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Louis Braille

Todos os direitos reservados, ACAPO

A Autorrepresentação
das Pessoas com Deficiência Visual no Mundo

OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO | N.4 | 2012


Editorial

«colega», ou que, como conhecia outra pessoa «nas


Por Rodrigo Santos mesmas circunstâncias», já sabia como atuar com
Coordenação Revista LOUIS BRAILLE «estas pessoas»? Todos nós o fazemos, com classes
Direção Nacional da ACAPO profissionais, sociais ou etnias, por exemplo. Por isso,
individualmente, e sendo membros de um grupo, quer
Quantos de nós anseiam ser donos do seu próprio queiramos quer não, autorrepresentamos e somos
futuro? Quantos o são, realmente? Estas duas autorrepresentados. Então porque não colaborar
perguntas, aparentemente motivadas por pensamentos ativamente, a nível individual e no seio de um querer
filosóficos ou por manobras publicitárias, são na coletivo, para uma autorrepresentação que seja,
realidade bem mais abrangentes do que parecem à efetivamente, não uma pintura desbotada criada por
primeira vista. São também dois ótimos pontos de «iluminados» mas uma fiel fotografia da realidade?
partida para duas abordagens, ainda que diversas, do O que dizer ainda dos desafios maiores que se
que é a autorrepresentação, sobretudo olhada ao nível colocam, numa sociedade em constante mutação,
individual. Já a antiga filosofia grega afirmava que o cujos eixos centrais vão circulando à velocidade dos
homem é um animal social, no sentido em que é gigabytes a que a informação viaja nas redes
inerente à condição humana a vida em sociedade. Por cibernéticas, a todas as formas de organização que
isso, a autorrepresentação, que é, antes de mais, uma garantam a autorrepresentação de pessoas com
atuação individual, é sempre feita no seio da deficiência visual? Como reagir às mudanças
sociedade. Assim sendo, não é só a sociedade que constantes se, muitas vezes, não as conhecemos para
mudamos quando nos autorrepresentamos, mas as conseguir antecipar? O que poderemos fazer para
também todos e cada um dos indivíduos que nela não sermos levados nas ondas mas sermos nós, todos
atuam. e cada um, a construir a onda de mudança que
Mas a autorrepresentação como é feita nos dias de queremos, sem que essa onda role afastada das de
hoje é bem mais do que uma expressão egoísta de mais?
vontade. Darmos o melhor de nós, no nosso caso, em As respostas estão em cada um de nós. O que
prol de todas as pessoas com deficiência visual, sem leremos neste número da LOUIS BRAILLE serão
pensar à partida que o nosso contributo individual será sobretudo pistas e exemplos, deixados por estudiosos
o mais valioso mas antes pensando que sobre nós e por pessoas que, como nós, decidiram partilhar o seu
recai a responsabilidade de fazer uma síntese de todas melhor em prol de todas as pessoas com deficiência
as soluções individuais para criarmos uma solução visual por esse Mundo fora. São, sobretudo, pistas de
coletiva, que seja ela mesma valiosa para todos e para reflexão para que todos os dias possamos
cada um, é o desafio que se nos coloca todos os dias. melhorarmos pessoalmente e, assim, contribuir para a
Parando para pensar nas nossas vidas, quem não melhoria que tanto queremos para todos. LB
encontrou já quem lhe dissesse, referindo-se a
pessoas com deficiência visual, que conhecia outro

Ficha Técnica

EDIÇÃO E SEDE ACAPO, Avenida D. Carlos I, n.º 126 9º andar 1200-651 Lisboa
CONTACTO GERAL Telefone: 213244500 Fax: 213244501 E-mail: louisbraille@acapo.pt
DIRETOR Carlos Manuel C. Lopes (carloslopes@acapo.pt)
COORDENAÇÃO Rúben Portinha (rubenportinha@acapo.pt)
COORDENAÇÃO ADJUNTA Pedro Velhinho (pedrovelhinho@acapo.pt), Rodrigo Santos (rodrigosantos@acapo.pt)
REDAÇÃO Cláudia Vargas Candeias (claudiavargas@acapo.pt), Pedro Velhinho, Rodrigo Santos, Rúben Portinha
REVISÃO Susana Venâncio
TRADUÇÃO Maria do Rosário Cunha
LAYOUT Think High
PAGINAÇÃO Think High
PERIODICIDADE Trimestral
ISSN n.º2182/4606

@ Louis Braille – Revista especializada para a área da deficiência visual 2012. Todos os direitos reservados. Todo o conteúdo desta revista não
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Portugal

A Cegueira em Portugal: representações e de profissionais, aceita a norma e aceita a deficiência


