Você está na página 1de 14

g g y y

ESTRATÉGIAS
COMUNICATIVAS NA
CONSTRUÇÃO DA
SUSTENTABILIDADE:
A AGENDA 21
LOCAL DE VITÓRIA
COMMUNICATION STRATEGIES IN
CONSTRUCTING SELF SUSTAINABILITY:
THE LOCAL AGENDA 21 IN VITÓRIA
Resumo A construção da sustentabilidade pressupõe o fortalecimento da cidadania ple-
na e ativa e exige a ampla participação dos vários setores sociais. Todos são convocados
a contribuir na identificação, proposição e realização de ações que associem o desenvol-
vimento com o meio ambiente, especialmente em nível local. A análise das estratégias
comunicativas utilizadas na mobilização social para a elaboração da Agenda 21 local de
Vitória (ES/Brasil) ajuda-nos a identificar formas de respostas a esse desafio e as dificul-
dades e avanços encontrados. A partir dos eixos teóricos da mobilização social e da co-
municação, e com ajuda da metodologia qualitativa, o trabalho aborda questões-chave
DESIRÉE CIPRIANO RABELO
para os profissionais que participam como gestores nas práticas sociais consonantes ao
Jornalista, doutoranda em
desenvolvimento sustentável. A reconstrução e a análise da mobilização, que reuniu po- comunicação social na UMESP e
líticos, cientistas, lideranças e cidadãos anônimos, apontam para o uso de instrumentos professora do curso de
de comunicação nos níveis micro, macro e de massa, com conteúdos e sentidos pró- comunicação social da UFMS
prios, atingindo os distintos reeditores e criando um imaginário comum. desiree.vix@zaz.com.br
Palavras-chave AGENDA 21 – COMUNICAÇÃO – SUSTENTABILIDADE – MOBILIZAÇÃO.

Abstract The construction of self-sustainability entail the strengthening of full and


active citizenship and requires the full participation of all different social groups.
Everyone is summoned to collaborate in identifying, proposing and carrying out ac-
tions that combine development with environment, especially at the local level. The
analysis of communication strategies used during the social mobilization to draw up
the local Agenda 21 in Vitoria (ES/Brazil) helps us identify some ways to meet this de-
mand, as well as the progress made and difficulties encountered. From the theoretical
viewpoints of Social Mobilization and Communication, and using qualitative metho-
dology, this article explores key issues for those professionals who act as administra-
tors in social practices compatible with pro-sustainable development. The reconstruc-
tion and analysis of this mobilization which brought together politicians, scientists,
and ordinary citizens point to the use of communication instruments at different le-
vels (micro, macro and mass) with their own content and meaning in order to reach
different activists and create a common lore.
Keywords AGENDA 21 – SOCIAL COMMUNICATION – SELF SUSTAINABILITY – MO-
BILIZATION.

impulso nº 30 33
g g y y

INTRODUÇÃO

A
noção de sustentabilidade1 vem se firmando nas últimas dé-
cadas como o novo paradigma de desenvolvimento. No es-
forço para evitar o colapso ambiental estabelecem-se as ba-
ses para o modelo que aponte para valores e ações que con-
tribuam para a formação de sociedades socialmente justas e
ecologicamente equilibradas, o que requer responsabilida-
des individual e coletiva.2 O mais importante compromisso
nessa direção, a Agenda 21,3 foi firmado durante a Confe-
rência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, reali-
zada no Rio de Janeiro em 1992, por 179 países, que se comprometeram a
implantá-la nos níveis nacional, regional e local.
Embora seja um desafio planetário, cresce a cada dia o interesse pelas
ações na esfera local, onde se origina grande parte dos problemas e das
soluções ambientais. O espaço em que operam as infra-estruturas é, também,
o mais adequado para os processos de educação, mobilização e resposta do
público. Pelo menos dois terços das proposições da Agenda 21 não podem
ser implantadas sem a participação dos governos locais, por isso ela estimula
e orienta a sua implementação, especialmente no capítulo 28. Desde 1997,
para distinguir a chamada Agenda Local de outros planejamentos ou projetos
ambientais, considera-se que ela seja “um processo participativo, multi-seto-
rial, para alcançar os objetivos da Agenda 21 no nível local, através da prepa-
ração e implementação de um plano de ação estratégico, de longo prazo, di-
rigido às questões prioritárias para o desenvolvimento sustentável local”.4
Por sua grande aceitação, a Agenda 21 tornou-se uma referência na
busca de soluções para um dos mais complexos desafios contemporâneos: as
cidades. Não existem soluções a curto prazo para deter ou reverter a
deterioração de qualidade de vida dos que vivem nos conglomerados urba-
nos. Se por um lado alguns ainda não conseguiram atender às necessidades
básicas da população, outras enfrentam demandas mais elaboradas. Porém,
em ambos os casos, há exemplos de avanços e se fala mesmo em “renasci-
mento das cidades”. As metáforas contemporâneas das gestões bem-sucedi-
das atendem pelos títulos de cidade cultura, cidade estratégica e cidade susten-
tável (principalmente sob a inspiração da Agenda 21). As três alternativas
guardam traços comuns, como a modernização administrativa, investimento

