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'Docslide - Com.br - Sam Harris Carta A Uma Nacao Crista 5681919f0d181 PDF
'Docslide - Com.br - Sam Harris Carta A Uma Nacao Crista 5681919f0d181 PDF
Carta a uma
nação cristã
Tradução
Isa Mara Lando
Prefácio
Richard Dawkins
Is reimpressão
C OMPANHIA D AS
L ETRAS
Para minha esposa
Sumário
recomendo, 87 Notas, 89
Prefácio
Richard Dawkins
Sam Harris não é amigo de divagações sem rumo. Ele es- (rcve
diretamente para o seu leitor cristão, chamando-o de "você", e lhe dá a
honra de levar a sério as crenças que "você" defende:"[...] se um de nós
está certo, o outro está errado [...] < ;<>m o decorrer do tempo, um
dos dois lados vai realmente vencer essa discussão, e o outro lado
realmente sairá derrotado". Mas você não precisa (como posso atestar
pessoalmente) se encaixar no perfil desse "você" para desfrutar este
maravilhoso livrinho. Cada palavra sai zunindo como uma elegante
flecha, desferida de uma corda tensionada ao máximo, e voa veloz,
traçando um gracioso arco e atingindo o alvo bem no centro, para
grande satisfação do leitor.
Se você faz parte do alvo, desafio-o a ler este livro. Será iim teste
saudável para a sua fé. Se você conseguir sobreviver .1 barragem da
argumentação de Sam Harris, poderá enfrentar o mundo inteiro com
equanimidade. Mas perdoe-me se duvido: Harris nunca erra o alvo, nem
em uma única frase, e é por isso que este livro tão breve tem um poder
devastador tão desproporcional. Se você já compartilha das dúvidas de
Harris, e minhas, acerca da fé religiosa e não faz parte desse alvo, este livro
lhe dará armas poderosas para argumentar contra o outro lado. Ou talvez
você seja cristão, mas não faça parte do alvo. Este livro reconhece que
existem cristãos que adotam, segundo eles próprios crêem, uma visão mais
nuan- çada:"[...] os cristãos liberais e moderados nem sempre vão
reconhecer a si mesmos nesse cristão' a quem me dirijo. Mas com certeza
reconhecerão muitos de seus vizinhos — e mais de 150 milhões de
americanos".
E este é o ponto principal. Foi a ameaça desses 150 milhões que
motivou este livro. Se as crenças religiosas que você adota são tão vagas e
nebulosas que até as flechadas mais certeiras ricocheteiam sem ser
notadas, Harris não está escrevendo diretamente para você. Mesmo assim,
você deveria se preocupar com essa situação de emergência que tanto
preocupa a ele — e também a mim. Enquanto eu, como educador
científico, fico desalentado ao constatar que 50% da população americana
acredita que o mundo tem 6 mil anos de idade (o equivalente a acreditar
que a distância entre Nova York e San Francisco é menor que um campo
de crí- quete), Sam Harris se preocupa com outras crenças desses mesmos
50%:
A SABEDORIA DA BÍBLIA
Se teu irmão, filho de tua mãe, ou teu filho, ou tua filha, ou a mulher do
teu amor, ou teu amigo que amas como à tua própria alma te incitar em
segredo, dizendo: "Vamos e sirvamos a outros deuses" [...] não
concordarás com ele, nem o ouvirás; não o olharás com piedade, não o
pouparás, nem o esconderás, mas, certamente, o matarás. A tua mão será
a primeira contra ele, para o matar, e depois a mão de todo o povo.
Apedrejá-lo-á até que morra, pois te procurou apartar do SENHOR, teu
Deus, que te tirou da terra do Egito, da casa da servidão [...1. Quando em
alguma das tuas cidades que o SENHOR, teu Deus, te dá, para ali habitares,
ouvires dizer que homens malignos saíram do meio de ti e incitaram os
moradores da sua cidade, dizendo: "Vamos e sirvamos a outros deuses",
que não conheceste, então, inquirirás, investigarás e, com diligência,
perguntarás;
e eis que, se for verdade e certo que tal abominação se cometeu no meio
de ti, então, certamente, ferirás a fio de espada os moradores daquela
cidade, destruindo-a completamente e tudo o que nela houver, até os
animais.
Deuteronômio 13, 6, 8-15
se, de fato, é justo para com Deus que ele dê em paga tribulação aos que
vos atribulam [...] quando do céu se manifestar o Senhor Jesus com os
anjos do seu poder, em chama de fogo, tomando vingança contra os que
não conhecem a Deus e contra os que não obedecem ao evangelho de
nosso Senhor Jesus. Estes sofrerão penalidade de eterna destruição,
banidos da face do Senhor e da glória do seu poder.
2 Tessalonicenses 1,6-9
Quanto aos escravos ou escravas que tiverdes, virão das nações ao vosso
derredor; delas comprareis escravos e escravas. Também os comprareis
dos filhos dos forasteiros que peregrinam entre vós, deles e das suas
famílias que estiverem convosco, que nasceram na vossa terra; e A'os
serão por possessão. Deixá-los-eis por herança para vossos filhos depois
de vós, para os haverem como possessão; perpetuamente os fareis servir,
mas sobre vossos irmãos, os filhos de Israel, não vos assenhoreareis com
tirania, um sobre os outros.