silenciamentos como um desafio individual, preservando intatas as
margens da sociedade. A integração social assim
pensada, não sendo impossível, obriga a “heróis da
Por Bruno Sena Martins
adaptação” (Goffman,1990:37). A vigência das
Investigador do Centro de Estudos Sociais,
construções na base desta abordagem dominante foi
Universidade de Coimbra
contestada, a partir dos finais dos anos 60, pelos
movimentos de pessoas com deficiência, que as
A alvorada da modernidade ocidental dirige-se à
identificaram como obstáculos ao reconhecimento da
experiência da cegueira sob o signo da promessa.
diferença e à construção de um itinerário de igualdade
Essa vaga de expetativas crescentes teve como
de oportunidades. No fundo, estes movimentos
simbolismo precursor uma carta escrita por Denis
assentaram na ideia de que a medicalização dos
Diderot em 1749; daí em diante a cegueira seria
problemas sociais conduz a sua despolitização,
progressivamente desagrilhoada das interpretações
impedindo a necessária reinvenção.
sobrenaturais: as pessoas cegas não mais seriam
entendidas enquanto produtos de castigos, de
pecados, de relações próximas com forças
“A realidade das pessoas com deficiência em
demoníacas, não mais videntes inspirados por outros
Portugal persiste marcada por fortíssimas
mundos. Dava-se aqui o “desencantamento da
condições de marginalização social e exclusão
cegueira” (Martins, 2006) através do qual se criava o
económica.”
ambiente cultural que abriria caminho à invenção do
Sistema Braille. Mas se estes elementos sugeririam um
horizonte de plena integração social, a - também
O domínio de uma abordagem reabilitacional -
moderna - re-descrição da cegueira como deficiência
insuficientemente contraposta por um movimento de
visual à luz da biomedicina, funcionaria como uma
pessoas com deficiência capaz de afirmar
singular reinvenção da exclusão social. Isto porque, ao
politicamente a necessidade de uma transformação
ser definida enquanto uma exterioridade à normalidade
social mais ampla - explica muito do quadro que vigora
corporal a cegueira viria a emergir como um desvio,
em Portugal. A realidade das pessoas com deficiência
uma expressão do corpo deficiente que a biomedicina
em Portugal persiste marcada por fortíssimas
vinculou ao “modelo de uma máquina imperfeita”. A
condições de marginalização social e exclusão
partir da materialização moderna da cegueira enquanto
económica.
deficiência gerou-se uma abordagem profundamente
informada pelos valores e práticas da medicina,
investida na possível restauração da normalidade do
“As transformações legislativas relativas à
indivíduo.
deficiência não têm sido acompanhadas por uma
Criou-se então nas sociedades ocidentais, como
dinâmica de transformação das perceções sociais
resposta central ao “problema” da cegueira, a
acerca da deficiência.”
“abordagem reabilitacional”, uma abordagem que, no
essencial, coloca as pessoas com deficiência nas mãos

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Tal perpetuação acontece a despeito das sucessivas suas capacidades, pela esmagadora prevalência do
transformações legislativas e das políticas sociais que desemprego e pelos preconceitos e estereótipos que
foram sendo introduzidas nas últimas décadas. A em todo o lugar as precedem. Quando vemos uma
questão essencial é que no caso português as pessoa cega a andar na rua como uma bengala talvez
transformações legislativas relativas à deficiência não não façamos ideia das lutas pessoais e identitárias que
têm sido acompanhadas por uma dinâmica de levam até essa prática. Isto porque, «assumir a
transformação das perceções sociais acerca da cegueira» segurando numa bengala, implica uma
deficiência, algo que frequentemente leva ao exposição, nunca fácil, à desqualificação que resulta
esvaziamento dos propósitos na lei. Por outro lado, a das reiteradas respostas paternalistas. Como alguém
precariedade com que vivem as organizações não lhes me dizia, implica um grande «arcaboiço». Essa luta faz
confere cabais condições para inviabilizarem, quer ao com que algumas das pessoas cegas que conheci
nível judicial quer ao político, os sistemáticos nunca tenham tido coragem de andar com a bengala
incumprimentos da lei. na rua, não porque não sejam capazes de contornar os
A “hegemonia da normalidade” (Davis, 1995), obstáculos, mas porque pode ser muito doloroso o
manifesta quer numa organização excludente, quer nos confronto com os estigmas.
valores que menorizam as pessoas cegas estabelece Na ausência das vozes e experiências das pessoas
uma gramática social e cultural a que Michael Oliver cegas, a cegueira é apreendida na nossa cultura pela
(1990) - falando das deficiências de um modo geral - ideia de um mundo destituído, um mundo que,
designou de “narrativa da tragédia pessoal”. Uma preconceituosamente, se julga destituído não apenas
estrutura conceptual onde as ideias de incapacidade e de visão, mas de alegria, de capacidades, de
infortúnio se reúnem para falar da cegueira, uma aspirações. Ou como refere José Saramago no seu
estrutura conceptual que julga conhecer a cegueira ao Ensaio sobre a Cegueira pela voz de uma das suas
mesmo tempo que silencia voz das pessoas cegas. personagens: "a cegueira também é isto, viver num
É, pois, este quadro que em Portugal, agravado no mundo onde se tenha acabado a esperança"
nosso país pela fraqueza dos movimentos sociais, que (Saramago, 1995: 204).
continua a laborar na nossa sociedade, nutrindo a Temos, pois, um quadro onde os valores que a
invisibilização das experiências da cegueira a par com história nos legou se articulam com uma organização
a vigência de representações profundamente social excludente, um Estado incapaz de garantir
estigmatizantes. No entanto, os referentes igualdade de oportunidades (na educação, no
culturalmente disseminados mostram-se emprego, nas acessibilidades) e com a fragilidade dos
profundamente desadequados daquilo que movimentos sociais em Portugal. Ao centro da reflexão
encontramos junto das vivências e reflexões das que aqui procurei estabelecer, emerge como ideia forte
pessoas cegas. a importância de que a reflexividade e as experiências
das pessoas cegas sejam convocadas para uma
transformação das representações culturais e dos
“Uma das primeiras ilações que o contato com as contextos de relações que constrangem as suas
pessoas cegas oferece é a constatação do quão vivências. Não obstante as promessas da
pouco impeditiva a cegueira pode ser na realização modernidade, um mundo de escuridão habitado pelas
das mais diversas atividades.” pessoas cegas persiste existindo nas representações
culturais que delas procuram dar conta no nosso
contexto sociocultural. Nesse sentido, parece tomar
As reflexões pessoais da cegueira vivida na carne corpo a ideia de que "qualquer forma de ver é
encontram-se largamente associadas a perspetivas igualmente uma forma de não ver" (Lukes 1973: 149).
positivas e capacitantes, bem sintetizadas no lema da
ACAPO: “Queremos, Podemos”. Até porque uma das Referências Bibliográficas
primeiras ilações que o contacto com as pessoas
cegas oferece é a constatação do quão pouco Davis, Lennard (1995), Enforcing Normalcy: Disability,
impeditiva a cegueira pode ser na realização das mais Deafness and the Body. Londres: Verso.
diversas atividades, quotidianas ou profissionais. Goffman, Erving (1990), Stigma: Notes on the
Mas, se é verdade que o confronto com as vidas e as Management of Spoiled Identity. Londres: Penguim
reflexões das pessoas cegas oferece, acima de tudo, Books.
uma desdramatização do que é cegueira, o mesmo Lukes, Steven (1973), Individualism. Oxford: Basil
não é dizer que a “narrativa da tragédia pessoal” esteja Blackwell.
ausente das suas vidas. Ela é uma estrutura opressiva, Martins, Bruno (2006), E se eu fosse cego: narrativas
que embora não seja informada pelos efetivos silenciadas da deficiência. Porto: Afrontamento.
itinerários das pessoas cegas, informa-os. Essa Oliver, Michael (1990), The Politics of Disablement.
representação da cegueira é um referente cultural que Houndmills: The Macmillan Press.
manhã após manhã se levanta para um duelo com os Saramago, José (1995), Ensaio Sobre a Cegueira.
intentos e quereres das pessoas cegas, cujas vidas se Lisboa: Círculo de Leitores. LB
encontram sobretudo marcadas pela ausência de
estruturas para o desenvolvimento e realização das

