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O Arquiteto Totalitário
A dolorosa influência de Le Corbusier

Theodore Dalrymple
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Le Corbusier foi para arquitetura o que Pol Pot foi


para a reforma social. De certa forma, ele teve
menos desculpas por suas atividades que Pol Pot,
pois diferentemente do cambojano, ele possuía um
grande talento, até mesmo genial. Infelizmente, ele
transformou seus dons para fins destrutivos e não é
coincidência que ele serviu prazerosamente tanto
para Stalin quanto para o Vichy. Como Pol Pot, ele
gostaria de começar tudo do zero: “antes de mim,
nada; depois de mim, tudo!”. Por sua própria
presença, as torres de concreto aparente que o
obcecavam cancelaram séculos de arquitetura.
Dificilmente alguma cidade ou vila na Grã-bretanha
(para escolher apenas uma nação) não viu sua
composição ser bagunçada por arquitetos e
planejadores inspirados por suas ideias.
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Escrever sobre Le Corbusier frequentemente


começa com algo sobre sua importância, algo
como: “ele foi o arquiteto mais importante do
século XX”. Admiradores podem concordar com
esse julgamento, mas sua importância é, claro,
moralmente e esteticamente ambígua. Afinal de
contas, Lênin foi um dos mais influentes políticos do
século XX, mas a sua influência para a história, não
os seus méritos, que o tornaram assim: como Le
Corbusier. Assim como Lênin ainda é reverenciado
após toda a sua monstruosidade e isso é óbvio para
todos, da mesma forma Le Corbusier continua a ser
reverenciado. Na verdade, existem forças que
retomam a adulação. Nicholas Fox Weber acaba de
publicar uma biografia laudatória e exaustiva e a
Phaidon publicou um livro enorme e muito caro
devotado ao trabalho de Le Corbu. Ainda foi
apresentada uma exibição hagiográfica sobre o
arquiteto em Londres e Rotterdam. Em Londres, a
exibição aconteceu em um complexo de edifícios
hediondos, construídos na década de 1960,
chamados Barbican, cujo brutalismo no concreto
parece desenhado para humilhar, rebaixar e
confundir qualquer ser humano infeliz o suficiente
para tentar encontrar um caminho dentro dele.
Barbican não foi desenhado por Le Corbusier, mas
com certeza foi inspirado por seu estilo particular
de arquitetura desalmada.
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Durante a exibição, conversei com duas madames


que aparentemente gastam suas tardes em
exibições. “Maravilhoso, não acha?” uma delas
disse a mim, a quem respondi: “Monstruoso!”
ambas arregalaram os olhos como se eu acabasse
de negar Allah em plena Mecca. Se a maioria dos
arquitetos reverencia Le Corbusier, quem somos
nós, meros leigos, meros humanos esmagados por
seus edifícios, que não sabemos nada dos
problemas da construção civil, para criticá-lo?
Aquecendo para meu tema, falei dos horrores do
material favorito de Le Corbusier, concreto armado,
que não envelhece graciosamente, mas com trincas,
manchas e danos. Um único edifício dele, ou algum
inspirado por ele, poderia arruinar a harmonia de
toda uma cidade, insisti. Um edifício corbusiano é
incompatível com qualquer coisa, exceto ele
próprio.

As duas damas comentaram que moravam em um


bairro da cidade que tinha as linhas tradicionais do
século XVIII e que toda a atmosfera social parecia
ter sido arruinada por duas torres de concreto
aparente. As duas torres confrontavam elas
diariamente contra a sua própria impotência de
poderem fazer qualquer coisa sobre aquela
situação, deixando-as tristes e amarguradas. “E
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quem vocês acham que foi o inspirador para as


duas torres?” Perguntei. “Sim, entendo o que você
quer dizer”, disse-me uma delas, como se essa
relação pudesse ser difícil e mesmo perigosa de ser
realizada.

