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Resenha

Contribuições teóricas da sociologia das organizações:


O Ator e o Sistema de Crozier e Friedberg

Theoretical contributions of the sociology of organisations:


Crozier and Friedberg's Actor and System

Aportaciones teóricas de la sociología de las organizaciones:


Actor y sistema de Crozier y Friedberg

Contributions théoriques de la sociologie des organisations:


L'acteur et le système de Crozier et Friedberg

Obra: L’Acteur et le Système: les contraintes de l’action collective.


Autores: Michel Crozier & Erhard Friedberg
Cidade: Paris
Editora: Brasiliense
Ano: 1977
Páginas: 480
ISBN-10: 2757840037

Guilherme Barbosa Checco¹

1
Graduado em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil, e mestre pelo Programa de
Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

E-mail: guichecco@usp.br
Cooperação e Poder

Segundo os próprios autores, a


pergunta orientadora de toda obra é
“Quais as condições e limites (contraintes)
que possibilitam a ação organizada
coletiva?”. A reflexão central de todo livro é
pensar a ação organizada dos atores a
partir das organizações e dos sistemas de
ação.
As organizações são estruturas criadas
pelos indivíduos, a partir das quais seus
Apresentação integrantes podem cooperar entre si,
somar esforços outrora dispersos, para
alcançar determinados objetivos e
Na obra publicada em 1977 Crozier e interesses pessoais. Nesse sentido, trata-se
Friedberg propõem uma reflexão acerca de um resultado de uma escolha feita
das organizações e dos “sistemas de ação individualmente para uma finalidade
concretos” a partir do olhar da sociologia. também individual.
A proposta dos autores rompe com alguns Ao passo que a cooperação dentro da
paradigmas e conceitos do campo da dinâmica organizacional aumenta as
análise das organizações. Ao longo de toda chances de alcançar determinados
obra, organizada em 15 capítulos objetivos, ao integrar essa estrutura o
distribuídos em cinco grandes blocos, os indivíduo acaba por abrir mão de parte de
autores esclarecem que suas contribuições sua liberdade, uma vez que tal
não têm a pretensão de propor uma nova funcionamento é marcado por um conjunto
teoria das organizações, mas, na verdade, o de regras do jogo que devem ser
objetivo é questionar determinadas respeitadas pelos seus integrantes.
assunções normativas, refletir sobre Crozier e Friedberg vão chamar de
conceitos e olhares para a ação organizada contraintes essa limitação das liberdades
e, assim, propor uma nova abordagem individuais em benefício da cooperação no
dessas questões, aquilo que os próprios seio organizacional. Ainda, a reflexão sobre
autores chama de mode de raisonnement. liberdade apresenta uma eventual
O ponto de partida do olhar de Crozier contradição: ao mesmo tempo que há uma
e Friedberg é considerar as organizações e limitação das liberdades individuais, os
os sistemas como construções sociais, e autores entendem que as organizações
não uma condição “natural”, frutos da expressam também a soma das liberdades
escolha dos indivíduos e com fronteiras de seus integrantes.
permeáveis, com uma troca constante com Trata-se de uma espécie de trade off
o ambiente externo. entre liberdades individuais e
oportunidades/capacidades. Ao integrar

