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ESTRATÉGIAS
COMUNICATIVAS NA
CONSTRUÇÃO DA
SUSTENTABILIDADE:
A AGENDA 21
LOCAL DE VITÓRIA
COMMUNICATION STRATEGIES IN
CONSTRUCTING SELF SUSTAINABILITY:
THE LOCAL AGENDA 21 IN VITÓRIA
Resumo A construção da sustentabilidade pressupõe o fortalecimento da cidadania ple-
na e ativa e exige a ampla participação dos vários setores sociais. Todos são convocados
a contribuir na identificação, proposição e realização de ações que associem o desenvol-
vimento com o meio ambiente, especialmente em nível local. A análise das estratégias
comunicativas utilizadas na mobilização social para a elaboração da Agenda 21 local de
Vitória (ES/Brasil) ajuda-nos a identificar formas de respostas a esse desafio e as dificul-
dades e avanços encontrados. A partir dos eixos teóricos da mobilização social e da co-
municação, e com ajuda da metodologia qualitativa, o trabalho aborda questões-chave
DESIRÉE CIPRIANO RABELO
para os profissionais que participam como gestores nas práticas sociais consonantes ao
Jornalista, doutoranda em
desenvolvimento sustentável. A reconstrução e a análise da mobilização, que reuniu po- comunicação social na UMESP e
líticos, cientistas, lideranças e cidadãos anônimos, apontam para o uso de instrumentos professora do curso de
de comunicação nos níveis micro, macro e de massa, com conteúdos e sentidos pró- comunicação social da UFMS
prios, atingindo os distintos reeditores e criando um imaginário comum. desiree.vix@zaz.com.br
Palavras-chave AGENDA 21 – COMUNICAÇÃO – SUSTENTABILIDADE – MOBILIZAÇÃO.
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INTRODUÇÃO
A
noção de sustentabilidade1 vem se firmando nas últimas dé-
cadas como o novo paradigma de desenvolvimento. No es-
forço para evitar o colapso ambiental estabelecem-se as ba-
ses para o modelo que aponte para valores e ações que con-
tribuam para a formação de sociedades socialmente justas e
ecologicamente equilibradas, o que requer responsabilida-
des individual e coletiva.2 O mais importante compromisso
nessa direção, a Agenda 21,3 foi firmado durante a Confe-
rência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, reali-
zada no Rio de Janeiro em 1992, por 179 países, que se comprometeram a
implantá-la nos níveis nacional, regional e local.
Embora seja um desafio planetário, cresce a cada dia o interesse pelas
ações na esfera local, onde se origina grande parte dos problemas e das
soluções ambientais. O espaço em que operam as infra-estruturas é, também,
o mais adequado para os processos de educação, mobilização e resposta do
público. Pelo menos dois terços das proposições da Agenda 21 não podem
ser implantadas sem a participação dos governos locais, por isso ela estimula
e orienta a sua implementação, especialmente no capítulo 28. Desde 1997,
para distinguir a chamada Agenda Local de outros planejamentos ou projetos
ambientais, considera-se que ela seja “um processo participativo, multi-seto-
rial, para alcançar os objetivos da Agenda 21 no nível local, através da prepa-
ração e implementação de um plano de ação estratégico, de longo prazo, di-
rigido às questões prioritárias para o desenvolvimento sustentável local”.4
Por sua grande aceitação, a Agenda 21 tornou-se uma referência na
busca de soluções para um dos mais complexos desafios contemporâneos: as
cidades. Não existem soluções a curto prazo para deter ou reverter a
deterioração de qualidade de vida dos que vivem nos conglomerados urba-
nos. Se por um lado alguns ainda não conseguiram atender às necessidades
básicas da população, outras enfrentam demandas mais elaboradas. Porém,
em ambos os casos, há exemplos de avanços e se fala mesmo em “renasci-
mento das cidades”. As metáforas contemporâneas das gestões bem-sucedi-
das atendem pelos títulos de cidade cultura, cidade estratégica e cidade susten-
tável (principalmente sob a inspiração da Agenda 21). As três alternativas
guardam traços comuns, como a modernização administrativa, investimento
1 Divulgado oficialmente em 1987, a tese do desenvolvimento sustentável sustenta que é possível desenvolver
sem destruir o meio ambiente. Embora se possa falar de consenso mundial sobre a urgência da questão, ainda
há problemas para implementar ações concretas que o viabilizariam. Hoje em dia admite-se que a sustentabili-
dade seja um conceito ainda em construção. Deve ser tratada numa perspectiva ampliada e, mais que uma
meta, trata-se de um processo. (Ministério do Meio Ambiente, 2001).
