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ficas”. Ainda por cima parece que


“há uma tendência de a impren-
sa focar‑se em pontos polêmicos,
como a ­real existência do TDAH,
BR
co não pode deixar‑se guiar por
modismos, já que muitos pedem
exames modernos sem mesmo ter
conhecimento da aplicação deles”,
do Brasil

SAÚDE

Crescimento de cirurgias
plásticas demonstra
passando mensagens nada infor- garante Leila Montenegro Silveira
mativas para as pessoas que não Farah, doutora em biologia celular fusão dos conceitos
conhecem bem o transtorno” arre- e molecular, experiente em diag-
mata Polanczyk. nóstico pré‑natal.
de saúde e beleza
Com base nas experiências do dia Os padrões de aferição da beleza
Na saúde e na doença Para agravar a dia dos consultórios e hospitais, do corpo humano estão inscritos
essa inconsistência médica, nem Ivan Savioli Ferraz, pediatra do- na cultura e são influenciados por
todos os pedidos de exames são fei- cente da FMRP, especula que “ape- fatores que estão além de sua
tos dentro dos parâmetros da ética nas menos de 20% das consultas materialidade. Ele é apenas um
e do foco exclusivo no paciente. precisariam gerar solicitação de suporte desses valores produzidos
“Alguns exames são mesmo solici- exames”. Para ele, esse excesso de pela ética, religião, política, enfim,
tados a torto e a direito”, exclama pedidos se dá por conta de vários pela cultura. A artista plástica
Ciro Dresch Martinhago, médico fatores, como a má formação mé- francesa Orlan utiliza o próprio
geneticista e diretor do laborató- dica, levando o recém‑formado a corpo em performances onde, por
rio RDO Diagnósticos Médicos, inseguranças, que podem ser afas- meio de cirurgias plásticas, ela
ao mencionar testes genéticos que tadas quando se mune de grande faz modificações radicais em sua
investigam praticamente todos os quantidade de exames. Ele aponta aparência. Olhos, lábios e até a
cromossomos do embrião, nos ca- também que existe uma questão colocação de chifres foram algumas
sos de fertilização in vitro feita em mercadológica nisso. “Alguns co- dessas mudanças. Se isso não fosse
clínicas de reprodução assistida. legas costumam reduzir o tempo o bastante, ela faz questão de que
Para ele o grande vilão da história das consultas para aumentarem a as intervenções cirúrgicas sejam
é a falta de critério para requisição renda, e acabam solicitando mais documentadas e transmitidas,
desses métodos. Ao mesmo tem- exames que o normal para ava- em alguns casos, ao vivo, para
po admirador das tecnologias de liarem o estado completo do pa- galerias, museus, como em um
ponta que podem fornecer resul- ciente”. E vai além, “muitas vezes espetáculo. Orlan eleva ao máximo
tados mais seguros e efetivos, Mar- as pessoas chegam a acreditar que as possibilidades de modificação
tinhago é cauteloso: “em todas as pedindo mais exames, o médico é e exposição corporal. Para ela, o
situações é preciso haver indicação mais íntegro por cuidar melhor de corpo é um lugar de debate público,
para se pedir qualquer tipo de exa- seus pacientes”. Faz, porém, uma onde se colocam questões cruciais
me”. Ele assegura que o próximo ressalva: no caso de doenças mais de nossa época e a metamorfose
passo do exame pré‑natal é tornar complexas, como o câncer, “os mé- corporal é uma delas.
rotineiro o teste que identifica dicos têm que se cercar de todos os Dentre tantas possibilidades
Síndrome de Down por meio de recursos disponíveis”. de operar essa metamorfose, a
análise de células fetais no sangue cirurgia plástica, um dos métodos
da gestante. Entretanto, “o médi- Daniel Blasioli Dentillo mais radicais e rápidos, só cresce.

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No Brasil, o número desse tipo de


procedimento aumenta a cada ano,
colocando o país como o segundo
no ranking mundial dos que mais
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Plástica (SBCP). Uma de suas
constatações foi que a questão da
dualidade corpo‑mente é fundadora
do Brasil

