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A conquista da América

I. Descobrir

A descoberta da América

Mas cada um dos outros é um eu também, sujeito como eu. Somente meu ponto de
vista, segundo o qual todos estão lá e eu estou só aqui, pode realmente separa-los e distingui-
los de mim. Posso conceber os outros como uma abstração, como uma instância da
configuração psíquica de todo indivíduo, como o Outro, outro ou outrem em relação a mim.
Ou então como um grupo social concreto ao qual não pertencemos. Esse grupo por sua vez
pode estar contido numa sociedade. Ou pode ser exterior a ela, uma outra sociedade que,
dependendo do caso, será próxima ou longínqua.

Colombo: não podia ter certeza de que o retorno era possível. Ao ler seus escritos
poderíamos ter a impressão de que seu motivo principal e o desejo de enriquecer. Os
marinheiros e os reis da Espanha, mandatários da expedição também esperam lucro, o ouro
era uma espécie de chamariz para que os reis aceitassem financia-los.

Colombo se importa com a riqueza porque ela significa o reconhecimento do seu papel
de descobridor, mas ele tinha outro objetivo: queria encontrar o Grande Can, ou imperador da
China, cujo retrato inesquecível tinha sido deixado por Marco Polo, objetivo ligeiramente
afastado, por causa do trabalho que dava as descobertas, mas nunca esquecido. A expansão
do cristianismo é mais importante para Colombo do que o ouro. A vitória universal do
cristianismo é o que anima Colombo. Dinheiro e Deus não se excluem, um é meio e o outro
fim. Colombo queria partir em cruzada e liberar Jerusalém.

Colombo por um lado, submete tudo a um ideal exterior e absoluto (a religião cristã), e
todas as coisas terrestres não passam de meios em vista da realização deste ideal.

Colombo hermeneuta

Há três esferas que dividem o mundo de Colombo: uma natural, uma divina e outra
humana.

Para nós existem apenas dois intercâmbios reais: com a natureza e com os homens. A
relação com Deus não implica a comunicação, embora possa influenciar, e até predeterminar,
toda forma de comunicação.

Há sem dúvida, relação entre a forma de sua fé em Deus e a estratégia de umas


interpretações.

Colombo não se preocupa em entender melhor as palavras dos que se dirigem a ele,
pois pensava que já sabia o que encontraria.

Colombo pratica uma estratégia finalista da interpretação: o sentido final é dado


imediatamente, procura-se o caminho que une o sentido inicial a este último, procura
confirmações para uma verdade conhecida de antemão. Utiliza argumento de autoridade,
opinião dos santos e sábios teólogos.

Pra Colombo a natureza tem certamente mais afinidade com Deus do que os homens,
ele presta atenção constante aos fenômenos naturais. Sabe interpretar os sinais da natureza
em função de seus interesses. Colombo prefere beleza à utilidade. Sua convicção é sempre
anterior a experiência.
A observação atenta da natureza conduz a três direções diferentes: a interpretação
puramente eficaz, quando se trata de aspectos de navegação; a interpretação finalista, em que
os sinais confirmam as crenças e esperanças; e esta recusa de interpretação que a admiração
intransitiva da natureza, a submissão absoluta da beleza.

Colombo em matéria de linguagem, parece notar só os nomes próprios, que em certos


aspectos, são os que mais se assemelham aos indícios naturais. As palavras dos outros não lhe
interessam muito.

Os sinais humanos, ou seja, as palavras da língua, não são simples associações,


não unem diretamente um som a uma coisa, passam por intermédio do sentido, que é uma
realidade intersubjetiva.

Para Colombo toda a dimensão de intersubjetividade, do valor recíproco das palavras,


do caráter humano é portanto, arbitrário, dos signos lhe escapa.

Colombo não reconhece a diversidade das línguas, e por isso, quando se vê diante de
uma língua estrangeira, só há dois comportamentos possíveis, e complementares:
reconhecer que é uma língua, e recusar-se a aceitar que seja diferente, ou então reconhecer
a diferença e recusar-se a admitir que seja uma língua. Colombo age da segunda maneira,
mais tarde consegue reconhecer que é uma língua.

Colombo não é bem-sucedido na comunicação humana, pois não está interessado


nela.

A pouca percepção que Colombo tem dos índios, mistura de autoritarismo e


condescendência, a incompreensão de sua língua e de seus sinais, a facilidade com que aliena
a vontade do outro visando a um melhor conhecimento das ilhas descobertas, a preferência
pela terra, e não pelos homens. Na hermenêutica de Colombo, estes não têm lugar reservado.