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uma organização o indivíduo acaba por de atores, desempenha na organização,
perder parte de sua liberdade ao ter de sendo que tais capacidades são de difícil
respeitar as regras do jogo e o “poder” dos reposição. O especialista é, portanto,
demais integrantes, ao passo que aumenta aquele com um conhecimento específico
suas capacidades e oportunidades de para resolver determinados problemas
alcançar determinados objetivos. crucias da organização. De modo que esse
O poder é um elemento das relações conhecimento o coloca em uma situação
entre indivíduos, e não como um atributo vantajosa nas negociações que ocorrem na
individual. Nesse sentido o poder é a base organização, comparando-o com seus os
da ação organizada. Na dinâmica demais colegas.
organizacional existem alguns elementos A capacidade de determinados atores
centrais considerados como fontes de em se relacionar com outros sistemas de
poder, entre eles estão ter uma ação, para fora de suas fronteiras, também
competência específica a qual poucos ou representa uma fonte de poder relevante.
mais ninguém desempenha, capacidade de Ao apresentar a capacidade de relação de
se relacionar com atores de fora da determinados atores com o ambiente
organização, a posse de informações-chave externo à organização, os autores chamam
e a capacidade comunicacional e, por fim, o a atenção para a figura dos mediadores ou
conhecimento das regras do jogo intermediadores (relais) entre a
organizacional. organização e os sistemas e subsistemas
O poder é uma característica inerente externos. Os atores com a capacidade de
dos sistemas humanos (os autores desenvolver essa função, representando os
lembram que estão trabalhando interesses externos dentro da organização
especificamente com sistemas humanos, e e, ao mesmo tempo, ser um agente da
não de outra natureza, seja sistemas físicos organização no meio externo, aumentam
ou cibernéticos) e ele influencia tais seu poder.
interações de cooperação no âmbito das Outra fonte de poder trata da
organizações, bem como tais interações capacidade comunicacional. Para que um
também alteram a distribuição de poder. determinado indivíduo execute sua função
Não há social que não seja estruturada sem ou tente alcançar determinado objetivo,
liberdade de ação, portanto, sem relações normalmente ele precisa ter acesso a
de poder. informações vindas de outras áreas da
Crozier e Friedberg exploram ao longo organização, em posse de outros atores. Ou
da obra quatro fontes de poder, as quais ainda, a maneira como determinada
eles próprios deixam claro que não informação é compartilhada impactará
esgotam totalmente a leitura sobre o tema, diretamente na capacidade de ação
mas que permitem avançar em reflexões daquele que a recebeu. Esse quesito
centrais. comunicação também incorpora um ponto
A primeira fonte de poder fundamental para o exercício do poder nas
apresentada por Crozier e Friedberg trata organizações, que é a posse de
da competência específica que informações-chave.
determinado ator, ou um grupo pequeno
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Por fim, a quarta fonte de poder que São essas outras formas de estruturação
Crozier e Friedberg trabalham na obra é o que os autores vão tratar de sistemas de ação
conhecimento e utilização das regras concretos.
organizacionais. As regras desempenham
um papel duplo e aparentemente Organização e Sistema
contraditório no âmbito das organizações,
uma vez que são criadas para diminuir as
fontes de incertezas, mas acabam por criar
Os próprios autores chamam a
outras, sendo assim uma fonte de poder
atenção para a escolha metodológica que
para aqueles que as conhecem e sabem
fizeram para organizar a obra em questão:
utilizá-las. A regra, na verdade, é um
iniciar a partir de um escopo mais
instrumento dos atores que ocupam cargos
delimitado e focado, para então avançar a
superiores para obter um determinado
reflexão em uma outra dimensão. Em
comportamento de seus subordinadas.
outras palavras, os autores apresentam
Entretanto, explicam os autores, a regra
inicialmente o escopo daquilo que
também funciona como uma ferramenta de
entendem que sejam as organizações para,
proteção contra as eventuais
somente a partir do 7º capítulo, na 3ª parte
arbitrariedades dos atores que ocupam
do livro, avançar em direção ao fenômeno
cargos mais superiores.
sistêmico.
Portanto, os indivíduos criam e
integram as organizações enquanto um Nous avons donc le droit de
instrumento de cooperação que aumenta généraliser puisque nous pouvons
suas capacidades de alcançar objetivos considérer les organisations, non pas
comme un phénomène différent, moins
pessoais. As organizações, por sua vez, complexe, mais comme un cas
acabam por limitar as liberdades particulier fabrique exprès d’un
individuais ao impor determinadas regras phénomène general que nous n’avons
do jogo e por conta das relações de poder pas encore vraiment défini, le
phénomène des systèmes humains
entre os integrantes. Ainda que haja certo (1977, p. 229).
grau de compartilhamento de valores
dentro das estruturas organizacionais, elas O excerto acima exposto deixa claro
não expressam uma unicidade. que o olhar para as organizações deve ser
Em suma, Crozier e Friedberg o mesmo quando considerados os
entendem que as organizações sistemas, de modo que não se trata de
representam apenas uma forma mais problemas de complexidades diferentes,
estruturada e visível entre uma mas apenas de escalas diferentes. Crozier e
diversidade de possibilidades de Friedberg aprofundam suas reflexões a
cooperação entre os indivíduos: respeito da “vida” extra organizacional,
aquilo que denominam de sistemas de ação
Parmi tout ela gamme de structurations ampliado, ou então, sistemas de ação
possibles d’un champ d’action, concretos. Esse ponto representa um dos
