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Derretimento do mega-projecto
Autor(es): Amparo Tarazona Vento
Fonte: Urban Studies , JANEIRO 2017, Vol. 54, No. 1 (JANEIRO 2017), pp. 68-84 Publicado
por: Sage Publications, Ltd.
REFERÊNCIAS
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artigo:
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Estudos Urbanos
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Artigo
Estudos Urbanos
2017, Vol. 54(1) 68-84
A pós-política, a regeneração
sagepub.co.uk/journalsPermissions.nav
DOI: 10.1177/0042098015625025
de Valência
Abstrato
Baseando-se na literatura da pós-política e pós-democracia, a literatura do neoliberalismo como
modo de governação e o estudo da ênfase de longa data da cidade de Valência no
desenvolvimento de mega-projectos de prestígio da arquitectura icónica como meio para
alcançar a regeneração económica e a revitalização urbana, este documento avalia os efeitos
sociais e económicos dos mega-projectos urbanos e analisa-os como condutas da globalização
neoliberal e da despolitização da esfera pública.
Por um lado, uma política urbana baseada na utilização de mega-projectos representa uma
viragem do farisaísmo para o empreendedorismo que, para além da evidente transformação
urbana e reimagem, resulta num aumento da desigualdade social, na criação de empregos
precários, e num subinvestimento em serviços sociais.
Por outro lado, os mecanismos utilizados para implementar mega-projectos - incluindo tanto
medidas de tionalidade excepcional como a privatização da gestão através da criação de
organismos de entrega semi-públicos - resultam numa falta de transparência e controlo
democrático, que por sua vez conduzem a formas mais autoritárias e privatizadas de tomada de
decisão. Além disso, os mega-projectos - através do seu enfoque na perícia e tecnocracia e
numa política e discurso populista construídos à sua volta - desempenham um papel crucial na
erosão da democracia e no estabelecimento de uma política consensual onde a luta ideológica
não existe.
Palavras-chave
ambiente construído, governação, arquitectura icónica, governação neoliberal, pós-política, urbana
mega-projecto, regeneração urbana
Introdução
Em Janeiro de 2008, alguns meses antes Autor correspondente:
Amparo Tarazona Vento, Escola Superior de Política e Social
das eleições gerais, o presidente
Sciences (Urban Studies), Universidade de Glasgow, 25 Bute
espanhol, Rajoy, afirmou que o governo Gardens, Glasgow G12 8RT, Reino Unido.
regional valenciano era um exemplo de Email: Amparo.TarazonaVento@glasgow.ac.uk
bom
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Tarazona Vento 69
de planeamento, arquitectos, grupos de busi-
ness, organizações de promotores, agentes
gestão económica (Conejos, 2008). Nas
imobiliários, organismos profissionais, partidos
suas próprias palavras, "este é o modelo
políticos,
que quero aplicar para o Governo de
Espanha" (Informacion.es, 2012). Cinco
anos mais tarde, em Julho de 2013,
Valência foi a primeira comunidade
autónoma a solicitar um salvamento
governamental central para poder cumprir
as suas obrigações de pagamento
(Terrasa, 2012). O que aconteceu entre
estes dois momentos? Como irei discutir,
a ênfase de Valência na utilização de
mega-projectos e eventos internacionais a
fim de alcançar a revitalização urbana e a
regeneração económica está no centro da
crise fiscal do governo regional. Além
disso, através do estudo de caso de
Valência, argumentarei que os mega-
projectos urbanos são condutas da
globalização neoliberal e de uma
despolitização da esfera pública.
Tanto a discussão teórica na primeira
A secção do documento e o disco empírico
na secção seguinte serão estruturados em
torno de três pontos principais. Primeiro,
serão avaliados os efeitos sociais e
económicos dos mega-projectos urbanos.
Em segundo lugar, a análise dos resultados
dos mega-projectos em termos de
governação será utilizada para analisar os
resultados dos mega-projectos em termos
de governação. Em terceiro lugar, a
literatura sobre pós-política e pós-
democracia será utilizada para explorar
como a utilização de mega-projectos tem
contribuído para a despolitização da
sociedade.
