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Sabatinas Presidenciais GloboNews

o que aprendemos sobre os candidatos e um pouco sobre o jornalismo

Ricardo de João Braga


Publicado em Congresso em Foco1

INTRODUÇÃO

É possível aprender algo útil sobre os candidatos em entrevistas?


Conseguimos pistas sobre o que podem fazer e como se comportarão no governo?
A máxima que político não cumpre promessas de campanha é antiga e baseada em
boa dose de realidade, mesmo assim muitos cidadãos procuram informar-se sobre
eles e o que esperar das decisões que afetam profundamente suas vidas. Não há
facilidades para desenrolar-se desse cipoal na eleição presidencial: a Presidência
da República no Brasil enfeixa inúmeras atribuições, difíceis de serem mapeadas
e compreendidas em pouco tempo; somado a isso, na campanha o candidato
procura mostrar o bonito e esconder o feio, criando para si a melhor imagem
possível. Diante de tudo, acreditamos que sim, é possível aprender algo sobre os
candidatos, e é desejável que o façamos.
Cada candidato enfeixa uma visão de mundo, favorece determinados
interesses, compreende a relação entre estado e sociedade de formas específicas e
assim é levado, quando tem a chance de governar, a se direcionar para este seu
mundo de crenças e compromissos. Um candidato, de fato, apresenta-se como em
“camadas”, descobertas ou escondidas pela dinâmica das entrevistas, pelo
conteúdo das perguntas e pela crítica do cidadão-eleitor.
Candidatos a presidente foram sabatinados na GloboNews nas noites de 30
de julho a três de agosto. Afortunadamente, tratou-se quase de um experimento
laboratorial: mesmos ambiente, entrevistadores e horário. Assim, as longas
entrevistas nos permitem algum aprofundamento e sobretudo comparações úteis,
tanto dos candidatos quanto dos próprios entrevistadores. Aqui mostramos quais
temas foram tratados por cada candidato e como o fizeram, o que mostra seus
pontos fortes e fracos, suas estratégias e armas na campanha, e permitem delinear,
mesmo que imperfeitamente, um cenário futuro para o governo.
De forma geral, os temas tratados mais extensamente foram
governabilidade e economia. Dentro de governabilidade abriram-se subtemas
como coalizões de governo, corrupção, sistema político, partidos. Pontualmente
                                                                                                               
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 09  de  agosto  de  2018  
https://congressoemfoco.uol.com.br/opiniao/forum/sabatinas-­‐globonews-­‐o-­‐que-­‐aprendemos-­‐sobre-­‐
candidatos-­‐e-­‐sobre-­‐jornalismo/  
 
surgiram discussões de políticas públicas, principalmente educação e segurança
pública, mas também algo de saúde, transportes e meio ambiente. Restou claro que
os pontos salientes dos candidatos conduziram o teor das entrevistas, tanto pelas
suas áreas de maior interesse quanto pelas suas fragilidades. Nota-se também que
a postura do candidato molda seu entorno; apesar da atitude de partida sempre
inquiridora dos jornalistas, a postura mais cooperativa ou adversarial dos
entrevistados acabou por influenciar o comportamento da sua “banca”.

