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PARTE I: INTRODUÇÃO
1. Preliminares
Propósito da Parte Introdutória: compreender o objecto de estudo, o âmbito, as
funções e a importância da TGDC.
Pré-compreensão: - Divisão do Ordenamento jurídico e do Direito Privado
Necessidade de revermos alguns conceitos, tais como:
- o conceito de direito;
- seus sentidos
- suas divisões ou especializações
2. Conceito de Direito:
O Direito como fenómeno humano (muitas vezes oculto) e cultural (ubi homo ibi
ius)
Dificuldade de se definir o direito.
Noção normativa: conjunto de normas impostas coactivamente pelo Estado
(ou normas de tutela coactiva) e que visam disciplinar as relações sociais de
um determinado grupo de pessoas, com vista a garantir a harmonia, a paz e o
desenvolvimento.
Outras noções:
- Guia de acção e de decisão para resolver conflitos (FUNÇÃO REPRESSIVA)
- Meio para organizar o convívio entre os homens, como se este não fosse possível
sem a lei positiva. CRÍTICA: o direito não está todo escrito.
- Meio de que os governantes se servem para dominar os governados
- Conjunto das decisões dos tribunais ou o que um juiz dita como justo;
- Direito como “conjunto de condições sob as quais o arbítrio de um se pode
harmonizar com o arbítrio de outro, segundo uma lei universal da liberdade”
(Immanuel Kant)
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Nem todo o poder se traduz num direito subjectivo. Tal é o caso do poder paternal
e do poder tutelar, que devem ser exercidos, não no interesse do titular do poder,
mas sim no de outra pessoa (o menor e o tutelado, respectivamente).
Relação entre o direito objectivo e o direito subjectivo: apesar de ter constituído
objecto de controvérsia doutrinária, hoje não se reveste de grande importância
prática. Todavia, são consideradas as seguintes relações:
- Ralação de derivação e protecção: a tradição jurídica mais difundida considera
que o direito subjectivo é uma faculdade que é atribuída pelo direito objectivo e é
por este protegido mediante a atribuição de direitos e a imposição de vinculações
correlativas;
- Relação de interdependência/tensão e conexão: o direito objectivo tem a sua
razão de ser no direito subjectivo e vice-versa; os dois se condicionam;
mutuamente. O direito objectivo e o subjectivo se dirigem à mesma realidade, são
dois aspectos da mesma realidade ou a mesma realidade sob dois aspectos
diferentes.
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Relevância da distinção:
a) A distinção tem relevância para determinar a competência dos tribunais para
dirimir os conflitos que são submetidos à sua apreciação.
b) Interesse científico: a distinção está largamente difundida e serve para a
sistematização e arrumação lógica e separação dos grandes grupos de normas
jurídicas.
c) Serve de critério para demarcar as áreas de estudos jurídicos especializados (pós-
graduação, mestrado, doutoramento).
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Direito adjectivo:
Os ramos do direito material visam prevenir os conflitos, mas nem sempre os evitam.
Os homens, amiúde, entram em conflito uns com os outros e com a sociedade. Ora, em
virtude do princípio do monopólio estadual da função jurisdicional, é proibido aos
particulares o recurso à justiça própria; só ao Estado compete fazer justiça, mediante os
órgãos competentes, nomeadamente os tribunais e outras instâncias extrajudiciais criadas
para o efeito, e mediante um processo tendente a dirimir os conflitos.
Ao conjunto de normas que estabelecem o processo, a forma, o caminho a seguir na
resolução destes conflitos se chama Direito Adjectivo ou Processual. Por outras palavras, o
Direito Processual é o sistema de normas jurídicas que regulam os actos e as formalidades
tendentes à determinação da regra do direito material a aplicar ao caso que tenha sido
submetido à apreciação do Tribunal. Por dizer respeito à forma (no sentido de processo), o
direito processual é, outrossim, designado direito formal.
Nota: O direito material pode ser público ou privado. O direito processual é todo ele
público. Isto resulta do princípio do monopólio estadual da função jurisdicional.
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Ao Código de Ferreira Borges (1833), sucedeu o Código de Veiga Beirão (1888), assim conhecido por
ter sido promovido pelo então Ministro da Justiça de Portugal, Veiga Beirão. Este Código é de feição
objectivista, ao passo que o Código de 1833 é subjectivista. Esta caracterização tem que ver com a
concepção que se tinha ou se tem do objecto de regulação. Para os subjectivistas, a Lei comercial regula
os actos e as actividades dos comerciantes, ligadas ao seu comércio; para a concepção objectivista, a Lei
Comercial rege os actos de comércio independentemente da qualidade das pessoas que neles intervêm,
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Privado comum ou geral, por oposição ao Direito Privado especial ou aos direitos privados
especiais.
Ramos do Direito Privado Especial: Direito Comercial, Direito do Trabalho, Direito da
Família, Direitos de Autor, o Direito da Propriedade industrial, o Direito Agrário, o Direito
das Sociedades Comerciais, o Direito dos Seguros, o Direito Bancário, etc.
Ramos do Direito: Direito das Obrigações, o Direito das Coisas, Direito das Sucessões e
a legislação Civil conexa.
O Direito Civil é chamado direito privado geral ou comum pelas seguintes
razões:
a) ele representa o núcleo de todo o Privado; constitui o depósito dos grandes
princípios gerais e dos conceitos mais importantes aplicáveis a todos os ramos do
Direito Privado e à generalidade das ralações jurídicas privadas, e não só);
b) porque se aplica aos indivíduo nas suas relações mais fundamentais, comuns, na
sua condição normal, diz respeito a todos seres humanos enquanto pessoas,
acompanha-os mais intensamente em toda a sua via, desde o nascimento até à morte; além
do mais, atribui direitos e impõe deveres sem ter em conta a sua categoria social,
profissional, os títulos culturais, nobiliárquicos, ou outros; é o direito de que todos
participam;
c) é do direito subsidiário dos outros ramos do direito privado: sempre que os
direitos privados especiais não possam resolver determinados problemas ou questões,
recorre-se às técnicas, princípios e conceitos do Direito Civil (verbi gratia, os conceitos de
personalidade jurídica, capacidade jurídica, nulidade, anulabilidade, inexistência, vícios
dos negócios jurídicos, os conceitos dos contratos, etc.).
- A Lei da Boa Razão (LBR) e a sua importância para a história do Direito Civil.
isto é, para que um acto seja tido por comercial não é necessário que o seu agente seja comerciante. Basta
que a lei o qualifique como acto de comércio. O Código Comercial vigente em Angola é o Código de
1888, apesar de ter sofrido alterações pontuais através da Lei 06/03.
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- O Código Civil de 1867 (Código de Seabra) e o Código Civil Francês, de 1804: influências,
semelhanças e diferenças.
- Fontes Instrumentais do Direito Civil: a Lei (Constituição, Código Civil e legislação civil
conexa, costume, usos, doutrina, jurisprudência, assentos).
O Código Civil de 19662 adoptou o modelo do Código Civil Alemão, conhecido pela sigla
BGB, acrónimo de Burgerlisches Gesetzbuch (literalmente, livro das leis que dizem respeito
aos cidadãos), em vigor desde 1 de Janeiro de 1900. Por sua vez, o BGB, fruto do labor
científico da Pandectística Germânica3, segue, em linhas gerais, e de acordo com o Plano de
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Conhecido como “Código de Varela”, pelo facto de a fase final da sua elaboração, principalmente a
revisão, ter sido dirigida pelo jurista João de Matos Antunes Varela que era, nessa altura, por sinal, o
Ministro da Justiça de Portugal de 1954 a 1967.
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Designa os cultores da ciência jurídica alemã do século 18 e 19 que divulgaram e modernizaram o
Direito Romano, mormente as Pandectas ou o Digesto. Para entender o significado da expressão, é mister
recorrer à história do Direito Romano. O Direito Romano escrito teve um período de evolução longo, que
percorreu quatro etapas: até 510 a.C (o Reino); de 510 a 31 a.C (a República), de 31 a.C. até 300 d.C. (o
Período Imperial ou Alto Império, ou ainda o período Clássico do Direito Romano), criação que dura um
milénio, desde a época da república (510 – 31 a.C.), passando pelo período imperial (31 a.C – 300 d.C) e
de 300 a 536 d.C. Na primeira etapa, o Direito Romano era consuetudinário. Durante o período imperial,
também conhecido como o período clássico, encontramos eminentes jurisconsultos, tais como Gaius e
Ulpianus. A estes se devem as Institutiones, um compêndio e um manual de direito destinado ao ensino
do Direito. As Institutiones vieram a ser integradas no Corpus Iuris Civilis. Este era composto por partes:
Institutiones, Digesta ou Pandectae, o Codex e as Novellae. O Digesto (ou Digesta) ou Pandectas é uma
compilação ou conjunto de fragmentos e extractos de textos de direito de jurisconsultos sobre várias
matérias (Direito Privado, direito processual, direito administrativo e direito penal). A palavra “digesto”
vem do latim digerere =digerir, dissolver, pôr em ordem, organizar ou classificar. A palavra “pandectas”
é o nome grego correspondente à compilação. O conteúdo do Digesto é, portanto, o direito contido nas
obras dos jurisconsultos romanos. A comissão encarregue da compilação era presidida por Triboniano,
ministro da justiça do imperador Adriano. Triboniano era professor de direito da escola de Constantinopla
e jurisconsulto de grande mérito que, em 530 d. C., através de Constituição “Deo auctore de conceptione
Digestorum”, recebeu do Imperador Adriano, poderes e a tarefa de constituir uma comissão de 16
membros; comissão compulsou cerca de dois mil livros, compilou extractos de 39 jurisconsultos, sendo o
Digesto composto de 50 Livros, subdivididos em cerca de 1.500 títulos. O Digesto foi promulgado em
533 d. C. (Consultar a Enciclopédia virtual Wikipédia). O Codex era uma colectânea das Constitutiones
de todos os imperadores (do Imperador Adriano ao Imperador Justiniano). As Novellae continham apenas
as Constitutiones do Imperador Justiniano). Cada uma destas partes tinha um modo próprio de
organização. As Pandectas dividiam-se em 5 secções. A primeira secção continha os princípios gerais
sobre o direito e a jurisdição; a segunda secção dizia respeito à protecção jurídica da propriedade e dos
outros direitos reais; a terceira secção versava sobre as Obrigações e o Contratos; a 4ª Secção era relativa
à Obrigações e a Família; a 5ª Secção era sobre a herança, o legado, os fideicomissos. O Digesto tinha
ainda outras duas secções referentes a institutos diversos. O Corpus Iuris Civilis é o instrumento que está
na base do Direito Europeu Continental. Serviu como modelo de organização. O Direito Romano contido
no Corpus Iuris Civilis veio a ser recebido como direito vigente a partir do século 12 em vários países
europeus e serviu de objecto de estudo da ciência jurídica. Foi estudado e difundido na Idade Média sobre
tudo através da Universidade Bolonha (Itália) e mais tarde através do Direito Canónico. Destacaram-se no
seu estudo várias escolas: a Escola Francesa, que estudou o direito romano como ciência mundial, a
Escola Prática alemã (séc. 16-18), cujo objectivo era adaptar o Direito Romano às necessidades práticas
alemãs e combiná-lo com o direito germânico, a Escola do Direito Natural, (Séc. 17 e 18), que sublinha a
necessidade da conformidade do Direito Positivo ao Direito Natural, e a Escola Histórica do Direito (séc.
19) que procurava o conhecimento do Direito Romano puro do Corpus Iuris Civilis. Esta escola afastou o
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Friedrich Carl Von SAVIGNY, jurista alemão, o sistema das Pandectas. O Código Civil
recebe, assim, uma influência do BGB. Esta influência pode ser vista, fundamentalmente,
em dois aspectos: um interno e outro externo.
Do ponto de vista interno, o Código Civil recebeu do BGB as seguintes notas
características:
a) a sua técnica legislativa usa normas gerais e abstractas;
b) uso de uma linguagem técnico-jurídica abstracta;
c) uma sistematização lógica e clara com uma conceitualização precisa;
d) uso de conceitos jurídicos indeterminados e de cláusulas gerais;
e) influência da moral na lei, ilustrado pela imposição de princípios como o da boa-fé e
do respeito pelos bons costumes; influenciado personalismo ético da filosofia kantiana.
Do ponto de vista externo, o Código Civil seguiu a mesma arrumação que o BGB,
embora não haja uma coincidência absoluta nos conteúdos. Assim, tal como o BGB, esta
arrumação traduz-se na repartição do Código Civil em cinco4 livros, dos quais o
primeiro é a uma parte geral, seguida de partes especiais. Esta forma de arrumação das
matérias é própria da Pandectística Germânica.
chamado “usus modernus pandectarum” (uso moderno das pandectas, tradução literal) que era o direito
comum vigente na Alemanha. O seu grande representante é o Jurista alemão Friedrich Carl von Savigny
(1779-1861), cuja obra principal se intitula Sistema do Direito Romano Hodierno (System des Heutigen
Romischen Rechts). Savigny foi um grande estudioso e professor do Direito Romano. Foi esta escola que
teve grande influência no BGB, porque o seu esquema de exposição das matérias obedece ao Plano de
Savigny, que por sua vez, adoptou o sistema das Pandectae, cuja característica principal é fazer preceder
as partes especiais de uma parte geral, à semelhança do Digesto. O Código Civil de França, por exemplo,
adoptou o sistema desenvolvido por Gaius, composto por Livros (1º Livro – pessoas; 2º- coisas,
propriedade, outros direitos reais e testamentos; 3º- Sucessão intestata, obrigações em geral, obrigações
contratuais; 4º- Obrigações delituais, acções (actiones) do processo civil e direito criminal.
