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Pelas ruas de Maputo, Moçambique, uma cena se repete.

Debruçadas
sobre um curioso tabuleiro repleto de concavidades, mãos hábeis
passam pedrinhas de um lado para outro sob o olhar atento dos
espectadores. Trata-se de uma partida de Ntxuva, o xadrez africano, um
jogo de estratégia existente no continente desde antes da dominação
da África pelos europeus.

Leia + Professora usa a cultura africana para ensinar matemática

Quem conta é o professor Alberto Chirinda, de Maputo,


Moçambique, que vive no Brasil desde meados de 1990. Recém-
chegado ao País, Alberto lembra ter se surpreendido com o
desconhecimento dos brasileiros sobre a África. “Nós sabíamos muita
coisa do Brasil através do futebol, carnaval, telenovelas e curso a
distância e também pelos brasileiros que moravam e trabalhavam nos
nossos países”, conta.

A etnomatemática propõe ensinar matemática levando em consideração


outras culturas que também produzirem e produzem conhecimento, de
variadas maneiras, mas que são frequentemente apagadas das
narrativas da sociedade e da escola.

Foi apenas no contexto da aplicação da Lei 10639/03, que prevê a


obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira, que
Alberto começou a perceber uma mudança nesse quadro. Procurado
por colegas sobre possíveis materiais da cultura africana que pudessem
desenvolver em sala de aula, lembrou-se do Ntxuva, que explora vários
conceitos matemáticos e estratégicos. “Os alunos se encantaram”,
relembra.

O que é o Ntxuva?

O Ntxuva é um jogo tradicional da África subsahariana com origem mais


provável no Egito. É uma variante do mancala, família de jogos de
tabuleiro com várias concavidades e com o mesmo princípio geral de
distribuição e conexão de peças. A partir do Nilo, os mancalas teriam se
expandido progressivamente para o restante do continente africano e
para o Oriente. “O Ntxuva está presente no dia a dia dos
moçambicanos. Hoje, em Moçambique, o Ntxuva faz parte das
modalidades do Festival Nacional dos Jogos Tradicionais. É um esforço
do governo local para resgatar a nossa cultura”, conta Alberto.

Além de bem cultural, o jogo é considerado parte da etnomatemática,


pois compõe o conhecimento matemático desenvolvido por povos não-
europeus, aplicado na solução de suas realidades.

Entre as habilidades cognitivas que o Ntxuva desperta estão a


orientação espacial, cálculo aritmético e construção de estratégias. “O
Ntxuva trabalha alternativas e conexões. Cada casa contendo peças é
uma alternativa de saída, uma opção. Cada opção pode ter uma ou
várias conexões que levam ao objetivo final: eliminar as peças do
adversário e retirá-los do tabuleiro” explica Alberto.

Estas opções e conexões exigem cálculos simples, mas ágeis e


volumosos. “Esse volume de cálculos é que estimula o raciocínio
aritmético, lógico e estratégico, além da memória das crianças”.
Homens jogam Ntxuva em Moçambique.

Crédito: Instagran/@star_angel_miso

O Ntxuva em sala de aula

O tabuleiro Ntxuva é indicado para crianças a partir dos seis anos de


idade. No início, as crianças jogam sem realizar cálculos, isto é, só na
sorte. “Com o tempo apercebem-se da necessidade de aprender a
pensar, calcular e tomar decisões para conseguirem atingir o objetivo.
Uma competência importante para o mundo moderno”, explica o
professor.

Ao utilizá-lo em sala de aula, o educador pode trabalhar o jogo de forma


coletiva, formando dois grupos de alunos para se confrontar. Desta
maneira, estimula a discussão e decisão em grupo. Além disso, o Ntxuva
é um jogo inclusivo: mesmo crianças com algum tipo de deficiência
podem participar.

É possível trabalhar também a natureza das estratégias envolvidas no


Ntxuva: há estratégias para eliminar ou retardar o movimento das peças
adversárias; criação de desertos (quando as casas ficam vazias) que
impedem a organização das peças do adversário, entre outras. “São
estratégias de guerra que permitiram que nossos antepassados
conseguissem dominar outros povos e tenham registrado, aqui e ali,
algumas vitória sobre os colonizadores. Daí termos nomes como
Soundiata Keita e Shaka Zulu como expoentes africanos de estratégias
militares”, conta Alberto.