A BLITZ

As entrevistas iniciaram com temas de alto enfrentamento, caracterizando


uma blitz “contra” o candidato.
A mais longa deu-se com Geraldo Alckmin. Até os 50 minutos de entrevista
ele primeiro teve de explicar-se quanto à aliança com o Centrão, depois quanto aos
problemas de corrupção do PSDB em geral e de SP em particular, além da
aproximação ao governo Temer. Quanto às impopulares alianças – pois os partidos
do Centrão seriam vistos como “fisiológicos”, “corruptos” –, Alckmin adotou o
tom conciliador e enfatizou a necessidade de votos no futuro congresso para
aprovar reformas. Em relação à corrupção, procurou distanciar-se dos mal feitos
de Aécio Neves e Paulo Vieira de Souza, mostrando afastamento político e, no
segundo caso, pessoal. De citar, a defesa do candidato a Laurence Casagrande
(presidente da DERSA de SP acusado de corrupção), tido por Geraldo Alckmin
como pessoa simples e honrada. À exceção de Casagrande, o candidato procurou
afastar-se dos mal feitos de aliados e correligionários repetindo a afirmação de que
“se alguém errou, vai responder por isso”.
Ciro Gomes sofreu um longo ataque questionando seu temperamento. Aos
40 minutos de entrevista perguntou se não iria falar de políticas públicas, “sistema
tributário, previdência”. De fato, apenas aos 46 minutos o tema deixou de ser seu
comportamento e passou a questões de governo e gestão. A longa lista de questões
pessoais, citações de casos e mesmo vídeo do próprio candidato quanto Secretário
de Estado no Ceará, colocaram-no numa prova de fogo prática. Por vezes algo
pressionado, mas com ferramentas de retórica simples – como bom humor e a auto
referencia como experiente ou professor de Direito Constitucional, que se aplicou
diversas vezes – venceu o desafio posto pela banca.
Jair Bolsonaro sofreu uma blitz quanto às suas posturas tidas como radicais
e ao comportamento ético. O avanço da banca de jornalistas contudo não durou. O
candidato parece suportar bastante bem a exposição de suas contradições e
posições que soariam inadequadas e agressivas para outras perspectivas. Em geral
apela ao bom humor, ou então utiliza a ferramenta da humildade colocando-se
como “gente comum” que pode errar, ou então mesmo se diz “diferente” dos outros
políticos. A blitz esgotou-se cedo; aos sete minutos abandonou-se o foco na ética,
embora fosse tocada outras vezes mais adiante.
Marina Silva foi imediatamente confrontada com a questão do agronegócio.
Lidou com a situação ao dizer que há divisões internas no setor, em que uma parte
moderna adota postura pró meio-ambiente e sustentabilidade. Em novo esforço da
banca questionando a força do agronegócio dentro do Congresso, que poderia lhe
confrontar no governo com uma pauta antagônica, Marina seguiu a linha, utilizada
em vários outros momentos, de apelo ao debate, ao convencimento, de
aprofundamento da democracia. Sua postura pessoal serena faz como que dupla
com o conteúdo destas mensagens de diálogo e a blitz inicial findou cedo. Chegou
mesmo a responder qual seria o perfil de seu Ministro da Agricultura (alguém com
formação técnica e política e capaz de mediar conflitos) e a blitz encerrou-se aos
cinco minutos.
Álvaro Dias não sofreu propriamente uma blitz inicial. A banca colocou de
saída a questão ética de seu suplente no senado, ligado ao consórcio de Belo Monte
e problemas de corrupção, mas o assunto não rendeu. De fato, o experiente senador
teve pontilhada sua entrevista com retornos a posições legislativas passadas, a
feitos de seu governo no Paraná, a troca de partidos, e teve de se desvencilhar delas
pontualmente. Via de regra utilizou explicações aparentemente já bastante
conhecidas e que apelavam aqui e ali para elementos de retórica.