A análise apresentada neste artigo faz
parte de um estudo mais amplo da política
urbana em Valência. O material empírico
em que se baseia inclui 62 entrevistas
com actores-chave (realizadas face a face
entre Maio e Dezembro de 2009), mais de
1200 artigos de jornais e dados
secundários retirados de material
publicado.
Os entrevistados - seleccionados com base
no seu conhecimento específico em
primeira mão da política urbana - incluem
políticos, agências públicas, funcionários
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mega-projectos urbanos de prestígio.
jornalistas, representantes da Espera-se que estas políticas
comunidade e outros grupos de empresariais gerem actividade económica
interesse. e emprego; contudo, os estudos empíricos
Vale a pena notar que embora o
período de condução das entrevistas
coin- cidisse com as fases iniciais de
vários processos judiciais relacionados
com acusações de corrupção ligada a
mega-projectos, isto não teve um
impacto enorme no acesso à
investigação, talvez porque a
contestação pública e a sensibilidade do
tema não tinham atingido níveis muito
elevados naquele momento.
sugeriram que, apesar de renegociarem a envolvido, e este é levado pelo sector público,
paisagem urbana e darem uma impressão uma vez que os mega-projectos são quase
de regeneração económica, não sempre liderados e financiados pelo Estado
conseguiram corrigir a situação laboral, (Swyngedouw et al..,
social e fiscal das cidades (Leitner e
Sheppard, 1998). Assim, tem sido
argumentado que a utilização de mega-
projectos de prestígio não é uma solução
para a regeneração económica por muitas
razões. Em primeiro lugar, não produz um
aumento da actividade económica (Imrie e
Thomas, 1999). Em segundo lugar, o seu
alegado papel no incentivo ao
desenvolvimento ou investimento do
sector privado não se tem revelado
verdadeiro (Cochrane, 1999). Terceiro, a
actividade de construção não implica
necessariamente mais emprego local e o
emprego que é gerado é inseguro e de
baixos salários, trabalho não qualificado
(Turok, 1992). Além disso, o prometido
trickle-down gerado pelos mega-projectos
- em substituição do investimento no bem-
estar - revelou-se ausente ou muito
limitado (Cochrane, 1999; Imrie e Thomas,
1999).
Mesmo quando se trata de estratégias
empresariais
baseados em mega-projectos conseguem
atrair investimento, têm demonstrado
exacerbar as desigualdades distributivas
de riqueza e rendimento (Hubbard e Hall,
1998). Por um lado, a concentração na
imagem desvia a atenção dos problemas
económicos e sociais. Por outro lado, uma
vez que a via- bilidade dos mega-projectos
urbanos depende do retorno da
revalorização da terra, estes tendem a
deslocar a população devido a processos
de gentri-ficação (Evans, 2005). Assim, os
mercados prop- erty contribuem para a
criação de paisagens urbanas
fragmentadas e acentuam processos de
polarização e exclusão sócio-espaciais
(Swyngedouw et al., 2002).
Além disso, os benefícios da revalorisa-
do terreno e do ambiente construído são
quase exclusivamente colhidos pela elite.
Dada a natureza especulativa do
investimento, há um risco financeiro
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2002). Assim, o envolvimento do ser con- secundado por um exemplo de
Estado no desenvolvimento de uma um movimento mais amplo no sentido de
arquitectura icónica dispendiosa e na um estilo de tomada de decisões mais
realização de eventos internacionais flexível, menos hierárquico e baseado nas
resultou numa transferência líquida de partes interessadas ( R o drı́
g uezguez
' et
riqueza do sector público para o al., 2005). Embora esta abordagem seja
privado através do ambiente construído frequentemente retratada como mais
(Harvey, 1989).
realizado na zona. Os trabalhos incluíram empresa pública. Assim, entre 1996 e 2009,
um novo canal no porto interior dando não houve
acesso ao mar aberto, espaços abertos
recreativos, as bases das equipas, uma
marina, e um icónico edifício repreensivo
pelo arco global britânico Chipperfield.
