Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ISSN 2177-4463
INTRODUÇÃO
A partir de 2007/2008 se intensificou em escala global uma corrida por terras, também
chamada pelos acadêmicos de land grabbing, acaparamiento de tierras, controle de terras e
estrangeirização da terra. Com o avanço deste processo, consequentemente surgiu uma corrida
acadêmica sobre o mesmo, o que Sauer e Borras Jr. (2016) intitulam de ‘corrida mundial na
produção acadêmica’. As primeiras pesquisas, na fase que Edelman, Oya e Borras Jr. (2013)
identificaram como fase ‘making sense’, ou seja, a fase do ‘fazendo sentido’, em um tradução
livre, apontavam que países ditos desenvolvidos adquiriam terras em países ditos em
desenvolvimento ou subdesenvolvidos com o intuito de garantir sua segurança alimentar.
Atualmente isso já não faz sentido, porque a corrida mundial por terras foge da lógica “Norte, rico
e apropriador” e “Sul, pobre e apropriado” (FEODOROFF, 2013; PLOEG, FRANCO e BORRAS
JR., 2015). Exemplos são a histórica apropriação de terras por brasileiros no Paraguai (VIUK,
2014; PEREIRA, 2016) e a mais recente apropriação de terras por brasileiros em Moçambique,
através do Programa de Cooperação Tripartite para o Desenvolvimento Agrícola da Savana
Tropical em Moçambique (ProSAVANA) (CLEMENTS e FERNANDES, 2013).
Outro elemento bastante debatido nesta onda de pesquisas sobre a corrida mundial por
terras corresponde ao termo que designa tal processo. Há um debate muito intenso na academia,
sobretudo no Brasil, sobre o fato de land grabbing ser sinônimo ou não de estrangeirização da
terra. O land grabbing é um processo histórico e global de apropriação de terras pelo capital com
o objetivo de proporcionar a acumulação do mesmo e controlar o território, atualmente ocorre em
um contexto específico de convergência de crises – alimentar, ambiental, climática, energética e
financeira – o que possibilita o surgimento de novos agentes, no caso os fundos de investimentos.
O termo land grabbing quando traduzido para o português significa grilagem de terras,
contudo, no Brasil, o termo grilagem de terras remete a um processo histórico de “apropriação
ilegal de terras públicas por parte de especuladores” (ALENTEJANO, 2012, p. 355), ou seja, não
apresenta o mesmo sentido do land grabbing. Neste sentido, Inicialmente alguns pesquisadores
brasileiros utilizavam o termo estrangeirização para se referir ao processo de land grabbing, como
nós mesmos fizemos em trabalhos anteriores (PEREIRA, 2015; PEREIRA,2016). Essa postura foi
tomada porque nos países do Sul global, a maioria dos agentes deste processo são corporações
transnacionais de países como EUA, Japão e nações da União Europeia. Porém, após diversos
NERA – Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária. Disponível em www.fct.unesp.br/nera 1
Boletim DATALUTA n. 112 – Artigo do mês: abril de 2017. ISSN 2177-4463
jul. 2016). Desde dezembro de 2016 centenas de reportagens foram publicadas em jornais
nacionais e internacionais sobre o PL 4.059/2012, que libera a aquisição de terras por
estrangeiros, no qual movimentos socais como Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST) e Central Única dos Trabalhadores (CUT) criticaram a proposta e a Bancada Ruralista
defendeu o mesmo projeto de lei.
Neste sentido, o objetivo geral deste artigo é abordar o projeto de lei que regulamenta a
aquisição de terras no Brasil pelo capital estrangeiro no contexto de uma corrida mundial por
terras, que por sua vez é desencadeada por uma convergência de crises e quais as discussões e
expectativas em torno do projeto de lei n. 4.059/2012, redigido pela Comissão de Agricultura,
Pecuária e Desenvolvimento Rural. Para atingir este objetivo estruturamos o artigo em três
seções. Primeiramente realizaremos uma breve discussão teórica acerca da corrida mundial por
terras, do land grabbing, controle de terras e estrangeirização como resultados de uma
convergência de múltiplas crises e em um segundo momento iremos expor brevemente a respeito
de como ocorre atualmente a apropriação de terras pelo capital estrangeiro a partir dos dados do
DATALUTA Estrangeirização e, por fim, debateremos sobre o PL 4.059/2012 e quais são as
discussões em torno do mesmo no país, buscando elencar algumas das consequências da
aprovação do mesmo.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para a construção deste artigo utilizamos diferentes procedimentos metodológicos.
