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DIÁLOGOS POSSÍVEIS E IMPOSSÍVEIS ENTRE AS TEORIAS SOCIAIS

CONTEMPORÂNEAS E A CRÍTICA LITERÁRIA FEMINISTA

Joana d‟Arc Martins Pupo1

Resumo: Este trabalho procura situar algumas relações entre a crítica literária feminista e as teorias
sociais contemporâneas, inicialmente, representadas pela teoria da estruturação de Giddens e pela
sociologia reflexiva de Bourdieu. Sob diferentes perspectivas de estudo das relações de gênero, a
crítica feminista vem questionando fortemente os diferentes aspectos envolvidos nas práticas sociais
da produção, da recepção e da crítica das obras literárias. Entretanto, devido à aproximação que faz
entre a literatura e os discursos ideológicos, a crítica literária feminista foi acusada de ter reduzido o
estudo da literatura a questões meramente políticas, negligenciando seu potencial estético e assim a
própria especificidade da literatura. Também a sociologia, apesar de informar o campo da crítica
literária há muito tempo, tem sido considerada inapta a depor sobre a natureza e o valor das obras
literárias. Neste entrecruzamento de conhecimentos, esta trabalho se propõe a refletir sobre algumas
das contribuições e dos limites de ambos os campos na compreensão das transformações nos modos
de ler e pensar a literatura. Seguimos Felski (1989, 1995, 2003) em sua recusa à polarização entre a
esfera política e a estética e em seu esforço de construir uma teoria literária feminista social.
Palavras-chave: Teorias sociais. Literatura. Crítica literária feminista.

Este trabalho tem como objeto de reflexão a relação entre as teorias sociais contemporâneas
e a crítica literária feminista com o intuito de perceber os diálogos possíveis entre estes dois campos
de conhecimento.
Antônio Cândido, em “Literatura e Sociedade”, procurou delimitar o que seria pertinente a
uma análise literária e o que seria pertinente a uma análise sociológica da literatura, defendendo
que: “[...] é preciso estabelecer uma distinção de disciplinas, lembrando que o tratamento externo
dos fatores externos pode ser legítimo quando se trata de sociologia da literatura, pois esta não
propõe a questão do valor da obra, e pode interessar-se, justamente, por tudo que é
condicionamento.” (CÂNDIDO, 2000, p.6) E, constata ainda a inadequação da sociologia para a
leitura das obras literárias ao afirmar que “É uma disciplina [a sociologia] de cunho científico, sem
a orientação estética necessariamente assumida pela crítica.” (op.cit, p.6)
Segundo este crítico literário, a sociologia não passaria de uma disciplina auxiliar que
poderia apenas esclarecer alguns aspectos do fenômeno literário. Entretanto, é o mesmo autor que
vai reconhecer mais adiante que traços sociais podem funcionar como fatores “da própria
construção artística”, sugerindo que “Neste caso, saímos dos aspectos periféricos da sociologia, ou

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Professora Assistente – Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, Brasil. Doutoranda no Programa de
Pós-graduação em Sociologia.- Universidade Federal do Paraná.