4
O Código Civil contém quatro livros, em virtude de o Código da Família (antigamente Livro III) ter sido
retirado pela Lei 1/88, de 20 de Fevereiro.
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Segundo HÖRSTER, Heinrich Ewald, A Parte Geral do Código Civil, ci. , pág. 119.
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outros direitos
reais
Secção 3ª Das obrigações Livro III Direito dos Bens Livro Direito das Coisas
e dos contratos III
Secção 4ª Obrigações e Livro IV Direito da Família Livro Direito da Família
família IV
Secção 5ª Herança, Livro V Direito das Livro Direito das
legados e Sucessões V Sucessões
fideicomissos
Mais Sobre diversos
duas institutos
secções heterogéneos
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Numa perspectiva puramente filosófica, a relação entre obrigação e dever jurídico é muito estreita.
Immanel Kant vê na obrigação “a necessidade de uma acção livre sob um imperativo categórico da
razão. O imperativo categórico é uma prerrogativa prática mediante a qual se torna necessária uma
acção em si contingente…. O dever é á acção a que alguém está obrigado. É, pois a matéria da
obrigação, e pode ser o mesmo dever (segundo a acção), embora possamos a ele estar obrigados de
modos diversos”. Disto podemos inferir que a obrigação é algo mais amplo do que o dever; este é gerado
por aquele já que este é apenas o modo de realização da obrigação.
7
Este poder imediato sobre as coisas não pode ser concebido em termos literais; por isso, a noção do
direito real não é rigorosa, na medida em que, literalmente, não existe uma ligação imediata entre a
pessoa e a coisa. O direito não se liga imediatamente às coisas, mas sim às pessoas; de contrário, o direito
real significaria a obrigação de uma pessoa relativamente às coisas e vice-versa, o que é um absurdo.
Como diz I. KANT, “é…absurdo imaginar a obrigação de uma pessoa relativamente a coisas, e vice-
versa; de qualquer forma, é lícito, mediante tal imagem, tornar sensível a relação jurídica e assim se
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directo adquirido sobre os bens e que confere ao seu titular uma supremacia sobre
todas as outras pessoas (erga omnes), no sentido de que gera um dever geral de
abstenção ou obrigação passiva universal sobre todas as pessoas. Por isso, soe dizer-
se, igualmente, que os direitos reais são absolutos. Quanto aos tipos de direitos reais, ver
adiante o capítulo relativo ao princípio da propriedade privada.
- Livro V - Direito das Sucessões ( art. 2024º - 2334º): trata-se do conjunto de
normas e princípios jurídicos que regulam a transmissão mortis causa (causada pela morte
de uma pessoa) da totalidade ou de parte do património (herança) que a ela pertencia aos
sucessores, designados por lei ou pelo de cujus8. Nos termos do artigo 2024º do Cód. Civil,
a sucessão é “o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas
patrimoniais de uma pessoa falecida e a devolução dos bens a ela pertencentes”. Diz-se “das
relações jurídicas patrimoniais”, porque, rigorosamente falando, o objecto da sucessão são
os direitos e as obrigações que incidem sobre os bens deixados por uma pessoa falecida.
Por isso, não se herdam apenas os bens (direitos), mas também as responsabilidades
assumidas sobre tais bens. Assim, o Direito Sucessório define as responsabilidades dos
herdeiros.
expressar” (Metafísica dos Costumes, op. cit. Pág. 70). O direito real é o direito ao uso privado de uma
coisa e que me dá a faculdade de excluir qualquer outra pessoa, qualquer outro possuidor do uso privado
da coisa. O direito real não é mais do que o direito de uma pessoa perante outras, que se devem abster de
qualquer acção que ponha em causa o exercício do direito pelo seu titular.
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Abreviação latina da alocução is de cuius hereditate agitur, que significa aquele de cuja herança se trata.
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Advirta-se, outrossim, que não se trata de uma Teoria Geral do Direito. Esta é uma
designação própria de uma disciplina que estuda o Direito na perspectiva filosófica, que
não é a da TGDC.
É corrente dizer-se que a IED constitui a precedência da TGDC. A IED é uma introdução
ao Direito como um todo; a TGDC tem a missão e o condão de introduzir o estudante num
dos grandes ramos ou divisões do Direito, isto é, o Direito Privado, e, dentro deste, no
Direito Civil. Todavia, ao fazê-lo, a TGDC não estuda nenhum dos ramos do Direito Civil em
particular; dedica-se, apenas, ao estudo da Parte Geral do Código Civil. É nesta parte
que estão concentrados os princípios, as regras, noções e conceitos comuns a todos os
ramos do Direito Privado, e não só.
Deste modo, A TGDC não cuida de resolver problemas específicos do Direito Civil, mas
apenas “caracterizar figuras, equacionar problemas, formular soluções respeitantes a todo
domínio do Direito Civil… à generalidade das normas do Direito Civil ou à generalidade das
relações jurídico privadas9. A TGDC não visa estudar a relação jurídica obrigacional, real,
sucessória, em concreto, mas analisa, regula a relação jurídica em si, seja ela de natureza
obrigacional, real ou sucessória, ou ainda de algum ramo do Direito Privado especial ou
mesmo do Direito Público. Estuda as condições necessárias para que esta relação jurídica
se possa considerar constituída, válida e com os efeitos pretendidos. Estuda os elementos
constantes em todas situações jurídicas. É claro que nestes domínios, as relações jurídicas
ganharão contornos e variantes próprias, que constituirão desvios dos princípios contidos
no Direito Civil.
O Direito Civil é o núcleo de todo o Direito; os princípios do Direito Civil são
disponíveis para todos ramos do Direito, que se aplicam enquanto não forem afastados. E
porque estes princípios, conceitos e regras estão contidos na Parte Geral do Código Civil,
então a Teoria Geral do Direito Civil tem por objecto a Parte Geral do Código Civil.
O estudo da Teoria Geral do Direito Civil e a consagração de uma Parte Geral no Código
Civil não são isentas de críticas, na doutrina. Houve, na história da evolução do Direito e da
doutrina, quem questionasse a necessidade da existência tanto de uma disciplina com o
nome de Teoria Geral do Direito Civil, assim como de uma parte peral no próprio Código
Civil, alegando: a) que a Parte Geral é muito abstracta; b) que o estudo do Direito não pode
começar com teorizações, o que levaria os estudantes de Direito a formar uma visão
conceptualista doeste; e que c) os tais princípios da parte geral sofrem desvios
importantes nas partes especiais. Houve mesmo quem sugerisse distribuir tais regras
pelas partes especiais.
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Carlos Alberto da C.A. MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª Ed., pág. 17.
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Embora tais críticas sejam pertinentes, elas não são de sobrevalorizar, porquanto: a)
as abstracções são próprias da ciência e são necessárias para dotar o estudante do poder
de profundidade de análise, do rigor técnico, facilitar a tarefa da compreensão e da
interpretação da lei – este é, aliás, o mérito e o objectivo da Teoria Geral do Direito Civil; b)
a existência de desvios não significa que não exista um fundo comum bastante apreciável,
constituído por um conjunto de denominadores comuns a todas as partes especiais. Aliás,
os desvios só confirmam os princípios, como diz o ditado popular, “a excepção confirma a
regra”; c) embora se trate de uma teoria geral, o estudo dos conceitos, dos princípios e das
regras gerais não se pode fazer senão ilustrando-os com as regras e os exemplos práticos
tirados das partes especiais.
PARTE II
PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO CIVIL
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1. Considerações gerais
Para que um ramo de direito seja considerado como tal, é necessário que tenha
princípios próprios, além de uma legislação própria.
O Direito Civil, enquanto ramo de direito, não foge a esta regra. Aliás, o Direito Civil
é um conjunto de ramos de direito. Por isso, ele tem princípios próprios.
10
Este artigo reza o seguinte: “Considera-se nascimento de criança viva a expulsão ou extracção
completa, relativamente ao corpo materno e independentemente da duração da gravidez, do produto da
fecundação que, após esta separação, respire ou manifeste quaisquer sinais de vida, tais como pulsações
do coração ou do cordão umbilical ou contracção efectiva de qualquer músculo sujeito à acção da
vontade, quer o cordão umbilical tenha sido cortado, quer não, e quer a placenta esteja ou não retida”
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França e Holanda (. 3º): é necessário que recém-nascido seja viável, isto é, apto para a vida; se nascer
com vida, a sua capacidade remontará à sua concepção.
Espanha, (Código Civil, art. 30): a) exige que o recém-nascido tenha forma humana e b) que tenha vivido
24 horas para que possa adquirir personalidade.
O Código Civil Suíço (art. 31) e o italiano (art. 1º), brasileiro, português, angolano: a personalidade
jurídica inicia-se do nascimento com vida.
12
PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do direito Civil, cit. Pág. 35
13
Lembre-se de que a palavra pessoa tem uma origem teatral: a personna ersignava a máscara que os
romanos punham nas representações teatrais. Daí terá evoluído para o sentido de actor da vida jurídica.
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Nota bene: há que notar, entretanto, que não há coincidência entre este sentido
técnico-jurídico (formal) e o sentido ético de pessoa14.
Por um lado, o conceito jurídico de pessoa tem um alcance que vai para além das
pessoas humanas, abrange também as pessoas colectivas (também conhecidas como
pessoas morais ou jurídicas, por oposição às pessoas naturais, físicas ou singulares). As
pessoas colectivas são organizações de pessoas e complexos de bens, visando a
prossecução de uma certa finalidade económica (lucrativa ou não) ou meramente social
(egoísticas e filantrópicas), às quais o Direito reconhece a qualidade de sujeito de direito15.
Historicamente, este conceito nem sempre abrangeu todos os seres humanos (por
exemplo, os escravos, no Direito Romano, não eram considerados pessoas.
O sentido ético de pessoa tem um alcance maior do que o do sentido técnico,
abrange todos os seres humanos, desde a concepção até à morte.
Os direitos de personalidade:
A primeira consequência da personalidade é a titularidade de direitos de
personalidade (PAIS DE VASCONCELOS). Estabelecido o princípio do reconhecimento da
pessoa, impunha-se dotá-la dos meios convenientes e necessários à sua protecção. O
reconhecimento dos direitos de personalidade é, deste modo, um mecanismo técnico-
jurídico de tutela da personalidade, que se concretiza na imposição de deveres
universais de abstenção (ou obrigação passiva universal) e de sanções, geralmente de
carácter civil, mas algumas vezes do fórum criminal..
Enumeração (exemplificativa) dos direitos de personalidade: o direito ao
nome (art. 72-74 C.C.), o direito ao sigilo de correspondência (art. 75-78 C.C.; art. 34º
CRA), o direito à imagem (art. 78º C.C.), o direito à reserva sobre a intimidade da vida
privada), o direito à vida (art. 495º C.C., art.30 CRA e art. 349 C. Penal, o direito à
integridade moral, intelectual e física (art.31º nº 1 CRA), o direito à identidade pessoal
(art.32º nº 1 CRA), o direito à honra, ao bom nome e à reputação (art. 79º nº 3 C.C.; 32º
CRA), o direito à liberdade e à segurança, (art. 36º nº 1 CRA) o direito a um ambiente sadio
(art. 39 CRA). Nos termos do nº 3 do art. 36 da Constituição da República de Angola, o
direito à liberdade física e à segurança individual abrange o direito a não ser sujeito a
quaisquer formas de violência, o direito a não ser torturado nem tratado ou punido de
maneira cruel, desumana ou degradante, o direito de usufruir plenamente da sua
14
A questão do momento em que se deve reconhecer a pessoa não se esgota no Direito, é uma questão
ética e filosófica. Sobre esta problemática, ver também Celestino Rafael (O humanismo personalista e o
personalismo cristão perante o aborto, Luanda, Janeiro de 2015).
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C.A. MOTA PINTO, op. cit. pág. 98.
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São absolutos: esta característica significa que os seus titulares podem opô-los a
todas as outras pessoas e produzem efeitos contra todos (erga omnes), o que, todavia, não
corresponde a afirmar o seu exercício esteja isento de controlo ou que os direitos de
personalidade não sejam susceptíveis de limitações. Tais limitações são de duas ordens, a
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Vide PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, cit. pág. 38.
