Você está na página 1de 6

Segundo Hardy e Clegg (1998) as organizações contemporâneas oriundas da

evolução e divisão do trabalho nas organizações apontam que o conhecimento é


dividido entre aquele que é mais valorizado, geralmente mais específico, abstrato,
relacionado ao trabalho mental e aquele que é menos valorizado, relacionado ao
trabalho manual e mais mundano. Esta distinção, segundo os autores, é a principal
característica de noção das organizações contemporâneas e seu design organizacional,
dentro deste design, é presente a discussão do poder enquanto forma de manter a
obediência organizacional.
Partindo das ideias de Weber (1978), Hardy e Clegg (1998) realizam o ponto
inicial analítico para compreensão do poder nas organizações, segundo os autores:
“o poder tem sido visto tipicamente como a
habilidade de fazer outros fazerem o que você quer
que seja feito, se necessário contra a própria vontade
deles, ou fazê-los fazer alguma coisa que eles não
fariam em outra situação.” (p.261)

Contudo, a partir desta noção os autores analisam duas vozes diferentes que
falam sobre o poder e que a partir deste conceito, se divergem quanto à compreensão
deste fenômeno nas organizações, portanto há a visão de poder analisada segundo duas
vertentes, a crítica e a funcionalista. A visão crítica, orientada sobre os trabalhos de
Marx e Weber, confrontando temas como dominação e exploração e a visão
funcionalista, com orientação gerencial sobre o tema cujo desenvolvimento central se
deu no campo dos estudos organizacionais.
A visão crítica, orientada por Marx e Weber possuem em si algumas diferenças,
Marx afirmou que em um sistema capitalista, os interesses de classe derivam da
condição dos agentes de propriedade e controle dos meios de produção, de maneira que
as relações sociais deste sistema são determinadas segundo as relações de produção,
propriedade, controle e direito, Weber considerou influencia tanto nas relações na
produção quanto nas relações de produção, para o autor, o poder era derivado da
propriedade e do controle de produção, não se reduzindo somente às categorias
dicotômicas de propriedade ou não propriedade propostos por Marx, para Weber, o
poder é derivado tanto da propriedade quanto do conhecimento das operações, isto
significa que as organizações se diferenciam em termos de capacidade de pessoas em
controlar métodos de produção, de maneira a influenciar as técnicas de produção.
Weber afirma que os membros da organização têm alguma criatividade,
discernimento e meios para uso do poder, visto que as estruturas de dominação da
organização não dependem apenas do poder econômico para sua construção e
permanência, mas também do conhecimento. O poder do trabalhador representa a
capacidade de trabalho e sua efetiva realização implica poder e organização do controle,
isto é, o poder nas organizações refere-se à estrutura hierárquica dos cargos e a suas
relações de reciprocidade. O trabalho de Weber trouxe maiores possibilidades de
manobras estratégicas que as visões marxistas, trazendo trabalhadores novas opções e
possibilidades de desafiarem o poder que os controlava, o problema é que as estratégias
dos grupos dominantes são extremamente mais sofisticadas do que as propostas por
Weber. Pode-se entender que para Marx e Weber, o poder é relacionado às estruturas
pelas quais certos interesses organizacionais eram dominados.
Segundo a visão funcionalista, orientada pelo management, ou gerencialismo, a
hierarquia e o poder entre os diversos níveis e cargos dentro de uma organização se
referem ao poder legítimo. Contudo, esta corrente de estudiosos acredita ainda na
influência de uma força de poder “ilegítimo”, isto é, o poder que é exercido fora das
estruturas hierárquicas formais. O modelo funcionalista ou gerencial de poder foi
analisado nas ultimas décadas por diversos autores.
Dentro dos estudos de Hardy e Clegg(1998), foi-se analisado o trabalho de
Thompson, em suas pesquisas o autor analisou duas equipes de apoio da USAF(United
States Air Force) e descobriu que apesar da equipe de vôo ter uma autoridade formal
maior que a equipe terrestre, a última estava em uma posição central dentro da USAF,
de maneira que a equipe aérea dependia da equipe terrestre para sobrevivência e
segurança, conferindo certo grau de poder para a equipe terrestre. Thompson descobriu
que há então um poder que não é derivado das relações formais de trabalho, este poder é
derivado de sua competência técnica e da posição estratégica que ocupam a fim de
manter a segurança da equipe aérea.
Dubin e Mechanic, concordaram com um ponto em comum das análises de
Thompson, para eles, o conhecimento técnico é a base para o poder dentro das
organizações, diferenciando o poder formal do poder "real" que é o poder "ilegítimo".