Outra abordagem possibilitada pelo jogo etnomatemático é trabalhar


com os estudantes o modo de pensar dos africanos, inclusive, no que
diz respeito ao seu repertório linguístico. “O educador pode trabalhar os
provérbio africanos. É comum nos jogos de Ntxuva os jogadores
fazerem citações quando realizam uma estratégia bem-sucedida. Isso é
feito só para desestabilizar o adversário.”
Tabuleiros confeccionados pelo professor moçambicano Alberto Chirinda.

Crédito: Alberto Chirinda

Por que usar jogos para ensinar matemática?

Além do engajamento das crianças e jovens com a atividade, jogos


como o Ntxuva substituem exercícios cansativos e repetitivos. Ao
visualizar, na prática, o retorno imediato de suas hipóteses e cálculos, as
crianças deparam-se com conflitos que devem ser resolvidos entre elas
mesmas, com autonomia e visando o bem comum.

Outro benefício do uso dos jogos em sala de aula é que estes fornecem
dados para o educador conhecer a estrutura mental dos seus alunos em
uma situação de vivência prática. “O papel do professor é importante,
pois é ele que circula entre os grupos, instruindo sobre as regras do
jogo, jogando com as crianças, apresentando-lhes desafios e também
oferecendo subsídios para suas decisões.”   

O esforço de Alberto Chirinda para a popularização no Brasil


da etnomatemática já rende frutos. Seu trabalho com o xadrez africano
chegou ao conhecimento da Secretaria de Educação do Paraná, que
adquiriu quase 100 tabuleiros Ntxuva para distribuir nas escolas do
interior do estado. “Também fui convidado a dar uma oficina de Ntxuva
para professores do Paraná no âmbito da etnomatemática e da
implantação da Lei 10639”, conta.

Para o educador, ações como estas revelam a força e importância desta


legislação que reconhece o legado dos africanos. “Houve um despertar
para a contribuição dos negros africanos nas várias áreas da nação
brasileira. Hoje, vejo professores entusiasmados com a temática africana
e que a cada dia descobrem a história contada pelos próprios africanos
sobre antigos impérios, comidas típicas, música e escritores renomados”,
comemora.

Criança é criança em qualquer lugar. Os meninos e as meninas espalhados pelo


continente africano adoram correr, pular, jogar, inventar, cantar e se divertir.

As brincadeiras infantis geralmente começam assim: objetos


aparentemente despropositados, como dizia Manoel de
Barros, são encantados pelo desejo e imaginação das
crianças e ganham novos formatos, transformando o mundo
real em mundo imaginário, um mundo onde os desejos são
realizados por meio da imaginação.
Para a maioria dos adultos as crianças estão apenas
brincando, isto é, elas estão passando o tempo e se
distraindo, descompromissadas e alheias ao mundo real.
Não estão fazendo absolutamente nada. Infelizmente há
desvalorização da brincadeira por parte de muitos adultos
desavisados.

Na contramão desta ideia, a psicologia tem chamado


atenção para a importância do brincar no desenvolvimento
infantil. A abordagem histórico-cultural da psicologia,
representada pelo pensamento do teórico russo Lev Vigotski
(1896-1934), nos inspira a defender que a brincadeira de faz
de conta contribui significativamente para o desenvolvimento
da esfera intelectual e afetiva da criança porque ela abre
portas para o desenvolvimento de uma importante função
psicológica superior tipicamente humana: a imaginação.

 Mulher reage a assalto e espanta bandidos no


Bairro Araújo
 Mulher é presa após procurar PM dizendo que
marido estuprava filha de 3 anos
 Que jovens estamos preparando para o futuro de
Juiz de Fora?

A imaginação é a gênese de toda atividade criadora humana.


