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20066-67931-1-PB Ricardo Antunes PDF
20066-67931-1-PB Ricardo Antunes PDF
DOSSIÊ
Do sindicalismo de confronto ao sindicalismo negocial
Ricardo Antunes*
Jair Batista da Silva**
O objetivo deste artigo é indicar elementos para a seguinte indagação: para onde foram os sindicatos? Para
tanto, analisamos as duas principais centrais sindicais do país: a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e
a Força Sindical (FS), tanto em seu ideário quanto em relação às suas respectivas atuações sindicais. Nos-
sa hipótese central é que o sindicalismo brasileiro recente, denominado como novo sindicalismo, sofreu
grandes transformações ao longo de mais de três décadas, que acabaram por alterar significativamente
suas práticas e concepções sindicais. Isso se verificou especialmente em seu núcleo mais importante, a
CUT, resultante direta do novo sindicalismo, cuja atuação sindical distanciou-se do chamado sindicalismo
combativo, dotado de claro caráter de classe, para práticas sindicais predominantemente voltadas para as
negociações visando à ampliação dos espaços de cidadania. Para realizar esta análise nosso trabalho recor-
reu às principais resoluções de congressos, plenárias, documentos e às pesquisas que analisaram as práticas
sindicais durante as décadas mais recentes.
Palavras-chave: Ação sindical. Centrais sindicais. Novo sindicalismo. Sindicalismo negocial. CUT. Força Sindical.
e espaços de realização, tais como operar com já começavam a despontar as tendências eco-
fundos de pensão, planos de pensão e de saú- nômicas, políticas e ideológicas que foram
de, além das inúmeras vantagens intrínsecas responsáveis pela inserção do sindicalismo
ao aparato burocrático típico do sindicalismo brasileiro na onda regressiva, resultado tanto
de estado vigente no Brasil desde a década da reestruturação produtiva em curso em es-
de 1930. Isto alterou o perfil das lideranças e cala global, como da emergência da pragmáti-
das práticas sindicais adotadas até então. Tais ca neoliberal e da financeirização do capital,
mudanças também alteraram o destinatário do que passaram a exigir mudanças significativas
discurso sindical, cujo ideário vai paulatina- no mundo do trabalho. Esta processualidade
mente se deslocando de um sindicalismo de complexa trouxe fortes consequências também
classe para um sindicalismo cidadão (Silva, para os organismos representativos da classe
2008; Antunes, 1995; J. Rodrigues, 1997; Ro- trabalhadora. (Antunes, 2013; Antunes e San-
drigues, 1993) tana, 2014; Silva, 2008; 2009). Vamos indicar,
Sabemos que estas mutações e meta- então, como esse movimento ocorreu no inte-
morfoses nas práticas sindicais ocorreram ao rior das duas principais centrais sindicais do
longo da um período expressivo da ação da país, na CUT e na Força Sindical. Comecemos
classe trabalhadora e suas formas de organi- pela CUT.
zação no Brasil. Ao longo dos anos 1980, por
exemplo, nosso país esteve à frente das lutas
sociais e sindicais, mesmo quando comparado A CUT: a emergência do confronto,
com outros países avançados dotados de am- o avanço do sindicalismo propositi-
pla experiência sindical. A criação do PT em vo e o culto da negociação
1980, da CUT em 1983, do MST em 1984, a
luta pelas eleições diretas em 1985, a eclosão Depois de mais de trinta anos da emer-
de quatro greves gerais ao longo da década, a gência do novo sindicalismo e da Central Única
campanha pela Constituinte e a promulgação dos Trabalhadores (CUT), criada em 1983, já
da nova Constituição em 1988 e, finalmente, é possível fazer um balanço do que se passou
as eleições diretas de 1989, são exemplos vi- nestes anos. Quais foram seus principais avan-
vos da força das lutas daquela década.1 Houve ços e recuos? Sua prática sindical, três décadas
avanços significativos na luta pela autonomia depois de sua criação, consolidou mais ruptu-
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e liberdade dos sindicatos em relação ao Es- ras ou acabou por acomodar-se ao sindicalis-
tado, através do combate ao Imposto Sindical, mo de tipo mais tradicional? São perguntas
à estrutura confederacional, cupulista, hie- que nosso texto busca elucidar ou, ao menos,
rarquizada e atrelada (Antunes, 1982; Araú- indicar pontos para uma possível resposta.
