foram tratadas por diferentes estudiosos da narrativa. Segundo


Reis e Lopes (2007), as histórias podem ser construídas com um ou mais de um
episódio. Quanto maior o número de episódios de uma história, maior
complexidade ela apresentará para encaixar e sequenciar esses episódios.

Segundo os autores, uma história é organizada pelas seguintes categorias:


Apresentação, Conflito e Resolução, seguida ou não de moral. Cada episódio é
definido pela ordenação das referidas categorias.

3.2.1 Gênero discursivo do risível em histórias

O risível em textos de história é usado tanto em eventos discursivos


particulares quanto em discursos públicos, por exemplo, o discurso literário e o
publicitário, em que o provocador do riso alegre é, intencionalmente, o contador
de histórias cômicas.

120
É interessante observar que nos textos, de modo geral, as narrativas risíveis,
sejam elas chistes, histórias, crônicas ou textos multimodais, a categoria
Resolução não vem expressa no texto, porque ela fica a cargo do interlocutor.

3.2.1.1 História com mais de um episódio


(texto 3)

E-mail errado!!! 1

Um casal decide passar férias numa praia do Caribe, no mesmo


hotel onde passaram a lua-de-mel 20 anos atrás. Por problemas de
trabalho, a mulher não pôde viajar com seu marido, deixando para ir
uns dias depois.
Quando o homem chegou ao hotel e foi para seu quarto, viu que
havia um computador com acesso a internet. Então decidiu enviar
um e-mail a sua mulher, mas errou uma letra sem se dar conta e o
enviou a outro endereço.
O e-mail foi recebido por uma viúva que acabara de chegar do
enterro do seu marido e que, ao conferir seus e-mails, desmaiou,
instantaneamente. O filho, ao entrar em casa, encontrou sua mãe
desmaiada, perto do computador, em cuja tela podia se ler:
- Querida esposa cheguei bem. Provavelmente se surpreenda em
receber notícias minhas por e-mail, mas agora tem computador aqui
e pode-se enviar mensagens as pessoas queridas. Acabo de chegar
e já me certifiquei que está tudo preparado para você chegar na
sexta que vem. Tenho muita vontade te ver e espero que sua
viagem seja tão tranqüila como está sendo a minha.

OBS: Não traga muita roupa, porque aqui faz um calor infernal!!

a) No que se refere aos macroatos de fala, as ações do locutor são guiadas pelo
seu macroato de provocar o riso. A fim de obter a conivência do interlocutor,
quem provoca o riso pratica as seguintes ações:

b) as ações do provocador do riso são:

b.1) selecionar dois fatos:

fato 1 – a comemoração dos vivos, de vinte anos de casamento, no Caribe,


representada, culturalmente, com valor positivo.

1
Autor desconhecido
121
fato 2 – a condenação do morto ao inferno, por pecados praticados em vida, é
representada, culturalmente, com valor negativo, no Brasil, devido ao discurso
fundador eclesiástico.

b.2) associar A com B, de forma retórica:

As expressões verbais “comemoração dos vivos” e “condenação do morto”


propiciam que um interlocutor associe um conjunto de conhecimentos, ao ativar a
sua memória de longo prazo. Trata-se de duas isotopias: “comemoração”
“condenação”.

Ambos os fatos estão situados na contemporaneidade discursiva.

- A construção retórica é realizada pelo locutor que orienta o seu interlocutor a


associar conhecimentos a respeito do script de casamento de vinte anos e tem
por sentido mais global, ou seja, o frame <<o cuidado constante de um com o
outro em presença e na ausência>>.

b.3) focalizar semas com similitudes:

No fato 1, é focalizado no sema cuidado constante, de valor positivo, dado


ao “cuidado de cada cônjuge um com o outro, com seu bem-estar no Caribe”, a
fim de que a comemoração seja bem sucedida. Apresenta similitude com um
sema do script do fato 2, “o cuidado do morto não se queimar no fogo do inferno”,
para o seu bem-estar nessa situação, de morto religioso. Em ambos os scripts,
ocorre <<o cuidado com algo/alguém>>.

b.4) selecionar expressões linguísticas polissêmicas:

Na história, o autor seleciona as palavras “Querida esposa cheguei bem (...)


está tudo preparado para você chegar na sexta que vem” e “ traga pouca, porque
aqui faz um calor infernal”.

b.5 ) dissociar o que foi associado por polissemia:

O papel de personagem é focalizado no episódio narrativo 1, a esposa


representa o papel de quem receberá notícias do marido, que já chegou no
Caribe, onde ela irá encontrá-lo, para comemorar os vinte anos de casamento.

122
No episódio narrativo 2, o personagem focalizado representa o papel de
viúva desconsolada, por nunca mais poder estar com o marido, chegando em
casa, após o enterro do esposo.

Ao associar os dois episódios (o esposo está no Caribe esperando a mulher


X o esposo está no inferno esperando a viúva), ocorre a dissociação com a
mudança de papéis, pois o papel social representado pelo personagem focalizado
no primeiro episódio é mudado pelo papel social focalizado no personagem 2, no
segundo episódio.

Assim: <<a mulher irá daqui a poucos dias, encontrar o marido no Caribe,
lugar muito quente com o uso de poucas roupas para comemorarem o casamento
de vinte anos>> é mudado em <<a mulher irá daqui a poucos dias encontrar o
marido morto, no inferno, lugar muitíssimo quente, mesmo para quem estará
morta>>

b.6) relacionar a associação e a dissociação por articular o dado com o novo:

b.6.1) – o dado: quem vai para o Caribe comemorar vinte anos de casados é
porque o tempo de casamento propiciou momentos felizes e amorosos. O novo
<<aquele que morre continua preocupado com a pessoa que ama, está sempre
esperando por ela>>.

b.6.2) – o velho: a morte é ausência de um ente familiar; e quem vai para o


inferno é porque praticou pecados enquanto vivo.

Pela dissociação, ocorre a mudança de papéis de forma que o papel da


viúva, definitivamente, é não se comunicar com o marido; na história, é
substituído pelo papel da viúva que se comunica com o marido. Ele, por e-mail,
vem avisá-la de sua morte próxima.

Trata-se, portanto, de uma reapresentação para reformular os


conhecimentos sobre o morto. Num primeiro momento, fica implícito, na
designação “viúva que volta do enterro do marido, que ela jamais poderá ser
cuidada por ele, não mais havendo interação comunicativa entre ambos”.

123
Com a progressão semântica da história e a dissociação, ocorre a
reformulação do conhecimento “viúva, marido morto”. Assim, o morto, do inferno,
comunica-se com a esposa viva na Terra, avisando-a de sua morte próxima e o
reencontro de ambos.

c) essas ações de associação e dissociação são representadas por van Dijk


(1978), na estrutura da argumentação,

Esquema 9:

Estrutura da argumentação

premissa hipótese justificativa conclusão

A separação de duas pessoas é Quem ama pode se manter próximo do


definitiva com a morte. ente amado mesmo depois de morto.

marco das cognições sociais circunstância

- quem prática em vida o bem, merece o céu quando morto; - É a interação comunicativa do cônjuge
- o casamento ser inusitado de forma a merecer comemoração; morto com a esposa viva.
- quem prática o mau quando vivo merece o inferno quando morto
- o casamento é um sacramento religioso, postulado pela Igreja
católica que é para toda vida dos cônjuges;
- o vivo é animado e interaciona-se comunicativamente com os
vivos;
- o morto é inanimado e não pratica mais ações

No momento histórico atual <<o morto punido com o inferno, por ter
praticado pecado>> é um traço ideológico da religião Católica, originado na
cultura eclesiástica, segundo a qual vida e morte estão em planos diferentes e
incomunicáveis. A dimensão do inferno é avaliada negativamente, e o céu é
avaliado positivamente no marco das cognições sociais dos católicos. Com a
ruptura com a ideologia da igreja católica, a reformulação é feita pela cultura do
espiritismo, segundo a qual quem morre volta à vida dos vivos por reencarnação
continuamente, até que todos os males praticados, ao serem compreendidos pelo
reencarnado, leve-o a praticar boas ações. Segundo esse grupo social, o plano
dos mortos comunica-se com o plano dos vivos.

- criar para o interlocutor uma cumplicidade, ao resolver a polissemia:

124
Dessa forma, quem provoca o riso tem por intenção, ao resolver a
polissemia de palavras selecionadas por ele, reconstruir os conhecimentos
sociais, atribuídos por ele ao interlocutor, de forma a apresentar o novo a partir do
velho.

- mulher 1 <<o papel de cônjuges que irá se encontrar com o marido no Caribe
para comemorar vinte anos de casados>>.

- mulher 2 <<o papel da viúva que acaba de voltar do enterro do marido, e


inconsolada por nunca mais poder vê-lo>>.

Ao juntar o papel 1 com o papel 2, ocorre a mudança de papel para a


personagem focalizada na história: a qual passa a representar o papel de <<viúva
que recebe um e-mail do marido morto, avisando que está no inferno e que irá se
reencontrar lá, na próxima sexta feira, quando ela estará morta>>. Assim sendo,
<<ir para o Caribe em breve encontrar-se com o marido está modificado em ir
para o inferno, em breve, morta, para encontrar-se com o seu marido morto>>.

d) as ações daquele que ri

d.1) seguir as orientações de leitura, conforme o ato associativo do provocador do


riso.

O interlocutor reconhece a isotopia que está sendo associada a dois


episódios: no primeiro: “comemoração de aniversário de casamento”; e, no
segundo: “a condenação do morto ao calor do inferno”.

d.2) construir um contexto cognitivo, para guiar a produção de inferências:

As palavras de dois episódios narrativos: “comemoração” e “condenação”


ativam na memória de longo prazo social os seguintes scripts, que devido às
culturas cristã e espírita, para brasileiros, podem ser apresentadas em uma
cronologia temporal dos seguintes semas:

- comemoração: - tempo: (t)1 celebração da vida em companhia de pessoas


queridas; t2 cuidados para manter sua companhia feliz; t3 seleção do local da

125
comemoração; t4 adequação do cerimonial da festa; t5 viagem em lua-de-mel; t6
viagem para passar férias; t7 celebração de vinte anos de casados; t8
adequação de vestes ao clima; t9 recordações de outros momentos de
festividade;

- condenação: - tempo: t1 penalização aplicada por grupos que avaliam


princípios morais e éticos; t2 reprovação de atitudes não aceitáveis pela moral e
ética social; t3 censura de comportamento; t4 julgamento de ações praticadas em
outro plano de vida; t5 censura por erros praticados; t6 castigo por abandono às
crenças do grupo; t7 punição religiosa; t8 reparação pelos erros.

Ambos os scripts são focalizados pelo “cuidado com algo/alguém”.


Apresenta, culturalmente, o seguinte frame hierarquizado pelos demais sentidos
secundários: <<o cuidado constante dos casais, em que um cuida do outro na
presença e na ausência>> mantendo-se sempre unidos em família. Isto se
relaciona a uma outra isotopia: “cumplicidade conjugal” .

O interlocutor reconhece a focalização dada no frame do script e, na


sequência, ao processar a informação dá entrada pela memória de curto prazo
associar: “- a mulher não pôde viajar com seu marido, deixando para ir uns dias
depois”, com a mulher “viúva que acabara de chegar do enterro do marido”.

d.4) fazer essa inferência, para que ela se torne ostensiva no contexto cognitivo:

Os sentidos construídos por inferência decorrem de o interlocutor seguir as


orientações dadas pelo locutor, ao propiciar a construção do frame <<de
casamento e o cuidado constante de um cônjuge com o outro em presença e na
ausência>>, a fim de ativar “comemoração – de vinte anos de casados” e
“condenação – do marido da viúva ao fogo do inferno”.

