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D
epois de tantas oscilações na economia mundial, chegou a hora de vislum-
brarmos o fim do capitalismo? Ou essa é apenas mais uma das acentuadas
crises que compõe o sistema financeiro internacional? Embora muitos mar-
xistas estimem que o capitalismo esteja em crise há quase meio século, a
economista da USP Leda Paulani afirma o contrário. Em entrevista concedida
por e-mail à IHU On-Line, a pesquisadora é enfática: “Creio que o reinado financeiro
Divulgação
ainda durará por um bom tempo, primeiro porque, por mais que a crise tenha debili-
tado essa poderosa riqueza financeira, ela ainda parece grande demais para deixar de
impor seus requerimentos ao andamento material do planeta”. Seguidora das idéias
de Karl Marx, Leda aponta para uma possibilidade futura: “Passaremos por um período
de maior regulação”. De qualquer modo, essas mudanças de posicionamento político e
econômico não vão conseguir acabar com a instabilidade econômica. “Se prevalecer,
como imagino que prevalecerá, o poder do capital financeiro, essas crises abissais con-
tinuarão no horizonte, porque o capital financeiro é extremamente flexível e pródigo
em invenções que escapam a qualquer regulação”, considera.
Leda Paulani é doutora em Teoria Econômica, pelo Instituto de Pesquisas Econômicas da
Universidade de São Paulo (USP). Obteve livre docência pela mesma universidade e é presi-
dente da Sociedade Brasileira de Economia Política, pesquisadora do Instituto de Pesquisas
Econômicas e professora da USP, além de ser autora de obras como Modernidade e discurso
econômico (São Paulo: Boitempo Editorial, 2005) e Brasil Delivery: servidão financeira e es-
tado de emergência econômico (São Paulo: Boitempo Editorial, 2008). Em outubro de 2007, a
professora esteve na Unisinos, participando do Ciclo de Estudos Fundamentos Antropológicos
da Economia, no qual apresentou o pensamento de Guy Debord (1931-1994), com a palestra
“A mercadoria como espetáculo”. Leda Paulani é autora do artigo “A (anti)filosofia de Karl
Marx”, publicado nos Cadernos IHU Idéias nº 41, de 2005.
IHU On-Line - É correto afirmar que a em crise desde meados dos anos 70 num ciclo de acumulação financeira.
crise financeira internacional é con- do século passado, porque desde en- Seja como for, o fato é que, pelo me-
seqüência da crise do capitalismo? tão as taxas médias de crescimento nos desde o início deste novo século,
Leda Paulani - Essa é uma questão declinaram em todo o planeta. Outros essa morosidade do sistema no que
polêmica, cuja resposta não podemos acreditam que há, desde pelos menos tange ao crescimento da riqueza real
dar aqui integralmente, pois o es- uma década antes disso, um problema parece ter sido substituída por uma
paço não é suficiente. O ponto mais não resolvido de sobreacumulação de velocidade maior, puxada fundamen-
polêmico é se o capitalismo está ou capital. Outros ainda acreditam que talmente pela decisão da China de
não em crise e se está desde quan- o capitalismo passa por ciclos sistê- passar a integrar o sistema capitalis-
do. Dentre os autores marxistas, al- micos de acumulação, ora real, ora ta. Nesse sentido, o terremoto finan-
guns julgam que o capitalismo está financeira, e que estaríamos agora ceiro que assistimos tem funcionado
6 SÃO LEOPOLDO, 20 DE OUTUBRO DE 2008 | EDIÇÃO 278
como desmancha-prazeres, de modo crescimento da riqueza real), implica
que se poderia dizer, ao contrário, a submissão da totalidade do sistema
que a crise do capitalismo (a que virá econômico aos imperativos da lógica
agora) é que é conseqüência da crise financeira da acumulação, o que ga-
financeira. Mas, como disse, essa uma rante a continuidade do crescimen-
questão muito complicada para ser to dessa mesma riqueza. Ora, esse
trabalhada aqui.
“O que Marx mostrou de crescimento desmesurado simples-
mente não existiria se não existisse o
IHU On-Line - Quais as lições de Marx
mais importante sobre capital fictício. Quando o dinheiro é
em relação ao livre mercado que emprestado para que se o receba de
podem nos ajudar a compreender a
o assim chamado ‘livre volta aumentado, numa data futura,
crise financeira atual? está implícita nessa transação a capa-
Leda Paulani - O que Marx mostrou
mercado’ é que ele cidade potencial que o dinheiro tem
de mais importante sobre o assim de se multiplicar. Essa capacidade é
chamado “livre mercado” é que ele
esconde por trás de sua “verdadeira”, se esse dinheiro for dar
esconde por trás de sua aparência de uma voltinha no mundo da produção
liberdade, igualdade e equilíbrio o
aparência de liberdade, de bens e serviços, mas cria capital
contrário disso. Ele põe a aparência fictício quando, por meio de uma sé-
de liberdade porque todos são juri-
igualdade e equilíbrio o rie de mecanismos, cuja explicação
dicamente iguais, proprietários de demandaria um espaço que não te-
mercadorias, e parecem livres para
contrário disso” mos, ele não percorre esse caminho. A
vender suas mercadorias a quem qui- crise que agora presenciamos tem em
serem e se quiserem e para comprar o seu bojo uma criação num grau inédi-
que quiserem, de quem quiserem e se to de capital fictício. Tudo seria mais
quiserem. Ele põe a igualdade porque simples se pudéssemos simplesmente
quando mostra que algo, uma bolsa, eliminar esse capital, digamos assim,
por exemplo, é igual a R$ 25,00, a “espúrio”, penalizando apenas quem
venda da bolsa parece uma transação res e devedores. Aquele que fornece contribuiu para sua disseminação,
justa, em que se trocou valor de um crédito é ao mesmo tempo o detentor conseguindo com isso colocar o siste-
tipo por valor de outro tipo. A apa- de uma forma especial de capital, ma de volta num curso menos fantas-
rência de equilíbrio vem da reitera- que Marx chama de capital portador magórico. Mas isso está longe de ser
ção das transações mercantis (com de juros, e que mais popularmente é simples, porque existem inúmeros fios
suas trocas iguais) no dia-a-dia dos chamado de capital financeiro. Marx nervosos ligando um sistema ao outro.
mercados, num movimento que pare- diz sobre o capital portador de juros O crédito para a produção e para o co-
ce poder repetir-se indefinidamente. que ele é a matriz de todas as formas mércio é o mais importante e o mais
Quando surgem crises da dimensão da aloucadas de capital. Quem acom- visível desses fios.
que agora vivemos, elas não combi- panhou o redemoinho vivido pelos
nam com essa aparência idílica e de- mercados financeiros do mundo nas IHU On-Line - A partir das teorias de
nunciam a complexidade e as relações últimas semanas não pode deixar de Marx, quais os rumos que podemos
contraditórias que constituem o siste- dar-lhe razão. imaginar para o mundo capitalista, a
ma capitalista. partir da crise financeira internacio-
IHU On-Line - Em que sentido o con- nal?
IHU On-Line - Qual a validade das ceito de “capital fictício” elaborado Leda Paulani - Esta pergunta está re-
definições de Marx para o crédito e por Marx contribui para esclarecer o lacionada à anterior sobre a crise do
o capital financeiro neste momento caráter da crise de agora? sistema capitalista e sua resposta de-
de crise mundial? Leda Paulani - Dentre todos os con- pende, em última instância, da forma
Leda Paulani - Crédito e Capital Fi- ceitos criados por Marx para dar con- como enxergamos o capitalismo hoje.
nanceiro condicionam-se mutuamen- ta da realidade capitalista, talvez Tem se falado muito que voltaremos
te. Quando o dinheiro serve não ape- não haja conceito mais importante a viver sob um capitalismo super re-
nas para comprar mercadorias (bens, para interpretar a crise atual do que gulado, como aquele vigente desde
serviços, força de trabalho, máquinas o de capital fictício. Muitos autores o fim da Segunda Guerra até meados
etc.), mas igualmente para pagar dívi- têm considerado que, pelo menos dos anos 1970, que o capital financei-
das (e também comprar honra, cons- desde o início dos anos 1980 do sé- ro perderá força, que o neoliberalis-
ciência, enfim tudo aquilo que seja culo passado, o capitalismo vive uma mo morreu etc. Não acredito muito
adaptável à forma preço), Marx diz nova etapa, cujo tom é dado pela fi- nessas previsões. Creio que o reinado
que ele se transforma em meio de pa- nanceirização. Essa financeirização, financeiro ainda durará por um bom
gamento geral, e se ele funciona as- produzida pelo crescimento desmesu- tempo, primeiro porque, por mais que
sim é porque já estão em cena credo- rado da riqueza financeira (frente ao a crise tenha debilitado essa poderosa
“A
obra de Marx, e principalmente O capital, tem por objeto as con-
tradições da sociedade capitalista e os limites postos ao capitalismo
por essas contradições. São estas contradições econômicas, sociais
e políticas as que provocam suas crises.” A análise é do professor Al-
varo Bianchi, do Departamento de Ciência Política da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp). Em entrevista concedida por e-mail para a IHU On-
Line, ele lembra que “Marx nunca achou que o capitalismo encontraria calma e pacifi-
camente seu fim dando lugar a uma forma de sociabilidade que conseguisse expurgar as
crises. Mas as recorrentes crises do capitalismo revelam as tendências autodestrutivas
do próprio capitalismo. A escala dessa autodestruição não pode ser subestimada”. E
acrescenta: “O retorno de formas pré-capitalistas de trabalho, como o trabalho escravo
nas zonas agrícolas extrativistas, ou formas degradadas de salário, com a remuneração
por peça na moderna indústria, o aquecimento global e a invasão do Iraque são algumas
manifestações dessa autodestruição”. Professor do Departamento de Ciência Política
da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Alvaro Bianchi é diretor do Centro
de Estudos Marxistas (Cemarx) e secretário de redação da revista Outubro. É doutor em
Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas.