jo, 1998; Vianna, 1976), instrumentos que se É possível afirmar alusivamente que, en-
constituíam em alavancas utilizadas pelo Es- tre as décadas de 1970 e 1980, um novo ele-
tado e as classes dominantes para controlar mento começou a caracterizar o movimento
os sindicatos e a classe trabalhadora. Aquela sindical brasileiro existente durante a ditadura
década conformou, também, um quadro niti- militar. O nosso movimento operário e sindical
damente favorável para o chamado novo sindi- viveu em fins dos anos 1970 um momento de
calismo, que caminhava em direção contrária extrema importância para sua história. Após o
à crise sindical presente em vários países capi- duro impacto do golpe de 1964, que lhe havia
talistas avançados. deixado pouco espaço de ação – a não ser aque-
Entretanto, no final da década de 1980 les presentes no trabalho silencioso e cotidiano
no interior das fábricas e de algumas tentativas
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Retomamos aqui várias ideias que estão apresentadas es-
pecialmente em Antunes e Santana, 2014. pontuais de contestação (Antunes, 1992; Hum-
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phrey, 1982; Frederico, 1979) –, um sindicalis- movimento sindical, cuja liderança de maior
mo de corte mais autêntico aflorava, exigindo destaque era Luiz Inácio Lula da Silva, que en-
a ampliação dos espaços para a representação contrava capilaridade não só entre os trabalha-
dos interesses da classe trabalhadora que se dores industriais, como os metalúrgicos, mas,
expandiu enormemente durante estas décadas. também, entre os assalariados rurais, como os
No cenário político mais amplo, a ree- chamados “boias-frias”, os funcionários públi-
mergência do movimento dos trabalhadores cos e os setores assalariados médios urbanos
estremeceu os arranjos políticos da transição que se “proletarizavam”, como médicos e pro-
do fim da ditadura militar para o rearranjo fessores, dentre tantos outros contingentes do
civil que estava sendo articulado, excluindo mundo do trabalho que se alteravam profun-
o movimento sindical e dos trabalhadores, e damente. O setor de serviços e a agricultura
atacava frontalmente a política econômica de- também gestavam novos assalariados que am-
senvolvida pela ditadura. (Silva, 2008; Santa- pliavam a nossa classe trabalhadora, quando
na, 1999; J. Rodrigues, 1997; Antunes, 1992 e comparada àquela existente no pré-1964.
1995; Frederico, 1979). Fruto desta conjuntura, o novo sindica-
Houve avanços significativos na luta lismo surgiu da articulação de variadas con-
pela autonomia e liberdade dos sindicatos em cepções que se articulavam em torno da ban-
relação ao Estado, deu-se um combate à estru- deira de um sindicalismo de classe, mais au-
tura atrelada ao estado e ao Imposto Sindical, tônomo e independente em relação ao estado.
instrumentos utilizados para controlar os sin- Neste sentido, ele propunha uma ruptura com
dicatos. Conformou-se, também, um quadro o passado, que teria sido predominantemente
nitidamente favorável para o chamado novo pautado pela “colaboração de classe”, “refor-
sindicalismo, que resistia fortemente, frente às mismo”, “conciliação”, “cupulismo” etc., prá-
tendência regressivas dominantes no cenário ticas às quais o novo sindicalismo se opunha
europeu e norte-americano, cujo sindicalismo fortemente. (Santana, 2001; 1999).