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Nada sobre nós sem nós direitos humanos das pessoas com deficiência, e entre
eles principalmente o direito à informação.
A Federação Alemã de Cegos e Amblíopes (DBSV - A legislação europeia exige que as pessoas
Deutsche Blinden-undSehbehindertenverband) lança portadoras de deficiência visual sejam capazes de ler
um novo serviço de informação acessível aos de uma forma independente os nomes dos
pacientes medicamentos nas respetivas embalagens. Aqui, a
DBSV como a organização competente para a defesa
destes doentes desempenhou um papel importante.
Por Renate Reymann Juntamente com as associações farmacêuticas e
Presidente da DBSV fabricantes de embalagens, os especialistas da DBSV
empenharam-se para conseguir uma solução viável
A DBSV é a organização de autoajuda mais antiga na para o problema da rotulagem em Braille das
Alemanha. Fundada em 1912, é uma organização‚ embalagens de medicamentos. Atualmente, o Braille
'chapéu' integrando 20 organizações regionais nas embalagens de medicamentos tornou-se num facto
legalmente independentes. A DBSV representa um total adquirido. Hoje em dia qualquer doente pode pegar
de 1,2 milhões de pessoas com deficiência visual na numa caixa de medicamentos e aperceber-se da
Alemanha. Entre as suas várias funções a DBSV existência de informação impressa na caixa para ser
promove a integração social e profissional e luta pela utilizada por aqueles que não possuem visão.
igualdade de direitos e contra a discriminação. Graças à transposição desta diretiva europeia,
Este artigo fará uma perspetiva da tornou-se possível identificar os medicamentos através
autorrepresentação exercida pela DBSV dando um do tato. Este foi o primeiro passo importante para
exemplo da história mais recente da DBSV quando a permitir que os doentes com deficiência visual
diretiva da UE (União Europeia) em matéria de administrassem os seus medicamentos de forma fácil,
rotulagem farmacêutica acessível (Diretiva Europeia segura, e com confiança. Garantir o acesso à
2001/83/CE) foi transposta através da criação de um informação do doente é uma questão vital para as
portal web que disponibiliza a doentes cegos e pessoas cegas e amblíopes. A menos que essa
amblíopes o acesso à informação sobre os informação seja fornecida num suporte alternativo, isso
medicamentos. Este portal tem ajudado a aumentar pode colocar a vida em risco quando as pessoas não
substancialmente a autonomia e qualidade de vida das acedem à informação sobre a dosagem máxima,
pessoas cegas e amblíopes num importante número de efeitos secundários ou informações genéricas como o
atividades de vida diária. Ao mesmo tempo, o portal é nome e a finalidade do produto farmacêutico.
um exemplo de boas práticas em termos de A lei alemã do medicamento obriga a que as
implementação da Convenção da ONU sobre os empresas farmacêuticas produzam o folheto
Direitos das Pessoas com Deficiência. A Convenção é informativo também num suporte acessível a pessoas
um instrumento internacional de direitos humanos, que cegas e amblíopes, sempre que solicitado pela
protege os direitos das pessoas com deficiência num respetiva associação de doentes. A DBSV saudou esta
vasto leque de áreas políticas. As Partes signatárias da oportunidade e apoiou ativamente a transposição da
Convenção são obrigadas a garantir o pleno gozo dos exigência da UE para disponibilizar o folheto