Levítico 25,44-46
A Bíblia também deixa claro que todo homem tem liberdade de
vender sua filha como escrava sexual — apesar de que nesse caso se
aplicam certas restrições sutis:
Se um homem vender sua filha para ser escrava, esta não lhe sairá como
saem os escravos. Se ela não agradar ao seu senhor, que se comprometeu
a desposá-la, ele terá de permitir-lhe o resgate; não poderá vendê-la a um
povo estranho, pois será isso deslealdade para com ela. Mas, se a casar
com seu filho, tratá-la-á como se tratam as filhas. Se ele der ao filho outra
mulher, não diminuirá o mantimento da primeira, nem os seus vestidos,
nem os seus direitos conjugais. Se não lhe fizer estas três coisas, ela sairá
sem retribuição, nem pagamento em dinheiro.
Êxodo 21,7-11
\ VI KDADEIRA MORALIDADE
Você acredita que, se a Bíblia não for aceita como a pa- l.ivra de
Deus, não pode haver um padrão universal de mo- i alidade. Mas
podemos facilmente pensar em fontes objeti- as (le ordem moral que
não requerem a existência de um Deus legislador. Para que haja
verdades morais objetivas que valha I pena conhecer, é necessário que
haja apenas maneiras melhores e piores de buscar a felicidade neste
mundo. Se exis- lem leis psicológicas que governam o bem-estar
humano, . onhecer essas leis nos proporcionaria uma base duradoura I
»ara uma moralidade objetiva. É verdade que não temos nada que se
assemelhe a uma compreensão final e científica da moralidade humana;
mas parece seguro dizer que estuprar e matar nosso próximo não estão
entre seus elementos básicos. Tudo na experiência humana sugere que
o amor conduz à felicidade mais do que o ódio. Essa é uma afirmação
obje- tiva acerca da mente humana, da dinâmica das relações sociais e
da ordem moral do nosso mundo. Sem dúvida é possível dizer que
alguém como Hitler estava errado em termos morais, sem ser preciso
nos referirmos às escrituras.
Se sentir amor pelos outros é, com certeza, uma das maiores
fontes da nossa própria felicidade, também acarreta uma preocupação
profunda pela felicidade e pelo sofrimento daqueles que amamos.
Assim, nossa própria busca de felicidade nos dá um motivo
fundamental para o auto-sacrifício e a abnegação. Não há dúvida de
que existem ocasiões em que fazer enormes sacrifícios pelo bem dos
outros é essencial para o nosso próprio bem-estar mais profundo. Não é
necessário acreditar em nada, sem provas convincentes, para que as
pessoas formem vínculos desse tipo. Em vários pontos dos evangelhos,
Jesus nos diz claramente que o amor pode transformar a vida humana.
Para assimilar esses ensinamentos em nosso coração, não precisamos
acreditar que ele nasceu de uma virgem, ou que ele voltará para a terra
como um super-herói.
Um dos efeitos mais perniciosos da religião é que ela tende a
divorciar a moral da realidade do sofrimento dos seres humanos e dos
animais. A religião permite que as pessoas imaginem que suas
preocupações são morais quando não são — isto é, quando elas não têm
nada a ver com o sofrimento ou com o alívio do sofrimento. De fato, a
religião permite que as pessoas imaginem que suas preocupações são
morais <|ii.indo, na verdade, são altamente imorais — isto é, quando
insistir nessas preocupações inflige um sofrimento atroz i
desnecessário em seres humanos inocentes. Isso explica por i Hic
cristãos como você gastam mais energia "moral" fazen do oposição ao
aborto do que lutando contra o genocídio. I \plica por que você está
mais preocupado com os embriões h u m an o s do que com a
possibilidade de salvar vidas, o fere -
• ida pela pesquisa com células-tronco. E explica por que vo- < r é
capaz de pregar contra o uso da camisinha na África sub-
.1.11 iana, enquanto milhões de pessoas morrem de aids nessa n giao a
cada ano.
Você acredita que as suas preocupações religiosas a res- IM i lo de
sexo, tão imensas e tão cansativas, têm algo a ver com i moralidade. E,
contudo, seus esforços para reprimir o com- poi lamento sexual de
adultos que agem por livre e espontâ- II < M vontade — e até para
desencorajar seus próprios filhos e Ilibas de fazerem sexo antes do
casamento — quase nunca se > Ir-.li nam ao alívio do sofrimento
humano. Ao que parece, ali- i.iio sofrimento está bem lá embaixo na
sua lista de priori-
• l.i*les. Felo visto, a sua principal preocupação é que o criador
do universo ficará ofendido com algo que as pessoas fazem
• |u,uido estão nuas. E essa sua mentalidade pudica contribui,
di.ii ia mente, para o excesso de infelicidade humana.
(Considere, por exemplo, o papilomavírus humano ( HPV , II .I .ij;la
em inglês). O HPV é hoje a doença sexualmente transmissível mais
comum nos Estados Unidos. Esse vírus infec-
i .1 mais da metade da população americana, causando a mor-
ii de quase 5 mil mulheres a cada ano, de câncer cervical. O 1 ri il ro
para Controle de Doenças (Center for Desease Control
< i X:) estima que mais de 200 mil mulheres morrem anualmente
dessa doença no mundo inteiro. Hoje temos uma vacina para o HPV que
parece ser segura e eficiente. A vacina produziu uma imunidade de
100% nas 6 mil mulheres que a receberam como parte de um teste
clínico.8 Contudo, os conservadores cristãos no governo americano
opõem resistência ao programa de vacinação, alegando que o HPV é um
impedimento valioso contra o sexo antes do casamento. Esses homens e
mulheres piedosos desejam preservar o câncer cervical como incentivo
para a abstinência sexual, embora ele tire a vida de milhares de
mulheres a cada ano.