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da história sociologicamente orientada, para chegar a uma interpretação estética que assimilou a
dimensão social como fator de arte.” (CÂNDIDO, 2000, p.8)
James F. English, Professor de estudos literários da Universidade da Pensilvânia e editor do
New Literary History, nos lembra que há tempos a sociologia da literatura não goza de prestígio
entre os pesquisadores e teóricos dos estudos literários. Para ele, “A sociologia da literatura sempre
denominou um conjunto poliglota e bastante incoerente de empreendimentos. Está espalhada por
tantos domínios e subdomínios separados da pesquisa acadêmica, cada um com suas agendas
próprias e distintas de teorias e metodologias, que raramente recebe a designação de „campo‟”2
(ENGLISH, 2010, p. v).
Em Everywhere and Nowhere: The Sociology of Literature After “the Sociology of
Literature”, artigo que abre a edição da New Literary History, especialmente dedicada às „Novas
Sociologias da Literatura‟, English nos confirma que os estudos sociológicos e os literários nunca
estiveram tão imbricados e producentes no que concernem a “tentativas de conectar a missão
essencial da sociologia com aquela dos estudos literários, articulando em novos, mais completos e
mais provocativos modos a lógica social dos textos literários e novas práticas de história literária
e/ou as formas literárias de textos e práticas sociais.”3 (ENGLISH, 2010, p. v).
Não se trata de uma abordagem da literatura através de um sociologismo que procuraria nas
obras literárias somente uma ilustração de contextos históricos e práticas sociais, tomando-a como
um documento da realidade, em uma prática de crítica reflexa4 da literatura. Compagnon (2006), ao
discutir a natureza mimética da obra literária, conclui: “..., a mimèsis, imitação ou representação de
ações (mimèsis praxeos), mas também agenciamento dos fatos, é exatamente o contrário do
„decalque do real preexistente‟: ela é „imitação criadora‟. Não „duplicação da presença‟, „mas
incisão que abre o espaço da ficção; ela instaura a literariedade da obra literária‟” (Compagnon,
p.130) e conclui que a literatura é “o próprio entrelugar, a interface.” (Compagnon, 1999/2006,
p.138).
Historicamente, as ciências humanas, representadas pela filosofia, a antropologia, a
psicologia, a psicanálise e, principalmente, pela sociologia, têm informado, constantemente, o
2
Todas as traduções das citações do artigo de English (2010) são de minha autoria e responsabilidade: “The „sociology
of literature‟ has always named a polyglot and rather incoherent set of enterprises. It is scattered across so many
separate domains and subdomains of scholarly research, each with its own distinct agendas of theory and method, that it
scarcely even rates the designation of a „field.‟” (ENGLISH, 2010, p.v)
3
Tradução minha de: “...attempts to connect the core mission of sociology with that of literary studies, articulating in
new, more thorough, or more provocative ways the social logic of literary texts and new literary history practices
and/or the literary forms of social texts and practices.” (ENGLISH, JAMES F. 2010, p. )
4
Opto aqui por substituir „reflexiva‟ do texto original de Compagnon por reflexa, com o sentido de “aquilo que
espelha”, uma vez que, nas teorias sociais, o termo “reflexiva” se reveste de outras conotações, que não esta.

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campo da crítica literária. Podemos, com Culler (1997, p.3), pensar que nos estudos literários, a
teoria não consiste no registro da natureza da literatura ou de métodos para seu estudo, mas num
corpus de pensamento e escritos cujos limites são extremamente difíceis de definir. Ao refletir
sobre a natureza da teoria literária, Jonathan Culler (op.cit, p.3) lembra que, pelo menos desde a
década de 60, obras de fora do campo dos estudos literários foram aí incorporadas por estas
oferecerem novos e persuasivos insights textuais e culturais.
Terry Eagleton (1985) também nos lembra que a política e teoria literária “andam juntas há
muito tempo”, a última, “indissoluvelmente ligada às crenças políticas e aos valores ideológicos” do
contexto de sua produção. Este teórico é um dos que assume para si a tarefa de resgatar a crítica
literária da ideia da literatura (no sentido moderno do termo) como um objeto privilegiado, cuja
ênfase deva ser posta em seu elemento estético como se fosse possível separamos a arte de seus
determinantes sociais. Todavia, a crítica literária e a prática de seus estudos e manifestações são
plenas de exemplos que, muitas vezes, não reconhecem abertamente as funções sociais da literatura
e seu potencial formador e disseminador de discursos.
Nos juntamos a Rita Felski em seu entendimento de que:
A literatura não só constitui um sistema meramente metalinguístico e auto-referencial,
como alguns teóricos parecem acreditar, mas é também um meio que pode influenciar
profundamente a auto-compreensão individual e cultural na esfera do cotidiano, mapeando
as preocupações cambiantes dos grupos sociais através de ficções simbólicas pelas quais
eles compreendem a experiência. (FELSKI, 1989, p.7. Tradução minha.)

Assim, duas áreas de conhecimento informam esta reflexão. De um lado, uma teoria literária
feminista que nem coloca em oposição as esferas estética e política, nem as funde em uma única
manifestação, mas que procura dar conta dos diferentes níveis de mediação entre o domínio literário
e o social, buscando elucidar as diversas forças culturais e ideológicas frequentemente
contraditórias que moldam os processos de produção e recepção literárias. Como nos adverte
Felski, ao argumentar sobre uma estética feminista,
“simplesmente ler os textos literários em termos de sua fidelidade a uma noção pré-
concebida da experiência feminina ou da ideologia feminina é na realidade negar qualquer
especificidade da linguagem e dos significados literários, tornando a literatura redundante
ao reduzi-la à função puramente documental como uma reprodução mais ou menos precisa
de uma realidade política já pré-existente e não problemática.” (FELSKI, 1989, p.8.
Tradução minha)