se encontrava em um quadro crítico. Sua corrente mais expressiva – o chama-
A intensificação da introdução de plan- do novo sindicalismo – era oriundo da própria
tas industriais modernas e sua concentração estrutura sindical. Agrupava vários líderes sin-
geográfica (processo que se iniciou em fins dos dicais denominados “autênticos” (como Lula,
anos 1950) possibilitou o surgimento do que se Olívio Dutra, Jacó Bittar, dentre tantos outros)
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res e Sindicais (ANAMPOS) realizou congres- Criada nestes embates, no início da década de
sos nacionais, como o Encontro de Monlevade 1980, a CUT foi, por um lado, um vivo resul-
realizado em fevereiro de 1980 e o Encontro tado deste esforço de unificação das lutas da
de Goiânia em 1982. No primeiro encontro, foi classe trabalhadora. Mas foi, também, simul-
aprovado o Documento de Monlevade, no qual taneamente, a cristalização das diferenciações
foram estabelecidas as principais orientações no interior do movimento sindical brasileiro,
em direção à luta pela democratização da es- que se aprofundariam mais tarde.
trutura sindical, em conformidade com a Con- A nova Central nasceu, portanto, da
venção 87 da Organização Internacional do associação de diversas forças com tradições
Trabalho. O fim dos impedimentos jurídicos sindicais distintas – sindicalistas independen-
que restringiam o pleno direito de greve, além tes, oposições sindicais, militantes da pastoral
do direito de greve e da implantação da ne- operária, setores da esquerda oriundos da tra-
gociação direta entre trabalhadores e patrões, dicional, mas que romperam com o sindicalis-
sem a mediação ou intervenção do Estado fo- mo político vigente no pré-64, todos com o ob-
ram pontos de destaque nesta corrente sindi- jetivo de construir um sindicalismo autônomo,
cal (Silva, 2008; Antunes, 1995; Costa, 1994; em oposição ao atrelamento das entidades sin-
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dicais às estruturas do Estado e, desse modo, as dos Bancários em 1995), greves com ocupa-
exercerem uma nova prática, que propugnava ção de fábricas (como a da General Motors em
a liberdade e autonomia sindicais, além de am- São José dos Campos em 1985 e a da Compa-
plo direito de greve. nhia Siderúrgica Nacional em Volta Redonda
Desta forma, o sindicalismo cutista nas- em 1989), bem como com o desencadeamento
ceu rejeitando as formas de conciliação de de greves gerais de âmbito nacional, como a
classe, defendendo – especialmente durante o de março de 1989, talvez a mais expressiva de
período de sua formação ao longo da década todas as greves gerais desta década (Antunes e
de 1980 – uma ação sindical mais combativa Santana, 2014; Antunes, 1995). Vale recordar
nos embates dos trabalhadores com governos que o número de greves foi extremamente sig-
e patrões. Suas lideranças sindicais desejavam, nificativo durante todo o período, sendo que,
também, o reconhecimento de seus direitos de no mundo rural, houve significativo avanço
organização sindical. Na esfera política, as rei- do sindicalismo, possibilitando a retomada da
vindicações giravam em torno da luta pelo fim organização sindical dos trabalhadores, o que,
da ditadura, da democratização do país, por por certo, influenciou as ações que levaram ao
meio das eleições diretas para presidente, go- nascimento do Movimento dos Trabalhadores
vernador, etc, bem como da instauração de uma Sem-Terra (MST), em 1984.