1 Divulgado oficialmente em 1987, a tese do desenvolvimento sustentável sustenta que é possível desenvolver
sem destruir o meio ambiente. Embora se possa falar de consenso mundial sobre a urgência da questão, ainda
há problemas para implementar ações concretas que o viabilizariam. Hoje em dia admite-se que a sustentabili-
dade seja um conceito ainda em construção. Deve ser tratada numa perspectiva ampliada e, mais que uma
meta, trata-se de um processo. (Ministério do Meio Ambiente, 2001).
2 Tratado, 1992.
3 Programa de ação rumo ao desenvolvimento sustentável a ser implantado a partir de 1992, prolongando-se
pelo século XXI, por governos nacionais, regionais e locais e agências de desenvolvimento. Trata de tudo que,
diretamente ou não, afeta a saúde do planeta: poluição, superpopulação, pobreza, educação, comércio, indús-
tria. São mais de 2,5 mil recomendações práticas divididas em 40 capítulos, 115 programas e quatro seções.
4 NOVAES, 1998, p. 3.

34 impulso nº 30
g g y y

na qualidade de vida e a ativa participação da popu- na participação e tomadas de decisões con-


lação na elaboração das políticas públicas. juntas ante os estímulos e fatores que, de
maneira permanente, apresentam a esses
Assim, a despeito dos problemas, os municí-
seus ambientes socioeconômicos (...) uma
pios tornaram-se laboratórios de alternativas, desa-
forma de transversalidade social e interação
fiando o interesse e a imaginação dos técnicos, po- dinâmica, em uma rede de relações de pes-
líticos e cientistas. É o caso de Vitória, a capital do soas e grupos onde medeiam e intervêm ou-
Estado do Espírito Santo, que se destacou, no Bra- tros elementos, espaços, fatores, mecanis-
sil, como uma das precursoras na elaboração da mos, conteúdos e instituições que concor-
Agenda 21 local. Em 1996, a prefeitura municipal rem em diversas formas nas manifestações
convocou os cidadãos a debater e aprovar um plano de comunicação.6
de desenvolvimento para a cidade. Através de várias
Nessa ótica, os estudos de comunicação não
atividades, entre elas, consultas, sessões plenárias,
se esgotam nos meios nem na teoria da informação,
proposições técnicas ou artísticas, os vários setores
mas deslocam-se para os processos que acontecem
da sociedade integraram-se à mobilização. Após
nas praças, nas festas, nos ritos religiosos e, em nos-
sete meses de intenso trabalho coletivo estava pron-
so caso, nos debates em que se lançam as bases para
ta a Agenda 21 local, denominada Vitória do Futuro.
o desenvolvimento sustentável. A reflexão sobre as
A iniciativa chama a atenção do pesquisador: estratégias comunicativas da experiência de Vitória
é preciso compreender onde e como vem nascendo parte dos pressupostos da sustentabilidade, apóia-se
esse novo Brasil sustentável.5 Para o comunicador, nos estudos sobre mobilização social, desenvolvi-
desafiado não apenas a informar os problemas am- dos sobretudo por Bernardo Toro,7 e no diálogo
bientais mas também a provocar ações em favor de com autores que tratam da construção dos sentidos
mudanças, Vitória do Futuro desperta inquietudes: nas práticas cotidianas,8 no poder da imagem,9 entre
por quais canais passam a rearticulação da fra- outros.
gmentação do fazer e do saber cotidianos em dire- Mais que verificar objetivamente a realidade,
ção a uma cidadania ambientalista multissetorial? A trata-se de compreendê-la e interpretá-la. Por isso, a
comunicação social, como as demais ciências, tem o opção pela metodologia qualitativa. Com a perspec-
dever de contribuir nesse esforço de lançar as bases tiva interacionista, proposta por Orozco Gómes,10
necessárias para um desenvolvimento humano sus- buscamos a conexão dos fatores que podem influir
tentado e eqüitativo. Compreendida como proces- para que algo resulte de determinada maneira: a ob-
so de mediação, a comunicação pode ampliar e res- servação de quais elementos se relacionam entre si e
significar a discussão e colaborar no debate necessá- o modo como se relacionam gera novas informa-
rio. Essas e outras questões provocaram essa pes- ções. Dispondo de inúmeras fontes de dados, o es-
quisa, ainda em curso, cujo objetivo é estabelecer a tudo de caso revelou-se o instrumental mais ade-
relação entre as estratégias comunicativas utilizadas quado. A nossa análise baseia-se no exame de várias
durante a Agenda 21 local de Vitória e os resultados fontes de evidências, entre elas, os documentos ofi-
do projeto de mobilização para a formulação e im- ciais do projeto, entrevistas em profundidade com
plementação de políticas públicas sustentáveis. consultores e conselheiros e as publicações na mídia
Aqui, a comunicação é entendida como impressa sobre o tema (no período de janeiro a se-
tembro de 1996).
processo que relaciona comunidades, socie-
Antes da reflexão propriamente dita, uma rá-
dades intermediárias, governos e cidadãos
pida síntese no processo de mobilização para a ela-
5 O desafio nesses termos foi lançado pelo governo brasileiro no processo
6 ALFONZO, 1997, p. 36.
preparatório do Rio +5. Em 1998, o Ministério do Meio Ambiente, dos
7 TORO, 1996; e TORO & WERNECK, 1997.
Recursos Hídricos e Amazônia Legal realizou amplo levantamento para
apontar 100 experiências inovadoras em termos de sustentabilidade. A 8 MARTIN-BARBERO, 1997; e MEDINA, 1998.