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informativo num suporte acessível a pessoas cegas e ampliada para uso por pacientes com baixa visão (PDF
amblíopes. acessível), um site que pode ser lido eletronicamente e
A DBSV exerceu um forte lobby para garantir a um ficheiro de livro-áudio em formato DAISY.
melhor implementação possível. Entrámos em O portal digital disponibiliza às empresas
negociações com as associações farmacêuticas sobre farmacêuticas a oportunidade de produzir o folheto
as possíveis alternativas de produção do folheto informativo dos seus produtos disponíveis cumprindo
informativo acessível. Em estreita colaboração com a assim as suas obrigações legais. Muitas empresas
"Rote Liste Service GmbH", foi desenvolvido e fizeram uso desta oferta e colocaram o seu folheto
implementado um novo serviço on-line. A colaboração informativo neste sítio logo no início do portal. Num
com a "Rote Liste Service GmbH" foi crucial porque esforço para promover os sistemas informativos do
eles publicam regularmente para os seus stakeholders doente, a DBSV e a "Rote Liste Service GmbH" fizeram
uma base de dados atualizada de medicamentos, que lobby junto de todas as empresas farmacêuticas na
inclui a autorização europeia dos medicamentos da Alemanha no ano passado, e encorajaram-nas a aderir.
UE. Além disso, a DBSV tem estado em negociações com
Em particular na fase inicial do processo, o know-how líderes das grandes empresas farmacêuticas para
da DBSV foi muito apreciado. Isto deve-se ao facto de fornecer informações adicionais sobre o portal e para
terem sidos pessoas cegas e amblíopes que definiram ajudar a derrubar as barreiras existentes nas mentes
os requisitos para os suportes acessíveis. das pessoas para garantir que o portal completo esteja
O grande desafio surgiu com as soluções que disponível para as pessoas cegas e amblíopes, tão
poderiam garantir que os folhetos informativos depressa quanto possível.
estivessem disponíveis para todos os medicamentos, Avaliando a iniciativa, acreditamos que o serviço de
em todos os suportes, e de uma forma bastante informação do doente está a enviar um forte sinal para
confortável através de um só link. Considerou-se que uma sociedade inclusiva tal como exigido pela
isso ajudaria a evitar longas pesquisas, porque há um Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência.
grande número de empresas farmacêuticas na Para atingir este objetivo, certamente devem ser
Alemanha. As associações farmacêuticas, a indústria, envidados mais esforços para incluir as pessoas
Rote Liste Service GmbH e as autoridades normovisuais que são incapazes de ler o folheto do
responsáveis federais uniram as suas forças para medicamento, como os analfabetos ou pessoas com
desempenhar esta tarefa. Foi criado um grupo de dificuldades de aprendizagem. É importante assinalar
trabalho conjunto que integrou entre outros que o portal não se destina a ser uma aplicação
especialistas de vários comités da DBSV em isolada para pessoas cegas e amblíopes. Queremos
representação das pessoas com deficiência visual. Um garantir que todos os doentes possam beneficiar deste
período de intenso e longo trabalho técnico começou. importante serviço, se necessário. Este processo já
Nas reuniões, trocaram-se argumentações por vezes começou. Vamos continuar a conduzir este tema em
controversas, equilibraram-se reivindicações e estreita consulta e com o apoio de "Rote Liste Service
debateram-se várias abordagens que depois foram GmbH". A DBSV vai ficar atenta a isso e usar esta
rejeitadas novamente, na busca de outras soluções. melhor prática para garantir que mais empresas irão
Durante todas as etapas deste longo processo colocar os seus folhetos informativos no portal. O portal
permanecemos fiéis ao nosso lema "Não contra, nem a só atingirá os níveis de quantidade e qualidade
nosso favor, mas sempre connosco". Especialistas requerida pelos doentes quando o maior número
cegos e amblíopes estiveram ativamente envolvidos possível de fabricantes de medicamentos disponibilizar
neste projeto, contribuindo com os seus conhecimentos digitalmente os seus folhetos informativos.
e tendo por objectivo a defesa dos direitos dos seus No entanto, esta ação não garante que todos os
pares. Além disso, eles participaram em muitos testes, doentes terão acesso ao folheto informativo do seu
o que muito contribuiu para o sucesso final. medicamento. Continuará a ser uma tarefa crucial para
O resultado foi apresentado publicamente em junho a DBSV a identificação de métodos possíveis para
de 2010, na Assembleia Geral da DBSV. A solução tornar o folheto informativo acessível àqueles que não
desenvolvida pela "Rote Liste Service GmbH" em são utilizadores ativos da internet. Para atender a essa
estreita cooperação com a DBSV foi recebida com necessidade, a DBSV contatou a União Federal das
grande interesse público. Em conjunto com o Associações Alemãs de Farmacêuticos (ABDA). O
Secretário Parlamentar do Ministério Federal da Saúde nosso objetivo é desenvolver, em cooperação com a
e do CEO da "Rote Liste Service GmbH", o Presidente ABDA um mecanismo que permita que as farmácias
da DBSV , Renate Reymann iniciou o portal sem disponibilizem o folheto informativo aos seus clientes
barreiras web www.patienteninfo-service.de, que pelo cegos e amblíopes num suporte que lhes seja
menos à época era o único a nível europeu. O portal é acessível.
sem barreiras e de utilização fácil. O portal oferece Este é um desafio grande, porque a nossa intenção é
informações farmacêuticas disponíveis para pacientes persuadir mais de 22 mil lojas de medicamentos na
cegos e amblíopes, em quatro diferentes suportes Alemanha a oferecer este serviço aos seus clientes,
acessíveis: impressão regular a negro, impressão quando solicitado. LB

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América e África. Dois continentes, duas realidades distintas mas que se unem na forma
como encaram a autorrepresentação das pessoas com deficiência visual. Aubrey
Webson, Diretor da Perkins Internacional, José Diquissone Tole, representante da União
Africana de Cegos e Volmir Raimondi, Presidente da União Latino-Americana de Cegos
abordam os principais constrangimentos e desafios à autorrepresentação das pessoas
com deficiência visual nas suas regiões.