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saber, limitações intrínsecas (resultantes do conteúdo que a lei lhes confere, isto é,
comportam sempre poderes e deveres) e limitações extrínsecas (que resultam da
necessidade da sua conjugação com outras situações protegidas); o exercício do direito de
personalidade nunca pode justificar o atropelamento dos direitos de personalidade das
outras pessoas; o seu uso abusivo constitui um ilícito, o abuso do direito (art. 334º C.C.).
c) São imprescritíveis: não se extinguem em consequência da sua omissão ou
do seu exercício pelo seu titular;
d) São não patrimoniais/pessoais: não são susceptíveis de avaliação em dinheiro,
embora a sua violação possa acarretar a reparação, ou melhor, uma compensação, de
conteúdo patrimonial. Diz-se, às vezes, que os direitos de personalidade são direitos
pessoais (não patrimoniais), por oposição aos direitos de índole patrimonial.
e) São indisponíveis: significa esta característica que a vontade dos seus titulares é
ineficaz em relação a eles para os extinguir; estão subtraídos à vontade dos seus titulares.
Da sua indisponibilidade decorrem, segundo José de Oliveira Ascensão, três aspectos: são
(a) intransmissíveis17: não podem ser objecto de sucessão, nem de cessão; são(b)
irrenunciáveis, isto é o titular pode renunciar ao exercício de um direito de personalidade,
mas não pode renunciar ao direito de personalidade em si;. c) são escassamente
restringíveis através de negócio jurídico art. 280, 81/1, 340 C.C. A doutrina consagra,
geralmente, uma atenção especial a este aspecto. Assim também faremos mais adiante.
f) São universais: os direitos de personalidade são universais no sentido de
que são inerentes a todas as pessoas.
g) São inatos: nascem com o homem; por isso se dizem originários e
primitivos, à diferença dos direitos adquiridos (adquiridos durante a existência do
indivíduo), pese embora o facto de alguns se poderem efectivar através de um direito
posterior, como é o caso do direito à criação pessoal.
h) Gozam de protecção penal: certa doutrina refere a protecção penal como
um dos atributos dos direitos de personalidade. Todavia, este predicado não diz respeito a
todos eles, sendo que, em regra, a violação dos direitos de personalidade apenas acarreta a
responsabilidade civil, mediante a obrigação de indemnizar). Aqueles cuja violação ganha
relevo social sim, gozam de protecção penal. Tais são os casos do homicídio (art. 349 C.
Penal) das ofensas Corporais (art. 359ss C. Penal), da difamação, da calúnia.
i) São atípicos: esta característica significa que o reconhecimento de um direito
como direito de personalidade não depende de qualquer consagração legal; o único
critério para a qualificação é a ligação estreita com a natureza e a dignidade da pessoa
17
De acordo com este autor, às vezes se fala de direitos personalíssimos como sinónimo de
intransmissíveis.
22
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humana. A atipicidade dos direitos de personalidade não singifica, contudo, que não
existam direitos de personalidade tipificados; pelo contrário. A atipicidade dos direitos de
personalidade há-de entender-se no sentido de que são direitos de personalidade todos os
previstos como os não previstos na lei.
18
José De Oliveira Ascensão, op. cit. pág. 76
23
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existência da pessoa, não são, portanto, direitos originários, Pelo contrário, os direitos de
personalidade são anteriores a qualquer estruturação política da vida social, são
anteriores ao Estado e constituem emanações da personalidade humana em si, ou seja,
decorrem directamente da natureza humana. Por isso é são considerados, juridicamente,
mecanismos de tutela da personalidade, isto é, são verdadeiros modos de defesa da
personalidade humana.
19
Uma noção que, como todas ou quase todas as noções legais, não é completa, nem rigorosa.
20
C.A. MOTA PINTO refere alguns desses direitos de personalidade inominados, tais como a identidade
genética (questão dos clones), a auto determinação informativa, isto é, o controlo sobre os dados pessoais,
o direito ao sono, cuja defesa se torna cada vez mais necessária em face da cada vez mais crescente
cultura do barulho, o direito à saúde, ao repouso, o direito ao ambiente saudável (Nota: tutelado pelo
Direito Constitucional); o direito ao ambiente inclui o direito ao ar puro. Vejamos a prática crescente de
as empresas de saneamento depositarem lixos junto de habitações); a LAGMA (Lei das Actividades
Geológicas e Mineiras) impõe às empresas exploradoras de diamantes e de petróleo a obrigação, não só
da reconstituição dos solos, mas também a de realizarem investimentos sociais em beneficio das
populações que vivem nas zonas de exploração mineira.
24
Sumários desenvolvidos de Teoria Geral do Direito Civil – 2019.
Elaboração de Celestino Rafael
21
Conferindo assim ao aplicador da lei um poder discricionário para ajuizar dos meios adequados o fim
de reparar o direito violado; o poder discricionário do juiz está aqui doseado com o dever do respeito ao
princípio da proporcionalidade entre a gravidade da violação e os meios para a sua reparação.
25
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1409ss CPC)22- que permitem ao juiz determinar tais providências)23; de acordo com o
artigo 1410º do CPC, nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de
legalidade estrita24, devendo antes adoptar, em cada caso, a solução que julgue mais
conveniente e oportuna. De notar ainda que, nos termos do artigo 1475º do CPC, o
legislador não condiciona a decisão do juiz à contestação pelo demandado, mas apenas à
produção das provas necessárias; esta é uma excepção à regra, consagrada no nº 1 (in
fine) e nº 2 do artigo 3º do CPC, segundo o qual “o tribunal não pode resolver o conflito de
interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a
outra seja devidamente chamada para deduzir oposição”. No. 2: “Só em casos excepcionais
previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja
previamente ouvida”.
e) na irrenunciabilidade, intransmissibilidade e imprescritibilidade; 6º na
revogabilidade a todo o tempo das limitações voluntárias, entre outras coisas
f) no facto de os direitos de personalidade gozarem de protecção também
depois da morte do seu titular (art. 71º nº 1). Este número suscitou leituras diferentes
na doutrina. Segundo o professor C.A. MOTA PINTO, a formulação contida naquele número
é infeliz, uma vez que em consequência da cessação da personalidade jurídica com a morte
(art. 68 nº 1), com a qual se extinguem também os direitos de personalidade, a tutela
incide sobre os direitos e interesses da pessoas mencionadas no nº 2 do mesmo artigo.
Para José De Oliveira Ascensão, embora os direitos de personalidade se extingam
de facto com a morte, a sua tutela jurídica pode continuar mesmo depois dela. Por isso,
essa norma visa proteger não só os interesses e os direitos das pessoas indicadas no
número 495 e 496 do C. Civ., mas visa proteger também o princípio do respeito pela
memória das pessoas falecidas, que é um princípio imperante em todas as sociedade
civilizadas25.
Em caso de lesão de que provenha a morte, o direito passa para as pessoas
indicadas no art. 495 e 496, sendo que a indemnização deverá incluir os danos
patrimoniais e não patrimoniais.
22
Os processos de jurisdição voluntária caracterizam-se pelo facto de o seu objecto não ser um litígio,
como nos outros processos, por um lado e pelo facto de neles o tribunal poder investigar livremente os
factos, coligir provas, ordenar os inquéritos e recolher informações convenientes (art. 1409 nº 2).
23
O texto do autor deixa ver que não é por acaso que a lei não menciona as chamadas providências
cautelares.
24
Trata-se de uma excepção à regra
25
Vide, a este respeito, o capítulo referente ao termo da personalidade jurídica, designadamente sobre os
efeitos jurídicos da morte.
26
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Elaboração de Celestino Rafael
26
HÖRSTER refere, a este propósito, as seguintes situações em que o consentimento é tácito: “os
praticantes de um desporto perigoso consentem em lesões que possam acontecer, não obstante a
observação das respectivas regras; quem aceitar um transporte gratuito (“boleia”) consentirá em lesões
sofridas apesar de terem sido observadas as regras de trânsito…. por outro lado, quem pratica desportos
violentos ou quem aceitar um transporte gratuito, correndo riscos patentes (p. ex., o condutor está bêbado;
o meio de transporte não oferece condições de segurança, etc.), age por risco próprio, não se podendo
falar neste caso de consentimento…O tratamento médico carece de consentimento, regularmente,
expresso, da parte do paciente. O médico nunca pode pressupor consentimento tácito, se o tratamento
exceder aquilo que o doente, segundo a sua condição, é capaz de prever. Assim, o médico tem por
princípio esclarecer o doente…”. O artigo 31º do Código Deontológico e de Ética Médica reza o seguinte:
28
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o médico deverá sempre esclarecer, no lugar do paciente, os seus parentes mais próximos
e obter deles a autorização27. Há casos em que o consentimento deve ser prestado
expressamente, sendo, portanto, proibido o consentimento tácito e o presumido. Tal é o
caso do consentimento tendo em vista a participação em experiências terapêuticas.
27
H. E. HÖRSTER, op. cit. Nº 441.
28
FERNANDA SCHAEFER, A Nova Concepção do Consentimento Esclarecido, http://www.idb-
fdul.com. Advertimos o leitor de que os pressupostos aqui reportados são referidos por Fernanda Shcaefer
ao consentimento aplicado à relação médico-paciente. Apesar disto, pensamos que os pressupostos são
aplicáveis à limitação dos direitos de personalidade em geral.
29
Segundo HÖRSTER (A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, nº 442),
a defesa da personalidade é tão forte que vai ao ponto de a doutrina considerar que “o consentimento na
lesão não exige capacidade negocial, pelo que também os menores podem consentir numa limitação
voluntária ao exercício dos seus direitos de personalidade quando possuírem, conforme a gravidade do
caso concreto, uma capacidade natural suficiente para entender plenamente o significado do seu acto
29
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sujeito à autorização pelas pessoas indicadas. (Ver adiante sobre o conceito de assistência
e de representação).
2º: Voluntariedade: o consentimento deve ser livre de qualquer vício (ex.: erro,
dolo, simulação, coacção…).
3º: Informação prévia, clara, objectiva, i.e, aproximativa da realidade, honesta e
adequada à compreensão e ao estado emocional do interlocutor, mais próxima da verdade
sobre os objecivos, riscos, benefícios, probabilidades de sucesso, métodos, técnicas,
duração.
4º: Autorização (activa) ou consentimento: é a tomada da decisão propriamente
dita, podendo ser escrita ou oral. A forma juridicamente mais segura é a forma escrita.
5º: Termo do consentimento: trata-se da materialização do todo o processo de
informação.
30
Uma referência ao artigo 280º nº 2.
31
OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil, Teoria Geral, cit. , Vol. I, pág. 93.
30
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consciente e porque não contrário à ordem pública, e que, ao mesmo tempo, ele possa ser
revogado. Seria mais lógico que as partes consentissem em distratar o negócio jurídico
celebrado. Mas a lógica que presidiu à consagração da revogabilidade do consentimento
(acto unilateral do titular do direito) obedeceu à necessidade do reforço da tutela do
direito de personalidade de reforçar o carácter indisponível dos direitos de personalidade.
De resto, trata-se de uma medida de prevenção contra a possibilidade do risco e das
consequências adversas que adviriam de uma possível vinculação definitiva do titular do
direito ao consentimento prestado relativo à limitação do exercício do seu direito: Evita-
se, deste modo, que a contraparte possa vir a invocar a prerrogativa de dispor do direito
de personalidade de outrem com base no consentimento por este prestado.
d) Indemnização da outra parte: o número 2 do artigo 81º do C.C. impõe ao
titular do direito de personalidade a obrigação de indemnizar. Parece existir aqui outro
contra-senso: se a revogação é, lícita, permitida pela ordem pública, porquê, então,
indemnizar? A resposta é que a declaração negocial do titular do direito de personalidade
pode ter gerado já expectativas legítimas e o não cumprimento do contrato pode causar
danos na esfera jurídica da outra pessoa. José de Oliveira Ascensão nota: “…a tutela da
personalidade leva a que sejam causados danos a quem nenhuma responsabilidade teve”
(pág. 94). Daqui se pode concluir que, se o declaratário tiver responsabilidade na emissão
da declaração, porque se portou de forma contrária aos padrões normais de conduta, não
terá direito à referida indemnização. Isto aplica-se a quem tenha usado de usura (art. 282
C.C.) ou de uma certa coação moral para obter a declaração negocial. Por outro lado,
embora não directamente, este preceito pode sustentar também a ideia da protecção da
personalidade, assente na lógica de que entre sujeitar-se à limitação do direito de
personalidade em virtude do consentimento prestado e indemnizar, é preferível
indemnizar.
Entretanto, apela o mesmo autor à necessidade de se não fazer uma leitura
meramente positivista ou literal do nº 2 do artigo 81º do Código Civil. Parece-nos ser de
concluir que o pensamento do autor vai no sentido de se poder afirmar que a
revogabilidade patente neste número não é absoluta32. Segundo ele, há que considerar nas
restrições negociais três situações diferentes: um núcleo duro, em que o direito não é
susceptível de limitação negocial (v.g. o direito à vida, à saúde, etc.); uma orla, em que os
direitos são limitáveis, mas a limitação é revogável e uma periferia em que os direitos são
limitáveis, sem se incorrer na revogabilidade estatuída no nº 2 do artigo 81º/2, sendo que,
neste último caso, o critério para se aferir da admissibilidade da revogação é o carácter
ético ou anti-ético da situação, ou seja, se, num caso concreto, se chega à conclusão de que
32
Uma leitura que não parece ser consentânea com a letra do nº 1 do artigo 81º do Código Civil.
