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ESTUDOS

Pós-Modernidade: subsídios
para refletir sobre a educação
Martha D’Angelo

Palavras-chave:
pós-modernidade; políticas Resumo
globais; Estados nacionais; novas
tecnologias; ensino universitário.
Apresenta as principais teses sobre pós-modernidade, destacando divergências e
convergências entre elas e alguns aspectos que atingem mais diretamente a educação.
Trata-se de um estudo preliminar visando à identificação de problemas que devem ser
pensados e debatidos pelos pesquisadores com mais profundidade.

O que está acontecendo? menos como as línguas mortas sobrevivem


O mundo está ao contrário até hoje.
e ninguém reparou. O critério que sustenta a articulação
NANDO REIS
saber/poder e a hegemonia da linguagem da
informática é o da performatividade. Este
critério conduz a uma nova forma de liga-
A ruptura decisiva entre a modernidade
e a pós-modernidade aconteceu, segundo ção entre as grandes empresas, o poder pú-
Jean François Lyotard, a partir de 1950, com blico e a sociedade civil. A legitimação dos
a mudança no estatuto do saber ocorrida saberes segundo o princípio de desempe-
após o ingresso das sociedades na era pós- nho e eficiência (performatividade) não pode
industrial. Resumindo o caráter dessa mu- ser dissociada do fim das grandes utopias e
dança de estatuto, Lyotard (1989, p. 12) da corrosão do Estado-Nação moderno.
admite: "simplificando ao extremo, consi- Exemplificando, uma forma de conflito en-
dera-se que o 'pós-moderno' é a increduli- tre o Estado-Nação, as grandes empresas e a
dade em relação às metanarrativas". Ao de- sociedade civil, encontramos a seguinte pas-
suso desse dispositivo de legitimação da ci- sagem em A condição pós-moderna:
ência corresponde a crise da filosofia
metafísica e da instituição universitária que Admitamos, por exemplo, que uma firma
dela dependia. Com a incidência das trans- como a IBM seja autorizada a ocupar uma
formações tecnológicas e da informática, banda do campo orbital da terra para aí
colocar satélites de comunicação e/ou ban-
tudo o que no saber constituído não puder
cos de dados. Quem terá acesso a eles? Será
ser traduzido para a linguagem de máquina
o Estado? Ou será um utilizador entre ou-
tende a desaparecer. O declínio das tros? Colocam-se assim novos problemas
metanarrativas está associado, portanto, ao de direito e através deles a questão: quem
domínio da linguagem da informática. O poderá saber? (Lyotard, 1989, p. 21)
conhecimento desta tecnologia constitui
uma condição indispensável para a circu- Para essas perguntas, não encontramos
lação e legitimação dos saberes. De acordo nos escritos de Lyotard uma resposta, ou
com Lyotard, alguns saberes que circulam um esforço nesse sentido. Mas, as análises
em torno da filosofia sobreviverão, mais ou de Noam Chomsky sobre as relações das
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grandes empresas com o Estado norte-ame- Afeganistão e do Iraque demonstram isso.
ricano respondem, em alguma medida, a Por outro lado, os protestos na Europa e nos
essa questão. Tomando Thomas Ferguson Estados Unidos contra a globalização, o des-
como referência, Chomsky (1997, p. 11) afir- crédito da ONU como organismo de poder
ma que desde o século 19 são as coalizões e decisão, e o descompasso entre os gover-
de investidores que mandam no mundo. A nos europeus que apoiaram a invasão e a
sua tese da incompatibilidade das empre- população que eles formalmente represen-
sas com a democracia real, e não apenas tam, demonstram a fragilidade das institui-
formal, tem fundamento nessas análises. ções que sustentam as democracias burgue-
Uma outra abordagem sobre a relação sas e a dificuldade dos países hegemônicos
público/privado e a erosão do Estado-Na- de garantir a governabilidade do mundo.