Primeiramente realizamos uma revisão bibliográfica a respeito da temática e enfatizamos que
grande parte dos apontamentos aqui apresentados são frutos de reflexões realizadas durante a
disciplina intitulada “Politics of Agrarian Transformation”, ministrada pelo professor Saturnino ‘Jun’
Borras, no programa de mestrado em Development Studies, do International Institute of Social
Studies (ISS), da Erasmus University Rotterdam (EUR). No que tange aos dados apresentados no
artigo, estes são oriundos da pesquisa realizada pelo Banco de Dados da Luta pela Terra
(DATALUTA), especificamente na categoria de estrangeirização da terra. Por fim, destacamos que
as notícias sobre o PL 4.059/2012 e as reações em relação ao mesmo foram disponibilizadas pelo
Banco de Dados Qualitativos do DATALUTA Estrangeirização.
ozônio está relacionado com a emissão de gases poluentes oriundos de combustíveis fósseis.
Essa crise proporciona o Green Grabbing, ou seja, emersão de apropriações verdes através de
florestas plantadas, mercado de carbono e REDD+, pautado no discurso de proteção ambiental.
Por fim, a crise financeira de sobreacumulação que teve o seu boom em 2007/2008 nos EUA e na
Europa gerou uma procura do capital financeiro por novos territórios1 (HARVEY, 2003),
estratégias e novos negócios mais seguros e rentáveis, inaugurando um novo agente nas
apropriações de terras em larga escala: os fundos de investimento. De acordo com Buxton,
Campanale e Cotula (2012), o interesse destes fundos de investimento é impulsionado pela
expectativa de retornos elevados ligados ao aumento dos valores da terra e da produtividade e
por um desejo de diversificar as carteiras de investimento e assim gerenciar melhor os riscos.
Diante deste cenário de convergência de múltiplas crises, acentua-se a corrida mundial
por terras. Junto com este interesse do capital na apropriação de terras em escala global emerge
um elevado interesse da academia, instituições multilaterais e governamentais e movimentos
sociais a respeito do referido processo. Nos países de idioma inglês o termo majoritariamente
utilizado foi o land grabbing (SCHUTTER, 2011; BORRAS JR, e FRANCO, 2013; EDELMAN,
2013; HALL, 2013), que corresponde a apropriação do território pelo capital com o objetivo de
controlar a terra para a acumulação de capital em um contexto de convergência de múltiplas
crises. O termo foi traduzido inicialmente para o português como estrangeirização da terra, uma
vez que land grabbing quando traduzido para o português é grilagem de terras, o que no Brasil
remete a outro processo. Houveram muitas críticas sobre a utilização do termo estrangeirização
como sinônimo de land grabbing. Oliveira (2010) e Fairbairn (2015) criticam a utilização do termo
estrangeirização uma vez que escamoteia os agentes nacionais envolvidos no processo. Borras
Jr., Kay, Gómez e Wilkinson (2013) enfatizam a problemática de abordar o land grabbing
(acaparamiento em espanhol) como sinônimo de estrangeirização, sobretudo na América Latina,
onde a estrangeirização da terra é um processo político.
1
O que David Harvey chamou de ajuste espacial e ajuste temporal na sua proposta de atualização do conceito de
Acumulação Primitiva de Karl Marx para Acumulação por Espoliação ou a Acumulação por Despossessão.
NERA – Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária. Disponível em www.fct.unesp.br/nera 5
Boletim DATALUTA n. 112 – Artigo do mês: abril de 2017. ISSN 2177-4463
Borras Jr., Kay, Gómez e Wilkinson (2013) ainda destacam que a estrangeirização é um
aspecto chave e mais controverso do processo de land grabbing, uma vez que é respaldado em
dados muitas vezes não confiáveis, como no caso do Brasil, que o INCRA controla as terras
registradas em nomes de estrangeiros através de cadastros auto declaratórios. Além disso, no
caso do português, encontrar um termo que corresponda a proposta do land grabbing é uma
questão problemática, uma vez que, como já discutimos na introdução, quando traduzido para o
português significa grilagem de terras, o que remete a um processo distinto no Brasil.