Ao fazer essa inferência, ela se torna ostensiva no contexto cognitivo até


então construído. Isto propicia que o interlocutor reconheça uma relevância em
seu contexto cognitivo, pois <<a comemoração de vinte anos de casamento, no
mesmo lugar onde passaram a lua de mel, é festa>> não pode adentrar no
mesmo contexto de “viúva que acabara de chegar do enterro do seu marido”.

126
Assim, continua a dar entrada à informação, para resolver o que é ostensivo em
seu contexto cognitivo: “- Querida esposa cheguei bem. Talvez se surpreenda em
receber notícias minhas, mas agora tem computador aqui e pode-se enviar
mensagens às pessoas queridas.”

O interlocutor, ao processar essa sequência de expressões, ativa um outro


script da esposa viúva receber notícias do marido, que acaba “de chegar no
inferno e já se certificou de que está tudo preparado para esposa chegar na
sexta próxima”, pois o marido “espera que a viagem da esposa seja tão tranquila
como foi a dele.”

d.5) tomar consciência da quebra da expectativa:

Aceitar a quebra de expectativa implica que o interlocutor produz a


reformulação do seu contexto cognitivo. Dessa forma, por:

Associação: projeção de papéis sociais dos personagens representados em dois


episódios: no primeiro episódio, apresenta-se o papel da esposa que espera
notícias do marido que já chegou ao Caribe, para onde ela vai encontrá-lo, a fim
de comemorar os vinte anos de casamento do casal; no segundo, o personagem
focalizado representa o papel de viúva desconsolada, por nunca mais poder
estar com o marido, chegando em casa, após o enterro;

Dissociação: o que, anteriormente, foi associado, de forma a resolver a


polissemia pela reconstrução dos fatos narrados em dois episódios, cujas
histórias, devido ao engano de digitação de uma letra no endereço eletrônico,
cruzam-se. A dissociação produzida decorre da mudança do conteúdo das
informações para os personagens, nos dois episódios, o que provoca o riso.

d.6) reformular o contexto cognitivo leva o interlocutor a:

– ativar o emocional: o calor infernal do Caribe é atribuído ao calor do inferno


previsto para a morte da viúva; a sobreposição dos episódios propicia o engano;

– ativar o cognitivo: a reconstrução pelo intelecto decorre dos episódios se


cruzarem em: comemoração de casamento X condenação ao calor do inferno.
127
– o dado, embora a mulher viúva saiba que não receberá notícias do falecido
marido, ela espera encontrar o conforto de alguém/algo; - o novo: receber
informação por meio eletrônico.

- a expressão facial, a aceitação de quem ri decorre de achar graça, de forma a


resolver a ambiguidade existente que produziu a relevância no contexto
cognitivo.

Assim, é possível ressaltar que, na história analisada, com dois episódios,


não há Resolução. Apresentam-se, intencionalmente, o cruzamento dos episódios
entre dois casais, os quais são possíveis de propiciar constatações diferentes
naqueles que riem.

3.2.1.2 História com um episódio

(texto 4)

A bolsa ou a vida2

Um homem muito bem vestido desce do trem, no metrô de São


Paulo, e vem caminhando em direção ao estacionamento. É tarde
da noite e a estação está vazia. De repente, aproxima-se dele um
outro homem, também muito bem vestido e lhe diz:
- Meu amigo! Eu estou aqui sozinho e o observei descendo do trem.
Eu gostaria de lhe ajudar dizendo algumas coisas. Na vida só há
duas saídas: o alto e o baixo, o preto e o branco, o gordo e o magro,
o casado e o solteiro. É por isso que lhe digo: “a bolsa ou a vida”.

a) No que se refere aos macroatos de fala, as ações do locutor são guiadas pelo
seu macroato de provocar o riso. A fim de obter a conivência do interlocutor,
quem provoca o riso pratica as seguintes ações:

b) as ações do provocador do riso são:

2
Texto de Millôr Fernandes
128
b.1) selecionar dois fatos:

fato 1 – amigo é aquele que acompanha, representado com valor positivo,


culturalmente, como companheiro.

fato 2 - o ladrão é aquele que aborda outro para extorquir algo e causa prejuízo
ao outro. Este é adversário, em situações propícias, porque lesa o outro.

– a abordagem de um estranho, agindo como amigo por dar conselhos,


culturalmente, tem valor positivo e está contido, no Brasil, como traço cultural do
brasileiro que é o compadrismo, no momento histórico da produção deste texto.

b.2) associar A com B, de forma retórica:

As expressões verbais: “amigo” e “ladrão” propiciam que um interlocutor


associe um conjunto de conhecimentos, ao ativar a sua memória de longo prazo.
Trata-se de duas isotopias: “amigo” “comparsa”.

Ambos os fatos estão situados na contemporaneidade discursiva.

- A construção retórica é realizada pelo locutor que orienta o seu interlocutor a


associar conhecimentos a respeito do script de amigo, aquele que é companheiro,
capaz de dar orientações boas, está presente em qualquer situação e é
responsável pelo bem-estar de seu amigo tanto nas horas difíceis quanto nas
horas alegres, tendo por sentido mais global, ou seja, o frame <<o parceiro mais
próximo em qualquer situação>>.

b.3) focalizar semas com similitudes:

No fato 1, é focalizado no sema amigo valor positivo dado a “companheiro


que é capaz de ser como aquele que está próximo em todas as situações”, a fim
de alcançar o sucesso. Apresenta similitude com um sema do script do fato 2, que
é ser comparsa, capaz de ameaçar e extorquir os bens do outro, em situações
oportunas. Em ambos os scripts, ocorre <<companhia>>.

b.4) selecionar expressões linguísticas polissêmicas:

129
Na história, o autor seleciona as palavras “Meu amigo” e “Na vida só há duas
saídas: o alto e o baixo, o preto e o branco, o gordo e o magro, o casado e o
solteiro”.

b.5 ) dissociar o que foi associado por polissemia:

O provocador do riso muda o papel que o personagem vinha sendo


representado: meu amigo, na situação inicial, representa o papel de colaborador,
daquele que está presente em todos os momentos da vida e em qualquer
situação; passa a representar um novo papel: aquele que espreita o momento
oportuno para roubar. Assim, a dissociação é produzida pela mudança de papéis
sociais dos personagens.

Na associação, o personagem focalizado para a construção do risível é


“amigo(a)” que “dá conselhos” a seu amigo. Na dissociação, há mudança de
papel e o personagem focalizado, que representava o papel de “amigo” para o de
“ladrão”

Por se tratar de uma história de suspense, a construção da similitude é de


velar e da dissimilitude é de revelar. Assim sendo, vela-se “quando diz, meu
amigo vou te dar um conselho” e revela-se <<quando diz: a bolsa ou a vida>>.

b.6) relacionar a associação e a dissociação por articular o dado com o novo:

b.6.1) – quem se faz de amigo pode ser adversário, o novo.

b.6.2) – amigo é quem é colaborador, portanto, ajuda, e quem é ladrão é


adversário; portanto, lesa.

Pela dissociação, ocorre a mudança de papéis de forma que o papel de


amigo e colaborador é substituído pelo papel de ladrão que lesa, para extorquir o
outro. Trata-se, portanto, de uma reapresentação de que amigo tanto pode ajudar,
quanto lesar. Num primeiro momento, fica implícito na designação “amigo é quem
se aproxima para colaborar”, mas que pode ser ludibriado por um falso amigo,
“comparsa”.

130
Com a progressão semântica da história e a dissociação, ocorre a
reformulação do conhecimento “amigo, é colaborador e conselheiro”, por “falso
amigo é comparsa ou adversário”, num encontro casual.

c) essas ações de associação e dissociação são representadas por van Dijk


(1978), na estrutura da argumentação,

Esquema 10:

Estrutura da argumentação

premissa hipótese justificativa conclusão

Amigo é ser de credibilidade e atenção o falso amigo é quem extorque, devido à


credibilidade de quem o julga amigo.

marco das cognições sociais circunstância

- amigo é colaborador que ajudar o outro - um ladrão fazer-se de amigo para se aproxima outro
- é adversário que acompanha um amigo para lesar.

No momento histórico da publicação do texto, as expressões linguísticas:


“Meu amigo”, usado por um desconhecido ao se aproximar de outro, era avaliado,
positivamente, no marco das cognições sociais do brasileiro, sem causar espanto
ou medo ao outro, pois <<amigo é colaborador que faz companhia e ajuda o
outro>>; na atual contemporaneidade, é avaliado, negativamente, no marco das
cognições sociais, devido às demandas econômico-financeiras e aos valores
morais e valores éticos, <<é adversário que acompanha um amigo para lesar>>.

- criar para o interlocutor uma cumplicidade, ao resolver a polissemia:

De forma retórica, associação e dissociação entre cognições sociais são


relacionadas e, respectivamente, tem-se associação e dissociação como ações
realizadas por quem provoca o riso, pois a conclusão apresentada dissocia na
medida em que rompe com os valores culturais e ideológicos de grupos sociais
relativos às cognições sociais diferentes.

Assim, a partir do velho, busca-se criar, no interlocutor, uma cumplicidade,


pois se remete ao já sabido por ele. Para tanto, dissociar o que anteriormente foi

131
associado para resolver a polissemia transforma o fato velado em fato revelado;
logo, o provocador do riso muda o papel social que o personagem vinha
representando.

d) as ações daquele que ri

d.1) seguir as orientações de leitura, conforme o ato associativo do provocador do


riso.

O interlocutor reconhece a isotopia que está sendo associada, “amigo é


colaborador”.

d.2) construir um contexto cognitivo, para guiar a produção de inferências:

As expressões linguísticas “amigo(a)” é quem “dá conselhos a seu amigo”,


ativa na memória de longo prazo social do interlocutor o respectivo script, devido
à cordialidade cultural do brasileiro. Pode ser representado por: indivíduo
conselheiro, aquele que auxilia, ajuda e coopera com outro – trata-se do velar.

d.3) ativar, na memória de longo prazo social, respectivamente, script e frame:

O script de “afeto, amizade; afeiçoado, benevolência”, culturalmente, vela o


frame “amigo”; porém, revela-se como <<muito esperto, aquele que furta, rouba,
apodera-se do alheio; falso>> falso amigo.

O interlocutor reconhece a focalização dada no frame do script e, ao


processar a informação, dá entrada pela memória de curto prazo a:
representação de dois homens, muito bem vestidos, tarde da noite, num
estacionamento vazio, e um aborda o outro por “meu amigo”, que relaciona a
outra isotopia: falso amigo.

A construção de sentidos realizada pelo interlocutor decorre de outro script


ativado e este varia de locutor para locutor, embora, seguindo a orientação do
locutor, os semas orientadores sejam: “um homem observa outro e diz-lhe, que
gostaria de ajudá-lo a escolher uma das duas alternativas na vida: a bolsa ou a
vida” e tem por frame que <<os dois homens não são amigos>>.
132
d.4) fazer essa inferência, para que ela se torne ostensiva no contexto cognitivo:

Ao fazer essa inferência, ela se torna ostensiva no contexto cognitivo até


então construído. Isto propicia que o interlocutor reconheça uma relevância em
seu contexto cognitivo, pois <<amigo é sempre um colaborador>>, não pode
entrar no mesmo contexto de “quem se aproxima para extorquir algo do outro”.
Dessa forma, a informação entrada resolve o que é ostensivo no contexto
cognitivo, - “Trata-se de um falso amigo”. Ao produzir a junção de duas isotopias
em uma única isotopia, o interlocutor recategoriza os sentidos mais globais.

