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BERTRAND RUSSELL

Bertrand Arthur William Russell, nascido


em 1872, de uma familia aristocrática inglesa
da cidade de Trelleck.foi um das filósofos mais
lidas e discutidos do periodo compreendido en-
tre as duas guerras mundiais. Não. há dominio
da filosofia ao qual não se tenha abeirada, e
amiúde se ocupou de questões coma o paci-
fismo (cuja defesa valeu-lhe um tempo de pri-
são durante a 1!' Guerra Mundial), o uso mili-
tar da energia atômica, ou a participação
norte-americana na conflito. vietnamita. Até
sua marte (J 971), afirmou-se como critica de
instituições sociais e militou em movimentos
que se reputavam defensores da liberdade hu-
mana.
A doutrina de Russel divide-se em duas par-
tes inteiramente diferentes: uma é constituida
por sua lógica e filosofia da matemática, a ou-
tra compreende todo o restante de suas teorias.
Podemos também distinguir duas fases na
evolução da pensamento. deste autor. A princí-
pio trabalhou sob o signo da matemática, que
se lhe afigurava ser a ideal da filosofia. Fala aprofundemas impassivelmente, paciente-
dela com o entusiasmo de um discípula de Pla- mente, na exploração de cada problema.
tão. Era, então, de moda geral, um platônico Russell não acreditava que a filosofia fosse
convicto. Considerava evidente, para além da capaz de oferecer muitas respostas seguras.
realidade empirica, a existência de universais Destinando-se a desbravar o caminho à ciên-
que apreendem as diretamente e que possuem cia, caber-lhe-ia antes levantar problemas, do
existência própria, independentemente das coi- que resolvê-los. Segundo ele, sua tarefa princi-
sas e do espirito. Via, então, na filosofia uma pal seria a critica, cabendo ao filosofo esclare-
ciência dedutiva, em parte independente da ex- cer os conceitos, as proposições, e as demons-
periência sensivel. Datam desta época seus trações cientificas; por isso devia-as submeter
"Principia Mathematica". a uma penetrante análise lógica, evitando res-
Contudo, posteriormente Russel desliza postas eternamente duvidosas.
cada vez mais para a positivismo. O problema Russell tornou-se agnástico declarado, per-
dos universais afigura-se-lhe destituido de fun- suadido de que só a ciência da natureza nos
damenta; toda metaflsica privada de sentida; a pode informar acerca da realidade, embora
filosofia já não dedutiva, mas simplesmente não possa ultrapassar o terreno da probabili-
empirica, no sentida da tradição. inglesa, passa dade. Nem sequer na matemática enxergava,
a cansistir unicamente na análise das noções agora, beleza platônica, pois ela seria nada
das ciências da natureza, ou na sintese dos re- mais que simples instrumento. prático da ciên-
sultadas cientifico-naturais, e só nessa medida cia. Para ele, só os métodos cientifico-naturais
se reveste de significação. poderiam proporcionar conhecimentos. Acredi-
Senda a filosofia essencialmente cientifica, a tava no aperfeiçoamento do homem pela téc-
impostação de seus problemas deve arrancar, nica, e falava do "progresso" com empolga-
não da religião ou da moral, mas das "ciências ção. Sobre toda a marcha de seu pensá-
da natureza". Seu ideal deve ser um ideal mento. pesa um quase completo ceticismo.
cientifico; no fundo, o campo de atividade da fi- Russell manteve-se aferrada aos ideais posi-
losofia abrange tão-somente as problemas que tivistas do século. XIX. Com seu radicalismo
ainda não. podem ser estudados cientifica- politico e anti-religioso, assemelhou-se a uma
mente, de sorte que ela outra coisa não faz a espécie de Volta ire moderna. Mas, apesar de
não. ser preparar o caminho à ciência. Todo ro- sua grande inteligência, Russell nunca logrou
mantismo e todo misticismo devem ser absolu- evitar as contradições. Nos derradeiros livros
tamente excluidos. Tampouco se deve buscar voltou a aproximar-se de sua primeira posição:
na filosofia "um remédio. heróico para os sofri- admitiu a impossibilidade de um empirismo
mentos intelectuais ", mas importa que nos pura e propugnou a aceitação dos universais.