A base da atividade criadora é a capacidade de fazer uma
construção de elementos, combinando aquilo que já existe
de maneiras novas. Nesse sentido, a atividade criadora
mantém uma relação estreita com a realidade vivenciada, na
medida em que combina elementos de experiências
anteriores dando-lhes um novo sentido àquilo que já existe. A
imaginação se apoia na experiência e a experiência se apoia
na imaginação. Portanto, o processo criativo não é uma
faculdade exclusiva dos artistas, mas, ao contrário, é uma
atividade inerente à condição humana. Podemos identificar a
emergência dos primeiros processos de criação quando as
crianças montam as suas brincadeiras. Ao construírem o
enredo, as personagens e o cenário, as crianças introduzem
elementos novos, que não estavam presentes nas
experiências passadas, reinventando a realidade para dela
se apropriarem.

Assim, brincadeira, longe de ser um mero passatempo, é


fonte de desenvolvimento da criança a partir de dois anos de
idade. Por isso, ela é considerada uma atividade guia. É ela
que é a responsável por guiar o desenvolvimento psicológico
da criança, pois que carrega elementos estruturais que
impulsionam o desenvolvimento gerando neoformações.

Se nos dois primeiros anos de vida da criança há uma


tendência para a satisfação imediata de seus desejos e
impulsos, no momento posterior, mediante o uso da
linguagem, que permite o amadurecimento das necessidades
não realizáveis de forma imediata, a criança começa a
postergar a realização de seus desejos, agindo no plano
simbólico. É, portanto, a linguagem que torna possível a
brincadeira de faz de conta, a criação da situação imaginária.
A criança muito pequena não consegue distinguir a situação
imaginária da situação real porque a imaginação está
ausente na sua consciência. Isso faz com que ela aja em
função daquilo que vê. Ao passo que na criança pré-escolar,
o exercício de brincar possibilita a emergência da
imaginação, reinventando a realidade e se libertando dos
significados do mundo apresentados pelos adultos.
Combinando situações vividas ou histórias ouvidas, a criança
começa a tomar consciência das relações que existem no
mundo. Estamos falando da capacidade de criação que a
criança desenvolve nessa etapa da vida. Ao desejar
manipular os objetos com autonomia, a criança começa a
dissociar a palavra do objeto, fazendo com que um simples
caixote se transforme num carro de boi, como na história
inventada por Barros.

Na brincadeira uma ação substitui outra ação, assim como


um objeto substitui outro objeto, não no campo visual, mas,
agora, no campo semântico. Isto quer dizer que a criança
não atua sobre a forma do objeto, mas sim sobre o
significado do objeto, atribuindo-lhe um novo sentido que
atenda às suas necessidades.

Separar o significado da palavra do objeto não é tarefa fácil


para a criança. A brincadeira cria um contexto de
possibilidades para a realização desse feito tão complexo,
que exige da criança a tomada de consciência de
experiências passadas e das regras de comportamento –
que na vida real, muitas vezes, passam despercebidas –, a
composição estética e lógica do enredo, personagem,
cenário, falas, gestos e movimentos, entre outros aspectos.
Para Vigotski (2008), a brincadeira cria uma zona de
desenvolvimento proximal na criança, isto é, ela possibilita
que a criança dê um salto acima do seu comportamento
atual. Desse modo, a criança age num nível de
desenvolvimento mais elevado do que o habitual.

A brincadeira vai ganhando novos contornos na medida em


que a criança vai se desenvolvendo. Inicialmente, a criança
cria uma situação imaginária muito parecida com a situação
real (vivenciada ou observada). Por exemplo, a criança
segura a boneca, tal como a mãe faz com ela; a criança
coloca a colher na boca da boneca, assim como a mãe faz
quando a alimenta etc. Nesse caso, a brincadeira se refere
mais a uma recordação do que uma imaginação. Mesmo
assim, a criança nunca reproduz exatamente a situação
como ocorreu na realidade. Essa recordação traz marcas do
processo criativo na medida em que a lembrança é uma
interpretação da situação vivida ou observada. Nas palavras
de Vigotski (2009, p. 17), trata-se de "uma reelaboração
criativa de impressões vivenciadas."