Diante desta polêmica e de uma revisão bibliográfica sobre a temática, propomos abordar
o atual land grabbing como um processo global de controle de terras. O controle de terras se
refere ao poder de controlar a terra e os recursos a esta associados com a intenção de obter
vantagens a partir desse controle. Esta apropriação pode ser realizada através de múltiplas
estratégias: compra do imóvel rural, arrendamento, contrato de parceria, contrato de gaveta,
estratégias das corporações em constituírem empresas em nome de terceiros e que possuam
uma identidade nacional, táticas de fusões, compra de empresas nacionais em processo de
falência, joint venture entre empresas nacionais e transnacionais (como o exemplo brasileiro da
Veracel Celulose - joint venture entre Stora Enso e Fibria), das empresas de capital aberto e com
ações Free Float2 e concessão pública para a exploração do uso de superfície3.
É importante destacar que compreendemos por apropriação o ato de tornar próprio ou
conveniente, de adaptar, de adequar, apoderar-se, apossar-se de um território, neste caso do
segundo território. Considerando o território na sua multidimensionalidade e multiescalaridade, o
controle de terras proporciona novas territorialidades do capital e promove os processos de
territorialização, desterritorialização e reterritorialização, pois a territorialização de uma empresa
implica na desterritorialização de camponeses e indígenas que, por sua vez, se reterritorializam
em outras áreas ou em periferias urbanas. Ademais, o controle de terras provoca impactos
ambientais, uma vez que estão vinculados a projetos com utilização indiscriminada de
agroquímicos, pode afetar negativamente a produção de alimentos, pode culminar em conflitos de
interesses, violências e corrupção.
Os elementos essenciais para compreender o controle de terras no contexto atual são:
intensificação do processo em escala global, sobretudo envolvendo a ação do capital estrangeiro,
com novas formas de apropriação do território e novos impactos; consolidação do neoliberalismo;
sobreacumulação; criação de uma rede de capital, na qual diferentes agentes atuam - empresas
de capital internacional, empresas nacionais, governos, fundos de investimento e latifundiários;
2
Ações de flutuação livre, corresponde as ações que empresas destinam à livre negociação na bolsa de valores.
3
Na Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil Brasileiro, o Artigo 1.369 institui que ‘o
proprietário pode conceder a outrem o direto de construir ou de plantar em seu terreno. Por tempo determinado,
mediante a escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis’. Segundo conversas informais
com um Procurador da República, este artigo é a principal lacuna utilizada pelo capital internacional para se apropriar de
terras no Brasil.
NERA – Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária. Disponível em www.fct.unesp.br/nera 7
Boletim DATALUTA n. 112 – Artigo do mês: abril de 2017. ISSN 2177-4463
propício para produção dessas culturas, logo o governo brasileiro aliado à elite
rural brasileira e as transnacionais enxergaram nessas características um grande
potencial para a inserção do país nesse mercado global em crescimento
(FERNANDES, GONÇALVES e WELCH, 2012, p, 55 - grifo nosso).
4
Incluí empresas registradas como nacionais, porém com investimentos estrangeiros, seja via ações Free Float na
Prancha 01: Territorialização de empresas com presença de capital internacional por atividade
agrícola (2016).
Prancha 02: Territorialização de empresas com presença de capital estrangeiro por país de origem
do capital (2016).
No que tange ao capital de origem, a maioria das empresas são brasileiras, mas com
presença de capital estrangeiro, como a Fibria, Klabin, Cutrale, Radar S.A. e Amaggi. Em segundo
estão as empresas de origem japonesa, como o caso da Agrícola Xingu, Agropecuária Arakatu
Ltda., Celulose Nipo-Brasileira S.A. Cenibra, Multigrain e Mitsui. Em terceiro as empresas
oriundas dos EUA, como ADM, Adecoagro, Bunge, Cargill, Vital Renewable Energy Co. e Del
Mont Fresh Produce. Dentre as empresas com outros capitais de origem destacamos a Alcotra
Bio Energy do Brasil S.A. (Bélgica), Abengoa Bioenergia Trading Brasil Ltda. (Espanha), Louis
Dreyfus Company (França), Tereos (França), El Tejar S.A (Argentina); BrasilAgro (Argentina),
Renuka do Brasil Ltda. (Índia), entre outras. Destacamos que há um grande interesse,
especialmente de investidores institucionais, na região do Cerrado conhecida como MATOPIBA.