Agenda 21 local de Vitória está entre as escolhidas (PROJETOS BRASI- 9 MAFESOLI, 1995.

LEIROS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, 2000). 10 OROZCO GÓMES, 1996.

impulso nº 30 35
g g y y

boração da Agenda 21 de Vitória, sobretudo dos foi contratar um instituto independente para reali-
seus momentos/instrumentos de comunicação. No zar pesquisas e aferir as tendências da população,
início de 1996, a prefeitura municipal de Vitória dos funcionários da prefeitura e, sobretudo, dos
(PMV) convocou um conselho formado por 365 re- próprios conselheiros. A primeira pesquisa, realiza-
presentantes de vários segmentos locais11 para dis- da em janeiro de 1996, ouviu 1,8 mil moradores e
cutir e aprovar um plano estratégico de desenvolvi- ajudou a determinar as questões críticas que deveri-
mento para a cidade até o ano 2010. O processo, am ser trabalhadas durante o processo.14
porém, teve início no ano anterior, com a formação Foram contratados 21 especialistas locais en-
do grupo dos coordenadores. Definido o projeto, carregados de preparar três produtos referentes aos
buscou-se o patrocínio de empresas, que garantiram temas-chave apontados pela consulta: 1. diag-
os recursos necessários para a contratação dos espe- nóstico; 2. cenários (inercial e desejável); 3. projetos
cialistas, produção dos materiais e divulgação. O e diretrizes para os setores. Muitos deles organiza-
apoio financeiro da iniciativa privada e o último ano ram equipes e, ao final, 38 experts realizaram esse tra-
da administração municipal ajudaram a estabelecer balho. Durante a fase de contratação, os especialis-
um prazo limite para os trabalhos: 10 de setembro, tas acordaram com os coordenadores a metodolo-
aniversário do município. gia dos trabalhos. Embora fossem responsáveis pela
Nessa época, Vitória já registrava experiências elaboração dos estudos e propostas, os resultados
precursoras de mobilização e administração na linha sempre seriam submetidos à apreciação do Conse-
da Agenda 21, como o Projeto São Pedro, o orça- lho Municipal do Vitória do Futuro. Além disso, em
mento participativo, os conselhos populares setori- todas as etapas do processo, os especialistas deveri-
ais na gestão colegiada da cidade ou o planejamento am levar em conta os resultados das pesquisas feitas
estratégico em diversas áreas.12 Porém, o Vitória do com conselheiros, servidores e população. Segundo
Futuro distinguiu-se por seus objetivos amplos e o anteprojeto, uma terceira fonte de informação de-
pela metodologia que incluiu a análise prospectiva veria ser considerada no plano final: o concurso de
com a denominação dos cenários,13 a produção de redação – sobre o qual trataremos adiante. Um con-
estudos, a capacitação para a participação, consultas sultor externo, com a ajuda da coordenação do pro-
aos moradores e a colaboração da iniciativa privada. jeto, era responsável pelas sínteses das análises e pro-
A criação do Conselho Municipal do Vitória do Fu- postas.
turo impôs um caráter democrático e apartidário à
discussão. A limitação de tempo e de recursos im- PRINCIPAIS EVENTOS DO
pediu que os debates se realizassem nos bairros, Vitória do Futuro
como ocorria no orçamento popular. A alternativa No dia 29 de fevereiro de 1996 aconteceu o
11 Estavam representados os movimentos sociais, culturais, religiosos, dos
seminário oficial de abertura do Vitória do Futuro,
trabalhadores e empresários. No nível político, os três poderes, indepen- com a posse do Conselho e a apresentação do ob-
dentemente de partido, foram convidados a integrarem-se ao Conselho.
12 Essas experiências destacam-se, ainda, por terem se mantido atuante ao
jetivo e metodologia do projeto. Na mesma ocasião
longo de sucessivas administrações municipais, que incluíram partidos foi feito o lançamento do concurso de redação, “A
diferentes. O Projeto São Pedro, por exemplo, nasceu no início da década Vitória que queremos em 2010”, para estudantes das
de 90 e visa à integração do desenvolvimento urbano à conservação do
manguezal. Ele também está entre as 100 experiências inovadoras propos- redes pública e privada. Nos meses de maio, julho e
tas pelo Ministério do Meio Ambiente. Além disso, foi um dos escolhidos agosto realizaram-se três reuniões plenárias, corres-
para representar o Brasil na Conferência da ONU de 1996, a Habitat 2.
13 A análise prospectiva ou elaboração de cenários é um instrumento auxi- pondentes às fases do planejamento estratégico:
liar do planejamento estratégico. Trata-se da descrição de possíveis situa- diagnóstico, cenários e estratégias e projetos. Do
ções futuras baseados em estudos consistentes em que se levem em conta,
por exemplo, as tendências pesadas e os atores envolvidos. O objetivo é
dar claridade às diversas possibilidades para facilitar as opções e a definição 14 O contexto: nacional e internacional, e metropolitano e estadual; o
de caminhos para alcançá-las. Geralmente trabalha-se com dois cenários espaço: uso e ocupação do solo, centro, sistema portuário, transporte e
contrastantes (o desejável e o não desejável). Nomeados de forma suges- trânsito; o povo: perfil demográfico, educação, saúde, ação Social, cultura,
tiva, como ocorreu em Vitória, eles ajudam na comunicação e na mobiliza- esportes, segurança, meio ambiente; vocações econômicas e empregos:
ção em torno do projeto. indústria, comércio, serviços, turismo e telecomunicações.