Assembleia Constituinte, que contemplasse os A partir de 1990, entretanto, a conjun-
interesses e direitos da classe trabalhadora, com tura econômica e política se transformou, com
a completa eliminação das leis de exceção. a vitória de Collor e início de seu governo, se-
O perfil desta liderança sindical foi for- guido depois pelo de FHC, criando as condi-
jado em nova prática, quer dentro dos sindi- ções para que as políticas de corte neoliberal
catos, piquetes, assembleias e passeatas, nas se desenvolvessem com intensidade. O setor
ações de diretas e ocupações dos locais de tra- produtivo estatal foi em grande medida priva-
balho, nas greves parciais e gerais e diversas tizado (siderurgia, telecomunicações, energia
iniciativas que a luta sindical e política do mo- elétrica, bancos, etc.), o que alterou o tripé
vimento operário logra construir para resistir e existente entre capital nacional, estrangeiro e
lutar em seu cotidiano. estatal, que comandou o padrão de desenvol-
Essa associação entre distintas variantes vimento capitalista existente no Brasil desde a
do sindicalismo de classe partia de uma con- emergência do Varguismo, ampliando-se a in-
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estrutura é o elemento central do novo modelo sin- dicalismo foi confrontado por um contexto ain-
dical que estamos construindo e fundamental para da adverso, iniciado com a vitória (e posse) de
o sucesso de nosso projeto sindical e político (CUT,
Collor. Conforme Antunes e Santana (2014) in-
1992, p. 32).
dicam, a forte pressão interna e externa imposta
Ou ainda, pelos capitais, objetivando avançar a reestrutura-
ção produtiva, a financeirização da economia e a
Na situação em que vivemos hoje no Brasil e por
livre circulação dos capitais, as privatizações do
tudo o que pudemos concluir de várias experiências
de negociação, é necessário que o processo de nego- setor produtivo estatal, a flexibilização da legis-
ciação dos contratos (e convenção etc.) de trabalho lação trabalhista, em suma, a pressão para uma
permaneçam como processo de negociação e contra- nova inserção do Brasil na nova divisão interna-
tação no nível de categorias, ou seja, interempresas, cional do trabalho sob a hegemonia neoliberal
e controlado pelo sindicato (CUT, 1992, p. 73).
e financeira, tudo isso, ocorrendo simultanea-
É preciso salientar, entretanto, que as mente e com forte intensidade, afetou intensa-
ações de caráter mais combativas e de confron- mente o Brasil. Com o impeachment de Collor, o
tação parecem não estar somente associadas à interregno Itamar Franco e a eleição de Fernando
fase de formação, isto é, vinculadas à sua ori- Henrique em 1994 (depois reeleito em 1998),
gem, mas decorrem, em boa medida, da conjun- o mundo produtivo no país foi profundamen-
tura política e da situação socioeconômica de te alterado. As práticas da desregulamentação,
cada momento. Por isso parece possível, tam- flexibilização, privatização, desindustrialização
bém, supor que não existiria nenhuma garantia ampliaram-se, assim como a informalidade, ter-
social e política de que, com o agravamento da ceirização, subempregado e o desemprego (An-
situação socioeconômica dos trabalhadores, a tunes; Santana, 2014).
CUT não voltaria a basear sua ação numa con- O sindicalismo da CUT, mais propenso
duta política que recuperaria, mais acentuada- à negociação, em um momento sindical novo,
mente, a linha da confrontação, em resposta à pautado pela existência de centrais sindicais
própria pressão da classe trabalhadora, como diferenciadas e dificultado pelo advento da
se pode presenciar embrionariamente na atual Força Sindical, criada em 1991 e que passou a
luta contra o PL 4330, em 2015, que amplia a disputar fortemente os espaços políticos e sin-
terceirização também para as atividades-fim. dicais próprios de um sindicalismo mais nego-
cial, fez com que a CUT, sob hegemonia da Ar-
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européia, levada a cabo amplamente por duas já não provocam insegurança junto às classes
décadas, também acabaram reorientando o dominantes.6