ção é a de Baumann (1999). Ele observa, Sem dúvida, o enfraquecimento de muitos
por exemplo, que as funções de impor bar- Estados na pós-modernidade é inseparável
reiras alfandegárias ou estimulação estatal das estratégias de fortalecimento dos países
keynesiana de demanda interna estão, hoje, imperialistas e integrantes do G8, na defesa
muito além do alcance e das ambições da de seus próprios interesses.
imensa maioria dos Estados. Num mundo No âmbito da educação, as políticas glo-
em que o capital circula com uma velocida- bais impulsionadas pelo grande capital in-
de cada vez maior, visando a um máximo ternacional manifestam-se em medidas como
de rentabilidade num prazo mais curto pos- a classificação da educação como mercado-
sível, os fluxos financeiros escapam ao con- ria pela Organização Mundial do Comércio
trole dos governos nacionais. No mundo (OMC), a regulamentação das patentes e o
"globalizado", a tecnologia tem proporcio- controle do acesso aos conhecimentos pa-
nado mais vantagens para o capital do que tenteados. A OMC pretende incluir entre as
para a vida da imensa maioria da popula- 12 áreas de atividade do GATS (Acordo
ção. Baumann chama a atenção também para Geral sobre o Comércio e Serviços) a educa-
um ensaio de Mark Poter, onde os bancos ção. Segundo a avaliação de Gabriel
de dados eletrônicos são apresentados Rodrigues, presidente do Sindicato das
como uma versão ciberespacial atualizada Mantenedoras de Ensino Superior do Bra-
do pan-óptico, e para as críticas de Thomas sil (Semesp), as conseqüências dessa inclu-
Mathiesen a Foucault por não ter observa- são serão terríveis:
do a nova técnica de poder que consiste
em muitos observarem poucos. Os poucos Na prática, todos os países perderiam o
direito de decidir soberanamente sobre a
observados são as celebridades do mundo
formação dos seus cidadãos, por um sim-
da política, do esporte, do espetáculo e da ples motivo: o país que descumprir os com-
ciência. Os bancos de dados mantêm sob promissos firmados dentro da OMC pode-
controle apenas as celebridades e os con- rá ser condenado a pagar indenização aos
sumidores confiáveis e dignos de crédito, empresários ou industriais da educação
eliminando todo o restante, que não deve que se considerarem prejudicados, fican-
ser levado em conta no jogo do consumo do ainda sujeito a represálias dos países
simplesmente pelo fato de não existir nada provedores de ensino, em particular do
digno de nota sobre suas transações. A ensino por Internet. Trata-se de uma
mobilidade do capital e das pessoas físicas disfunção da globalização – que alguns
especialistas denominam suicídio
na pós-modernidade foi resumida por
institucional – a maneira como o assunto
Baumann (1999, p. 25) nos seguintes ter-
vem sendo conduzido pelas agências in-
mos: "alguns podem agora se mover para ternacionais de financiamento, em parti-
fora da localidade – qualquer localidade – cular o Banco Mundial e a OMC, cujo po-
quando quiserem. Outros observam, impo- der de regulamentação chega a ser quase
tentes, a única localidade que habitam mo- incontestável e em cujo tribunal os países
vendo-se sob seus pés". emergentes nem sempre são ouvidos (re-
Na verdade, o que mudou na pós- vista Educação, do Semesp, abril de 2003).
modernidade em relação aos Estados naci-
onais é a forma como cada Estado disputa A estratégia de classificação da educa-
o mercado mundial. Nesse jogo de poder, a ção como mercadoria pela OMC conta com
agressividade do império norte-americano o apoio mais efetivo dos Estados Unidos,
em suas tentativas de expansão vem aumen- Austrália e Nova Zelândia. Apesar de mui-
tando significativamente desde os atenta- tas organizações universitárias de grande
dos de 11 de setembro. As invasões do expressão em todo mundo terem emitido