21843
tem um serviço de saúde de vanguarda,
2605
2201
2223
8041
9884
2008
2740
3345
1107
1252
1453
melhores hospitais que qualquer outro,
884 serviços incríveis para os idosos? A
resposta é claramente não. (Entrevista com
o Presidente da Federação das
21591
2503
2154
2196
7636
9227
2565
3069
2007
1033
1189
1344
Associações de Moradores de Valência, 2
838
de Novembro de 2009)
21439
2476
2149
2174
7163
8602
2407
2883
2006
1118
1267
6937
8079
2325
2711
2005
1128
1193
265
785
901
6632
7650
2207
2567
2004
1058
1085
226
768
871
287
213
725
813
963
976
235
751
769
883
918
P a ı́s
s', 2001). Na realidade, todos os
aumentos orçamentais dos ministérios
regionais desse ano foram absorvidos
2196
2218
6141
6337
1943
2161
2001
798
666
132
864
821
Valenciana Espanha
Comunidade
Diferencial
Diferencial
Diferencial
Diferencial
Conclusões
Os resultados mais evidentes da política
urbana de Valência, para além da
transferência física, foram a desigualdade
social, o subinvestimento nos serviços
sociais e a crise fiscal, em suma, uma
transferência líquida de riqueza do sector
público para o privado através do
ambiente construído.
Mas, para além dos desastrosos
resultados sociais e eco-nómicos, os
mecanismos utilizados para implementar
mega-projectos levaram ao instituto de
formas de tomada de decisão mais
autoritárias e privatizadas, o que resultou
em falta de transparência, falta de controlo
democrático e, em última análise,
corrupção. De facto, os mega-projectos
são condutas da neoliberalisa- tion e,
portanto, a literatura do neoliber- alismo
como modo de governação é útil para
explorar as implicações das políticas de
regeneração urbana empresarial para a
tomada de decisões democráticas.
Além disso, os mega-projectos
desempenharam um papel crucial no
estabelecimento de uma pós-democracia
consensual, ao passar do foco da luta
ideológica para a tecnocracia e ao serem
o centro de um discurso populista que
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Testemunhando quão posta em evidência pela imprensa e pelo
inevitavelmente ligadas estão a movimento Indignados como a causa visível
neoliberalização e a despolitização, o dos problemas económicos da região e da
caso de Valência mostra não só quão deterioração da democracia, começaram
fundamental é uma democracia a tornar-se mais altas e mais numerosas,
consensual para apoiar o projecto e, finalmente, tiveram consequências
neoliberal tanto ideologicamente como eleitorais.
psicologicamente, mas também o papel
central que os mega-projectos icónicos
desempenham neste contexto. Assim,
ligar a literatura de pós-política à de
arquitectura e globalização abre novos
caminhos para explorar mais o
neoliberalismo a partir de uma
perspectiva ideológica. Empiricamente,
enfatiza a importância das questões de
sedução, encarnação e representação
sym- bolic 2 neste caso, em relação à
arquitectura icónica e ao des-curso
populista construído em torno dos
mega-projectos 2 para o repúdio da
política e, portanto, para a construção
da pós-política.
O consenso gerado pela mega-
Os projectos descansaram em grande
medida sobre o poder de sedução e
simbolismo da técnica icónica do arco.
Os mega-projectos tornaram-se a
representação de sentimentos de
orgulho e identidade locais, desviando
desta forma a atenção do antagonismo
social e contribuindo para bloquear
mentalmente a possibilidade de
alternativas ao empreendedorismo.
A implicação que isto tem para as
agendas políticas é que se a
representação simbólica é importante
para a construção do pós-político e
para apoiar o neoliberalismo, também
pode ser um instrumento útil para as
contestar, como o caso de Valência
também sugere.