“novo sindicalismo”, ajudando a arrefecer sua A influência e o controle político do go-
postura mais classista ao valorizar mais enfa- verno sobre vários movimentos sociais, bem
ticamente os espaços institucionalizados, as como a orientação político-ideológica condu-
máquinas sindicais hierarquizadas e burocra- zida pela corrente hegemônica no interior da
tizadas” (idem, p. 137). CUT constituíram-se em elementos importan-
Na impossibilidade de desenvolver as tes para se compreender as ações e dificulda-
ações daquele período, foi emblemática a greve des que diversos setores dos movimentos so-
dos trabalhadores petroleiros em 1995, que se ciais, populares e sindicais mais à esquerda
constituiu no primeiro combate aberto à política tiveram para enfrentar os governos e as polí-
neoliberal de FHC. Essa greve configurou, entre- ticas implementadas. Neste particular, a trans-
tanto, uma nítida divisão no interior da CUT que, formação da CUT, de Central sindical crítica
mais próxima das políticas de concertação e ne- e independente dos governos – como propug-
gociação, não foi capaz de oferecer uma solidarie- nam seus Estatutos, resoluções e plenárias –
dade efetiva e profunda aos petroleiros. em uma entidade fortemente afinada com as
A CUT já não se apresentava mais como ações e políticas do governo Lula7 apenas ser-
a herdeira das lutas sindicais pela autonomia viu, mais uma vez, para desorientar e desorga-
e independência frente ao estado e ao patrona- nizar o movimento sindical no combate e opo-
to, mas, cada vez mais, ao longo dessa década, sição ao ideário neoliberal, ainda que em sua
assemelhava-se a um sindicalismo institucio- nova variante social-liberal. Sua oscilação en-
nalizado, verticalizado, hierarquizado, que se tre a adesão “crítica” ao ideário neoliberal ou
distanciava de sua década original. E, ao pro- social-liberal, recorrendo, entretanto, às ações
ceder desse modo, com essa nova pragmáti- e práticas sindicais um pouco mais combati-
ca, ajudava a abrir caminho para a ascensão vas quando era imprescindível, deixou marcas
do Partido dos Trabalhadores ao poder, sem o profundas no sindicalismo cutista.8
peso de ser uma central sindical avessa à nego- A CUT foi, paulatinamente, deslocando
ciação e à moderação. o destinatário do seu discurso da “classe” para
Após a vitória do Partido dos Trabalha- a “cidadania”, sendo que suas ações prioriza-
dores – liderando uma frente considerada de vam o caminho da luta por direitos aos cida-
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centro-esquerda – nas eleições presidenciais dãos. O foco migrou para o combate aos di-
de 2002 e a experiência do primeiro governo versos problemas enfrentados pela classe tra-
de Luiz Inácio Lula da Silva, com a manuten- balhadora, tais como discriminação racial, de
ção das políticas neoliberais do governo de 6
A eleição presidencial de 2006 talvez seja exemplar nesse
FHC, o medo representado por um governo de sentido, pois a campanha petista baseou-se na manuten-
ção da confiança e apoio político da burguesia; por isso
esquerda capitaneado por aquele partido se a campanha não poderia deixar de trabalhar com ditados
populares amplamente reiterados: “não troque o certo pelo
desfez. O receio e a desconfiança não foram duvidoso”, numa clara demonstração de manutenção das
políticas adotadas até aquele momento. O mesmo se re-
completamente afastados, é verdade, mas per- petiu com a eleição de Dilma em 2010 e, posteriormente,
mitem compreender a adequação e aceitação em 2014.
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visões de mundo etc. que estejam associadas duplo objetivo de integrar os setores mais carentes
a agrupamentos ou partidos políticos. Ao con- e marginalizados da população, minimamente, aos
serviços de proteção social do Estado, e de conferir
trário, no seu principal documento até hoje pu-
maiores garantias ao empregado na sua relação com
blicado (Força Sindical, 1993), a Força Sindical o empregador (tanto do ponto de vista individual
deixava claro, por exemplo, que era a favor da como coletivo). (Força Sindical, 1993, p. 32).