2 Tratado, 1992.
3 Programa de ação rumo ao desenvolvimento sustentável a ser implantado a partir de 1992, prolongando-se
pelo século XXI, por governos nacionais, regionais e locais e agências de desenvolvimento. Trata de tudo que,
diretamente ou não, afeta a saúde do planeta: poluição, superpopulação, pobreza, educação, comércio, indús-
tria. São mais de 2,5 mil recomendações práticas divididas em 40 capítulos, 115 programas e quatro seções.
4 NOVAES, 1998, p. 3.
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Agenda 21 local de Vitória está entre as escolhidas (PROJETOS BRASI- 9 MAFESOLI, 1995.
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boração da Agenda 21 de Vitória, sobretudo dos foi contratar um instituto independente para reali-
seus momentos/instrumentos de comunicação. No zar pesquisas e aferir as tendências da população,
início de 1996, a prefeitura municipal de Vitória dos funcionários da prefeitura e, sobretudo, dos
(PMV) convocou um conselho formado por 365 re- próprios conselheiros. A primeira pesquisa, realiza-
presentantes de vários segmentos locais11 para dis- da em janeiro de 1996, ouviu 1,8 mil moradores e
cutir e aprovar um plano estratégico de desenvolvi- ajudou a determinar as questões críticas que deveri-
mento para a cidade até o ano 2010. O processo, am ser trabalhadas durante o processo.14
porém, teve início no ano anterior, com a formação Foram contratados 21 especialistas locais en-
do grupo dos coordenadores. Definido o projeto, carregados de preparar três produtos referentes aos
buscou-se o patrocínio de empresas, que garantiram temas-chave apontados pela consulta: 1. diag-
os recursos necessários para a contratação dos espe- nóstico; 2. cenários (inercial e desejável); 3. projetos
cialistas, produção dos materiais e divulgação. O e diretrizes para os setores. Muitos deles organiza-
apoio financeiro da iniciativa privada e o último ano ram equipes e, ao final, 38 experts realizaram esse tra-
da administração municipal ajudaram a estabelecer balho. Durante a fase de contratação, os especialis-
um prazo limite para os trabalhos: 10 de setembro, tas acordaram com os coordenadores a metodolo-
aniversário do município. gia dos trabalhos. Embora fossem responsáveis pela
Nessa época, Vitória já registrava experiências elaboração dos estudos e propostas, os resultados
precursoras de mobilização e administração na linha sempre seriam submetidos à apreciação do Conse-
da Agenda 21, como o Projeto São Pedro, o orça- lho Municipal do Vitória do Futuro. Além disso, em
mento participativo, os conselhos populares setori- todas as etapas do processo, os especialistas deveri-
ais na gestão colegiada da cidade ou o planejamento am levar em conta os resultados das pesquisas feitas
estratégico em diversas áreas.12 Porém, o Vitória do com conselheiros, servidores e população. Segundo
Futuro distinguiu-se por seus objetivos amplos e o anteprojeto, uma terceira fonte de informação de-
pela metodologia que incluiu a análise prospectiva veria ser considerada no plano final: o concurso de
com a denominação dos cenários,13 a produção de redação – sobre o qual trataremos adiante. Um con-
estudos, a capacitação para a participação, consultas sultor externo, com a ajuda da coordenação do pro-
aos moradores e a colaboração da iniciativa privada. jeto, era responsável pelas sínteses das análises e pro-
A criação do Conselho Municipal do Vitória do Fu- postas.
turo impôs um caráter democrático e apartidário à
discussão. A limitação de tempo e de recursos im- PRINCIPAIS EVENTOS DO
pediu que os debates se realizassem nos bairros, Vitória do Futuro
como ocorria no orçamento popular. A alternativa No dia 29 de fevereiro de 1996 aconteceu o
11 Estavam representados os movimentos sociais, culturais, religiosos, dos
seminário oficial de abertura do Vitória do Futuro,
trabalhadores e empresários. No nível político, os três poderes, indepen- com a posse do Conselho e a apresentação do ob-
dentemente de partido, foram convidados a integrarem-se ao Conselho.