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uma nota conjunta em setembro de 2001, tudo era, claro, a do socialismo clássico."
contra as pretensões da OMC, a iniciativa (Anderson, 1999, p. 39) A ausência de mai-
está sendo levada adiante. Houve uma pri- ores considerações sobre as análises de
meira rodada de negociações em março de Lyotard na crítica de Perry Anderson está
2003, quando os países participantes apre- relacionada a uma avaliação mais geral so-
sentaram suas propostas para a abertura dos bre a inconsistência teórica e política destas
setores de serviços. A segunda rodada está análises.
prevista para janeiro de 2005. A possibili- À perspectiva de Lyotard e Habermas
dade de os países que controlam a OMC Perry Anderson contrapõe-se a de Frederic
desconsiderarem os demais nessas negoci- Jameson, atribuindo-lhe o registro mais rico
ações é bastante grande. Vários aspectos são e abrangente da cultura que veio a ser co-
preocupantes nas propostas do GATS, so- nhecida como pós-moderna. A intervenção
bretudo a exigência de reconhecimento in- de Jameson sobre a pós-modernidade en-
ternacional dos diplomas por meio de uma frenta diretamente aspectos problemáticos
central global de diplomação controlada pela do marxismo e as críticas a ele dirigidas
OMC. pelos estruturalistas e pós-estruturalistas.
Um aspecto que diferencia muito as A questão de descentramento do sujeito e
análises de Lyotard das de Chomsky e da possibilidade de representação
Baumann sobre o Estado é a aparente au- conceitual da totalidade do real são abor-
sência de envolvimento do primeiro com o dadas em profundidade. Jameson conside-
tema. Os acontecimentos são apresentados ra que o marxismo ainda é o referencial te-
por Lyotard de modo quase fatalista, como órico mais consistente para a compreensão
"dados de realidade" sobre os quais não cabe do mundo contemporâneo.
nenhuma intervenção. Isto é muito visível, Tomando como referência a caracteriza-
por exemplo, em relação ao critério de ção de Ernest Mandel sobre o capitalismo
performatividade e seu impacto na educa- avançado, Jameson procura articular as
ção. O predomínio dele no âmbito da pes- mudanças objetivas na ordem capitalista
quisa e do ensino é apresentado como um mundial ao conceito de pós-modernidade.
fato consumado. Lyotard (1989, p. 99) con- Três momentos sucessivos marcam essas
sidera que a transmissão de saberes na pós- mudanças: o capitalismo de mercado, mais
modernidade já não visa à formação de uma voltado para os espaços nacionais, o
elite (sic) capaz de guiar a Nação, seu prin- monopolista, preocupado em anexar outros
cipal objetivo é fornecer ao sistema técni- mercados, e o multinacional, que hoje en-
cos capazes de assegurar às instituições os volve a maior parte do planeta. Esse último,
"jogadores" de que elas necessitam. O ensi- ao revelar de forma mais pura a natureza do
no superior, especificamente, privilegiará a capitalismo, reafirma as análises de Marx
formação de uma intelligentsia profissional. sobre a lógica do capital. Segundo Mandel,
As críticas mais contundentes a correspondem a essas três fases de desen-
Lyotard foram feitas por Perry Anderson em volvimento do capital, três estágios de de-
seu estudo sobre "As Origens da Pós- senvolvimento tecnológico: o de motores a
Modernidade". Nele fica atribuído a Lyotard vapor, o de motores elétricos e de combus-
o crédito de ter sido o primeiro a pensar a tão e o de motores eletrônicos e nucleares.
pós-modernidade como uma mudança ra- Baseado em uma periodização similar,
dical na condição humana, mas Perry Tamáz Szmrecsányi revela em seus estudos
Anderson (1999, p. 33) reconhece, também, sobre a história econômica da ciência e da
que a influência de Lyotard cresceu na pro- tecnologia que é na época dos motores a
porção inversa do seu interesse intelectual. vapor que se inicia a expansão das pesqui-
"A condição pós-moderna tornou-se inspi- sas no ensino superior, assim como a
ração para um relativismo vulgar que, tanto profissionalização das ciências e das técni-
aos olhos dos amigos quanto dos inimigos, cas nas universidades e nas grandes empre-
passa por ser a marca do pós-modernismo." sas dos países mais avançados. Cientistas,
O objetivo principal da crítica de Perry engenheiros e técnicos deixam de ser ama-
Anderson é mostrar o hedonismo niilista dores esclarecidos e entusiastas e tornam-
que perpassa as análises de Lyotard, e o se profissionais qualificados e reconhecidos
alvo político a ser atingido. "Com A condi- por uma formação universitária, cada vez
ção pós-moderna, Lyotard anunciou o eclip- mais específica e exigente, diretamente su-
se de todas as narrativas grandiosas. Aque- pervisionada pelo Estado, pelas empresas,
la cuja morte ele procurava atingir acima de e pelos próprios pesquisadores. Foi em