36 impulso nº 30
g g y y

ponto de vista da Comunicação, importa mencio- turo – Plano Estratégico da Cidade 1996-2010, com
nar que todos esses encontros guardaram grande si- 113 páginas, divide-se em: “Como está Vitória”
milaridade. Tinham início com esclarecimentos do (diagnóstico); “Como planejar o futuro de Vitória”
objetivo geral do projeto e da fase correspondente (descrição da metodologia empregada); “Para onde
ao encontro específico. Em seguida, eram informa- vai Vitória” (descrição dos dois cenários elabora-
das as tendências apontadas na pesquisa referente ao dos); “Que esforços deve realizar Vitória” (relação
tema do dia (cujos questionários haviam sido distri- das 68 estratégias e 130 projetos aprovados pelo
buídos e recolhidos anteriormente). Só então era Conselho); “Quem planejou Vitória” (relação no-
apresentada a síntese geral feita a partir dos estudos minal dos conselheiros, especialistas, consultores,
e da pesquisa, para ser debatida e votada. Esse relato equipes técnica e administrativo-financeira e cola-
inicial permitia aos participantes confrontar as suas boradores, nessa ordem). No final estão as três re-
próprias opiniões (expressas nas consultas) com as dações vencedoras do concurso “A Vitória que que-
propostas finais. Os conselheiros e convidados re- remos em 2010”.
cebiam também uma versão impressa da síntese, Ao longo do processo foram produzidas
além do questionário referente à próxima fase. 2.230 páginas de estudos e registrou-se um número
As sessões que discutiram os cenários e as crescente de participantes nas reuniões plenárias e
propostas foram antecedidas por reuniões temáti- temáticas. Ao final dos trabalhos, mais de 2,1 mil
cas, quando conselheiros e convidados, divididos pessoas (sem contar as que apenas responderam às
por grupos de acordo com os seus interesses, reali- pesquisas) haviam participado, de formas distintas,
zaram discussões preliminares com os especialistas do exercício de pensar a própria cidade.
responsáveis pela área, depois que esses apresenta-
ram seus relatórios. Esses encontros constituíram- INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO
se no ponto-chave de todo processo. Ali eram ex- A mobilização ocorrida em Vitória chama a
plicitados os diferentes interesses e conflitos, resol- atenção por vários aspectos. O primeiro deles é a
vidos pela construção de consensos e não por vota- crescente adesão e repercussão obtida, o que merece
ção. Para os grupos mais polêmicos, como o de algumas considerações, especialmente se levarmos
transporte e trânsito, foram necessárias reuniões ex- em conta como os brasileiros percebem os proble-
tras. mas ambientais e a sua disposição para enfrentá-los.
Em todos os encontros públicos do Vitória As pesquisas de Crespo16 revelaram, por exemplo,
do Futuro foram instalados telões nos átrios dos au- que, embora a maioria da população seja simpati-
ditórios (ou na praça de alimentação do shopping zante às causas e organizações ecológicas, poucos
center local, onde ocorreram as reuniões plenárias) conseguem citar o nome de alguma instituição
para quem quisesse acompanhar as apresentações e específica – o que ajuda a explicar o baixo número
debates. A entrega do plano final aconteceu em um de filiações. Mesmo entre aqueles que se declararam
teatro tradicional do município, com a presença muito interessados na questão, metade indicou ter
1.175 pessoas.15 Ao programa, similar ao dos en- dúvidas quanto a sua própria capacidade de inter-
contros anteriores, foi acrescentada a leitura das re- venção como agente de preservação. Em 1997, a
dações premiadas. No lado de fora, ruas ornamen- pesquisa confirmou que as pessoas sentiam-se pou-
tadas, queima de fogos, buzinaço no porto e apre- co informadas do tema. Entre os entrevistados,
sentação de bandas e corais deram um caráter festi- 95% desconheciam a Agenda 21 e registrou-se a
vo e popular ao evento que integrou o calendário
16 CRESPO & LEITÃO, 1993; e CRESPO, 1997. As pesquisas, fruto de
oficial das festividades de aniversário da cidade. uma parceria de órgãos como o Museu de Astronomia e Ciências afins/
Didática e ilustrada, a versão impressa Vitória do Fu- CNPq, o Centro de Tecnologia Mineral/CNPq, o Instituto de Estudos da
Religião (Iser) com o Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos
Hídricos e da Amazônia Legal, tinham como objetivo situar a questão
15O número refere-se às assinaturas no livro de presença e não inclui os ambiental no âmbito da cultura e da vivência do brasileiro. Ambas as ver-
populares presentes do lado de fora do teatro. sões tiveram constaram de etapas qualitativa e quantitativa.

