Você está na página 1de 5

Análise da estrutura da crise atual a partir de Karl Marx e István Mészáros

Wesley Sousa – 2017 - UFSJ

Em que consiste a crise atual? Quais são seus problemas? Essas e outras
perguntas são sem dúvidas importantes a se fazerem para compreensão e a dimensão da
nossa crise global. O sistema econômico hegemônico passa por sérios problemas, os
quais se tornam insolúveis pelos imperativos que lhe são compulsórios.

O capitalismo, como econômico de produção e reprodução material, surgiu


lentamente ao longo de séculos passados. Muito simplista é a abordagem que Adam
Smith foi o “precursor” da investigação do sistema que florescia na época em sua
compreensão. Sem dúvidas, ele trouxe análises para aquilo que hoje se entende como
“ciência econômica”. Outrossim, à medida que o capitalismo se efetivara, havia novas
formas de entendê-lo. O modo de produção é, em suma, definido por suas relações
sociais nas suas forças produtivas.

A maioria das pessoas dentro do sistema capitalista é motivada por


comportamentos individualistas, aquisitivo e maximizador – ultrapassando quaisquer
filosofias de vida ou espirituais. Isso é necessário para desenrolar, desenvolver, este
sistema. As trocas comerciais, as mercadorias produzidas com única finalidade à venda
na geração de mais-valia, é imperativo inexorável para o funcionamento do sistema do
capital. Uma sociedade cuja não pode parar de consumir também não pode parar de
produzir – é imperativo indissociável à sua própria natureza.

Nesse ínterim, o movimento do capital pelo qual transcorre histórico e


socialmente, Mészáros assegura, diante do diagnóstico, que a natureza do capital não
reconhece “medida de restrição, não importando o peso das implicações materiais dos
obstáculos a enfrentar [...]nem a urgência relativa (chegando à emergência extrema) em
relação a sua escala temporal” (MÈSZÀROS, 2011, p. 253). Dessa maneira, então,
nosso autor argumenta claramente no seu livro de maior grandeza, o Para além do
Capital:
A própria ideia de “restrição” é sinônimo de crise no quadro conceitual do sistema do
capital. A degradação da natureza ou a dor da devastação social não têm qualquer
significado para seu sistema de controle sociometabólico, em relação ao imperativo
absoluto de sua autorreprodução numa escala cada vez maior. É por isto que durante o
seu desenvolvimento histórico se excedeu o capital em todos os planos – incluído seu
relacionamento com as condições básicas da reprodução sociometabólica –, mas estava
destinado a fazê-lo cedo ou tarde. (MÉSZÁROS, 2011, p. 253).

Com a urgência de soluções e “reformas”, o capital se mostra incontrolável em


toda sua forma. Mesmo com tentativas dessas reformas pontuais, sua gênese é sempre a
mesma. Tais perigos dessa incontrolabilidade coloca em risco, mais do que nunca, a
própria humanidade. Concernente a isso, o próprio Mészáros adverte:

A dificuldade não está apenas no fato de os perigos inseparáveis do atual processo de


desenvolvimento serem hoje muito maiores do que em qualquer outro momento, mas
também no fato de o sistema do capital global ter atingido seu zênite contraditório de
maturação e saturação. Os perigos agora se estendem por todo o planeta;
consequentemente, a urgência de soluções para eles, antes que seja tarde demais, é
especialmente severa. Para agravar a situação, tudo se torna mais complicado pela
inviabilidade de soluções parciais para o problema a ser enfrentado. Assim, nenhuma
“questão única” pode, realisticamente, ser considerada a “única questão”. Mesmo sem
considerar outros efeitos, esta circunstância obrigatoriamente chama atenção para a
desconcertante marginalização do movimento verde, em cujo sucesso se depositaram
tantas esperanças nos últimos tempos, mesmo entre antigos socialistas. (MÉSZÁROS,
2011, p. 95).

Do ponto de vista social, a classe operária é, ainda que fora do processo


imediato de trabalho, um simples coadjuvante do capital, como qualquer outro
instrumento de trabalho. Pois, como sabemos, o operário só tem a sua própria mão-de-
obra para vendê-la e, portanto, tentar sua subsistência dentro desse sistema carregado de
imperativos e condicionantes.