31
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Elaboração de Celestino Rafael
4. Princípio da igualdade:
Introdução
Existe uma igualdade natural entre os homens. Todos somos partícipes da
mesma natureza (humana), temos a mesma constituição, em termos biológicos e
químicos, temos a mesma origem e teremos o mesmo fim, inevitavelmente. Além e
acima de tudo, gozamos todos da mesma dignidade humana.
Mas também, há uma desigualdade natural entre os homens, que se concretiza
em vários factores: diferentes posições económicas, culturais, sociais. Mesmo do ponto
de vista jurídico, a desigualdade, em determinados sectores de relações jurídicas, é um
facto consumado. Por exemplo, na relação jurídica laboral, existe uma subordinação
jurídica do empregado ao empregador, uma vez que o primeiro presta o seu trabalho sob
a autoridade e a direcção do empregador (Cf. art. 1º da Lei 2/00, de 11 de Fevereiro –
Lei Geral do Trabalho). Na relação jurídica familiar de filiação, os filhos menores e os
não emancipados devem obediência aos pais, que exercem sobre eles o poder paternal
(art.124ºdo Cód. Civil e 137º do C.Fam.).
Formulação
O princípio da igualdade ou paridade jurídica está consagrado na CRA, que o
formula de duas formas, uma positiva e outra negativa, sendo que esta não é nada mais
do que a explicitação daquela. O artigo 23º da CRA determina:
nº 1 – “todos são iguais perante a lei”;
33
Vide op. cit. nº 49-III
32
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34
HÖRSTER, A Parte Geral do Código Civil Português, cit. pág. 52.
33
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34
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isto levaria à “eliminação” dos mais fracos e à supressão da sua autonomia, além de
propiciar injustiças.
Para prevenir tais situações, o direito objectivo consagra mecanismos adequados
para a correcção das desvantagens decorrentes do eventual uso abusivo da desigualdade
material e para a realização de uma certa justiça material35. Sendo difícil determinar
casuisticamente quem é o mais fraco, o legislador escolhe algumas situações socialmente
típicas ou recorrentes nas relações jurídicas privadas, e não só, e introduziu normas
imperativas no respectivo regime jurídico (v.g., contrato de trabalho, relações jurídicas
jurídicas familiares, sucessórias, relação consumidor-fornecedor de bens e serviços), ou
então, concedendo à parte que tenha sido vítima de exploração a possibilidade de anular o
negócio realizado (v.g., a usura, o erro, o dolo, os negócios realizados por um menor, etc.).
O princípio da protecção dos mais fracos, também designado como o princípio da
protecção social (HÖRSTER), visa, portanto, assegurar o equilíbrio jurídico entre os
particulares no trato entre si e com os entes públicos, nas vestes de particulares.
Noção
35
H. E. HÖRSTER sustenta a tese de que o grau de protecção dos mais fracos é uma bitola para medir o
valor ético de uma ordem jurídica. (Vide a obra em referência, nº ???)
35
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Elaboração de Celestino Rafael
A autonomia privada pode ser definida como o poder reconhecido aos particulares
de auto regulamentação dos seus interesses, de auto governo da sua esfera jurídica (C.A.
MOTA PINTO). Entende-se por esfera jurídica o conjunto das relações jurídicas,
patrimoniais e não patrimoniais, de que uma pessoa é titular num determinado momento.
A autonomia privada assenta na ideia de que, nas relações entre os particulares, estes
agem de acordo com a sua vontade, são livres de estabelecer ou não relações jurídicas, de
as estabelecerem com quem quiserem, de adquirir direitos, assumir obrigações e de
fazerem o que bem entenderem dos seus interesses, dentro dos limites da lei36.
36
HÖRSTER, A Parte Geral do Código Civil Português, cit. pág. 52.
36
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Fala-se da liberdade contratual nos negócios jurídicos bilaterais, que são sempre
contratos, de onde a expressão “liberdade contratual”.
O princípio da liberdade contratual está consagrado no artigo 405º do Código Civil,
que estabelece, sob a epígrafe “liberdade contratual”:
nº1- “dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos
contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as
cláusulas que lhes aprouver”;
nº 2- “as partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total
ou parcialmente regulados na lei”.
Noção e conteúdo
O princípio da liberdade contratual encerra dois aspectos, a saber: a) a liberdade
de celebração, ou liberdade de conclusão de contratos; b) a liberdade de modelação,
também conhecida como liberdade de fixação ou estipulação.
A Liberdade de celebração define-se como a faculdade de livremente celebrar ou
recusar-se a celebrar contratos. A liberdade, em si, significa ausência de coação. A
liberdade contratual significa, por isso, que, em princípio, ninguém está obrigado a
concluir contrato algum. Mas também significa que ninguém deve ser impedido ou
proibido de celebrar os contratos. Além disso, ninguém deve ser sancionado ou
repreendido pelo facto de concluir determinado contrato.
Note-se que o nº 1 do artigo 405º do C.C., que fundamenta a liberdade de
celebração, não a refere de modo expresso; referência explícita é feita à liberdade de
fixação (“…as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar
contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes
aprouver). A liberdade de celebração resulta é o pressuposto da liberdade de modelação,
sendo este, portanto, consequência lógica daquela. As partes não teriam a faculdade de
fixar livremente o conteúdo dos contratos e de celebrar contratos diferentes dos previstos
na lei, se antes não tivessem a faculdade de celebrar ou não tais negócios jurídicos.
A liberdade de modelação é a faculdade que assiste aos particulares de: a) celebrar
contratos típicos (previstos na lei) ou atípicos (não previstos na lei); b) fixar livremente o
conteúdo dos contratos que queiram celebrar; c) incluir nos contratos que celebrem
(típicos ou atípicos) as cláusulas que lhes aprouver, isto é, que julgarem mais convenientes
à realização dos seus interesses; d) integrar, num mesmo contrato (contrato misto), regras
de dois ou mais contratos (típicos ou atípicos).
37
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37
Op. cit. pág. 265 ss
38
Vem do Direito Romano. Traduzia-se, na invocação, pelo demandado, de um comportamento
fraudulento do titular de um direito, indicando, assim, que o último não agiu honestamente.
38
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dolo), usada contra todos os tipos de condutas, activas ou omissivas, que assentem na
violação da boa-fé, do dever agir honestamente, de agir como pessoa de bem, honesta.
Constitui violação mandamento de não prejudicar os outros (alterum non laedere
ou do princípio do mínimo dano) (vide supra) o exercício do direito em desequilíbrio, o
qual pode ser: a) emulativo (quando o titular do direito é movido pela intenção exclusiva
de prejudicar ou causar um mal a outrem), b) inútil ou injustificado (quando o exercício
não represente qualquer vantagem para o seu titular e resulta para outrem um sacrifício
injusto); c) a exigência de algo que deve ser imediatamente restituído (fundamento da
compensação); d) a desproporção no exercício (quando a vantagem resultante do exercício
do direito é inferior, mínima ou desproporcional ao sacrifício causado a outrem.
ii) A não contrariedade aos bons costumes: os bons costumes opõem-se aos
maus costumes (uma distinção moral). De acordo com Pais de Vasconcelos, os maus
costumes traduzem-se, geralmente, nas práticas que violem a boa-fé objectiva, embora a
imoralidade vá além da boa-fé. A normatividade assente nos bons costumes é aquela que é
imanente na sociedade, que muitas vezes não se encontra nas palavras da lei 39. Há, pois,
formas de exercício de direitos que são moralmente inaceitáveis; exercer o direito de
forma imoral constitui abuso do direito.
39
Idem, pág. 270.
39
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40
Segundo HÖRSTER, este dever jurídico abrange também a liberdade de fixação para evitar que o
obrigado a contratar contorne este dever, fixando exigências tão exorbitantes relativamente ao conteúdo
do contrato, que a obrigação acabe por não ter efeitos, porque a outra parte nunca estaria em condições de
satisfazer as obrigações contratuais, nomeadamente em relação ao preço. Nota o mesmo autor que a
obrigação de contratar não se pode reconduzir à figura da sujeição, própria dos direitos potestativos,
porque, contrariamente aos direitos potestativos, a parte obrigada a contratar pode violar esta obrigação
(A Parte Geral do Código Civil Português, cit. op. Cit. nº 62).
41
Nesta matéria, é mister transcrever aqui os preceitos relevantes do Código Deontológico e de Ética
Médica, que reza o seguinte:
a) “O Exercício da arte médica é uma missão eminentemente humanitária. O médico zela em todas as
circunstâncias pela saúde das pessoas e da colectividade. Para cumprir com esta missão o médico presta
toda a atenção à arte médica que pratica, estando sempre e plenamente preparado de forma a respeitar a
pessoa humana.
d) Todos os médicos devem prestar tratamento de urgência a pessoas que se encontrem em perigo
imediato, independentemente da sua função específica ou especialidade;
e)O médico deve exercer todos os actos médicos benéficos para o doente, segundo o consenso actual da
comunidade médica, mesmo que eles sejam contrários às suas convicções ideológicas, religiosas ou
políticas.
g) O médico deve ter consciência dos seus deveres para com a colectividade”.
42
Rigorosamente falando, só se pode falar da proibição de contratar quando não verificados os requisitos
da sua admissibilidade. Nas condições em que ele é admitido, ele representa apenas um perigo fundado na
possibilidade do conflito de interesses (VER INFRA, o fenómeno da representação).
43
Daqueles bens importantes para a vida económica familiar.
41
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44
Espécie dos contratos onerosos. São Contratos em que as atribuições patrimoniais das partes são certas
(Castro Mendes, Direito Civil, Teoria Geral, 1979, III-746) no sentido de que são conhecidas no momento
da celebração do contrato.
45
H. E. HÖRSTER op. cit pág. nº 67.
46
No Direito do Trabalho ao lado do princípio da protecção do mais fraco, que é transversal a toda a sua
regulamentação, vigora um princípio importante, que é o princípio do tratamento igual. O nº 1 do artigo
164 da Lei Geral do Trabalho reza, a este propósito: “O empregador é obrigado a assegurar para um
mesmo trabalhado ou para um trabalho de valor igual, em função das condições de prestação da
qualificação e do rendimento, a igualdade de remuneração entre os trabalhadores sem qualquer
descriminação com respeito pelas disposições”.
47
Em Angola, ainda não temos diplomas legislativos reguladores do regime de preços, sobretudo para
determinadas mercadorias, ou as margens de comercialização de determinados produtos. Mas é possível
encontrar uma legislação abundante em outras ordens jurídicas mais desenvolvidas economicamente.
42
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Conceito legal
O conceito legal da responsabilidade civil está contido no nº 1 do artigo 483º e no
artigo 562 do Código Civil. O artigo 483º determina, no seu nº 14: “aquele que, com dolo ou
mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a
proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da
violação”. O artigo 562º, por seu turno, estabelece: “Quem estiver obrigado a reparar um
dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que
obriga à reparação”.
43
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Conceito doutrinal
Com fundamento no supracitado artigo, a responsabilidade civil é costuma ser
definida pela doutrina como:
a obrigação imposta por lei ao autor de certos factos ou ao beneficiário de
certa actividade de reparar os danos causados a terceiros por tais factos ou
actividade, ou ainda, a necessidade imposta pela lei a quem cause prejuízos
a outrem de colocar o lesado na situação em que estaria sem a infracção
(C.A. MOTA PINTO), ou ainda,
a “obrigação de ressarcir os danos causados a outrem em decorrência da
violação de direitos” (NÉLIA DANIEL DIAS);
a obrigação imposta a uma pessoa de reparar os danos causados pelo seu
comportamento, positivo ou negativo.
48
Para Immanuel KANT (Metafísica dos Costumes, cit., pág. 31-32), uma decisão racional nunca pode
significar que a pessoa possa escolher contra aquilo que é racional. Por isso, este filósofo questionava a
concepção da liberdade como a faculdade de escolher a favor ou contra a lei, de decidir entre o bem e o
mal. Isto corresponde ao exercício da liberdade, e não se pode confundir com ela. A liberdade é, antes de
tudo, “uma propriedade negativa, a saber, a propriedade de não sermos forçados a agir por nenhum
fundamento sensível de determinação… a Liberdade jamais pode consistir em que o sujeito racional
possa escolher também contra a sua razão (legisladora)”.
44
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Responsabilidade civil
Noção (remissão)
A responsabilidade civil pressupõe, como se disse, um facto danoso, em princípio
ilícito, mas, às vezes, excepcionalmente, também de um facto lícito. Seja num caso seja
noutro, não há responsabilidade civil sem dano.
Responsabilidade civil por factos ilícitos versus responsabilidade por factos lícitos
a) Por factos ilícitos (art. 483º a 498º; 798ss C.C.)