Não há nada de errado em incentivar os adolescentes a se abster
de sexo. Mas nós já sabemos, fora de qualquer dúvida, que apenas
ensinar a abstinência não é uma boa maneira de reduzir a gravidez na
adolescência nem a disseminação de doenças sexualmente
transmissíveis. Na verdade, os adolescentes que só recebem lições de
abstinência têm menos probabilidades de usar métodos
anticoncepcionais quando fazem sexo — como muitos deles vão fazer,
inevitavelmente. Um estudo descobriu que as "promessas de
virgindade" promovidas pelo governo americano adiam o ato sexual
por dezoito meses, em média — e que, durante esse período, esses
adolescentes virgens têm mais probabilidade do que os demais de fazer
sexo oral e anal.9 Os adolescentes americanos fazem sexo tanto quanto
os adolescentes do resto do mundo desenvolvido; mas as jovens
americanas têm quatro a cinco vezes mais probabilidade de engravidar,
dar à luz ou fazer aborto. Os jovens americanos também têm muito
mais probabilidade de ser infectados pelo HIV e outras doenças se-
xualmente transmissíveis. O índice de gonorréia entre adolescentes
americanos é setenta vezes maior do que entre os adolescentes da
Holanda e da França.10 O fato de que 30% de nossos programas de
educação sexual ensinam apenas a abstinência (a um custo anual de
mais de 200 milhões de dólares) com certeza tem algo a ver com isso.
O problema é que cristãos como você não estão preocupados com
a gravidez adolescente e a disseminação de doenças. Isto é, você não
está preocupado com o sofrimento causado pelo sexo; você está
preocupado com o sexo. E, como se este fato precisasse ainda mais de
comprovação, o evangélico Reginald Finger, membro do Comité
Consultor de Práticas d e i munização do CDC, anunciou recentemente
que pensa em '.e opor a uma vacina contra o HIV — condenando, assim,
milhões de homens e mulheres a morrer de aids a cada ano, des-
necessariamente —, já que tal vacina incentivaria o sexo antes tio
casamento, por torná-lo menos arriscado.11 Este é um
• l< >s muitos aspectos em que suas crenças religiosas se tornam
I'.enuinamente letais.
Seus escrúpulos acerca da pesquisa com células-tronco ■ao
igualmente obscenos. Aqui estão os fatos: a pesquisa com
• elulas-tronco é um dos avanços mais promissores da mediu na no
último século. Pode oferecer avanços revolucioná- i ios no tratamento
de todas as doenças e processos perni-
• iosos que atingem o ser humano — pela simples razão de que as
células-tronco dos embriões podem se transformar un qualquer tecido
do corpo humano. Essa pesquisa tam- ln in pode ser essencial para a
nossa compreensão do cân- m i e de uma vasta gama de doenças do
desenvolvimento. Em \ isla de tais fatos, é quase impossível exagerar as
perspecti-
,i. promissoras dessa pesquisa. É verdade, claro, que a pesquisa com
células-tronco embrionárias acarreta a destruição de embriões humanos
de três dias de idade. É com isso que você se preocupa.
Vejamos os detalhes. Um embrião humano é um agrupamento de
150 células chamado blastocisto. Existem, para efeito de comparação,
mais de 100 mil células no cérebro de uma mosca. Os embriões
humanos que são destruídos nas pesquisas com células-tronco não têm
cérebro, nem sequer neurónios. Assim, não há razão para acreditar que
eles possam sentir qualquer tipo de sofrimento com a sua destruição, de
maneira alguma. Nesse contexto, vale lembrar que, quando ocorre a
morte cerebral, atualmente julgamos aceitável extrair os órgãos da
pessoa (desde que ela os tenha doado para esse fim) e enterrá-la. Se é
aceitável tratar uma pessoa cujo cérebro morreu como algo menos que
um ser humano, deveria ser aceitável tratar do mesmo modo um
blastocisto. Se você está preocupado com o sofrimento que ocorre neste
universo, matar uma mosca deveria lhe apresentar dificuldades morais
maiores do que matar um blastocisto humano.
Talvez você ache que a diferença crucial entre uma mosca e um
blastocisto humano está no potencial deste último de tornar-se um ser
humano plenamente desenvolvido. Mas, em vista dos nossos recentes
avanços em engenharia genética, quase toda célula do corpo humano é
um ser humano em potencial. Cada vez que você coça o nariz, já
cometeu um holocausto de seres humanos em potencial. Isso é um fato.
O argumento que fala do potencial das células não leva a absolutamente
nada.
Mas vamos admitir, por enquanto, que cada embrião humano de
três dias de idade tenha uma alma merecedora da nossa preocupação
moral. Os embriões nesse estágio por ve- /.es se dividem, tornando-se
duas pessoas separadas (gémeos idênticos). Será que nesse caso uma só
alma se dividiu em duas? Por outro lado, às vezes dois embriões se
fundem em um único indivíduo, chamado "quimera". Talvez você, ou
alguém que você conhece, tenha se desenvolvido dessa maneira. Não
há dúvida de que em algum lugar, neste momento, há teólogos se
esforçando para decidir o que acontece com a alma humana em um
caso assim.