impulso nº 30 37
g g y y

tendência de fixar apenas os problemas de maior As propostas da Comunicação Pública da


proporção em detrimento dos locais. Ciência e Tecnologia (CPCT) – bastante próximas às
Outro aspecto a ser considerado: a busca da da educação ambiental – seguem atuais e necessári-
sustentabilidade depende, em grande parte, da cole- as, principalmente no que tange à sustentabilidade.
ta de dados sobre o meio ambiente e a sua transfor- Para Fayard,21 distintamente da divulgação científi-
mação em informações capazes de gerar debates e ca (usualmente centrada na transmissão de conteú-
compromissos em níveis coletivo e particular – o dos) e do jornalismo científico (feito a partir dos in-
que aparentemente aconteceu em Vitória. Analisan- teresses da mídia, tendendo ao oficialismo, à espe-
tacularização e superficialidade), a CPCT baseia seu
do os movimentos ecológicos, Castells17 afirma
conteúdo nas curiosidades e nas necessidades dos
que, embora haja desacordos sobre táticas, priorida-
usuários. Ou seja, é a partir da perspectiva do recep-
des e linguagem, eles mantêm algumas característi-
tor que se inicia o processo de comunicação. Ao
cas comuns. Entre elas está a conexão ambígua e
tornar compreensíveis os fatos e a realidade, ela pos-
profunda desses movimentos com a C&T. Ainda
sibilita a ação e a transformação do mundo. Para al-
que persista desconforto em relação a ambas, os cançar tal objetivo, é fundamental investir nos pro-
movimentos se apoiam, em boa medida, na reunião, cessos, nas vivências pessoais e comunitárias, na cul-
análise e difusão de informações científicas sobre a tura. Ainda que a informação seja fundamental, ape-
interação dos artefatos fabricados pelo homem e o nas transmitir conteúdos não parece suficiente para
meio ambiente. Tornar essas informações disponí- fortalecer cidadania ambiental e gerar a mobilização:
veis e acessíveis aos gestores e ao público e, sobre- faz-se necessário enfrentar uma situação de dupla
tudo, inseri-las nos planejamentos e políticas locais natureza, cognitiva e ética, que se desdobra no co-
ou nacionais, tem sido um desafio difícil de supe- nhecimento, na capacidade de julgamento ético e na
rar.18 ação moral.22 É preciso estimular a participação, a
No capítulo dedicado ao tema, a Agenda 21 cooperação mútua, valores e ações que contribuam
propõe medidas e recursos para incentivar o cresci- para a transformação humana e social e a preserva-
mento da produção e da circulação de informações, ção ecológica.23
“abrangendo desde os que tomam decisões nacio- Outros problemas: pelas características da so-
nais e internacionais até o indivíduo comum e as ciedade contemporânea, as grandes questões como
organizações comunitárias de base”.19 Já o capítulo o aquecimento global ou a contaminação dos recur-
35 do documento ressalta que uma das funções da sos hídricos são mais conhecidas que os problemas
ciência é oferecer informações que permitam a me- locais, como demonstram as pesquisas de Crespo.
lhor formulação e seleção das políticas de meio am- Discutir e planejar a cidade onde se vive abrem no-
biente e desenvolvimento, por isso sugere medidas vas dimensões, obrigam a compromissos e posturas
para garantir a produção nessas áreas e também a pessoais e coletivos que antes não eram exigidos.
Nesse sentido, as entrevistas com os organizadores
disseminação dos novos conhecimentos e produ-
e os especialistas do Vitória do Futuro revelaram a
tos. Dirigindo-se às comunidades científicas e tec-
surpresa comum pela grande habilidade dos conse-
nológicas, a Agenda 21 manifesta a sua expectativa
lheiros, diante de tantas informações e pressões às
que elas desenvolvam novas formas de colaboração
vezes antagônicas, optarem sempre pelas propostas
e comunicação com os gestores e o público em ge- mais coerentes com a sustentabilidade.
ral, oferecendo “uma contribuição mais aberta e efe- O papel dos especialistas no Vitória do Futuro
tiva aos processos de tomada de decisões”.20 aponta para uma possível forma de atuação das co-
17
munidades científica e tecnológica na construção
CASTELLS, 1998.
18 Instituto de Recursos Naturais, 1992, p. 150.
19 Agenda 21, 1992, cap. 40. Embora dedique um capítulo ao tema, há 21 FAYARD, 1995 e 1996.
outras referências ao assunto ao longo do documento. 22 TRAJBER & MANZOCHI, 1996, p. 31.
20 Agenda 21, 1992, cap. 29. 23 Tratado, 1992.