IHU On-Line - O que Marx enten- so, a ciência econômica deixou de ter transformações que o capitalismo
dia por “economia política vulgar”? como objetivo a investigação das con- neoliberal provocou na estrutura de
Como ela contribui para chegarmos tradições sociais e transformou-se em classes da sociedade brasileira?
à crise atual? uma apologética. Marx chamava essa Alvaro Bianchi - Nos últimos vinte
Alvaro Bianchi - Marx tinha em gran- ciência econômica pós-ricardiana de anos, tiveram lugar profundas trans-
de conta a economia política clássica “economia vulgar”. A principal carac- formações na estrutura de classes de
e considerava a obra de David Ricar- terística da economia vulgar é que nossa sociedade. Tais mudanças não
do1 o ápice da ciência econômica de ela insiste em fixar-se nas formas de atingiram apenas os trabalhadores
sua época. Mas, na medida em que o manifestação da mais-valia e da pro- como também a composição da bur-
conflito social tornou-se mais inten- dução capitalista, ao invés de analisar guesia. Comecemos por esta última.
1 David Ricardo (1772 - 1823): economista in- a verdadeira natureza destas. Desse Nas décadas de 1980 e 1990, teve lu-
glês, considerado um dos principais represen-
tantes da economia política clássica. Exerceu
modo, se, no capital produtor de ju- gar uma recomposição profunda da
uma grande influência tanto sobre os econo- ros, que é a forma do capital financei- economia nacional que reconfigurou
mistas neoclássicos, como sobre os economis- ro, este aparece (e destaco a palavra a burguesia. A indústria nacional, que
tas marxistas, o que revela sua importância
para o desenvolvimento da ciência econômica.
aparece) como fonte independente ganhou força nas décadas anteriores,
Os temas presentes em suas obras incluem a de valor, os economistas vulgares to- foi fortemente internacionalizada.
teoria do valor-trabalho, a teoria da distribui- mavam essa aparência como sua es- Fusões e aquisições tiveram lugar e
ção (as relações entre o lucro e os salários), o
comércio internacional, temas monetários. A
sência. Este erro, que já havia sido indústrias que simbolizavam o perí-
sua teoria das vantagens comparativas cons- denunciado por Marx em seus escritos odo anterior — por exemplo, Metal
titui a base essencial da teoria do comércio do começo dos anos 1860, pode aju- Leve, Cofap e Cobrasma — simples-
internacional. Demonstrou que duas nações
podem beneficiar-se do comércio livre, mesmo
dar a explicar a crise atual. mente deixaram de existir, dando
que uma nação seja menos eficiente na pro- lugar a empresas multinacionais em
dução de todos os tipos de bens do que o seu IHU On-Line - Quais as principais alguns casos. Ao mesmo tempo, os
parceiro comercial. (Nota da IHU On-Line)
A
lém das especulações econômicas em torno da atual turbulência internacio-
nal, economistas de todo o mundo refletem sobre as possíveis mudanças no
capitalismo. “O que ocorrerá daqui para frente? O socialismo, rumo a uma
sociedade comunista?”, questiona Marcelo Carcanholo, da Universidade Fe-
deral Fluminense (UFF), em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.
Com pouca esperança, Carcanholo diz que não existem garantias de mudança. Para ele,
Divulgação
uma transformação no modelo econômico capitalista só vai ocorrer “se os seres huma-
nos se propuserem a isso, e se, de fato, esse projeto for historicamente exeqüível”. In-
dependente de uma interpretação marxista, aponta, “o período neoliberal manifestou
sua crise ideológica e política de forma aguda com esta crise financeira atual”. A única
alternativa para o capital, nesse momento, é contar com a atuação do Estado. “Isto
significa que o Estado arcaria com esses prejuízos, no sentido de que adquire esses tí-
tulos sem nenhuma liquidez (sem possibilidades de revenda em mercados secundários),
no final das contas, a custas do tesouro”, enfatiza. De qualquer modo, alternativas
como essa podem amenizar situações de crise, mas não são eficientes para combatê-las.
“Após um bom período de crescimento na acumulação do capital, esse tipo de ideário
acaba voltando, com uma ou outra roupagem”, assegura.
Professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e membro do Núcleo Inter-
disciplinar de Estudos e Pesquisas em Marx e marxismo (NIEP-UFF), Carcanholo é gra-
duado em Ciências Econômicas, pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em
Economia, pela UFF e doutor na mesma área, pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ). De suas obras, citamos A quem pertence o amanhã? Ensaios sobre o
neoliberalismo (São Paulo: Edições Loyola, 1997) e A vulnerabilidade econômica do
Brasil: abertura externa a partir dos anos 90 (Aparecida: Idéias & Letras, 2005).
IHU On-Line – Quais são as lições do as crises econômicas, manifestem- nham a transformar esse sistema social
marxismo para resolver uma situa- se estas da forma que for. Em outras — e nem os crescimentos da economia
ção de crise mundial, como a que se palavras, as crises não são anomalias são eternos. Qualquer perspectiva
apresenta no sistema financeiro? do sistema, mas partes integrantes de (que se diga) marxista que analise ins-
Marcelo Carcanholo - Em primeiro lu- sua lógica. O processo de acumulação trumentos de política econômica para
gar, do ponto de vista mais rigoroso, a de capital é cíclico, porque, para cada minorar os efeitos das crises está, no
obra de Marx — em especial, O capital, fase de crescimento na acumulação de fundo, propondo uma perspectiva mui-
que trata das leis gerais de funciona- capital, as contradições aprofundadas to mais keynesiana que marxista, pois,
mento do modo de produção capitalis- nessa fase levam, inexoravelmente, a para esta última, a política econômica
ta — não tem como objetivo construir crises, e estas, por sua vez, produzem para suavizar os movimentos cíclicos é
uma instrumentalização político-eco- conseqüências que permitirão uma uma questão menor, se é que se trata
nômica para resolver os momentos de nova fase de acumulação de capital. de uma questão.
crise da economia capitalista. Ao con- Dessa forma, nem o capitalismo aca- Em segundo lugar, o que o livro III
trário, o que se pretende é mostrar bará, por si só, em razão de uma crise de O capital mostra, dentre outras
como o processo de acumulação de econômica — ainda que esta possa ex- coisas, é que o desenvolvimento do
capital, e mais especificamente suas plicitar tanto as contradições do sis- capital fictício (que não pode ser con-
leis (de tendência) gerais, pressupõe tema que os seres humanos se propo-
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fundido com aquilo que Hilferding,1 sultado disso para os trabalhadores é tivamente fracionadas em seus interes-
em 1910, chamou de Capital Financei- o aprofundamento da atual lógica. O ses. O melhor exemplo disso foi depois
ro) potencializa o caráter dialético da que poderia mudar, lá adiante, é a ló- da crise cambial brasileira em 1999,
acumulação de capital, e, em momen- gica da apropriação dessa mais-valia quando a desvalorização do câmbio per-
tos de preponderância de sua funcio- produzida, com menor participação da mitiu atender os interesses da burguesia
nalidade, acelera o seu crescimento. lógica fictício-especulativa. Isso é me- agrário-exportadora, ao mesmo tempo
No entanto, pelas mesmas razões, nos ramente uma possibilidade, mas mes- em que, aliado ao ciclo de alta na liqui-
momentos de imposição de sua dis- mo aí o capitalismo tenderá a aprofun- dez internacional, essas maiores expor-
função, ele potencializa os efeitos da dar a exploração do trabalho. tações permitiam a entrada de divisas,
crise, podendo ser até o fator detona- o que atende os interesses meramente
dor dessa fase. Este é o momento que IHU On-Line - Quais as principais patrimonialistas do capital fictício-espe-
vivemos agora. transformações que o capitalismo culativo. Essa conjuntura unificou as três
neoliberal provocou na estrutura de frações de classe da burguesia brasilei-
IHU On-Line - Em que medida a regu- classes da sociedade brasileira? ra (agrário-exportadora, “financeira” e
lação das instituições financeiras po- Marcelo Carcanholo - Pelo fato de que “produtiva”). Tudo isso em pleno gover-
derá acalmar o mercado financeiro e o capitalismo neoliberal (contemporâ- no do Partido dos Trabalhadores, o que
proporcionar um novo rumo para o neo) corresponde ao domínio da lógica nos leva a outra questão.
capitalismo? Isso é possível? do capital fictício, meramente apropria- No capitalismo contemporâneo, a
Marcelo Carcanholo - Regulamenta- dor de mais-valia, sem produzi-la dire- lógica do capital fictício é tão hege-
Divulgação
“O
s escritos de Marx nos permitem entender que o desenvolvimento
capitalista é o caminho para a destruição da própria humanida-
de”, assegura Paulo Nakatani, economista e presidente da Socie-
dade Brasileira de Economia Política (SEP). Na entrevista que se-
gue, concedida por e-mail à IHU On-Line, ele afirma que a atual
crise pode gerar conseqüências ainda mais negativas, principalmente para o mundo do
trabalho. No contexto em que aparentemente há uma redução das desigualdades sociais
e da miséria, a precarização do trabalho tende a aumentar com “a elevação da taxa de
exploração do trabalho pela maior intensidade do trabalho, a super-exploração de tra-
balhadores da periferia do sistema pela deslocalização das firmas e pelo aumento da ex-
tensão da jornada de trabalho”, aponta o pesquisador. Além de estar “em guerra quase
permanentemente em algum lugar do planeta, há décadas”, a crise do capitalismo ainda
vai “destruir ferozmente uma massa gigantesca de recursos naturais”, afirma.
Formado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Nakatani
cursou mestrado na Université de Paris X, doutorado na Université de Picardie e pós-doutora-
do na Université de Paris XIII. Membro do conselho editorial da Revista de Economia Critica,
Nakatani também é professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). O pesqui-
sador é responsável pela organização do livro Crise ou regulação. Ensaios sobre a teoria da q
regulação (Vitória: Editora da Fundação Ceciliano Abel de Almeida, 1994).