De outro, nos informam as teorias sociais contemporâneas, representadas pela Teoria da


Estruturação de Anthony Giddens, na qual encontramos o conceito de „estrutura‟ e de „dualidade
de estrutura’, bem como o de „agência humana’, conceitos que acreditamos úteis na medida em que
podem se aproximar dos interesses da natureza política da crítica feminista; e, ainda, pela sociologia

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reflexiva de Pierre Bourdieu, cujos conceitos de „campo‟, „habitus‟ nos guiam, permitindo-nos
associar a economia cultural dos bens literários à lógica da distinção social, reflexão que podemos
encontrar documentada nos questionamentos da crítica literária feminista sobre o cânone, por
exemplo.
Nossa primeira escolha teórica decorre do fato de que, desde suas primeiras teses, a crítica
feminista, ao tomar para si, primeiramente, a tarefa de denunciar a opressão e a discriminação das
„mulheres‟, acabou por desafiar os vários pressupostos epistemológicos que, então, baseavam as
concepções a cerca da realidade e do mundo científico, principalmente: o objetivismo, o
racionalismo, o empirismo, o universalismo, cujas ontologias fundamentavam-se, por sua vez, em
uma série de dualismos que separavam a cultura da natureza, a mente do corpo, a razão da emoção,
o universal do particular e constituíram “uma estrutura firme e familiar para compreender a
natureza, a natureza humana e o entendimento humano.” (BORDO, 1997, p.11). Dicotomias que,
juntamente com outras correntes do pensamento, a crítica feminista continua se esforçando em
desconstruir.
Aspecto de interesse óbvio para a natureza política das teorias feministas, o discurso em
todas as suas formas tem uma importância capital para o desvelamento tanto das instâncias de
opressão quanto daquelas em que aí pode ser desafiada e, certamente, é em Bakthin que podemos
tomar subsídios teóricos e instrumentos de análise que conjugam a performance textual com os
sentidos sociais, culturais, políticos e históricos que se fazem presentes na obras literárias. Ao
construir uma teoria sobre a natureza ideológica do signo linguístico, este teórico nos
instrumentaliza a pensar que a „forma é política’.
Como nos lembra Shira Woloski, "A teoria bakthiniana implica um sentido mais variado de
historicidade e da relação da arte com ela, e introduz instrumentos de crítica que definem e
examinam precisamente a realização textual desses termos múltiplos.” (WOLOSKI, 2010, p.576.
Tradução minha). Ao tratar “cada palavra como trazendo para o texto seus cenários e usos
passados, seus papéis e sentidos históricos, políticos, ideológicos, nas disputas e nos acordos,
contestações e redefinições de cada participação das palavras em múltiplas trocas”, (op.cit.) este
teórico nos permite também vislumbrar possibilidades de ressignificações a cada lançamento de
novo arsenal teórico para o entendimento das práticas literárias e, poderíamos, também, acrescentar
sociológicas.
Também essa autora nos ajuda a pensar que a categoria de gênero insere uma dimensão
essencial na produção artística, que envolve o autor e seu público, as imagens e uma ampla gama de