12 Essas experiências destacam-se, ainda, por terem se mantido atuante ao
jetivo e metodologia do projeto. Na mesma ocasião
longo de sucessivas administrações municipais, que incluíram partidos foi feito o lançamento do concurso de redação, “A
diferentes. O Projeto São Pedro, por exemplo, nasceu no início da década Vitória que queremos em 2010”, para estudantes das
de 90 e visa à integração do desenvolvimento urbano à conservação do
manguezal. Ele também está entre as 100 experiências inovadoras propos- redes pública e privada. Nos meses de maio, julho e
tas pelo Ministério do Meio Ambiente. Além disso, foi um dos escolhidos agosto realizaram-se três reuniões plenárias, corres-
para representar o Brasil na Conferência da ONU de 1996, a Habitat 2.
13 A análise prospectiva ou elaboração de cenários é um instrumento auxi- pondentes às fases do planejamento estratégico:
liar do planejamento estratégico. Trata-se da descrição de possíveis situa- diagnóstico, cenários e estratégias e projetos. Do
ções futuras baseados em estudos consistentes em que se levem em conta,
por exemplo, as tendências pesadas e os atores envolvidos. O objetivo é
dar claridade às diversas possibilidades para facilitar as opções e a definição 14 O contexto: nacional e internacional, e metropolitano e estadual; o
de caminhos para alcançá-las. Geralmente trabalha-se com dois cenários espaço: uso e ocupação do solo, centro, sistema portuário, transporte e
contrastantes (o desejável e o não desejável). Nomeados de forma suges- trânsito; o povo: perfil demográfico, educação, saúde, ação Social, cultura,
tiva, como ocorreu em Vitória, eles ajudam na comunicação e na mobiliza- esportes, segurança, meio ambiente; vocações econômicas e empregos:
ção em torno do projeto. indústria, comércio, serviços, turismo e telecomunicações.
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ponto de vista da Comunicação, importa mencio- turo – Plano Estratégico da Cidade 1996-2010, com
nar que todos esses encontros guardaram grande si- 113 páginas, divide-se em: “Como está Vitória”
milaridade. Tinham início com esclarecimentos do (diagnóstico); “Como planejar o futuro de Vitória”
objetivo geral do projeto e da fase correspondente (descrição da metodologia empregada); “Para onde
ao encontro específico. Em seguida, eram informa- vai Vitória” (descrição dos dois cenários elabora-
das as tendências apontadas na pesquisa referente ao dos); “Que esforços deve realizar Vitória” (relação
tema do dia (cujos questionários haviam sido distri- das 68 estratégias e 130 projetos aprovados pelo
buídos e recolhidos anteriormente). Só então era Conselho); “Quem planejou Vitória” (relação no-
apresentada a síntese geral feita a partir dos estudos minal dos conselheiros, especialistas, consultores,
e da pesquisa, para ser debatida e votada. Esse relato equipes técnica e administrativo-financeira e cola-
inicial permitia aos participantes confrontar as suas boradores, nessa ordem). No final estão as três re-
próprias opiniões (expressas nas consultas) com as dações vencedoras do concurso “A Vitória que que-
propostas finais. Os conselheiros e convidados re- remos em 2010”.
cebiam também uma versão impressa da síntese, Ao longo do processo foram produzidas
além do questionário referente à próxima fase. 2.230 páginas de estudos e registrou-se um número
As sessões que discutiram os cenários e as crescente de participantes nas reuniões plenárias e
propostas foram antecedidas por reuniões temáti- temáticas. Ao final dos trabalhos, mais de 2,1 mil
cas, quando conselheiros e convidados, divididos pessoas (sem contar as que apenas responderam às
por grupos de acordo com os seus interesses, reali- pesquisas) haviam participado, de formas distintas,
zaram discussões preliminares com os especialistas do exercício de pensar a própria cidade.
responsáveis pela área, depois que esses apresenta-
ram seus relatórios. Esses encontros constituíram- INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO
se no ponto-chave de todo processo. Ali eram ex- A mobilização ocorrida em Vitória chama a
plicitados os diferentes interesses e conflitos, resol- atenção por vários aspectos. O primeiro deles é a
vidos pela construção de consensos e não por vota- crescente adesão e repercussão obtida, o que merece
ção. Para os grupos mais polêmicos, como o de algumas considerações, especialmente se levarmos
transporte e trânsito, foram necessárias reuniões ex- em conta como os brasileiros percebem os proble-
tras. mas ambientais e a sua disposição para enfrentá-los.