IHU On-Line - Por que hoje muitos fora do modo de produção capitalista. venção e agravando ainda mais a crise
retomam Marx como o centro das do capital.
atenções no debate sobre a crise fi- Clássicos econômicos ainda podem Os keynesianos e pós-keynesianos
nanceira internacional? Em que sen- explicar as crise? acreditam, em maior ou menor grau,
tido as teorias marxistas contribuem que o capitalismo pode ser regulado
para compreendermos a crise no sis- Um dos fundamentos da teoria neo- pelas intervenções do Estado. O prin-
tema financeiro? clássica é o equilíbrio. Portanto, não cipal equívoco deles, nesse caso, é
Paulo Nakatani – Como nenhuma das pode haver crise, a não ser por fato- que eles consideram que o Estado e
correntes da teoria econômica burgue- res externos. Quer dizer, a “culpa” é o Mercado são instituições distintas e
sa tem resposta para as crises econômi- sempre dos outros, nunca do capital. que uma pode intervir ou interferir na
cas ou suas respostas são insuficientes, São estes economistas, naturalmente outra. Ao contrário das teorias marxis-
alguns economistas e cientistas sociais junto com políticos no poder, esco- tas do Estado, nas quais a sociedade
tentam encontrar em Marx respostas las, meios de comunicação etc. que capitalista é uma totalidade contradi-
para a crise financeira atual. Outros o capitanearam as idéias, proposições tória em sua própria natureza.
fazem por oportunismo. O que chamo e políticas econômicas chamadas de Em síntese, a busca ou o retorno a
de teoria econômica burguesa é cons- neoliberais que nos conduziram à situ- Marx é a necessidade que alguns têm
tituída por todas as correntes deriva- ação atual. Eles estão incrustados em de compreender a natureza da crise.
das do neoclassicismo e inclusive os todos os níveis e esferas da economia Isso porque Marx demonstrou há mais
keynesianos e pós-keynesianos. Todas e do Estado, defendendo essas idéias, de um século que o capitalismo é uma
elas defendem o capitalismo e não vis- sugerindo as atuais medidas de inter- forma de organização da sociedade
lumbram nenhuma saída para a crise que traz em si mesma as crises peri-
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ódicas. Ou seja, a crise faz parte do de trabalho, um retorno aos séculos
modo de existência da sociedade e do
modo de produção capitalista.
“Antes desse pico de XVIII e XIX, com toda a propalada ide-
ologia da economia do conhecimento,
Além disso, Marx é o teórico que
estabeleceu os fundamentos que con-
desvalorização do das novas tecnologias, das tecnologias
de informação e comunicação etc.
sidero mais adequados para a com-
preensão das crises financeiras, infe-
capital fictício nas IHU On-Line - Em que sentido Marx
nos ajuda a entender as profundas
lizmente no livro III de O capital, que
poucos marxistas leram com atenção.
bolsas, os ministros do contradições do mundo atual no que
se refere às crises econômicas e
Nessa parte de O capital, ele desvenda
todos os mecanismos da esfera finan-
trabalho da União mundo do trabalho?
Paulo Nakatani – Para Marx, as crises
ceira e como a expansão dessa esfera
produz os fundamentos de uma crise
Européia já haviam capitalistas decorrem do excesso de
financeira capitalista. Naturalmente,
em razão das condições do desenvolvi-
decidido implementar produção, ao contrário das crises pré-
capitalistas, quando ocorriam devido
mento do capitalismo no século XIX, há
ainda muita coisa a desenvolver a par-
em seus respectivos às insuficiências na produção. Em úl-
tima instância, a crise capitalista é o
tir dos fundamentos teóricos que Marx
apresentou. A categoria teórica funda-
países uma jornada de resultado do excesso de produção de
capital e de bens de consumo. Assim,
mental é a do capital fictício, presen-
te nos dias de hoje na gigantesca dí-
trabalho de até 65 mesmo que haja milhões de pessoas
morrendo de fome, há superprodu-
vida pública, no enorme crescimento
do valor acionário das empresas e no
horas semanais” ção, porque as pessoas não dispõem
de renda para comprar. Paralelamen-
monumental volume de crédito criado te, o excesso de capital acumulado,
pelas instituições financeiras. não encontrando espaços de acumu-
é restrito a apenas 20% da população lação na esfera real, onde se produz
IHU On-Line - Em que sentido Marx mundial. mercadorias para atender as neces-
pode ser visto como um caminho sidades humanas, dirige-se à esfera
para entender a natureza do desen- IHU On-Line – A crise atual pode alte- financeira. Essa, parafraseando Marx,
volvimento capitalista? rar o valor trabalho? aparentemente “cria dinheiro como
Paulo Nakatani – Para Marx, o desen- Paulo Nakatani – A crise atual não al- uma pereira produz peras”. Só que o
volvimento capitalista é o desenvolvi- tera em nada a teoria do valor traba- dinheiro no capitalismo contemporâ-
mento da sua contradição fundamen- lho. A riqueza capitalista continua sen- neo é muito mais complexo do que na
tal entre as forças produtivas e das do, e continuará enquanto o modo de época de Marx, mas ele já havia avan-
relações de produção. Vivemos hoje produção capitalista for dominante, çado no livro III de O capital todos os
uma época em que as forças produti- baseada na exploração do trabalho. O elementos para sua compreensão. O
vas desenvolvidas pelo capital permiti- que a crise pode alterar, como ocorreu dinheiro hoje é dinheiro de crédito e
riam a supressão da miséria, da fome, nas crises anteriores, é a elevação da como crédito é, em sua essência, ca-
das desigualdades etc. Mas as relações taxa de exploração do trabalho pela pital portador de juros.
capitalistas de produção, ou seja, a maior intensidade do trabalho, a su- Em relação ao chamado “mundo
apropriação privada da riqueza pro- per-exploração de trabalhadores da do trabalho”, não é exatamente uma
duzida impede a organização de uma periferia do sistema pela deslocaliza- categoria marxista. Pode-se dizer que
forma de sociedade mais eqüitativa e ção das firmas e pelo aumento da ex- é uma expressão criada pela corrente
igualitária. É exatamente essa contra- tensão da jornada de trabalho. Junto pós-moderna para escapar da cate-
dição, entre produção e apropriação a isso, podemos acrescentar a precari- goria proletariado, que acabou sendo
da riqueza que está se manifestando zação do trabalho. Por exemplo, antes adotada por muito marxistas e costu-
através da crise financeira. desse pico de desvalorização do capi- mamos utilizá-la correntemente. Essa
Além disso, o desenvolvimento do tal fictício nas bolsas, os ministros do é uma discussão mais complexa, na
modo de produção capitalista é ex- trabalho da União Européia já haviam qual o ponto principal é a perda do
tremamente predador tanto da força decidido implementar em seus respec- proletariado em seu papel de princi-
de trabalho quanto da natureza. Os tivos países uma jornada de trabalho pal protagonista na luta de classes e
escritos de Marx nos permitem enten- de até 65 horas semanais. Isso é um da revolução.
der que o desenvolvimento capitalis- indicador de que o que Marx definiu O que posso dizer, nesse curto es-
ta é o caminho para a destruição da como aumento da taxa de exploração paço, é que o trabalho sempre foi e
própria humanidade. Por exemplo, o através da mais-valia relativa está en- continua sendo uma categoria funda-
padrão de consumo atual, criado pelo contrando alguns limites e, portanto, mental do marxismo e da realidade da
capital, é inviável no longo prazo. Ele é necessário aumentá-la através da exploração capitalista. As mudanças
só é possível nos dias de hoje, porque forma absoluta de exploração da força ocorridas na esfera da produção com a
“A
ções. Eles têm necessariamente que
agir em função das necessidades de s crises não constituem anomalias do capitalismo, mas
reprodução do capital. Além disso, as são uma das suas características mais fundamentais”,
condições objetivas da crise capita- diz o economista Claus Magno Germer, da Universida-
lista exigem que eles se mantenham de Federal do Paraná (UFPR), em entrevista concedida
como são, pois as tentativas de refor- por e-mail para a IHU On-Line. Seguindo a orientação
ma do capital encontram suas barrei-
marxista, ele lembra que o economista alemão Karl Marx já advertia: “As
ras na própria crise do capital.
crises financeiras não podem ser evitadas, embora possam ser atenuadas,
Segundo Marx, os processos históri-
cos não ocorrem de forma espontânea e ou acentuadas, em certa medida, pelo Estado”. Segundo Germer, a crise
em uma seqüência definida, como mui- financeira em curso é prova concreta dos ensinamentos de Marx, a respei-
tos acreditavam. A construção de uma to da impossibilidade de reverter quadros como o apresentado no decorrer
nova sociedade só pode ocorrer quando dos últimos meses. Mesmo com a adoção de inúmeras medidas para conter
a classe trabalhadora assumir a tarefa colapsos financeiros, explica, “as crises sucedem-se porque fazem parte da
de efetuar essa construção. Os cami- natureza do capitalismo, e são por esta razão inevitáveis”. Marx dizia ainda
nhos desse processo não estão pré-de- “que medidas que se destinam a atenuar as contradições do capitalismo em
terminados; será um processo de busca nível apenas as projetam para um nível mais elevado, no qual explodem em
de alternativas, com erros e acertos, crises mais graves”. Nesse sentido, a atual crise financeira, embora assus-
onde todo o poder deve ser exercido tadora, é seqüência de outras crises monetárias, bancárias e financeiras do
pela maioria da população organizada
capitalismo.
de forma mais democrática possível.