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1840, pelas reformas do ensino universitá- saber e de poder, tal como definida por
rio na Alemanha, iniciadas por Alexander Bacon, também foi substituída por uma
Von Humboldt, que pela primeira vez se vontade de espetáculo e de ilusão. Deste
enunciou o princípio formal da unidade mundo de sombras, desta nova caverna, só
entre a pesquisa e o ensino. Nos países mais se pode sair de uma forma, "só existe uma
avançados, a progressiva incorporação da estratégia fatal: a teoria" (Baudrillard, 1983,
pesquisa no ensino, e sobretudo no siste- p. 201).
ma produtivo, instituiu uma relação de A correlação entre as transformações do
interdependência entre ciência e técnica que capital (Mandel) e as novas subjetividades
desembocou na segunda Revolução Indus- (Baudrillard) permitiu a Jameson uma
trial, no desenvolvimento dos motores elé- ressignificação do conceito de luta de clas-
tricos e de combustão, e na substituição do ses. Na pós-modernidade, a sociedade de
ferro pelo aço. Nesse período, as empresas classes se mantém, mas nenhuma classe
começam a criar seus próprios laboratórios dentro do sistema continua sendo a mesma
de pesquisa, visando por meio deles de antes. Nesse caso, podemos dizer que a
posicionarem-se de maneira mais agressiva manutenção da vitalidade do pensamento
nas disputas por mercados. Todos esses de Marx requer um corajoso enfrentamento
antecedentes conduziram o desenvolvimen- com o cotidiano da história. Não nos mol-
to científico e tecnológico ao estágio atual des de uma "história das mentalidades", mas
de ampliação e expansão das desigualda- numa perspectiva onde a micro e a
des entre os países, aspecto que, entre ou- macroistória, as dimensões subjetivas e ob-
tros, reforçam a tese de Habermas da ciên- jetivas, interpenetram-se.
cia e da técnica como ideologia. Para os educadores, principalmente, a
Ancorando-se nas caracterizações de questão das subjetividades é fundamental.
Mandel, Jameson passa a considerar a pós- Os questionamentos feitos pelos teóricos
modernidade como uma virada, ao mes- pós-modernos à existência de uma consci-
mo tempo, econômica, tecnológica, ência racional centrada não devem ser
epistemológica e estética. Conectada a esta desconsiderados, pois, como observou
análise, uma segunda referência fundamen- Tomaz Tadeu Silva, esta noção está sempre
tal no quadro teórico de Jameson é o traba- subjacente a muitas análises que circulam
lho de Baudrillard sobre a importância do na literatura educacional. Ainda é comum a
simulacro no imaginário cultural das soci- suposição de que a consciência supõe ape-
edades capitalistas contemporâneas. nas dois estados:
Baudrillard entende que na modernidade
os investimentos libidinais sobre os obje- De um lado, teríamos o sujeito alienado,
tos supõem a existência de uma intimida- inconsciente das determinações sociais de
de e uma interioridade próprias à "socie- sua alienação, preso às ilusões da ideolo-
dade do espetáculo". No drama moderno gia dominante. De outro, o sujeito consci-
ente, lúcido em relação à determinação
a interioridade sucumbia a um sistema de-
externa de sua vida e destino social. É esta,
lirante, na pós-modernidade não há mais
por exemplo, a noção implícita nos con-
interioridade, as subjetividades são pro- ceitos de consciência ingênua e consciên-
duzidas de modo mais industrial e efici- cia crítica de Paulo Freire (vejam aí os dois
ente, correspondendo à lógica do atual es- estados). Não é muito diferente a noção
tágio do capital. O excesso de comunica- que está implícita na socioanálise de
ção, paradoxalmente, provocou o colapso Pierre Bourdieu (Silva, 1993, p. 129).
da comunicação humana. Não há mais a
divisão essência/aparência em nenhuma Quase toda literatura de crítica "moder-
das variedades pensadas pela filosofia. na" da educação mantém-se presa a um cer-
Toda "realidade" visível resume-se ao uni- to maniqueísmo, seja ao analisar os efeitos
verso de imagens produzido pelas redes da dominação (sujeito alienado) seja ao
de informação. A era moderna de esplen- apontar as condições e as possibilidades de
dor do sujeito autoconsciente deu lugar resistência à dominação (sujeito conscien-
na pós-modernidade à supremacia total do te). Uma das raras tentativas de escapar dessa
objeto. Reduzido a algo próximo do ho- polarização foi feita por Paul Willis pelo con-
mem unidimensional de Marcuse, o su- ceito de "penetração parcial". O arcabouço
jeito moderno não teria conseguido esca- da noção de sujeito centrado e
par à sedução do objeto e à fetichização autoconsciente, e o esquematismo da divi-
generalizada das imagens. A vontade de são das consciências concernente a ele, é