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representações do corpo, da sexualidade, das experiências e locações específicas de gênero, como
estes foram sendo historicamente determinados, rompendo as fronteiras dos domínios disciplinares
e experimentais. Pois, o gênero é social, cultural, e uma categoria histórica, com suas dimensões
antropológica, psicológica e política. O texto, ao incorporar o gênero, incorpora necessariamente as
localizações sociais, históricas e materiais, os paradigmas culturais, tanto quanto as normas e
configurações éticas e políticas.
Entretanto, ao pensarmos sobre as contribuições que os estudos de gênero podem trazer para
a compreensão das práticas sociais literárias e procedermos a um estudo sociológico de tal campo,
entendemos a necessidade de conhecermos os antecedentes epistemológicos e históricos que o
constituíram como tal.
A sociologia reflexiva de Bourdieu pode nos auxiliar nesta tarefa por tratar-se também de
uma sociologia que questiona suas próprias formulações e, portanto, vai ao encontro das teorias
críticas feministas que não temem olhar para seus próprios pressupostos.
Primeiramente, precisamos postular a literatura como „campo‟. De acordo com Bourdieu, é
na segunda metade do século XIX, quando o conhecimento começa a ser especializado, que o
campo literário também se constituirá.
O conceito de „campo‟ de Bourdieu diz respeito a um sistema de posições sociais
internamente estruturadas em termos de relações de poder, ou seja, trata-se de uma arena social em
que se travam lutas em torno da apropriação de certos bens simbólicos que adquirem valor para os
agentes sociais. São constituídos por diferenças relacionais entre os agentes sociais que aí circulam
e suas fronteiras são demarcadas por onde seus efeitos deixam de existir. Outro aspecto que nos
parece importante destacar da natureza do „campo‟ é o fato deste não se consistir em um processo
linear garantido por regras anteriormente determinadas ou, ainda, enquanto resultado da
racionalidade de seus agentes. À medida que as instituições e os próprios agentes interagem no jogo
social e em que há uma troca de interesses e outros interesses passam a determinar a teia das
relações sociais, o próprio campo é modificado.
Lembrando sempre que para que a literatura possa operar como um campo de poder é
necessário o reconhecimento do caráter singular da materialidade do que é feita a literatura: a
linguagem.
O conceito de campo literário promove o status hermenêutico da sociologia, comumente
desprestigiado como possibilidade de interpretação da obra literária por não dar conta de alcançar a
essência da criação artística.

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Também nos interessa o conceito de habitus, desenvolvido pelo sociólogo francês, por se
tratar de “sistemas de esquemas de percepção, de pensamento e de ação” BOURDIEU, 2005, p.17)
que “funcionam como matrizes das percepções, dos pensamentos e das ações de todos os membros
da sociedade, como transcendentais históricos que, sendo universalmente partilhados, impõem-se a
cada agente como transcendentes” (op.cit., p.45). O habitus nos permite questionar os significados e
o valor das obras literárias enquanto tais.
O que a teoria de Bourdieu nos possibilita é também um re-enquadramento de cada um dos
elementos envolvidos nas práticas sociais da literatura, de modo que autores, leitores, o mercado
editorial e os críticos literários, em vez de serem compreendidos e/ou analisados isoladamente,
possam ser pensados de maneira inter-relacional.
A gênese do campo literário é tomada por Bourdieu como base para explicitar a ideia de que
o entendimento da criação artística só é possível através do mapeamento das mediações interpostas
entre obra e público, sendo, portanto, a escrita um lugar de negociação. Este conceito está
relacionado diretamente à noção de valor porque pressupõe tomadas de posição que definem a
recepção das obras de modo positivo ou negativo e a permanência ou não na memória do sistema
literário.
Rita Felski comenta que para Bourdieu, "o papel social da arte está intimamente ligado ao
jogo da distinção. A arte é um dos modo pelos quais as classes sociais e as facções de classe exibem
a superioridade de seu gosto. O discurso feminista sobre arte não está obviamente livre de tais atos
de distinção." (FELSKI, 2000, p.180)
Felski, ao discutir a relação entre subjetividade enquanto um ego auto-determinado e a teoria
da determinação estrutural, que “define subjetividade como um produto epifenômeno na auto-
reprodução dos sistemas discursivos e sociais” (FELSKI, 1989, p.55), também nos sugere a
utilização da teoria da estruturação de Giddens como um “meio de movermo-nos em direção a uma
concepção mais multidimensional e diferenciada da relação entre estrutura e agência, uma
concepção que é necessária se o feminismo é capaz de estabelecer suas próprias políticas
opositivas.” (op.cit, p.55. Tradução minha.)
Particularmente, é o fato de a sociedade ser concebida, por Giddens, como sendo produzida
e reproduzida pela ação humana, juntamente, com seu conceito de estruturação e, por este envolver
o de a „dualidade da estrutura‟, que considera que os seres humanos não somente reproduzem as
estruturas sociais existentes, mas também as modificam através de um monitoramento reflexivo de