Graduado em Agronomia, pela Universidade Federal Rural do Rio de Ja-
Nesse sentido, considero que alguns
países latino-americanos estão, nesse neiro, mestre em Economia Agrária, pela Escola Superior de Agricultura Luiz
momento, na vanguarda dos proces- de Queiroz, e doutor em Ciências Econômicas, pela Universidade Estadual
sos de enfrentamento ao capital e aos de Campinas, Germer é professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
imperialismos norte-americano e euro- Experiente na área econômica, com ênfase em teoria monetária e financei-
peu. Refiro-me em particular à Cuba, ra, o pesquisador escreveu a tese de doutorado Dinheiro, capital e dinheiro
Venezuela, Bolívia e ao Equador. Nos de crédito — O dinheiro segundo Marx.
três últimos países, a luta de classes
apresenta-se de forma mais aberta e
aguda nos quais se observa a interfe- IHU On-Line – De que maneira Marx pode ser visto como um caminho para
rência direta dos interesses imperialis- entender a natureza do desenvolvimento capitalista?
tas associados às burguesias nacionais. Claus Magno Germer - A teoria econômica de Marx distingue-se das demais
A maior novidade nesses países é que pelo fato de reconhecer o caráter transitório, em termos históricos, do ca-
os trabalhadores organizados estão as- pitalismo. Ou seja, concebe o capitalismo como uma forma de sociedade
sumindo o poder do Estado capitalista que não é eterna, mas que nasce e chega a um fim como resultado da ação
para efetuar a revolução socialista e, de causas objetivas que se desenvolvem espontaneamente no seu interior. O
nesse sentido, a crise financeira é um enfoque dialético de Marx o levou a procurar identificar as forças motrizes
momento em que esses países podem da mudança, e as encontrou nas contradições residentes no âmago do capita-
avançar ainda mais seus processos de lismo, cujo núcleo é a oposição de interesses entre as classes fundamentais
transformação. — a burguesia e a classe trabalhadora —, que se desdobra em um conjunto de
contradições em diferentes níveis e dimensões da sociedade capitalista. No
ca, Ásia e América Latina, também localizada plano especificamente econômico, Marx foi o primeiro autor a conceber as
em Dakar. (Nota da IHU On-Line) crises periódicas não como fenômenos estranhos ao capitalismo, mas como
2 Jorge Beinstein: economista e professor de
Economia da Universidade de Buenos Aires. momentos constituintes do desenvolvimento do mesmo. Portanto, a teoria
(Nota da IHU On-Line) de Marx nos mostra o capitalismo como uma forma de sociedade que se
18 SÃO LEOPOLDO, 20 DE OUTUBRO DE 2008 | EDIÇÃO 278
transforma e se move, de modo cícli- O capital e está, neste sentido, supera- mulação, mas que ao mesmo tempo fra-
co, em uma direção determinada — a da. Conseqüentemente, a importância gilizam moral e politicamente o sistema,
sua própria superação — movida por atual da obra de Marx, no terreno da porque expõem as suas contradições e
tensões intrínsecas à sua estrutura. polêmica teórica, reside na sua crítica fomentam o florescimento das potências
à economia vulgar, hoje materializada teóricas e práticas, transformadoras da
IHU On-Line - Qual a importância de na teoria neoclássica, como expressão sociedade.
Marx para fazermos uma crítica à do esforço continuado de justificação do
economia política? Como ele contri- capitalismo e não de compreensão cien- IHU On-Line - Em que medida a in-
bui para entendermos a crise finan- tífica das suas características. terferência do Estado pode evitar
ceira atual? No terreno específico das crises do colapsos como este que está abalan-
Claus Magno Germer - Há duas linhas capitalismo, Marx afirmou com clareza do o sistema financeiro atual?
de crítica de Marx no campo da teoria e rigor o caráter cíclico do capitalismo, Claus Magno Germer - A resposta mar-
econômica. Uma delas, a mais impor- isto é, que este desenvolve-se através xista a esta pergunta é que as crises
tante, é a crítica da economia política de uma sucessão de fases de expansão financeiras não podem ser evitadas,
clássica, representada principalmente embora possam ser atenuadas, ou
por Ricardo, à qual se refere o subtítu- acentuadas, em certa medida, pelo
lo da sua obra-prima — O capital: críti- Estado e o Banco Central, como se
ca da economia política. Marx tinha em
“O Estado e o mercado pode observar na contundente críti-
alta conta os autores mais destacados ca de Marx à lei bancária inglesa da
desta teoria, como Smith1 e Ricardo,
são, juntamente com sua época. Esta resposta decorre do
embora deles divergisse em aspectos exposto acima: as crises não consti-
fundamentais. A outra linha crítica foi
a economia, tuem anomalias do capitalismo, mas
endereçada por Marx ao que denominou são uma das suas características mais
economia vulgar. Esta era representada,
componentes do fundamentais. Elas não resultam de
na sua época, pelos precursores do que defeitos do capitalismo, mas das suas
viria a ser a escola neoclássica. Marx a
sistema integrado que maiores virtudes. A acumulação, que é
denominava vulgar porque, ao invés de a virtude suprema e a razão de ser do
uma teoria, constituía, no essencial, na
é a sociedade capitalismo, conduz periódica e inevi-
sua opinião, um esforço de justificação tavelmente a crises, crises de supera-
do capitalismo. Este esforço tinha como
capitalista” cumulação ou crises financeiras. Uma
núcleo central a negação de caracte- prova de que as crises não podem ser
rísticas fundamentais do capitalismo, evitadas é a própria crise financeira em
principalmente o trabalho como fonte e de retração ou crise. Foi o primeiro curso, que ameaça converter-se em
da riqueza, a instabilidade intrínseca e a autor a rejeitar vigorosamente a chama- uma das mais graves crises da história
propensão a crises periódicas, o caráter da lei de Say,2 uma das pedras angulares do capitalismo, a despeito da grande
transitório do capitalismo, entre outras. da ideologia de justificação neoclássica, quantidade de supostos mecanismos
A primeira linha crítica foi concluída por que implica que crises gerais são impos- de prevenção de crises, elaborados a
Marx e encontra-se consubstanciada em síveis. Uma das alavancas da acumu- partir da grande depressão dos anos
lação e uma das causas fundamentais 1930 e continuamente aperfeiçoados.
1 Adam Smith (1723-1790): considerado o
fundador da ciência econômica. A riqueza das das crises é o sistema de crédito. Marx Os bancos centrais foram dotados do
nações, sua obra principal, de 1776, lançou distinguiu dois tipos de crises: as crises poder de “regular” a oferta monetária
as bases para um novo entendimento do me- do setor produtivo, ou crises gerais, e e o crédito, de supervisionar e intervir
canismo econômico da sociedade, quebrando
paradigmas com a proposição de um sistema as crises bancárias ou financeiras, que no sistema bancário; leis foram elabo-
liberal, ao invés do mercantilismo até então podem ocorrer separada ou conjunta- radas com a finalidade de “disciplinar”
vigente. Outra faceta de destaque no pensa- mente. As crises são momentos neces- o sistema bancário e os mercados de
mento de Smith é sua percepção das sofríveis
condições de trabalho e alienação às quais sários, porque constituem a solução de capitais; criaram-se mecanismos au-
os trabalhadores encontravam-se submetidos contradições inerentes ao processo de tomáticos de “contenção” dos pâni-
com o advento da Revolução Industrial. O Ins- acumulação, que se avolumam durante cos financeiros nas bolsas de valores,
tituto Humanitas Unisinos promoveu em 2005
o I Ciclo de Estudos Repensando os Clássicos da a fase de expansão precedente, até o assim como órgãos encarregados de
Economia. No segundo encontro deste evento, momento da inevitável explosão. Assim supostamente assegurar a “transpa-
a professora Ana Maria Bianchi, da USP, profe- sendo, as crises são vistas como momen- rência” destes mercados; elaborou-se
riu a conferência A atualidade do pensamento
de Adam Smith. Sobre o tema, concedeu uma tos de restabelecimento das condições uma lista interminável de indicadores
entrevista à IHU On-Line número 133, de 21- que viabilizam a continuidade da acu- econômicos e financeiros e de mode-
03-2005. Ainda sobre Smith, confira a edição los econométricos, com a finalidade
35 do Cadernos IHU Idéias, de 2005, intitula- 2 Lei de Say: lei econômica, que se manteve
do Adam Smith: filósofo e economista, escrito como princípio fundamental da economia or- de antecipar o futuro e prevenir crises
por Ana Maria Bianchi e Antônio Tiago Loureiro todoxa até a grande depressão de 1930. Foi etc. A despeito de tudo isto, as crises
Araújo dos Santos, disponível para download formulada por Jean-Baptiste Say (1767-1832), sucedem-se porque fazem parte da
no sítio do IHU. (Nota da IHU On-Line) economista francês. (Nota do IHU On-Line)
natureza do capitalismo, e só deixarão
Q
últimas duas décadas, pelo menos, foram
Divulgação
palco do desfile triunfal, sem contestação uando aceitou conceder a entrevista a se-
significativa possível, da ideologia das ex- guir por e-mail para a IHU On-Line, o en-
celências do mercado, isto é, do capital. A saísta alemão Robert Kurz admitiu que pre-
classe trabalhadora e suas necessidades e feria analisar a crise financeira por si só,
aspirações viram-se reduzidas a um apên-
ao invés de relacioná-la com as teorias de
dice sem importância. A intensificação da
Marx, como foi nossa proposta. E ele acabou conseguin-
exploração da força de trabalho e o au-
mento do empobrecimento em massa atin- do nos presentear com uma rica e profunda análise do
giram todos os continentes. O desemprego crítico período financeiro pelo qual passa nosso mundo,
em massa provocado pelo processo geral sem deixar de ressaltar a importância de Karl Marx para
de reestruturação técnica e econômica do compreendermos essa fase. Nas suas respostas, Robert Kurz afirma contun-
capital, a nível mundial, jogou os trabalha- dentemente que “os recursos materiais e os agregados científico-tecnoló-
dores na defensiva e os condenou a assistir, gicos, bem como as capacidades e necessidades humanas não podem mais
com pouca ou nenhuma resistência possí- ser comprimidas nas formas básicas do capital. Ou, como Marx o formulou
vel, à abolição de direitos duramente con- nos ‘fundamentos’, ‘desaba o modo de produção baseado no valor de tro-
quistados em quase dois séculos de lutas ca’; manifesta-se a ‘desvalorização do valor’ enquanto limite histórico da
renhidas. A expectativa otimista é que o valorização do capital”.
fracasso das promessas grandiloqüentes de
Nascido em 1943, Kurz estudou Filosofia, História e Pedagogia. É co-
abundância e felicidade eternas, por parte
fundador e redator da revista teórica EXIT! — Kritik und Krise der Waren-
dos ideólogos do “livre mercado”, nas úl-
timas décadas, expresso em uma crise ca- gesellschaft (EXIT! — Crítica e Crise da Sociedade da Mercadoria). A área
tastrófica mundial como pode ser a atual, dos seus trabalhos abrange a teoria da crise e da modernização, a análise
poderá reabrir o debate crítico, teórico e crítica do sistema mundial capitalista, a crítica ao Iluminismo e a relação
político, sobre a natureza real do capitalis- entre cultura e economia. Publica regularmente ensaios em jornais e re-
mo, sobre as suas imensas contradições, e vistas na Alemanha, Áustria, Suíça e Brasil. Entre seus livros publicados em
fazer renascer a consciência da necessida- português, citamos O colapso da modernização (São Paulo: Paz e Terra,
de, e mais ainda da possibilidade real, da 1991), O retorno de Potemkin (São Paulo: Paz e Terra, 1994) e Os últimos
sua superação. combates (Petrópolis: Vozes, 1998).