redução da presença do Estado na economia. A
mesma concepção que foi defendida e imple- Em outros termos, a Constituição deve-
mentada por Collor e FHC durante a década ria garantir uma forma de regulação contratual
de 1990. A propalada – mas nunca praticada entre agentes que compram e vendem merca-
– desideologização da ação sindical implicava, dorias, sempre no sentido de valorizar o preço
de fato, a subordinação da classe trabalhadora da mercadoria-força de trabalho. No plano das
que a Central pretendia representar no univer- liberdades individuais e políticas, o documen-
so ideológico da sociabilidade capitalista. Con- to defende que a Constituição deveria garantir
forme indica Fredericio: “a consolidação dos direitos civis e políticos
do cidadão”, impondo “restrições mínimas
A pretensa ‘desideologização’ da práxis sindical, na
à formação e ao funcionamento dos partidos
verdade, significa uma clara aceitação da sociabilida-
políticos” (Força Sindical, 1993, p. 32; Silva,
de do mundo capitalista: os agentes sociais ficam re-
duzidos à condição de obstinados comerciantes que 2008). E foi, também, dentro deste universo
só almejam vender sua mercadoria pelo melhor pre- que a Central elaborou sua concepção de cida-
ço. A obtenção de ‘resultados’ numa conjuntura re- dania. Cidadão, para a Força Sindical, era um
cessiva, além de inviável, tem a função ideológica de indivíduo portador de direitos, cidadão que é,
manter o movimento operário entregue à dinâmica
antes de tudo, produtor, consumidor e eleitor.
do mundo burguês sem formular um projeto político
A concepção de cidadania que aparecia em
alternativo visando a redimir o mundo do trabalho
do fetichismo mercantil. (Frederico, 1994, p. 73). seus documentos se referia ao padrão normati-
vo e institucional, que garantia aos indivíduos
Assim, a nova central adotava, segundo as liberdades políticas e sociais, além do gozo
Rodrigues e Cardoso (1993), os princípios do de direitos.
liberalismo11 com a finalidade de aprofundar Portanto, cidadão, aqui, diz respeito ao
a sociedade dentro da qual seria reservado à indivíduo que é capaz de produzir e consumir,
classe trabalhadora, do ponto de vista político, sendo útil na esfera econômica. E, enfeixando
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fundamentalmente, a participação cidadã jun- o círculo da matriz de fundo neoliberal, ser ci-
to e, do ponto de vista econômico, o aumento dadão é ter o direito de votar, o que significaria
da participação dos salários na renda nacional exercer participação política nos órgãos e de-
(Silva, 2008; 2013; Rodrigues e Cardoso, 1993;) cisões do Estado através do processo eleitoral.
Por exemplo, ao tratar em seu documento-pro- Como se pode depreender do texto abaixo:
grama Um projeto para o Brasil: a proposta da
Não basta, nesse sentido, estimular práticas de par-
Força Sindical, a nova Central afirmava que a
ticipação, mas estabelecer as condições institucio-
Constituição deveria garantir: nais para que a vontade organizada dos cidadãos
– entendidos como produtores, consumidores e
No plano dos direitos sociais e trabalhistas, com
eleitores – interfira de modo importante nas gran-
11
Não se encontra o termo liberalismo social nos docu- des decisões econômicas e políticas. (Força Sindi-
mentos da Central, como sublinham Rodrigues e Cardoso
(1993); todavia, tal orientação política e ideológica pode cal, 1993, p. 44).12
ser concluída da concepção geral dos textos. Encontra-se
a valorização do pensamento liberal em passagens como
esta: “as conquistas cristalizadas no pensamento democrá-
tico liberal – como o voto direto e universal, a liberdade de 12
Na mesma direção aponta a passagem a seguir: “O Estado
imprensa, liberdade de produção e comércio, livre concor- haverá de ser menor e descentralizado. Na administração de
rência etc. – podem e devem ser preservadas no âmbito de interesses locais imediatos, por exemplo, o Estado deve ser au-
um direito que cada vez mais é sensível ao desequilíbrio xiliado pela ação participativa dos próprios cidadãos, na ges-
de poder na sociedade” (Força Sindical, 1993, p. 113). tão e na defesa de seus interesses” (Força Sindical, 1993, p. 41).