Em todos os encontros públicos do Vitória As pesquisas de Crespo16 revelaram, por exemplo,
do Futuro foram instalados telões nos átrios dos au- que, embora a maioria da população seja simpati-
ditórios (ou na praça de alimentação do shopping zante às causas e organizações ecológicas, poucos
center local, onde ocorreram as reuniões plenárias) conseguem citar o nome de alguma instituição
para quem quisesse acompanhar as apresentações e específica – o que ajuda a explicar o baixo número
debates. A entrega do plano final aconteceu em um de filiações. Mesmo entre aqueles que se declararam
teatro tradicional do município, com a presença muito interessados na questão, metade indicou ter
1.175 pessoas.15 Ao programa, similar ao dos en- dúvidas quanto a sua própria capacidade de inter-
contros anteriores, foi acrescentada a leitura das re- venção como agente de preservação. Em 1997, a
dações premiadas. No lado de fora, ruas ornamen- pesquisa confirmou que as pessoas sentiam-se pou-
tadas, queima de fogos, buzinaço no porto e apre- co informadas do tema. Entre os entrevistados,
sentação de bandas e corais deram um caráter festi- 95% desconheciam a Agenda 21 e registrou-se a
vo e popular ao evento que integrou o calendário
16 CRESPO & LEITÃO, 1993; e CRESPO, 1997. As pesquisas, fruto de
oficial das festividades de aniversário da cidade. uma parceria de órgãos como o Museu de Astronomia e Ciências afins/
Didática e ilustrada, a versão impressa Vitória do Fu- CNPq, o Centro de Tecnologia Mineral/CNPq, o Instituto de Estudos da
Religião (Iser) com o Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos
Hídricos e da Amazônia Legal, tinham como objetivo situar a questão
15O número refere-se às assinaturas no livro de presença e não inclui os ambiental no âmbito da cultura e da vivência do brasileiro. Ambas as ver-
populares presentes do lado de fora do teatro. sões tiveram constaram de etapas qualitativa e quantitativa.
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grande salto em busca da liberdade quando que ele atue dentro do seu próprio campo de ação,
é fisgado. Detemos o recorde mundial de poupando esforços e otimizando suas próprias ca-
pesca do marlin, por isso ele é um dos sím- pacidades. Na medida em que uma proposta é assu-
bolos da cidade. Um símbolo que se conso- mida por um conjunto de reeditores, a mobilização
lidou ao nomear o cenário.27
tem início.31 Assim, a elaboração da Agenda 21 local
Interessa-nos observar essa “epifanização das de Vitória pode ser entendida a partir de um grupo
aparências”, na expressão de Mafesoli,28 de um pro- de reeditores, os membros do Conselho, escolhidos
cesso árido e burocrático de planejamento. Os de- entre lideranças locais. Porém, além desses, estudan-
poimentos colhidos confirmam que a metáfora ca- tes, artistas, técnicos, entre outros, também atuaram
ranguejo versus marlin ajudou na mobilização e nos como reeditores e tiveram destaque em seu próprio
debates. As notícias veiculadas pela imprensa escrita campo de ação, como veremos.