A vontade de fazer o que os adultos fazem leva a criança a


inventar situações imaginárias que lhe permita fazer e ser
tudo o que imaginar. Assim, para brincar a criança precisa de
liberdade para escolher os elementos que vão compor a
cena: o enredo, a personagem, o cenário etc. No entanto,
como adverte o psicólogo russo, essa liberdade é ilusória,
pois toda brincadeira tem regra. A criança se baseia nas
regras que existem no mundo real, e as recria. Para que a
brincadeira aconteça, é preciso que a criança siga as regras
da brincadeira. O cumprimento da regra é fonte de satisfação
da atividade de brincar.

A brincadeira de faz de conta é uma atividade séria na qual a


criança aprende e se desenvolve: ela desenvolve o
pensamento abstrato, aprende as regras sociais, aprende a
controlar as suas vontades e aprende uma nova forma de
desejar.

Enfim, quando brincam, as crianças dão um salto fenomenal


no seu desenvolvimento. Por isso, é preciso respeitar os
tempos e os espaços do brincar e disponibilizar à criança
objetos diversificados de modo que ela possa criativamente
construir conhecimento de si e do mundo e dar sentido à sua
vida.
teórico Lev Vygotsky (1896-1934) que explica o desenvolvimento dos processos
psicológicos da criança e a sua interação com o meio ambiente e as contribuições, que
os recursos lúdicos exercem no desenvolvimento da aprendizagem.

Um dos pensadores que desenvolveu uma teoria sobre o tema Lúdico foi Lev S.
Vygotsky, o qual buscou compreender a origem e o desenvolvimento dos processos
psicológicos ao longo da história da espécie humana, levando sempre em conta a
individualidade de cada sujeito, o qual está imerso no meio cultural que o define. Para
ele, o homem constitui-se enquanto ser social e necessita do outro para desenvolver-
se. Vygotsky, ao longo de sua obra, discute aspectos da infância, destacando-se suas
contribuições acerca do papel que o brinquedo desempenha, fazendo referência a sua
capacidade de estruturar o funcionamento psíquico da criança.

De acordo com Vygotsky (1984), “é na interação com as atividades que envolvem


simbologia e brinquedos que o educando aprende a agir em uma esfera cognitiva”. Na
visão deste autor, a criança comporta-se de forma mais avançada em uma atividade
lúdica do que nas atividades da vida real, tanto pela vivência de uma situação
imaginária, quanto pela capacidade de subordinação às regras. Com relação a esta
temática, o educador deve oferecer formas didáticas diferenciadas, como atividades
lúdicas para que a criança se sinta provocada no desejo de pensar. A não
correspondência da criança ao estimulo a uma disciplina, significa que ela pode não
apresentar predisposição para gostar desta disciplina e por isso não apresentar
interesse por ela. Então surge a necessidade de programar atividades lúdicas na escola.
Vygotsky (1984) ressalta que “o brinquedo ajuda a desenvolver uma diferenciação
entre a ação e o significado. A criança, com o seu evoluir, passa a estabelecer relação
entre o seu brincar e a ideia que se tem dele”. Nesse momento, a criança deixa de ser
dependente dos estímulos físicos, ou seja, do ambiente concreto que a rodeia. O
brincar relaciona-se ainda com a aprendizagem. Portanto, constata-se que brincar é
aprender, porque é na brincadeira que reside a base daquilo que, mais tarde, permitirá
à criança aprendizagens mais consistentes. O lúdico torna-se, assim, uma ferramenta
na educação infantil para o enfrentamento das dificuldades no processo ensino-
aprendizagem.

Segundo Vygotsky (1998), “para entendermos o desenvolvimento da criança, é


necessário levar em conta as suas necessidades e os estímulos pedagógicos que são
eficazes para colocá-las em ação”. Diante de tal afirmação, entende-se que é
necessário em sala de aula, antes da temática ser apresentada, propor primeiro uma
atividade de estímulo para a criança, pois a mesma sente necessidade de gastar
energias, de fazer movimentos como: pular, correr, cantar, etc. Isso contribui muito
para o interesse do aluno nas atividades apresentadas posteriormente. O avanço da
aprendizagem pela criança está ligado a uma mudança nas motivações e incentivos,
por exemplo: aquilo que é de interesse para um bebê não o é para uma criança um
pouco maior. A criança satisfaz certas necessidades no contato com o brinquedo, mas
essas necessidades vão evoluindo no decorrer do desenvolvimento cognitivo. Assim,
como as necessidades das crianças vão mudando, é fundamental conhecê-las para
compreender a singularidade da brincadeira como uma forma de atividade.