Colombo e os índios

Suas menções aos habitantes das ilhas aparecem sempre no meio de anotações sobre
a natureza. Suas observações limitam-se, frequentemente, ao aspecto físico das pessoas.
Decide tudo admirar.

Fisicamente nus, os índios também são, na opinião de Colombo, desprovidos de


qualquer propriedade cultural: caracterizam-se, de certo modo, pela ausência de costumes,
ritos e religião. É de esperar que todos os índios, culturalmente virgens, página em branco a
espera da inscrição espanhola e cristã, sejam parecidos entre si.

O fato de Colombo só encontrar, para caracterizar os índios, adjetivos do tipo


bom/mau, que na verdade não dizem nada: além de dependerem do ponto de vista de cada
um, são qualidades que correspondem a extremos e não a características estáveis, porque
relacionadas a apreciação pragmática de uma situação, e não ao desejo descer.

Dois traços parecem, a primeira vista, menos previsíveis do que os outros: são a
generosidade e a covardia.

O sentimento de superioridade gera um comportamento protecionista.

Colombo não compreende que os valores são convenções, para ele um sistema de
trocas diferente significa, para ele, a ausência de um sistema. Os índios também têm outra
relação com a propriedade privada.
Na prática, a conquista terá estes dois aspectos essenciais: os cristãos vêm ao Novo
Mundo imbuídos de religião, e levam, em troca, ouro e riquezas.

Duas figuras básicas da experiência da alteridade, que baseiam-se no egocentrismo,


na identificação de seus próprios valores com os valores em geral, de seu eu com o universo;
na convicção de que o mundo é um:

1- Pensa que o outro é um ser completamente humano com os mesmos direitos


que ele, e aí considera-os não somente iguais, mas idênticos e este
comportamento desemboca no assimilacionismo, na projeção de seus valores
sobre os outros.
2- Ou então parte da diferença, que é imediatamente traduzida em termos de
superioridade e inferioridade: recusa a existência de uma substância humana
realmente outra, que possa não ser meramente um estado imperfeito de si
mesmo.

A simpatia de Colombo pelos índios traduz-se, “naturalmente”, no desejo de vê-los


adotar seus próprios costumes.

Colombo volta constantemente a ideia de que a conversão é o principal objetivo da


expedição, e reafirma a esperança de que os reis de Espanha aceitem os índios como vassalos,
sem nenhuma discriminação. Este consentimento implica, entre outras coisas, o respeito pela
vontade individual dos índios, já que são equiparados aos cristãos.

Propagar a religião significa que os índios são considerados como iguais (diante de
Deus). E se eles não quiserem entregar suas riquezas? Então será preciso subjuga-las, militar
e politicamente, para poder toma-las a força: em outras palavras, colocá-los, agora do ponto
de vista humano, numa posição de desigualdade (de inferioridade).

Colombo estabelece distinções sutis entre os índios inocentes, cristãos em potencial, e


índios idolatras, praticantes do canibalismo: ou índios pacíficos e índios beliciosos, que
merecem por isso ser punidos, mas o mais importante é que aqueles que ainda não são
cristãos só podem ser escravos.

No espírito de Colombo, a propagação da fé e a escravização estão intimamente


ligadas.

Ser índio e ainda por cima mulher, significa ser posto, automaticamente, no mesmo
nível que o gado.

Colombo descobriu a América, mas não os americanos, a alteridade humana é


simultaneamente revelada e recusada.

II. Conquistar

As razões da vitória

O caso dos textos que exprimem o ponto de vista dos índios é particularmente
grave: dada a inexistência de escuta indígena, são todos posteriores a conquistae,
portanto, influenciados pelos conquistadores.

Comportamento ambíguo de Montezuma, que não opõe a Cortez quase nenhuma


resistência. Se deixa prender por Cortez e seus homens, e uma vez preso, só se preocupa
em evitar qualquer derramamento de sangue. Diante dos inimigos prefere não usar seu
imenso poder, como se não tivesse certeza de querer vencer. Seus sucessores declararão
imediatamente guerra.

Durante a segunda fase da guerra, um outro fator começa a ter papel decisivo: a
exploração que Cortez faz das dissensões internas entre as diversas populações que
ocupam o solo mexicano.