também referem-se várias vezes a ela, que aparece Estratégia comunicativa
também no título ou corpo de artigos. Daí a supo- da mobilização
sição de que tais imagens introduziram uma Para Toro, toda a comunicação em uma mo-
referência ou um imaginário comum para os envol-
bilização tem uma intencionalidade clara: “fazer ar-
vidos no projeto, além de cumprir funções didáti-
queologia da consciência, (...) explicar porque te-
cas, clarificar as escolhas possíveis e gerar empatia
mos a consciência que temos”.32 A ênfase, também
com o esforço de busca de soluções para a cidade
aqui, é centrada mais no processo que nos instru-
(“ninguém quer ser caranguejo...”). Assim, mais
mentos. Não são os meios em si que determinam os
que oferecer apenas dados especializados, o trabalho
resultados, mas a concepção, a estratégia comunica-
coletivo de pensar a cidade recorreu aos conteúdos
tiva: “É ela que nos diz qual o meio empregar. Todos
afetivos, equilibrando o mundo das noções ambien-
os meios são igualmente bons e ruins. Na medida
tais com o mundo das vivências.29 O resultado foi a
em que o produtor social entender, com precisão, o
inserção das experiências e vivências do cotidiano
campo de atuação do reeditor encontrará quais as
nas mensagens, a transformação do político em do-
formas de edição da mensagem”.33
méstico e vice-versa, a construção das pequenas
utopias30 – mais acessíveis e, por isso, mais motiva- É possível estabelecer a relação entre tais pro-
doras da ação. postas e o Vitória do Futuro. Nesse caso parece ter
ocorrido, ainda, a conjunção entre um rico histórico
Os reeditores: conselheiros, de movimentos sociais urbanos, figuras públicas
estudantes, artistas... com alto grau de liderança e credibilidade (especial-
Na formulação teórica da mobilização pro- mente o prefeito), seguidas administrações conside-
posta por Toro, o reeditor é uma pessoa com públi- radas bem-sucedidas e o uso de metodologia ade-
co próprio. Pode ser um professor, um artista ou quada (planejamento estratégico). Esse ambiente
um taxista conhecido, que tem o poder de transmi- garantiu um processo democrático de sensibiliza-
tir ou negar conteúdos, criar sentidos e modificar as ção, compromisso, capacitação, debate e, finalmen-
formas de sentir e atuar de seu público. Na mobili- te, deliberação de políticas públicas. Entre os recur-
zação, é o reeditor que traduz o imaginário para sos de comunicação utilizados na elaboração da
ações pertinentes. Contudo, não basta identificar e Agenda 21 de Vitória, enumeramos inclusive os que
convocar o reeditor para que ela tenha êxito: é ne- não foram produzidos diretamente pelo promotor
cessário instrumentalizá-lo, dar-lhe critérios, ele- da mobilização, a prefeitura municipal, já que o re-
mentos para participar. Nesse sentido, é importante editor é capaz de reelaborar mensagens para seu pú-
27 Trecho de entrevista de Lília Mello, concedida a autora em 21/jun./
blico. Nesse sentido, eles incluem as reuniões, o
2000.
28 MAFESOLI, 1995. 31 TORO & WERNECK, 1997, p. 33.
29 MEDINA, 1998. 32 TORO, 1996, p.38.
30 MARTÍN-BARBERO, 1997; e MAFESOLI, 1997. 33 Ibid.
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concurso de redação, os livros ou as pesquisas de cartas de convite eram assinadas pelo próprio pu-
opinião. Dentro desse largo espectro, podemos nho do prefeito municipal.
considerar que a estratégia comunicativa do Vitória Antes do início dos trabalhos, a equipe orga-
do Futuro abrangeu os níveis micro, macro e de nizadora do Vitória do Futuro, junto com o prefeito,
massa, com seus vários instrumentos.34 Retomando visitaram os diretores dos principais veículos de co-
a “epifanização” das aparências observada por Ma- municação locais para convidá-los para fazer parte
fesoli, fazemos uma segunda leitura do conteúdo do Conselho. Essa iniciativa parece ter garantido a
das mensagens, tentando identificar os seus senti- cobertura da mídia, oficializada, assim, como um
dos e como eles se integravam à mobilização.35 dos atores importantes na discussão dos rumos da
Microcomunicação ou cidade. Outros grupos de reeditores, como as gran-
comunicação pessoal des empresas locais e universidades, também foram
Nesse nível acontece comunicação direta, visitados pela comissão e inclusive pelos especialis-
pessoal, entre quem convoca ou organiza a mobili- tas, com o objetivo de apresentar e debater o proje-
zação e os reeditores. Esse contato pode efetivar-se, to.
também, com a ajuda de cartas, telefonemas. O Macrocomunicação
conteúdo das mensagens, aqui, estrutura-se através Aqui acontece a comunicação segmentada,
códigos singulares, diz Toro, dependendo do inter- utilizando-se veículos de curto ou médio alcance ou
locutor e o seu sentido do conteúdo é a indicação da estratégias específicas voltadas para públicos defini-
ação específica. Como atinge diretamente aos ree-
dos por sua função ou situação. Mesmo que se trate
ditores, ela também é adequada para ressaltar a im-
de um público numeroso, os professores do Ensino
portância do papel de cada um na mobilização: em-
Fundamental, por exemplo, ele é constituído por
bora a ação individual seja aparentemente pequena,
pessoas que compartilham uma identidade comum
o sentido da ação é grande. É momento de “epifa-
e características próprias. Por isso, o conteúdo das
nizar” a participação individual, de tornar visível o
mensagens estrutura-se a partir dos códigos desse
invisível, tarefa que será complementada pela comu-
perfil ou ocupação. Nesse nível se esclarece o papel
nicação de massa, especialmente a publicidade.