O interlocutor, ao processar essa sequência de expressões linguísticas


ativa um outro script “as aparências enganam”.

d.5) tomar consciência da quebra da expectativa:

Aceitar a quebra de expectativa implica que o interlocutor produza a


reformulação do seu contexto cognitivo. Dessa forma, por:

Associação: papéis sociais representados pelos personagens: p1, homem, bem


vestido, desce tarde da noite na estação de metrô vazia, em São Paulo, dirige-se
ao estacionamento vazio; p2 homem muito bem vestido, observador e
conselheiro, caracterizado como amigo.

Dissociação: p1 homem, que se dirige ao estacionamento vazio, é abordado por


outro, que vela ser inimigo, a fim de dar conselho e exige do outro os bens ou a
vida.

O ato de fala perlocucional é praticado pela ação de quem ri, ao reconhecer


o macroato de fala do provocador do riso. Confere-se a cumplicidade, isto é,
atinge-se o princípio da felicidade.

d.6) reformular o contexto cognitivo leva o interlocutor a:

– ativar o emocional: o amigo é transformado, pela condição cômica, por quem


se reveste de amigo;

133
– ativar o cognitivo: a reconstrução pelo intelecto decorre das relações entre
velar seu amigo, revelar-se falso amigo. No contexto sócio-histórico e cultural de
grupos sociais, as aparências enganam.

– o dado, a aparência do homem ativada pelas vestes e pela atitude de querer


dar conselho; o ambiente e o horário da noite causam estranhamento; o novo é
dado pelo engano da revelação do falso amigo.

– a expressão facial, embora aquele homem mantenha uma boa aparência, sua
exigência provoca o inesperado. Logo, revela-se a ambiguidade existente que
produziu a relevância no contexto cognitivo.

Na narrativa de história com um episódio analisada, é importante ressaltar


que a Resolução decorre do velar e revelar as mudanças de papéis dos
personagens. Para tanto, tais mudanças apresentaram-se, diretamente, como
possíveis constatações daqueles que riem.

3.3 Crônicas do cotidiano

A crônica, segundo Silveira (2000), é um gênero tipicamente brasileiro, tem


raízes na Europa e foi reformulada, em Portugal, por Fernão Lopes. A crônica
brasileira é organizada como texto opinativo, construída pelo ponto vista do
cronista, cuja estrutura textual é argumentativa. As categorias textuais são
premissa hipótese, justificativa e conclusão. A premissa hipótese pode ou não vir
expressa no texto.

As categorias da crônica do cotidiano agrupam-se na categoria justificativa


do esquema textual argumentativo. No marco das cognições sociais, faz-se
necessário diferenciar: cognições extra-grupais e cognições grupais. Cada marco
define-se por um conjunto de esquemas textuais, crenças, que são consideradas
verdades para as pessoas membros do grupo social.

134
3.3.1 Gênero discursivo do risível em crônicas do cotidiano

As crônicas do cotidiano são textos usados em discursos públicos, como o


discurso literário e o discurso jornalístico. O cronista constrói, intencionalmente,
um acordo com seu o interlocutor, partindo do marco das cognições sociais que
podem propiciar o risível e a manifestação do riso alegre no interlocutor, ao
reconhecer a irreverência, o ocultamento e a criatividade do brasileiro.

3.3.1.1 Crônica do cotidiano entre grupos sociais em conflitos: texto 5


(texto 5)
Degustação de vinho em Minas Gerais3

- Hummm...
- Hummm...
- Eca!!!
- Eca?! Quem falou Eca?
- Fui eu, sô! O senhor num acha que esse vinho tá com um gostim
estranho?
- Que é isso?! Ele lembra frutas secas adamascadas, com leve toque
de trufas brancas, revelando um retrogosto persistente, mas sutil, que
enevoa as papilas de lembranças tropicais atávicas...
- Putaquepariu sô! E o senhor cheirou isso tudo aí no copo?!
- Claro! Sou um enólogo laureado. E o senhor?
- Cebesta, eu não! Sou isso não senhor!! Mas que isso aqui tá me
cheirando iguarzinho à minha egüinha Gertrudes depois da chuva, lá
isso tá!
- Ai, que heresia! Valei-me São Mouton Rothschild!
- O senhor me desculpe, mas eu vi o senhor sacudindo o copo e
enfiando o narigão lá dentro. O senhor tá gripado, é?
- Não, meu amigo, são técnicas internacionais de degustação
entende? Caso queira, posso ser seu mestre na arte enológica. O
senhor aprenderá como segurar a garrafa, sacar a rolha, escolher a
taça, deitar o vinho e, então...
- E intão moiá o biscoito, né? Tô fora, seu frutinha adamascada!
- O querido não entendeu. O que eu quero é introduzi-lo no...
- Mais num vai introduzi mais é nunca! Desafasta, coisa ruim!
- Calma! O senhor precisa conhecer nosso grupo de degustação.
Hoje, por exemplo, vamos apreciar uns franceses jovens...
- Hã-hã... Eu sabia que tinha francês nessa história lazarenta...
- O senhor poderia começar com um Beaujolais!
- Num beijo lê, nem beijo lá! Eu sô é home, safardana!
- Então, que tal um mais encorpado?
- Óia lá, ocê tá brincano com fogo...
- Ou, então, um suave fresco!
- Seu moço, tome tento, que a minha mão já tá coçando de vontade
de meter um tapa na sua cara desavergonhada!

3
Texto de Luís Fernando Veríssimo
135
- Já sei: iniciemos com um brut, curto e duro. O senhor vai gostar!
- Num vô não, fio de um cão! Mas num vô, memo! Num é questão de
tamanho e firmeza, não, seu fióte de brabuleta. Meu negócio é outro,
qui inté rima com brabuleta...
- Então, vejamos, que tal um aveludado e escorregadio?
- E que tal a mão no pédovido, hein, seu fióte de Belzebu?
- Pra que esse nervosismo todo? Já sei, o senhor prefere um duro e
macio, acertei?
- Eu é qui vô acertá um tapão nas suas venta, cão sarnento! Engulidô
de rôia!
- Mole e redondo, com bouquet forte?
- Agora, ocê pulô o corguim! E é um... e é dois... e é treis! Num corre,
não, fiodaputa! Vorta aqui que eu te arrebento, sua bicha fedorenta!...

a) No que se refere aos macroatos de fala, as ações do locutor são guiadas pelo
seu macroato de provocar o riso. A fim de obter a conivência do interlocutor,
quem provocar o riso pratica as seguintes ações:

b) as ações do provocador do riso são:

b.1) selecionar dois fatos:

fato 1 – o homossexual, aquele que degusta e avalia vinhos, cuja profissão, quase
sempre, é ocupada por homens, é representada, culturalmente, pelo marco de
cognições sociais do caipira mineiro, com valor negativo. As expressões usadas
pelo enólogo não correspondem às do caipira. O valor positivo decorre de ambos
os personagens atribuírem às expressões valores de acordo com seus
respectivos marco de cognições sociais.

fato 2 – o heterossexual, caipira mineiro representa o enólogo pelas expressões


usadas por uma profissão avaliada, culturalmente, como delicada.

b.2) associar A com B, de forma retórica:

As expressões verbais: “enólogo, homossexual” e “caipira mineiro,


heterossexual” propiciam que um interlocutor associe um conjunto de
conhecimentos, na medida em que ativa na sua memória de longo prazo as duas
representações, ou seja, trata-se de duas isotopias: “enólogo especialista”
“caipira”.

Ambos os fatos estão situados na contemporaneidade discursiva.

136
- A construção retórica é realizada pelo locutor que guia o seu interlocutor a
associar conhecimentos a respeito do script sexual de dois grupos sociais
distintos, pois há aqueles que orientam sua sexualidade pela profissão, logo o
especialista provador de vinhos tem, por sentido mais global, o frame <<sexo e
profissão>>.

b.3) focalizar semas com similitudes:

No fato 1, é focalizado no sema valor negativo dado ao homossexualismo


atribuído “ao provador de vinho que usa palavras delicadas e francesas para
representar conhecimentos e técnicas de degustação de vinho”, a fim de informar
ao caipira mineiro a arte de provar vinhos. Isto apresenta similitude com um sema
do script do fato 2, a heterossexualidade do caipira. No seu marco de cognições
sociais, homem gosta de relacionar-se com mulheres. Em ambos os scripts
ocorre <<conhecimentos e preferências pessoais por algo ou alguém>>.

b.4) selecionar expressões linguísticas polissêmicas:

Na crônica analisada, o autor seleciona as palavras que são recuperadas


pelos personagens na história “agora, ocê pulo o corguim! Num corre não,
fiodaputa!” e “sua bicha fedorenta”.

b.5) dissociar o que foi associado por polissemia:

O papel desempenhado pelos personagens é focalizado pelo marco das


cognições sociais: enólogo, p1 representa o papel de mestre, provador e
conhecedor da arte e técnicas de servir vinhos.

O papel do personagem p2 é focalizado pelo caipira mineiro, que gosta de


mulheres e representa seus gostos, pela reconstrução das palavras usadas pelo
provador de vinhos.

Há sobreposição de marco de cognições sociais entre dois grupos sociais


distintos, em que, no intergrupo, p2 projeta em p1 e, ao mesmo tempo, em que p1
projeta p2, ou seja, as representações de p2 são de heterossexual verificáveis
pelas expressões francesas usadas por p1, homossexual. Assim, ocorre a
dissociação pelo marco das cognições sociais, de cada grupo.

137
O locutor orienta seu interlocutor a relacionar os diferentes, marco de
cognições sociais, de dois grupos em conflito, ao selecionar, no co-texto verbal,
palavras francesas relativas a vinhos:

- Ai, que heresia! Valei-me São Mouton Rothschild!


- O senhor me desculpe, mas eu vi o senhor sacudindo o copo e
enfiando o narigão lá dentro. O senhor tá gripado, é?
- O senhor poderia começar com um Beaujolais!
- Num beijo lê, nem beijo lá! Eu sô é home, safardana!

As expressões linguísticas francesas: “São Mouton Rothschilf! Beaujolais!”


podem propiciar, dependendo da conivência do interlocutor, uma dissociação das
representações sonoras atribuídas pelo caipira: <<invocação de respeito e de
iniciação na arte de provador>> para <<comprovação de hábitos relacionados à
intimidade>>.

b.6) relacionar a associação e a dissociação por articular o dado com o novo:

b.6.2) – quem experimenta vinho e usa palavras delicadas provoca dúvidas para
o mineiro. O novo <<provador de vinhos é delicado; e, sexualmente,
duvidosos >>.

b.6.1) – o marco das cognições sociais do caipira representa o homem, que é


homem, é heterossexual; o velho.

c) essas ações de associação e dissociação são representadas por van Dijk


(1978), na estrutura da argumentação,
Esquema 11:
Estrutura da argumentação

premissa hipótese justificativa conclusão


Há grupos sociais em conflito, devido pessoas de grupos sociais diferentes nunca
as suas crenças serem diferentes. se entendem, pois são guiados por suas
próprias crenças

marco das cognições sociais circunstância


- grupo1: trabalhador da roça e a labuta com a terra; - interação comunicativa entre membros de
- a tolerância é medida pelos recursos da natureza; grupos sociais diferentes gera conflito.
- grupo 2: enólogo, um excelente provador de vinhos
delicados e finos; usa expressões francesas próprias
da profissão.

138
Na contemporaneidade atual, <<provador de vinho é laureado pela arte e
técnica da profissão>>; é um traço de grupo social de profissionais que seguem
um cerimonial, esses profissionais adotam a arte com técnicas específicas. No
marco das cognições sociais do caipira, a avaliação daquelas expressões é
negativa, porque homem tem de conhecer mulheres e o trabalho árduo da roça.

De forma retórica, a associação e dissociação entre grupos de cognições


sociais em conflito são, respectivamente, usadas como representações por
aquele que constrói as ações de provocar o riso, pois cada personagem
permanece com o marco de seu grupo. Nenhum rompe com seus valores
culturais e ideológicos.