38 impulso nº 30
g g y y

das diretrizes concretas rumo ao desenvolvimento O imaginário:


sustentável. Mais que o esforço de investigar, havia caranguejo versus marlim
o de apresentar os resultados em um padrão de lin- Segundo Toro, hoje, uma primeira dificuldade
guagem acessível ao grande público. Além disso, era da mobilização social é que os novos sentidos de
necessário submeter e debater tais resultados com identidade se fazem muito mais por interesses que
os seus pares (e fora do ambiente acadêmico!) e por territórios. Portanto, mobilizar pessoas dester-
com a comunidade – de onde emergiam interesses ritorializadas exige um imaginário comum, que é a
nem sempre sustentáveis. Por fim, era preciso en- explicitação do propósito. Nessa perspectiva, distin-
contrar um denominador comum, tendo como tamente de um slogan, o imaginário torna-se uma
norte a qualidade de vida da cidade. Essa prática re- referência, um objetivo que se quer alcançar, um
presenta um avanço: mais que o aperfeiçoamento da acordo que faz pessoas diferentes compartilharem
CPCT, a solução da crise ecológica contemporânea propósitos comuns. Ao mesmo tempo que trabalha
demanda a participação efetiva dos cientistas na for- com a emoção e desperta para a utopia, o imaginário
mulação de políticas públicas. deve ser plausível o suficiente para indicar o cami-
Trata-se de retomar a idéia de esfera pública,24 nho.
da paridade argumentativa (já que é necessária a ca- A análise da campanha de lançamento e de
pacitação de todos os que participam), do público outras estratégias que deram sustentação ao Vitória
raciocínio ou do uso público da razão. A dimensão do Futuro indicou o uso de vários slogans durante
é local, mas o sentido é global. Faz parte das os sete meses de trabalho: “O futuro chama! Diga
contradições de nossa era: as comunidades são des- presente a Vitória do Futuro”, utilizado nas peças
territorializadas, as identidades são polivalentes, os publicitárias do projeto; “O futuro é a gente que
espaços públicos são virtuais, mas é no bairro, no faz” ou “O futuro é uma obra que se constrói no
trabalho, na metamorfose íntima do indivíduo que presente”, repetidos nos artigos dos jornais (inclu-
os sentidos são produzidos e assumidos. sive como títulos), nos discursos do prefeito e no
documento final. Aparentemente, nenhum deles
MOBILIZAÇÃO SOCIAL teve a força do “imaginário da mobilização” descrito
por Toro. No caso de Vitória, ele parece ter se con-
Estabelecida a estreita relação entre a susten- cretizado na nomeação dos cenários construídos
tabilidade e a cidadania, é natural pensar na mobili- durante planejamento, como descreve um dos co-
zação social e nos instrumentos necessários para de- ordenadores:
sencadeá-la. Participar ou não de uma mobilização é
uma escolha, uma decisão individual que depende, No cenário inercial nós colocamos toda a si-
essencialmente, das pessoas se verem responsáveis e tuação caótica que poderia acontecer, dado
capazes de produzir mudanças.25 Exige, pois, um um diagnóstico prévio que tínhamos. Caso
trabalho de comunicação capaz de despertar o inte- você não fizesse nada pela cidade, como fi-
resse, animar e comprometer as pessoas nesse sen- caria o trânsito ou a educação no ano 2010?
A esse cenário nós demos o nome de “ca-
tido. Para Toro,26 os principais desafios dos comu-
minhar do caranguejo”. O caranguejo é um
nicadores empenhados em um processo de mobili- prato típico da culinária local que, segundo
zação são construir e divulgar imaginários, identifi- o dito popular, anda para trás – embora na
car e instrumentalizar reeditores e gerar processos verdade ele ande para o lado. Mas estava es-
de coletivização. É necessária, ainda, uma estratégia tabelecida a relação. E isso está no imaginá-
comunicativa. rio do país inteiro: o caranguejo não avança.
E eu não quero ser como o caranguejo, eu
24 Usamos aqui o conceito de Habermas de esfera pública moderna, nas- quero andar para frente. O outro cenário
cida a partir do século XVI. As teorias desse autor têm influenciado sobre- era o desejável: o que nós queríamos para a
maneira as reflexões sobre o ambientalismo.
25 TORO, 1996; e TORO & WERNECK, 1997. cidade no futuro. E o chamamos de “o salto
26 TORO, 1996; e TORO & WERNECK, 1997. do marlin azul”, que é o peixe que dá um

