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Anais do IV Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420
23 e 24 de setembro de 2014
mundo só torna-se fática se for carregada de (que é tremor até mesmo físico, como a
significado. (HEIDEGGER, 2010, pp. 14-18) experiência de sentir os pêlos arrepiarem e os
Heidegger afirma que um dos joelhos bambearem) que é natural e brota do
elementos de sentido mais significativos na contato com o mysterium, não
vivencia religiosa é a historicidade, e que esse necessariamente da experiência do numinoso.
mundo da vivência religiosa centra-se numa Otto defende que não foi o simples “medo do
configuração histórica única (2010, p. 307). mundo” (comum) que fez nascer a religião,
Assim, a vivência do religioso na história é o embora as primeiras experiências do
que dá o caráter de significância a essa numinoso feitas pelas religiões primitivas
experiência, isto é, a experiência religiosa é apresentassem manifestações primitivas e
sempre fática, uma vez que faz até mesmo da rudimentares do tremor originado pela
história um momento único. Passemos agora à experiência do numinoso. O temor é causado
compreensão daquele que é o “objeto” da pela ira concebida como o próprio tremendum,
experiência religiosa. entendido e expresso mediante a associação
com algo natural da psique humana. O temor é
algo que imprime ao numinoso o caráter
3. EXPERIÊNCIA RELIGIOSA: MYSTERIUM distanciador, causando o receio e perturbando
TREMENDUM ET FASCINANS o sujeito da experiência religiosa. (OTTO,
O elemento religioso de que fazemos 2007, pp. 44-59)
experiência é chamado por Rudolf Otto de Se por um lado a experiência do
“numinoso” e está presente em todas as numinoso traz um aspecto distanciador
religiões e sem o qual nem existiriam religiões. (tremendum), de outro ele se apresenta como
Faz isso para evitar palavras desgastadas e fascinans (atraente). O aspecto fascinante
que poderiam dar outras conotações, como (fascinans) do numinoso é esquematizado
“sagrado” ou “santo”. pelos conceitos de amor, misericórdia,
A experiência do numinoso na vivência compaixão, caridade; esse aspecto se
gera naquele que faz a experiência o apresenta também nas exageradas exaltações
“sentimento de criatura”, que é ao mesmo dos bens da salvação, sempre presentes em
tempo sentimento de dependência. Esse todas as religiões. Entretanto o elemento
sentimento é subjetivo, como que a sombra de fascinante não se faz presente somente
um outro elemento, que vem em primeiro lugar nesses anseios religiosos, mas se apresenta
e está fora do sujeito e, por isso, é objetivo e já na meditação e na devoção individual, bem
se chama numinoso. Assim, o sentimento de como no culto comunitário celebrado com
criatura é um reflexo da experiência do seriedade e profundidade, preenchendo a
numinoso, que se apresenta como mysterium alma de modo inefável. (OTTO, 2007, pp. 68-
tremendum et fascinans. (OTTO, 2007, pp. 37- 78)
43) Partindo da compreensão da
Mysterium (mistério) pode ser experiência do numinoso como mysterium
entendido como o oculto, não-evidente, não- tremendum et fascinans, Otto nos faz perceber
entendido, não-cotidiano e não-familiar. O a todo momento que a experiência religiosa
mistério, enquanto já inserido no aspecto não pertence especificamente à esfera do
tremendum, se apresenta também como o racional, mas do irracional. Aqui podemos
espantoso, como se o sujeito fosse perguntar: que significa a experiência religiosa
psicologicamente atingido por um milagre como “irracional”?
(mirum); esse estado de espanto é produzido
unicamente pelo numinoso, enquanto o 4. EXPERIÊNCIA RELIGIOSA COMO
Mysterium (mais amplo) pode ser produzido IRRACIONAL
por uma série de outras experiências não
religiosas. O mistério religioso (mirum) se Para Otto, a experiência religiosa é
apresenta como o “totalmente outro”. O tipicamente irracional, não na acepção de
numinoso experienciado é inapreensível em pensamento vago e não submetido à razão,
sua plenitude, de modo que não só as mas entendido como um evento que, pela
limitações do sujeito se interpõem entre ele e o profundidade a ele inerente, foge à
mirum, mas a natureza e a interpretação inteligente. O irracional deve ser
incomensurabilidade do “totalmente diferente” compreendido como misterioso e obscuro ao
também são determinantes nesse processo. ponto de não poder ser submetido ao nosso
pensar conceitual, mas acessível apenas ao
O mistério tende já a ser mistério sentir. Nesse sentido, o mirum, que é o
arrepiante, isto é, o tremendum parte do temor
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totalmente outro, é totalmente indizível. (2007, portanto, só pode ser concebida essa
pp. 97-99) experiência própria da religiosidade através da
A sensação provocada pelo numinoso irracionalidade. (HEIDEGGER, 2010, pp. 296-
não pode derivar de nenhum outro sentimento 301)
ou experiência, de modo que é Nesse campo da irracionalidade
qualitativamente peculiar e original. Essa intrínseca à experiência religiosa do mysterium
sensação realiza uma harmonia entre os tremendum et fascinans, passamos à
contrastes: de um lado, faz temer (e tremer) e, compreensão desta como mística tanto por
de outro, faz a pessoa encantar-se e fascinar- Heidegger quanto por Otto.