que cada grupo específico desempenha na mobili-
A nossa análise indicou a importância da co- zação e se oferecem alternativas (e capacitação) para
municação no nível micro durante o Vitória do Fu- a participação. Por isso o sentido do conteúdo é es-
turo. Alguns exemplos: os convites iniciais aos con- tabelecer compromissos.
selheiros foram feitos por telefone e confirmados
A análise do Vitória do Futuro revela como
através de correspondência. Durante os sete meses,
são grandes as possibilidades nesse nível. Um exem-
eles receberam cartas e telegramas informando as
plo disso foram as reuniões plenárias (nas quais é es-
datas e pautas de cada uma das reuniões. Aos falto-
sencial considerar todo o processo de organização,
sos eram enviados relatos das conclusões do encon-
inclusive o de apresentação dos resultados) e, espe-
tro e exortações sobre a importância de suas presen-
cialmente, as temáticas. Outras estratégias de
ças na reunião seguinte. Um detalhe chama atenção
macrocomunicação: as pesquisas de opinião (a con-
na correspondência: além de caracterizadas com a
sulta inicial à população, além das dirigidas aos con-
marca do Vitória do Futuro, àquela altura objeto de
selheiros e servidores da PMV) e o concurso de re-
grande divulgação e prestígio na cidade, muitas das
dação que levou a discussão sobre o futuro da cida-
34 A classificação dos níveis de comunicação massa, macro e micro pode de até as salas de aula. Ele envolveu 1,3 mil estudan-
ser encontrada em vários autores. Especificamente com referência à cria- tes de 56 escolas públicas e privadas, num processo
ção da consciência ecológica é proposta, por exemplo, em LINS E SILVA
(1978, p. 216). Aqui, aparece reformulada com base em nossas próprias
que incluiu os professores e contou com campanha
reflexões. publicitária própria, além de sessões de lançamento
35 Para o autor, “a imagem é antes de tudo um vetor de comunhão, ela
interessa menos pela mensagem que deve transportar do que pela emoção
e entrega de prêmios. Também no nível macro re-
que faz compartilhar” (MAFESOLI, 1995, p. 93). gistra-se a publicação, no mês de abril de 1996, de
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Escritos de Vitória, pela Secretária Municipal de Cul- grande freqüência do assunto na imprensa não pa-
tura e Turismo, com o tema “Vitória do Futuro”. rece ser resultado direto dos releases publicados no
Contendo artigos, crônicas, ilustrações e poemas de Diário de Vitória (veículo oficial da PMV dirigido à
20 autores locais, foi a versão artística do planeja- imprensa). Registramos nessa publicação 24 notíci-
mento. Outro livro, Novo Arrabalde, lançado no as curtas com informações do projeto e dos even-
mês seguinte, recuperou a história do primeiro pla- tos.
no de urbanização da cidade, ocorrido exatamente Outro fator contribuiu para a cobertura siste-
um século antes. O lançamento da obra, junto com mática: a convocação de entrevistas coletivas às
uma exposição de mapas do referido plano, movi- vésperas das reuniões plenárias, quando eram divul-
mentaram técnicos e gestores urbanos que celebra- gados os resultados das pesquisas, gerando interesse
ram o encontro entre os dois projetos. pela seqüência dos acontecimentos. O fato dos es-
Comunicação de massa tudos e propostas basearem-se nas consultas feitas à
Todos os que participam de uma mobilização população mereceu menções elogiosas da mídia,
devem saber a sua tarefa e ter certeza de que a mes- que tratou o projeto com bastante simpatia. Duran-
ma ação está sendo realizada de forma organizada te os meses consultados, há uma única referência
por outras pessoas, pelas mesmas razões e sentidos. negativa ao tema em uma coluna assinada. Além
Daí a importância da coletivização. Nesse processo, disso, os especialistas e organizadores envolvidos no
a comunicação de massa desempenha um papel fun- projeto foram incentivados a enviar colaborações
damental. Os veículos de grande alcance oferecem para os jornais. O próprio prefeito municipal é au-
informações da mobilização (as específicas ou deta- tor de quatro artigos. As únicas mídias pagas nesse
lhadas acontecem nos outros níveis), codificadas a período foram as campanhas de lançamento, cons-
partir de um padrão médio que garante o entendi- tituída de spots televisivos, publicidade externa e
mento de um público amplo e diversificado. Além nos veículos impressos, e do concurso de redação.