Por Redação LOUIS BRAILLE

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LOUIS BRAILLE: Qual a imagem que existe junto - Associação dos Cegos e Amblíopes de Moçambique,
dos Estados, entidades públicas e sociedade, entidade competente para avaliar a visibilidade dos
quanto ao papel das organizações representativas sinais escolhidos para constar nas mesmas. A
de pessoas com deficiência visual na região em Presidência da República, que realiza trimestralmente
que a sua organização está inserida? seminários de auscultação da sociedade civil sobre
problemáticas diversas, reconheceu a ACAMO como
Aubrey Webson: Nos últimos 20 anos deram-se uma organização representativa para debater a
muitas mudanças e as organizações de autoajuda ou situação da educação inclusiva em Moçambique. Fora
organizações de pessoas com deficiência têm tido destes exemplos, pode-se citar debates televisivos,
maior projeção do que anteriormente. A sociedade em debates radiofónicos, participação em fóruns de
geral tem criado mais espaço para que essas consulta sobre políticas nacionais, contacto com
organizações sejam representadas pelos seus próprios estruturas governamentais, órgãos parlamentares e
líderes e para que sejam a voz dos seus próprios partidos políticos, expressando e apresentando
interesses. Esta mudança, no meu entender, começou estudos de base de constrangimentos que limitam o
com a declaração da ONU no ano da pessoa com acesso e sucesso no gozo efetivo dos direitos
deficiência, seguido pela declaração da década e plasmados na Constituição, com particular referência
posteriormente seguido por vários instrumentos da para as pessoas com deficiência visual que vivem nas
comunidade internacional que culminaram na CDPD comunidades rurais, onde as privações são ainda mais
[Convenção (das Nações Unidas) sobre os Direitos das gritantes. É verdade que esta imagem deverá ser
Pessoas com Deficiência] e que se tornou um impulso analisada de país para país. No caso da África Austral,
para que a legislação nacional respondesse às estamos a falar de uma comunidade de dez países,
necessidades das pessoas com deficiência visual, em tendo cada Estado seu estágio de relacionamento com
particular, e com deficiência, em geral. organizações representativas das pessoas com
deficiência visual, largamente influenciado pelo nível de
Volmir Raimondi: Na América Latina a perceção que progresso da democracia desse país. Por exemplo,
se possui das organizações sociais, é, em termos pode-se dizer que estas organizações gozam de um
gerais bastante positiva. O desenvolvimento e estatuto de grande aceitação, participação e
profissionalismo do denominado «terceiro setor» ou cooperação com as demais forças vivas da sociedade
«sociedade civil organizada» tem resultado num em países como Moçambique, África do Sul, Malawi,
crescente reconhecimento por parte das sociedades Botswana e Zâmbia. Nos casos da África do Sul,
latino-americanas, e inclusivamente tem-se Lesoto e Botswana, o Governo já comparticipa com um
concretizado alianças entre o Estado e este tipo de orçamento anual para o funcionamento destas
organizações. No que se refere às organizações organizações. Todavia, noutros países, como é o caso
representativas das pessoas com deficiência visual, de Angola e Zimbabwe, onde o papel das associações
este processo é um pouco mais lento e varia de país é ainda reduzido ao nível da oferta de serviços e não
para país dentro da região. Naqueles Estados em que de autorrepresentação de interesses, estas enfrentam
o movimento de pessoas cegas e amblíopes se barreiras no gozo efetivo do direito à liberdade de
conseguiu unificar através de uma única entidade expressão.
representativa dos interesses deste grupo, o papel que
estas entidades desempenham é, não só, reconhecido L.B.: De que modo é que as próprias organizações
por organismos governamentais e pela sociedade no de pessoas com deficiência visual têm
seu conjunto, como também entendido como motor das efetivamente beneficiado da partilha mútua de
conquistas alcançadas, gerador de propostas e experiências, ao nível regional e mundial?
impulsionador de alterações essenciais em políticas
públicas por exemplo. Lamentavelmente esta situação A.W.: Embora as culturas divirjam amplamente em
é ainda uma exceção na América Latina, pois na todo o mundo, existem algumas «verdades comuns»
maioria dos países da região a unificação do que se parecem manter. As pessoas aprendem a viver
movimento tiflológico continua ainda em processo de juntas, a trabalhar juntas, e simplesmente a partilhar
desenvolvimento. informações entre si. As organizações de auto-ajuda
enquadram-se nessas categorias. A partilha de
José Diquissone Tole: A imagem das organizações informação permite-nos construir uma espécie de
representantivas das pessoas com deficiência visual na «irmandade», uma perceção de que não estamos
região em que a minha está inserida é encorajadora, sozinhos. Aprendemos com o problema e aprendemos
diga-se. Estas são vistas como entidades que dão voz com as diferentes abordagens que podem ser
a quem não tem voz, levando ao conhecimento do utilizadas para resolver o problema.
Estado, organismos públicos, agências de
desenvolvimento, organizações não-governamentais e
sociedade em geral, anseios de grupos excluídos de “Ao partilhar experiências em todo o mundo
direitos básicos. Apenas para dar dois exemplos, o falamos com uma só voz”, Aubrey Webson
Banco de Moçambique, quando decidiu emitir a nova
série do Metical [moeda moçambicana], viu na ACAMO