Mostrei para as damas uma área da exibição


devotada para o Plano Voisin, o esquema de Le
Corbusier para repaginar um quarto de Paris com
edifícios de fundamentalmente o mesmo desenho
daqueles que foram projetados para a periferia de
Novosibirski e cada uma das outras cidades
soviéticas (para não dizer nada de Paris e de seus
lugares banidos). Se levado adiante, o plano teria
modificado, dominado e, em minha visão, destruído
toda a aparência da cidade. Ali, a exibição mostrava
um filme da década de 1920 mostrando Le
Corbusier na frente de um mapa do centro de Paris,
uma grande parte na qual ele trabalhava com riscos
feitos por seu pastel preto e com todo o entusiasmo
de um Bombeiro Harris planejando a aniquilação de
uma cidade germânica durante a Segunda Guerra.

Le Corbusier louvava esse tipo de destruição com


imaginação e ousadia, em contraste com a
convencionalidade e timidez com que acusava
todos os seus contemporâneos que não se
ajoelhassem perante si. Isso ainda diz algo sobre o
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espírito de destruição que ainda reina na Europa e


que esse tipo de filme deveria ser apresentado para
evocar não seu horror ou desgosto, ou mesmo
risos, mas admiração.

Le Corbusier nasceu Charles-Edouard Jeanneret em


1887, em uma pequena cidade franco-suiça
chamada La Chaux-de-Fonds, onde seu pai
trabalhava como gravador de porta relógios e sua
mãe como música. Seu pai queria que ele seguisse
seus passos; mas enquanto adolescente, Le
Corbusier demonstrava habilidades artísticas
precoces, frequentou a escola local de belas artes e
então viajou pela Europa por alguns anos em seu
programa de educação artística autodidata. Suas
habilidades extraordinárias já apareciam nos seus
primeiros rascunhos e aquarelas. Ele também
desenhou alguns móveis muito elegantes antes do
vírus intelectual e da revolução artística terem-no
contaminado.

Le Corbusier adotou seu pseudônimo na década de


1920, derivando-o de um distante ancestral,
Lecorbésier. Porém, com a ausência de um primeiro
nome, sugere uma força física assim como de ser
humano. Ele traz à mente o verbo courber, curvar-
se, e é claro, Le Corbusier foi um grande
“encurvador” de cidades ao seu próprio gosto.
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Também traz à mente le corbeau, corvo ou gralha,


não uma ave muito bonita em plumagem ou em seu
canto, mas sem nenhum ornamento em ambos e,
portanto, metaforicamente falando, honesta e não
ludibriada, como Le Corbusier queria ver sua
arquitetura. Em francês, le corbeau possui um outro
significado: aquele de um pássaro de mau agouro –
e talvez seja essa a piada do arquiteto para todo o
mundo. Ele certamente foi de mau agouro para as
cidades europeias e de todo o mundo.

A influência de Le Corbusier apareceu


constantemente em seus escritos e por qualquer
coisa que construísse – talvez ainda mais. Seu modo
de escrita é torto, sem uma estrutura lógica
aparente, aforístico e com muita frequência utiliza a
palavra “dever”, como se nenhum ser com mais de
50 de QI pudesse argumentar contra o que ele diz.
Desenhos e fotos normalmente acompanham seus
escritos, mas às vezes tão criticamente relacionados
com o texto que o leitor começa a duvidar dos
próprios poderes de interpretação: ele é levado a
pensar que está lendo um livro de alguém de um
nível totalmente diferente – mais elevado – de
capacidade intelectual. A arquitetura se torna um
templo sagrado que a maioria não pode adentrar.
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André Wogenscky, da Fundação Le Corbusier,


escreveu o prefácio de uma antologia dos escritos
do arquiteto, afirma que as palavras de seu mestre
não são mensuráveis pelo significado normal: “não
podemos simplesmente entender os livros;
devemos nos render a eles, ressoar, no sentido
acústico, com suas vibrações, as marés baixas e
altas de seu pensamento”. A passagem denota o
que o poeta Tyutchev dizia sobre a Rússia: alguém
tinha que acreditar nela, porque ninguém poderia
medi-la com a própria mente. Interpretando Le
Corbusier desta forma mística, Wogenscky está, na
prática, reverenciando um deus muito peculiar:
diga-se, o concreto armado, o material favorito de
Le Corbusier.