Com efeito, manifestações explosivas
de descontentamento popular com o capi-
talismo na sua configuração atual surgem IHU On-Line - Em que sentido as teorias de Marx são importantes para se
em todos os continentes nos últimos anos. compreender o atual momento de crise no sistema financeiro global?
Elas ainda não adquiriram a densidade sufi- Robert Kurz - A importância da crítica da economia política feita por Marx,
ciente para converter-se em um movimen- para se explicar a grande crise financeira atual, evidencia-se inicialmen-
to consciente de transformação em direção te em dois níveis: por um lado, um aspecto fundamental é sua derivação
ao socialismo, mas sua potencialidade nes- da forma monetária no primeiro volume de O capital; por outro, em sua
te sentido é indubitável e crescente. Esta é análise do crédito, principalmente no terceiro volume. Nessas questões,
a única renovação política real que se pode aqui, somente poderei tratar alguns pontos elementares. A economia bur-
vislumbrar. Fora ela, o que se pode vislum- guesa clássica e neoclássica parte, contrafaticamente, de uma pura econo-
brar é apenas a continuidade da barbárie mia de bens e de relações naturais de troca entre os sujeitos do mercado.
capitalista atual. Ela abstrai do dinheiro e fala do “véu do dinheiro” sobre as transações
SÃO LEOPOLDO, 20 DE OUTUBRO DE 2008 | EDIÇÃO 278 21
econômicas “propriamente ditas”. O valores fictícios de dimensões astronô-
dinheiro, aí, aparece como mero signo, “O dinheiro não pode micas. Na ótica positivista, tratava-se
sem teor próprio, como constructo ju- simplesmente de “fatos” que pareciam
rídico baseado numa convenção social ser mero signo, mas fundamentar-se a si próprios. Até mes-
ou num decreto governamental. Para mo teóricos da esquerda explícita ou
que a economia funcione, importa ape- precisa ter, ele implicitamente abandonaram a teoria
nas adequar a quantidade de dinheiro marxista do dinheiro e do crédito, por-
à quantidade de bens (teoria da quan- próprio, o caráter de que na aparência ela estava refutada
tidade). Para Marx, em contrapartida, empiricamente.
o dinheiro não é o “véu” secundário, mercadoria, inclusive
mas premissa e veículo central, fim em A contradição que explica a crise
si mesmo, da valorização (Verwertung) de ‘rei’ das
capitalista. Ele é a forma de apresenta- Esse período de 35 anos desde o
ção geral do valor incorporado nas mer- mercadorias” fim da convertibilidade do dólar em
cadorias, ou seja, do valor agregado, o ouro, que é um período histórico
qual precisa voltar a se transformar na breve, encerrou-se, entretanto, em
forma monetária, que, por sua vez, já a noção do capital monetário a gerar 2008. Agora se mostra o verdadeiro
representa seu ponto de partida. Por lucros, como uma espécie de produ- caráter desse processo. Num pro-
isso, o dinheiro não pode ser mero sig- ção sui generis de mercadoria. Grosso cesso secular, o capital, em função
no, mas precisa ter, ele próprio, o ca- modo, fazem de conta que a “indús- de crescentes custos preliminares
ráter de mercadoria, inclusive de “rei” tria financeira” seria uma produção da produção baseada em tecnologia
das mercadorias. O dinheiro é “merca- de mercadorias tão real quanto, por científica, ficou cada vez mais depen-
doria genérica” colocada à parte, ou exemplo, a indústria automotiva. O dente do crédito como antecipação
o “equivalente genérico”, cujo “valor juro parece uma forma independente de real valor agregado futuro. As bo-
utilitário” não consiste em sua utilida- de valor agregado. Marx, em contra- lhas financeiras crescentes e excessi-
de concreta, mas em sua propriedade partida, mostra o caráter ilusório des- vamente infladas nas últimas décadas
de representar o valor abstrato ou valor sa noção. Ele comprova que o crédito, arrebentaram, de uma vez por todas,
agregado de todo o mundo das merca- ou capital que gera lucros, é apenas com a conexão entre “capital fictí-
dorias. Para as transações cotidianas, é uma forma derivada, sem formação cio” e real produção de valor agrega-
verdade que signos monetários podem própria de valor. O juro é o preço da do; a antecipação do valor agregado
tomar o lugar da mercadoria-dinheiro função capitalista do crédito, preço futuro jamais poderá ser resgatada.
propriamente dita, mas, em última ins- este que precisa ser subtraído do valor Essa contradição amadureceu e se
tância e principalmente nas crises, o social agregado da real produção de descarrega como crise financeira glo-
real conteúdo de valor do dinheiro pre- mercadorias. Na estatística burguesa, bal. Isto destrói não só a ilusão de
cisa ser resgatado como “mercadoria em contrapartida, os “produtos” do um crescimento “tocado pelas finan-
régia”. Por isso, para Marx, o dinheiro capital monetário são somados ao pro- ças”, mas também a ilusão do dinhei-
não pode emancipar-se totalmente dos duto social, com o que se distorce o ro como mero signo. Até o momento,
metais nobres como mercadoria mo- quadro real de valores. o ouro passa por dramática valoriza-
netária; isto não por causa do caráter ção frente a todas as moedas. Mas a
metálico natural, mas em função do Dinheiro x Dólar remonetarização do ouro não é pos-
valor social ali representado de forma sível, porque as potências de produ-
“concentrada”. No século XX, o dinheiro e todo o ção alcançadas historicamente nem
sistema monetário emanciparam-se podem mais ser representadas como
A questão do crédito e dos juros definitivamente do ouro como merca- “riqueza abstrata” (Marx) em forma
doria monetária real — na aparência; o de valor agregado. A desvalorização
O crédito emana da subdivisão do último lance dessa emancipação foi o do dinheiro corresponde à desvalori-
capital em capital de produção ou capi- abandono da convertibilidade do dólar zação da massa de mercadorias. Em
tal-mercadoria, por um lado, e capital em ouro em 1973. Isto se correlaciona outras palavras: os recursos materiais
monetário ou capital-que-rende-juros, com o fato de que, no período subse- e os agregados científico-tecnológi-
por outro. A duplicação da mercado- qüente, o capital monetário também cos e as capacidades e necessidades
ria em “mercadoria vulgar” (gemeiner se desacoplou cada vez mais da real humanas não podem mais ser compri-
Warenpöpel) e dinheiro como “mer- produção de mercadorias. O crédito midas nas formas básicas do capital.
cadoria régia” repete-se no nível do inflado gerou não só formidáveis mon- Ou, como Marx o formulou nos ‘fun-
capital. Na economia burguesa, não tanhas de dívidas, que sempre precisa- damentos’, “desaba o modo de pro-
existe conexão sistemática entre te- vam ser “roladas”, mas adquiriu uma dução baseado no valor de troca”;
oria monetária e teoria do crédito. A forma de circulação independente de manifesta-se a “desvalorização do
noção do dinheiro como “véu” e mero títulos financeiros (ações, títulos hipo- valor” enquanto limite histórico da
signo encontra-se em contradição com tecários, derivativos), onde se criaram valorização [Verwertung] do capital.
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O Estado como último credor teoria do “valor do trabalho”. O va-
lor devia, em última instância, ser
Nessa situação, o Estado aparece “Na economia burguesa determinado pelo trabalho humano.
como lender of last ressort [credor Acontece que essa teoria do “valor do
de último recurso]. Para a teoria bur- não existe conexão trabalho” era acrítica e incoerente. A
guesa, o Estado não é o outro lado, teoria marxista da determinação do
o lado político da relação de capital, sistemática entre valor e do valor agregado mediante
mas uma “instância extra-econômi- trabalho abstrato é fundamentalmen-
ca”. Também na esquerda, a ilusão do teoria monetária e te diferente. O conceito de trabalho
Estado tem uma longa tradição. Marx abstrato é entendido de forma crítica
não chegou mais a concluir a formula- teoria do crédito” e estritamente negativa como “abs-
ção da sua teoria do Estado. Mas já nos tração real” da produção concreta de
escritos da sua fase inicial ele criticou bens. No processo de produção e cir-
a ilusão estatal-política como “falsa redução da taxa de juros. Acontece culação do capital, a atividade produ-
causa pública”. Em sua teoria do cré- que esse tipo de inundação monetária tiva é reduzida, em sua forma social,
dito, no terceiro volume de O capital, sempre ainda pressupõe a ficção de ao dispêndio [Vernutzung] abstrato
o crédito do Estado é definido como uma “cobertura” por processos reais de energia humana ou aplicação de
forma especial do capital fictício, que de valorização, a qual já se tornou ilu- mão-de-obra abstrata como “gasto
continua dependente da real valoriza- sória. Os bancos comerciais somente [Verausgabung] de nervo, músculo,
ção do capital. Na verdade, o vexame ainda conseguem depositar nos bancos cérebro” (Marx), onde o teor concreto
da ilusão estatal não é de hoje, ilusão centrais “garantias” que deixaram de desse gasto é totalmente indiferente.