Esta diferença foi melhor analisada por Bennis et al., segundo estes autores, nas
organizações formais reside um poder de influência baseado na posição, a "autoridade",
enquanto nas informais, existe o poder entendido como a capacidade real de influência
baseada em um série de fatores, incluindo, a posição hierárquica dentro da organização.
Nos trabalhos de Crozier há a associação da teoria da firma com o conceito de
poder, segundo o autor, as organizações tentavam se comportar como se fossem
sistemas, ao fazerem isto em um ambiente incerto, tentavam controlar a incerteza, que
representava portanto uma fonte de poder. Deste conceito, Hickson desenvolve a
"teorida das contingências estratégicas do poder intra-organizacional", persistindo a a
ideia que o poder estava relacionado ao controle da incerteza, realizando métodos
formais de pesquisa, apresentou cenários hipotéticos para avaliação de gerentes de
diversos departamento de diversas organizações, Hickson constatou que as pessoas que
trabalhavam em áreas funcionalmente específicas foram identificadas como as que
usaram conhecimento técnico para controlar a incerteza e aumentar seu poder
relativamente à aquele prescrito formalmente dentro da hierarquia da organização. Esta
mudança metodológica produziu um modelo funcionalista formal, compreendendo a
organização por quatro subsistemas ou subunidades funcionais interdependentes que
poderiam ter maior ou menor grau de independência e incerteza para as outras
subunidades. Tais subunidades se relacionavam por uma necessidade de reduzir a
incerteza e alcançar os objetivos da organização, de maneira que o poder é definido em
termos de "contingências estratégicas", de maneira que as subunidades estrategicamente
contingentes são as mais poderosas, pois dependem menos das demais e possuem maior
chance de sobrevivência quanto à incertezas, supondo que as subunidades são
naturalmente unitárias e coesas, embora de fato as gerências destas subunidades não
estejam em uma categoria unitária ou coesa, como afirma Hardy e Clegg (1998), "para
que ela fale com uma só voz, normalmente outras vozes devem ser marginalizadas ou
silenciadas"(p.266), não confrontando portanto os padroes de legitimação existentes.
Outra visão semelhante às contingências estratégicas estão a da dependência de
recursos, derivada da psicologia social e presente nos estudos de Emerson e Mechanic,
definem que informação, incerteza, especialidade técnica, credibilidade, posição,
prestígio, acesso e contatos com membros do alto escalão, controle do dinheiro,
recompensas e sanções são elementos identificados como bases de poder, cujo processo
de mobilização de poder é conhecido como política.
Diante destas análises, Hardy e Clegg afirmam que nos estudos posteriores do
modelo crítico e funcionalista de poder, houve a criação de um abismo entre estes
diferentes modos de análise do poder, ao invés de realizar a construção de uma ponte
por meio do diálogo entre estas diferentes vozes de poder.
O aprofundamento do modelo crítico, foi tomado base teórica a resistência de
grupos subordinados, tentando explicar os motivos de tão pouca resistência e a razão do
consentimento de subjugação de muitos grupos desfavorecidos. Lukes analisa estas
razões e afirma que a comunidade é regida por uma elite, que influencia um ambiente
marcado pela pluralidade de comunidades, isto é uma sociedade pluralista, Hardy e
Clegg(1988) afirmam que estes falharam em analisar que os interesses de todos os
grupos poderiam não estar inseridos na arena de tomada de decisoes. Neste sentido a
não-participação, é um resultado de agentes que detêm o poder e que decidem quem são
aqueles que compartilham e utilizam o poder para tomada de decisões, Bachrach e
Baratz, afirmam que o processo decisório é disponível para grupos mais poderosos, que
por meio do estabelecimento de procedimentos e rotinas políticas utilizam deste
mecanismo para regular quem são os agentes participantes do processo decisório, por
trás de todo este processo, o poder está presente não somente na tomada de decisões
chave para as organizações. Lukes apontou que o modelo de Bachrach e Baratz se
baseava na presença de conflitos para manifestação do poder como mecanismo de
exclusão do processo decisório, contribuindo no sentido do entendimento de que o
poder pode ser usado para evitar conflitos através da modelação de:
"(...) percepções, cognições e preferências
(das pessoas), de um modo tal que elas
aceitem seu papel na ordem existente das
coisas, mesmo porque elas não podem ver
ou imaginar alguma alternativa, ou, porque
elas vêem isso como natural ou imutável,
ou porque elas atribuem a isto um valor
divinamente ordenado e benéfico"(Hardy e
Clegg, 1988, p.268)