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perigoso não apenas por uma questão de humano típico da modernidade; nesse caso,
sintonia com o mundo atual ou por falta de ele não deve ser considerado como fuga ou
rigor, mas, sobretudo, porque conduz a uma covardia diante da vida. Não foi por acaso
prepotência epistemológica freqüentemente que o suicídio tornou-se um fenômeno so-
encoberta por nobres ideais de cial no século 19, e tema de um dos grandes
"conscientização". Tanto no âmbito da esco- clássicos da sociologia. A escolha de um
la quanto no dos partidos políticos, a divi- assunto aparentemente tão subjetivo por
são das consciências nesses dois pólos re- Durkheim não pode ser dissociada da luta
força as relações assimétricas e autoritárias. de vida ou morte que se trava permanente-
A questão das "consciências" também mente entre as classes sociais no capitalis-
perpassa a reflexão sobre o erro político, mo, principalmente nos momentos em que
tema que, segundo Gabriel Cohn, foi abor- ela se torna mais cruel e mais decisiva.
dado somente por Gramsci, de maneira A respeito do problema da comunica-
muito rápida, e André Gorz, em suas con- ção, e a emergência de uma nova subjetivi-
siderações sobre determinismo e liberdade dade no capitalismo, encontramos um farto
na história. Contrapondo-se a todas as con- material de análise nos estudos dos
cepções que enfatizam os determinismos, e frankfurteanos de uma maneira geral. Em um
reforçando a ação livre como pano de fun- trecho de Rua de mão única, de Walter Ben-
do da história, Gorz chega a admitir a pos- jamin, há uma passagem que sugere uma
sibilidade, em algumas circunstâncias, de aproximação com o tipo de sensibilidade e
uma total inversão entre a dimensão subje- realidade que Baudrillard veio a chamar de
tiva e a dimensão objetiva. Esta inversão pós-moderna:
pode significar a reabilitação do erro políti-
co, ou o reconhecimento desse "erro" como A liberdade do diálogo está-se perdendo.
uma opção legítima. É possível que, diante Se antes, entre seres humanos em diálogo,
de determinadas condições objetivas, se faça a consideração pelo parceiro era natural,
uma opção de alto risco, ou até mesmo sui- ela é agora substituída pela pergunta so-
cida. Por que serei obrigado a aceitar o que bre o preço de seus sapatos ou de seu guar-
as condições objetivas tentam me impor? da-chuva. Fatalmente impõe-se, em toda
conversação em sociedades, o tema das
Eu posso preferir morrer lutando. Mesmo condições de vida, do dinheiro. No caso,
que me demonstrem que todas as deter- trata-se não tanto das preocupações e dos
minações objetivas levam a isso, eu não sofrimentos dos indivíduos, nos quais tal-
sou obrigado a aceitar. Quer dizer, não adi- vez pudessem ajudar um ao outro, quanto
anta me mostrar que existe um sentido da consideração do todo. É como se se esti-
inscrito na história. É preciso também que vesse aprisionado em um teatro e se fosse
eu o aceite (Cohn, 1995, p. 26). obrigado a seguir a peça que está no palco,
queira-se ou não, obrigado a fazer dela
Partindo desse ponto de vista, atitudes sempre de novo, queira-se ou não, objeto
do pensamento e da fala (Benjamin, 1995,
como as dos homens-bomba palestinos, ou
p. 23).
os suicídios em cadeia dos guarani kaiowá
do Brasil e do Paraguai, adquirem um cará-
Uma crítica freqüente às análises de
ter diferente das interpretações correntes de
Baudrillard, presente em Svi Shapiro, por
fanatismo religioso. Trata-se, nos dois casos,
exemplo, é a de que a sua forma de abordar a
de uma decisão pensada previamente, toma-
realidade é fria e desprovida de indignação.
da numa situação limite, visando à afirma-
ção de uma identidade cultural. O próprio Baudrillard parece ver sua pró-
A questão do suicídio, e o impacto ge- pria caracterização da sociedade com uma
rado nas subjetividades pelo bombardeio atitude que está entre um distanciamento
da informação, são temas abordados tam- cínico e o humor de quem vê o que está
bém com muita profundidade em alguns fazendo como uma brincadeira intelectu-
ensaios de Walter Benjamin. Ao dizer que al (Shapiro, 1993, p. 107).
a modernidade deve estar sob o signo do
suicídio, Benjamin não estava, evidentemen- Ha um certo exagero nessa observação,
te, cunhando uma frase de efeito. Tratava- mas, ainda que a atitude de Baudrilard seja
se, tão-somente, de admitir que no capita- de indiferença, e que ele não consiga apon-
lismo essa opção nunca pode ser tar nenhuma saída para os conflitos do
desconsiderada; o suicídio pode ser a últi- mundo contemporâneo, a sua análise não
ma forma de resistência ao embrutecimento deve ser ignorada; é preciso verificar até que