Constitui a regra. Verifica-se quando o dano a ressarcir resulta da prática de um facto
contrário à ordem jurídica, isto é, proibido pelo Direito (por exemplo, a resultante do
homicídio, do roubo, lesão ao bom nome, ao crédito de outrem, à privacidade, etc.);
46
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A responsabilidade por factos lícitos tem lugar quando a lei impõe a obrigação de
indemnizar, apesar de o facto danoso ser permitido pela ordem jurídica. Constituem casos
de responsabilidade por factos lícitos os seguintes: responsabilidade resultante da
revogação do consentimento, em matéria dos direitos de personalidade (art. 81º, nº 2
C.C.), responsabilidade decorrente da prática de um facto no âmbito do estado de
necessidade (art. 339º, nº 2 C.C.), indemnização por danos causados por escavações ou
abertura de minas e poços em prédios (art. 1348º) ou por danos causados pela apanha de
frutos (art. 1349º), igualmente a responsabilidade prevista no artigo 1367º, e
responsabilidade decorrente da revogação do mandato (art. 1172º);
O C.C. não consagra uma secção específica à responsabilidade por factos lícitos; encontra-
se espalhada, esporadicamente, ao longo do C.C.
49
C.A. C.A. MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, op. cit. Nº 28-II.
50
HÖRSTER, A Parte Geral do Código Civil Português, cit., nº 119.
48
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51
HÖRSTER, A Parte Geral do Código Civil Português, cit. nº 123.
49
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50
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pontualmente determinados pela lei, ao autor da lesão desculpar-se, provando que tudo
fez para impedir a consumação dos danos ou que estes viriam a produzir-se
independentemente dos seus esforços para os evitar (invocação da causa virtual) 53. Nas
situações de inversão do onus probandi, vigora a regra da presunção legal de culpa do
lesante, prevista na parte final do nº 1 do supracitado artigo (“…salvo presunção legal de
culpa…”). A presunção legal de culpa só existe nos casos previstos na lei.
Segundo o nº 2 do artigo 344ºdo Código Civil, além dos casos previstos no nº 1 do
mesmo artigo, há também inversão do onus da prova quando a parte contrária tiver
culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei
de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações.
Podemos identificar alguns casos de presunção legal de culpa.
a) De acordo com o artigo 491º do Código Civil, as pessoas obrigadas à vigilância
de outrem respondem pelos danos que a pessoa vigilada cause a terceiros, excepto se
provarem que cumpriram o seu dever de vigilância, ou que os danos se teriam produzido
ainda que o tivessem cumprido54;
b) O proprietário ou possuidor de edifício ou outra obra que ruir é
responsabilizado pelos danos causados, salvo se provar que não houve culpa da sua parte
ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos (art. 492º nº 1);
c) A pessoa que, por negócio jurídico ou por lei, está obrigada a conservar o edifício
ou obra no lugar do proprietário, responde pelos danos, se os danos se deverem,
exclusivamente, a defeitos de conservação (art. 492º nº 2);
d) A responsabilidade pelos danos causados por coisas, animais ou actividades
recaem sobre as pessoas que têm o dever de os vigiar, salvo prova de ausência de culpa
dessas pessoas ou de que os danos se teriam verificado mesmo sem culpa (art. 493 nº 1.);
e) Os que exercem uma actividade, em relação aos danos que esta instale na esfera
jurídica de outras pessoas (art. 493 nº 2);
f) Nos termos do nº 3 do artigo 503º: “aquele que conduzir o veículo por conta de
outrem responde pelos danos que causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte”.
53
Ver infra, nexo de causalidade.
54
A presunção legal de culpa reside, neste caso, no raciocínio de que o facto danoso resultou da omissão
do dever de vigiar (culpa in vigilando).
51
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Noção:
A culpa consiste no juízo de censurabilidade pessoal do comportamento do agente
(NÉLIA DANIEL DIAS), um juízo de censura ético-jurídica dirigido ao agente, por ter
adoptado uma postura reprovável.
Pressupostos da culpa:
Para haver culpa, é necessário que haja um comportamento voluntário (liberdade),
no sentido de este ser dominado ou dominável pela vontade e, além disso, a capacidade
do agente de entender, isto é, avaliar o resultado, as dimensões e o alcance do seu agir
(acção ou omissão) e capacidade de querer (liberdade). A culpa pressupõe, portanto,
vontade e esclarecimento. Estes pressupostos estão referidos no nº 1 do artigo 488, que
estabelece: “não responde pelas consequências do facto danoso quem, no momento em que o
facto ocorreu, estava, por qualquer causa, incapacitado de entender ou querer…”.
Modalidades da culpa
A culpa pode apresentar sob a forma de dolo ou de negligência. Às vezes, o dolo é
referido como má fé e a mera culpa, como negligência. O dolo é a forma mais intensa da
culpa; a negligência, a sua forma menos intensa.
- O dolo:
O dolo é o querer de um resultado contrário ao Direito, de se violar o direito de
outrem e de causar-lhe um prejuízo ou com a consciência ou intenção de infringir um
dever jurídico (ENNECCERUS-NIPPERDEY)55. No dolo, o agente tem, portanto, a
representação do efeito danoso do acto praticado, a intenção maléfica e a aceitação, em
termos reflexivos, desse resultado.
i) Tipos de dolo: dolo
55
NÉLIA DANIEL DIAS, A Responsabilidade Civil subjectiva, cit., pág. 73.
54
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55
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apreciada in concreto, “encontra-se numa razão directa com a diligência que este costuma
seguir no âmbito da sua actividade” (NÉLIA DANIEL DIAS).
56
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Pode haver culpa por imperícia, quando o agente lesante descurou o dever de
actualizar a técnica e os conhecimentos necessários para cumprir de forma cabal a sua
profissão. Fala-se, neste caso, de indiligência e de imprudência56.
5º: o dano
A relevância do dano não se cinge ao facto de ele constituir um (dos)
pressuposto(s) da responsabilidade civil subjectiva; o dano condiciona e determina, antes
de mais, a existência da própria responsabilidade civil, seja ela subjectiva ou objectiva.
Com efeito, em Direito Civil, não há obrigação de indemnizar se não houver danos.
Ninguém pode ser indemnizado por danos inexistentes ou que não tenha sofrido.
O dano é segundo a qual o dano é o prejuízo que o lesado sofreu in natura, em
forma de destruição, subtracção ou deterioração de um certo bem, corpóreo ou ideal
(MANUEL DE ANDRADE57), ou toda e qualquer ofensa aos bens ou interesses alheios
protegidos pela ordem jurídica (ALMEIDA COSTA)58. O dano pode ser visto, ainda, como
uma desvantagem ou perda que se verifique nos bens jurídicos de uma pessoa, ou
simplesmente como a perda sofrida pelo lesado em decorrência de um evento.
Para efeitos de responsabilidade civil, são de excluir do conceito de dano os que o
próprio titular do direito cause a si mesmo, porque estes danos não são ressarcíveis.
56
NÉLIA DANIEL DIAS, A Responsabilidade Civil Subjectiva, cit., pág. 86.
57
In Teoria Geral das Obrigações (citado por NÉLIA DANIEL DIAS, in Responsabilidade Civil
Subjectiva, cit., pág. 90).
58
NÉLIA DANIEL DIAS, A Responsabilidade Civil Subjectiva, op. cit, pág. 91.
59
Quanto aos danos patrimoniais, costuma falar-se da perda da capacidade de ganho.
60
Segundo Antunes Varela, o dano emergente pode configurar tanto a diminuição do activo como no
aumento do passivo
57
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lucro cessante (art. 564º nº 1CC), ou seja, os benefícios económicos que o lesado deixa de
perceber, como consequência da lesão.
Nos termos do nº 2 do mesmo artigo, os danos podem ser presentes ou futuros,
sendo que os últimos (danos futuros) só serão atendíveis quando previsíveis.
Uma orientação doutrinária fala ainda em dano real, isto é, todo o prejuízo que o
lesado sofreu em termos naturalísticos, ou a lesão efectivamente suportada.
Fala-se também da classificação dos danos em directos e indirectos. Os primeiros
são os prejuízos imediatos do facto lesante ou a perda directa causada nos bens ou valores
juridicamente tutelados. Os danos indirectos são os efeitos remotos ou mediatos do dano
directo.
Preenchidos que estejam os pressupostos que acabamos de descrever
sumariamente, determina-se, então, a obrigação de indemnizar o lesado. Tal determinação
é feita em conformidade com os artigos 563º e seguintes do Código Civil, sendo relevante
frisar que o momento da aferição ou determinação do quantitativo da obrigação de
indemnizar é o da pronúncia da sentença condenatória, ou seja, é neste momento que são
computados os danos em que o autor da lesão será condenado. Todavia, pode haver lugar
à condenação provisória sempre que não seja possível apurar já o valor definitivo dos
danos (art. 565º e 569º do C.C.).
61
OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil, Teoria Geral, cit., vol. I, nº 12-III.
58
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62
A esfera jurídica da pessoa comporta duas sub-esferas: a esfera jurídica pessoal (conjunto de relações
jurídicas pessoais ou não patrimoniais) e a esfera jurídica patrimonial (conjunto de relações jurídicas de
carácter patrimonial).
63
Op. Cit. , I Vol. Nº 9-I.
64
Op. Cit. Nº 21-III.
65
Diga-se de passagem que a Constituição da República de Angola reconhece três sectores de
propriedade: sector público (Estado e outras entidades públicas), privado (pessoas singulares e
colectivas), e cooperativo e os direitos reais das pessoas singulares, colectivas e das comunidades locais
(Cf. art. 37/14 e art. 92 C.RA. Remete-se o estudo desta matéria para a disciplina própria.
59
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expor a razão que se impõe. Lendo as lições dos professores OLIVEIRA ASCENSÃO66 e C.A.
MOTA PINTO67, chegaremos à conclusão de que a regulação da propriedade encontra a sua
razão de ser na necessidade da prevenção de conflitos e, por conseguinte, na garantia
da paz, e na sociabilidade humana e na regra da solidariedade social que
consubstanciam a função social da propriedade68. A falta da disciplina jurídica do poder
do homem sobre as coisas, além de levar ao desrespeito das outras pessoas, tornaria os
próprios direitos sobre as coisas inseguros, expostos a agressões (eventualmente
resultantes tanto da escassez de bens como da ambição humana – situação que levaria à
luta pela apropriação dos bens); isto daria azo a que o titular precário dos bens os
defendesse por meios igualmente agressivos e por recurso à justiça privada (vindicta
privata).
Como foi referido acima, o sentido em que se abordou a propriedade até aqui não é
o técnico, mas sim lato, aquele que é extensivo a todos os direitos patrimoniais. Não sendo
correcto, nem desejável, que o estudante de Teoria Geral do Direito Civil fique com um
conhecimento difuso sobre a propriedade, é mister ver, ainda que sumariamente, como o
Código Civil trata os direitos sobre as coisas (direitos reais) e, neste âmbito, distinguir a
propriedade, enquanto direito real, dos outros tipos de direitos reais. O estudo mais
aprofundado e desenvolvido desta matéria pertence e é remetido à competente disciplina
de Direitos Reais, do 4º ano do Curso de Direito.
66
Diz o autor: “Mas o direito exerce-se em sociedade. As posições dos vários intervenientes têm também
de ser conjugadas, para evitar conflitos e organizar a colaboração. A tendência deste século foi a de
assegurar progressivamente a solidariedade neste domínio, afastando-se o modelo da propriedade
absoluta romana. A lei tece cada vez mais vínculos de colaboração entre os intervenientes derivada de
um simples facto: o homem vive em sociedade e, para evitar conflitos, necessário se torna regular o
exercício dos direitos reais, tendo em conta as outras situações juridicamente protegidas, porque
autonomia não é sinónimo de individualismo...a pessoa deve agir, não apenas com os outros, mas os
outros. Em toda a sociedade deve haver uma solidariedade que implique que a actuação de todos tenha
reflexos positivos na ordem global. Pressupõe-se que cada um, no uso da sua autonomia, beneficie o
conjunto” (Direito Civil, Teoria Geral, cit. Nº 32-II).
67
Op. Cit. Nº 9 – II e III.
68
Neste sentido, há que pensar além do Direito Privado, porque para realizar a função social da
propriedade, o Direito, como ordem global, serve-se das normas jurídicas que ultrapassam o âmbito
privado; estabelecerá uma relação jurídica do Direito Público, como é a relação jurídica do imposto,
disciplinada pelo Direito Fiscal. Embora isto pareça criar uma certa tensão entre a privacidade e a
intervenção pública, esta é necessária em certos domínios, desde que se salvaguarde um espaço de
liberdade que não ponha em causa a liberdade das pessoas como princípio. O Direito Fiscal é, talvez, a
área mais exuberante de ilustrações de como o exercício do direito da propriedade privada beneficia a
colectividade. O imposto é, sem dúvidas, um mecanismo de obrigar as pessoas à solidariedade. Esta ideia
está patente no artigo 101 da Constituição de Angola que estabelece que o sistema fiscal visa a
redistribuição da riqueza nacional e a solidariedade
60
Sumários desenvolvidos de Teoria Geral do Direito Civil – 2019.