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Ao partilhar experiências em todo o mundo, nós beneficiado a forma como são defendidos os
falamos com uma só voz; unimo-nos nos desafios e direitos e interesses das pessoas com deficiência
procuramos soluções ajustadas à nossa sociedade. visual na sua região?
Considero que não há melhor maneira de aprender do
que com a experiência dos outros. A.W.: Como autorrepresentantes, tivemos a
oportunidade de chamar a atenção do governo e da
V.R.: Partilhar experiências é a chave para o sociedade para questões que nos afetam diretamente.
desenvolvimento das organizações sociais. No campo Falando em nosso próprio nome, isso possibilitou que
das entidades representativas de pessoas cegas e a sociedade conhecesse a comunidade com
amblíopes, o intercâmbio de práticas, processos e deficiência visual e se deparasse com pessoas com
informação constituiu a oportunidade de deficiência visual em cargos de liderança.
desenvolvimento que permitiu por exemplo a unificação
anteriormente referida. Conhecer outras realidades V.R.: “Nada sobre nós sem nós” não é apenas uma
graças à participação em contextos regionais e frase que repetimos, é uma maneira de atuar e de nos
mundiais, possibilita o apoio e a aliança entre empoderarmos/capacitarmos como pessoas e também
entidades do movimento de pessoas cegas e com como movimento. A autorrepresentação modificou a
baixa visão, a utilização eficiente de recursos, o perceção que se possuía no passado das pessoas
aproveitamento das ferramentas disponíveis, bem cegas, amblíopes e suas organizações. Ao
como o desenvolvimento de plataformas comuns que expressarmo-nos a partir de dentro das nossas
fortalecem e potenciam o papel que estas próprias organizações, dirigidas por colegas com
organizações desempenham no âmbito da incidência deficiência visual, passamos do paradigma
por exemplo. assistencialista ao paradigma do exercício de direitos.
Por outras palavras, a autorrepresentação garante-nos
J.D.T.: De várias maneiras. O primeiro modo de a participação em tomadas de decisão, o exercício de
beneficiação mútua é na área de troca de informação. direitos e cumprimento das nossas obrigações como
Como sabe, todas as associações da região são sujeitos titulares de direitos, a reivindicação e zelo pelo
membros da União Mundial e da União Africana de cumprimento das normas. Tudo isto em substituição da
Cegos e, em cada sessão da Assembleia Geral, há um perspetiva de nos considerarmos unicamente como
espaço reservado às organizações de cada região. sujeitos recetores de assistência, beneficiários de
Nos intervalos das Assembleias Gerais, a região da políticas caritativas.
África Austral instituiu conferências regionais,
envolvendo todos os membros. Em 2010 foi possível J.D.T.: Penso que a resposta a esta questão está
congregar cinco dos dez países da região, evoluindo o implícita na resposta à primeira pergunta. Como lhe
número para nove países em 2011. A conferência anual disse, representando os interesses dos membros,
de 2012 ficou marcada para a Tailândia, à margem das claramente plasmados no seu plano estratégico,
assembleias gerais da União Mundial e União Africana adotado em assembleia geral, a ACAMO participa em
de Cegos. Acresce-se a isto, consultorias bilaterais diferentes fóruns de pressão para a mudança de
entre os países da região, no quadro da cooperação políticas, elabora estudos de base e promove a sua
sul-sul. Só para dar exemplo: Moçambique esteve por discussão, capacita núcleos locais para uma maior
duas vezes em Angola para ministrar seminários em intervenção nas comunidades de residência, participa e
matérias diversas sobre organização associativa, formula propostas alternativas nos observatórios de
direitos humanos, sensibilização e mobilização dos desenvolvimento, estabelece alianças de pressão com
membros. De igual modo, Moçambique foi e recebeu outras organizações da sociedade civil, entre outras
visitas de Lesoto e Malawi com o mesmo propósito. Em formas de assegurar a autorrepresentação dos seus
todos estes momentos estas organizações partilham associados. O que lhe digo seguramente que está a
experiências diversas, que incluem análises FOFA ou acontecer um pouco por todos os países da região.
SWOT (Forças, Oportunidades, Fraquezas, Ameaças), Como impacto desta intensa atividade, seis dos dez
troca de estudos de base, manuais de estudo, técnicas países da região já ratificaram a Convenção
de advocacia e lobby, entre outros instrumentos. Talvez Internacional das PCDs (Pessoas com Deficiência),
seja útil mencionar que, devido a barreiras de natureza adotada em Dezembro de 2006, pela Assembleia Geral
linguística, Moçambique e Angola, são os países que das Nações Unidas. Em consequência disso, os países
menos proveitos tiram deste network regional. Outro têm estado a adotar leis, políticas e programas que
benefício mútuo que advém deste relacionamento tem promovem e protegem os direitos das PCDVs. O
a ver com a venda de serviços e tecnologias. A título de exemplo mais recente é adopção por Conselho de
exemplo, a South Africa National Council of the Blind é Ministros de Moçambique, em Agosto último, do
a maior distribuidora de equipamentos Braille e novas Programa Nacional para a Área da Deficiência
tecnologias na região, incluindo pacotes de (PNAD2), documento que estabelece objetivos,
treinamento. atividades, metas, prazos, responsabilidades e
indicadores de progresso para os próximos sete anos.
L.B.: De que forma sente que a autorrepresentação,
em vez da representação por terceiros, tem L.B: O que pode ser feito para melhorar a projeção