GOVERNABILIDADE

O Brasil detém um sistema multipartidário, e devido ao sistema eleitoral


proporcional para deputado e às coligações nas eleições legislativas, o quadro
dentro do Legislativo é extremamente fragmentado. A isto confronta-se o
Presidente da República, o qual apresenta ao eleitor um projeto unificado. Assim,
a banca de jornalistas explorou a necessidade de criação do governo, os desafios
que ela põe ao futuro eleito. Nestes termos, colocam-se como antagônicas a prática
habitual de compor grandes consórcios sem mais interesses comuns que a
sobrevivência política (ao que se chamou recorrentemente de pragmatismo) e
alternativas republicanas até agora postadas apenas no terreno do desejo e da
possibilidade. Todos os candidatos tocaram no ponto, mas exploraram-no em
profundidade diversa.
Álvaro Dias baseia-se no seguinte roteiro: a situação do Brasil é grave, é
preciso ação e mudança, a classe política deve compreender isso e irá fazê-lo, o
presidente poderá impor uma nova lógica de negociação com os partidos e o
Congresso, será criado um governo suprapartidário e a participação popular será
utilizada como influência, principalmente com instrumentos de democracia direta.
Acertadamente, ao nosso ver, apontou o Presidente da República como o grande
dinamizador das relações Executivo-Legislativo, mas não se estendeu na
“conversão” da classe política, em que pé estamos e como podemos chegar a um
quadro melhor. Apresentou princípios e necessidades, mas não se ofereceram
elementos concretos, os mecanismos da formação do governo. Seu argumento
mais contundente é: será possível continuar com o “ajuntamento” de partidos em
torno do candidato como se dá hoje, o que gera péssima gestão?
Marina Silva manteve a perspectiva dos princípios e das necessidades sobre
a formação do governo. Assim como em outras passagens, enfatizou a necessidade
de debate republicano e a negociação programática. Fazendo um parêntesis nosso,
de fato o debate e a negociação programática são referências na literatura de
Ciência Política sobre governos, constituem o “padrão ouro” de construção de
coalizões em governos multipartidários, por exemplo nos parlamentarismos
europeus; o problema brasileiro consistiria no afastamento atávico e na repulsa
visceral destas práticas, substituídas pelo fisiologismo em torno do erário e dos
cargos. Voltando a Marina Silva, aqui e ali entrevê-se em sua proposta de
governabilidade a ideia de maior mobilização social e protagonismo da sociedade
civil no governo, o que ela retomou em algumas passagens, principalmente em sua
crítica aos partidos de hoje. Somado a isso, a candidata apresentou seu desempenho
frente ao Ministério do Meio Ambiente como credencial de boa negociadora. De
toda forma, o desafio permanece, e um novo modelo de governabilidade diante da
institucionalidade brasileira (multipartidária, presidencial, bicameral) ainda está
para ser posto à prova.
Jair Bolsonaro não se estendeu muito sobre a questão. Confrontaram-no
com sua possível aproximação ao PR, ao que respondeu ser seu interesse primeiro
e inicial, não realizado, ter o senador Magno Malta como seu candidato a vice-
presidente. Na provocação dos jornalistas inseria-se a possibilidade de
compreender o PR como patrocinador de tempo de tevê para a campanha de
Bolsonaro e também membro do seu governo no futuro, mas o candidato negou
esta linha de aproximação. O que ele trouxe ao debate sobre governabilidade foram
nomes de futuros ministros e algumas diretrizes para sua escolha, como cabedal
técnico e moral. De fato, não houve discussões substantivas sobre governabilidade
durante sua entrevista.
Ciro Gomes desenvolveu mais extensamente a questão da governabilidade
e avançou sobre a necessidade de um novo pacto federativo (o qual, segundo o
candidato, pode controlar o fisiologismo). Iniciou, no âmbito do ataque que lhe
move agora o PT, uma crítica ao espectro esquerdo da política nacional, no qual
se insere. Depois aceitou o fato de o Congresso não ser responsável por políticas
de cunho nacional, uma característica problemática do presidencialismo, daí ter
também expressado sua preferência pessoal pelo parlamentarismo. Exibindo
distinta compreensão da dinâmica política brasileira, colocou em perspectiva a
divisão de poderes, a necessidade de crítica e reordenamento da sua “bagunça”
atual, e o uso de maior dinamização política da sociedade via plebiscitos e
referendos. Diferentemente de Marina Silva, que vê a possibilidade de uma
sociedade mais organizada e estruturada atuando na política, Ciro Gomes parece
se fiar mais em mecanismos de relação direta entre o líder e os cidadãos, trazendo
legitimidade e força ao presidente eleito.
Geraldo Alckmin esteve solitário na aceitação do modelo atual de
governabilidade brasileiro. De princípio já justificara sua aliança com o Centrão
como um gesto de apoio incondicional dos partidos e pela sua necessidade de
governabilidade futura. Durante a entrevista afirmou que na base deste acordo não
residem trocas de cargos por apoio político. Contudo, considerada a prática política
brasileira e a realidade desta coalizão eleitoral recém-formada, vê-se que o modelo
de governabilidade proposto por Geraldo Alckmin não se diferencia da clássica
forma de coalizões no Brasil: vários partidos com assentos ministeriais e acesso a
recursos orçamentários trabalhando em conjunto no Congresso. Deve-se dizer que
não há, em princípio, ilegalidade ou imoralidade nos instrumentos deste tipo de
formação de governo. Mundo afora partidos unem-se em torno de cargos e defesa
do governo – cargos aqui com vistas a implementar programas. A crítica no Brasil
deve tocar os termos do acordo, pois união em torno de objetivos de políticas
públicas diferem de divisão de nacos do estado. De um lado tem-se cooperação e
união de diferentes em prol de um projeto, de outro a descoordenação, a
ineficiência e, por consequência funesta, a pilhagem do estado por grupos sem
outro objetivo comum.
Como uma síntese, à exceção da aceitação tácita do modelo atual por
Geraldo Alckmin, os outros candidatos acenam com a possibilidade de “fazer
diferente”. De fato, as práticas políticas brasileiras descontentam profundamente
o eleitor, e na raiz delas encontra-se a relação Executivo-Legislativo. Embora não
se tenha clareza ampla do caminho futuro apontado pelos candidatos, ele se
mantém como aposta e possibilidade (numa perspectiva esperançosa) e é utilizada
como promessa que responde a um profundo descontentamento popular.