- criar para o interlocutor uma cumplicidade, ao resolver a polissemia:

Nesse sentido, a partir do velho, busca-se criar no interlocutor uma


cumplicidade, pois se remete ao já sabido por ele. Para tanto, dissociar o que
anteriormente foi associado, para resolver a polissemia, reconstrói o fato velho em
fato novo pela intersecção de dois marcos de cognições diferentes; para tanto, o
provocador do riso mantém o papel social dos personagens e o conflito no
intergrupo representado:

- provador de vinho <<no seu grupo: usa palavras suaves e ternas do francês e é
laureado pela arte e técnica profissional>>.

- caipira mineiro <<no grupo social: gosta de mulheres e do trabalho árduo da


roça>>.

Ao relacionar o marco das cognições sociais do provador de vinho com o


marco das cognições sociais do caipira, ocorre a mudança de representação
social focalizada na história: que passa a representar o papel <<do profissional
que prova vinho e conhece todo o cerimonial da arte de experimentar vinhos>>,
na medida em que <<rompe com a representação do caipira mineiro
heterossexual, pois gosta de mulheres e trabalha, arduamente, na roça>>.

d) as ações daquele que ri

139
d.1) seguir as orientações de leitura, conforme o ato associativo do provocador do
riso.

O interlocutor reconhece a isotopia que está associada a dois marcos de


cognições sociais, “caipira mineiro” e “provador de vinho”.

d.2) construir um contexto cognitivo, para guiar a produção de inferências:

No caso, da crônica do cotidiano, reconhece os personagens pelos papéis


sociais atribuídos a eles, pelo locutor.

Os papéis representados por “provador de vinho e caipira mineiro” ativam


na memória de longo prazo social, respectivamente, dois scripts, que devido à
cultura de cada grupo social, pode ser apresentado pelos seguintes semas:

- provador de vinho - especialista em vinho, conhece arte e técnicas de identifica


sabores e odores, portanto, pode ser homossexual;

- caipira mineiro – trabalha na lida da roça, gosta de mulheres, é heterossexual.

A construção realizada pelo interlocutor decorre da associação de dois


marcos de cognições sociais diferentes, a respeito dos dois esquemas mentais
acionados pelos dois personagens na história.

d.3) ativar, na memória de longo prazo social, respectivamente, script e frame:

O interlocutor reconhece a focalização dada no frame do script das


representações inter-grupais, continua a processar a informação, dá entrada pela
memória de curto prazo sobre dois grupos sociais em conflito: marco de
cognições sociais 1 “heterossexual que vive na roça”; marco de cognições
sociais 2 “homossexual provador de vinhos”. Esses se relacionam dialeticamente
a duas isotopias: “enólogo especialista” “caipira”.

Os sentidos construídos por inferências decorrem das representações de


dois grupos em dois scripts ativados pelo interlocutor sobre o marco de
cognições sociais que é diferente para cada um. Embora o interlocutor siga a

140
orientação do locutor e os semas orientadores são “franceses e específicos da
profissão de enólogo”, é possível que ele ative dois scripts ligados à
“sexualidade” que tem por frame <<a delicadeza>>.

d.4) fazer essa inferência, para que ela se torne ostensiva no contexto cognitivo:

Ao fazer essa inferência, ela se torna ostensiva no contexto cognitivo até


então construído, o que propicia que o interlocutor reconheça uma relevância em
seu contexto cognitivo, pois <<a homossexualidade masculina>> não pode entrar
no mesmo contexto da “heterossexualidade do caipira mineiro”. Dessa forma,
continua a dar entrada à informação, para resolver o que é ostensivo em seu
contexto cognitivo: “- Agora, ocê pulô o corguim! (...) Vorta aqui que eu te
arrebento, sua bicha fedorenta!”; dessa forma, para produzir a junção de duas
isotopias em uma única isotopia, o interlocutor recategoriza os sentidos mais
globais

d.5) tomar consciência da quebra da expectativa:

Aceitar a quebra de expectativa implica que o interlocutor produza a


reformulação do seu contexto cognitivo. Dessa forma, por:

Associação: papéis sociais representados pelos personagens: p1 provador de


vinho, mestre laureado na França, querer orientar a arte de degustar vinho ao
caipira mineiro; p2 caipira mineiro, que trabalha na roça e gosta de mulheres e
festas, andar a cavalo;

Dissociação: p1 provador de vinho, parecer ser homossexual e, insistentemente,


querer orientar o mineiro na arte de degustar vinho, seguindo todo cerimonial.

O ato de fala perlocucional é praticado pela cumplicidade do interlocutor. Ao


reconhecer o macroato de fala do provocador do riso, atinge-se o princípio da
felicidade.

d.6) reformular o contexto cognitivo leva o interlocutor a:

141
– ativar o emocional: a representação de homossexualidade é transformada, pela
condição cômica, em ofensa para o mineiro, e torna-se engraçado para quem
reconhece os dois personagens e suas histórias;

– ativar o cognitivo: a reconstrução pelo intelecto decorre das relações de


conflitos nos inter-grupos, caipira mineiro versus enólogo, no atual contexto
sócio-histórico e cultural de grupos sociais brasileiros.

– o dado, embora o provador de vinho perceba que o caipira não entende de


degustação de vinho, ele insiste em apresentar mais detalhes sobre o vinho; o
novo, a tolerância do caipira mineiro é afastada, definitivamente, pela ameaça de
agressão.

– a expressão facial, o achar graça resolve a ambiguidade existente que produziu


a relevância no contexto cognitivo.

Nesse sentido, a crônica traz a representação do cotidiano, ao tratar de dois


personagens que ativam representações de mundos diferentes e conseguem
reconstruir, pela fala de um e de outro, a representação de seu grupo social,
construindo-se, assim, ambiguidades e polissemias representadas,
intencionalmente, pelo produtor do riso para os interlocutores.

3.3.1.2 Crônica do cotidiano entre grupos sociais em conflitos: texto 6


(texto 6)

P O V O4
- Geneci...
- Senhora?
- Preciso falar com você.
- O que foi? O almoço não estava bom?
- O almoço estava ótimo. Não é isso. Precisamos conversar.
- Aqui na cozinha?
- Aqui mesmo. O seu patrão não pode ouvir.
- Sim, senhora.
- Você...
- Foi o copo que eu quebrei?

4
Texto de Luís Fernando Veríssimo
142
- Quer ficar quieta e me escutar?
- Sim, senhora.
- Não foi o copo. Você vai sair na escola, certo?
- Vou, sim senhora. Mas se a senhora quiser que eu venha na
Terça...
- Não é isso, Geneci!
- Desculpe.
- É que eu... Geneci, eu queria sair na sua escola.
- Mas...
- Ou fazer alguma coisa. Qualquer coisa. Não agüento ficar fora do
Carnaval.
- Mas...
- Vocês não têm, sei lá, uma ala das patroas? Qualquer coisa.
- Se a senhora tivesse me falado antes...
- Eu sei. Agora é tarde. Para a fantasia e tudo o mais. Mas eu
improviso uma baiana. Deusa grega, que é só um lençol.
- Não sei...
- Saio na bateria. Empurrando alegoria.
- Olhe que não é fácil...
- Eu sei. Mas eu quero participar. Eu até sambo direitinho. Você
nunca me viu sambar? Nos bailes do clube, por exemplo. Toca um
samba e lá vou eu. Até acho que tenho um pé na cozinha. Quer
dizer. Desculpe.
- Tudo bem.
- Eu também sou povo, Geneci! Quando vejo uma escola passar,
fico toda arrepiada.
- Mas a senhora pode assistir.
- Mas eu quero participar, você não entende? No meio da massa.
Sentir o que o povo sente. Vibrar, cantar, pular, suar.
- Olhe...
- Por que só vocês podem ser povo? Eu também tenho direito.
- Não sei...
- Se precisar pagar, eu pago.
- Não é isso. É que...
- Está bem. Olhe aqui. Não preciso nem sair na avenida. Posso
costurar. Ajudar a organizar o pessoal. Ajudar no transporte. O Alfa
Romeo está aí mesmo. Tem a Caravan, se o patrão não der falta. É
a emoção de participar que me interessa, entende? Poder dizer "a
minha escola...". Eu teria assunto para o resto do ano. Minhas
amigas ficariam loucas de inveja. Alguns iam torcer o nariz, claro.
Mas eu não sou assim. Eu sou legal. Eu não sou legal com você,
Geneci? Sempre tratei você de igual para igual.
- Tratou, sim senhora.
- Meu Deus, a ama-de-leite da minha mãe era preta!

- Geneci, é um favor que você me faz. Em nome da nossa velha


amizade. Faço qualquer coisa pela nossa escola, Geneci.
- Bom, se a senhora está mesmo disposta...
- Qualquer coisa, Geneci.
- É que o Rudinei e Fátima Araci não têm com quem ficar.
- Quem?
- Minhas crianças.
- Ah.
- Se a senhora pudesse ficar com eles enquanto eu desfilo...
143
- Certo. Bom. Vou pensar. Depois a gente vê.
- Eu posso trazer elas e...
- Já disse que vou pensar, Geneci. Sirva o cafezinho na sala.

a) No que se refere aos macroatos de fala, as ações do locutor são guiadas pelo
seu macroato para provocar o riso. A fim de obter a conivência do interlocutor,
quem provoca o riso pratica as seguintes ações:

b) as ações do provocador do riso são:

b.1) selecionar dois fatos:

fato 1 – o carnaval e o trabalho: para a elite, é entretenimento e magia, o grupo


social da patroa é espectador dos desfiles da escola de samba. Este grupo
representa como entretenimento popular e avalia, culturalmente, no Brasil, como
negativo, o “povo” e, com valor positivo, se estiverem participando.

fato 2 – o trabalho e o carnaval: para o grupo popular, o trabalho doméstico é


realizado por um empregado responsável que possibilita à patroa um espaço livre;
já o carnaval é entretenimento, liberdade, fantasia e desfile como membro de uma
escola de samba.

b.2) associar A com B, de forma retórica:

As expressões verbais: “carnaval para elite” e “carnaval para o povo”


propiciam que um interlocutor associe um conjunto de conhecimentos, ao ativar a
sua memória de longo prazo. Trata-se de duas isotopias.

Ambos os fatos estão situados na contemporaneidade discursiva.

- A construção retórica é realizada pelo locutor que orienta o seu interlocutor a


associar conhecimentos a respeito do script de festa, samba, dança rítmica de
passistas, molejo corpóreo específico e cadenciado, em que os participantes se
organizam em alas, de forma a compor o enredo da escola. Para o grupo da
patroa e da empregada doméstica, tem-se por sentido mais global, ou seja, o
frame <<carnaval brasileiro é entretenimento e magia>>.

b.3) focalizar semas com similitudes:

144
No fato 1, é focalizado no sema carnaval valor positivo dado que apresenta
similitude com um sema do script do fato 2, pois o fato entretenimento - sair na
escola de samba - é representado pelo espaço da alegria, do entretenimento, da
liberdade, de fantasias e de magias. Em ambos os scripts, ocorre <<espaço
liberdade, fantasias e magias>>.

b.4) selecionar expressões linguísticas polissêmicas:

Na crônica analisada, as expressões linguísticas são hierarquizadas por:


“carnaval de clube, para elite” e “carnaval de desfile na escola de samba, para o
povo”.

b.5) dissociar o que foi associado por polissemia:

O provocador do riso muda o marco das cognições sociais em que o papel


da personagem patroa vinha representando: por quem dá ordem no trabalho
doméstico, o qual é realizado por um empregado responsável por possibilitar a
patroa um espaço livre; passa a representar um novo papel: aquela que é
simpática com a empregada, tendo como fantasia participar do desfile da escola
de samba como membro.