Muitas das terras são griladas por fazendeiros e negociadas por empresas com capital
estrangeiro, como o caso da empresa Radar S.A. (PITTA e MENDONÇA, 2015). A expansão do
agronegócio nesta região tem o total apoio do Estado, que em 2015 instituiu o Decreto 8.447,
criando o Plano de Desenvolvimento Agropecuário do MATOPIBA, aprovado não por acaso
enquanto a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) estava no Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (MAPA), uma vez que Abreu se beneficiou com a venda de terras para a empresa
argentina Sollus Capital no estado do Tocantins (CANAL RURAL, 15 mai.2015).
Contudo, foi em fevereiro de 2017 que as atenções realmente se voltaram para proposta
de liberação da aquisição de terras por estrangeiros, uma vez que o Ministro da Fazenda,
Henrique Meirelles, declarou que o governo pretendia liberar nos próximos trinta dias a aquisição
de terras brasileiras para os estrangeiros, ou seja, até o final do mês de março (GLOBO RURAL,
16 fev. 2017). O objetivo do projeto de lei 4.952/2012 é abrir – ainda mais – o mercado rural a
investidores transnacionais como uma tentativa de reverter a crise econômica que assola o país.
Trechos do projeto foram liberados pelo jornal Carta Capital (16 fev. 2017) e o que merece
atenção é que “a aquisição de direito real e o arrendamento de imóvel por pessoa natural
residente ou jurídica estrangeira autorizada a funcionar no País não poderá exceder os limites
quantitativos globais e por operação dispostos em regulamento”, ou seja, o Presidente da
República pode estabelecer via Decreto os “limites quantitativos globais”.
Ainda em fevereiro de 2017, o atual ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,
Blairo Maggi (PP) se declarou a favor do PL 4.059/2012, porém o mesmo deve ter restrições, no
caso o ministro propõe que empresas estrangeiras e pessoas físicas não poderão comprar terras
para a especulação ou para cultivos de safras curtas, como o caso dos grãos em rotação, pois, de
acordo com Maggi, como os grãos possuem safras curtas, empresas e pessoas físicas tem a
opção de cultivar se o preço estiver bom no mercado, isto significa que, se empresas adquirem
terras para a produção de grãos e em um determinado momento o preço não está vantajoso no
mercado, as empresas podem optar por não produzir e deixar a terra ociosa, o que geraria um
caos na cadeia produtiva e nos demais setores responsáveis (O GLOBO, 17 fev. 2017). A postura
de Blairo Maggi nos mostra que o mesmo está defendendo os seus interesses, uma vez que é um
dos maiores produtores de soja no Brasil.
O mês de março passou e o projeto de lei ainda não foi aprovado. No dia 06 de abril de
2017, o jornal Valor Econômico publicou a reportagem intitulada “Casa Civil quer venda de terra a
estrangeiros sem limite de área”, na qual afirma que a Casa Civil teria finalizado um novo Projeto
de Lei, que substituirá o PL 4.059/2012, seguindo a proposta da bancada ruralista e do setor
florestal no Congresso. O Projeto de Lei impede que empresas ou cidadãos estrangeiros
detenham ou arrendem, juntos, mais que 25% do território de um município e proíbe que
companhias ou pessoas estrangeiras da mesma nacionalidade sejam proprietários de terras que
somem mais de 40% do território de um município (as regras são quebradas quando há
matrimônio com um cidadão brasileiro em comunhão de bens). Outra medida é que empresas
brasileiras, cujo a maior parte do capital seja estrangeiro, não podem adquirir propriedades rurais
na Amazônia ou em áreas com 80% ou mais de reserva legal. Para que a compra ou
arrendamento seja validado, as empresas e fundos estrangeiros terão que informar a composição
do seu capital e nacionalidade de todos os sócios ao SNCR (INCRA) e ao Cadastro Ambiental
Rural (CAR), ou seja, ainda será auto declaratório, o que facilita a omissão de dados.
A Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) já declarou que este PL é o mais importante no
Congresso e que deve ser aprovado o mais rápido possível (VALOR ECONÔMICO, 06 abr. 2017).