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69
MELO FRANCO, João, e ANTUNES MARTINS, António Herlânder, in Dicionário de Conceitos e
Princípios Jurídicos, opus citatus, pág. 705.
70
Idem, pág. 706.
71
Ao lado desta teoria, existiu a teoria da pertença, que centra a distinção entre os direitos reais na
pertença ou na intensidade da ligação que une a coisa ao titular do direito, e uma terceira teoria, muito
próxima da teoria do domínio (OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil, Direitos reais, 4ª Ed..- 381, citado
por João MELO FRANCO e António Herlânder ANTUNES MARTINS, in Dicionário de Conceitos e
Princípios Jurídicos, pág. 705-706).
72
Ibidem.
73
O direito a dispor da coisa é a faculdade que o titular tem de alienar a coisa, isto é, de transferir a
titularidade dos poderes que sobre ele incidem para outra pessoa.
61
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Propriedade horizontal:
Está regulada nos artigos 1414º a 1438º do Código Civil. De acordo com o artigo
1414º, a propriedade horizontal consiste numa situação em que duas ou mais pessoas se
tornam proprietários de fracções autónomas integradas no mesmo edifício de cujas partes
comuns eles são co-proprietários (também designados consortes ou condóminos (art.
1417º, nº 2 e 1420º C.C.). Pode ser definida como a propriedade exclusiva de uma
habitação integrada num edifício comum, ou a pertença a proprietários diversos de várias
fracções de um edifício que constituem unidades independentes.
O esquema fundamental da propriedade horizontal é o da interdependência
estrutural ou dependência funcional entre as várias partes integradas no todo e a
independência das várias unidades que integram o edifício. Nesta lógica, e de acordo o nº 1
do artigo 1420º do Código Civil, cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que
lhe pertence e co-proprietário das partes comuns do prédio. Segundo o nº 2 do mesmo
artigo, o conjunto destes direitos (propriedade exclusiva sobre a fracção autónoma e
compropriedade em relação às partes comuns) é incindível, isto é inseparável; disto
resulta que nenhum destes direitos pode ser alienado separadamente e não é lícito
renunciar à parte comum como meio de o condómino se desonerar das despesas
necessárias à sua conservação ou fruição.
O artigo 1421º do Código Civil determina quais as partes comuns do prédio.
Segundo o nº 1, são categoricamente comuns todas as partes que constituem a estrutura
do prédio (o solo, os alicerces, os pilares, as paredes mestras), o telhado ou terraços de
cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento, as entradas, os vestíbulos, as
escadas e corredores de uso ou passagem comum a dois ou mais condóminos, e as
instalações gerais de água, electricidade, aquecimento e ar condicionado. O nº 2 estabelece
as partes que se presumem comuns: os pátios e jardins anexos ao edifício, os ascensores,
as dependências destinadas ao uso e habitação do porteiro, as garagens e as coisas que
estejam afectadas ao uso exclusivo dos condóminos. É importante ressaltar algumas
limitações que a lei impõe aos condóminos. Nos termos do nº 2 do artigo 1422º do Código
Civil, aos condóminos é especialmente vedado prejudicar, quer com obras novas, quer por
falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício,
destinar a sua fracção a usos ofensivos dos bons costumes, dar-lhe uso diverso do fim a
que se destina e praticar quais actos ou actividades que tenham sido proibidos no título
constitutivo ou, posteriormente, por acordo de todos os condóminos; os condóminos não
gozam do direito de preferência na alienação de fracções – o que resulta obviamente da
62
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independência e do carácter autónomo das fracções nem do direito de pedir divisão das
partes comuns (art. 1423) – corolário da compropriedade dos condóminos sobre estas
partes. Os encargos de conservação e fruição, bem como os encargos com as inovações são
suportados pelos condóminos na proporção do valor das suas fracções (art. 1424º, nº 1 e
1426º C.C.). É importante sublinhar igualmente a obrigatoriedade do seguro do edifício
contra o risco de incêndio, sendo que qualquer dos condóminos pode efectuar o seguro
quando o administrador do condomínio não tenha feito, com direito de regresso sobre os
demais consortes (art. 1429, nº 1 e 2).
74
Estas características podem ser o pomo de distinção entre a propriedade colectiva e a compropriedade.
64
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65
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ii) Direitos reais de garantia: são direitos que conferem ao credor o poder de
obter, com preferência sobre os demais credores, o pagamento da dívida sobre o
valor de uma coisa ou dos seus rendimentos. Servem para garantir o crédito ou o
pagamento de uma dívida. São eles: a)o penhor (art. 666º C.C.), a hipoteca (art.
686º C.C.), os privilégios creditórios (art. 733ºss CC), o direito de retenção (art.
754ºC.C.) e a consignação de rendimentos (art. 656º C.C. e 879º CPC). Consiste esta
última na aplicação dos rendimentos de certos bens imóveis ou móveis sujeitos a
registo à garantia do cumprimento de uma obrigação – ainda que condicional ou
futura – ou do pagamento dos respectivos juros, se devidos, ou tão só do
cumprimento da obrigação75, ou ainda, na atribuição feita pelo Tribunal dos
rendimentos dos bens penhorados durante o tempo necessário ao pagamento do
crédito76.
75
Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3ª ed. – 647 (Citado por João MELO FRANCO e António
Herlânder ANTUNES MARTINS, Op. Cit. P. 222)
76
Galvão Telles, Direito das Obrigações (citado por João Melo Franco e António Herlânder Antunes
Martins, Op. cit. ibidem).
66
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77
Note-se que estamos apenas diante de uma excepção à regra, porque os bens não são entregues com a
ideia de que eles deverão ser devolvidos passado algum tempo; a devolução resulta apenas de uma
condição resolutiva (o regresso do ausente) e, portanto, presume-se que este já não regressará. Todavia,
trata-se de uma presunção iuris tantum.
78
Sobre a noção do encargo, consultar o capítulo relativo ao conteúdo dos negócios jurídicos.
67
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79
Do Latim, fiducia, que significa confiança.
80
Gama Prazeres falava de propriedade imperfeita, isto é, “a que consiste na fruição de parte dos direitos
contidos no direito de propriedade” (in Dos Incidentes da Instância no Actual C.P. Civil, pág. 62, citado
por João Melo Franco e António Herlânder Antunes Martins na Ob. Cit, pag. 706). É uma ideia que se
pode enquadrar nesta característica como também nos direitos reais limitados.
81
Remissão para o ponto 3.2 d) deste capítulo.
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82
O primeiro no tempo é o mais forte no Direito.
83
O fundamento desta excepção reside em que o registo tem como fim dar publicidade aos direitos
inerentes às coisas, neste caso, às coisas imóveis (art. 1º do Decreto Lei nº 47 611, de 28 de Março de
1967 – Código do Registo Predial). O nº1 do artigo 2º deste diploma legal enumera os factos jurídicos
sujeitos ao registo, entre os quais, os que importem o reconhecimento, aquisição ou divisão do direito de
propriedade, do direito de usufruto, uso e habitação, a promessa de oneração de bens e os pactos de
preferência se as partes tiverem convencionado atribuir-lhes eficácia real, sempre que respeitem a coisas
imóveis, e as convenções de reserva de propriedade e de venda a retro estipuladas em contratos de
alienação, entre outros. O registo visa igualmente conservar o direito na titularidade da pessoa em cujo
nome está registado.
69
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8. Princípio da boa fé
Formulação
O princípio da boa fé é aquele segundo o qual cada um deve comportar-se como se
espera de uma pessoa honrada, como uma pessoa de bem. Trata-se de um apelo à regra
moral básica “fazer o bem e evitar o mal”. A boa fé traduz-se nos mandamentos
tradicionalmente conhecidos pelas expressões latinas honeste vivere (viver
honestamente), neminem laedere (não prejudicar ninguém) e na proibição dos
comportamentos contraditórios (venire contra factum proprium).
Importância
70
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Vertentes
O princípio da boa fé é visto, na doutrina jurídica, em duas vertentes: uma
objectiva (sentido objectivo) e outra subjectiva (sentido subjectivo).
Em sentido objectivo, a boa fé é vista como padrão de conduta, como critério do
agir correcto; é a boa fé como dever jurídico. As pessoas devem agir segundo os padrões
de uma acção eticamente decente. É este o sentido imanente no artigo 227º do código civil,
que estabelece, no nº 1: “quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato deve,
tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob
pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra”.
Em sentido subjectivo, a boa fé (boa fé subjectiva) corresponde à situação
psicológica do agente que, ao adquirir um direito, ignorava a circunstância de estar a lesar
o direito de outrem. Este sentido é o que está patente nos artigos 612º ( e 1260º (a posse
diz-se de boa fé, quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem),
no artigo 243º (a boa fé consiste na ignorância da simulação ao tempo em que foram
constituídos os respectivos direitos).
Em segundo lugar, a boa fé das partes num litígio é e deve ser tida em conta pelo
juiz na decisão de uma causa.
b)- art. 914º e 915º do C.C. – remissão para o art.. 906º C.C: é obrigado a
eparar/substituir a coisa quem a alienou com um defeito que ele desconhecia por
sua própria culpa. Note-se, todavia, que o comprador não pode pretender reparar
um defeito notório, isto é, que uma pessoa de diligência normal (um bonus pater
famílias) teria notado. Excepção a esta nota encontra-se no Direito do Consumidor,
onde os defeitos notórios dão lugar à responsabilidade civil do fornecedor do bem
ou serviço.
Conhecimento normativo
Um outro conceito jurídico usado pela doutrina, no âmbito do princípio da boa fé, é
o do conhecimento normativo. Este conceito designa as situações em que a lei, partindo do
dever imposto à generalidade das pessoas, presume (presunção absoluta) que
determinada pessoa conhece determinada situação, apesar de isto poder não
corresponder à realidade dos factos, isto é, o sujeito pode não saber, efectivamente, de
uma determinada situação, mas a lei presume que ele a conhece, ou devia conhecer, pelo
que não pode ser desculpado (a lei equipara o dever conhecer ao conhecimento). O artigo
6º do C.C. ilustra bem o conhecimento normativo: “a ignorância ou má interpretação da lei
não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela
estabelecidas”. Nestes casos, alegar o desconhecimento de facto pode ser indício de má fé e
é irrelevante para impedir a produção de um determinado efeito jurídico. Tal é o caso da
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declaração negocial que só por culpa do destinatário não chegou a ser dele conhecida (art.
224º, nº2, C.C.). Neste caso, o sujeito pode fazer tudo para impedir o conhecimento da
declaração.
Presunção de má fé/boa fé
Em determinados casos, a lei vai além e considera de má fé ou boa fé quem se encontra
numa determinada situação.
Um exemplo paradigmático da presunção de má fé está no art.. 243º, nº 3, do C.C.,
segundo o qual “considera-se sempre de má fé o terceiro que adquiriu o direito
posteriormente ao registo da acção de simulação…”. Presume-se, assim, que o terceiro
adquirente conhece a simulação, porque o registo da acção tornou-a pública; se o terceiro
adquirente não sabe, o problema é dele; por isso, ele não pode alegar a ignorância do
registo da acção de simulação. Outro caso de presunção de má fé é relatado pelo art. 1046º
do C.C: “fora dos casos previstos no art. 1036, e salvo estipulação em contrário, o locatário é
equiparado ao possuidor de má fé quanto a benfeitorias que haja feito na coisa locada”. O
artigo 1036º autoriza o locatário a realizar benfeitorias necessárias que se compadeçam
com a delonga do processo judicial. A contrariu, nos termos do artigo 1046º, todas as
outras benfeitorias carecem do conhecimento do locador, pelo que não podem ser
realizadas sem o conhecimento deste.
No artigo 1260 do Código Civil, temos exemplos de presunção de boa fé e de má fé no
que diz respeito à posse: “ a posse titulada presume-se de boa fé, e não titulada, de má fé”(nº
2); “a posse adquirida por violência é sempre de má fé, mesmo quando seja titulada” (nº 3).
73
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84
OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil, Teoria Geral, II, cit. II, pág. 395-399; 446-448. Na mesma
linha, MÁRIO BESSONE (Rapporto precontrattuale e doveri di corretteza, 1022) e BENATTI
(Responsabilita, 147)
85
Ex., confiança justificada do terceiro na legitimidade do agente que age sem poderes de representação
86
OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil, Teoria Geral, cit., II, pág. 396
87
OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil, Teoria Geral, cit., II, pág. 448
88
BAPTISTA MACHADO, Tutela da confiança e “Venire contra factum proprium”, in Obra Dispersa, I,
pág. 352.
89
CARNEIRO DA FRADA, Teoria da Confiança e da Responsabilidade Civil, Lisboa, 2001, pág. 50.