Desse modo, o sentido de “a patroa que dá ordens na casa controla as


atividades dos empregados domésticos” é construído pelo frame: “administradora
do lar” é substituída por aquela que tem a <<fantasia de participar do desfile da
escola de samba como membro >>. Esses sentidos estão implícitos no co-texto
verbal, por: “- Vocês não têm, sei lá, uma ala das patroas? Qualquer coisa.”

Assim, “a fantasia de desfilar na escola de samba, festa popular” é


reconstruída pela mudança do frame <<carnaval é o espaço livre>> por
<<trabalho doméstico é emprego remunerado na casa da patroa, em que o
trabalho identifica as diferenças sociais>>.

b.6) relacionar a associação e a dissociação por articular o dado com o novo:

b.6.1) - o novo é o meio usado para manter a sobreposição entre o


relacionamento patroa  empregada doméstica. Porém, ao mudarem os papéis,
rapidamente, voltam ao curso natural de cada grupo social.
145
b.6.2) - a possibilidade de sair na escola de samba, o velho; que significa o
conflito de grupos sociais diferentes: patroa e empregada

c) essas ações de associação e dissociação são representadas por van Dijk


(1978), na estrutura da argumentação,

Esquema 12:
Estrutura da argumentação

premissa hipótese justificativa conclusão

Há grupos sociais em conflito, devido a pessoas de grupos sociais nunca se


suas crenças serem diferentes. entenderem, pois são guiados pelas suas
próprias crenças

marco das cognições sociais circunstância


- grupo 1: a patroa e doméstica ocupam a fantasia da patroa querer participar como membro
seus respectivos papéis no lar; elite da escola de samba da empregada.
samba no espaço fechado, clube;
- grupo 2: carnaval é liberdade, fantasia e entretenimento;
o trabalho é espaço de distanciamento, não se deve
ultrapassar às obrigações do trabalho.

Na expressão <<a patroa ter fantasia de desfilar na escola de samba como


membro>>, na atual contemporaneidade, é avaliado negativamente. No marco
das cognições sociais da patroa, elite é espectador das escolas de samba, mas,
devido aos valores morais e éticos, <<a patroa sugere uma ala na escola de
samba para patroa, além disso, a ama de leite de sua avó era uma negra>>.

- criar para o interlocutor uma cumplicidade, ao resolver a polissemia:

Nesse sentido, a partir do velho, cria para o interlocutor uma cumplicidade,


pois se remete ao já sabido por ele. Para tanto, dissocia-se o que anteriormente
foi associado, para resolver a polissemia pela reconstrução do fato representado;
assim, o provocador do riso muda o papel social das personagens, embora cada
uma permaneça em seu respectivo grupo de cognições sociais. Desse modo, a
patroa continua sendo patroa e a empregada contínua sendo empregada, ainda
que ambas desejem, temporariamente, ocupar o espaço uma da outra, naquela
circunstância.

146
d) as ações daquele que ri

d.1) seguir as orientações de leitura, conforme o ato associativo do provocador do


riso.

O interlocutor reconhece a isotopia que está sendo associada: “carnaval de


elite e carnaval festa popular”.

d.2) construir um contexto cognitivo, para guiar a produção de inferências:

As expressões verbais “carnaval de elite” e “carnaval festa popular”


constituem dois esquemas mentais representados na crônica: no primeiro, “a
patroa e sua relação com a família” e, no segundo, “povão, trabalhadores que
têm o Samba como entretenimento” ativam na memória de longo prazo social os
respectivos scripts, que, devido à cultura do brasileiro, podem ser apresentados
pelas personagens e respectivos grupos sociais:

- patroa: elite, dona de casa que cuida do lar, tem amigas que frequentam o
clube, mas quer ser povão para desfilar na escola como membro;

- empregada doméstica: recebe ordens da patroa, ocupa alguns espaços da


casa, samba e desfila em uma escola, precisa deixar suas crianças sob os
cuidados de alguém, enquanto ela desfila na avenida.

d.3) – ativar, na memória de longo prazo social, respectivamente, script e frame:

Ambos os scripts são focalizados pelo “entretenimento, liberdade, fantasia e


magia do espaço carnavalesco”. Culturalmente, o seguinte frame é hierarquizado
pelos demais sentidos secundários: <<trabalho doméstico é emprego
remunerado na casa da patroa, onde o trabalho é executado apenas pela
empregada e, por vezes, quando há muito trabalho, com uma pequena ajuda da
patroa >> manter com Geneci um diálogo de revelação.

Na sequência, o interlocutor reconhece a focalização dada no frame do


script, ao processar a informação entrada na memória de curto prazo, o que

147
permite associar ao seguinte questionamento: “- Vocês não têm, sei lá, uma ala
das patroas? Qualquer coisa”, que se relaciona a uma outra isotopia.

Os sentidos construídos por inferências decorrem de um outro script ativado


pelo interlocutor e este varia de interlocutor para interlocutor, embora, seguindo a
orientação do locutor, os semas orientadores sejam: “- Se a senhora tivesse me
falado antes... ”. É possível, assim, que ele ative o script de “amigas cúmplices”
que têm por frame <<o carnaval como liberdade, fantasia e entretenimento de
grupos distintos>>.

d.4) fazer essa inferência, para que ela se torne ostensiva no contexto cognitivo:

Ao fazer essa inferência, torna-se ostensiva no contexto cognitivo até então


construído pelo provocador, na medida em que propicia que o interlocutor
reconheça uma relevância em seu contexto cognitivo, pois <<o querer da patroa
de ter uma ala na escola de samba>> não pode entrar no mesmo contexto de
“amizade e gosto pelo samba”. Dessa forma, continua a dar entrada à
informação, para resolver o que é ostensivo em seu contexto cognitivo:

“Em nome da nossa velha amizade.”.

O interlocutor ao processar essa sequência de expressões linguísticas ativa


um outro script – se elas são amigas, uma pode fazer um favor para outra –
expresso em: “- Se a senhora pudesse ficar com eles enquanto eu desfilo...” .
Dessa forma, para produzir a junção de duas isotopias em uma única, o
interlocutor recategoriza os sentidos mais globais.

d.5) tomar consciência da quebra da expectativa:

Aceitar a quebra de expectativa implica que o interlocutor produza a


reformulação do seu contexto cognitivo. Dessa forma, por:

Associação: papéis sociais representados pelos personagens: p1 patroa, casada,


dona de casa, dar ordens em casa, sambista de clube, caracterizada como elite;
p2 Genecí, empregada doméstica, mãe de duas crianças, sambista de uma
escola, caracterizada como povo;

148
Dissociação: p1 patroa, pretende sair na escola de samba, pois considera ser,
também, povo; p2 empregada doméstica, pensa que já é amiga da patroa e quer
deixar suas crianças aos cuidados da patroa para sambar na avenida, a fim de
reconhecer a amizade confidencial da patroa.

A realização do ato perlocucional decorre da cumplicidade do interlocutor


manifestar o riso. Ao reconhecer o macroato de fala do provocador do riso,
atinge-se o princípio da felicidade.

d.6) reformular o contexto cognitivo leva o interlocutor a:

– ativar o emocional: a sobreposição sobre grupos sociais diferentes é


sustentada pela condição cômica, em achar graça, por entender que “os grupos
sociais se juntam, mas não se unem”;

– ativar o cognitivo: a reconstrução pelo intelecto decorre das relações de


avaliações sobre o carnaval e das relações de subordinação entre patroa e
empregada.

- o dado, embora a patroa, de classe social privilegiada, queira desfilar na escola


de samba, ela não se encaixa nas alas de passistas; assim, resta-lhe a condição
de expectadora; o novo deve-se à revelação de ser amiga muito próxima da
empregada doméstica; isso poderia garantir-lhe a possibilidade de tomar conta
dos filhos da empregada passista.

- a expressão facial: o achar graça surge como revelação de resolver a


ambiguidade existente que produziu a relevância no contexto cognitivo.

Nesse sentido, as crônicas trazem a representação do cotidiano, ao tratar


de dois personagens que ativam representações de mundos diferentes,
conseguem reconstruir pela fala de um e do outro, a representação de seu grupo
social. Constrói-se, assim, ambiguidades e polissemias representadas,
intencionalmente, pelo produtor do riso, para os interlocutores.

149
3.4 Charges jornalísticas

A charge é vista, por Bernardes (2009), como metáfora visual e elementos


de modalidade linguísticas. Para Oliveira (2001), a charge jornalística se
apresenta como um texto multimodal que se aproxima do iconográfico. No jornal,
a fonte produtora da charge são as notícias e, por essa razão, a autora diz que a
charge jornalística tem um ponto de intersecção com a crônica jornalística. Trata-
se de um texto opinativo, no qual o chargista representa para seus interlocutores
um conjunto de reflexão e crítica a respeito dos fatos que são noticiados.

Como a charge está relacionada ao fato noticioso e ao domínio sócio-


político, a charge jornalística está envolvida pelo escândalo. Dessa forma, o
chargista revela, através da mídia, atividades que até então eram conhecidas
apenas por um círculo de pessoas envolvidas. Assim, o escândalo decorre da
transgressão de valores de ordem ética e moral, os quais compõem a memória
social das pessoas.

3.4.1 Gênero discursivo do risível em texto multimodal


A charge é um texto multimodal usado constantemente tanto em eventos
discursivos como em discursos públicos, em que o chargista atribui para seu
auditório um conjunto de “conhecimentos” para construir, comicamente o risível e
o riso. A charge jornalística mantém relação com os fatos noticiosos políticos e,
por isso, em geral, estão envolvidas com escândalo.

3.4.1.1 Charge Sarney santificado

A charge, a seguir, foi publicada no Jornal Pequeno de São Luís, em 12 de


julho de 2009, e no site WWW.images.gogle.com.br

150
Figura 015 Sarney santificado

http://images.google.com.br/images?gbv=2&hl=ptBR&q=Charge+Sarney

A representação imagética, figura 1, propicia estabelecer certa similaridade


com o presidente do Senado, no período em que foi acusado por nepotismo e
favorecimento político aos familiares e amigos; ao mesmo tempo, reconstrói a
representação do lendário São Sebastião, para os maranhenses. Essa
representação reveste-se de mito e heroísmo, ou vice-versa.

Figura 02 São Sebastião

http://rodrigodelemos.apostos.com/wp-content/files/2008/3/martinelli.jpg

a) No que se refere aos macroatos de fala, as ações do locutor são guiadas pelo
seu macroato para provocar o riso, a fim de obter a conivência do interlocutor, ao
provocar o riso, o locutor pratica as seguintes ações:

5
Acesso, segunda-feira, 13 de julho de 2009. Site de Internet

151
b) as ações do provocador do riso são:

b.1) selecionar dois fatos:

fato 1 – a cassação: representada pelas flechadas lançadas pelos inimigos contra


a Senador Sarney. Este busca defender-se dos ataques dos adversários políticos.
Culturalmente, tais adversários representam-no por valores negativos, quer pelo
compadrismo político, quer pelo nepotismo familiar. No entanto, os aliados do
Senador atribuem-lhe valores positivos, pelos serviços de caridade, benevolência,
tal como ocorre na lenda de S. Sebastião, para os maranhenses.

fato 2 – a santificação: a lenda do sebastianismo, em que se acredita que Dom


Sebastião fora, traiçoeiramente, atacado pelos inimigos mouros, a flechadas;
nesta contemporaneidade, acredita-se que ele vai ressuscitar e retomar o poder.

Ambos os fatos estão situados na contemporaneidade discursiva.