Le Corbusier mantinha um tipo de comunicação


elitista com seus seguidores, apologistas e
hierofantes. Aqui, por exemplo, uma passagem de
um livro sobre ele do arquiteto Stephen Gardiner:

Le Corbusier mantém-se, para muitas pessoas,


um enigma. Provavelmente a principal razão é a
vastidão de sua arquitetura, pois ela significa
uma arte de difícil compreensão (...) e,
enquanto seus edifícios são grandes, as cidades
são ainda maiores: aqui, diante de nós, está
uma colcha de retalhos imensamente elaborada
que nos ameaça com uma multiplicidade de
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filamentos que nos levam a todas as direções. À


primeira vista parece impossível visualizar uma
imagem límpida onde ela existe, na verdade, a
ordem, o formato e a continuidade: tudo o que
vemos é um amontoado. Ainda assim, é nessa
hora que se pode fazer a descoberta de que o
padrão é impossível de seguir porque uma peça
crucial desse quebra-cabeças está faltando (…)
no século XX, Le Corbusier nos mostrou essa
peça.

Digamos que alguém já parou diante do Grande


Canal de Veneza e pensou: “o que preciso para
entendê-lo é a peça que falta desse quebra-cabeça,
aquele que apenas um arquiteto pode me fornecer
e apenas então poderei entendê-lo”? Gardiner é um
verdadeiro discípulo de Le Corbusier em seu desejo
de intelectualizar sem o exercício do intelecto, com
suas falhas em fazer distinções elementares e em
seu uso de palavras tão ambíguas que é difícil
argumentar conclusivamente contra elas.

Em justiça a Le Corbusier, três atenuantes podem


ser oferecidos para o seu trabalho. Ele amadureceu
em um tempo em que novos materiais construtivos
surgiam com a indústria e tornavam possíveis
projetos completamente diferentes de todos
aqueles de eras passadas. A destruição do norte da
França durante a Grande Guerra, assim como as
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condições sociais, necessitavam de reconstruções


em larga escala, um problema que ninguém poderia
resolver satisfatoriamente. E ele cresceu durante a
desordem doméstica burguesa – mobiliário pesado,
felpudo e duradouro; enfeites de estante por todos
os lados – eram tão medonhos que uma revolução
extrema contra isso na forma de militância e
ausência de adornos era muito compreensível,
talvez até mesmo necessária (uma oposição
diametral para algo feio está mais para ser feio do
que uma solução à feiúra).

No entanto, a linguagem de Le Corbusier revela a


sua mentalidade perturbadoramente totalitária. Por
exemplo, no que é provavelmente seu livro mais
influente, Towards a New Architecture de 1924, (o
próprio título parece sugerir que o mundo todo
esperava por sua vinda) ele escreve poeticamente:

Devemos criar um estado de espírito de


produção em massa:
Um estado de espírito para a construção em
massa de moradia.
Um estado de espírito para habitar as
construções em massa
Um estado de espírito para conceber moradias
de massas.
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Quem são esses “nós” de quem ele fala com tanta


empolgação, responsáveis pela criação, entre
outras coisas, de estados de espírito universais?
Apenas uma resposta é possível: Le Corbusier e seus
discípulos (de quem haveria de ser muitos). Todos
os demais possuem “olhos que não podem ver”,
como escreve com tamanha tolerância.
Aqui estão mais alguns “devemos”:

Devemos ver para o estabelecimento de


padrões de modo que possamos encarar os
problemas da perfeição.

O homem deve ser construído neste axioma [de


harmonia], em perfeita concordância com a
natureza e, provavelmente, com o universo.