NERA – Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária. Disponível em www.fct.unesp.br/nera 12
Boletim DATALUTA n. 112 – Artigo do mês: abril de 2017. ISSN 2177-4463
Setores ligados ao agronegócio em escalas estaduais também declararam apoio ao projeto, como
o caso da Federação da Agricultura do Estado de Minas Gerais (FAEMG), que divulgou que a
aprovação da liberação da aquisição de terras por estrangeiros ajudaria a atrair novos
investimentos produtivos e auxiliaria na geração de mais postos de trabalho (FAEMG, 20 mar.
2017). No caso do estado de Minas Gerais, destacamos a empresa Celulose Nipo-Brasileira S.A.
Cenibra, que está esperando a aprovação do PL para a expansão da produção no estado
(FAEMG, 20 mar. 2017). Em reportagem publicada pelo InfoMoney (11 abr. 2017), o Secretário da
Agricultura do Estado de São Paulo, Arnaldo Jardim, também declarou apoio ao PL, mas ressaltou
a possibilidade de verticalização das cadeias produtivas e mostrou a mesma preocupação de
Blairo Maggi.
De outro lado há o senador Jorge Viana (PT-AC), que apresentou preocupações em
relação ao PL 4.059/2012, sobretudo no que se refere a apropriação de terras na Amazônia.
Segundo o Portal de Notícias do Senado Federal de 11 abr. 2017, o senador declarou que o
projeto é ‘criminoso’ devido à falta de transparência do governo e enfatizou que o mesmo coloca
em risco a soberania nacional. O senador Viana requereu uma audiência pública conjunta entre as
Comissões de Meio Ambiente e de Relações Exteriores e Defesa Nacional com o objetivo de
debater o projeto de lei (PORTAL DE NOTÍCIAS DO SENADO FEDERAL, 25 abr. 2017). A
audiência foi aprovada e até o momento de submissão deste artigo não foram divulgadas
quaisquer datas de realização.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) também se manifestou em
reportagens publicadas em 04 jan.2017 e 20 fev. 2017, ressaltando o valor (i) material da terra e
os impactos para a segurança nacional, políticas públicas e pressões sobre a agricultura
camponesa, indígenas e quilombolas, impactos ambientais e acentuação de concentração de
terra e renda. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) publicou em 02 mar. 2017 uma
reportagem na qual ressalta a importância de debater o tema da estrangeirização da terra e o
projeto de lei devem ser debatidos com a sociedade, pois a aprovação do PL impactará não
apenas o campo, mas também a população urbana, uma vez que a produção de alimentos tende
a diminuir pelo fato das terras adquiridas serem destinadas, na maior parte dos casos para a
produção de commodities para a exportação e para a especulação imobiliária.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Land grabbing, como é abordado por acadêmicos e instituições internacionais, não é
sinônimo de estrangeirização da terra, termo que muito frequente é utilizado no Brasil para se
referir ao processo de controle de terras. A estrangeirização da terra está inserida em um
processo maior de controle de terras, ou seja, poder de controlar as terras e demais recursos a ela
associados, como a água, biodiversidade, mineração e demais. A estrangeirização da terra é um
processo antigo, sobretudo na América Latina (BORRAS JR., KAY, GÓMEZ e WILKINSON, 2012;
2013) e que emerge no século XXI inserido em um contexto de controle de terras com diversos
NERA – Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária. Disponível em www.fct.unesp.br/nera 13
Boletim DATALUTA n. 112 – Artigo do mês: abril de 2017. ISSN 2177-4463
aspectos novos - fundos de investimento como agentes na apropriação de terras; novas escalas
de apropriação de terras e de capital; financeirização da agricultura; agronegócio globalizado e
impactos territoriais, gerando novas territorialidades e culminando no processo de territorialização;
desterritorialização e reterritorialização - que torna a estrangeirização da terra como um elemento
estrutural para a questão agrária atual e para o desenvolvimento territorial nos países estudados
durante a pesquisa de mestrado. Emergem novas estratégias técnicas para a territorialização e de
discurso, a fim de justificar a apropriação de terras em grande escala. Qualquer agente pode
exercer o controle de terra, seja este nacional ou estrangeiro, desde modo, a estrangeirização
corresponde ao controle de terras pelo capital estrangeiro.