ECONOMIA

A tônica comum do debate econômico foi a crise e a necessidade de sua


superação. Como é tradicional, a economia recebe grande atenção do eleitor e
ênfase dos jornalistas no assunto. Neste tema, ainda, diferem de forma importante
as posições dos candidatos.
Embora todos os candidatos tenham discutido reformas específicas, apenas
Ciro Gomes e Geraldo Alckmin estenderam-se sobre a gestão macroeconômica.
Na economia também, Jair Bolsonaro encontra bastante dificuldades. No seu caso
não se trata do simplismo de que ninguém pode ser especialista em todas as
questões de governo (como ele argumenta), mas sim que a postura do candidato
traz prejuízos a questões centrais da política econômica, quais sejam, a
previsibilidade, a consistência e a credibilidade das decisões e políticas adotadas.
Ciro Gomes citou a questão do desemprego, da dívida pública, a reforma da
previdência. Afirmou que o foco de seu governo será o estímulo à indústria. O
candidato estendeu-se de forma sofisticada sobre a Reforma Tributária, o IVA e
suas relações com o pacto federativo. Enfatizou a necessidade da cobrança de
impostos sobre lucros e dividendos, equiparando o Brasil às práticas internacionais
de estímulo à produção e impostos progressivos e discutiu também os termos de
uma relação econômica com a China. Em termos macroeconômicos, ressaltou a
necessidade do controle do déficit, o que se comprometeu a realizar via escrutínio
detalhado de todas as despesas. Em termos gerais, agregando-se também sua
postura contrária ao acordo da Embraer com a Boeing, o foco no petróleo estatal e
as críticas ao teto de gastos (embora mantida a necessidade de combate ao déficit),
vê-se a proposta de um governo mais nacionalista, com intervenções econômicas,
mas que não descarta o equilíbrio fiscal.
Geraldo Alckmin iniciou com uma lista de reformas (previdenciária,
administrativa, tributária) e comprometeu-se a aprová-las todas nos primeiros seis
meses de governo. Sobre a previdenciária, fala em idade mínima e longa transição.
Quanto à administrativa, seguirá o ideário da desburocratização. Em relação à
tributária, enfatiza a necessidade de focar impostos em lucros e dividendos e na
criação de um IVA, este com longa transição. Não colocou ênfase nas
privatizações, já excluindo do rol de possibilidades Petrobrás e Banco do Brasil.
Tocou na expansão da indústria do petróleo – sobretudo quebrar o monopólio
prático no refino e estimular a participação estrangeira em poços já maduros – e
destacaram-se suas ênfases na necessidade de mais acordos internacionais e numa
agenda de competitividade. Alckmin abordou a questão da falta de competição
bancária e referiu-se a uma abertura comercial que abranja produtos e também
serviços. Como compromisso promete acabar com o déficit primário em dois anos
e não realizar indicações políticas para as agências reguladoras. A perspectiva
econômica de Alckmin alinha-se ao legado – sempre escondido em campanhas –
do governo FHC, numa perspectiva de inserção da economia nacional via abertura,
equilíbrio fiscal e postura favorável ao capital estrangeiro.
A posição econômica de Álvaro Dias baseou-se em suas manifestações
pontuais, especialmente sobre reformas, pois não entrou em detalhes da gestão
orçamentária. O candidato do Paraná não discutiu extensamente o déficit público.
Álvaro Dias tocou na questão da modernização das relações de trabalho – embora
tenha votado contra a reforma trabalhista do governo Temer – e propõe diminuir a
máquina pública cortando ministérios – também de impacto simbólico importante,
pretende diminuir o número de deputados e senadores. Quanto à privatização, não