- A construção retórica é realizada pelo locutor que orienta o seu interlocutor a


associar conhecimentos a respeito do script santificação, crença dos cristãos que
têm fé e devoção à vida evangélica e a Deus. Tem-se por sentido mais global, ou
seja, o frame a <<remissão do lendário São Sebastião, que se tornou conhecido
como aquele que voltará a lutar por seus ideais >>.

b.2) associar A com B, de forma retórica:

As expressões linguísticas ativadas pelas imagens: “crucificação” e


“santificação” propiciam que o interlocutor associe um conjunto de
conhecimentos, ao ativar a sua memória de longo prazo. Trata-se de duas
isotopias: “crucificação por atos condenáveis” “santificação por fazer-se inocente”.

b.3) focalizar semas com similitudes:

No fato 1, é focalizado no sema/imagem valor negativo dado aos ataques


dos inimigos que apresentam similitudes com um script do fato 2, pois a imagem
de São Sebastião é representada pelo martírio e pelas flechadas quando atacado
pelos adversários. Em ambos os scripts ocorre <<ataques de flechas no corpo >>.

b.4) selecionar expressões visuais polissêmicas:

152
No texto multimodal, as expressões visuais: traços, cores, flechas, mantos,
aureola, paisagem constituem-se de intersecções plausíveis para construir
ambiguidades para o interlocutor. Na charge analisada, as representações visuais
hierarquizam os ataques ao “indefeso santo/político” e “santificação redentora do
inocente perseguido por falsas identidades ideológicas, religiosas”.

b.5) dissociar o que foi associado por polissemia:

O provocador do riso muda o papel que o personagem vinha representando:


Sarney, numa situação inicial, representa o papel de político que age de acordo
os princípios partidários para representar um novo papel: aquele que é atacado e
traído por flechadas.

Na imagem 2, o lendário São Sebastião é representado, pelo marco das


cognições sociais dos Católicos, como o Santo que fora perseguido pelos mouros;
foi constituído santo por defender seus princípios cristãos, portanto, inocente
religioso e imaculado.

Desse modo, na associação, centralizam-se os dois personagens em


posições similares, embora as representações das personagens refiram-se a
contemporaneidades diferentes, ambos “são flechados e atacados por seus
adversários políticos e religiosos”, os quais podem ser reconstruídos pela
mudança do frame <<flechados, mas que voltarão ao poder>>. Assim, por
indulgência e ataque, formam uma só pessoa.

b.6) relacionar a associação e a dissociação por articular o dado com o novo:

b.6.1) – a perseguição e ataques dos adversários, o velho, constituem condições


do ser o humano;

b.6.2) - o novo é o meio usado para manter a sobreposição entre o


relacionamento perseguição do política e do santo, ambos vão se manter no
poder.

c) essas ações de associação e dissociação são representadas por van Dijk


(1978), na estrutura da argumentação,

153
Esquema 13:

Estrutura da argumentação

premissa hipótese justificativa conclusão

No Maranhão, o sebastianismo é uma Sarney, ao se defender, representou-se


crença viva: o rei afastado do trono pe- como S. Sebastião, atacado injustamente
lo inimigo e a crença do retorno com pelos inimigos, mas prometeu voltar, tal
rei no poder. como a lenda do sebastianismo.

marco das cognições sociais circunstância


S. Sebastião, atacado a flechadas, pelos inimigos, Sarney sentir-se atacado a flechadas pelos
injustamente; mas, ele vai voltar; inimigos e sentir-se injustiçado; mas, ele vai voltar.

Na representação iconográfica <<a imagem do Senador flechado por seus


colegas parlamentares produz conflito>>, na contemporaneidade atual, é avaliada
negativamente. Os realces salientados pelo bigode, tórax avolumado, pernas
finas; torna-se, positiva. O semblante inocente e puro de Sarney se sobrepõe à
inocência e à pureza de S. Sebastião, que, no imaginário de muitos maranhenses,
ambos são mitos encantados e encantadores, e vice-versa; devido aos valores
morais e éticos referentes, o fazer rir decorre das <<flechadas no corpo quase
despido de vestes e, ao fundo, mais para à direita da imagem central, encontra-se
o dado Câmara Federal e Senado>>.

- criar para o interlocutor uma cumplicidade, ao resolver a polissemia:

Nesse sentido, a partir do velho, busca-se criar no interlocutor uma


cumplicidade, pois se remete ao já sabido por ele. Para tanto, dissocia-se o que
anteriormente fora associado, para resolver a “polissemia visual” pela
reconstrução do fato representado iconograficamente; assim, o provocador do riso
muda o papel social do personagem envolvido em escândalos financeiros e
nepotismo, de forma a romper com os valores morais e éticos, na
contemporaneidade política brasileira.

d) as ações daquele que ri

d.1) seguir as orientações de leitura, conforme o ato associativo do provocador do


riso.
154
Isotopia 1, na lenda, São Sebastião é atacado pelos inimigos e afastado da
luta, mas há a crença de que ele vai voltar. Isotopia 2, Sarney, defendendo-se da
corrupção descoberta, diz ser inocente e que está sendo atacado injustamente
para afastá-lo do poder; mas, que vai voltar.

O interlocutor reconhece a isotopia que está sendo associada, “pela


representação iconográfica do político maranhense”.

d.2) construir um contexto cognitivo, para guiar a produção de inferências:

Ao expandir e reduzir os sentidos construídos durante o processamento das


informações expressas pela imagem, no caso, da charge, o interlocutor
reconhece e reúne as representações de papéis sociais atribuídos ao cidadão
envolvido em escândalos políticos, pelo locutor.

d.3) ativar, na memória de longo prazo social, respectivamente, script e frame:

As expressões visuais: “flechadas inimigas” e “inocência/santificação”


constituem dois esquemas mentais imagéticos de personagens da história: no
primeiro, “o político maranhense atacado por flechadas” e, no segundo, “o santo
Católico, cuja lenda do sebastianismo trata de um cidadão flechado pelos
inimigos”. Tais esquemas ativam na memória de longo prazo social os
respectivos scripts, que, devido à cultura do brasileiro, podem ser apresentados
em uma cronologia temporal dos seguintes momentos históricos: no primeiro, o
político que tenta se defender dos ataques dos inimigos; no segundo, o santo
indefeso e atacado pelos mouros.

Ambos os scripts são focalizados pelas “flechadas e poucas vestes”.


Culturalmente, o seguinte frame é hierarquizado pelos demais sentidos
secundários: <<quem prova inocência não é punido>>, de forma a manter-se
como figura lendária no Brasil. Na sequência, o interlocutor reconhece a
focalização dada no frame do script, ao associar impunidade com: “defende-se
das flechadas lançadas pelos inimigos”, que se relaciona a uma outra isotopia “o
escândalo político”.

155
d.4) fazer essa inferência, para que ela se torne ostensiva no contexto cognitivo:

Os sentidos construídos por inferências decorrem de um outro script ativado


pelo interlocutor e este varia de interlocutor para interlocutor, embora siga a
orientação do locutor, nas imagens orientadoras: “corpos flechados e presos a
uma árvore, na vastidão do cerrado, planalto central, quase no abismo, encontra-
se à Câmara Federal, isto é, em Brasília”. É possível, assim, que ele ative o
script os “escândalos nacionais envolvendo políticos” que tem por frame <<a
impunidade parlamentar>>.

Ao fazer essa inferência, ela se torna ostensiva no contexto cognitivo até


então construído, o que propicia que o interlocutor reconheça uma relevância em
seu contexto cognitivo, pois <<a lenda do São Sebastião>> não pode entrar no
mesmo contexto do “político maranhense”. Dessa forma, continua a dar entrada
à informação, para resolver o que é ostensivo em seu contexto cognitivo:

“a impunidade parlamentar constrói santificação”.

O interlocutor, ao processar essa sequência de expressões imagéticas,


ativa um outro script – santo não é quem segue os valores éticos e morais de um
segmento social, mas quem é atacado por seus inimigos, expresso por: “-
flechadas no corpo e pela permanência na Câmara Federal”. Dessa forma, para
produzir a junção de duas isotopias em uma única isotopia, o interlocutor
recategoriza os sentidos mais globais “ele vai voltar e continuar no poder”.

d.5) tomar consciência da quebra da expectativa:

Aceitar a quebra da expectativa implica que o interlocutor produza a


reformulação do seu contexto cognitivo. Dessa forma, por:

Associação: projeção de papéis sociais dos personagens representados em duas


imagens iconográficas de momentos histórias diferentes: p1 Sarney, político
maranhense, flechado pelos inimigos, dedicado ao poder, praticante de
nepotismo; p2, S. Sebastião; santo católico, flechado pelos inimigos, dedicado
aos princípios religiosos, praticante do cristianismo;

156
Dissociação: p1 político, que, pelo imaginário popular maranhense, é cidadão
simples e dedicado à política e à sua terra “Maranhão, minha terra meu torrão”;
p2 Santo atacado pelos inimigos, mas que um dia vai ressuscitar e manter o
poder.

Ao realizar o ato de fala perlocucional, praticado em cumplicidade, o


interlocutor ri, ao reconhecer o macroato de fala do provocador do riso; assim
sendo, atinge-se o princípio da felicidade.

d.6) reformular o contexto cognitivo leva o interlocutor a:

– ativar o emocional: a crucificação de Sarney é transformada, pela condição


cômica, em achar graça, causado pela identificação de seu próprio engano;

– ativar o cognitivo: a reconstrução pelo intelecto decorre das relações de


flechadas inocentes, Sarney e S. Sebastião, atacados pelos “inimigos” políticos,
no atual contexto sócio-histórico e cultural de grupos sociais brasileiros.

– o dado, embora a santificação resulte da inocência e da benevolência, o novo


decorre da revelação de Sarney que vai voltar, assim como S. Sebastião, e
permanecer no poder, enfatizando a representação dos constantes escândalos
políticos, no Brasil.

– a expressão facial: o achar graça resolve a ambiguidade existente que produziu


a relevância no contexto cognitivo.

3.4.1.2 Charge da chegada do homem à lua


O hastear da bandeira dos Estados Unidos, em território lunar, espaço
totalmente, desconhecido do homem.

Figura 03 - Divulgada foto inédita da chegada do homem à lua6

6
Charge publicada no Jornal Zero Hora – 26 de julho de 2009.
157
Figura 03 Foto inédita da chegada do homem à lua

a) No que se refere aos macroatos de fala, as ações do locutor são guiadas pelo
seu macroato para provocar o riso. A fim de obter a conivência do interlocutor,
quem provoca o riso pratica as seguintes ações:

b) as ações do provocador do riso são:

b.1) selecionar dois fatos:

fato 1 – a bandeira americana, fincada pelo homem ao chegar à Lua. Para o


grupo social conservador, a chegado do homem à Lua tem representação
negativa, pois homem está agredindo a natureza; para o grupo dos cientistas,
esta representação é positiva, de forma que nas comunicações via satélite ocorre
grande desenvolvimento científico e tecnológico.

fato 2 – a fixação da placa de posse da família Sarney na lua. Para o grupo social
político, representa a posse ilimitada do político maranhense, proprietário dos
meios de comunicação via satélite no Maranhão; para muitos maranhenses, “o
Maranhão é de Sarney”.

b.2) associar A com B, de forma retórica:

As expressões verbais e imagéticas: “o homem fincar a bandeira americana


na Lua” e “encontrar afixada uma placa de propriedade da família Sarney”
158
propiciam que o interlocutor associe um conjunto de conhecimentos ao ativar a
sua memória de longo prazo. Trata-se de duas isotopias: “exploração científica”
“exploração privada da coisa pública”.

Ambos os fatos estão situados na contemporaneidade discursiva.

- A construção retórica é realizada pelo locutor que orienta o seu interlocutor a


associar conhecimentos a respeito do script “o homem fincar pela primeira vez a
bandeira americana na Lua”, tem-se por sentido mais global, ou seja, o frame
<<acontecimento inédito >>.

b.3) focalizar semas com similitudes:

Ambos os fatos estão situados na contemporaneidade discursiva.