l’organisation constitue, en effet, la elementos inovadores da contribuição dos
forme la plus visible et la plus formalisée autores, uma vez que permite se debruçar
(1977, p.21).
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sobre aquilo que chamam de “não- ação, entre elas, a interdependência dos
organizações”, não limitando o olhar do atores:
analista para as fronteiras organizacionais
stricto sensu. un système est un ensemble dont
toutes les parties sont
Do ponto de vista conceitual, ao interdépendantes, qui possède donc un
apresentar a ideia de sistemas os autores minimun de structuration, ce qui le
resgatam seu compromisso em não se distingue du simple agrégat, et qui
prender em armadilhas ou “tabus” dispose, en même temps, de
mécanismes qui maintiennent cette
normativos. Segundo os autores, a análise structuration et qu’on appellera
da ação coletiva organizacional a partir dos mécanismes de régulation. (1977, p.
sistemas de ação permite inclusive colocar 283).
em xeque “tabous catégoriels sur lesquels
Os autores reiteram que cada sistema
reposent beacuoup de nos ‘explications’
tem suas próprias características, entre
sociologiques” (1977, p. 292).
elas: a posição de cada ator (distância), os
De modo que a definição do conceito
meios de comunicação dominante
de sistema é, segundo os próprios autores,
(segredo), o grau de estruturação,
ao mesmo tempo, “abstrata e concreta”.
mecanismos de articulação, a
Abstrata porque depende do olhar do
hierarquização das relações de poder, os
analista, daquele que se debruça sobre ela,
limites de cada sistema e os mecanismos
portanto, sujeita aos “vícios” do olhar do
de regulação.
mesmo. Concreta porque trata de situações
Ainda na reflexão sobre o que são as
empírica sendo, dessa forma, um objeto
organizações e os sistemas de ação é
real de análise. As organizações
importante pontuar a crítica elaborada
representam apenas um exemplo
pelos autores em relação à chamada
particular, com regras mais formalizadas e
“teoria da contingência estrutural”,
fronteiras mais visíveis, de um fenômeno
trabalhada por um conjunto de autores na
mais geral que são os sistemas de ação.
década de 1960 (Joan WoodWard, C.
Assim como as organizações, os sistemas
Perrow, Petter Blau, Hall, Bruns e Stalker,
de ação também são construções sociais, e
entre outros). As críticas elaboradas por
não um “dado natural”: “L’organisation (...)
Crozier e Friedberg são das mais variadas,
doit ceder place à l’analyse des multiplex
destacando-se, entre elas, por exemplo a
systèmes d’action qui l’englobent” (1977, p.
relação de dependência unilateral das
195).
organizações com o ambiente externo. De
Por outro lado, a abordagem mais
maneira geral, Crozier e Friedberg
fluída, menos normativa, que Crozier e
reconhecem que a teoria da contingência
Friedberg propõem para os sistemas de
estrutural teve o mérito de renovar
ação pode induzir o leitor o entendimento
conceitualmente e empiricamente os
de qualquer coisa/situação poderia ser
estudos sobre as organizações, mas, ao
classificado como tal. Para evitar críticas
mesmo tempo, entendem que se trata de
nesse sentido são identificadas algumas
uma perspectiva reducionista e
características básicas de um sistema de
demasiadamente tecnicista da realidade
social.
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As críticas dos autores em relação a denominam de “dilema da mudança”, no
essa abordagem são importantes para qual, de um lado estão os recursos
esclarecer diferenças centrais de disponíveis para implementar
abordagem, compreender o que há de novo determinada mudança e, de outro lado, o
na abordagem sistêmica proposta e custo de oportunidade e as dificuldades
aprofundar determinadas reflexões, tais que os atores enfrentam para mobilizar
como a relação entre as organizações e o tais recursos, considerando especialmente
ambiente externo e o impacto desse fluxo as limitações impostas pelas regras
nas dinâmicas sociais. organizacionais. A capacidade de conseguir
identificar e mobilizar tais recursos para
gerar qualquer mudança é qualificada
Mudança e Processos Decisórios pelos autores como conhecimento.
As mudanças são uma característica
A penúltima e a última parte do livro inerente dos sistemas de ação, tendo uma
são dedicadas aos problemas do processo relação direta com as relações de poder
de tomada de decisões, envolvendo uma entre os indivíduos, dentro e fora das
reflexão acerca da racionalidade e escolha organizações. E, as tomadas de decisão são
dos atores. Os autores esclarecem que a processos nos quais a racionalidade dos
ação coletiva é um processo constante de atores desempenha papel importante,
construções coletivas, denominadas de juntamente com outros aspectos tais como
changement, ou mudança. Na verdade, a o jogo político e organizacional:
mudança é uma característica inerente aos
La délibération, le choix de la décision
sistemas de ação (por exemplo, a mudança
elle-même ne se comprennet pas
do sistema feudal para o sistema seulement de ce fait comme un calcul,
capitalista). mais comme un jeu politique seul
Compreender a reflexão acerca da capable d’intégrer ces pressions
contradictoire (p. 334).
mudança exige colocar o conceito de
poder, mais uma vez, no centro das
análises, uma vez que Crozier e Friedberg
esclarecem que nenhuma mudança pode
ser implementada sem impactar os
Referências Bibliográficas
sistemas de poder. De modo que uma vez
que o poder é um instrumento de
transformação, ele é um obstáculo e, ao
mesmo tempo, uma finalidade das ações de Crozier, Michel., & Friedberg, Erhard.
mudança. (1977). L’acteur et le système: les
A respeito do changement é contraintes de l’action collective. Paris:
apresentado na obra aquilo que os autores Éditions du Seuil.

Recebido em 14/08/2018.
Aceito em 03/10/2018.
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