Neste sentido, o poder é mais efetivo e perigoso em suas consequências quando


temas não vêm à tona, isto é, quando os agentes que são afetados por este poder
permanecem ignorantes e não percebem, ou quando percebem, permanecem estáticos.
Diante desta situação, Hardy e Clegg (1988) trazem os estudos mais recentes de Mann,
cujo conceito de "cerceamento organizacional" aborda a resposta para o porquê dos
grupos dominados consentirem com a situação de dominação/subordinação. O primeiro
motivo está no fato dos grupos cerceados terem ausência de conhecimento, isto é,
ignorância quanto a questões estratégicas organizacionais, tais como procedimentos de
rotina, regras, agendas, acesso, condutas informais, protocolos formais e substância do
poder. Em segundo lugar, os agentes cerceados podem até mesmo ter o conhecimento
estratégico e operacional, sabendo o que deve ser feito, contudo fatores mencionados
pelos autores próprias do regime capitalista como a necessidade de sustento do
indivíduo e da satisfação de suas necessidades oriundas de seu salário, o cansaço do
trabalho, a natureza da ocupação, a rotina entorpecente, compulsória e interminável das
tarefas desempenhadas nas organizações acabam por "disciplinar a animação de
espíritos teoricamente livres" (Hardy e Clegg,1988, p.270)
O desenvolvimento teórico do modelo funcionalista nas décadas seguintes
segundo Hardy e Clegg (1988) foi apresentado e desenvolvido sob uma perspectiva
diferente da visão crítica, isto é, a ideia de que o poder ao invés de ser utilizado para
evitar conflitos, deve ser utilizado para vencer tais conflitos, no modelo
funcionalista/gerencialista, os interesses da alta administração são os interesses da
organização podendo utilizar seu poder para satisfazer o interesse próprio e nem sempre
os da organização, logo os gestores são forçados a suprimir todo o poder emanado por
classes ou grupos de trabalhadores e sindicados por meio de mecanismos de dominação
ocultos como liderança, estrutura e cultura. Logo, a perspectiva funcionalista classifica
o poder como ilegítimo, disfuncional e como manifestação de um comportamento
baseado no interesse próprio.
A abordagem de poder enquanto forma de legitimação de Astley e Sachdeva
(1984) forneceu a oportunidade de reduzir chances de haver oposição, logo de conflitos.
O poder, segundo tais autores "não é utilizado somente para alcançar resultados
materiais, mas para dar algum significado, legitimando-se e justificando-se."(p.272).
Nos estudos organizacionais a legitimação enquanto mecanismo mobilizador quando
comparado ao uso da coerção é muito mais eficiente, uma vez que a última apresenta
resistências e oposições, neste sentido houveram esforços teóricos de ligar a
legitimidade aos estudos gerenciais funcionalistas da organização, contudo falharam ao
não abordar o poder presente na cultura, tecnologia e estruturas, não só tais autores
como muitos outros abordaram tais itens apenas como mecanismos de gerenciamento e
não como formas de exercitar o poder.
A abordagem do poder sob a perspectiva de gênero nas organizações foi um
trabalho que se iniciou na década de 70 (Kanter (1975; 1977) e Janet Wolff (1977)) a
partir da análise de quantidade, de poder e oportunidades para homens e mulheres nas
empresas que germinaram a ideia de "superação de papéis sexuais", isto é transpor
papeis socialmente definidos segundo o gênero de cada indivíduo no local de trabalho.
Nas organizações, gênero e sexualidade são intimamente ligados à vida organizacional,
área ocupacionais de secretariado e recepção são dominadas por mulheres, enquanto o
trabalho técnico, estratégico e de gestão são mais atribuidos aos homens, dando a ideia
de que "elegância, inteligência e recato são medidos em dimensões de gênero" (Mills,
1988, p.277). Ao invés de contestar tais suposições tidas como certas, o viés de gênero
analisado nos estudos organizacionais por utilizado pelos grupos dominantes para
manter o status quo, mantendo inquéstionáveis por décadas suas vantagens e privilégios
sociais e organizacionais. Hardy e Clegg (1988) afirmam que as organizações não
produzem machismo, mas sim que o machismo faz com que as organizações tomem
decisões machistas, isto significa que as ações e decisões das organizações são resultado
deste problema ideológico e não a causa do mesmo.
O problema da identidade dos indivíduos não está somente ligado ao gênero ou
sua sexualidade, ou ao tipo de cargo que exerce na organização. Assim como o poder,
Hardy e Clegg afirmam que as pessoas nas organizações manifestam significados,
sujeitas portanto a regimes específicos tanto de significação dentro das organizações
quanto de disciplina, neste sentido identidade como idade, etnia, sexo, gênero, classe e
demais fenômenos são capazes de prover meios de resistência às significações
organizacionais e à disciplina, através da "formação de limites de discreção na vida
organizacional" (Hardy e Clegg, 1988, p.277). Como fazer, quem deverá fazer, o que
fazer, são todas criações que tomam por base identidades socialmente reconhecidas e
organizacionalmente consequentes. Isto significa que as organizações são estruturas de
dominação patriarcal, classe, gênero, étnica, e etc, segundo características próprias de
cada uma e que resultam na divisão do trabalho segundo conceitos de gênero,
departamentos, hierarquias, ambientes, e diversos outros. Diante da divisão do trabalho
nas organizações e a relação de dominação e subordinação entre os indivíduos origina-
se neste ambiente complexo o papel do poder e da resistência segundo os simbolos,
significados e ações presentes nas organizações e na sociedade.
A relação entre poder e resistência toma forma quando as ordens enfrentam
problemas de obediência por parte dos agentes sujeitos a se comportarem segundo as
ordens propostas, segundo Henry e Clegg (1988) a obediência não pode ser garantida,
em vistas a isto, o poder tanto por parte dos detentores quanto por parte dos objetos que
nele são aplicados tal poder se inserem "nas regras do jogo" contextuais que tanto
podem possibilitar quanto restringir as ações dos agentes subordinados. Tais ações
devem ser atribuidas de significado, isto é, determinadas a partir de regras e referências
que as identificam, para tal processo dá se o nome de normatização o qual Henry e
Clegg (1988) definem como:
"um processo constitutivo de criação de sentido, em
que são feitas tentativas de estabelecer algum
significado." (p.278)