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o relativismo ético argumento da prova teológica da existência de
Deus como não sendo puramente lógico, tendo
. O homem, segundo Russell, é apenas uma sido destruido por Darwin.
parte insignificante da natureza. Seus pensa- Há, para Russell, algo estranho na aprecia-
mentos são determinados pelos processos cere- ção ética daqueles que pensam que uma dei-
brais, portanto pelas leis da natureza. dade onipotente, onisciente e benevolente, após
A ciência natural, única fonte de nosso sa- preparar o terreno, durante muitos milhões de
ber, não subministra base alguma a crença em anos de inanimadas nebulosas, se sentiria ade-
Deus, ou na imortalidade. Aliás, a doutrina da quadamente recompensada com o apareci-
imortalidade é até contraditória, absurda, por- mento final de Hitler, Stalin e da bomba H.
que a alma, se fosse imortal, deveria ocupar, Ao apontar o fato de não se permitir aos jo-
encher todo o espaço. vens, na Rússia, ouvirem argumentos a favor
A religião está fundamentada no temor; é, do capitalismo, e nos EUA, a favor do comu-
pois, um mal. E, outrossim, "uma inimiga da nismo, confunde fé (segundo o autor, esta é a
bondade e da decência no mundo moderno" convicção que não pode ser abalada por prova
sendo própria dos homens que ainda não atin~ contrária, sendo necessário, no caso de dúvi-
giram a maturidade. das, suprimir a prova contrária; ou seja, iro-
Se, na ordem do ser, o homem nada mais é niza a "infalibilidade" da Fé) com a mera im-
do que uma parte insignificante da natureza, . posição exterior de uma crença. Sabe-se que
pelo contrário, sua posição na ordem dos valo- assim se conserva intacto, artificialmente, um
res é inteiramente diferente. "Somos livres comportamento, mas que na verdade não traz
para elaborar um ideal de vida". Este ideal é, harmonia e paz; mantém tão-somente uma
para Russell, o de uma "vida boa"; vida orien- aparente obediência e convicção, preparando,
tada por uma amor afetivo e conduzida com a de fato, uma guerra de exterminio, através do
ajuda do saber. Este princípio é suficiente, e ódio contido.
toda moral teórica é supérflua. Para com- A partir de uma distorcida interpretação da
preender isto, nada mais precisamos que fé, Russell vê nesta virtude o réu, culpado de en-
colocar-nos na situação de uma mãe com um cher o espirito dos jovens de hostilidade faná-
filho doente: ela não precisa de moralistas, tica, tanto contra aqueles que possuem OUlrOS
mas de um bom médico. fanatismos, quanto, de maneira ainda mais vi-
Russell aceita a necessidade de regras práti- a
rulenta, contra os que são contrários todos os
cas para a vida, mas diz que tais regras estri- fanatismos. Por isso valoriza o hábito de se ba-
bam ainda hoje, principalmente, em crenças sear as convicções em provas, pois curaria, se
supersticiosas, como a moral sexual, incluindo se tornasse geral, a maior parte dos males de
a monogamia, e a maneira de se tratarem os que padece o mundo.
delinqüentes (criminosos, etc.). Igualmente Russell demonstra, nesta obra, todo' seu
falso é o ideal de salvação do indivíduo, que, amargo ressentimento e sua revolta para com
como ideal aristocrático, opõe-se ao ideal de os que professam um credo, defendendo-o de
salvação da sociedade, que corresponde a de- maneira dogmática.
mocracia. A contundência proposital de suas exposi-
Para Russell, a meta a se alcançar é sempre ções e seu intransigente posicionamento anti-
a felicidade, que se obtém combatendo o te- Etica, valeu-lhe o impedimento de ensinar no
mor, fortificando o ânimo, mediante a educa- City College da cidade de Nova lorque, acu-
ção e o aperfeiçoamento global dos homens. sado por diversas autoridades (chocadas com o
Imenso progresso pode ser levado a efeito, com seu pronunciamento a favor do liberalismo) de
a condição de não ficarmos tolhidos por um res- sofista, mau-caráter, corruptor da juventude,
peito supersticioso a natureza, porque toda a etc.
natureza, incluindo o homem, deve tornar-se Toda sua concepção filosófica, em favor da
objeto de estudo cientifico, para que dai resulte justa ação humana (em seu conceito), está fun-
maior soma de felicidade. damentada em bases de cunho essencialmente
materialista, carente de valores atemporais,
.Análise de trechos do livro: "Por que não transcendentes. Ao desenvolver a defesa dos di-
sou cristão" reitos sociais do homem, Russell não se aper-
cebe de que a liberdade sem direcionamento e
Russell declara serem todas as grandes reli- disciplina gera a anarquia: "Quanto a mim,
giões do mundo, não apenas falsas, mas tam- acho que é melhor fazer um pouco de bem, do
bém prejudiciais. Não considera os argumen- que muito mal. O mundo que eu gostaria de
tos lógicos dos escolásticos a respeito da exis- ver, seria um mundo livre da virulência das
tência de Deus, pois afirma que a lógica aristo- hostilidades de grupo, capaz de compreender
télica, a que esses argumentos tradicionais que afelicidade de todos deve derivar-se, antes
apelavam, é antiquada, rejeitada praticamente dá liberdade mental, do que o encarceramento
por todos os lógicos, exceto os católicos. Cita o do espirito dos jovens numa rígida armadura