da Sociedade Brasileira de Cirurgia do corpo e do que é considerado


saudável. A questão é que, na
maioria das vezes, esses discursos
se referem apenas à imagem do
realizam cirurgias plásticas, da racionalidade ocidental, está corpo e não necessariamente às
atrás apenas dos Estados Unidos. na base da nossa concepção atual questões de saúde.
Para Francisco Romão Ferreira, sobre corpo e mente e também Com os avanços da biotecnologia,
sociólogo da Fundação Oswaldo presente no discurso médico. Daí novas questões se abrem: surge
Cruz, no Rio de Janeiro, esse ser possível acreditar – paciente e um corpo híbrido, que mistura
cenário coloca a necessidade de cirurgião – que uma mudança no o natural e o tecnológico. As
discutir a questão das mudanças corpo seja capaz de gerar mudanças cirurgias plásticas são apenas um
no corpo também no campo da na mente, mais especificamente dos aspectos desse fenômeno, um
saúde pública. Esse é o objetivo do na autoconfiança, autoestima e objeto de consumo para criar um
seu livro Ciência, arte e cultura no estado de bem‑estar das pessoas. corpo para ser consumido. Apoiado
corpo: a construção de sentidos “O crescente número de cirurgias na psicanálise, Romão explica que
sobre o corpo a partir das cirurgias plásticas estéticas mal sucedidas, sendo o corpo um dos meios de
plásticas (2011). ou tecnicamente bem‑sucedidas, construção da identidade, a cirurgia
A construção da imagem do corpo, mas que causam transtornos plástica é um meio rápido e preciso,
bem como a percepção sobre o que emocionais nos pacientes, não só de remodelar o corpo físico,
é belo, se dá na cultura e nos valores alterando sua relação com o próprio mas de reconstruir a identidade, em
presentes na vida social. Assim, corpo, pode ser um exemplo do uso um movimento de subjetivação que
enquanto para o pensamento grego de uma racionalidade médica que se faz de fora para dentro.
beleza coincidia com a verdade, entende o corpo como máquina  
porque a verdade produzia a beleza, e banaliza a substituição das Antes o sutiã, agora as calorias
para os românticos do século XVIII peças da engrenagem que não Um corpo investido de tanto poder
é a beleza que produz a verdade. Já estejam funcionando de maneira substitui a roupa como instrumento
na Idade Média, o corpo e a beleza satisfatória. Como se corpo e mente de diferenciação e hierarquização
eram criações divinas e por isso fossem territórios distintos”, diz. na vida social. A moda não está
os padrões de beleza recusavam o no corpo, ela é o corpo. Velhice
artifício, a ilusão, a transgressão do Poder Para Romão, em nossos e obesidade são motivos de
natural, dos cosméticos que “iludem dias, a ciência é investida de estigmatização, principalmente
o olhar e são obra do diabo”.   grande poder, uma entidade que para as mulheres que, após
Interessado em como o discurso congrega todas as respostas. vencerem barreiras e conquistarem
médico influencia no modo como a E os discursos divulgados pela liberdade em diversos campos,
sociedade constrói os sentidos para SBCP se enquadram nessa visão, se veem aprisionadas pelos
o corpo e para a imagem que dele representam o discurso científico, números da balança, das calorias,
fazemos, Romão analisa o discurso e são produto do saber, que se do calendário. Se antes as filhas
dos profissionais que atuam em populariza, influenciando gostos desejavam se parecer com suas
cirurgia plástica, disponíveis no site e comportamentos, a percepção mães, hoje são as mães que lutam

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para ter aparência jovem. O corpo


“pode ser até imoral, desde que
seja belo e magro, construído a
partir de uma dieta e de uma vida
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Um novo tipo de beleza
Outro livro recentemente lançado
no Brasil traz fotos do fotógrafo
do Brasil

Philip Toledano

‘natural’ e, quando necessário, a


tecnologia pode dar uma força à inglês Philip Toledano. Com o título:

natureza, melhorar o que ela não Um novo tipo de beleza, a obra é


foi capaz de realizar”, diz Romão. um ensaio com 60 fotografias de
Para o escritor, “assim como pessoas que passaram por diversas
as calças jeans, os carros e intervenções cirúrgicas para fins
outros objetos de consumo são estéticos. Parte dessas fotos
‘customizados’, o corpo também é
também está disponível no site do
encaixado numa individualização
artista (http://www.mrtoledano.
em série, ou seja, cada vez mais
com/a‑new‑kind‑of‑beauty). Nas fotos
atende ao interesse do dono que
compra seu kit de personalização Toledano tenta captar o conceito de
Ava, um dos novos tipos de beleza
numa linha de montagem beleza que cada pessoa busca quando
pré‑determinada pelo mercado”. É escolhe modificar o próprio corpo. “A
por isso que mesmo movimentos beleza é informada pela cultura contemporânea? Pela história? Ou é definida
culturais que tentam burlar a busca pela mão do cirurgião? Quando podemos fazer nós mesmos, estamos revelando
pela beleza e eterna juventude
nosso verdadeiro caráter, ou estamos nos despindo da nossa própria identidade?
são rapidamente cooptados,
Talvez estejamos criando um novo tipo de beleza”, diz.
tornando‑se, eles mesmos, novos
objetos de consumo.

Medicina no salão de beleza O meios de comunicação de massa. adaptada, o discurso da Sociedade


cuidado com o corpo, exercício da Ética, estética e saúde pública se Brasileira de Cirurgia Plástica
vontade individual, adentra o mundo confundem”. Um dos cirurgiões, assume que os profissionais
da medicina. A estética invade em texto publicado na página da dessa especialidade, lidam com
ostensivamente o campo da saúde, Sociedade, é explícito: “nossa o imaginário, com sintomas que
promovendo o que o sociólogo especialidade é muito mais do que não estão inscritos no corpo, mas
da Fiocruz chama de estetização cirurgia, é psiquiatria cirúrgica, fora dele. A cirurgia plástica tenta
da saúde. “Nos dias atuais os cirurgia psiquiátrica, máquina transformar um corpo biológico
pacientes‑consumidores tornam‑se de ilusões, oficina de fantasias, em um corpo imaginado, um corpo
responsáveis pela administração armazém da juventude, fábrica que é puro desejo. Cabe então
contínua de sua própria saúde de sonhos”. Ao mesmo tempo em perguntar: a medicina estética
por meio de conhecimentos que ignora aspectos subjetivos ainda é medicina?
médicos, psicológicos e dos pacientes, tratando o corpo
farmacêuticos adquiridos nos como máquina a ser aperfeiçoada e Patrícia Mariuzzo

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