impulso nº 30 39
g g y y

grande salto em busca da liberdade quando que ele atue dentro do seu próprio campo de ação,
é fisgado. Detemos o recorde mundial de poupando esforços e otimizando suas próprias ca-
pesca do marlin, por isso ele é um dos sím- pacidades. Na medida em que uma proposta é assu-
bolos da cidade. Um símbolo que se conso- mida por um conjunto de reeditores, a mobilização
lidou ao nomear o cenário.27
tem início.31 Assim, a elaboração da Agenda 21 local
Interessa-nos observar essa “epifanização das de Vitória pode ser entendida a partir de um grupo
aparências”, na expressão de Mafesoli,28 de um pro- de reeditores, os membros do Conselho, escolhidos
cesso árido e burocrático de planejamento. Os de- entre lideranças locais. Porém, além desses, estudan-
poimentos colhidos confirmam que a metáfora ca- tes, artistas, técnicos, entre outros, também atuaram
ranguejo versus marlin ajudou na mobilização e nos como reeditores e tiveram destaque em seu próprio
debates. As notícias veiculadas pela imprensa escrita campo de ação, como veremos.
também referem-se várias vezes a ela, que aparece Estratégia comunicativa
também no título ou corpo de artigos. Daí a supo- da mobilização
sição de que tais imagens introduziram uma Para Toro, toda a comunicação em uma mo-
referência ou um imaginário comum para os envol-
bilização tem uma intencionalidade clara: “fazer ar-
vidos no projeto, além de cumprir funções didáti-
queologia da consciência, (...) explicar porque te-
cas, clarificar as escolhas possíveis e gerar empatia
mos a consciência que temos”.32 A ênfase, também
com o esforço de busca de soluções para a cidade
aqui, é centrada mais no processo que nos instru-
(“ninguém quer ser caranguejo...”). Assim, mais
mentos. Não são os meios em si que determinam os
que oferecer apenas dados especializados, o trabalho
resultados, mas a concepção, a estratégia comunica-
coletivo de pensar a cidade recorreu aos conteúdos
tiva: “É ela que nos diz qual o meio empregar. Todos
afetivos, equilibrando o mundo das noções ambien-
os meios são igualmente bons e ruins. Na medida
tais com o mundo das vivências.29 O resultado foi a
em que o produtor social entender, com precisão, o
inserção das experiências e vivências do cotidiano
campo de atuação do reeditor encontrará quais as
nas mensagens, a transformação do político em do-
formas de edição da mensagem”.33
méstico e vice-versa, a construção das pequenas
utopias30 – mais acessíveis e, por isso, mais motiva- É possível estabelecer a relação entre tais pro-
doras da ação. postas e o Vitória do Futuro. Nesse caso parece ter
ocorrido, ainda, a conjunção entre um rico histórico
Os reeditores: conselheiros, de movimentos sociais urbanos, figuras públicas
estudantes, artistas... com alto grau de liderança e credibilidade (especial-
Na formulação teórica da mobilização pro- mente o prefeito), seguidas administrações conside-
posta por Toro, o reeditor é uma pessoa com públi- radas bem-sucedidas e o uso de metodologia ade-
co próprio. Pode ser um professor, um artista ou quada (planejamento estratégico). Esse ambiente
um taxista conhecido, que tem o poder de transmi- garantiu um processo democrático de sensibiliza-
tir ou negar conteúdos, criar sentidos e modificar as ção, compromisso, capacitação, debate e, finalmen-
formas de sentir e atuar de seu público. Na mobili- te, deliberação de políticas públicas. Entre os recur-
zação, é o reeditor que traduz o imaginário para sos de comunicação utilizados na elaboração da
ações pertinentes. Contudo, não basta identificar e Agenda 21 de Vitória, enumeramos inclusive os que
convocar o reeditor para que ela tenha êxito: é ne- não foram produzidos diretamente pelo promotor
cessário instrumentalizá-lo, dar-lhe critérios, ele- da mobilização, a prefeitura municipal, já que o re-
mentos para participar. Nesse sentido, é importante editor é capaz de reelaborar mensagens para seu pú-
27 Trecho de entrevista de Lília Mello, concedida a autora em 21/jun./
blico. Nesse sentido, eles incluem as reuniões, o
2000.
28 MAFESOLI, 1995. 31 TORO & WERNECK, 1997, p. 33.
29 MEDINA, 1998. 32 TORO, 1996, p.38.
30 MARTÍN-BARBERO, 1997; e MAFESOLI, 1997. 33 Ibid.