Será que já não é hora de reconhecermos que essa aritmética de
almas não faz nenhum sentido? A idéia ingénua de que existem almas
em uma placa de Petri é intelectualmente impossível de defender. Ê
também moralmente indefensável, considerando-se que ela está
obstruindo pesquisas entre as mais promissoras da história da
medicina. As suas cren- i,as a respeito da alma humana estão, neste
exato momento, I >i <)longando o sofrimento atroz de dezenas de
milhões de se- ies humanos.
Você acredita que "a vida começa no momento da con- • epção".
Você acredita que existem almas em cada um desses U.istocistos e que
os interesses de uma alma — digamos, a .ilma de uma menininha com
queimaduras em 75% do corpo não podem predominar sobre os
interesses de outra alma, mesmo que essa alma viva dentro de um tubo
de en- .iio. Considerando todas as concessões que já fizemos para a«
omodar a irracionalidade baseada na fé no nosso discur- público,
muitos afirmam — inclusive defensores da pes- qui.sa com
células-tronco — que a posição que você adota nes-
• assunto tem certo grau de legitimidade moral. Mas não tem. aia
resistência à pesquisa com células-tronco embrionárias
• na melhor das hipóteses, mal informada. Na verdade, não existe
nenhuma razão moral para a má vontade do governo federal americano
em financiar esse trabalho. Nós deveríamos investir recursos imensos
em pesquisas com células- tronco, e deveríamos fazê-lo imediatamente.
Mas, por causa das crenças de cristãos como você a respeito de almas,
não estamos fazendo isso. Na verdade, vários estados americanos já
tornaram essa pesquisa ilegal.12 Em Dakota do Sul, por exemplo, quem
fizer experiências com blastocistos se arrisca a passar anos na prisão.13
A verdade moral aqui é óbvia: qualquer pessoa que creia que os
interesses de um blastocisto podem prevalecer sobre os interesses de
uma criança com uma lesão na espinha dorsal está com seu senso moral
cegado pela metafísica religiosa. O vínculo entre a religião e a "moral"
— tão proclamado e tão poucas vezes demonstrado — fica aqui
totalmente desmascarado, tal como acontece sempre que o dogma
religioso prevalece sobre o raciocínio moral e a compaixão genuína.
I difícil acreditar, mas o Vaticano atualmente se opõe ao uso cia camisinha, até l mi ,i
evitar a contaminação por HIV entre marido e mulher. Há rumores de que o I m|m está
reconsiderando essa orientação. O cardeal Javier Lozano Barragán, pre- u li'iite do
Pontifício Conselho para a Pastoral da Saúde, anunciou na Rádio Va- LL < . IMO que
seu departamento está "realizando um estudo científico, técnico e mo- i il muito
profundo" dessa questão (!). Nem é preciso dizer que, se a doutrina da l(»,i<'ja mudar em
consequência dessas piedosas deliberações, isso não será sinal ilr 11tie a fé é sábia, e sim
de que um de seus dogmas se tornou insustentável.
nos perguntar, de passagem, o que é mais moral: ajudar as pessoas
puramente pela preocupação com o sofrimento delas, ou ajudá-las
porque você acha que o criador do universo vai recompensá-lo por
isso?
Madre Teresa de Calcutá é um exemplo perfeito da maneira como
uma boa pessoa, impelida a ajudar os outros, pode ter sua intuição
moral perturbada pela fé religiosa. Christopher Hitchens expressa isso
com sua característica franqueza:
[Madre Teresa] não era amiga dos pobres. Era amiga da pobreza. Ela
afirmou que o sofrimento era um presente de Deus. Passou toda a sua
vida se opondo à única cura conhecida para a pobreza, que é dar poder e
emancipação às mulheres, para que elas saiam de uma situação de
animais domésticos com reprodução compulsória.14
Embora em essência eu concorde com Hitchens nesse ponto, não
se pode negar que madre Teresa foi uma grande força pela compaixão.
Sem dúvida foi motivada pelo sofrimento humano, e fez muita coisa
para despertar outras pessoas para a realidade desse sofrimento. O
problema, porém, é que a sua compaixão foi canalizada para o seu
estreito dogmatismo religioso. Em seu discurso ao aceitar o prémio
Nobel, ela disse:
2E parece que o ateísmo de Hitler foi seriamente exagerado: "Como cristão, meu
sentimento me mostra meu Senhor e Salvador como um combatente. Mostra me aquele
homem de outrora que, sozinho, rodeado por apenas alguns seguido res, reconheceu o
que eram verdadeiramente aqueles judeus e conclamou os homens a lutar contra eles, e
que, pela verdade de Deus!, foi maior não como sofredor, mas como lutador. Em amor
ilimitado como cristão e como homem, leio a passagem que nos conta como o Senhor por
fim se levantou em todo o Seu poder e tomou na mão um chicote para expulsar do templo
a ninhada de víbo ras e serpentes. Como foi terrível a sua luta em prol do mundo, contra o
veneno judaico [...] como cristão, também tenho um dever para com meu próprio povo".