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suas ações, mesmo sendo moldados por elas, o que torna esta teoria interessante para a crítica
feminista.
Ao procurar combater a ideia de um determinismo, que conceberia os agentes sociais como
meramente submetidos à coerção de sistemas sociais, ao mesmo tempo em que rejeita um
voluntarismo, que não reconheceria o potencial condicionante das estruturas sociais em que estão
inseridas as práticas e os agentes sociais, o que a dualidade de estrutura de Giddens nos possibilita
é sairmos de um modelo conceitual que contrapõe as estruturas sociais, culturais e linguísticas,
compreendidas como forças puramente restritivas, a um sujeito pré-determinado.
Assim, Giddens acaba por desenvolver um modelo teórico da atividade humana que, ao
mesmo tempo em que permite uma análise das motivações não reconhecidas e das consequências
não intencionais, inclui uma concepção de subjetividade que rejeita a noção de uma identidade
transparente, essencial e fixa, nos oferecendo tentativas de considerar a natureza dialética e
recursiva do mundo social e a possibilidade de mudança social, que é o que fundamentalmente
interessa ao feminismo.
Haveria, ainda, o conceito de ideologia sobre o qual precisamos refletir uma vez que, o
conceito de agência humana não pode ser tratado da perspectiva da dimensão intencional e na
medida em a linguagem é a matéria pura da literatura. No que diz respeito às relações entre gênero
e literatura, é necessário constantemente reconhecermos que esta relação
“...é determinada não pela natureza repressiva da linguagem como tal, mas pelas estruturas
de poder, exemplificadas nas estruturas institucionais que servem para legitimar e
privilegiar certas formas de discursos tradicionalmente reservados aos homens (o discurso
público, o texto acadêmico, a literatura). A natureza e o grau de exclusão feminina dentro
das práticas discursivas é assim não invariável, resultado de antagonismos mas,
contingentes, revelando diferenças significativas de acordo com o contexto histórico e
cultural.” (FELSKI, 1989, 62)

Se entendemos ideologia como uma função potencial de todas as formas das atividades
culturais e, portanto, como legitimação cultural de interesses dos grupos dominantes, percebemos
que a dimensão ideológica dos textos só poderão ser verificadas através de uma análise de suas
funções em relação as constelações do poder político e social.
Para concluirmos, retomamos o alerta de Rita Felski em Literature after Feminism (2003),
de que tentar separar a literatura do mundo social é uma tarefa sisífica uma vez que podemos dizer
que a literatura é „o avesso e o direito‟ simultaneamente. Parodiando Felski, não se trata de um “ou
isto ou aquilo”, mas de um “isso e aquilo”. Esclarece a teórica que, apesar de
“uma de suas faces está voltada para a história das convenções, dos símbolos, das regras de
gêneros textuais e estilos de linguagem que criam aquilo que denominamos „literatura‟. E

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neste sentido, a arte é, como os críticos gostam de dizer, relativamente autônoma. E por esta
razão nunca poderá ser equiparada à realidade simplesmente.” (FELSKI, 2003, p.12.
Tradução minha.),

“ainda assim, a literatura está saturada de significados sociais” (FELSKI, 2003, P.12) e que,
se reconhecemos a provisoriedade daquilo a que chamamos de realidade, então, saberemos
reconhecer que antes de tudo a literatura é uma das linguagens culturais através da qual nós
percebemos o mundo e não uma mera representação do mesmo.
Finalmente, compreendermos que, ao mesmo tempo em que a obra literária utiliza os
mesmos mecanismos referenciais da linguagem não ficcional para a construção de mundos
ficcionais, a literatura fala do mundo social, torna-a um locus privilegiado para as políticas
emancipatórias feministas, que é o que move nosso interesse nesta perspectiva de estudos.

Referências

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Possible and impossible dialogues between contemporary social theories and feminist literary
criticism

Abstract: This work aims to locate the relationship between the feminist literary criticism and the
contemporary social theories, represented by Giddens‟ Structuration Theory and Bourdieu‟s
Reflexive Sociology. Under different perspectives of the gender relations studies, feminist criticism
has questioned the different aspects involved in the social practices of the production, reception and
criticism of literary works. However, due to the proximity it establishes between literature and the
ideologies, feminist literary criticism has been accused of having reduced literature studies to
merely political questions, having disregarded its aesthetic potential and the peculiarity of literature
itself. Although have been informing the field of literary criticism for a long time, Sociology has
also been considered unable to testify over the nature and the value of the literary works. In this
intertwinement of these knowledges, this work aims to reflect upon some of the contributions and
limits of both fields in the understanding of the changes in the ways of reading and thinking about
literature. We follow Felski (1989, 1995, 2003) in her refusal of the polarization between the
political and the aesthetic spheres and in her effort to build a social feminist literary theory.
Keywords: Social Theories. Literature. Feminist Literary Criticism.

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