Os índios das regiões atravessadas por Cortez no início não ficam muito
impressionados com suas intenções colonizadoras, porque esses índios já foram
conquistados e colonizados, pelos astecas. O México de então não é um estado
homogêneo, e sim um conglomerado de populações subjugadas pelos astecas, que
ocupam o topo da pirâmide. Cortez frequentemente aparecerá como um mal menor,
como um libertador, mantidas as proporções, que permite acabar com uma tirania
particularmente detestável, porque muito mais próxima.

O ouro e as pedras preciosas, que atraem os espanhóis, já eram recolhidos como


impostos pelos funcionários de Montezuma.

Os astecas eram o povo mais cruel e mais demoníaco que se possa imaginar,
devido a maneira como tratam seus vassalos.

Os espanhóis queimarão os livros dos mexicanos para pagar a religião deles;


destruirão os monumentos, para fazer desaparecer qualquer lembrança de uma grandeza
antiga. Mas cem anos antes, os próprios astecas tinham destruído todos os livros antigos,
para poderem escrever a história a seu modo.

Superioridade dos espanhóis em matéria de armas, os astecas não conheciam a


metalurgia. Os espanhóis sem saber inauguram uma guerra bacteriológica.

Montezuma e os signos

Os astecas descrevem o início de seu próprio fim como silêncio que cai: os deuses não
lhes falam mais.

O postulado da diferença leva facilmente ao sentimento de superioridade, e o


postulado da igualdade ao de indiferença, e é sempre difícil resistir e esse duplo movimento.

Não há evidentemente, nenhuma inferioridade natural dos índios no plano linguístico


ou simbólico.

Os índios dedicam grande parte do seu tempo e forças a interpretações de mensagens,


em diversas espécies de adivinhações, a primeira é adivinhação cíclica, a segunda é
adivinhação pontual na forma de presságios. Só pode se tornar ato, aquilo que
anteriormente foi verbo. O mundo é colocado em princípio como super determinado.

Na sociedade indígena de antigamente o indivíduo não representa em si uma


totalidade social, é unicamente o elemento constitutivo de outra totalidade, a coletividade.
Nessa sociedade superestruturada, um indivíduo não pode ser igual a outro, e as distinções
hierárquicas adquirem uma importância primordial. O futuro do indivíduo é determinado pelo
passado coletivo: o indivíduo não constrói seu futuro, este se revela.

Duas grandes formas de comunicação: entre homens (espanhóis), e outra entre o


homem e o mundo (índios).
Montezuma não fica amedrontado com o conteúdo dos relatos, ele revela-se
literalmente incapaz de comunicar. O corpo do rei continua individual, mas a função do rei,
mais do que qualquer outra, é puro efeito social, e portanto necessário subtrair esse corpo aos
olhares. Montezuma ao receber uma informação pune os que a trazem, e assim falha no plano
das relações humanas. A identidade dos espanhóis é tão diferente, o comportamento deles é a
tal ponto imprevisível que abalam todo o sistema de comunicação, e os astecas não
conseguem mais fazer justamente algo que era especialidade deles: a coleta de informações.

A profecias exercem um efeito paralisante sobre os índios que tem conhecimento


delas e diminui-lhes a resistência.

Esse modo particular de praticar a comunicação é responsável pela imagem


deformada que os índios terão dos espanhóis, durante os primeiros contatos e,
principalmente, pela ideia de que eles são deuses, ideia que também tem um efeito
paralisante. Só pode ser explicado por uma incapacidade em perceber a identidade humana
dos outros, isto é admiti-los, ao mesmo tempo, como iguais e como diferentes.

Para os astecas as práticas verbais são altamente estimadas, alunos tem que aprender
a ser bons falantes e bons interpretes.

A fala privilegiada pelos astecas é a fala ritual, regulamentada em forma e função,


decorada. A função: materializam a memória social, o conjunto de leis, normas e valores que
devem ser transmitidos de uma geração a outra, para garantir a identidade da coletividade.

Não é o uso efetivo da escrita que conta, a escrita como instrumento, e sim a escrita
enquanto índice da evolução das estruturas mentais.

A referência ao passado é essencial para a mentalidade asteca da época.

Maior eficácia dos discursos cristãos: o diálogo é bastante assimétrico, pois as palavras
dos evangelizadores ocupam um lugar não somente maior, como também crescente; tem-se a
impressão de que a voz dos sacerdotes mexicanos, afirmando a ligação com o passado, é
progressivamente abafada pelos abundantes discursos dos franciscanos.