de consolidar o imaginário comum, divulgam os re- Os organizadores, conselheiros e especialistas enfa-
sultados dos esforços coletivos, revelando que cada tizaram que a imprensa teve um papel fundamental
ação individual, aparentemente pequena, tem um al- no sucesso da mobilização.
cance muito maior. Nesse nível, o sentido do con- É importante notar como as estratégias de
teúdo das informações é também o de fortalecer a macrocomunicação repercutiram nos meios de
identidade e de gerar sentimentos de pertencimento massa, alimentando o interesse da mídia pelo Vitória
que hoje, como sugere Canclini,36 são organizados do Futuro. Por outro lado, a cobertura jornalística
menos por lealdades locais ou nacionais que pela reforçou os níveis pessoal e macro, na medida que
participação dos consumidores em comunidades deu maior legitimidade e visibilidade ao processo.
transnacionais ou desterritorializadas. Evidentemente, a classificação nos níveis micro/ma-
A ampla cobertura da imprensa, somada aos cro/massa não pode ser considerada rígida. Em al-
materiais entregues ou apresentados sistematica- guns momentos, por exemplo, os limites entre o
mente aos conselheiros, parecem ter cumprido a ta- grupal e o pessoal são bastante tênues. Porém, inte-
refa de coletivização, animação e coesão dos partici- ressa-nos aqui perceber e analisar a variedade de ins-
pantes do Vitória do Futuro. O levantamento nos trumentos utilizados, a interação entre os distintos
dois principais diários da capital, aponta para o se- níveis e a participação do reeditor, elaborando a
guinte quadro: por 125 vezes o projeto foi tema de mensagem de forma adequada ao seu próprio pú-
notas, artigos, entrevistas, publicidade, cartas do lei- blico. Cada um desses itens merece uma análise pró-
tor, menção em colunas fixas e reportagens. Uma pria. É o caso das pesquisas que, em tese, ampliam
média de uma menção cada dois dias, com maior em quantidade e qualidade a participação nos deba-
concentração no período dos eventos públicos. A tes. Da mesma forma, a dinâmica das reuniões ofe-
rece importantes elementos que devem ser discuti-
36 CANCLINI, 1997. dos a partir das considerações sobre os espaços pú-
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blicos na sociedade contemporânea, o que exige, E é no nível local que se revelam os ‘avanços e difi-
também, aprofundar-se no papel desempenhado culdades’ de cada um deles em particular e da soci-
pela imprensa na mobilização em estudo. Por outro edade em geral.
lado, os especialistas, os formuladores de políticas e Sob o ponto de vista das informações neces-
as lideranças da cidade parecem efetivamente ter cri- sárias para a implementação do desenvolvimento
ado novas formas de cooperação e comunicação, sustentável, os esforços de elaboração da Agenda 21
como proposto pela Agenda 21. local constituem-se momentos privilegiados de
CPCT. De certa forma, recria-se ali o exercício de
CONSIDERAÇÕES FINAIS “fazer ciência”, um percurso que implica acolher os
A grande oferta de conhecimento e tecnolo- fatos ou dados de forma aberta; buscar evidências
gias (inclusive da informação) não é suficiente para que os comprovem (ou não); formular e testar hi-
resolver os problemas ambientais contemporâneos. póteses; descartar as que não forem ou não pude-
Mais que tornar disponíveis tais conhecimentos, rem ser comprovadas. Tudo isso, no entanto, feito
urge motivar as pessoas, as lideranças em particular, de forma compartilhada com a comunidade. Porém,
para transformá-los em posturas pessoais e coletivas mais que apresentar de forma clara o conhecimento
e em políticas públicas que levem em conta os vários produzido, os especialistas que participam desses
aspectos do desenvolvimento. Embora exijam ou- processos devem aceitar o desafio de discutir e con-
sadia e persistência, experiências como as de Vitória frontá-lo com outros interesses. Estamos, assim, di-
mostram que mudanças são possíveis, confirmando ante de um novo palco de atuação, além dos muros
que, mais que uma meta, o desenvolvimento sus- das academias e laboratórios, onde os debates se dão
tentável deve ser encarado como um processo. em outros termos e não mais através dos mecanis-
Contudo, não é um caminho fácil: “Buscar novas mos tradicionais do mundo científico.