sendo tais, passíveis de interpretação pelo detentor do poder, ou por quem detem maior
poder em um determinado momento.
Hardy e Clegg (1988) concluem que o poder possui muitas facetas e é analisado sob
diversas perspectivas, que se originam de duas linhas básicas de pesquisas, a funcionalista que
acredita que o poder é um ferramenta de "desorganização" política usada pelos oponentes dos
gerentes, que pode ser usada pelos gerentes apenas para repelir esses ataques ilegítimos,
adotando um entendimento que o poder é um recurso útil maleável, "bom" quando usado
pelos gerentes e "ruim" quando usado contra eles. Já a abordagem alternativa tem visto o
poder como um meio de dominação e a resistência como uma forma de emancipação, o autor
acredita que é o momento de parar de pensar no poder sob essas duas vozes e ver a teoria do
poder como não existente, isto é, existente somente como um ato próprio de poder. Hardy e
Clegg (1988) afirmam que deve-se investigar as relações e significados que constituem tal
poder, ouvindo com maior atenção as pessoas que praticam e são afetadas por tais poderes.
Tal abordagem defende portanto mais estudo empírico sobre as disputas locais, afirmando
que é possível aprender muito através de exemplos mais objetivos e visíveis do fênomeno
poder. Neste sentido os autores apresentam alguns exemplos de pesquisas como diferentes
mulheres em diferentes situações socioculturais são afetadas pelos diversos aspectos e
manifestações da discriminação de gênero( Sawicki, 1991; Kerfoot e Knights, 1993); a
desconstrução de práticas disciplinatórias dominantes, presentes por exemplo nas atividades
relativas a contabilidade (Knights e Collinson 1987). Analisar as perspectivas dos atores
dominados ou vozes que são resistentes e silenciadas a fim de melhor compreensão deste
fenômeno que caso não abordado nesta forma de pesquisa, nunca poderá ser melhor
compreendido. Concluem Hardy e Clegg (1988) que a participação ativa do pesquisador a fim
de melhor compreender os pontos subjetivos destas análises nos ambientes de nosso
cotidiano certamente nos tornarão capazes de contribuir para conscientização e compreensão
do quanto somos presos a uma rede de poder que nós mesmos ajudamos a criar e perpetuar.

Você também pode gostar