No fato 1, é focalizado no sema positivo dado à ação do homem ao chegar à


Lua e fincar a bandeira norte-americana, que apresenta similitude com sema do
script do fato 2, pois o fato social trata da placa de identificação da família Sarney
ter chegado primeiro que os astronautas à Lua. Em ambos os scripts, ocorrem
<<identificação dos primeiros humanos à Lua>>

b.4) selecionar expressões linguísticas polissêmicas:

No chiste fotográfico analisado, as expressões linguísticas e imagéticas,


para o interlocutor, são: “fincar a bandeira norte-americana” e a “fixação da placa
de propriedade da família Sarney”.

b.5) dissociar o que foi associado por polissemia:

O provocador do riso muda o papel que o personagem “astronauta” vinha


representando no marco das cognições sociais: ao se deparar com a informação
inédita, representada pela família Sarney, um novo papel se estabelece, ou seja,
daqueles que se tornaram proprietários, antes da chegada dos astronautas.

“Fixação da placa de posse” é reconstruída: pela mudança do frame: “já


havia uma família proprietária da lua” que é substituída por <<os astronautas

159
chegaram tarde à Lua>>. Esses sentidos estão implícitos no co-texto verbal: foto
inédita, com um sujeito deliberador = família que tem muitos bens:

“Propriedade da família Sarney”

O conteúdo da palavra “propriedade” é reconstruído pela mudança do frame


<<a família Sarney tem o poder possuir o satélite do sistema solar>> por
<<chegaram antes dos astronautas>>.

b.6) relacionar a associação e a dissociação por articular o dado com o novo:

b.6.1) - o novo é o meio usado para manter a sobreposição entre “posse da Lua”
para <<conseguir a representação do poder inatingível da família política>>

b.6.2) - o primeiro homem finca a bandeira americana ao chegar à lua, o velho;


significa que a família Sarney já havia fixado uma placa de posse.

c) essas ações de associação e dissociação são representadas por van Dijk


(1978), na estrutura da argumentação,

Esquema 14:

Estrutura da argumentação

premissa hipótese justificativa conclusão

Os norte-americanos chegaram à Lua e Sarney, ao chegar a qualquer lugar, tem o


tiveram o poder de fincar sua bandeira poder de fincar sua placa de propriedade
privada.

marco das cognições sociais circunstância


- Satélite do sistema solar; Propriedade da família Sarney.
- imagem arredondada que brilha à noite;
- espaço sideral;
- lançamento de foguetes;
- satélite de comunicação.

Na representação <<a fixação da placa da posse na Lua>>, na atual


contemporaneidade, é avaliada, negativamente, no marco das cognições sociais
que, devido aos valores morais e éticos, <<a família do político maranhense tem
160
propriedade até no espaço sideral>>, na medida em que rompe com os valores
morais e éticos das cognições sociais.

- criar para o interlocutor uma cumplicidade, ao resolver a polissemia:

Nesse sentido, a partir do velho, busca-se criar no interlocutor uma


cumplicidade, pois se remete ao já sabido por ele, em sua memória social. Para
tanto, dissocia-se o que anteriormente fora associado, para resolver a polissemia.
Ao reconstruir os dois fatos históricos, o provocador do riso muda o papel social
que o personagem vinha representando.

4.d) as ações daquele que ri

d.1) seguir as orientações de leitura, conforme o ato associativo do provocador do


riso.

O interlocutor reconhece a isotopia que está sendo associada, “a fixação da


placa de posse da Lua, como propriedade de Sarney”.

d.2) construir um contexto cognitivo, para guiar a produção de inferências:

As palavras “fincar” e “fixar” ativam na memória de longo prazo social os


respectivos scripts que, devido à cultura de cada grupo, podem ser apresentados
por valores similares ou com mais intensidade de conteúdo dos semas.

Ao expandir e reduzir os sentidos construídos durante o processamento das


informações sobre “fincar”, como <<cravar, pregar, apoiar com força, fincar firme
o terreno conquistado>>, e sobre “fixar”, como <<cravar, pregar, prender,
estabelecer, marcar, determinar com precisão>>, e, ao reunir com a imagem, o
interlocutor representa os papéis sociais atribuídas ao político maranhense
envolvido em “denúncias”, escândalos políticos, construídos pelo locutor.

d.3) ativar, na memória de longo prazo social, respectivamente, script e frame:

Ambos os scripts são focalizados pela conquista do “satélite do sistema


solar”. Culturalmente, o seguinte frame é hierarquizado pelos demais sentidos

161
secundários: <<a fotografia inédita da chegada do homem à lua>> cria uma
expectativa.

O interlocutor reconhece a focalização dada no frame do script e, ao


continuar a processar a informação, dá entrada pela memória de curto prazo a:
“fotografia inédita da chegada do homem à lua e já encontrar uma placa de
propriedade da família Sarney”

Os sentidos construídos por inferência decorrem de um outro script ativado


pelo interlocutor e este varia de interlocutor para interlocutor, embora seguindo a
orientação do locutor, os semas orientadores sejam: “fotografia, propriedade”. É
possível, assim, que ele ative o script de “Sarney chegou à lua primeiro que os
norte-americanos” que tem por frame <<Sarney é dono da Lua>>, ou seja, a lua
é propriedade privada.

d.4) fazer essa inferência, para que ela se torne ostensiva no contexto cognitivo:

Ao fazer essa inferência, ela se torna ostensiva no contexto cognitivo até


então construído, o que propicia que o interlocutor reconheça uma relevância em
seu contexto cognitivo, pois <<apropriar-se e estabelecer poder ou esperteza>>
não pode entrar no mesmo contexto de “conquista científica e de contribuição
pública para o universo das ciências e tecnologias”. Dessa forma, ocorre a
entrada da informação, para resolver o que é ostensivo em seu contexto
cognitivo: “Propriedade da família Sarney” - “Porque a família chegou antes dos
astronautas”.

O interlocutor, ao processar essa sequência de expressões verbais e


imagéticas, ativa um outro script “Sarney ao chegar em qualquer lugar público
tem poder de torná-la propriedade privada”. Dessa forma, para produzir a junção
de duas isotopias em uma única, o interlocutor recategoriza os sentidos mais
globais.

d.5) tomar consciência da quebra da expectativa:

162
Aceitar a quebra de expectativa implica que o interlocutor produza a
reformulação do seu contexto cognitivo. Dessa forma, por:

Associação: fatos apresentados, na imagem, pelos papéis sociais dos


personagens: p1 astronauta, pessoa que se ocupa ativamente de astronáutica,
piloto de astronave, navegador do espaço, viajante de astronave; p2 família
Sarney, a família que tem posse de terras na Área Espacial de Alcântara – MA e
estão no comando político maranhense há quarenta anos;

Dissociação: p1 astronauta chegar à Lua depois da família Sarney; p2 a família


Sarney fixar uma placa de propriedade na Lua.

A realização do ato perlocucional decorre da ação de rir, pelo interlocutor


cúmplice, ao reconhecer o macroato de fala do provocador do riso; atinge-se,
assim, o princípio da felicidade.

d.6) reformular o contexto cognitivo leva o interlocutor a:

– ativar o emocional: a lua satélite do Sistema Solar transforma-se, pela condição


cômica, em propriedade particular, causa o achar graça, por tal ousadia;

– ativar o cognitivo: a reconstrução pelo intelecto decorre das relações da


chegada do homem à lua e a posse de bens da família Sarney, no atual contexto
sócio-histórico e cultural de grupos sociais diferentes.

– o dado, embora o homem tenha chegado à Lua e fincado a bandeira norte-


americano, ainda há algo a ser revelado, isto é, o novo, encontrarem fixada a
placa de propriedade da família Sarney.

– a expressão facial: a revelação do interlocutor, ao rir, manifesta a projeção do


engano, de forma a resolver a ambiguidade que produziu a relevância no
contexto cognitivo.

Nesse sentido, as charges jornalísticas trazem a representação do cotidiano,


ao tratar de personagens políticas e pessoas públicas construídas,

163
intencionalmente, para que representem, assim, ambiguidades e polissemias
concebidas, pelo produtor do riso, para os interlocutores.

3.5 Resultados obtidos

Como se pretendeu demonstrar nos itens anteriores, o risível é um gênero


discursivo que se define por um sistema de discursos, relacionando-se com eles
por interdiscursos. O risível é uma construção textual que se insere em outros
textos específicos de certos discursos e, assim, está numa relação intertextual
com eles. Os discursos exemplificados, neste capítulo, são: eventos discursivos
particulares, discurso jornalístico e discurso literário.

Todavia, o gênero discursivo também está em relação interdiscursiva e


intertextual com outros discursos não tratados aqui, como o discurso publicitário,
o discurso lúdico, as peças teatrais.

3.5.1 Macroatos de fala (provocar o riso e rir)

Os macroatos propiciam que o macroato ilocucional apresente uma


orientação argumentativa e que o macroato perlocucional reconheça a ação
visada pelos objetivos do interlocutor.

Dessa forma, o texto se inter-relaciona com o discurso na interação social


comunicativa.

3.5.2 Ações do provocador do riso são: selecionar dois fatos, sendo que cada
qual se apresenta no texto como uma isotopia

A orientação argumentativa dada pelo locutor é que seu interlocutor ative


conhecimentos de sua memória de longo prazo, associando conhecimentos para
164
a construção de um contexto cognitivo. Todavia, a segunda isotopia dissocia os
conhecimentos já associados.

A orientação argumentativa decorre da seleção de expressões lingüísticas


polissêmicas em relação às isotopias selecionadas.

3.5.3 Associação e dissociação são articuladas pelo dado com o novo

Entende-se, dessa forma, que as ações retóricas constroem argumentos de


legitimidade e reforço para justificar a opinião transmitida, estrategicamente, pelo
provocador do riso.

Martin (1983), ao tratar da natureza da língua, define-a pela metáfora, pois,


segundo o autor, uma palavra se define pela outra, por apresentar entre elas
zona de similitude. Por essa mesma razão, cada palavra da língua é polissêmica
e se destina a designar núcleos semânticos diferentes. Por isso, entende-se que
o locutor, ao selecionar dois fatos, reconhece entre eles uma zona de similitude
metafórica, embora haja uma zona de diferenças. Ao focalizar as similitudes
como orientação argumentativa, o locutor constrói uma metonímia textual, pois
as diferenças deixam de ser consideradas.

3.5.4 Ato de associar

Associar induz o locutor a construir para seu interlocutor uma aceitação,


pois se trata de ativar conhecimentos que o interlocutor tem armazenado em sua
memória de trabalho. Essa aceitação propicia a cumplicidade interacional entre
locutor e interlocutor, de forma que ele aceite a resolução da polissemia
enunciada no texto.

165
3.5.5 Ações daquele que ri:

a) o interlocutor reconhece as orientações argumentativas expressas no texto e,


assim, ativa seus conhecimentos a partir das focalizações e seleções
manifestadas;

b) os conhecimentos ativados constroem, isotopicamente, um contexto cognitivo,


em que os personagens da narrativa representam os papéis instaurados pela
primeira isotopia. O interlocutor, ao processar a segunda isotopia, reconhece
uma relevância, pois houve mudança de tema. Assim, reformula o seu contexto
cognitivo, ressemantizando os sentidos já construídos.

A ressemantização exige uma monofonia entre as duas isotopias. Para


tanto, os personagens mudam os papéis que vinham representando; dessa
forma, o sentido mais global é recategorizado.

c) as duas isotopias não podem pertencer a um mesmo conjunto;

d) a ruptura com o sabido das duas isotopias subverte os sentidos que levam à
construção de uma terceira isotopia;

e) a terceira isotopia tem por sentido mais global a opinião do provocador do riso
o novo;

f) o novo, sendo aceito no macroato performativo, provoca a expressão facial do


riso.