Hitler afirmou isso em um discurso pronunciado em 12 de abril de 1922 (Norman H.
Baynes, ed. The speeches of Adolf Hitler, April 1922-August 1939. Vol. 1 de 2, pp. 19-20.
Oxford University Press, 1942).
nos perguntar até que ponto Kim II Sung era um homem movido pela
razão.
Veja o Holocausto: o anti-semitismo que construiu os campos de
morte dos nazistas foi herança direta do cristianismo medieval. Durante
séculos os europeus cristãos ti- 11 liam considerado os judeus a pior
espécie de heréticos, e atribuído todos os males da sociedade à sua
contínua presença entre os fiéis. Embora o ódio aos judeus na
Alemanha se expressasse de maneira sobretudo secular, suas raízes
eram religiosas, e a demonização explicitamente religiosa dos judeus
da Europa foi contínua durante esse período. O próprio Vaticano
perpetuou a calúnia de sangue em seus jornais até 1914.* E tanto a
Igreja católica como a protestante têm um passado vergonhoso de
cumplicidade com o genocídio nazista.18
Auschwitz, os gulags soviéticos e os campos de morte do
(lumboja não são exemplos do que acontece quando as pessoas se
tornam demasiado adeptas da razão. Ao contrário, esses horrores
atestam os perigos do dogmatismo político e ra- eial. Já é hora de
cristãos como você pararem de fingir que uma rejeição racional da sua
fé acarreta a adoção cega do ateísmo como dogma. Não é necessário
aceitar nada sem ter provas suficientes para concluir que o nascimento
virginal de Jesus e uma idéia absurda. O problema da religião — assim
como
' A "calúnia de sangue" (em relação aos judeus) consiste na falsa acusação de que us
judeus matam não-judeus a fim de obter sangue para rituais religiosos. Essa i u nça
continua muito difundida em todo o mundo muçulmano.
do nazismo, do stalinismo ou de qualquer outra mitologia totalitária —
é o problema do dogma em si. Não conheço nenhuma sociedade na
história humana que jamais tenha sofrido porque seu povo passou a
ansiar por provas concretas para suas crenças fundamentais.
Embora você acredite que acabar com a religião é um ob- jetivo
impossível, é importante perceber que ele já foi alcançado por boa parte
do mundo desenvolvido. Noruega, Islândia, Austrália, Canadá, Suécia,
Suíça, Bélgica, Japão, Holanda, Dinamarca e o Reino Unido estão entre
as sociedades menos religiosas da Terra. De acordo com o Relatório do
Desenvolvimento Humano das Nações Unidas (2005), essas
sociedades também são as mais saudáveis, segundo os indicadores de
expectativa de vida, alfabetização, renda per capita, nível educacional,
igualdade entre os sexos, taxa de homicídios e mortalidade infantil.19
Até onde há um problema de crime na Europa ocidental ele é,
sobretudo, produto da imigração. Na França, por exemplo, 70% dos
detentos nas prisões são muçulmanos. Os muçulmanos da Europa
ocidental em geral não são ateus. Inversamente, os cinquenta países
que ocupam os lugares mais baixos, segundo o índice de
desenvolvimento humano das Nações Unidas, são inabalavelmente
religiosos.
Outras análises pintam o mesmo quadro: os Estados Unidos são o
único país, entre as democracias ricas, com alto nível de adesão à
religião; e também o que mais sofre com altos índices de homicídio,
aborto, gravidez adolescente, doenças sexualmente transmissíveis e
mortalidade infantil. A mesma comparação é verdadeira dentro do
próprio país: os estados do Sul e do Meio-Oeste, caracterizados pelos
mais .iltos níveis de literalismo religioso, são especialmente atinados
pelas disfunções sociais, segundo os indicadores acima, .10 passo que
os estados relativamente seculares do Nordeste do país têm uma
situação semelhante à européia.20
Embora nos Estados Unidos a filiação a um partido po- lilico não
seja um indicador perfeito de religiosidade, não é segredo que os
estados "vermelhos" [republicanos] são vermelhos sobretudo devido à
influência política avassaladora «los cristãos conservadores. 21 Se
existisse uma forte correla- <,,10 entre o conservadorismo cristão e a
saúde da sociedade, I »< >deríamos ver algum sinal disso nesses
estados. Mas não vemos. Das 25 cidades americanas com os mais
baixos índices de crimes violentos, 62% ficam em estados "azuis"
[demo- t ratas] e 38% em estados "vermelhos". Das 25 cidades mais I
icrigosas, 76% ficam em estados vermelhos e 24% em estados azuis.22
Aliás, três das cinco cidades mais perigosas dos I st ados Unidos ficam
no piedoso estado do Texas.23 Os doze estados com os mais altos
índices de assaltos a residências ..io vermelhos. Dos 29 estados com os
mais altos índices de loubo, 24 são vermelhos. Dos 22 estados com os
mais altos índices de assassinatos, dezessete são vermelhos.24
É claro que correlações desse tipo não esclarecem questões de
causalidade — a crença em Deus talvez leve à disfun- .,ao social; ou a
disfunção social talvez estimule a crença em I >cus; cada um desses
fatores pode estimular o outro; ou talvez ambos derivem de algum fator
nocivo mais profundo.
< on tudo, deixando de lado a questão de causa e efeito, essas
< balísticas provam que o ateísmo é compatível com as aspi- i açoes
básicas de uma sociedade civil; e também provam, de maneira
conclusiva, que a crença generalizada em Deus não garante a saúde de
uma sociedade.