Devemos encontrar e aplicar novos métodos,


métodos limpos que nos permitam trabalhar
planos úteis para a habitação, que levem
naturalmente à padronização, industrialização e
ao taylorismo.

O plano deve reger (…) a rua deve desaparecer.

E então surge essa asserção parecida: “a parede de


tijolos não possui mais o direito de existir”

Le Corbusier queria que a arquitetura fosse a


mesma em todo o mundo porque acreditava que
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havia um modo “correto” de construir e que apenas


ele sabia como ele era. O programa do CIAM –
Congresso Internacional de Arquitetura Moderna –
do qual Le Corbusier era o espírito impulsionador,
afirma: “as reformas serão estendidas
simultaneamente a todas as cidades, para todas as
áreas rurais, através dos mares”. Nenhuma
exceção. “Oslo, Moscou, Berlin, Paris, Algiers, Port
Said, Rio de Janeiro ou Buenos Aires, a solução é a
mesma”, Le Corbusier mantinha, “já que responde
pelas mesmas necessidades”.

Os imperativos de Le Corbusier se aplicavam mais


do que a edifícios ou mesmo ao planejamento
urbano, pois ele não era nada mais do que um
filósofo totalitário, cuja visão sobre arquitetura
derivava, pelo menos em parte, de seu ponto de
vista auto evidente de onisciência.

Devemos construir fazendas, ferramentas,


maquinário e habitações que conduzam para
uma vida límpida, saudável e bem ordenada.
Devemos organizar a vila para preencher esse
papel como um centro que irá trabalhar para as
necessidades das fazendas e agir como um
distribuidor de seus produtos. Devemos matar o
antigo, brutal e voraz tipo de dinheiro e criar
um novo, um dinheiro honesto, um meio para o
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preenchimento de uma função totalmente


natural e normal.

Não havia nenhuma escapatória das prescrições de


Le Corbusier. “A única estrada possível é a do
entusiasmo (…) a mobilização do entusiasmo,
aquela fonte de energia elétrica da fábrica
humana”. Em seu livro The Radiant City, há a
imagem de uma multidão na praça de São Marcos
em Veneza, com a seguinte legenda: “de pouco em
pouco, o mundo está se movendo para seu destino
final. Em Moscou, em Roma, em Berlim, nos
Estados Unidos, vastas multidões estão reunindo
uma forte ideia” – a ideia sendo, aparentemente, o
líder ou o estado absoluto.

Essas palavras foram escritas em 1935 e não era um


período muito feliz para esse tipo de pensamento
político sobre Moscou, Roma ou Berlim e talvez
devêssemos esperar que ele o tivesse revisto mais
tarde. Contudo, em 1964, na republicação do livro
em inglês, Le Corbusier, longe de retificar o trecho,
escreveu o seguinte: “já pensaram, todos vocês
Senhores NOS! (Mister NOS!), que esses planos
foram preenchidos com a total e desinteressada
paixão de um homem que passou a vida toda
preocupado com seu ‘semelhante’, preocupado
fraternamente. E, por essa própria razão, quanto
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mais ele estava com razão, mais ele aborrecia os


acordos e esquemas dos outros”.

Entre esses planos fraternos, estavam muitos


destinados a destruir cidades completas, incluindo
Estocolmo (outras cidades que ele planejou
destruir: Paris, Moscou, Algiers, Barcelona, Rio de
Janeiro, Montevidéu, Buenos Aires, Antuérpia e
Genebra). No The Radiant City, Le Corbusier
apresenta uma fotografia aérea de Estocolmo como
ela era, um grupo belamente integrado de
edificações que ele via somente como um “caos
assustador e uma triste monotonia”. Ele sonhava
em “limpar e expurgar” a cidade, importando “uma
arquitetura calma e poderosa” – isto é dizer, a
pretensa variedade verdadeira de aço, vidraças e
concreto armado desenhados por ele. Le Corbusier
nunca conseguiu destruir Estocolmo, mas
arquitetos inspirados por suas doutrinas foram
adiante na mesma direção. Como a sinopse da
edição de 1964 do The Radiant City profeticamente
afirma, o livro é “um projeto para o presente e para
o futuro (…) um trabalho clássico sobre arquitetura
e planejamento urbano”.