A criação de uma situação imaginária não é algo fortuito na vida


da criança; pelo contrário, é a primeira manifestação da
emancipação da criança em relação às restrições situacionais. O
primeiro paradoxo contido no brinquedo é que a criança opera
com um significado alienado numa situação real. O segundo é
que, no brinquedo, a criança segue o caminho do menor esforço
– ela faz o que mais gosta de fazer, porque o brinquedo está
unido ao prazer – e ao mesmo tempo, aprende a seguir os
caminhos mais difíceis, subordinando-se à regras e, por
conseguinte renunciando ao que ela quer, uma vez que a
sujeição a regras e a renúncia a ação impulsiva constitui o
caminho para o prazer do brinquedo. (VYGOTSKY, 1998, p.
130)

Entendemos que isso significa que a criança, ao enxergar e tocar o brinquedo, cria
imaginações sobre ele. Na brincadeira a criança preenche suas necessidades através
daquilo que já conhece e a partir daí experimenta o desconhecido, ou seja, ela
descobre imagens diferentes, de acordo com o avanço do conhecimento incutido na
brincadeira. Dessa forma o professor oferece à criança a oportunidade do gosto pelo
saber. A necessidade que a criança tem pelo brincar, se dá pelas observações do
cotidiano, a qual está inserida. Por exemplo, quando a criança imita o mundo real
através dos seus brinquedos, em uma brincadeira ela se coloca como o professor e
seus brinquedos como os seus alunos. Além disso, o referido autor acrescenta que a
brincadeira ajuda a criança a desenvolver habilidades, como falar e ler em uma língua
estrangeira, pois ela começa assimilando através do mais fácil, por exemplo, na
primeira atividade, quando assiste ao filme O menino urubu, a criança reconhece o
urubu de forma simbólica, que é um elemento da realidade cultural da cidade de
Belém. Na segunda atividade sobre o filme, a criança reage cognitivamente e
positivamente às cenas relativas aos processos sociais que envolvem o menino urubu,
tornando proativo na superação das dificuldades que lhe são impostas pela sociedade.
Por conseguinte, o professor ensina o vocabulário dos símbolos na língua alemã,
através de materiais pedagógicos, o que estimula a curiosidade da criança para
aprender outros componentes do filme no novo idioma. Nesse aspecto, o professor
deve considerar todo o conhecimento prévio da criança para que nela flua novos
conceitos e ideias.
Vygotsky conclui que “o brinquedo surge dessas necessidades não realizáveis de
imediato” (1998), ou seja, aquilo que a criança ainda não sabe, mas ainda vai aprender
em uma língua estrangeira, pois aprender uma língua estrangeira é adentrar em um
mundo desconhecido. “Eles são construídos quando a criança começa a experimentar
tendências não realizáveis: para resolver a tensão gerada pela não realização de seu
desejo, a criança envolve-se em um mundo ilusório e imaginário onde seus anseios
podem ser realizados no momento em que quiser. Esse mundo é o brincar.” (Idem,
1998) Por exemplo, no ensino das cores em alemão para uma criança, para romper o
contraste entre o que se quer ensinar e como adentrar no mundo da criança, utiliza-se
aspectos culturais da realidade delas, como objetos simbólicos indígenas, por
exemplo: cuia, cocar, arco e flecha, farinha de tapioca, etc., fazendo uma inter-relação
com as cores no idioma alemão. Em seguida, como processo de fixação são
desenvolvidas atividades de colagem e pintura, quebrando a barreira do desconhecido.
Então entra em cena a imaginação, a qual é um processo psicológico cognitivo na
criança. Vygotsky (1998) ressalta que “a imaginação surge originalmente da ação”.
Podemos entender que ao apresentar uma LE para a criança, através da aplicação do
recurso pedagógico lúdico utiliza-se uma ação, provocando a assimilação e a
aprendizagem da LE na criança. Por exemplo, quando o professor faz uso da
interculturalidade em sala de aula, tomando como temática o natal na Amazônia e na
Alemanha, desperta a curiosidade na criança sobre elementos do natal em ambas
culturas e na língua alemã. Nessa temática do natal podemos observar que são
desenvolvidos na criança valores contextualizados de ambas culturas. Em uma
segunda temática como o ensino na preservação do meio ambiente na Amazônia e na
Alemanha, é possível provocar na criança uma mudança de comportamento, como
afirma Vygotsky, e de atitudes existentes na sociedade, no caso de Belém, quando
uma das crianças do projeto afirma que o adulto e seus familiares jogam lixo no
igarapé e, com o novo aprendizado, a criança aprende que o lixo deve ser selecionado
e reciclado como na Alemanha. Diante disso, constatamos que há uma mudança de
comportamento frente ao conhecimento de novos valores educacionais.