esta que esteve em alta após a gran- sê-lo, porque consistem em grande A massa de trabalho abstrato, uma vez
de crise na primeira metade do século parte de títulos podres. Isto impede realizada, se apresenta como massa
XX. No Ocidente, a regulação estatal que se inflem novas bolhas financeiras de valor social e como “valor objeti-
keynesiana e o crescimento induzido da forma convencional. O colapso dos ficado” [Wertgegenständlichkeit] dos
pela expansão do crédito estatal no créditos hipotecários somente foi o produtos. Na “valorização do valor”,
início dos anos 1980 fracassaram por catalisador de um processo de desva- o que interessa não é a massa de valor
causa da inflação sem limites. No Les- lorização de todo o capital financeiro, em si, mas apenas a massa de valor
te, o capitalismo estatal soviético do que vai muito além. Por isso, agora, agregado, a qual é distribuída aos di-
“resgate da modernização”, no final a crise é elevada ao nível da “última ferentes capitais pelo mecanismo da
dos anos 1980, ficou inadimplente e instância”, isto é, das próprias finan- concorrência. A valorização como fim
entrou em colapso. Estas já eram for- ças públicas. Só que o Estado não é em si mesmo transforma em fim em
mas em que se apresentava a histórica um demiurgo independente das leis da si mesmo também o trabalho abstrato
“desvalorização do valor”. Na virada valorização do capital. Já no ano fiscal que lhe dá origem, trabalho esse que
neoliberal, a intervenção do Estado, recém-passado, a dívida pública dos forma a substância do capital como
supostamente “extra-econômica”, foi Estados Unidos triplicou ainda antes gasto de energia humana abstrata.
responsabilizada pelo dilema e substi- da recente crise dramática; e, no caso
tuída por um radicalismo de mercado. de se invocarem as garantias estatais Do valor para a relação funcional
Essa virada, porém, não superou a bar- concedidas em todo o mundo, o resul-
reira interior da valorização, mas, me- tado somente pode ser uma grande O neoclassicismo burguês abando-
diante uma política de desregulação e crise das finanças públicas. O Estado nou a teoria clássica do “valor de tra-
da inundação monetária pelos bancos não pode estancar a desvalorização, balho”. O valor foi reduzido ao preço,
centrais, apenas abriu as comportas mas apenas administrá-la; ou em for- sendo entendido não mais como subs-
para uma expansão do crédito privado ma de deflação, caso ponha limite em tância comum das mercadorias, mas
e da economia baseada na bolha finan- seu próprio endividamento, ou em for- como mera função na inter-relação das
ceira como nunca se viu. ma de inflação, caso saia imprimindo mercadorias. Correlato disso foi que a
cédulas sem toda e qualquer “cober- filosofia burguesa passou do “concei-
O Estado: novamente o salvador? tura”. Nesta situação nova na História, to de substância” para o “conceito de
talvez até ocorram processos deflacio- função”. Pretendia-se eliminar o pro-
Depois que também esta ilusão es- nários e inflacionários em paralelo. blema da substância, transformando-o
tourou e o mercado falhou grandiosa- numa relação funcional vazia. A “ma-
mente, repentinamente pretende-se IHU On-Line - O que representa, na tematização” dos “modelos” neoclás-
que o Estado seja novamente o salva- atual crise, a teoria marxista do tra- sicos baseia-se nessa transformação
dor. Só que o problema não pode mais balho abstrato como substância do do valor numa relação estritamente
ser resolvido com nova inundação mo- capital? funcional. Com isto, a teoria do va-
netária por parte dos bancos centrais Robert Kurz - A economia burgue- lor foi adaptada à teoria do dinheiro
estatais, mediante uma convencional sa clássica baseava-se, ainda, numa enquanto mero “signo”. Essa “teoria
circulatória” funcional do valor, no
SÃO LEOPOLDO, 20 DE OUTUBRO DE 2008 | EDIÇÃO 278 23
meio de língua alemã, de certo modo, potenciais científicos e tecnológicos
também conseguiu entrar numa assim e que não pode ser infinitamente pro-
chamada “releitura de Marx”, na qual longado.
a teoria crítica marxista do “valor de “As curvas caóticas e
trabalho” era rejeitada, por ser “na- A tensão na administração da crise
turalista” ou “substancialista”, negan- os saltos
do-se que o dinheiro tivesse caráter de Sobre isto, ainda cabe fazer duas
mercadoria. descontrolados, por observações. Em primeiro lugar, as ca-
tegorias de Marx são categorias reais
A questão da mão-de-obra exemplo, do câmbio de uma lógica da sociedade como um
todo, a qual se baseia nos fenômenos
Como na economia burguesa, isto ou dos índices da bolsa empíricos, mas não pode ser descri-
exclui, por princípio, uma barreira ta de forma diretamente empírica.
interior absoluta da valorização. A necessariamente Isto porque empiricamente o capital
redução a uma relação funcional tor- não se desloca apenas em veiculações
na o valor atemporal e eternamen- precisam ser atribuídos complexas e contraditórias, mas a real
te regenerável, na aparência. Marx, agregação da substância de valor so-
em contrapartida, mostrou que o à natureza cial sempre se apresenta apenas em
desenvolvimento capitalista contém retrospecto. A estatística burguesa
uma autocontradição elementar. Por não-empírica do capital nunca capta a real massa de valor ou
um lado, a energia humana abstrata valor agregado, mas apenas os fluxos
forma a substância real do capital; e sua evolução superficiais de mercadoria e dinheiro,
por outro lado, a concorrência força os quais produzem uma imagem dis-
constante desenvolvimento da capa- substancial” torcida. Por isso os crashes também
cidade produtiva, a qual torna supér- não são previstos, mas apresentam-se
flua a mão-de-obra humana e solapa de forma eruptiva, quando a lógica ba-
a substância do valor. Até a segunda sal irrompe a empiria, como, ao que
agregado cai e a “desvalorização do
revolução industrial do fordismo, esse tudo indica, é o caso atualmente. As
valor” leva à “des-substancialização
processo secular de desvalorização curvas caóticas e os saltos descontro-
do capital”.
das mercadorias podia ser compen- lados, por exemplo, do câmbio ou dos
sado por meio do mecanismo do “va- índices da bolsa necessariamente pre-
O capitalismo reduzido às suas reais
lor agregado relativo”, analisado por cisam ser atribuídos à natureza não-
condições de valorização
Marx: pelo desenvolvimento da capa- empírica do capital e sua evolução
cidade produtiva, o valor da merca- substancial. Isto não está ao alcance
Este é o motivo pelo qual, no perí- de uma teoria categorial permanente
doria “mão-de-obra” [Arbeitskraft]
odo anterior, se podia simular mais va- ou afirmativa, que só consegue ficar
cai na escala social e a participação
lorização somente por meio de bolhas correndo atrás dos fenômenos im-
relativa do valor agregado na massa
financeiras desprovidas de substância. previsíveis. Além disso, a barreira da
total de valor aumenta. Essa parti-
Quando estas estouram, entretanto, valorização é estritamente objetiva.
cipação relativa aumentada do valor
não se atinge novo “ponto zero”, a Aquilo que “desaba” por entre as cur-
agregado, porém, está relacionada
partir do qual a valorização real possa vas é a capacidade de o capital repro-
com o número de “mãos-de-obra”
recomeçar. Ao contrário, o capitalismo duzir-se socialmente. Mas o que não
[Arbeitskräfte, trabalhadores, fun-
é reduzido às suas reais condições de desaba por si mesmo são as formas de
cionários] produtivamente utilizáveis.
valorização, cujo padrão de capacida- consciência ou “formas de pensamen-
Marx não chegou a concluir sua teoria
de produtiva é irreversível. Essa teoria to objetivas” constituídas pelo capital
da crise, mas implicitamente ela faz
substancial da crise, que fala de uma (Marx). Ao se alcançar o limite históri-
inferir que o desenvolvimento da ca-
barreira inferior absoluta do capital, co do capitalismo, surge por isso uma
pacidade produtiva chega a um ponto
muitas vezes foi criticada como “tec- tensão colossal entre a impossibilida-
em que o número de “mãos-de-obra”
nológica” justamente pela esquerda. de de continuar uma valorização real e
produtivamente utilizáveis se reduz a
Mas não se trata, no caso, do aspecto uma mentalidade generalizada que in-
tal ponto que a massa de valor agre-
técnico, mas do efeito da tecnologia teriorizou as condições capitalistas de
gado absoluto cai. Então, mesmo o
sobre as condições da valorização. existência e não quer nem consegue
aumento do valor agregado relativo
Marx não formulou uma teoria funcio- imaginar outra coisa senão viver den-
por mão-de-obra de nada serve. Esse
nal do valor em termos “atemporais”, tro dessas formas. A difícil tarefa está
ponto é atingido com a terceira revo-
e sim a teoria de um desenvolvimento em resolver essa tensão no processo
lução industrial da micro-eletrônica.
histórico e dinâmico do capital como de resistência contra a administração
O histórico mecanismo de compensa-
deslocamento da substância real, vei- da crise, ou o capitalismo desemboca-
ção do valor agregado relativo se ex-
culado pela crescente aplicação dos rá numa catástrofe mundial. Para isto
tingue, a massa real absoluta de valor
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não está preparada uma esquerda que trabalho abstrato é produtivo em na irrelevante o problema da subs-
se ajustou cada vez mais ao desenvol- termos capitalistas, nem contribui tância, mas nada tem a ver com uma
vimento capitalista. para a massa de valor agregado so- substância de valor da mercadoria
cial real. Certas funções da relação individual.