A religião qualquer que seja o seu conteúdo, é um discurso transmitido pela tradição,
e que importa enquanto garantia de uma identidade cultural.

Os espanhóis tentam racionalizar a escolha da religião cristã.

A submissão do presente ao passado continua a ser uma característica significativa da


sociedade indígena da época. A verdade está vinculada a estabilidade. O tempo se repete, o
conhecimento do passado leva ao conhecimento do futuro; ou melhor, são a mesma coisa. A
profecia tem raízes no passado já que o tempo se repete, ela é memória.

Há profecias que são fabricadas a posteriori, sente-se a necessidade de forjar essa


história, não pode haver nenhum acontecimento inteiramente inédito, a repetição tem
prioridade sobre a diferença. Se o evento não tivesse sido previsto, sua existência
simplesmente não poderia ser admitida. Os índios saem-se muito mal na improvisação.
Montezuma é prejudicado perante a sua população, pois conotam fraqueza, e fazem com que
outros chefes decidam mudar de campo. Uma certa incapacidade dos astecas de dissimular a
verdade. Os índios não se dão conta de que as palavras podem ser uma arma tão poderosa
quanto as flechas.
Os espanhóis consideram a facilidade da conquista como uma prova da superioridade
da religião cristã. Cortez não só pratica constantemente a arte da adaptação e da
improvisação, como também tem consciência disso, e o reivindica como princípio do seu
comportamento. A preocupação com a coerência cede lugar a preocupação com uma
adequação pontual de cada gesto particular.

Não podemos conceber uma linguagem sem a possibilidade da mentira, assim como
não há palavras que ignore as metáforas. Mas uma sociedade pode favorecer ou, desencorajar
completamente toda a palavra que, em vez de descrever fielmente as coisas, preocupa-se
principalmente com seu efeito, e desconsidera, pois a dimensão da verdade.

Os astecas não concebem e não compreendem a guerra total de assimilação, que os


espanhóis estão fazendo contra eles, para eles, a guerra deve acabar num tratado
estabelecendo o montante de tributos que o perdedor deverá pagar ao vencedor. Antes de
ganhar a partida os espanhóis já tinham obtido uma vitória decisiva, a que consiste em impor
seu próprio tipo de guerra.

Os espanhóis ganham a guerra. São incontestavelmente superiores aos índios na


comunicação inter humana. Mas a vitória é problemática, pois não há apenas uma forma de
comunicação, apenas uma dimensão da atividade simbólica. Toda ação tem algo de rio e
algo de improvisação, toda comunicação é necessariamente, paradigma sintagma, código e
contexto; O homem tem tanta necessidade de se comunicar com o mundo quanto com os
homens.

Cortez e os signos

A diferença entre Cortez e os que o precederam talvez esteja no fato de ter sido ele o
primeiro a possuir uma consciência política, e até mesmo histórica, de seus atos. O que Cortez
quer, inicialmente, não é tomar, mas compreender; são os signos que interessam a ele em
primeiro lugar, não os referentes. Sua expedição começa com uma busca de informação e não
de ouro. A primeira ação importante que executa é procurar um interprete: Aguilar e la
Malinche (esta pode representa o primeiro exemplo da mestiçagem das culturas, glorifica a
mistura em detrimento da pureza, não se submete simplesmente ao outro, adota aideologia
do outro e a utiliza para compreender melhor a sua). Cortez não deixa escapar nenhuma
oportunidade de reunir novas informações. É graças a esse sistema de informações, que ele
conseguiu perceber a existência de divergências internas. É a conquista eficaz da comunicação
que conduz a queda final do império asteca, a conquista da informação leva a conquista do
reino.

Representações religiosas das astecas: preferem uma comunicação com o mundo,


querem integrar o deus cristão em sua religião, pois o deus da religião asteca é
simultaneamente uno e múltiplo, o que faz com que se de bem com a adição de novas
divindades.

Catolicismo: é fundamentalmente universalista e igualitária, essa religião pretende ser


universal em função disso é intolerante. O igualitarismo é solidário com seu universalismo: já
que Deus convém a todos, todos convêm a Deus; quanto a isso, não há diferenças entre os
povos nem entre os indivíduos. O cristianismo não luta contra as desigualdades, mas declara-
as não pertinentes, diante da unidade de todos no Cristo. O Deus dos espanhóis é um ajudante
e não um Senhor, um ser mais usado do que usufruído. Os espanhóis só ouvem os conselhos
divinos quando estes coincidem com as sugestões de seus informantes ou com seus próprios
interesses.