Os países com altos níveis de ateísmo também são os mais
caridosos, em termos da porcentagem de sua riqueza que dedicam a
programas internos de bem-estar social e ajuda aos países pobres.25 A
duvidosa relação entre os valores cristãos e a crença literal na Bíblia
cristã é desmentida por outros índices de igualdade social. Considere a
proporção entre a remuneração dos executivos de mais alto escalão e o
salário médio pago aos funcionários das mesmas empresas: na
Grã-Breta- nha, é de 24:1; na França, 15:1; na Suécia, 13:1; e nos
Estados Unidos, onde 80% da população espera ser chamada diante de
Deus no Dia do Juízo Final, é de 475:1.26 Pelo visto, parece que muitos
camelos esperam passar com facilidade pelo buraco de uma agulha.
QUEM COLOCA A BONDADE NO BOM LIVRO ?*
* Em inglês, costuma-se chamar a Bíblia de "the Good Book" ("o Bom Livro"). (N.T.)
tudo, as provas indicam que as religiões são não apenas falsas como
também perigosas.
Quando você fala nas boas consequências que as suas crenças
exercem sobre a moral humana, está seguindo o exemplo dos religiosos
liberais e moderados. Em vez de dizer que acreditam em Deus porque
determinadas profecias bíblicas se realizaram, ou porque os milagres
narrados nos evangelhos são convincentes, os liberais e moderados
costumam falar nas boas consequências de se acreditar, tal como eles
acreditam. Esses crentes muitas vezes dizem que acreditam em Deus
porque isso "dá sentido às suas vidas". Quando um tsunami matou
centenas de milhares de pessoas no dia seguinte ao Natal de 2004,
muitos cristãos conservadores viram nessa catástrofe uma prova da ira
divina. Aparentemente, Deus estava enviando mais uma mensagem em
código sobre os males do aborto, da idolatria e do homossexualismo.
Embora eu con- ádere essa interpretação dos acontecimentos
absolutamente lepugnante, ela tem, pelo menos, a virtude de ser
razoável quando se assume um dado conjunto de hipóteses básicas. Os
liberais e moderados, por outro lado, se recusam a tirar qualquer
conclusão que seja a respeito de Deus a partir das obras dele. Deus
permanece um mistério absoluto, uma mera fon- l< de consolo que é
compatível com todos os males, até os mais devastadores. Logo após o
tsunami na Ásia, liberais e mode- i ad( >s admoestaram uns aos outros
para que procurassem Deus ii.lo no poder que moveu a onda, mas sim
na resposta que i humanidade deu à onda". 27 Creio que podemos
concordar, I 'i i >vavelmente, que é a benevolência humana — e não a
dilua — que fica à mostra a cada vez que os corpos inchados • I' r.
mortos são trazidos do mar para serem enterrados. Se em um único dia
mais de 100 mil crianças foram arrancadas dos braços de suas mães e
afogadas com total displicência, a teologia liberal deve ser vista bem
claramente, tal como ela é: a mais pura falsidade que um mortal possa
conceber. A teologia da ira tem muito mais mérito intelectual. Se Deus
existe e tem um interesse nos assuntos dos seres humanos, sua vontade
não é inescrutável. Aqui a única coisa inescrutável é que tantos homens
e mulheres, que em outros aspectos são racionais, conseguem negar o
horror implacável desses acontecimentos e julgar que esse é o ápice da
sabedoria moral.
A BONDADE DIVINA
O PODER DA PROFECIA
6i
dos muçulmanos, mórmons e sikhs, que também ignoram contradições
semelhantes em seus respectivos livros sagrados? Esses fiéis também
dizem coisas como "O Espírito Santo só tem olhos para a substância e
não é limitado pelas palavras" (Martinho Lutero). Será que isso torna
você minimamente mais predisposto a aceitar as escrituras dessas
outras religiões como a palavra perfeita do criador do universo?
OS FATOS DA VIDA
* Verdade seja dita, venho recebendo e-mails de protesto de pessoas que afirmam,
aparentemente com toda a sinceridade, acreditar que Posêidon e outros deuses da
mitologia grega são reais.
e astrofísicos descrentes acerca deste ponto. Imagine como eles
trabalhariam com fervor para conseguir que suas idéias acerca do Sol
— idéias sem nenhum fundamento — fossem ensinadas nas escolas do
nosso país. Pois é exatamente essa a situação em que você está agora no
que se refere à evolução.
Os cristãos que duvidam da verdade da evolução costumam dizer
coisas como "A evolução é apenas uma teoria, não um fato". Tal
afirmação revela uma séria falta de compreensão sobre a maneira como
o termo "teoria" é usado no discurso científico. Na ciência, os fatos
devem ser explicados com referência a outros fatos. Esses modelos
explicativos mais amplos são "teorias". As teorias fazem previsões e
podem, em princípio, ser testadas. A expressão "teoria da evolução"
não sugere, de maneira nenhuma, que a evolução não é um fato.
Pode-se falar na "teoria da origem microbiana das doenças" ou na
"teoria da gravidade" sem lançar dúvidas sobre a doença ou a gravidade
como fatos da natureza.