IHU On-Line - Quais as conseqüên- de capital são, em si, improdutivas
cias da crise financeira para o nível e com “custos mortos”. Mas tam- Uma ocupação improdutiva
de emprego em escala mundial? bém a atividade produtiva industrial
Robert Kurz - Desde o início da ter- pode tornar-se improdutiva em sen- Que significa isto para a era da
ceira revolução industrial nos anos tido capitalista, quando ela excede economia baseada na bolha financei-
1980, os novos potenciais de racio- a capacidade [Fassungsvermögen1] ra? A queda da massa de valor agre-
nalização eliminaram a mão-de-obra da real produção de valor agrega- gado social real foi mascarada, na
industrial do processo produtivo do (“capacidades ociosas”). Todos aparência, pelo “valor agregado fic-
numa escala nunca vista antes. Em os resultados do trabalho abstra- tício” do sistema de crédito inflado.
conseqüência, de ciclo em ciclo, au- to assumem a forma de mercadoria Dessa forma, gerou-se uma ocupação
mentou o desemprego e o subempre- enquanto “objetividade de circu- improdutiva que ultrapassava em
go em massa na escala global. O re- lação”. Ao conseguirem um preço, muito a capacidade [Fassungsvermö-
verso da medalha foi a simulação da gen] da real produção de valor agre-
valorização pelo inchaço de “capital gado. Em primeiro lugar, junto com
fictício”. Diferentemente de épocas a “indústria financeira”, o emprego
anteriores do capitalismo, entretan- “A depressão global a nesse setor inchou de forma despro-
to, não ocorreu uma desvalorização porcional, emprego esse que não
rápida do capital monetário destitu- ser esperada levará de produz valor algum, apenas inter-
ído de substância, para dar lugar à media transações financeiras. Além
nova acumulação real. Em vez disso, roldão não só grande disso, criou-se um setor igualmente
por falta de novas possibilidades de desproporcional de serviços pessoais
valorização real, iniciou-se uma im- parte dos financistas improdutivos em termos capitalistas,
bricação sem precedentes históricos de indústria publicitária, indústria
entre economia baseada na bolha capitalistas ‘donos do da informação e da mídia, indústria
financeira e a conjuntura. Os “va- do esporte e da cultura. Justamente
lores fictícios” não ficaram restritos universo’, mas também nesses setores, o desprovimento de
ao Éden financeiro, mas por longo substância se implementou, por um
tempo e em medida crescente foram boa parte dos que lado, como remuneração astronomi-
transferidos para a aparente econo- camente excessiva de uma pequena
mia real. Assim surgiu o famoso cres- deles dependem” elite de astros e, por outro, como
cimento “tocado pelas finanças”, que precarização em forma de freelan-
parecia desancar as leis econômicas cers, pseudo-autônomos e empresá-
do capitalismo e permitiu uma onda rios da miséria. Em terceiro lugar, a
de altas de conjuntura deficitárias, eles assumem uma parte da massa conjuntura deficitária global forçou
que na realidade não tinham funda- de valor agregado social, não vindo a ocupação de uma “aristocracia de
mento sólido. Embora o desemprego ao caso se sua produção contribuiu trabalhadores” nas indústrias de ex-
em massa aumentasse, ele era man- ou não para essa massa. Esse caráter portação (produção automotiva, má-
tido em relativos limites porque, no social global [gesamtgesellschaftli- quinas), a qual era igualmente im-
bojo das conjunturas deficitárias, ch] da produção de valor e de va- produtiva porque se baseava não em
criaram-se, por assim dizer, “pos- lor agregado não fica muito claro lucros e salários de real produção de
tos de trabalhos fictícios” que se em Marx, razão pela qual surgiu o valor agregado, mas era alimentada
alimentavam das bolhas financeiras famoso problema da transformação pelas bolhas financeiras.
desprovidas de substância. valor–preço. Entretanto, esse pro-
blema se resolve quando a massa de O sistema do trabalho abstrato leva a
A distinção entre “trabalho produti- valor agregado social não se baseia si próprio ao abstrato
vo” e “improdutivo” numa soma de valores “individuais”
de mercadoria, mas representa uma Na mesma medida em que o es-
Para se compreender essa evo- massa substancial, social global, não touro das bolhas financeiras reduz o
lução, é importante a distinção de quantificável em termos de adminis- capitalismo às suas reais condições
Marx entre “trabalho produtivo” e tração de empresas; sua quantidade de valorização, também boa parte do
“improdutivo”. Todas as atividades se revela somente pela concorrência emprego improdutivo terá de cair. A
no contexto formal capitalista são no nível da circulação. Isto não tor- real massa de valor agregado é muito
trabalho abstrato, o qual é repre- pequena para que se possa descrever
1 Literalmente , “capacidade de conter, de
sentado em dinheiro. Mas nem todo abarcar” (Nota do tradutor).
a “objetividade de circulação” desses
A
o falar sobre a importância dos círculos bíblicos, Frei Carlos Mesters afirma que
neles “a Bíblia se torna um espelho, no qual as pessoas descobrem dimensões
mais profundas da sua própria vida que antes não tinham percebido”. Para ele,
na entrevista que segue, concedida por e-mail para a IHU On-Line, a impor-
tância de um sínodo sobre a Bíblia no atual momento é muito grande por vários
motivos, dentre os quais “o aprofundamento que a Palavra de Deus pode trazer para a vida
humana” e a percepção da “importância da presença da sabedoria de Deus na leitura que
os pobres do mundo inteiro fazem da Bíblia”.
Carlos Mesters é frade Carmelita, doutor em Teologia Bíblica. É natural da Holanda e ligado
à caminhada das Comunidades Eclesiais de Base, ajudou a criar o CEBI (Centro de Estudos Bíbli-
cos). Escreveu, entre outros, Esperança de um povo que luta (São Paulo: Paulus, 1983), Círculos
bíblicos (São Paulo: Paulus, 2001), Paulo apóstolo: um trabalhador que anuncia o evangelho (São
Paulo: Paulus, 2002), Bíblia: livro feito em mutirão (São Paulo: Paulus, 2002), e Por trás das pala-
vras (Petrópolis: Vozes, 2003). Mesters é assessor de um dos bispos brasileiros na XII Assembléia
Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, que ocorre de 5 a 26 de outubro, no Vaticano. A entrevista
a seguir foi elaborada em parceria com o setor de Teologia Pública do IHU.
IHU On-Line - A leitura orante da Pa- limitado. Um limite aparece quando povo faz da Bíblia nas várias partes
lavra de Deus tem tido muita difusão os participantes do Círculo Bíblico se do mundo, sobretudo nos países da
nas comunidades eclesiais, através fecham em si mesmos e esquecem a América Latina, África e Ásia. Uma
dos círculos bíblicos. Qual é para o realidade da vida ao redor. Pois a Pa- partilha assim enriquece a todos,
senhor a riqueza deste método e lavra de Deus não está só na Bíblia, ajuda relativizar os problemas e faz
qual o seu limite? mas também na Vida, na natureza, perceber melhor o caminho, o rumo
Carlos Mesters - A riqueza deste mé- nos fatos, em tudo que acontece. do Espírito; 2) favorece o aprofun-
todo é que a leitura orante da Pa- damento que a Palavra de Deus pode
lavra de Deus provoca no povo um IHU On-Line - Qual é a importância trazer para a vida humana e ajuda a
contato direto com a Bíblia, sem in- de um Sínodo sobre a Bíblia no mo- descobrir melhor o alcance e o signi-
termediários, num ambiente comu- mento atual? Qual é a sua aprecia- ficado do documento “Dei Verbum1”
nitário de fé, dentro da realidade do ção do “instrumentum laboris” para do Vaticano II sobre a Revelação; 3)
dia-a-dia da vida. Deste modo, vai o sínodo? faz perceber a importância da pre-
nascendo um confronto entre Bíblia Carlos Mesters - A importância de
e Vida. A Bíblia se torna um espe- um sínodo sobre a Bíblia no atual 1 Dei Verbum: um dos grandes documentos
emanados do Concílio Vaticano II. Ele trata da
lho, no qual as pessoas descobrem momento é muito grande por vários revelação da Palavra de Deus. Esta constitui-
dimensões mais profundas da sua motivos: 1) permite uma partilha en- ção conciliar foi estudada e debatida no dia 15-
própria vida que antes não tinham tre os bispos, participantes do Síno- 09-2005, pela Profa. Dra. Lúcia Weiler, dentro
da programação do Ciclo de Estudos Concílio
percebido. Você pergunta: “Qual o do, em torno das experiências e dos Vaticano II. Marcos, trajetórias e prospectivas,
seu limite?”. Tudo o que é humano é problemas no uso e na leitura que o 11 de agosto a 11 de novembro de2005. (Nota
da IHU On-Line)
“O
mundo da arte tem suas exigências próprias, e não pode ser
reduzido a lições panfletárias ou receitas ideológicas, que,
em geral, só o empobrecem”, declara o professor de Litera-
tura Flávio Aguiar. Ao falar sobre a importância de Antonio
Candido, ele lembra que a grandeza da arte, para o autor,
“está em abrir horizontes e porões, os desvãos do espírito humano e sua capaci-
dade para o vôo, e não a de fechá-lo em preconceitos e prejuízos”. Flávio Wolf
de Aguiar possui graduação em Letras e mestrado e doutorado em Letras (Teoria
Literária e Literatura Comparada) pela Universidade de São Paulo. Professor apo-
sentado da USP, é pós-doutor pela Université de Montreal e autor de, entre outros,
José de Alencar — Comédias (São Paulo: Martins Fontes, 2004), e organizador de
Antonio Candido: pensamento e militância (São Paulo: Humanitas/Fundação Per-
seu Abramo, 1999). Atualmente vive em Berlim, na Alemanha, de onde respondeu
as questões que seguem, por e-mail, com exclusividade, à IHU On-Line.
IHU On-Line - Quais são as princi- “Antonio Candido aliou desde sempre uma
pais qualidades que podemos ver
em Antonio Candido enquanto crí- firme formação teórica com uma sensibilidade
tico de literatura? Ele colaborou de
que modo na formação da crítica para a linguagem comunicativa”
brasileira moderna?