O Brasil está em um período de crise econômica, onde a justificativa é liberar a aquisição
de terras por estrangeiros para atrair mais investimentos, como uma possível saída para a crise,
contudo, o PL atende aos interesses de uma pequena parcela da elite latifundiária nacional e de
empresas estrangeiras que irão lucrar com o projeto. O Brasil também passa por uma crise
política e com a ascensão da direita ao poder, a liberação da aquisição de terras por estrangeiros
se torna cada vez mais certa, como ocorreu no Paraguai após o golpe parlamentar em 2012 e
com a Argentina após Mauricio Macri assumir a presidência do país. Cabe ressaltar que durante o
governo de Dilma Rousseff (PT), a proposta de um novo projeto de lei foi barrada justamente
pelas lacunas do PL e atualmente um projeto mais liberal está em votação e com grande
possibilidade de ser aprovado, uma vez que é interesse de quem está no poder.
A questão que se cabe é: quais os desdobramentos deste projeto de lei para o Brasil?
Segundo Meirelles, a medida irá aumentar o número de empregos e atrair investidores (GLOBO
RURAL, 16 fev. 2017). De acordo com a empresa MB Agro Consultoria a demanda por terras irá
aumentar (GLOBO RURAL, 16 fev. 2017), que possivelmente acarretará um aumento dos preços
da terra no país, um retrocesso na reforma agrária e impactos na segurança alimentar da
população brasileira, uma vez que as terras adquiridas são destinadas a especulação imobiliária e
produção de commodities flexíveis, ou seja, aquelas com múltiplos usos – alimentação, ração
animal, agroenergia e etc. – para a exportação. Provavelmente haverá consequências na
soberania territorial, uma vez que a apropriação de terras por estrangeiros envolve uma questão
Geopolítica de controle territorial e fronteiras, por isso a Comissão de Relações Exteriores e
Defesa Nacional quer debater o projeto de lei. Outras consequências são de cunho ambiental,
uma vez que mesmo que o projeto de lei tente impedir a expansão da fronteira agrícola para a
Amazônia, existem lacunas que contradizem o atual Código Florestal, como por exemplo o fato de
não explicitar extensões destinadas a reserva legal, a Área de Preservação Permanente (APP), o
que cria brechas para o capital estrangeiro ludibriar tais leis e se territorializar no país e ainda
gerando impactos ambientais. Lembramos que a questão ambiental foi justamente o principal
motivo da Dilma Rousseff (PT) negar o projeto de lei em dezembro de 2015. Deixamos aqui a
reflexão: será que a Medida Provisória irá contribuir para o Brasil sair da crise econômica, quais
serão as consequências para a população brasileira e quem serão os verdadeiros beneficiários do
NERA – Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária. Disponível em www.fct.unesp.br/nera 14
Boletim DATALUTA n. 112 – Artigo do mês: abril de 2017. ISSN 2177-4463
projeto de lei? Em âmbito geopolítico, quais capitais se interessarão em investir no Brasil e qual
será a relação do nosso país com as demais nações?
REFERÊNCIAS
AKRAM-LODHI, A. Haroon. Contextualising land grabbing: contemporary land deals, the global
subsistence and the world food system. Canadian Journal of Development Studies, v. 33, n. 02,
p. 119-142, 2012.
BORRAS JR., Saturnino; FRANCO, Jennifer. Global Land Grabbing and trajectories of agrarian
change: a preliminary analysis. Journal of Agrarian Change, 12:1, 34-59, 2012.
BORRAS JR, Saturnino; KAY, Cristóbal; GÓMEZ, Sergio; WILKINSON, John. Land grabbing and
global capitalism accumulation: key features in Latin America. Canadian Journal of Development
Studies, v. 33, n. 04, p. 402-416, 2012.
BORRAS JR, Saturnino; KAY, Cristóbal; GÓMEZ, Sergio; WILKINSON, John. Acaparamiento de
tierras y acumulación capitalista: aspectos clave en América Latina. Revista Interdisciplinaria de
Estudios Agrarios, v. 38, n. 01, p. 75-103, 2013.
BORRAS JR., Saturnino; FRANCO, Jennifer. Global land grabbing and political reactions "From
Below". Third World Quarterly, v. 34, n. 09, p. 1.723-1.747, 2013.