Também vale notar que é possível obter um doutorado em
qualquer ramo da ciência com a única finalidade de fazer um uso cínico
da linguagem científica, no esforço de racionalizar as gritantes
deficiências da Bíblia. Parece que um punhado de cristãos já fez isso;
alguns até conseguiram diplomas de universidades de prestígio. Sem
dúvida, outros seguirão seus passos. Embora essas pessoas sejam,
tecnicamente, "cientistas", não estão se portando como cientistas. Elas
simplesmente não estão empenhadas em uma pesquisa honesta sobre a
natureza do universo. E as suas afirmações acerca de Deus e das falhas
do darwinismo não significam, em absoluto, que haja uma polémica
científica legítima acerca da evolução. Em 2005 foi realizada uma
pesquisa em 34 países, que mediu a porcentagem de adultos que
aceitam a evolução. Os Estados Unidos ficaram na posição número 33,
logo acima da Turquia. Enquanto isso, os estudantes secundaris- tas
nos Estados Unidos se classificam abaixo dos estudantes de tocios os
países europeus e asiáticos em testes de compreensão de matemática e
ciências.31 Esses dados são inequívocos: estamos construindo uma
civilização da ignorância.
Eis aqui o que sabemos. Sabemos que o universo é muito mais
antigo do que a Bíblia sugere. Sabemos que todos os organismos
complexos que há na Terra, inclusive nós mesmos, evoluíram a partir
de organismos mais antigos ao longo de bilhões de anos. As provas são
absolutamente esmagadoras. Não existe nenhuma dúvida de que a
diversidade da vida que vemos ao nosso redor é a expressão de um
código genético escrito na molécula do DNA , que o DNA passa por mu-
tações aleatórias, e que algumas mutações aumentam as chances de um
organismo sobreviver e se reproduzir num dado ambiente. Esse
processo de mutação e seleção natural permitiu que populações isoladas
de indivíduos se reproduzissem e, ao longo de vastas extensões de
tempo, formassem novas espécies. Não há dúvida alguma de que os
seres humanos evoluíram desta maneira a partir de ancestrais
não-humanos. Sabemos, a partir de evidências genéticas, que
compartilhamos um ancestral comum com os símios e os macacos, e
que esse ancestral, por sua vez, tinha um ancestral em comum com os
morcegos e os lêmures voadores. Existe uma árvore da vida
extremamente ramificada, cuja forma e caráter básicos são hoje muito
bem compreendidos. Assim, não há nenhuma razão para acreditar que
cada espécie foi criada em sua forma atual. De que modo começou o
processo da evolução continua sendo um mistério, mas isso não indica,
de forma alguma, que provavelmente existe alguma divindade à
espreita por trás de tudo isso. Qualquer leitura honesta do relato bíblico
da criação sugere que Deus criou todos os animais e plantas tais como
nós os vemos agora. Não há dúvida alguma de que a Bíblia está errada
acerca disso.
Muitos cristãos que desejam lançar dúvidas sobre a verdade da
evolução agora defendem algo chamado "Design Inteligente" ( DI ), OU
"Projeto Inteligente". O problema do DI é que ele não passa de um
programa de defesa de idéias políticas e religiosas, disfarçado de
ciência. Uma vez que a crença no Deus bíblico não encontra nenhuma
sustentação na nossa crescente compreensão científica do mundo, os
teóricos do DL invariavelmente escoram suas afirmações nas áreas
onde há ignorância científica.
A argumentação a favor do DL prossegue em muitas frentes ao
mesmo tempo. Tal como incontáveis teístas que vieram antes, os
adeptos do DI costumam argumentar que o próprio fato de que o
universo existe prova a existência de Deus. Esse argumento se
desenvolve mais ou menos assim: tudo o que existe tem uma causa; o
espaço e o tempo existem; portanto, o espaço e o tempo devem ter sido
causados por alguma coisa que fica fora do espaço e do tempo; e a
única coisa que transcende o espaço e o tempo, e, contudo, mantém o
poder de criar, é Deus. Muitos cristãos como você acham esse
argumento convincente. No entanto, mesmo que concordemos com as
afirmações básicas desse argumento (cada uma das quais exige muito
mais discussão do que os teóricos do DL reconhecem), a conclusão final
não se segue logicamente. Quem pode dizer que a única coisa capaz de
fazer surgir o espaço e o tempo é um ser supremo? Mesmo que acci
tássemos que o nosso universo simplesmente tinha de ser pro jetado por
um "projetista", isso não indicaria que esse proje tista é o Deus bíblico,
nem que Ele aprova o cristianismo. Si nosso universo foi criado por um
projeto inteligente, laIv< . ele esteja sendo executado como uma
simulação em um su percomputador alienígena. Ou talvez seja obra de
um I )cu malvado, ou ainda de dois deuses malvados, jogando cabo
de-guerra em um cosmos ainda maior.
Como muitos críticos da religião já notaram, a noção de um
criador coloca um problema imediato de regressão i 1111 nita. Se Deus
criou o universo, o que criou Deus? Dizer qu< Deus, por definição, não
foi criado, é simplesmente esquivai se da questão. Qualquer ser capaz
de criar um mundo com plexo deve ser, ele próprio, muito complexo.
Como o biólo go Richard Dawkins já observou repetidas vezes, o
único processo natural conhecido que já conseguiu produzir um sei
capaz de projetar coisas é a evolução.