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ponto essa análise corresponde à realida- para uma conceituação do pós-moderno, e
de. Se ela for consistente em alguma medi- seu estilo esteja muito afinado com esta cor-
da poderá contribuir para o amadurecimen- rente, ele faz questão de não ser incluído
to político da sociedade. nela.
A variedade de discursos no âmbito Um balanço sério das contribuições dos
do referencial teórico considerado pós-mo- intelectuais pós-modernos deve confrontar
derno não pode ser nem descartada nem suas teses centrais com a de seus opositores
incorporada em bloco. A despeito de suas e a realidade. Segundo minha avaliação pes-
limitações e inconsistências, os pós-moder- soal, as idéias que atingem mais diretamen-
nos apresentaram questões que ainda não te a educação, e merecem ser discutidas e
foram de todo respondidas. Apreendida de avaliadas mais atentamente são:
forma crítica, a produção desses intelectu-
ais pode revitalizar aspectos da teoria mar- 1)O impacto da linguagem da infor-
xista que envelheceram e precisam ser re- mática na reorganização dos saberes e
pensados. Os binômios razão/história, base/ das disciplinas acadêmicas.
superestrutura e condições objetivas/con- 2)A hipótese do fim das metanarrativas
dições subjetivas, são exemplos nesse sen- e suas implicações na articulação en-
tido. Tentando definir mais claramente a
tre fins e valores da educação.
posição dos intelectuais mais representati-
3)As formas atuais de legitimação do
vos, envolvidos neste breve estudo sobre
conhecimento, o papel das universi-
pós-modernidade, podemos incluir entre os
dades, das empresas e das institui-
mais críticos às teses pós-modernas:
ções financiadoras de pesquisa nes-
Habermas, Perry Anderson e Terry
se processo.
Eagleton. Frederic Jameson, Stuart Hall e
Henry Giroux têm uma avaliação menos 4)A construção de novas subjetivida-
negativa, chegando, inclusive, a incorpo- des e as possibilidades nela inscritas
rar elementos do discurso pós-moderno. de democratização da sociedade. En-
Foucault, antes de morrer, reviu seu entu- tendendo por democracia não tanto
siasmo inicial; Lyotard pode ser considera- seu aspecto formal, mas a possibili-
do seu representante mais assumido, e dade efetiva de a maioria da popula-
Baudrillard um caso excepcional, pois, em- ção participar das decisões que ori-
bora suas idéias tenham contribuído muito entam as políticas públicas.

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Martha D'Angelo, doutora em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro


(UFRJ), é professora de Filosofia da Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Abstract
The objective of this work is to present the main theses about post-modernity, detaching
divergences and convergences between them and some aspects that reach the education
more directly. It is about a preliminary study seeking to identify problems that should be
deeply thought and discussed by researchers.

Keywords: post-modernity; global politics/National States; new technologies; academic


teaching.

Recebido em 26 de maio de 2003.


Aprovado em 20 de outubro de 2003.

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