A crise económica de 2008
estimulou, em Espanha, o
aparecimento de novos movimentos
sociais, que alimentaram um processo
de re-politização incipiente. Em
Valência, à medida que as medidas de
austeridade se intensificavam e a
falência do governo regional era mais
evidente, as vozes que criticavam a
política urbana, que em 2011 tinha sido
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Tarazona Vento 81
outras questões conceptuais de simbolismo e
encarnação pode contrib- ute, teoricamente,
Em 2015,4 's, em coligação com o
para compreender melhor o
partido socialista e Vale`ncia en Comu',5 pôs
fim a 24 anos de governo pelo presidente da
câm a ra conservadora Barbera', enquanto
um presidente socialista foi eleito para
governar a região em coligação com 's. A
"regeneração da democracia" (embora
certamente dentro da ordem social
estabelecida) foi vista como o mandato
dos novos governos locais e regionais.
Tanto a Vale`ncia en Comu' como a
Comu´'s estiveram envolvidas na mudança
das per- cepções de pessoas dos mega-
projectos, e fizeram uso - e beneficiaram
da utilização de - representação simbólica
para contestar o senso comum
estabelecido em relação à política urbana
empreendedora de Valência.
Por um lado, em contraste com a lista
eli e a tomada de decisões autoritárias
das quais os mega-projectos eram
simultaneamente condutas e símbolo, o
movimento Indignados - trans- lavava
eleitoralmente em "Vale`ncia en Comu" -
videnciou o simbolismo de ser-em-comum
e de tomada de decisões participativas.
As deliberações nas praças ocupadas -
além de uma oportunidade para muitos de
ouvir um relato de mega-projectos
diferente do oficial e de imaginar um
Valência diferente - tornaram-se a
representação simbólica de uma nova
forma de fazer política.
Por outro lado, os mesmos mega-projectos
que simbolizava "a redução do político ao
económico" (Wilson e Swyngedouw, 2015:
8) e o fim da utopia teve muito a ver com o
processo de re-politização incipiente de
Valência desde que se tornaram a
representação do declínio da democracia.
Em particular, Compromı´s foi o partido mais
visivelmente responsável por mudar o
significado simbólico dos mega-projectos,
passando da incorporação do sucesso e do
orgulho local para a incorporação do
excesso de despesas, da desigualdade e
da corrupção.
Enquanto a pós-politização - e portanto
a repolitização - são necessariamente
processos incompletos, a exploração de
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d'ocu- pacio'
.In: Universitat de Vale` ncia (ed.)
La
ligações entre pós-politização e o
neoliberalismo e, empiricamente,
compreender a aposta - ter como e em
que medida a representação simbólica
pode contribuir para constituir mas
também para desafiar e perturbar a
ordem pós-política e o senso comum
neoliberal.
Agradecimentos
Gostaria de agradecer aos dois árbitros anónimos
pelos seus comentários e aos entrevistados por
darem generosamente o seu tempo. Aplicam-se
as renúncias habituais.
Financiamento
Esta investigação não recebeu qualquer
subvenção específica de qualquer agência de
financiamento nos sectores público,
comercial, ou sem fins lucrativos.
Notas
1. O PSOE, um partido socialista por nome
mas que se define a si próprio como
social-democrata e representa a política
da Terceira Via em Espanha, esteve em
funções no governo local entre 1979 e
1991 e no governo regional entre 1983 e
1995. O PP, o partido conservador, esteve
no poder localmente entre 1991 e 2015 e
regionalmente
entre 1995 e 2015.
2. Este jornal diário tem a maior circulação
em Espanha e é sociologicamente e
ideologicamente próximo do PSOE.
3. Este jornal diário tem a segunda maior
circulação em Espanha e é sociológica e
ideologicamente próximo do PP.
4. Partido verde de esquerda e coligação
partidária nacionalista que tinha feito
campanha muito visivelmente contra a
política urbana de Valência.
5. Um novo partido considerado como o
herdeiro do movimento Indignados.
Referências
Azagra J e Romero J (2012) Desde la margen
izquierda. Valência: Universitat de Vale`
ncia.
Banyuls J e Sa'
n c h e z A (2007) La dina` mica del
mercat laboral valencia` i les p a có
i tiques
'
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82 Estudos Urbanos 54(1)