A civilização europeia de então não é egocêntrica, mas alocêntrica: há muito tempo,


seu legado por excelência, seu centro simbólico, Jerusalém, não somente é exterior ao
território europeu como também é dominado por uma civilização rival (a muçulmana).

Percebe-se o papel que começa a ter o vocabulário de faz-de-conta, aparência,


reputação, quando as mensagens que envia, também obedecem a uma estratégia
perfeitamente coerente, Cortez quer que a informação recebida seja exatamente aquela que
ele envia. Ele recorrerá a muitos outros estratagemas para dissimular suas verdadeiras fontes
de informação, para fazer crer que suas informações não provêm do intercâmbio com os
homens e sim do intercâmbio com o sobrenatural. O comportamento de Cortez é
frequentemente tão contraditório quanto o de Montezuma, na aparência; mas essa
contradição é calculada, e tem por objetivo (e por efeito) confundir sua mensagem, deixar seus
interlocutores perplexos.

A primeira preocupação de Cortez quando está fraco é fazer com que os outros
pensem que é forte, e simula fraqueza quando está forte.

Cortez é um homem bem sensível as aparências.

De modo geral, o discurso não é determinado pelo objeto que descreve, nem pela
conformidade a uma tradição, mas é construído unicamente em função do objetivo que se
procura atingir.

Definitivamente graças ao domínio dos signos dos homens que Cortez garante seu
controle sobre o antigo império asteca.

Para os índios a língua fica situada no espaço delimitado pelo intercambio dos homens
com os deuses o mundo em vez de ser concebida como instrumento de ação sobre outrem.

III. Amar

Compreender, tomar e destruir

Encadeamento: compreender leva a tomar, e tomar a destruir. Cortez sempre tenta


aproximar os índios dos espanhóis (assimilacionismo).

Cortez fica em êxtase diante das produções astecas, mas não reconhece seus autores
como individualidades humanas equiparáveis a ele. O outro era reduzido ao estatuto de
objeto.

Os autores espanhóis podem falam dos índios, mas nunca falam aos índios, pois é
falando ao outro que reconheço nele uma qualidade de sujeito, comparável ao que eu mesmo
sou.

Extermínio: por assassinato direto (guerras), maus tratos, choque microbiano (índios já
estavam vulneráveis a elas).

Motolinia pragas:

1- Falta de cuidados
2- Doenças
3- Fome
4- Maltrato
5- Impostos
6- Minas de ouro
7- Construção da Cidade do México
8- Escravização
9- Serviço nas minas
10- Divisões e facções entre os espanhóis

Embora condene a exploração, a crueldade, e os maus tratos, considera isso uma


expressão da vontade divina e uma punição dos infiéis.

Os espanhóis tratavam os índios como desprovidos de razão, como animais.

O desejo de enriquecer implica negligenciar o bem-estar e a vida dos outros. Com o


ouro os homens adquirem todas as coisas materiais temporais que precisam e desejam,
valores aristocráticos. Homogeneização dos valores pelo dinheiro é um fato novo, e anuncia a
mentalidade moderna, igualitarista e economicista.

Sociedade de sacrifício: assassinato religioso, faz-se em nome da ideologia oficial, e


será perpetuado em praça pública, a identidade do sacrificado é determinada por regars
estritas.

Sociedade de massacre: desuso dos princípios morais que asseguram a coesão do


grupo, executado, de preferência, longe, onde a lei dificilmente se faz respeitar, a identidade
do massacrado não é pertinente, o massacre nunca será reivindicado, sua função social não
é reconhecida.

Igualdade ou desigualdade

Não somente poder espiritual e poder temporal se encontram confundidos, o que é a


tendência de toda e qualquer ideologia de Estado, como, além do mais, os índios só podem
escolher entre suas posições de inferioridade: ou se submetem de livre e espontânea vontade,
ou serão submetidos a força, e escravizados. Os índios são automaticamente colocados como
inferiores, pois são os espanhóis que decidem as regras do jogo.

Francisco de Vitória: concebe a possibilidade de guerras justas: se baseiam em


reciprocidade, proteção dos inocentes contra a tirania dos chefes e das leis indígenas, para
exercer um direito de tutela, já que não são capazes de se autogovernarem. Concebe o direito
natural de sociedade e comunicação, mas no que se refere a circulação de ideias só pensa na
liberdade dos espanhóis pregar o evangelho. Apresenta os índios como imperfeitamente
humanos.