BRASIL. Lei n. 5.709, de 07 de outubro de 1971. Regula a Aquisição de Imóvel Rural por
estrangeiro Residente no País ou Pessoa Jurídica Estrangeira Autorizada a Funcionar no Brasil.
Presidência da República Casa Civil - Subchefia para assuntos Jurídicos, Brasília – DF.
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Presidência da
República Casa Civil - Subchefia para assuntos jurídicos. Brasília – DF.
BRASIL. Parecer n. LA 01, de 19 de agosto de 2010. Revisão do Parecer GQ-181 de 1998 e GQ-
22 de 1994. Presidência da República Casa Civil - Subchefia para assuntos jurídicos, Brasília –
DF.
BRASIL. Projeto de Lei n. 4.059, de 13 de junho de 2012. Regulamenta o art. 190, da Constituição
Federal, altera o art. 1º, da Lei n. 4.131, de 03 de setembro de 1962, o art. 1º da Lei nº 5.868, de
12 de dezembro de 1972 e o art. 6º Lei nº 9.393, de 19 de dezembro de 1996 e dá outras
providências. Câmara dos Deputados, Brasília – DF.
BUXTON, Abbi; CAMPANALE, Mark; COTULA, Lorenzo. Farms and funds: investment funds in
the global land rush. London: International Institute of Environment and Development, 2012.
CARTA CAPITAL. O governo Temer prepara MP para venda de terras a estrangeiros. Carta
Capital, caderno Política, publicado em 16 fev. 2017. Disponível em:
https://www.cartacapital.com.br/politica/governo-temer-prepara-mp-para-venda-de-terras-a-
estrangeiros. Acesso em: 16 fev. 2017.
CLEMENTS, Elizabeth Alice; FERNANDES, Bernardo Mançano. Land Grabbing, Agribusiness and
the Peasantry in Brazil and Mozambique. Agrarian South: Journal of Political Economy, v. 41,
n. 2, p. 41-69, 2013.
CUT. Estrangeirização das terras impactará vida rural e urbana. Central Única dos
Trabalhadores. Publicado em: 02 mar. 2017. Disponível em:
http://www.cut.org.br/noticias/estrangeirizacao-das-terras-impactara-vida-rural-e-urbana-619f/.
NERA – Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária. Disponível em www.fct.unesp.br/nera 15
Boletim DATALUTA n. 112 – Artigo do mês: abril de 2017. ISSN 2177-4463
EDELMAN, Marc. Messy hectares: questions about the epistemology of land grabbing data. The
Journal of Peasant Studies, v. 40, n. 03, p. 485-501, 2013.
EDELMAN, Marc; OYA, Carlos; BORRAS JR. Saturnino. Global land Grabs: historical processes,
theoretical and methodological implications and current trajectories. Third World Quarterly, v. 34,
n. 09, p. 1.517-1.531, 2013.
FAIRBAIRN, Madelaine. Indirect dispossession: domestic power imbalances and foreign access to
land in Mozambique. Development and Change, v. 44, n. 02, p. 335-356, 2013.
HALL, Derek. Primitive accumulation, accumulation by dipossession and the global land grab.
Third World Quarterly, v. 34, n. 09, p. 1.582-1.604, 2013.
HARVEY, David. The New Imperialism. Oxford: Oxford University Press, 2003.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Produção Agrícola Municipal. Rio de Janeiro: IBGE,
2016.
GLOBO RURAL. Compra de terras por estrangeiros vai elevar demanda. Globo Rural, caderno
Agronegócios. Publicado em: 16 fev. 2017. Disponível em:
http://revistagloborural.globo.com/Noticias/Economia-e-Negocios/noticia/2017/02/compra-de-terra-
por-estrangeiros-vai-elevar-demanda.html. Acesso em: 16 fev. 2017.
MST. Sobre a liberação da venda de terras para estrangeiros no Brasil. Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra, publicado em: 04 jan. 2017. Disponível em:
http://www.mst.org.br/2017/01/04/sobre-a-liberacao-da-venda-de-terras-para-estrangeiros-no-
brasil.html. Acesso em: 29 abr. 2017.
MST. “A estrangeirização de terras deve ser combatida em diálogo com a sociedade”. Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, publicado em: 20 fev. 2017. Disponível em:
http://www.mst.org.br/2017/02/20/o-brasil-e-do-povo-brasileiro-a-estrangeirizacao-de-terras-deve-
ser-combatida-em-dialogo-com-a-sociedade.html. Acesso em: 29 abr. 2017.