se posicionou de forma ampla, apenas citou algumas atividades relacionadas à
Petrobrás. Apresenta posição favorável a uma Reforma da Previdência que
estabeleça idade mínima igual para homens e mulheres e unifique os regimes
público e privado. Defende também uma auditoria da dívida pública. Ponto
importante, o candidato manifestou-se sobre a desigualdade de renda no país, e
aponta a mudança para um sistema tributário progressivo, assim como melhor
educação na primeira infância, como mecanismos para combatê-la. A
fragmentação da discussão não permitiu a inserção do modelo econômico do
candidato num espectro mais amplo.
Marina Silva, por sua vez, debateu a questão do déficit público
principalmente quando tocou nos incentivos fiscais, que teriam que ser criticados
todos em conjunto. Em relação a eles, criticou fortemente o REFIS por ter se
tornado uma prática frequente e estímulo a irregularidades. Posicionou-se contra a
Emenda Constitucional do teto de gastos (nº 95), mas manteve-se favorável à
responsabilidade fiscal. Entende ser necessária uma Reforma Tributária que
decentralize os impostos (para Estados e Municípios), seja progressiva e
simplificadora. Disse ser favorável à Reforma da Previdência e usou o termo
“privilégios”, citando os militares como alvos, mas não tem posição sobre
igualdade de tratamento a homens e mulheres. A banca de jornalistas direcionou a
discussão de outros temas econômicos relacionando-os a problemas de
licenciamento ambiental, como quando se discutiram os setores de mineração e
energia. De fato, Marina Silva diferenciou-se dos outros candidatos pela forma
como relaciona a agenda ambiental à econômica, esposando a noção de
oportunidade e cooperação, e não antagonismo entre desenvolvimento econômico
e meio ambiente. Dentro do espectro liberal ou interventor, sua posição direciona-
se para a primeira tendência principalmente devido à preocupação com o equilíbrio
fiscal, e não mostra compromisso com o distributivismo tradicional da esquerda.
Jair Bolsonaro discutiu questões econômicas apenas pontualmente. Diante
da sequência de perguntas sobre o tema, assumiu deliberadamente a postura que
não entende e não precisa compreender o assunto. De fato, próximo aos 49 minutos
da entrevista começou a rechaçar perguntas do tema e as denominou “pegadinhas”.
O ponto a ser ressaltado é a oscilação entre as posições pessoais do candidato e a
transmissão de responsabilidade ao seu assessor econômico principal, o
economista Paulo Guedes. Desnecessário discutir a reconhecida competência do
economista, contudo, surge o problema do arranjo político-técnico proposto, pois
as posições do candidato facilmente confrontam-se com o ideário liberal
preconizado pelo economista, além disto não antevê o provável conflito das
posições do Ministério frente ao Congresso. De fato, a posição do candidato é de
simplismo sobre a dinâmica política que envolve o Ministério da Fazenda e a
política econômica. O mais grave, em essência, é que o candidato deixa de ser o
representante e fiador da política econômica, com claros prejuízos para a
comunicação com o eleitor e para a previsibilidade, consistência e credibilidade da
política econômica.
Geraldo Alckmin e Ciro Gomes enfatizam a temática, o primeiro
colocando-se como promotor de reformas e gestor competente e o segundo como
líder político de um projeto mais nacionalista, embora contemporâneo, de
desenvolvimento econômico. Marina Silva e Álvaro Dias mostram-se à vontade
mas não entusiastas do tema, e Jair Bolsonaro, como dito, apresenta-se refratário
a estas discussões.