A verdade é que ninguém sabe como ou por que o uni verso
começou a existir. Nem sequer é claro se podemos la lar com coerência
sobre a criação do universo, já que tal la to só pode ser concebido com
referência ao tempo, e aqui estamos falando sobre o nascimento do
próprio espaço-tem po.* Qualquer pessoa dotada de honestidade
intelectual vai reconhecer que não sabe por que o universo existe. Os
cien tistas, é claro, reconhecem prontamente sua ignorância so bre esse
ponto. Não é o que fazem os crentes religiosos. Uma
3 A cura da fístula obstétrica é, na verdade, uma simples cirurgia — não a oração. Embora
muitas pessoas de fé pareçam convencidas de que as orações podem curar muitas doenças
(apesar do que dizem as melhores pesquisas científicas), é curioso que só se acredita que a
oração funciona para doenças e ferimentos que podem terminar depois de determinado
período. Ninguém espera seriamente, por exemplo, que a oração faça crescer de novo um
membro amputado. E por que não? As salamandras fazem isso como procedimento de
rotina, presumivelmente sem orações. Se é que Deus de fato atende às preces, por que Ele
não haveria de curar, ocasionalmente, um amputado merecedor dessa graça? E por que as
pessoas de fé não esperam que a oração funcione em casos assim? Há um site muito
inteligente que explora este mistério: www.whydoesgodhateampu- tees.com (Por que
Deus Odeia os Amputados).
uma lista deles. Vou me permitir citar apenas i na r um exemplo. O
aparelho respiratório e o aparelho digestivo do ser humano se
encontram na faringe, onde comparti lham uma pequena parte das suas
tubulações. Só nos Eslad» >•, Unidos, esse design "inteligente" manda
dezenas de mil lia res de crianças para o pronto-socorro todos os anos.
Centenas morrem asfixiadas ao engasgar, e muitas outras sofrem da nos
cerebrais irreparáveis. Isso serve para qual finalidade mi sericordiosa?
É claro que podemos imaginar um propósito misericordioso: talvez os
pais dessas crianças precisem apren der uma lição; ou quem sabe Deus
preparou uma recompen sa especial no céu para cada criança que morre
asfixiada com uma tampinha de garrafa. O problema, porém, é que
essas explicações imaginárias são compatíveis com qualquer esta do
em que o mundo se encontre. Qual horrenda tragédia não poderia ser
racionalizada dessa forma? E por que você se in clinaria a pensar
assim? De que modo essa linha de pensa mento é moral?
8o
cípios religiosos dos extremistas em seu meio. Com poucas exceções,
as únicas figuras públicas que tiveram a coragem de falar honestamente
sobre a ameaça que o islã hoje apresenta para a sociedade européia
parecem ser fascistas. Isso não é um bom prenúncio para o futuro da
civilização.
A idéia de que o islã é uma "religião de paz que foi dominada por
extremistas" é uma fantasia — e agora uma fantasia especialmente
perigosa. Não é claro, de modo algum, de que forma devemos agir em
nosso diálogo com o mundo muçulmano, mas tentar iludir a nós
mesmos com eufemismos não é a resposta. Hoje é um truísmo nos
círculos de política externa que uma verdadeira reforma do mundo
muçulmano não pode ser imposta de fora. Mas é importante reconhecer
por que isso é assim — isso é assim porque muitos muçulmanos estão
totalmente ensandecidos pela sua fé religiosa. Os muçulmanos tendem
a encarar as questões de política pública e conflitos globais em termos
da sua filiação ao islã. E os muçulmanos que não enxergam o mundo
nesses termos se arriscam a ser tachados de apóstatas e assassinados por
outros muçulmanos.
Mas como podemos ter esperança de dialogar racionalmente com
o mundo muçulmano se nós mesmos não somos racionais? Não leva a
nada simplesmente declarar que "todos nós adoramos o mesmo Deus".
Todos nós não adoramos o mesmo Deus, e nada atesta esse fato com
tanta eloquência como nossa longa história de derramamento de sangue
devido à religião. Mesmo dentro do islã, xiitas e sunitas não conseguem
sequer concordar em adorar o mesmo Deus da mesma maneira, e por
causa disso matam uns aos outros há séculos.
Parece profundamente improvável que consigamos curar as
divisões no nosso mundo através do diálogo inter- religioso. Os
muçulmanos devotos estão convencidos — tanto quanto você — de que
a religião deles é perfeita e que qualquer desvio leva diretamente ao
inferno. É fácil, claro, para os representantes das principais religiões se
reunirem ocasionalmente e concordarem que deveria haver paz na terra,
ou que a compaixão é o fio que une todas as religiões do mundo. Mas
não há como escapar do fato de que as crenças religiosas de uma pessoa
determinam, de modo único, suas opiniões sobre a utilidade da paz, ou
sobre o significado de um termo como "compaixão". Há milhões —
talvez centenas de milhões — de muçulmanos que estariam dispostos a
morrer para não permitir que a versão de compaixão adotada por você
ganhe terreno na península Arábica. Como pode o diálogo
inter-religioso, mesmo no nível mais elevado, reconciliar visões de
mundo que são fundamentalmente incompatíveis e, por princípio,
imunes a revisões? A verdade é que realmente tem muita importância
saber no que acreditam bilhões de seres humanos, e por que eles
acreditam nisso.
CONCLUSÃO