se. (OTTO, 2007, pp. 82-85)
Assim, a irracionalidade aparece de 5. EXPERIÊNCIA RELIGIOSA COMO
alguma forma em ambos os aspectos. O MÍSTICA
tremendum apresenta-se como totalmente
irracional em si mesmo, já que causa naquele A mística enquanto experiência
que faz a experiência religiosa sensações religiosa é entendida por Otto a partir de seus
(temor, horror, medo) que chegam a dois lados. De um lado, a mística tem como
manifestar-se fisicamente (tremor, pêlos um de seus principais traços a depreciação de
arrepiados, joelhos bambos). O fascinans si mesmo, ou seja, da criatura enquanto tal,
mostra seu lado irracional no enlevo beatífico, relacionada ao sentimento de dependência
compreendido como a experiência de um bem oriundo da experiência com o numinoso. Do
que só a religião concede e a que chamamos outro lado existe exatamente a valorização do
salvação, mas pode ser entendida como “reino transcendente como absolutamente superior,
de deus” ou “contemplação de Deus face a frente ao qual a criatura se sente como um
face” (visão beatífica), seja já aqui presente, nada. (2007, pp. 52-53) Desse modo, fica
seja no futuro; a intensidade dessa experiência evidente a mística como um processo de
é algo fascinante por excelência e irracional aprofundamento da relação entre o sujeito
porque “sabe” dessa realidade de salvação religioso e o numinoso.
através de símbolos obscuros e insuficientes, Ao tratar da mística na Idade Média,
não através de conceitos. (OTTO, 2007, pp. Heidegger apresenta a mística como a forma
48-50.74-77) de expressão da vivência religiosa,
Heidegger também defende que a caracterizada pela plenitude concreta no
vivência religiosa não é teórica, de modo que sentido de uma concrescência eidética, de
nenhuma solução em conceitos e nenhuma modo que até mesmo o tempo dessa vivência
melhor fundamentação são motivações ativas não depende da concepção espacial linear.
e igualmente originárias da respectiva (2010, pp. 292-293) Nesse sentido, a mística
vivência. Diante desse problema, ele afirma como experiência religiosa acontece a partir
categoricamente o calar como fenômeno da vivência do numinoso dentro da concretude
religioso, indicando que não faz sentido ligar a da existência, apesar de independer do tempo.
experiência religiosa a conceitos e elementos Heidegger também apresenta um
racionais, mas sugere que esse tipo de caminho processual para a mística, inclusive
vivência está ligado fundamentalmente à muito semelhante ao de Otto (isso se deve ao
fenomenologia da admiração e fato de ambos terem tido contato e citarem a
maravilhamento. obra de Mestre Eckhart). Esse caminho
Aprofundando mais um pouco, propõe, em primeiro lugar, o comportar-se de
Heidegger investiga como Mestre Eckhart modo negativo com o mundo, não no sentido
definiu a irracionalidade da experiência pejorativo, mas na forma de “desprendimento”,
religiosa. O irracional não é aquilo que se o qual é a motivação originária no religioso.
encontra antes de toda a racionalidade, de Esse “desprendimento”, não teórico, mas
modo que não deve ser compreendido como o emocional, leva ao lado positivo que é a
ainda não determinável, mas como o contemplação de Deus. (HEIDEGGER, 2010,
essencialmente destituído de determinação, p. 294)
baseado no princípio fundamental de que Assim, fica evidente que a mística
somente pode ser conhecido o igual pelo igual. depende da experiência religiosa do numinoso
Assim, podemos entender que a experiência como Mysterium tremendum et fascinans ao
religiosa sofre uma dificuldade de mesmo tempo que a aperfeiçoa preparando o
racionalização baseada na premissa que sujeito que faz experiência através do
aquele de quem se faz experiência é o “desprendimento”/depreciação de si.
numinoso, que é o mirum, o totalmente outro;
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Referencias bibliográficas
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Renato Kirchner. Vozes – São Francisco:
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[5]VATTIMO, Gianni (orgs.). A Religião.
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124.