OUTRAS POLÍTICAS PÚBLICAS

Educação foi um tema citado por todos candidatos, e aqueles com


experiências no Poder Executivo (Álvaro Dias, Geraldo Alckmin e Ciro Gomes)
enfatizaram suas realizações na área. Foi usual referir-se à relação da educação
com o desenvolvimento econômico. Contudo, o tema não recebeu um debate mais
aprofundado ou propostas de inovação sistêmica. Vale destacar a proposta de Jair
Bolsonaro de utilizar como modelo na educação os colégios militares. Confrontado
com questão sobre a necessidade de flexibilidade e criatividade na educação dos
futuros profissionais, ele enfatizou as perspectivas de hierarquia e disciplina.
Diante da importância da educação, nas sabatinas o tema ficou bastante aquém da
sua relevância.
Segurança Pública foi tratada em todas as entrevistas, à exceção daquela do
candidato Jair Bolsonaro – o que pareceu uma decisão deliberada da banca de
jornalistas, já que esta é importante bandeira do candidato. De forma geral o
enfoque dos candidatos manteve-se nas atividades policiais envolvidas, a
necessidade de melhoria na gestão (inteligência) e na tecnologia assim como
mudanças institucionais. Diferenciaram-se as posições de Geraldo Alckmin, que
se estendeu sobre as realizações no governo de São Paulo e experiências de gestão
profissional do tema, e a perspectiva mais ampla de Marina Silva, que discutiu a
integração do crime e da violência com questões sociais e econômicas mais
amplas.
Saúde também não recebeu tratamento aprofundado. O candidato Ciro
Gomes discutiu o financiamento do setor, prejudicado, segundo ele, pelo teto de
gastos imposto pela Emenda Constitucional nº 95/16. Relacionado a isso,
apresentou proposta de expansão do saneamento básico e citou suas realizações no
governo de Fortaleza. Marina Silva apresentou postura de compromisso com o
SUS e Geraldo Alckmin tocou em ponto importante, a efetivação da cobrança dos
planos privados de saúde pelo SUS. Álvaro Dias e Jair Bolsonaro apenas citaram
o tema, sem maiores desenvolvimentos. Saneamento básico, fora a exceção
discutida, foi ausente dos debates.
Mobilidade urbana e transportes praticamente não figuraram nas
discussões. Ressalte-se apenas a discussão do candidato Ciro Gomes que se referiu
mais longamente a planos de investimento em infra-estrutura de transporte. Os
demais candidatos apenas citaram pontualmente a questão ou nem isso o fizeram.
Meio Ambiente foi tratado apenas superficialmente pelos candidatos. Ciro
Gomes, Geraldo Alckmin e Álvaro Dias parecem alinhar-se à ideia tradicional de
que questões ambientais seriam fatores de bloqueio ao avanço econômico, embora
todos concedam que é necessário respeitar as necessidades ambientais. O
candidato Jair Bolsonaro acrescenta à discussão o debate sobre reservas
(ambientais, indígenas e de quilombolas) em relação à segurança nacional, uma
perspectiva trazida exclusivamente por ele. Não surpreendentemente Marina Silva
desenvolveu um pouco mais a questão dentro da perspectiva de imperativos
ambientais como inerentes à atividade econômica e oportunidades para o futuro.
A Reforma Administrativa recebeu tratamento superficial de Álvaro Dias e
Ciro Gomes, que se ativeram a discutir enxugamento da máquina e
profissionalização. Apenas Geraldo Alckmin enfatizou a necessidade de
desburocratização. Marina Silva e Jair Bolsonaro não desenvolveram o tema.
Ciência e Tecnologia foram apenas citadas pelos candidatos sem maiores
desenvolvimentos, de fato um tema esquecido. Apenas Jair Bolsonaro propugnou
brevemente desenvolvimentos na área com vistas à agregação de valor em
produtos naturais.