Sepúlveda: tradição ideológica, Aristóteles. Acha que a hierarquia, não a igualdade é o


estado natural da sociedade humana, não há pois diferenças de natureza, mas apenas graus
diversos numa única escala de valores, ainda que a relação possa repetir-se infinitamente.
Todas as hierarquias baseiam-se num único princípio: o domínio da perfeição sobre a
imperfeição, da força sobre a fraqueza, da eminente virtude sobre o vício. Junta todas as
hierarquias e todas as diferenças na simples oposição do bom e do mau. Guerra legítimas: 1-
condição natural de obediência, 2- seres carnívoros, 3- salvar os sacrificados, 4- guerra contra
infiéis. Direito de impor o bem aos outros. A salvação de um justifica a morte de milhares
(valor pessoal difere de valor social). Chega a procurar as diferenças e recupera algumas
descrições idealizadas dos índios. Não reconhece o índio como plenamente humano.
Vocabulário carregado de julgamentos de valor.

Não que o cristianismo ignore as oposições os as desigualdades, todos podem se


tornar cristãos sem exceção: as diferenças de fato não correspondem a diferenças de natureza.
A hierarquia é irredutível nesse segmento da tradição greco-romana, assim como a igualdade é
um princípio inabalável da tradição cristã.

Las Casas: defende os direitos dos índios. Coloca a igualdade como fundamento de
qualquer política humana, fazendo-a em nome da religião. Do ponto de vista doutrinário, a
religião cristã pode ser adotada por todos, e todas as nações estão destinadas a religião cristã,
convencido da universalidade do cristianismo. Os índios são dotados de virtudes cristãs, são
obedientes e pacíficos. Nenhum costume, ou pratica dos índios mostram que eles são seres
inferiores. Mas atribui o termo valorizados aos fiéis e não-valorizados aos infiéis.
Historicamente mantém uma visão egocêntrica, com um esquema evolucionista.

Escravismo, colonialismo e comunicação

Para Las Casas só há uma religião verdadeira a sua, e essa verdade é universal.
Benefício da conversão para os índios: ir para o paraíso. Aceita a escravização dos negros, mas
não dos índios. O sonho de Las Casas é um estado teocrático, onde o poder espiritual esteja
acima do temporal. A submissão e a colonização devem ser mantidas, mas feitas de outro
modo. Vantagem material da colonização. Pede uma atitude mais humana em relação aos
índios, os índios devem ser pacificados e doutrinados, mas não devem ser de modo algum
prejudicados, pois buscamos unicamente seu bem-estar e sua conversão. Conversão proposta,
não imposta. O objetivo global continua a ser a submissão à Coroa Espanhola. Antes de
dominar é preciso estar informado. O escravidão reduz o sujeito a nível de objeto, se em vez
de ser considerado um objeto ele fosse considerado um sujeito capaz de produzir seria mais
rentável, preocupações: manter os sujeitos como intermediários e quanto mais bem tratado
mais produtivo.

Concordam Las Casas e Cortez: submissão da América a Espanha, assimilação dos


índios a religião cristã, preferencial pelo colonialismo em detrimento do escravismo.

Paradoxo da pena de morte: a instância penal executa o próprio ato que condena,
mata para melhor proibir de matar.

Há traços de uma civilização que podem ser considerados superiores ou inferiores;


mas isso não justifica sua imposição a outrem. Impor a sua vontade a outrem implica não
considera-lo parte da mesma humanidade de que se faz parte, o que é precisamente um
traço de civilização inferior.

A boa informação é o melhor meio de estabelecer o poder. O direito a informação é


inalienável, e não há legitimidade do poder se este direito não for respeitado. A comunicação
não violenta existe e pode ser defendida como um valor.

IV. Conhecer

Tipologia das relações com outrem

Plano axiológico: JULGAMENTO DE VALOR: o outro é bom ou mau, gosto dele ou


não gosto dele, ou, como se dizia na época, me é igual ou me é inferior
Plano praxiológico: AÇÃO DE APROXIMAÇÃO OU DE DISTANCIAMENTO em relação a
outrem: a dos valores do outro, identifico-me a ele, ou então assimilo o outro, impondo-lhe
minha própria imagem, entre a submissão do outro há ainda um terceiro termo, que é a
neutralidade ou indiferença.

Plano epistêmico: CONHEÇO OU IGNORO A IDENTIDADE DO OUTRO: gradação


infinita entre os estados de conhecimento inferiores e superiores.

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