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trabalhadores deveria ocorrer sempre dentro Força Sindical nasceu tendo, desde o início,
dos estritos limites das decisões no estado pela um sentido pragmático e de atuação dentro do
via da colaboração e da negociação, procuran- capitalismo “para melhorá-lo” – o que signifi-
do colocar-se como alternativa dentro da ordem cava manter a classe trabalhadora, tanto polí-
e claramente contra as posições da CUT: tica quanto ideologicamente, subordinada aos
valores do capital –, para a CUT, a passagem
As preocupações eram quanto ao rumo que o sindi-
calismo estava tomando, ficando para trás no proces-
de práticas com claro sentido de classe e de
so de redemocratização do país, seja por causa de ra- confrontação para ações sindicais mais mode-
dicalismo estéril ou, por outro lado, por conformismo radas e voltadas para a predominância propo-
paralisante. Essas ações e inúmeras outras demons- sitiva (pela via da negociação) aprofundou-se
traram sempre a capacidade de atuação da Força Sin- ainda mais com a vitória eleitoral do Partido
dical. Capacidade que logo predispôs à aglutinação
dos Trabalhadores. Tendo sua principal lide-
de setores preocupados em defender e conquistar di-
reitos efetivos para os trabalhadores (www.forçasin-
rança forjada no interior do novo sindicalismo,
dical.org.br apud Silva, 2008 – Grifo nosso). a CUT ajudava, finalmente, o PT a conquistar
a Presidência da República pelo voto direto.
Apesar das diferenças indicadas, entre- O que não se deu sem novas consequências.
tanto, ao longo da década de 1990, a ação sin- A nova pragmática sindical, inserida na lógi-
dical de ambas as centrais orientou-se, como ca dominante da negociação, defrontava-se,
vimos, crescentemente para a defesa da cida- agora, com um governo cujos membros eram,
dania, aceitando a existência conflitual, mas, em boa medida, recolhidos também dentro da
em última instância, recusando o caminho própria CUT, dada a forte simbiose que sempre
da confrontação. Se este foi o eixo da ação da existiu entre ambas.15
CUT ao longo de toda a década anterior, nos De sua parte, a Força Sindical somou-se
anos 1990, o centro de sua nova concepção, à CUT e ambas tornaram-se partícipes do go-
presente tanto em seus documentos, quanto verno Lula. Atuaram conjuntamente, durante
em sua prática dominante, foi voltar-se para o vários anos, como parceiras de governo, por
avanço da cidadania. certo com disputas pelos espaços existentes,
Já a Força Sindical, que nascera em outro mas exercitando uma convivência bastante
contexto, pautado pela recusa explícita à atua- diferente da década de 1990, onde, como vi-
ção no universo da luta de classes, encontrava mos, CUT e Força Sindical pautavam-se por
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na defesa da cidadania o elemento ideal para a uma forte disputa, clara diferenciação e níti-
sua proposição, uma vez que, desde suas ori- da conflagração. A defesa da negociação como
gens, jamais se colocou na direção da conquis- caminho predominante e a conversão de suas
ta de uma sociedade socialista. A CUT, ao con- programáticas, centradas na busca da “cidada-
trário, fazendo o caminho inverso, foi, pouco nia”, abriram caminho para que as diferenças
a pouco, abandonando qualquer discurso que 15
O quadro sindical já era também bastante distinto. Se-
privilegiasse a prática de confrontação em be- gundo Andréia Galvão: “Dez novas centrais sindicais sur-
giram a partir de 2004, somando-se às três centrais sin-
nefício da via predominante da negociação e dicais criadas nos anos 1980 e 1990 (CUT, CGTB/Central
da defesa do cidadão (Silva, 2008; 2013).14 Geral dos Trabalhadores do Brasil e Força Sindical), dentre
as quais destacamos: Conlutas (Coordenação National de
Se a concepção sindical presente na Lutas), criada em 2004 e cuja denominação mudou para
CSP-Conlutas em 2010; NCST (Nova Central Sindical de
Trabalhadores), criada em 2005; Intersindical, criada em
14
Como sublinha Saes (2003), o exercício da cidadania 2006; UGT (União Geral dos Trabalhadores) e a CTB (Cen-
plena articulada com a concepção de classe significaria tral dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil), criadas
acentuar as contradições da sociedade capitalista e das em 2007 e CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros), em
suas instituições políticas, visto que a conquista de efe- 2012. Em 2008 a Intersindical se dividiu em: Intersindical
tivos direitos políticos e sociais situa-se além dos limites – instrumento de luta e organização da classe trabalhadora
constituídos pela sociedade capitalista. É por isso que o e Intersindical - instrumento de luta, unidade de classe
autor afirma que “o processo de criação de direitos na so- e construção de uma nova central. Esta última corrente
ciedade capitalista é necessariamente conflituoso, embora fundou a Intersindical – Central da Classe Trabalhadora,
não contraditório” (Saes, 2003, p. 20). em 2014. (Galvão, 2015, p. 4).