A “EXTRAÇÃO” DO CANDIDATO PROFUNDO

Os candidatos ajustam seu discurso ao que mais lhes convêm em cada


ocasião, por certo. Ao meu ver, contudo, a beleza do processo reside na reiteração
do debate, na variedade de questionamentos, as quais produzem um quadro
minimamente fiel à realidade. E isto é possível apenas na democracia, onde os
cidadãos estejam atentos e a imprensa cumpra seu papel de escrutínio livre,
independente e plural. Daí ser possível, por debaixo das camadas de retórica,
“extrair” o candidato profundo a partir de suas declarações.
Álvaro Dias é o único candidato a possuir um mote concreto de campanha:
a refundação da República. Isto o posiciona no centro do debate político e da
reforma política, o que ele energiza com reiterados apelos éticos (citou em sete
ocasiões a Lava Jato, mais que os outros candidatos). Trata-se de tema
importantíssimo para o país, que necessita rediscutir e modificar as relações
Executivo-Legislativo e o sistema partidário, para mantermo-nos nas necessidades
mínimas. Álvaro Dias é um político experiente e detém recursos de retórica,
quando utiliza imagens sugestivas e jogos de palavras em frases de efeito. Sua
proposta, contudo, parece carecer de maior substância, sobretudo ao confrontar-se
com sua longa trajetória política, a qual levanta a necessária discussão entre o
discurso e as práticas passadas. Esta razão, principalmente, parece ter direcionado
a banca a permear toda a entrevista de discussões referentes a propostas e práticas
passadas do candidato. Seu desafio é convencer o eleitor do compromisso com a
mudança.
Marina Silva vocaliza também a necessidade de novas práticas políticas. No
seu caso, mais jovem, com menos cargos eletivos e, creio, principalmente pelo fato
de ser mulher e manter um tom de fala sereno e de baixa confrontação, enfrentou
um rol de questões que gravitaram em torno de suas condições pessoais para
exercer liderança. Questionaram-se seus posicionamentos, reações, convicções,
sensações, emoções e posturas, num inventário personalíssimo. Um dos pontos
complicados para a candidata foi compatibilizar suas ideias e convicções com as
práticas da Rede, sobretudo as coligações eleitorais. Em termos de propostas,
contudo, Marina Silva apresentou o discurso mais contemporâneo em termos de
aprofundamento democrático, sobretudo ao discutir governabilidade e sua relação
com a sociedade. Aí está a riqueza de sua proposta e ação, a criação de um novo
padrão de política no Brasil, uma radicalização democrática que nunca
experimentamos. O projeto – que exige um respaldo moral raro nos dias atuais, e
que a candidata mantém sem alardeá-lo – é o desafio posto e onde vicejam as
dúvidas, mas também as esperanças, de interlocutores e eleitores. O realismo é um
adversário quase invencível, mas a aposta da candidata reside nesta batalha.
Ciro Gomes parece ter uma energia inesgotável para analisar e propor
questões de economia política, governo e obviamente política. Alimenta-se do
debate, da confrontação, e por isso atravessou a sabatina com a mesma energia e
postura enquanto a banca parecia esgotar sua munição e ímpeto. Os desafios de
Ciro Gomes são dois: formular o projeto de desenvolvimento nacional de caráter
mais autônomo que ele almeja e criar condições de implementá-lo. Neste sentido
alinha-se ao debate latino-americano existente desde a CEPAL nos anos 1950 e
fortemente desacreditado e desencorajado pela administração petista, que se
associou ao consórcio patrimonialista atávico e entregou os péssimos resultados
de Dilma Rousseff. O foco no temperamento do candidato parece, contudo, uma
tentativa de esconder necessárias discussões quanto ao modelo de
desenvolvimento brasileiro. No fundo, contudo, reside a real discussão se este
modelo é viável, dados nossa cultura política, nosso congresso e a estrutura do
capitalismo internacional. Ciro aposta que sim, e apresenta-se com energia para
criar as condições para sua implementação. Cabe ao eleitor avaliar a proposta e o
candidato.
Geraldo Alckmin retorna na prática ao seu antigo mote do gerente eficaz.
Hábil na construção dos debates políticos e no seu posicionamento neles – o que
não poderia ser diferente tendo a experiência de quatro governos em SP –,
apresenta o quadro das reformas pró-mercado deixando ao largo alternativas, como
a citada perspectiva trazida por Ciro Gomes, e sobretudo debates de prática política
e temas de costumes. Aliado ao mesmo condomínio que domina o Congresso há
tempos, promete entregar o que não foi entregue nos últimos vinte anos. Confesso,
contudo, que isso pode ser possível, pois depois de Dilma e Temer, um presidente
que tenha habilidade política, legitimidade das urnas e um início estável para
começar a governar são novidade. De poucas surpresas, tenta um impulso num
rumo que o Brasil busca em saltos esporádicos seguir: a inserção internacional
aceitando os imperativos do capitalismo global – parte do ideário neoliberal. Nesta
perspectiva, Geraldo Alckmin apresenta-se como alternativa sólida.
Jair Bolsonaro lidera as pesquisas pois simboliza a ordem e a disciplina,
vocaliza clamores éticos e agrega sob um simbolismo violento todos os que
passaram a odiar o PT nos últimos anos. A carestia se combate com honestidade,
o crime e a insegurança com bala, a degradação dos valores com bíblia e família,
e acrescenta a tudo isso um tom de piada e humor popularesco que torna a
mensagem palatável ao brasileiro. Seria completamente desonesto com a realidade
política nacional desconsiderar a profunda mensagem cívica que de alguma forma
se coordena e avança apoiada na figura do candidato capitão do Exército. Neste
sentido, o Brasil não pode dar as costas à indignação e à decepção produzida pela
política na última década. A sabatina, contudo, mostrou que por debaixo do
símbolo que se tornou Jair Bolsonaro, não há prática, experiência e reflexão sobre
os reais problemas do governo. A “mitologia” da internet pode sobreviver por bom
tempo, mas os imperativos do governo – que exige negociação política inteligente,
decisões econômicas complexas, avaliação estratégica de meios e fins, cuidado
com a pluralidade social e seu desenvolvimento cívico – não permitirão que o
simplismo proposto pelo candidato sobreviva, e menos ainda que ele entregue os
resultados prometidos. Trata-se do retorno da velha demagogia. Natural ao regime
democrático e sempre difícil de debelar.