Uma desumanidade terminal – o que quase


podemos chamar de falta de humanidade –
caracteriza o pensamento de Le Corbusier, apesar
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de suas declarações de fraternidade para com a


humanidade. Isso se manifesta de algumas formas,
incluindo em seus milhares de desenhos e fotos de
arquitetura, nos quais é raro, na verdade, que uma
figura humana alguma vez apareça e, quando
aparece, é como um tipo de formiga distante,
infelizmente estragando uma até então imaculada
cidade platônica. Agradecendo aos seus arranha-
céus, Le Corbusier diz, 95 por cento da superfície da
cidade deveria se tornar áreas de parque – e então
ele mostra uma imagem de um parque bem
arborizado sem uma única alma viva.

Presumivelmente, os humanos deveriam estar onde


eles deveriam estar, longe da vista e da mente (a
mente do arquiteto), em suas máquinas de morar
(como ele charmosamente as chamava), sentados
em máquinas de sentar (como ele definia cadeiras).

Essa falta de humanidade explica o ódio


frequentemente expressado sobre as ruas e o amor
pelas estradas. As estradas eram meios
impressionantes para corrida a altas velocidades
(ele tinha uma obsessão por carros velozes e
aviões), que, portanto, tinham um propósito
definido e consertavam as interações sem ordem
dos homens. A rua, em contraste, era imprevisível,
incalculável e profundamente social. Le Corbusier
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queria ser para a cidade o que a pasteurização é


para o queijo.

Quando se fala da utilização do concreto aparente


por Le Corbusier – “meu leal e amigo concreto” –
questiona-se se ele poderia sofrer em algum grau
da síndrome de Asperger: ele sabia que as pessoas
falam, andam, dormem e comem, mas não tinha
nenhuma ideia se as pessoas tinham a capacidade
de pensar, ou o que poderia ser, e
consequentemente tratava as pessoas como se elas
fossem meras coisas. Além disso, pessoas com a
síndrome de Asperger frequentemente possuem
uma obsessão com algum objeto comum ou
substância: concreto aparente, talvez.

O ódio de Le Corbusier pelas pessoas ia ainda além


de suas palavras, é claro! O que ele chamava de
“telhado jardim” em seu famoso bloco de
apartamentos em Marselha, o Unité d’Habitation,
consiste em uma laje de concreto sobre a qual
surgem algumas formas abstratas protuberantes de
concreto cru e paredes. Le Corbusier não queria
nenhum outro tipo de telhado a ser construído em
qualquer outro lugar e escreveu denunciando todos
os outros tipos “primitivos” de telhados. Poder-se-ia
ter a esperança de que a caracterização desse
despejo de concreto como um jardim teria virado
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uma chacota; mas, ao contrário, as suas imagens


são reproduzidas como evidência de seu gênio
inventivo.

A única cidade construída por Le Corbusier,


Chandigarh, na Índia, é outro monumento à sua
visão deturpada. Na exibição de Londres, as
imagens eram apresentadas com o som de belas
músicas indianas, como se existisse alguma conexão
intrínseca entre a refinada civilização indiana e as
horríveis lajes de concreto. A incompetência
cambaleante de Le Corbusier – o produto natural de
sua arrogância inflexível – foi revelada, sem dúvida
sem essa intenção, pelas imagens das enormes
quadras de concreto que ele locou em Chandigarh,
totalmente isentas de áreas de sombra. É como se
ele tivesse a intenção de torrar os humanos no sol
como insetos sob lupas que, petulantemente,
ousam manchar a geometria perfeita de seus
planos com as irregularidades que trazem consigo.