O GLOBO. Governo quer autorizar compra de terras por estrangeiros para culturas perenes.
Jornal O Globo, caderno de Economia, publicado em 17 fev. 2017. Disponível em:
NERA – Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária. Disponível em www.fct.unesp.br/nera 16
Boletim DATALUTA n. 112 – Artigo do mês: abril de 2017. ISSN 2177-4463
http://oglobo.globo.com/economia/governo-quer-autorizar-compra-de-terras-por-estrangeiros-para-
culturas-perenes-20940450. Acesso em: 30 abr. 2017.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Integrar para não entregar: Políticas Públicas e Amazônia.
Campinas: Papirus, 1988.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A questão da aquisição de terras por estrangeiros no Brasil -
um retorno aos dossiês. Revista Agrária, n.12, p. 03-113, 2010.
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura. Global agriculture towards
2050. Roma: FAO, 2009.
PLOEG, Jan Bouwer van der; FRANCO, Jennifer; BORRAS JR., Saturnino. Land concentration
and land grabbing in Europe: a preliminary analysis. Canadian Journal of Development Studies,
36:2, 147-62, 2015.
SAUER, Sérgio; LEITE, Sergio Pereira. Expansão agrícola, preços e apropriação de terra por
estrangeiros no Brasil. Revista de Economia e Sociologia Rural, v. 50, n. 3, p. 503-524, jul.
2012.
SAUER, Sérgio; BORRAS JR., Saturnino. ‘Land Grabbing’ e ‘Green Grabbing’: uma leitura da
‘corrida na produção acadêmica’ sobre a apropriação global de terras. Revista Campo Território,
Ed. Especial Land Grabbing, Grilagem e Estrangeirização de terras, n. 23, v. 11, p. 06-42, 2016.
SCHUTTER, Olivier de. How not to think of land-grabbing: three critiques of large-scale
investments in farmland. The Journal of Peasant Studies, v. 38, n. 02, p. 249-279, 2011.
SENADO FEDERAL. Jorge Viana manifesta preocupação com venda de terras a estrangeiros.
Portal de Notícias do Senado Federal. Publicado em: 11 abr. 2017. Disponível em:
http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/04/11/jorge-viana-manifesta-preocupacao-com-
venda-de-terras-a-estrangeiros. Acesso em: 30 abr. 2017.
SENADO FEDERAL. CMA fará audiência conjunta com a CRE sobre venda de terras a
estrangeiros. Portal de Notícias do Senado Federal. Publicado em: 25 abr. 2017. Disponível em:
http://www12.senado.leg.br/noticias/audios/2017/04/cma-fara-audiencia-conjunta-com-a-cre-
sobre-venda-de-terras-a-estrangeiros. Acesso em: 30 abr. 2017.
VALOR ECONÔMICO. Estrangeiro vai ter limite para comprar terras. Jornal Valor Econômico,
caderno de Política, página A6, publicado em 14 dez. 2015.
VALOR ECONÔMICO. Temer sinaliza liberação de compra de terras por estrangeiros. Jornal
Valor Econômico, caderno de Política, página A5, publicado em 12 jul. 2016. Disponível em:
http://www.valor.com.br/politica/4632087/temer-sinaliza-liberacao-de-compra-de-terras-por-
estrangeiros. Acesso em: 12 fev. 2017.
VALOR ECONÔMICO. Terras nas mãos de estrangeiros somam um Estado de Alagoas. Jornal
Valor Econômico, caderno de Agronegócios, publicado em 07 mar. 2017. Disponível em:
http://www.valor.com.br/agro/4889814/terras-nas-maos-de-estrangeiros-somam-um-estado-de-
NERA – Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária. Disponível em www.fct.unesp.br/nera 17
Boletim DATALUTA n. 112 – Artigo do mês: abril de 2017. ISSN 2177-4463
VALOR ECONÔMICO. Casa Civil quer venda de terra a estrangeiros sem limite de área. Jornal
Valor Econômico, caderno de Agronegócios, publicado em 06 abr. 2017. Disponível em:
http://www.valor.com.br/agro/4928916/casa-civil-quer-venda-de-terra-estrangeiro-sem-limite-de-
area. Acesso em: 01 mai. 2017.