Logo, para haver o risível, é necessário que os fatos selecionados


politópicos façam parte dos conhecimentos do interlocutor; assim, tais fatos são
relativos ao sócio-histórico, ao cultural e ao cognitivo.

3.6 Visualização em gráfico proposto por Adam

Os resultados obtidos propiciaram organizar o seguinte esquema da Análise


Textual dos Discursos, segundo Adam (2010). Para tanto, é necessário
considerar a intersecção textodiscurso:

166
Esquema 15:

O GÊNERO DISCURSIVO DO RISÍVEL

NÍVEIS DA ANÁLISE DO DISCURSO RISÍVEL

FORMAÇÃO INTERAÇÃO SOCIAL AÇÃO DE MACROATO


SOCIO-HISTÓRICO N2 QUEM FAZ RIR N1 PERLOCUCIONAL RIR
CULTURAL QUEM RI

GÊNERO DISCURSIVO DO RISÍVEL


INTERDISCURSO (jornalístico, literário etc.)
INTERTEXTO (chistes, histórias, crônicas e charges jornalísticas)
N3

TEXTO

TEXTURA ESTRUTURA SEMÂNTICA ENUNCIAÇÃO ATOS DE


COMPOSICIONAL DISCURSO
(Proposições (categorização Coesão (ato ilocucional
enunciadas, (sequências: chistes recategorização) Polífônica provocar o riso) e
relevância histórias, mudança de papéis Polissêmica orientação argumentativa
reformulações crônicas, poliisotopias associação/dissociação
em língua charges) isotopia
reformulação
de duas histórias;
reformulação de
dois scripts,
reformulação de dois
marco de cognições sociais
N4 N5 N6 N7 N8
NÍVEIS DA ANÁLISE TEXTUAL DO RISÍVEL

Em síntese, as análises apresentadas permitiram agrupar, resumidamente,


os resultados no esquema, ora, expostos e discutidos.

167
http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/discovirtual/aulas/8206/imagens/charge2009

168
CONCLUSÕES

No término desta tese, são revistos os objetivos que orientaram a


investigação.

Acredita-se que o objetivo geral tenha sido atingido. Embora não seja
mensurável, a tese apresentada traz contribuições para diferentes
composições textuais, seja verbal, seja em outra semiótica, tal como a
multimodal. Nesse sentido, o texto ativa o humor. Este é situado no emocional,
ao se tornar risível, situa-se no intelectual, localizado no córtex cerebral da
fronte temporal.

Acredita-se, também, que os objetivos específicos foram atingidos, na


medida em que, ao retomá-los, pode-se:

1) verificar se o risível é um gênero discursivo ou textual

Os resultados obtidos indicam que o risível é um gênero discursivo que


se define por um sistema de interdiscursos e de intertextos. Os interdiscursos
tratados são o risível em eventos discursivos particulares: o risível e o lúdico; o
risível e o jornalístico; o risível e o literário; o risível e o político.

Os intertextos tratados foram: scripts e textos; fatos e textos; ploliisotopia


e isotopia; papéis dos personagens representados no texto1 em relação aos
representados no texto2; categorização no texto1 versus recategorização no
texto2; associação no texto1 e dissociação no texto2; personagens de textos
chistes, histórias, crônicas do cotidiano, charges jornalísticas.

Os intertextos tratados são relacionados aos textos escolhidos por cada


prática discursiva indicada, anteriormente, ainda que todos eles pertençam à
classe de texto narrativo.

169
A composição de cada texto depende de como esta classe (cronologia
temporal: t1, t2, t3, tn) é modificada, dependendo do discurso (chistes,
histórias, crônica do cotidiano e charges jornalísticas).

Nas histórias, as expressões linguísticas ativaram, para o interlocutor,


dois scripts sobre “casamento”, um de comemoração e outro de condenação;
e sobre “meu amigo”, um de cordialidade e conselheiro e outro revela-se como
esperto, falso, aquele que se apodera do alheio.

Nas crônicas do cotidiano, os papéis apresentados por personagens de


grupos sociais diferentes, na interação comunicativa, propiciaram para o
interlocutor a construção de dois scripts, ao relacionar o marco de cognições
sociais “provador de vinho” e “caipira”, bem como “patroa” e “empregada”, por
estarem em constantes conflitos.

Nas charges, o interlocutor reconhece as informações expressas pelas


imagens e expressões linguísticas, pelos textos multimodais e papéis
atribuídos ao político envolvido em escândalo.

2) identificar as funções e as ações praticadas pelo locutor/produtor e pelo


interlocutor , enquanto participantes de um contexto discursivo;

Os resultados obtidos indicam que as funções são exercidas pelo


locutor/produtor do riso:

O locutor, pelo macroato de fala <fazer rir>>, seleciona dois fatos; cada
qual se apresenta no texto como uma isotopia; oferece uma orientação
argumentativa, associando conhecimentos para a construção de um contexto
cognitivo, de forma a criar uma segunda isotopia que dissocia os
conhecimentos já associados; seleciona as expressões linguísticas
polissêmicas em relação às isotopias apresentadas; reforça e legitima os
argumentos para justificar a opinião transmitida, estrategicamente, pelo
provocador do riso, de forma que o interlocutor aceite a resolução da
polissemia enunciada no texto.

170
Assim, tais circunstâncias permitem ao provocador do riso usar
estratégias de sedução, de modo a obter a conivência de seu interlocutor, ao
fazer novas associações para os papéis representados pelos personagens.
Isto é, os conhecimentos dados são transformados, na medida em que são
apresentadas novas informações sobre um mesmo referente, de forma a
construir o novo capaz de provocar o riso do interlocutor, pela cumplicidade.

O interlocutor pelo macroato de fala <<quem ri>> reconhece as


orientações argumentativas expressas no texto e, assim, ativa seus
conhecimentos pelas focalizações e seleções manifestadas; ativa os
conhecimentos isotópicos no contexto cognitivo, ou seja, faz uma inferência
sobre os papéis representados pelos personagens das narrativas, instaurados
pela primeira isotopia; ao mesmo tempo em que processa a segunda isotopia,
reconhece uma relevância, pois houve mudança de isotopia. Isso o leva a
reformular o seu contexto cognitivo e a ressemantizar os sentidos já
construídos.

3) examinar as estratégias argumentativas utilizadas pelo locutor que, ao


objetivar o riso de seu interlocutor, leva-o a aceitar uma opinião nova

O produtor do riso, ao categorizar e recategorizar as representações de


conhecimentos “sabidos”, dado, com o novo, cria, por enunciados linguísticos
representações de fatos que consistem em ações significativas. Tais
representações, ao serem reconstruídas pelo interlocutor, propiciam uma
relevância, as quais são reformuláveis em histórias com um ou mais episódios;
reformuláveis por dois scripts e reformuláveis por dois marcos de cognições
sociais diferentes, que se conflitam.

Assim, a construção de textos inteligíveis relaciona-se a outros textos e


gêneros existentes nas atividades humanas, no sentido de oferecer
instrumentos para reflexão sobre a criatividade social; logo, os participantes,
interativamente, podem criar e fazer coisas novas acontecerem em diferentes
oportunidades.

171
4) investigar a intersecção dos intertextos e interdiscursos na produção do
risível e do riso

Ao selecionar as expressões linguísticas, o produtor do risível e do riso


constrói para seus interlocutores representações dos fatos cotidianos, de
forma que, na interação, produtor e interlocutor exerçam funções e ações e
inter-relacionem, intencionalmente, conhecimentos sociais. Nesse sentido,
Adam (2010) propõe que a análise textual dos discursos depende do texto.

Para tanto, o produtor do riso seleciona dois fatos que apresentam


similitudes em seus referentes. Essa similitude é responsável por criar a
polissemia, a fim de que os interlocutores ativem diferentes sentidos
provocadores do riso, ao ressemantizarem os referentes por uma monofonia
entre as duas isotopias.

Assim, quando ocorrem duas isotopias, essas não podem pertencer a um


mesmo conjunto, havendo uma ruptura com o sabido das duas isotopias, de
modo a subverter os sentidos que levam à construção de uma terceira
isotopia, ou seja, o sentido mais global, a opinião do provocador do riso pela
informação nova. Esta, por sua vez, quando aceita pelo macroato
performativo, possibilita a expressão facial do riso.

Nesse sentido, aplicar a noção de macroatos possibilitou verificar que o


macroato ilocucional oferece orientação argumentativa de modo a fazer
alcançar o macroato perlocucional, como realização da reação visada para o
interlocutor.

Tal alcance foi orientado pelas intenções do locutor ao veicular no texto a


inter-relação com outros textos/discursos. Na medida em que as interações
sociais comunicativas ocorrem, a aceitação ativa conhecimentos que o
interlocutor tem armazenado em sua memória de trabalho. Essa aceitação
propicia a cumplicidade interacional entre locutor e interlocutor, de forma que
ele aceite a resolução da polissemia enunciada no texto.

172
Por conseguinte, as representações dos fatos sociais são relativas ao
sócio-histórico-cultural e cognitivo e fazem parte dos conhecimentos do
interlocutor.

Quanto à multidisciplinaridade aplicada a esta tese, hierarquizada pelas


ciências da cognição, essa possibilitou integrar, por um processo de
justaposição, diferentes disciplinas - ciências cognitivas, ciências sociais e
ciência linguística -, cada qual cooperando uma com as outras oferecendo seu
saber para o estudo dos elementos em questão, isto é, do riso e do risível,
presentes em diferentes textos e discursos.

Quanto à interdisciplinaridade, este procedimento possibilitou integrar as


disciplinas aplicadas a esta tese, de modo a superar a fragmentação inerente
à unidisciplinaridade sobre o tratamento anteriormente dado ao riso e ao
risível. Assim, foi possível estabelecer uma conduta dialógica entre as
diferentes disciplinas, de forma a favorecer resultados de análise
complementares uns dos outros, isto é, a relação entre textos verbais e
multimodais, tal como das charges, que levaram a identificar o contexto
discursivo em que os fatos históricos são argumentativamente recuperados,
por esquemas mentais, scripts e frames.

Quanto à transdisciplinaridade, esta possibilitou uma visão integradora


que se mostrou adequada, ao propiciar uma intersecção “entre” e “com” as
disciplinas aqui elencadas. Nesse sentido, praticando o diálogo dos diferentes
saberes, sem desconsiderar a diversidade de pontos de vista, viabilizou
análises contextualizadas e sobre os fenômenos da linguagem humana, em
diferentes situações que envolvem o riso e o risível.

Assim, o modelo integrado de análise textual discursiva propiciou


classificar o risível como gênero discursivo, conforme defendido nesta tese, e
abre perspectivas para o tratamento do riso e do risível, situando-os na
transdisciplinaridade das ciências sociais.

173
Esta tese não se quer conclusa, na medida em que abre perspectivas
para pesquisas futuras sobre as emoções humanas manifestadas pelas
linguagens verbal, não verbal e multimodal, em que o riso e o risível podem
ser verificados por outros olhares, em especial, ao riso engraçado, tal como a
história abaixo.

Continho7

Era uma vez um menino triste, magro e barrigudinho, do sertão do


Pernambuco. Na soalheira danada do meio-dia, ele estava sentado
na poeira do caminho, imaginando bobagem, quando passou um
gordo vigário a cavalo:
- Você aí, menino, para onde vai essa estrada?
- Ela não vai não: nós é que vamos nela.
- Engraçadinho duma figa! Como você se chama?
- Eu não me chamo não: os outros é que me chamam de Zé.

7
CAMPOS, Paulo Mendes. In: Supermercado. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1976. p. 53

174
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