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LÍNGUA PORTUGUESA O MURO (Alberto de Oliveira)

Última flor do Lácio, inculta e bela, É um velho paredão, todo gretado,


És, a um tempo, esplendor e sepultura: Roto e negro, a que o tempo uma oferenda
Ouro nativo, que na ganga impura Deixou num cacto em flor ensangüentado
A bruta mina entre os cascalhos vela... E num pouco de musgo em cada fenda.

Amo-te assim, desconhecida e obscura. Serve há muito de encerro a uma vivenda;


Tuba de alto clangor, lira singela, Protegê-la e guardá-la é seu cuidado;
Que tens o trom e o silvo da procela, Talvez consigo esta missão compreenda,
E o arrolo da saudade e da ternura! Sempre em seu posto, firme e alevantado.

Amo o teu viço agreste e o teu aroma Horas mortas, a lua o véu desata,
De virgens selvas e de oceano largo! E em cheio brilha; a solidão se estrela
Amo-te, ó rude e doloroso idioma, Toda de um vago cintilar de prata;

em que da voz materna ouvi: "meu filho!", E o velho muro, alta a parede nua,
E em que Camões chorou, no exílio amargo, Olha em redor, espreita a sombra, e vela,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho! Entre os beijos e lágrimas da lua.

VASO CHINÊS VIA-LÁCTEA

Estranho mimo aquele vaso! Vi-o, "Ora (direis) ouvir estrelas! Certo,
Casualmente, uma vez, de um perfumado Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Contador sobre o mármor luzidio, Que, para ouvi-las, muitas vezes desperto
Entre um leque e o começo de um bordado. E abro as janelas, pálido de espanto...

Fino artista chinês, enamorado, E conversamos toda a noite,


Nele pusera o coração doentio enquanto a Via-Láctea, como um pálio aberto,
Em rubras flores de um sutil lavrado, Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Na tinta ardente, de um calor sombrio. Inda as procuro pelo céu deserto.

Mas, talvez por contraste à desventura, Direis agora: "Tresloucado amigo!


Quem o sabe?... de um velho mandarim Que conversas com elas? Que sentido
Também lá estava a singular figura; Tem o que dizem, quando estão contigo? "

Que arte em pintá-la! a gente acaso vendo-a, E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Sentia um não sei quê com aquele chim Pois só quem ama pode ter ouvido
De olhos cortados à feição de amêndoa. Capaz de ouvir e e de entender estrelas"

AS POMBAS A UM POETA

Vai-se a primeira pomba despertada... Longe do estéril turbilhão da rua,


Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas Beneditino, escreve! No aconchego
Das pombas vão-se dos pombais, apenas Do claustro, na paciência e no sossego,
Raia sanguínea e fresca a madrugada. Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!

E à tarde, quando a rígida nortada Mas que na forma se disfarce o emprego


Sopra, aos pombais, de novo elas, serenas, Do esforço; e a trama viva se construa
Ruflando as asas, sacudindo as penas, De tal modo, que a imagem fique nua,
Voltam todas em bando e em revoada... Rica mas sóbria, como um templo grego.

Também dos corações onde abotoam Não se mostre na fábrica o suplício


Os sonhos, um a um, céleres voam, Do mestre. E, natural, o efeito agrade,
Como voam as pombas dos pombais; Sem lembrar os andaimes do edifício:

No azul da adolescência as asas soltam, Porque a beleza, gêmea da Verdade,


Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam, Arte pura, inimigo do artifício,
E eles aos corações não voltam mais. É a força e a graça na simplicidade.

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