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PARA ONDE FORAM OS SINDICATOS? ...
ABC Paulista: as greves de 1978/80). 2. ed. Campinas (SP): _______. Homens partidos: comunistas e sindicatos no
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Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 75, p. 511-528, Set./Dez. 2015
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Ricardo Antunes, Jair Batista da Silva
WHERE DID THE LABOR UNIONS GO? From a OÙ SONT DONC LES SYNDICATS? Du syndicalisme
combative unionism to a negotiating unionism de confrontation au syndicalisme de négociation
This article tries to answer the following question: Le but de cet article est d’indiquer des éléments
where did the labor unions go? For such, we capables de répondre à la question suivante : où
analyze the two main union centers: the Workers sont donc les syndicats ? À ces fins nous analysons
Union Center (CUT) and the Union Force (FS), les deux principaux syndicats du pays : la Centrale
regarding their ideals and the unionized actions. Unique des Travailleurs (CUT) et la Force Syndicale
Our main hypothesis is that contemporary Brazilian (FS), autant au niveau de leurs idées que dans le
unions, called new unionism, went through big cadre de leurs actions syndicales respectives.
transformations over more than three decades. Notre hypothèse principale est que le syndicalisme
These transformations significantly altered their brésilien récent, appelé nouveau syndicat, a souffert
practices and union concepts. This is especially d’importantes transformations pendant plus de
apparent in its most important center, the CUT, a trois décennies qui ont fini par modifier de manière
direct result of the new unionism, which distanced significative leurs pratiques et leurs conceptions
itself in actions from the so-called combative syndicales. Ce fut tout particulièrement le cas de
unionism, which clearly has a classist take, towards son représentant le plus important, la CUT. C’est une
union actions that are more negotiating and aim to conséquence immédiate du nouveau syndicalisme
broaden citizenship spaces. To perform this analysis, dont l’action s’est éloignée du dit syndicalisme
our research focused on the main resolutions from militant, doté d’un caractère de classes très clair,
Congress, assemblies, documents, and on studies pour aller vers des pratiques syndicales portant
that analyzed union practices over the last decades. essentiellement sur des négociations visant à élargir
les espaces de citoyenneté. Notre analyse est fondée
sur les principales résolutions prises au cours des
congrès, les sessions plénières, les documents et les
recherches qui ont étudié les pratiques syndicales
au cours des dernières décennies.
Keywords: Union practices. Union centers. New Mots-clés: Action syndicale. Fédérations
unionism. Negotiating unionism. CUT. Union Force syndicales. Nouveau syndicalisme. Syndicalisme
de négociation. CUT. Force Syndicale.
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PARA ONDE FORAM OS SINDICATOS? ...
ERRATA
Caderno CRH – Volume 28, Número 75, set./dez. 2015, p. 511-528, http://dx.doi.org/ 10.1590/S0103-49792015000300005
na página 511
onde se lia:
Leia-se:
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-49792015000300019
Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 75, p. 511-528, Set./Dez. 2015
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