90
PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, cit., pág. 20 e ss
75
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91
Eis as palavras do próprio autor: “Mas como a tutela de quem confiou tem como reverso a desprotecção
do outro sujeito, diremos que a tutela da confiança se traduz, ou tende a traduzir-se, em reprovação do
outro sujeito, pelo menos, que poderia provocar a aquela reacção. A ser assim, o efeito jurídico que se
possa extrair resulta, antes de antes de mais, da conduta inadequada doutro sujeito, que induziu o terceiro
àquele “investimento de confiança”. A inadequação da conduta, por sua vez, resultará de uma valoração
de boa fé, porque é esta que funciona em conjunturas de relação… Daqui resulta que a confiança só vem
a funcionar como manifestação subalterna: quando alguma regra jurídica previr, para além da violação de
regras de condutas segundo a boa fé, a formação da confiança por parte do destinatário”. E mais adiante:
“Pensamos por isso, que as indicações que se lucram, pelo apelo à noção de confiança, são tão ténues que
mais vale dispensar essa noção. Basta-nos o comando geral da boa fé e os deveres específicos em que este
se traduz”.
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92
PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, cit., pág. 29.
78
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mortis causa (causada pela morte de uma pessoa) da totalidade ou de parte do património
(herança) que a ela pertencia aos sucessores, designados por lei ou pelo de cujus93.
93
Abreviação latina da alocução is de cuius hereditate agitur, que significa aquele de cuja herança se
trata.
94
M. REIS MARQUES, Introdução ao Direito, op. cit. pág.337ss
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tarde ainda, passou a impender sobre o paterfamilias um dever de deixar uma porção dos
bens às pessoas mais próximas; tratava-se de um verdadeiro dever moral de piedade
(officium pietatis), cuja violação dava lugar à declaração de inoficiosidade do testamento.
Nisto reside a origem da actual figura da legítima e da sucessão legitimária. A este
respeito, é mister invocar um texto de MÁRIO REIS MARQUES: “Durante muito tempo, na
Europa ocidental, o direito sucessório propôs-se conservar o património da família,
privilegiando a linha masculina. Frequentemente, com o objectivo de se garantir a unidade
do património, dava-se preferência ao primogénito. Pelo contrário, o Côde Civil procurou
conscientemente fraccionar e difundir as riquezas familiares… Actualmente, o direito de
sucessão tem por fundamento a vontade presumida pela lei, ou estabelecida no seu
testamento…”95.
Tipos de sucessão
Disto decorrem os dois grandes tipos de sucessão: a legal e a voluntária. Com efeito,
estabelece o artigo 2026º do Código Civil: “a sucessão é deferida pela lei, testamento ou
contrato”, o que denota haver de facto uma repartição de poderes entre a lei e o testador
na destinação dos bens.
A sucessão voluntária é a que é regulada pela vontade do de cuius através do
testamento (successio testata) ou de um contrato. A sucessão contratual é um tipo de
sucessão praticamente inexistente no ordenamento jurídico angolano, apesar de o C.c.
determinar que ela é admitida apenas nos cados previstos na lei (art. 2028º, nº 2, C.C.).
A sucessão legal (successio intestata ou ab intestato) é regulada por lei. Pode ser
legítima ou legitimária. O critério para distinguir entre uma e outra está contido no artigo
2027º do Código Civil: “conforme possa ou não ser afastada pela vontade do de cuius”. A
sucessão legitimaria é imposta por lei e opera mesmo contra a expressa vontade do de
cuius. Isto é o reflexo claro e vivo do antigo officium pietatis do Direito Romano, que
obrigava o paterfamilias a deixar intacta uma porção dos bens destinada aos mais
próximos, os herdeiros legitimários. No nosso ordenamento jurídico, são herdeiros
legitimários os descendentes e os ascendentes (art. 2133º C.C.). A porção dos bens de que
o testador não pode dispor chama-se quota indisponível ou legítima. Não havendo
herdeiros legitimários, o testador pode dispor de todos os bens.
A sucessão legítima só pode incidir sobre a quota disponível, isto é, sobre a
porção dos bens de que o de cuius pode dispor, e opera na falta de manifestação válida e
95
Op. Cit. pág. 339.
81
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eficaz da vontade do de cuius, caso em que são chamados os herdeiros legítimos 96, as
pessoas mencionadas no artigo 2131º do Código Civil, na ordem em que o são (ordem de
preferência). Trata-se de uma lista preferencial de herdeiros estabelecida pela lei. A
adjectivação da sucessão como “legítima” reside no facto de ser conforme à lei, mas, mais
do que isto, porque fundada no direito, na justiça e na razão; “funda-se numa probabilidade
de maior afecto do defunto, ou, talvez melhor, sobre considerações de solidariedade e dever
de família”97.
PARTE III
RELAÇÃO JURÍDICA
TÍTULO I
GENERALIDADES
1. Importância, conceito e sentidos da relação jurídica
A relação jurídica é um dos principais instrumentos do Direito Privado,
destacando-se nele o direito subjectivo e o negócio jurídico (PAIS DE VASCONCELOS). Por
isso, ela merece o tratamento amplo e profundo que a sua importância exige. Esta
96
Breve referência ao facto de o Código Civil Angolano considerar o cônjuge apenas na 4ª linha; em
termos de Direito Comparado, em Portugal, o cônjuge é herdeiro legitimário e aparece na primeira linha,
juntamente com os descendentes e ascendentes.
97
MÁRIO REIS MARQUES, Introdução ao Direito, opus cit. pág. 342
82
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98
Isto não quer dizer que tais relações não tenham absolutamente nenhuma relevância jurídica. Assim, de
acordo com as regras do Direito Processual (Vide artigos 104º, 105º e 106º do C.P.P e artigos 122 1 127º
C.P.C), o facto de uma pessoa ser amiga de outra que seja parte processual deve ser tido em conta pelo
tribunal; se aquela tiver de prestar declarações; um juiz que tenha com uma das partes processuais uma
relação que possa prejudicar o equilíbrio e a imparcialidade que se espera de um juiz (relação de
parentesco, afinidade, de amizade ou mesmo de inimizade) deverá ser afastado da apreciação da causa por
via do incidente de impedimento ou de suspeição (Ver CPP); na falta de parentes, os vogais do Conselho
de Família (órgão consultivo do tribunal nas causas de natureza familiar) podem ser escolhidos entre os
amigos (a lei usa a expressão “… entre as pessoas que convivem com as partes” – art. 17º C.Fam).
99
Quando não corresponda a um dever jurídico decorrente da lei ou de negócio jurídico.
100
Op. cit. nº 252.
83
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sentido abstracto. Fazendo eco de uma outra perspectiva doutrinária, C.A. MOTA PINTO101
entende como relação jurídica em sentido restrito “a relação da vida social disciplinada
pelo direito mediante a atribuição a uma pessoa de um direito subjectivo e a imposição a
outra de um dever jurídico ou de uma sujeição”. Estas duas formas de ver não são
necessariamente antagónicas, se entendermos que os esquemas legais de relações
jurídicas estabelecem sempre os direitos e as vinculações das partes, devido à sua função
cautelar ou de prevenção de conflitos.
Uma outra classificação doutrinal distingue entre a relação jurídica em sentido
abstracto e em sentido concreto. O critério de diferenciação reside em saber se a relação
jurídica em questão está determinada ou não. Assim, enquanto a relação jurídica abstracta
é uma relação virtual, não determinada, que corresponde apenas a um tipo negocial legal,
a relação jurídica concreta é uma relação determinada, real e efectivamente constituída,
com os seus elementos perfeitamente determinados: é uma relação entre sujeitos
determinados (por ex. António e Bernardo), originada num facto jurídico concreto (ex.,
compra e venda), incidindo sobre um objecto concreto (ex., um imóvel), com direitos e
obrigações para as partes e com as garantias que a lei confere ao comprador e ao
vendedor. Numa linguagem filosófica, poderíamos dizer que a relação jurídica abstracta é
uma relação jurídica em potência, enquanto a relação jurídica concreta é uma relação em
acto.
Sob o ângulo de uma outra classificação doutrinária, não muito corrente, a relação
jurídica pode ser simples (una) ou complexa (múltipla). É una ou simples quando
comporta um único direito subjectivo atribuído a uma pessoa e a correspondente
obrigação/dever jurídico ou sujeição imposta a outra pessoa. Por exemplo, o comodato,
previsto no artigo 1129º do Código Civil, comporta apenas uma prestação (restituição da
coisa); de igual forma o mútuo civil (regular) só comporta o direito à percepção do capital
e o correspondente dever de devolução do capital mutuado ao devedor 102.
A relação jurídica complexa ou múltipla comporta uma pluralidade de direitos e de
obrigações (por exemplo, o mútuo oneroso, que comporta duas prestações, a saber a
restituição da quantia mutuada e a obrigação de juros).
101
C.A. C.A. MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, cit., Nº 40-I.
102
Neste sentido, o mútuo é tradicional e tipicamente um contrato unilateral, isto é, origina apenas
direitos ou obrigações para uma das partes. Nos direitos privados especiais, este esquema nem sempre
funciona; o mútuo pode ser bilateral. No âmbito da autonomia privada, as partes podem muito bem, como
muitas vezes acontece no mútuo bancário, celebrar o contrato sem a entrega do valor mutuante, sendo
esta uma obrigação decorrente do contrato.
84
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Elaboração de Celestino Rafael
103
Segundo HÖRSTER (A Parte Geral do Código Civil Português, cit., nº 374-375), o conteúdo do
direito subjectivo varia de época para época. O sentido hodierno deste conceito é uma aquisição do
Século XIX, que marcou uma viragem na História, deixando para trás a ordem corporativa e feudal e
operou a emancipação mental, política e económica do indivíduo e contribuiu para a sua consideração
como personalidade autónoma, garantindo o seu livre desenvolvimento dentro da sociedade. Disto
resultou a colocação do indivíduo como sujeito de direito no topo do Sistema do Direito Privado,
atribuindo-lhe direitos subjectivos. O direito subjectivo destina-se, assim, principalmente, à
autodeterminação do indivíduo livre.
104
MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, cit., vol. Nº I - 2.
Reveste-se de interesse teórico trazer aqui outras visões doutrinárias sobre o conceito do direito
85
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o poder atribuído pela ordem jurídica a uma pessoa de exigir ou pretender de outra um
determinado comportamento positivo (fazer) ou negativo (não fazer) ou de, por um acto de
sua vontade – com ou sem formalidades – só de per si ou integrado depois por um acto de
autoridade pública (decisão judicial,) produzir determinados efeitos jurídicos que se impõem
inevitavelmente a outra pessoa (adversário ou contraparte) ”.
Analisemos os termos mais expressivos desta definição.
subjectivo. Para SAVIGNY e para PUCHTA, o direito subjectivo consistia numa garantia jurídica do
poder de vontade atribuído pela ordem jurídica. JHERING, por sua vez, considerava-o como um interesse
juridicamente protegido. ENNECCERUS-NIPPERDEY e, posteriormente, RUTHER, falavam de uma
relação de poder estável, atribuída à pessoa. LÉON DIGUIT não via no direito subjectivo nada mais do
que tudo quanto fosse necessário para o cumprimento da função social do que cabe ao indivíduo, de modo
que tudo quanto é realizado no cumprimento daquela função é protegido pela sociedade (Cf. HÖRSTER,
A Parte Geral do Código Civil Português, cit. Nºs 376 ss).
86
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105
MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, cit., vol.I, 3-B-I-1
106
Teoria Geral do Direito Civil, 42-I
107
Segundo MANUEL DE ANDRADE, a realização do interesse defendido é deferida pela lei a uma
entidade pública.
108
Op. cit. 370-371.
87
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afirmação nos seguintes termos: “o interesse constitui o móbil do direito subjectivo, mas não
faz parte dele. Não diz respeito à sua estrutura, apenas se refere à sua função…De resto, a lei
ao reconhecer um poder jurídico a uma pessoa para o prosseguimento de um determinado
interesse, não vincula necessariamente para exercer o poder conferido apenas na estrita
medida deste interesse. O titular pode ficar aquém do interesse, mas também não está de
todo inibido de utilizar o direito para um fim diverso. Além de não coincidirem, interesse e
direito subjectivo também não existem necessariamente ao mesmo tempo ou na mesma
pessoa ou só nesta. P. Ex. o exercício dos direitos-deveres não é feito no interesse do seu
titular, mas no interesse de outrem”.
109
Na literatura jurídica, estes dois verbos são, às vezes, usados indistintamente e no mesmo sentido.
Assim, por exemplo, HÖRSTER (a Parte Geral do Código Civil, cit., nº 251), por exemplo, considera que
o direito subjectivo dá origem a diversas pretensões. Estas podem ser: contratuais (primárias – art. 879º/1
e 2; secundárias – art. 914º, 1ª parte), baseadas em negócios jurídicos unilaterais (art. 459º), pretensões
quase contratuais (art. 227º), pretensões resultantes da lei (art. 526º), pretensões reais e possessórias (art.
1311, 1315 e 1276ss), pretensões baseadas na gestão de negócios (art. 466º), pretensões resultantes da
responsabilidade civil (art. 483ss) e pretensões baseadas no enriquecimento sem causa (art. 476ss).