Marx, no Capital, já dizia acertadamente sobre os aspectos do labor em


aspectos salubres ou não. No caso, são pequenas frações de superioridade e
inferioridade do trabalho formalmente feito. Assim argumenta:

A diferença entre trabalho superior e inferior, trabalho “qualificado” e “não


qualificado”, repousa, em parte, em meras ilusões ou, no mínimo, diferenças que há
muito deixaram de ser reais e continuam a existir apenas em convenção tradicional, e,
em parte, no desamparo de certas camadas da classe trabalhadora, que dispõem de
menos condições do que as outras de se beneficiar do valor de sua força de trabalho.
(MARX, 2013, p. 1198).

Consequentemente, a função social ideológica apologética ao capital serve


como esteio de sustentação da ideia mitológica de “crescimento” econômico infindável
e “prosperidade” em um mundo finito. Para estes teóricos econômicos, a economia é um
sistema simples e mecânico. Suas explicações construídas sobre o modelo “Robinson
Crusoé” da economia, em que existe apenas um indivíduo em uma ilha deserta e tanto é
produtor quanto consumidor. Os economistas burgueses removem toda menção à
divisão da sociedade em classes e à resultante luta que se eleva disto pelo excedente
produzido na sociedade e seus desgastes inevitáveis tanto humana quanto
ecologicamente. A ideologia dominante, já delineava Marx, em sua obra A Ideologia
Alemã, revelou a expressão dos seus agentes. Entre outras coisas, salienta:

As ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes, isto é, a classe
que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual
dominante. A classe que tem à sua disposição os meios da produção material dispõe
também dos meios da produção espiritual, de modo que a ela estão submetidos
aproximadamente ao mesmo tempo os pensamentos daqueles aos quais faltam os meios
da produção espiritual. (MARX, 2007, p. 47).

A estrutura da crise atual requer a denúncia por parte dos filósofos e críticos.
Podemos saber que, como escreveu em seu livro Filosofia, ideologia e ciência social, “a
posição das ideologias conflitantes é decididamente assimétrica. As ideologias críticas,
que procuram negar a ordem estabelecida, não podem sequer mistificar seus
adversários, pela simples razão de não terem [ideólogos da ordem] nada a oferecer [...]”
(MÉSZÁROS, 2008 p. 8).

Mesmo com a intervenção estatal direta no processo de produção capitalista


fracassa, sem precedentes e em todos os sentidos. A tendência idealista de pensar que a
realidade se ajusta em suas ideias intervencionistas não duradouras expõe, portanto,
ainda mais a estrutura da crise: o próprio sistema econômico. Contudo, também existe
uma tendência oposta da ideologia burguesa que tenta negar a existência de quaisquer
leis dentro do capitalismo. Para essas pessoas, a história e a economia são processos
aleatórios, longe do domínio da investigação científica. Este conceito é igualmente tão
idealista quanto a visão mecânica dos economistas clássicos, só que apontando para a
direção oposta.

Mészáros argumenta sobre a severidade das crises quando alcança seus


patamares significativos, isto é, sua estrutura é evidenciada por sua limitação histórica
de sua potencialidade. E assim diz ele:

À medida que os sintomas da crise se multiplicam e sua severidade é agravada, parece


muito mais plausível que o conjunto do sistema esteja se aproximando de certos limites
estruturais do capital, ainda que seja excessivamente otimista sugerir que o modo de
produção capitalista já atingiu seu ponto de não retorno a caminho do colapso.
(MÉSZÁROS, 2011, p. 41).

Falamos até aqui de alguns aspectos fenomênicos da crise de acordo com a sua
base estrutural. Entretanto, vale frisar que, o capital, como sabemos, não é uma entidade
material cuja ela pode se mover livremente por aí. É um modelo de produção extra-
humano, e os agentes desse modelo – os que o “controlam” – sofrem seus efeitos, pois
sua gênese exige que eles ajam de acordo com tais imperativos e não somente por sua
“boa” ou “má” vontade. Assim Mészáros explica:

Antes de mais nada, é necessário insistir que o capital não é simplesmente uma
“entidade material” – [...], um “mecanismo” racionalmente controlável, como querem
fazer crer os apologistas do supostamente neutro “mecanismo de mercado” (a ser
alegremente abraçado pelo “socialismo de mercado”) – mas é, em última análise, uma
forma incontrolável de controle sociometabólico. A razão principal por que este sistema
forçosamente escapa a um significativo grau de controle humano é precisamente o fato
de ter, ele próprio, surgido no curso da história como uma poderosa – na verdade, até o
presente, de longe a mais poderosa – estrutura “totalizadora” de controle à qual tudo o
mais, inclusive seres humanos, deve se ajustar, e assim provar sua “viabilidade
produtiva”, ou perecer, caso não consiga se adaptar. (MÉSZÁROS, 2011. p. 96).

Chega-se ao ponto que, ao contrário do “otimismo” da burguesia, nos anos de


“explosão econômica”, agora até na classe dominante o medo e o receio toma conta – o
pessimismo e a incerteza. Austeridade não está funcionando – como no Brasil e outros
países do capitalismo periférico, mas também não há dinheiro jorrando por aí para
estimular a economia – pois o mercado exige cortes; a financeirização e o rentismo
abocanha grande parte do excedente produzido (a mais-valia). Portanto, a estrutura da
crise atual é mais reveladora que nunca: a extrema desigualdade é inerente. E Marx, no
Capital I, já denunciava:

Porém, ainda sem levarmos em conta a classe de rentistas ociosos assim criada e a
riqueza improvisada dos financistas que desempenham o papel de intermediários entre o
governo e a nação, e abstraindo também a classe dos coletores de impostos,
comerciantes e fabricantes privados, aos quais uma boa parcela de cada empréstimo
estatal serve como um capital caído do céu, a dívida pública impulsionou as sociedades
por ações, o comércio com papéis negociáveis de todo tipo, a agiotagem, numa palavra:
o jogo da Bolsa e a moderna bancocracia. (MARX, 2013, p.1003)

Para finalizar, Isván Mészáros salienta a necessidade da transformação social


radical perante a ofensiva da crise estrutural que nos coloca o alerta de seu colapso total.
E para esta transformação é preciso que todos se atenham no aspecto geral de nosso
tempo:

O movimento socialista não terá a menor chance de sucesso, contra o capital, caso se
limite a levantar apenas demandas parciais. Tais demandas têm sempre que provar a sua
viabilidade no interior dos limites e determinações reguladoras preestabelecidas do
sistema do capital. As partes só fazem sentido se puderem ser relacionadas ao todo ao
qual pertencem objetivamente. Desse modo, é apenas nos termos de referências globais
da alternativa hegemônica socialista à dominação do capital que a validade dos
objetivos parciais estrategicamente escolhidos pode ser adequadamente julgada. E o
critério de avaliação deve ser a capacidade desses objetivos parciais se converterem (ou
não) em realizações cumulativas e duradouras no empreendimento hegemônico de
transformação radical (MÉSZÁROS, 2011. p. 943).
Portanto, a estrutura da crise é a crise do próprio sistema. E o “otimismo” já
não tem mais convencido as pessoas, bem como “é interessante observar que o
otimismo é, na maioria das vezes, apenas uma maneira de defender a própria preguiça,
as irresponsabilidades, a vontade de não fazer nada” (GRAMSCI, 2012, p. 109).

Referências bibliográficas

GRAMSCI, António. Poder, política e partido. Org. Emir Sader. Trad. Eliana Garcia.
São Paulo; Expressão Popular, 2012.

MARX, Karl. A ideologia alemã: crítica da mais recente filosofia alemã em seus
representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes
profetas. Trad. Rubens Enderle, Nélio Schneider, Luciano Cavini Martorano. São
Paulo-SP: Boitempo, 2007.

MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro I. Trad. Rubens Enderle.
São Paulo-SP: Boitempo, 2013.

MÉSZÁROS, István. A crise estrutural do capital. Trad. Francisco Raul Cornejo. São
Paulo. 2° edição: Boitempo, 2011.

MÉSZÁROS, István. Filosofia, ideologia e classe social. Trad. Ester Vaisman. São
Paulo-SP: Boitempo, 2008.

MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. Trad.
Paulo Cezar Castanheira e Sérgio Lessa. São Paulo-SP: Boitempo, 2011.

Você também pode gostar