JORNALISMO

A banca compôs-se de oito jornalistas e uma moderadora: Gerson


Camarotti, Roberto D´Ávila, Valdo Cruz, Mario Sergio Conti, Andréia Sadi,
Merval Pereira, Cristiana Lôbo, Fernando Gabeira e Miriam Leitão (mediadora).
Por regra a banca iniciou sua atuação de forma inquiridora, dividindo as
questões entre seus componentes. Contudo, o tom adversarial deu-se mais
fortemente diante de Ciro Gomes e Jair Bolsonaro. Com Álvaro Dias manteve-se
numa posição intermediária e atenuou-se com Geraldo Alckmin e Marina Silva.
Interessante notar que antes de acusar a banca de favorável a este ou aquele, parece
sim o caso de o perfil do entrevistado conduzir a postura dos seus entrevistadores.
Afinal, tratam-se de políticos, e espera-se deles significativos atributos em relações
interpessoais.
Em termos de conteúdo destacaram-se as participações de Fernando
Gabeira, que apresentou questões que exigiam maior elaboração de raciocínio,
para além das frases feitas e fórmulas prontas. Valorizou suas perguntas a atitude
do jornalista, que via de regra aguardava pacientemente a resposta e sobre ela
refletia e produzia réplicas. Tal atitude destoou daquela de outros colegas que
procuravam a todo tempo levantar de “bate pronto” uma incoerência ou
inconsistência da resposta do entrevistado, produzindo diversas vezes um diálogo
entrecortado e pouco produtivo.
Ponto bastante relevante para compreender o papel da imprensa em debates
públicos pode ser visto, por exemplo, na ambivalência de tratamento entre temas
ruralista e bancário. Viu-se que a banca de jornalistas, em regra, posiciona-se
refratariamente às demandas ruralistas, mais identificadas na sabatina de Álvaro
Dias. Ao contrário, quando os candidatos (especificamente Ciro Gomes e Álvaro
Dias) tocaram na questão da dívida pública e dos ganhos dos bancos, os jornalistas
foram ágeis em “sustar” o debate interpondo a questão da “poupança popular” – a
qual é relacionado ao tema mas não o esgota, impede a discussão dos ganhos dos
bancos e dos seus proprietários, e sobretudo bloqueia a necessária discussão da
submissão da política monetária e orçamentária aos imperativos do mercado
financeiro. Vê-se assim que determinadas agendas encontram guarida na imprensa,
enquanto outras, como a ruralista, precisam da representação política formal, pois
têm posição desvantajosa no debate jornalístico. Daí a saliência do tema ruralista
no Congresso e a posição encoberta de tantos outros debates, como por exemplo a
relação da dívida pública e do orçamento com o mercado financeiro.
Por fim, constata-se que a abordagem tradicional do jornalismo, como
refletida nas sabatinas, apresenta-se fragmentária, refratária a aprofundamentos e
sobretudo buscando fatos e declarações de impacto. Se isso atende aos critérios de
busca de audiência, por outro impede um melhor desenvolvimento da posição dos
candidatos e assim a informação do espectador. Admite-se que é preciso a
condução e a mediação do jornalista, pois se trata de entrevista e não discurso, mas
o excesso de enfrentamentos que produz diálogos entrecortados e muitas vezes de
baixo conteúdo precisa ser repensado em algumas circunstâncias. Foi possível
aprender muito com as sabatinas da GloboNews, mas há formatos mais produtivos.

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