formas de governar, de reverter o modelo centrali- A reflexão das estratégias comunicativas nas
zador, predatório e excludente são tarefas particu- mobilizações sociais pró-sustentabilidade também
larmente penosas em países como o nosso (...), traz provocações aos comunicadores: é preciso am-
onde o ato de romper com velhas estruturas torna- pliar os limites das redações e estúdios, atingindo as
se mais exaustivo em virtude da dispersão, da diver- ruas e as praças e ousar na sensibilidade para perce-
sidade, da inércia”.37 ber o outro enquanto comunicador. Para isso faz-se
Nesse sentido, o pesquisador pode desempe- necessário conjugar veículos de todos os portes,
nhar um importante papel, ajudando a “avaliar avan- compreendendo que muito mais que conteúdos
ços, dificuldades, garimpar as iniciativas e processos eles veiculam sentidos. E são os sentidos que mo-
espontâneos que revelam uma cultura pró-desen- vem. E é desse movimento pessoal e coletivo que vi-
volvimento sustentável”.38 A democracia participa- rão as alternativas tão urgentes. Trata-se não apenas
tiva, com foco na ação local e na gestão comparti- de provocar gestos de assentimento ou de adesão,
lhada dos recursos, é a via política para a construção mas de despertar ações e reações ativas que se des-
da sustentabilidade.39 Em outros termos, a elabora- dobrem em outras, participativas, solidárias e, so-
ção de políticas públicas sustentáveis implica a reva- bretudo, políticas. O desafio não é o de convencer
lorização (através de formulações teóricas ou de ex- ou informar – mas o de gerar processos de comu-
periências práticas) da sociedade civil e da esfera pú- nicação, de debate e de mudanças. Curiosamente, o
blica e, por conseqüência, das mediações ou proces- comunicador profissional aparece apenas em uma
sos comunicativos que os caracterizam.40 Todos os parte do processo do Vitória do Futuro, a que toca
setores são igualmente afetados por esses desafios.
40 A relação entre comunicação e política tem na abordagem das questões
referentes à esfera pública um de suas mais instigantes vertentes dos estu-
37 Projetos, 2000. dos da modernidade (SIGNATES & WILTON, 1998, p. 232). Ver, por
38 Ibid. exemplo, o número 3 da revista Novos Olhares (ECA/USP), dedicada ao
39 Ministério do Meio Ambiente, 2000. tema.
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diretamente à grande imprensa. Todas as demais es- tras questões permanecem abertas. Em que medida
tratégias foram concebidas e executadas pelos coor- o processo vivido pelos reeditores transformou-se
denadores, que, embora de forma intuitiva, agiram em novos olhares, novos afetos e novas posturas –
numa perspectiva comunicativa e globalizante, ca- não apenas próprios mas também de seus públicos,
paz inclusive de assimilar e estimular elementos não inserindo-se na prática cotidiana dos cidadãos de Vi-
previstos inicialmente, mas que ajudaram a veicular tória? Permanece a dúvida, a inquietação. Mas é im-
informações e sentidos necessários para o debate possível quedar-se indiferente a esse clamor: “Será
em questão. É o caso das reuniões temáticas e dos demais pretender do ato comunicativo presentifica-
lançamentos dos livros. do, veloz, volátil, um ato de comunhão dos desejos
Finalmente, a análise de Vitória do Futuro aju- coletivos? A pergunta paira no instante do artesana-
da-nos a compreender melhor as possibilidades de to: um ser-comunicador, solidário culturalmente,
incrementar e viabilizar novas formas de participa- identificado com o outro, seu interlocutor, pode
ção, inclusive de atores não tradicionais, para que,
isolar-se da dor universal?”.42
baseados no acesso à informação, todos possam to-
mar parte na busca de alternativas ambientalmente 41 Agenda 21, 1992; LEIS, 1997; e Tratado, 1992.
saudáveis para suas comunidades.41 Contudo, ou- 42 MEDINA, 1998, p. 15.
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