Flávio Aguiar - Antonio Candido1 aliou
desde sempre uma firme formação
teórica com uma sensibilidade para a (Folha da Manhã) deu-lhe este traço caipira, Os parceiros do rio Bonito.2
linguagem comunicativa. Ele escreve hoje raro na crítica brasileira, e aju- A visão sociológica contribuiu para
de modo simples, sem se apoiar no dou-o também a formular um perfil desenvolver-lhe uma consciência de
uso abusivo do jargão cerrado do lin- de crítico como um publicista, isto é, mão dupla. A primeira mão vai no sen-
guajar acadêmico. A formação como alguém que tem consciência de que 2 Os parceiros do Rio Bonito: O debate sobre
crítico de revista (Clima) e de jornal atua num espaço público. esse livro, de Antonio Candido, abriu a segun-
da etapa do II Ciclo de Estudos sobre o Brasil,
1 Antonio Candido de Mello e Souza (1918): realizado em 2004. O evento foi realizado no
escritor, ensaísta e professor universitário, um IHU On-Line - Muitos estudos de dia 9 de setembro de 2004, e o responsável
dos principais críticos literários brasileiros. É Candido são referenciais nas uni- pelos trabalhos sobre a obra foi o Prof. Dr.
professor emérito da USP e UNESP, e doutor versidades brasileiras. Na sua visão, Paulo Seben de Azevedo, professor na UFRGS
honoris causa da Unicamp. Foi crítico da revis- e na Faculdade de Ciências e Letras de Osório
ta Clima e dos jornais Folha da Manhã e Diário como ele contrabalança sua visão li- (FACOSFACAD). O tema do debate sobre o livro
de São Paulo. Na vida política, participou de terária com sua visão sociológica? Os parceiros do Rio Bonito, de Antonio Candi-
1943 a 1945 na luta contra a ditadura do Es- Flávio Aguiar - Candido formou-se do, foi abordado pelo professor Paulo Seben
tado Novo no grupo clandestino Frente de Re- de Azevedo em entrevista concedida à IHU
sistência. Escreveu o clássico Os parceiros do em Ciências Sociais, mas seu grande On-Line na 114ª edição, de 6 de setembro de
Rio Bonito (São Paulo: Livraria Duas Cidades. estudo nesse campo foi de cultura 2004. (Nota da IHU On-Line)
1977). (Nota da IHU On-Line)
Entrevistas especiais feitas pela IHU On-Line e disponí- Caravana da Anistia. A luta pela preservação da memória
veis nas Notícias do Dia do sítio do IHU (www.unisinos. brasileira.
br/ihu) de 14-10-2008 a 18-10-2008. Entrevista com Jair Krischke
Confira nas Notícias do Dia 16-10-2008
Imposto sindical. “Os sindicatos estão maduros para a A memória brasileira é algo lamentável, uma vez que episó-
mudança” dios como os vividos durante a ditadura militar ainda não
Entrevista com Adalberto Cardoso foram investigados e resolvidos, constata Jair Krischke. A
Confira nas Notícias do Dia 14-10-2008 Caravana da Anistia estará hoje na Unisinos.
O sociólogo faz aqui nesta entrevista uma análise do sin-
dicalismo no Brasil, sobre a crise que se sustenta neste Soluções para a crise financeira? Uma questão política e
campo, a influências e as mudanças que a Constituição de jurídica que esbarra nos limites do capitalismo.
1988 tem sobre ele e, também, sobre a forma como deve Entrevista com André Lourenço
trabalhar a partir de agora. Confira nas Notícias do Dia 17-10-2008
Para o economista, o Brasil será afetado pela crise, mas
40 horas semanais de trabalho: “Se o trabalhador não possui vantagens em relação a outros países para enfrentar
romper com isso, certamente não será o empresário que este problema, como a preservação do seu sistema finan-
o fará”. ceiro público e a baixa relação crédito x PIB.
Entrevista com João Tristan Vargas
Confira nas Notícias do Dia 15-10-2008 Ainda que seja inevitável que a economia brasileira sofra
“Parece-me particularmente incrível que no país as cen- com essa crise, ela tem boas condições para enfrentá-la.
trais sindicais continuem a colocar como bandeira a jor- Entrevista com Simone de Deos
nada de 40 horas semanais”, critica o historiador João Confira nas Notícias do Dia 18-10-2008
Tristan Vargas, entrevistado pela IHU On-Line, que fala A economista acredita que o Brasil está preparado para en-
sobre o taylorismo e fordismo no mundo do trabalho e frentar a crise financeira que abala o mundo, mas, ainda
sobre o discurso e ação patronal. assim, deverá sofrer algumas conseqüências desse momen-
to turbulento da economia.
Análise da Conjuntura
A Conjuntura da Semana está no ar. Confira no sítio
do IHU - www.unisinos.br/ihu, em 15-10-2008.
acesse A análise é elaborada, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores
- CEPAT - com sede em Curitiba, PR, em fina sintonia com o IHU
www.unisinos.br/ihu
SÃO LEOPOLDO, 20 DE OUTUBRO DE 2008 | EDIÇÃO 278 33
34 SÃO LEOPOLDO, 20 DE OUTUBRO DE 2008 | EDIÇÃO 278
SÃO LEOPOLDO, 20 DE OUTUBRO DE 2008 | EDIÇÃO 278 35
Agenda da Semana
Confira os eventos dessa semana, realizados pelo IHU.
A programação completa dos eventos pode ser conferida no sítio do IHU (www.unisinos.br/ihu).
Dia 22-10-2008
IHU Idéias
Globalização: Descolonização ou Colonização das Mentes?
Prof. Dr. Marcelo Dascal — Universidade de Tel Aviv (Israel)
Horário: das 17h30min às 19h
Local: Sala 1G119 — Instituto Humanitas Unisinos — IHU
Dia 23-10-2008
IHU Idéias
Via(da)gens teológicas. Itinerários de uma teologia queer no Brasil
Prof. Dr. André Sidnei Musskopf — EST
Horário: das 17h30min às 19h
Local: Sala 1G119 — Instituto Humanitas Unisinos — IHU
H
á 49 anos, nascia, em Jaguariaíva, no Paraná, Inês Raimunda Conor
Bordori. Ao conversar, por telefone, com a revista IHU On-Line, ela
lembrou da infância, dos ensinamentos de seus pais e contou sobre
o seu trabalho como voluntária junto à comunidade da Vila Vitó-
ria, no bairro Sítio Cercado, em Curitiba, onde mora. Aposentada
pelo Banco do Estado do Paraná, ela atua no voluntariado muito mais do que
somente para ter com o que se ocupar. Inês se preocupa com a vida de quem
está próximo a ela e são menos favorecidos, socialmente. Acompanhe, a seguir,
a história de Inês:
“Meu pai, Luis Gabriel, trabalhava Aos 17 anos, Inês teve seu primeiro as. Eu não pararia com este trabalho,
no escritório de uma indústria. Minha emprego, numa empresa de represen- porque é muito gratificante ver as pes-
mãe, Maria de Lurdes, era enfermei- tações de fitas. Depois disso, fez con- soas felizes, ver que fiz alguma coisa
ra.” Assim, Inês começa a contar a sua curso para o Banco do Estado, onde para ajudar.”
trajetória de vida. Ela, que é a filha ingressou em 1978. Há 30 anos, Inês Inês é casada há 24 anos. Os filhos,
mais velha entre outras três irmãs, aos mora em Curitiba. Atualmente, Inês é Bruno Felipe, e Isabele, 17 a 21 anos,
nove anos de idade, teve uma grande aposentada, mas nem por isso parou são suas maiores alegrias. “Orgulho-me
perda. Sua mãe faleceu, vítima de de trabalhar. “Faço trabalhos voluntá- do meu filho, que abriu a sua estofaria.
câncer. “A maior tristeza da minha rios para a comunidade e trabalho em Vejo que ele é muito responsável, por-
vida.” Mesmo com este sofrimento, uma padaria comunitária, vinculada que aos 21 anos teve essa iniciativa.
Inês conseguiu aproveitar a infância. ao Cefuria.1 Já estou nesta atividade Estes valores vêm da família, da ma-
“Lembro de brincar de casinha, fazer há três anos. Atualmente, são três pes- neira como a gente o educou. Minha
comidinha e teatrinhos.” Com a morte soas trabalhando na padaria, que fun- filha está concluindo o segundo grau e
de sua mãe, ficou para o pai de Inês ciona na comunidade São Sebastião.” já pensa na faculdade que vai fazer.”
a responsabilidade de criar as filhas. Inês relata que decidiu atuar junto à Inês destaca que aprendeu com os pais
Foi com ele que Inês aprendeu a ter comunidade, porque sempre gostou de que o casamento é uma vez só. “Eu
responsabilidade, amor ao próximo e ajudar as pessoas. “Meu grande sonho também dou curso de noivos e sempre
a ser honesta. é poder ajudar as pessoas mais neces- falo para eles que não puderam esco-
Inês conta que morou em Jagua- sitadas, em termos de saúde, de ali- lher o pai e a mãe, mas o companheiro
raiva até os 12 anos de idade. “De lá, mentação saudável e moradia.” tem que ser especial.”
fomos para Telêmaco Borba, também Há cinco anos, Inês trabalha como Seguidora da religião católica, Inês
no Paraná. Depois que minha mãe fa- tesoureira na associação de morado- destaca que quem não tem fé não tem
leceu, meu pai acabou saindo da em- res da Vila Vitória, em Curitiba. Mui- os pés no chão. Ela demonstra que
presa onde ele trabalhava e queria tas pessoas da comunidade têm pro- tem os pés no chão, também, quando
trabalhar por conta própria. Então, blemas, como depressão. “Para mim, o assunto é política. “Nesta época de
ele comprou uma lanchonete lá.” Inês este trabalho é muito importante, eleições, o povo acha que todos são
teve como estudar até o Ensino Médio. porque estou ajudando a outras pesso- bonzinhos. É aí que está o erro. As pes-
Não deu continuidade aos estudos, 1 Centro de Formação Urbano Rural Irmã soas estão sem esperança, votam no
Araújo (Cefuria): Organização Não-Governa-
porque não tinha condições financei- mental fundada em 1980, com o objetivo de
primeiro que chega e oferece alguma
ras. “Para mim, o estudo é fundamen- assessorar e articular instituições populares. O coisa em troca do voto. O povo precisa
tal para educação, sabedoria. É im- foco do Centro é na Economia Solidária. (Nota entender mais o que é a política em si,
da IHU On-Line)
portante para tudo.” mudar a própria consciência.”