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do trabalho de autorrepresentação na região onde a desafio será identificar e criar líderes que possam
sua organização se insere? trabalhar e participar nas iniciativas mais amplas da
sociedade, mas tendo em conta que eles representam
A.W.: Obviamente, quanto mais nos o interesse de pessoas com deficiência visual. Em
autorrepresentamos, e estamos expostos ao olhar do segundo lugar, as organizações de pessoas com
público, maior probabilidade teremos de poder deficiência visual não têm o monopólio da atenção do
influenciar a perceção das pessoas sobre a mudança. público. Perdemo-lo há algum tempo nas mudanças
Precisamos de encontrar mais pessoas com deficiência que deram origem a uma maior atenção às pessoas
visual envolvidas em redes sociais e civis, e falando com deficiência. Neste novo ambiente, estamos a
com a voz dos deficientes visuais, não podemos falar competir com uma ampla gama de causas. A nossa
apenas por nós próprios, mas devemos estar capacidade de forjar alianças e construir redes, ainda
envolvidos na sociedade civil e construir redes com os focando-nos nos nossos interesses específicos, será o
outros para alcançarmos os nossos objectivos de uma maior desafio para os nossos líderes no futuro.
sociedade inclusiva.
V.R.: Um dos principais desafios é manter e envolver
V.R.: É importante continuar a apostar na criação de no movimento aquelas pessoas cegas e amblíopes que
novos/as líderes, divulgar as ferramentas jurídicas e de possuam características de liderança. Assumir a nossa
gestão disponíveis, propagar as práticas utilizadas autorrepresentaçao enquanto indivíduos através das
noutros países. Paralelamente devem-se promover entidades de cegos como as ferramentas chave no
ações externas de visibilidade e interação com o resto paradigma atual. Melhorar a gestão institucional,
da sociedade e dos Estados, concretizar alianças com desenvolver os fundamentos teórico-políticos que
entidades que partilham objetivos (outras deficiências, sustentam a nossa atuação. Conseguir compatibilizar a
outros grupos vulneráveis) dado que a criação de participação nas organizações sociais com o
plataformas fortes produzirá um maior impacto. desenvolvimento profissional e pessoal constitui nestes
tempos um desafio e simultaneamente a oportunidade
J.D.T.: Para melhorar o trabalho de autorepresentação de redefinição do modelo organizativo para o século
na região, penso que é necessário instalar um XXI.
secretariado efetivo, equipado com todos meios
essenciais que facilitem a interação regional. Isto
permitirá, não só acelerar a troca de informação entre “Para exercer eficazmente a autorrepresentação é
os países beneficiários, como também monitorar a preciso desenvolver habilidades, ter consciência
aplicação efetiva dos protocolos da “comunidade de dos seus direitos como cidadão, ter capacidade de
desenvolvimento da África Austral” para o benefício análise dos fatores de constrangimento”
das pessoas com deficiência visual. Julgo igualmente José Diquissone Tole
ser importante mapear os centros de recursos
disponíveis na região, por forma a maximizar a sua
utilização sinergética, no lugar de cada país pensar-se J.D.T.: Muitos desafios. Em primeiro lugar é preciso
autarquicamente. Na mesma direção do reforço de melhorar o acesso e sucesso escolar das PCDVs.
«network regional», considero indispensável capacitar Como sabe, para exercer eficazmente a
as organizações nacionais e locais com novas autorrepresentação é preciso desenvolver habilidades,
tecnologias de comunicação, tais como o uso de ter consciência dos seus direitos como cidadão, ter
telemóvel, email e skype, por forma a maximizar as capacidade de análise dos fatores de constrangimento,
interações, a flexibilidade, democraticidade e qualidade e isso só se consegue com uma educação crítica e de
das decisões vinculativas. Finalmente, considero ser qualidade. Associado a isso está toda a problemática
também de grande importância capacitar os membros de acesso a equipamentos Braille, novas tecnologias,
beneficiários, a todos os níveis, com instrumentos informação em formato apropriado, sensibilização das
regionais e internacionais de direitos humanos, famílias, professores ativistas e qualificados; é preciso
métodos e técnicas de pressão, advocacia e lobby, reforçar a capacidade representativa das próprias
regras de participação democrática e organizações das PCDVs, com lideranças críticas e
autorrepresentação dentro das organizações. visionárias, acesso e domínio das novas tecnologias de
informação, coragem de mudar as coisas que podem
L.B.: Que desafios se colocam para o futuro na ser mudadas. Aqui incluem-se questões relacionadas
forma como as pessoas com deficiência visual se com a expansão das suas estruturas para zonas
organizam para autorrepresentar os seus direitos e recônditas dos territórios que representam,
interesses? sustentabilidade das suas organizações,
democratização do funcionamento interno, igualização
A.W.: O nosso sucesso recente tornou-se no nosso de oportunidades para jovens e mulheres; é preciso
desafio. O desafio é, em primeiro lugar a partir de desafiar a discriminação culturalizada presente nas
dentro das organizações. Precisamos de ter a certeza construções sociais, sentimentos e emoções, que
de que continuamos a criar jovens líderes que podem consideram naturais ou sobrenaturais as
ser envolvidos no movimento de autorrepresentação. O desigualdades de tratamento impostas às PCDVs. LB

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Criada em julho de 2011, a Associação Promotora dos Direitos das Pessoas com
Deficiência Visual de Macau é a primeira e única instituição a prestar apoio e a
representar os direitos dos cidadãos cegos e com baixa visão nesta região do Pacífico.
Albert Cheong, presidente da organização, explicou à LOUIS BRAILLE os principais
desafios de autorrepresentar as pessoas com deficiência visual na antiga colónia
portuguesa.
Por Redação LOUIS BRAILLE