Para Vygotsky (1988), “o aprendizado e desenvolvimento estão inter-relacionados


desde o primeiro dia de vida.” Assim, é fácil concluir que o aprendizado da criança
começa muito antes da mesma frequentar a escola. Todas as situações de aprendizado
que são interpretadas pelas crianças na escola já têm uma história prévia, isto é, a
criança já se deparou com algo relacionado do qual pode tirar experiências.

A aprendizagem é o processo pelo qual o indivíduo adquire


informações, habilidades, atitudes, valores, etc. a partir de seu
contato com a realidade, o meio ambiente, as outras pessoas. É
um processo que se diferencia dos fatores inatos (a capacidade
de digestão, por exemplo, que já nasce com o indivíduo) e dos
processos de maturação do organismo, independentes da
informação do ambiente (a maturação sexual, por exemplo). Em
Vygotsky, justamente por sua ênfase nos processos sócio-
históricos, a ideia de aprendizado inclui a interdependência dos
indivíduos envolvidos no processo. [...] o conceito em Vygotsky
tem um significado mais abrangente, sempre envolvendo
interação social. (OLIVEIRA, 1995, p. 57).

Diante da interpretação de Oliveira (1995), constata-se que ao ensinar uma LE, no


caso o alemão, com o objetivo de adentrar no mundo da criança, com o propósito de
desenvolver o ensino da língua, ao mesmo tempo insere-se os aspectos inerentes dessa
língua, como comportamentos, valores, costumes, etc. Vygotsky afirma que o
aprendizado é um aspecto necessário para o desenvolvimento das funções
psicológicas, as quais são organizadas pela cultura e, assim, caracterizam-se como
especificamente humanas. Há o percurso natural do desenvolvimento definido pela
maturação humana, mas é o aprendizado junto ao contato do indivíduo com um
ambiente cultural que possibilita a realização dos processos psicológicos internos. Ou
seja, o desenvolvimento intelectual da criança está extremamente ligado a sua relação
com o ambiente sociocultural.

Na infância construímos os alicerces do nosso ser, de forma


inconsciente, através do convívio e das experiências do dia-a-
dia. O contato e a construção de relacionamentos com pessoas
estrangeiras na infância elimina o conceito de estrangeirismo de
forma natural. A convivência multicultural na infância
proporciona a construção de uma identidade própria, enriquecida
por comportamentos, valores e habilidades diferentes, que
eliminam fronteiras. (KANOMATA apud SCHÜTZ 2003, p. 01)

Kanomata ressalta que quando dar-se a oportunidade à criança de ter contato com
pessoas estrangeiras, quebra-se a barreira do estrangeirismo, por exemplo se a criança
tiver contato com pessoas nativas, o desenvolvimento do aprendizado da língua se
torna mais rápido e eficaz, pois ela aprende a língua alemã como segunda língua e as
ocorrências das situações no seu dia-a-dia são propícias ao seu aprendizado. Como
exemplo, pode-se citar o projeto Aprendendo alemão na Amazônia: interculturalidade
e consciência ambiental, a cada período recebe a visita de um colaborador nativo da
língua alemã e traz consigo vários métodos de ensino do alemão e aplica-se na sala de
aula, contribuindo assim para uma troca de experiências, convívios e
consequentemente, resulta na interação intercultural, transmitindo assim, valores
como cidadania, respeito e etc.

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