Segundo o mesmo autor, diante de determinada pretensão, há que perguntar se o direito subjectivo
invocado foi constituído validamente, se não deixou de existir, em virtude do cumprimento ou prescrição,
e se não existe alguma situação de oponibilidade ao mesmo.
88
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110
Entende-se por capacidade judiciária a susceptibilidade de estar, por si só, em juízo. Ver, as este
respeito, NÉLIA DANIEL DIAS, Lições de Processo Civil I, Edição da União dos Escritores Angolanos,
Luanda, 2010, pág. 59.
89
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que o montante da indemnização pode ser acordado pelas partes ou, na falta de acordo,
ser fixado pelo tribunal (art. 1554).
Os direitos potestativos modificativos apenas modificam uma relação jurídica já
existente. Por exemplo, a mudança da servidão de passagem para outro sítio (art. 1568º
C.C.). A separação de facto é, no nosso ordenamento jurídico, um direito potestativo
modificativo, não extingue a relação matrimonial111.
O direito potestativo extintivo põe fim a uma situação ou relação jurídica. Sãos dele
exemplos: a resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio por falta de
cumprimento por parte do locatário (art. 1.047º C.C.), a denúncia do arrendamento (art.
1055º C.C.), a revogação da procuração do mandato (art. 265º, nº2, e 1172º C.c.), o direito
de obter divórcio por qualquer dos cônjuges (art. 95º e 97º C. Fam.), a resolução do
contrato de trabalho por justa causa (art. 229 LGT), a revogação do consentimento (art.
81º, nº 2, C.C.).
Podemos resumir a estrutura da relação jurídica no seguinte quadro:
Direito Correspondente
Direito subjectivo ^^ Dever jurídico (obrigação, lato sensu)
Poder de exigir ^^ obrigação civil (exigível judicialmente)
Poder de pretender ^^ obrigação natural (não exigível judicialmente)
Direito potestativo ^^ sujeição (fatalidade)
111
À luz do Direito vigente em Angola, o casamento só se extingue por duas vias: o divórcio e a morte. O
Código de Família Angolano não prevê a separação judicial.
112
Vide supra, no Capítulo II, no item relativo ao Livro II do Código Civil.
90
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113
No sentido filosófico, a que corresponde uma verdadeira fatalidade; necessário é o que não pode não
ser.
91
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4.1 Sujeitos
A relação jurídica só pode ser estabelecida entre pessoas, mas só entre pessoas em
sentido jurídico ou técnico115, isto é, entre entidades dotadas de personalidade jurídica
(sujeitos de direitos e obrigações).
Ao sentido técnico-jurídico de pessoa contrapõe-se o sentido ético, que
corresponde aos seres humanos, incluído os seres humanos em formação. O sentido
técnico de pessoa abarca tanto as pessoas singulares, igualmente designadas pessoas ou
físicas116, como as pessoas colectivas. As pessoas colectivas são organizações de pessoas
(sociedades, associações) ou conjuntos de bens (fundações, institutos), estruturados e
organizados em função de um fim comum (que regularmente transcende as
potencialidades individuais), e às quais a ordem jurídica atribuiu personalidade jurídica 117.
O regime jurídico das pessoas singulares está previsto nos artigos 66º a 156º, enquanto o
das pessoas colectivas está vertido nos artigos 157º a 194º do Código Civil.
114
De facto, é claramente visível esta lógica na arrumação externa do Título II, sob a epígrafe “Das
Relações Jurídicas. Assim, temos: Subtítulo I – Das Pessoas (art. 66-201); Subtítulo II – Das Coisas (art.
202-2169; Subtítulo III – Dos Factos jurídicos (art. 217-295); subtítulo IV – Do exercício e da tutela dos
direitos. Os artigos 296 a 333 são dedicados ao tempo e à sua repercussão nas relações jurídicas
115
116
Individualidades físico-químicas capazes de vontade e acção próprias.
117
H.E.HÖRSTER, op. cit. nº 264.
92
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118
OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil, Teoria Geral, cit., Vol. I, pág. 52).
119
O consórcio é uma associação de empresas ou companhias, sob o mesmo controle ou não, que se
juntam para desenvolver um empreendimento, geralmente de grande dimensão, e cuja execução exige
conhecimentos especializados, e para obter uma finalidade comum. Em sentido técnico, a palavra
consórcio designa o contrato mediante o qual se dá a associação. Trata-se do contrato pelo qual duas ou
mais pessoas singulares ou colectivas, que exerçam uma actividade económica, se obrigam entre si a, de
forma concertada, realizar certa actividade ou efetuar certa contribuição com o fim de prosseguir um
determinado escopo ou objecto. O consórcio tem uma estreita ligação com a joint venture, mas não se
pode confundir com ela. A joint venture pode ter um sentido mais amplo. As empresas que se associam
são independentes juridicamente, mas pode optar por constituir um ente juridicamente independente, que
responde juridicamente pelos direitos e obrigações contraídas em seu nome, ou manter-se num simples
consórcio, sendo que neste caso, são as associadas que respondem pelos direitos e obrigações. Tanto num
caso como noutro, temos uma joint venture.
120
São sociedades em via de formação, estão num processo de aquisição da personalidade jurídica, para a
qual lhes faltam alguns requisitos.
121
A associação em participação é um contrato através do qual uma pessoa se associa à actividade
económica exercida por outra pessoa, ficando a primeira a participar nos lucros ou nos lucros e nas perdas
que desse exercício resultarem para a segunda. Esta figura implica, assim, pelo menos, dois sujeitos: um
deles, normalmente (mas não necessariamente) um comerciante, que obtém o financiamento e mantém o
exclusivo controlo da sua actividade, sendo o único a surgir nas relações externas (o associante) e um
outro (associado), que não tem de, necessariamente, exercer uma actividade comercial, e que realiza um
investimento remunerado na actividade do associante. Note-se ainda, como nota fundamental desta figura,
que a associação em participação não tem personalidade jurídica. Perante terceiros, o associante surge
como o único titular e dono do negócio − só ele intervém no tráfego jurídico e, portanto, só em relação a
ele se constituem direitos e obrigações perante terceiros. A sua relação com o(s) associado(s) é uma
relação meramente obrigacional, não sendo contitulares de qualquer património comum (ALEXANDRE
C.A. MOTA PINTO e JOANA TORRES EREIO, Sumários Desenvolvidos, Contratos Civis e
Comerciais, Ano Letivo De 2011/2012, Faculdade de Direito da Universidade de Nova Lisboa, in
http://www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/AMP_MA_15386.pdf)
93
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Como já foi adiantado, as pessoas singulares têm personalidade jurídica por direito
natural, isto é, pelo simples fato de nascerem, nos termos do artigo (art. 66º nº 1 C.C.) 122. A
personalidade jurídica das pessoas é um dado extra-legal e extra jurídico. Já a
personalidade jurídica das pessoas colectivas depende da Lei, pois as pessoas colectivas
são uma criação do Direito; daí que alguma doutrina as considere como pessoas fictícias.
Mas a partir do momento em que adquiram a personalidade jurídica, as pessoas colectivas
são autónomas e juridicamente independentes, isto é, são centros autónomos de direitos e
obrigações, porque juridicamente distintas dos seus membros (pessoas físicas) 123.
A relação jurídica constitui-se entre sujeitos (activo e passivo), os quais são os seus
pontos terminais. O sujeito activo é o titular de poderes (direito subjectivo/direito
potestativo), enquanto o sujeito passivo é o titular de vinculações (dever
jurídico/sujeição).
A relação jurídica pode constituir-se entre pessoas singulares, ou entre pessoas
colectivas, ou entre uma pessoa colectiva e outra singular. Além disso, há que notar ainda
que os sujeitos da relação jurídica podem ser mais de dois, embora, na maioria dos casos,
haja apenas dois sujeitos, um activo e outro passivo.
Os sujeitos da relação jurídica ocupam posições jurídicas. O mais normal é um dos
sujeitos ocupar a posição activa e o outro a posição passiva. Mas há tipos negociais em que
cada um dos sujeitos ocupa, simultaneamente, uma posição activa (ter direitos sobre o
outro sujeito), em determinado(s) aspecto(s) da relação jurídica, uma posição passiva em
122
Trata-se de um entendimento conquistado com o jusnaturalismo iluminista. O Jusnaturalismo em si é
caracterizado pela defesa da existência de um direito supra legal – o direito natural - que é imutável no
que diz respeito a determinados valores fundamentais como a justiça e que devem ser respeitados pelo
Direito Positivo. Historicamente, o Jusnaturanismo não se concentra numa única época. Assim, fala-se do
jusnaturalismo da antiguidade (de Hesíodo até Séneca e Marco Aurélio), que parte da existência de uma
ordem natural, o jusnaturalismo cristão (de Santo Agostinho a Tomás de Aquino e Francisco Suarez –
caracterizado pelo pensamento teológico), o Iluminismo (de Grotius até Rousseau e Immanuel Kant); este
último, o Iluminismo, coloca a razão e/ou a natureza do homem no centro da reflexão (para mais detalhes,
Ver. H. E. HÖRSTER, A Parte Geral do Código Civil Português, cit. Nº 15 e 263).
123
PAIS DE VASCONCELOS (Teoria Geral do Direito Civil, cit., cit. nº 4: I a IV) faz uma abordagem
bastante interessante a este respeito, colocando uma pergunta: se é por se ser sujeito de direitos e
obrigações que se é pessoa ou se é por se ser pessoa que se é sujeito de direitos e obrigações. Segundo ele,
tradicionalmente, tem-se partido da susceptibilidade de direitos e obrigações para a qualificação de certo
ente como pessoa, e é este caminho que possibilita a criação de outras pessoas jurídicas (pessoas
colectivas), para além das pessoas humanas. Aqui a pessoa é algo construído pelo Direito. Todavia, este
caminho tem o risco de se conferir ao Direito e à Lei o poder da atribuição da personalidade jurídica,
abrindo-se, assim, caminho para construções jurídicas que não respeitem a dignidade e a centralidade da
pessoa em todo o Direito; é esta via que levou à exclusão de determinados seres humanos do conceito de
pessoa, com base em critérios de raça ou religiosos. Se se parte da personalidade entendida como
qualidade de ser pessoa para a atribuição de direitos e obrigações, então a titularidade de direitos e
obrigações é apenas consequência de um facto e não a sua causa. A personalidade das pessoas humanas
não é, neste sentido, algo que possa ser atribuído ou recusado pelo Direito, é algo que fica fora do alcance
do poder de conformação do legislador. É este o entendimento hoje patente no nº 1 do artigo 66º do
Código Civil.
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outro aspecto da relação (ter obrigações) e vice-versa. Por isso se fala de direitos e
obrigações das partes.
4.2 Objecto
O objecto da relação jurídica é aquilo (quid) sobre o qual incide o direito subjectivo
(os poderes conferidos pela ordem jurídica ao titular activo da relação jurídica). Este quid
pode consistir numa coisa em sentido jurídico; mas pode ser uma prestação. O estudo
pormenorizado é reservado para o capítulo apropriado.
124
Segundo HÖRSTER, a garantia jurídica visa proteger a confiança do credor. Com efeito, diz ele:
“embora a ordem jurídica conte, em princípio, com o cumprimento espontâneo das obrigações
resultantes de uma relação jurídica, ela não pode limitar-se a esta posição de confiança. É preciso
colocar meios adequados à disposição do titular do direito subjectivo para aqueles casos em que a
confiança é desiludida porque o direito subjectivo foi violado, ou corre o risco, mais ou menos iminente,
de vir a ser violado, ou é contestado ao seu titular”.
95
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125
Esta designação resulta do que dispõe o artigo 1º do Código de Processo Civil: “A ninguém é lícito o
recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito, salvo nos casos e dentro dos limites
declarados na lei. Os direitos são garantidos, em princípio, pela via judicial. Isto é atestado pela
Constituição que estabelece no nº1 do artigo 29º, sob a epígrafe “Acesso ao direito e tutela jurisdicional
efectiva”: “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e
interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência dos meios
económicos”.
126
HÖRSTER, op. cit. Nº 358
127
Ibidem
96
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128
HÖRSTER considera tal solução pouco feliz. Nas suas próprias palavras, “Quem recorre à acção
directa assume um risco especial onde todos os cuidados são poucos e devia estar obrigado a indemnizar
sempre que os pressupostos não existem, independentemente da desculpabilidade do erro. Com a solução
adoptada a lei não contribui para a paz social, uma vez que não distribui da melhor maneira o risco entre
os intervenientes, fazendo arcar com ele a vítima de uma actuação não justificada e cujos interesses nem
sequer são afectados”.
129
Alimenta a curiosidade saber que a palavra alemã que traduz o estado de necessidade (notstand)
exprime a ideia de emergência.
130
Op. cit. Nº 361.
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modo automático, são verdadeiras faculdades, de que o sujeito activo pode lançar mão e,
por isso, só operam por iniciativa do titular do direito subjectivo.
98