Louis Braille: O que motivou a constituição da L.B.: Os corpos sociais da vossa associação são
Associação Promotora dos Direitos das Pessoas constituídos integralmente por pessoas com
com Deficiência Visual em Macau? deficiência visual. Que vantagens encontram no
modelo de autorrepresentação em vez da
Albert Cheong: Dado que foi em Macau que nasci e representação feita por terceiros?
cresci, gostaria de assistir a mudanças em Macau para
as pessoas com deficiência visual. E gostaria também A. C.: O mais importante é a autorrepresentação direta,
de trazer para Macau os conhecimentos que adquiri porque somos nós que conhecemos as nossas
nos Estados Unidos (a filosofia de vida independente, próprias necessidades e sabemos o que queremos.
educação, igualdade de acesso e serviços de apoio no Nós somos as melhores pessoas para entender as
lar, etc.). A nossa Missão é trabalhar para garantir que nossas necessidades e fazer as nossas próprias
as pessoas cegas e amblíopes serão plenos parceiros escolhas e considero que a autorrepresentação é muito
económicos, tanto nas suas famílias como numa importante para este movimento de mudança do
comunidade plenamente acessível. O nosso objetivo é sistema e para mudar a mente dos decisores políticos
compreender os problemas dos nossos membros, a fim e educá-los, bem como ao público em geral.
de lhes prestar adequados serviços de atendimento,
assistência e orientação. Perceber verdadeiramente as L. B.: Quais as principais linhas estratégicas que
dificuldades com que as pessoas cegas e amblíopes se vão orientar a atuação da Associação Promotora
deparam, potenciando assim a sua independência e dos Direitos das Pessoas com Deficiência Visual?
autoconfiança, e explorar seus talentos potenciais, para
ajudá-los a superar os obstáculos da vida diária. A.C.: Estamos a realizar sessões de autoajuda, e de
apoio à família, formação de competências em AVD's,
gestão de caso, consultoria e apoio em Tecnologia
Assistiva, Formação em Orientação e Mobilidade,
“Dado que foi em Macau que nasci e cresci, Serviço de Apoio por Telefone, aconselhamento pós-
gostaria de assistir a mudanças em Macau para as laboral das 18 às 23 horas, educação comunitária,
pessoas com deficiência visual”, Albert Cheong visitas domiciliárias, formação em inglês prático de
nível básico, preenchimento de formulários e

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encaminhamento de informações. O nosso objetivo é A.C.: Sim, o trabalho em rede é importante.
criar um centro educacional para pessoas com Trabalhamos em rede com Hong Kong e a China. No
deficiência visual, mas infelizmente não obtivemos verão passado, levámos jovens com deficiência visual
ainda financiamentos e estamos à procura de apoios. para aprender e ver como as pessoas com deficiência
Produzimos também três brochuras diferentes em visual vivem o quotidiano nos Estados Unidos.
chinês sobre os seguintes temas: 1) comunicar com as Precisamos também de capacitar os nossos
pessoas com deficiência visual, 2) tecnologias de associados para exercer a autorrepresentação.
apoio, ferramentas para a vida das pessoas com Considero que a capacitação das pessoas para a
deficiência visual; 3) A definição de cegos e amblíopes autorrepresentação é o mais importante para uma
na sociedade chinesa (como em Hong Kong, Taiwan e mudança do sistema.
Macau).
L. B.: Por outro lado, tenciona manter relações de
L. B.: Decorrido mais de um ano da sua trabalho com instituições congéneres de outras
constituição que projetos conseguiram partes do mundo? Considera que esse é um passo
implementar e que repercussões estão a conseguir importante para o alargamento/desenvolvimento do
obter? trabalho da instituição?

A.C.: Trabalhar com os membros da família e da


comunidade educativa para alterar os seus
estereótipos negativos sobre as pessoas com
deficiência visual. Por exemplo, ir às escolas e
conversar com as crianças jovens sobre as
capacidades das pessoas com deficiência visual e
fazê-lo passo a passo para ir provocando mudanças na
sociedade.

L. B.: Contrariamente à generalidade das restantes


regiões, a Ásia, e em específico Macau, assiste a
um acelerado crescimento económico. Poderá este
cenário ter repercussões positivas na qualidade de
vida dos cidadãos macaenses cegos e com baixa
visão?

“O mais importante é a mente das pessoas e os


estereótipos que algumas pessoas ainda têm sobre

Pedro Galinha
as pessoas com deficiência visual pensando que
eles apenas podem ser cartomantes, músicos ou
massagistas”, Albert Cheong

A.C.: Sim, existem mais benefícios sociais do que


antes, mas o mais importante é a mente das pessoas e
os estereótipos que algumas pessoas ainda têm sobre A.C.: É claro que, sim, o trabalho em rede e a partilha
as pessoas com deficiência visual pensando que eles são muito importantes neste século, se não
apenas podem ser cartomantes, músicos ou conhecemos o que as outras pessoas estão a fazer,
massagistas. Sabemos que temos mais competências como poderemos trazer novas ideias e serviços para a
do que essas, e que precisamos de educação, nossa sociedade? A nossa associação, a Associação
emprego, igualdade de acesso e de oportunidade. de Promoção dos Direitos das Pessoas com
Deficiência Visual de Macau gostaria de aderir como
L. B.: Que relação mantém com as organizações membro à União Mundial de Cegos, para partilhar
representativas das pessoas com deficiência visual conhecimentos, cultura, tecnologia, ideias sobre
dos países asiáticos? Nesta fase embrionária da autorrepresentação, lobby para a mudança do sistema
Instituição considera relevante o trabalho em rede? e educação da comunidade e outros conhecimentos.
LB

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