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de dogmas, para que assim se possam prote- O amor, a felicidade e a ciência.
ger, através da vida, contra os dardos das pro-
vas imparciais. O mundo precisa de corações e Segundo RusseI!, as emoções de fundo al-
de cérebros francos, e não é mediante sistemas truistico são uma espécie de transbordamento
rígidos, quer sejam velhos ou novos, que isso de sentimentos paternais ou, às vezes, uma su-
poderá ser conseguido' '. . blimação de tais sentimentos. O desejo de feli-
Nesta afirmação, Bertrand RusseI! deixa cidade de outrem, sem o sentimento de deleite,
transparecer um forte anseio de harmonia so- converte-se numa atitude fria e superior. Só se
cial, mas sem levar em conta sua própria ina- deseja bem aos outros na proporção em que
dequação para pôr em prática esse ideal. No nós próprios nos sentimos necessitados de
afã de afastar todo e qualquer rigor ético, ajuda; do contrário, corre-se perigo de que nos
prega o abandono dos jovens à sua própria causem dano (ou seja, o interesse como motivo
sorte, ou seja, aos ditames de sua própria de se amar!). Segundo o autor, o instinto tem
mente. Considerando sua teoria, se cada ser seus direitos, e se os violentarmos além de cer-
humano tiver que se educar dentro da "liber- tos limites, ele se vinga de maneiras sutis. Por
dade mental", chegamos à impossibilidade de isso, ao desejarmos uma vida virtuosa, deve-
se agir por cooperação, uma vez que a mente mos ter em mente os limites da possibilidade
"livre" do jovem lutará por conservar sua co- humana. Uma vez que todo procedimento
modidade egoista. Em outras palavras, Russell nasce do desejo, é claro que as noções éticas
proclama uma espécie de fraternidade, sem a não podem ter importância, exceto se tiverem
prévia conquista interior da boa vontade kan- influência sobre o desejo. Fora dos desejos hu-
tiana, que exigiria constante luta e auto- manos não há padrão moral. Deveríamos, por-
-esforço. tanto, respeitar a natureza humana, já que os
nossos impulsos e desejos constituem o mate-
Origens das regras morais rial de que pode ser feita nossa felicidade. De
nada vale dar-se aos homens algo abstrata-
A moralidade corrente é uma curiosa mis- mente considerado como constituindo um
tura de utilitarismo e superstição (este é ofator Bem. Devemos dar-lhes algo que desejem, ou
de maior peso, pois a superstição constitui a de que necessitem, se quisermos contribuir
origem das regras morais). Originariamente para sua felicidade. Taivez a ciência aprenda,
pensava-se que certos atos desagradavam aos com o tempo, a moldar os nossos desejos de
deuses, sendo os mesmos proibidos pela lei, modo que não entrem em conflito com os de
por sejulgar que a ira divina poderia cair sobre outrem; então, estaremos em condições de sa-
a comunidade e não apenas sobre os culpados. tisfazer a uma proporção muito maior de nos-
Surge daí a concepção. de pecado, como coisa sos desejos do que atualmente. Somente nesse
desagradável a Deus. E evidente, portanto, que sentido é que os desejos se terão tornado "me-
um homem dotado de uma visão cientifica da lhores". No momento, a ciência está ensinando
vida, não pode sentir-se intimidado diante de a nossos filhos que se matem mutuamente, pois
textos da Escritura ou dos ensinamentos da I- muitos homens de ciência estão dispostos a sa-
greja. crificar o futuro da humanidade em troca de
As normas morais deviam ser tais que tor- sua própria e momentânea prosperidade. Mas
nassem possível a felicidade instintiva. A vida esta fase passará quando os homens tiverem
satisfatória consiste no amor guiado pelo co- adquirido, sobre as suas paixões, o mesmo
nhecimento. Numa comunidade em que os ho- domínio que já têm sobre as forças físicas do
mens vivam desse modo, mais desejos serão sa- mundo exterior. Teremos, então, afinal, con-
tisfeitos do que em uma comunidade onde haja quistado a nossa liberdade.
menos amor e conhecimento. Deve-se diminuir
as ocasiões de conflito, fazendo com que o su-
cesso dos desejos de um homem se harmonize
com os desejos de outro.
O amor é para Russell uma coincidência de
interesses.
Tudo o que aumente a segurança geral, tem Bibliografia
I. Bochenski - "A Filosofia Contemporânea
probabilidade de diminuir a crueldade. E pre-
ciso evitar que haja miséria; é preciso melho- Ocidental"
rar a saúde pública por meio de medicina, da EPU - Edusp, São Paulo, 1975.
higiene e do saneamento, e de todos os outros 2. Bertrand Russell - Coleção "Os Pensa-
métodos tendentes a diminuir os terrores que dores"
rondam os abismos da mente humana e sur- Editora Abril, São Paulo, 1978.
gem como pesadelos quando os homens dor- 3. Bertrand Russeil - "Por que não sou Cris-
tão"
mem. Só a justiça pode dar segurança; e por
justiça Russell entende o reconhecimento dos Livraria Exposição do Livro, 1972.
direitos iguais de todas as criaturas humanas. ESTELA M. LUCAS

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