Você está na página 1de 2

A praga

Luandle nascera no meio das aguas do mar, por meio das ondas revoltas que
acompanhavam o estertor da mãe que se atirava para um e outro lado do barco. A
infelicidade abraçara-o de tal modo que o pai sentiu-se dorido a partir do momento em
que vira a mãe contorcendo de dores, gritando, chorando e, como todos os homens em
tais situações, sentiu-se incapaz de a ajudar, limitando-se a pedir infrutiferamente aos
espíritos antigos e recentes para encorajem o mal que os tocara e desse vida a mulher que
gemia e chorava, e a criança que devia nascer em terra firme como toda criança do mundo,
pois nunca se vira por essas terras tsongas uma mulher parir no meio das águas, nessas
aguas onde os espíritos malignos emergem e os homens de bom porte a elas se atiram
com intuito único de aprender o segredo das águas, da terra e dos céus durante anos e
anos, emergindo depois no meio do Tantã ensurdecedor que os acompanha a casa onde
homens de desgraças várias a ela se dirigem para curarem os seus males de séculos e
retirarem para todo sempre as escarpas da maldição e da morte.

Um curandeiro afirmara que a criança que a criança devia ter o nome de Luandle,
designação que o mar leva nessas terras tsongas. Paz e alegria não houve na casa de
Luandle. O pai, querendo apagar as marcas do infortúnio ficou dois meses em terra,
tentando tirar as crostas de sangue que cobriam o barco em toda a extensão. Com a certeza
de que se se fizesse ao mar não mais voltaria a terra. Porque os tubarões abocanhariam o
barco, pensando que de carne humana se tratava.

A mãe, sabendo que o cordão umbilical não mais voltaria ao lugar de sempre, limitou-se
a sentar-se afrente da cubata, nas manhãs e tardes, contemplando sem prazer as águas, a
terra e o céu até a hora da morte que adveio num dia tao calmo e feliz que muitos não
acreditaram que ela tivesse morrido. Forram necessários dois dias e duas noites de preces
e choros para chegar à triste conclusão de que a senhora já se fora deste mundo malvado
que a todos leva sem explicação precisa, por vezes.

Nesse momento, Luandle puxava a rede. O pai ajudava-o olhando para os pescadores que
rumavam para a costa, satisfeitos. Tiraram os peixes, dobraram a vela e a rede e
caminharam em silêncio em direcção a casa que ficava a pouca distancia da enseada.
Luandle aproximou-se da mãe e cumprimentou-a. Não teve resposta. Olhou
demoradamente para os olhos e para os lábios e não notou sinais de morte.
– Está a dormir.

Disse, virando-se para o pai que se acercava arrastando a rede. O pai tocou no rosto da
mulher, passou as mãos pelos olhos, sentiu o corpo rígido, tremeu, e virou-se para o filho
com o peso da morte do corpo.

– A tua mãe está morta!

Você também pode gostar