A sua falta de humanidade se torna ainda evidente


com sua atitude sobre o passado. Repetidamente
ele fala do passado como um tirano do qual é
necessário escapar, como se ninguém ainda tivesse
descoberto qualquer coisa até a sua chegada. Não é
que o passado nos legou problemas que devemos
tentar nosso melhor para melhorar: é que o
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passado inteiro, com poucas exceções, é um


enorme erro que deveria ser destruído e esquecido.
Seu desdém por seus contemporâneos, exceto
aqueles que o reverenciavam sem reservas, é total:
mas um passeio pelo subúrbio de Paris em
Vincennes, para dar apenas um exemplo, deveria
ser o suficiente para convencê-lo, ou a qualquer
um, que logo após a Primeira Guerra, arquitetos
foram capazes de construir diferentemente de, mas
em harmonia com, tudo aquilo que existia ali e
tinha sido destruído. Esses arquitetos, entretanto,
não eram egoístas maus determinados a gravar
seus nomes permanentemente sobre o público,
mas homens buscando adicionar seu conhecimento
à sua civilização.

A nenhum momento Le Corbusier discute o


problema de harmonização entre o novo e o
existente. Na denúncia contra a arquitetura gótica,
por exemplo, o arquiteto diz:

A arquitetura gótica não é, fundamentalmente,


baseada em esferas, cones ou cilindros, (…) é
por essa razão que a catedral não é muito bela
… uma catedral nos interessa como uma
solução engenhosa para um difícil problema,
mas um problema do qual os postulados foram
erroneamente formulados porque eles não
procedem de grandes formas primárias.
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Agora sabemos por que as pessoas gostam das


catedrais de Chartres e Rheims! Elas resolvem
problemas mal formulados! Le Corbusier me lembra
o pai de um amigo russo, um homem que foi o
maior especialista em vidros planos da União
Soviética que, ao visitar Londres pela primeira vez,
olhou para um bloco modernista de design
corbusiano que arruinou uma quadra do século
XVIII e disse, referindo-se a alguns aspectos das
vidraças: “Isso é uma interessante solução para o
problema”.

O mais sincero, pois inconsciente, tributo a Le


Corbusier vem das pichações. Se aproximarmo-nos
epistemologicamente dos resultados de suas
atividades, por assim dizer, veremos logo que onde
a boa arquitetura está, nas proximidades da
arquitetura corbusiana, pichadores tendem a pichar
apenas as superfícies e construções corbusianas.
Como que por instinto, esses vândalos
apreenderam corretamente o que vários arquitetos
levaram anos em estudos e esforços intelectuais
para apreender: Le Corbusier foi um inimigo da
humanidade.

Le Corbusier pertence tanto à história da


arquitetura como do totalitarismo, da deformidade
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espiritual, intelectual e moral de anos na Europa.


Claramente, ele não estava sozinho; ele era tanto o
criador quanto um sintoma do zeitgeist. Seus planos
para Estocolmo, afinal de contas, foram uma
resposta à competição sueca oficial para reconstruir
a bela e velha cidade. Portanto, a destruição estava
no cardápio. É um sinal da tentação totalitária,
como o filósofo francês Jean-François Revel a
chamou, que Le Corbusier ainda é reverenciado nas
escolas de arquitetura e por todos os lados, ao
contrário de universalmente insultado.
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Iconografia1

Le Corbusier na Rússia entre 1928 e 1931

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Fonte: https://thecharnelhouse.org/2012/11/16/le-corbusier-in-the-ussr-1928-1931/
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Apresentação da visão geral urbanística para o Palácio dos Sovietes (1931)

Projeto do Palácio dos Sovietes (1931)


23

Projetos do Palácio dos Sovietes (1931)


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Le Corbusier e assistente montando a maquete do projeto (1930)


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Visão geral urbanística do projeto do Palácio dos Sovietes (1931)

Maquete do Palácio dos Sovietes (1931)


26

Maquetes do Palácio dos Sovietes (1931)


27

Maquete do Palácio dos Sovietes (1931)

Le Corbusier apresentando seu projeto d o Palácio dos Sovietes (1931)

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