40 impulso nº 30
g g y y

concurso de redação, os livros ou as pesquisas de cartas de convite eram assinadas pelo próprio pu-
opinião. Dentro desse largo espectro, podemos nho do prefeito municipal.
considerar que a estratégia comunicativa do Vitória Antes do início dos trabalhos, a equipe orga-
do Futuro abrangeu os níveis micro, macro e de nizadora do Vitória do Futuro, junto com o prefeito,
massa, com seus vários instrumentos.34 Retomando visitaram os diretores dos principais veículos de co-
a “epifanização” das aparências observada por Ma- municação locais para convidá-los para fazer parte
fesoli, fazemos uma segunda leitura do conteúdo do Conselho. Essa iniciativa parece ter garantido a
das mensagens, tentando identificar os seus senti- cobertura da mídia, oficializada, assim, como um
dos e como eles se integravam à mobilização.35 dos atores importantes na discussão dos rumos da
Microcomunicação ou cidade. Outros grupos de reeditores, como as gran-
comunicação pessoal des empresas locais e universidades, também foram
Nesse nível acontece comunicação direta, visitados pela comissão e inclusive pelos especialis-
pessoal, entre quem convoca ou organiza a mobili- tas, com o objetivo de apresentar e debater o proje-
zação e os reeditores. Esse contato pode efetivar-se, to.
também, com a ajuda de cartas, telefonemas. O Macrocomunicação
conteúdo das mensagens, aqui, estrutura-se através Aqui acontece a comunicação segmentada,
códigos singulares, diz Toro, dependendo do inter- utilizando-se veículos de curto ou médio alcance ou
locutor e o seu sentido do conteúdo é a indicação da estratégias específicas voltadas para públicos defini-
ação específica. Como atinge diretamente aos ree-
dos por sua função ou situação. Mesmo que se trate
ditores, ela também é adequada para ressaltar a im-
de um público numeroso, os professores do Ensino
portância do papel de cada um na mobilização: em-
Fundamental, por exemplo, ele é constituído por
bora a ação individual seja aparentemente pequena,
pessoas que compartilham uma identidade comum
o sentido da ação é grande. É momento de “epifa-
e características próprias. Por isso, o conteúdo das
nizar” a participação individual, de tornar visível o
mensagens estrutura-se a partir dos códigos desse
invisível, tarefa que será complementada pela comu-
perfil ou ocupação. Nesse nível se esclarece o papel
nicação de massa, especialmente a publicidade.
que cada grupo específico desempenha na mobili-
A nossa análise indicou a importância da co- zação e se oferecem alternativas (e capacitação) para
municação no nível micro durante o Vitória do Fu- a participação. Por isso o sentido do conteúdo é es-
turo. Alguns exemplos: os convites iniciais aos con- tabelecer compromissos.
selheiros foram feitos por telefone e confirmados
A análise do Vitória do Futuro revela como
através de correspondência. Durante os sete meses,
são grandes as possibilidades nesse nível. Um exem-
eles receberam cartas e telegramas informando as
plo disso foram as reuniões plenárias (nas quais é es-
datas e pautas de cada uma das reuniões. Aos falto-
sencial considerar todo o processo de organização,
sos eram enviados relatos das conclusões do encon-
inclusive o de apresentação dos resultados) e, espe-
tro e exortações sobre a importância de suas presen-
cialmente, as temáticas. Outras estratégias de
ças na reunião seguinte. Um detalhe chama atenção
macrocomunicação: as pesquisas de opinião (a con-
na correspondência: além de caracterizadas com a
sulta inicial à população, além das dirigidas aos con-
marca do Vitória do Futuro, àquela altura objeto de
selheiros e servidores da PMV) e o concurso de re-
grande divulgação e prestígio na cidade, muitas das
dação que levou a discussão sobre o futuro da cida-
34 A classificação dos níveis de comunicação massa, macro e micro pode de até as salas de aula. Ele envolveu 1,3 mil estudan-
ser encontrada em vários autores. Especificamente com referência à cria- tes de 56 escolas públicas e privadas, num processo
ção da consciência ecológica é proposta, por exemplo, em LINS E SILVA
(1978, p. 216). Aqui, aparece reformulada com base em nossas próprias
que incluiu os professores e contou com campanha
reflexões. publicitária própria, além de sessões de lançamento
35 Para o autor, “a imagem é antes de tudo um vetor de comunhão, ela
interessa menos pela mensagem que deve transportar do que pela emoção
e entrega de prêmios. Também no nível macro re-
que faz compartilhar” (MAFESOLI, 1995, p. 93). gistra-se a publicação, no mês de abril de 1996, de

impulso nº 30 41
g g y y

Escritos de Vitória, pela Secretária Municipal de Cul- grande freqüência do assunto na imprensa não pa-
tura e Turismo, com o tema “Vitória do Futuro”. rece ser resultado direto dos releases publicados no
Contendo artigos, crônicas, ilustrações e poemas de Diário de Vitória (veículo oficial da PMV dirigido à
20 autores locais, foi a versão artística do planeja- imprensa). Registramos nessa publicação 24 notíci-
mento. Outro livro, Novo Arrabalde, lançado no as curtas com informações do projeto e dos even-
mês seguinte, recuperou a história do primeiro pla- tos.
no de urbanização da cidade, ocorrido exatamente Outro fator contribuiu para a cobertura siste-
um século antes. O lançamento da obra, junto com mática: a convocação de entrevistas coletivas às
uma exposição de mapas do referido plano, movi- vésperas das reuniões plenárias, quando eram divul-
mentaram técnicos e gestores urbanos que celebra- gados os resultados das pesquisas, gerando interesse
ram o encontro entre os dois projetos. pela seqüência dos acontecimentos. O fato dos es-
Comunicação de massa tudos e propostas basearem-se nas consultas feitas à
Todos os que participam de uma mobilização população mereceu menções elogiosas da mídia,
devem saber a sua tarefa e ter certeza de que a mes- que tratou o projeto com bastante simpatia. Duran-
ma ação está sendo realizada de forma organizada te os meses consultados, há uma única referência
por outras pessoas, pelas mesmas razões e sentidos. negativa ao tema em uma coluna assinada. Além
Daí a importância da coletivização. Nesse processo, disso, os especialistas e organizadores envolvidos no
a comunicação de massa desempenha um papel fun- projeto foram incentivados a enviar colaborações
damental. Os veículos de grande alcance oferecem para os jornais. O próprio prefeito municipal é au-
informações da mobilização (as específicas ou deta- tor de quatro artigos. As únicas mídias pagas nesse
lhadas acontecem nos outros níveis), codificadas a período foram as campanhas de lançamento, cons-
partir de um padrão médio que garante o entendi- tituída de spots televisivos, publicidade externa e
mento de um público amplo e diversificado. Além nos veículos impressos, e do concurso de redação.
de consolidar o imaginário comum, divulgam os re- Os organizadores, conselheiros e especialistas enfa-
sultados dos esforços coletivos, revelando que cada tizaram que a imprensa teve um papel fundamental
ação individual, aparentemente pequena, tem um al- no sucesso da mobilização.
cance muito maior. Nesse nível, o sentido do con- É importante notar como as estratégias de
teúdo das informações é também o de fortalecer a macrocomunicação repercutiram nos meios de
identidade e de gerar sentimentos de pertencimento massa, alimentando o interesse da mídia pelo Vitória
que hoje, como sugere Canclini,36 são organizados do Futuro. Por outro lado, a cobertura jornalística
menos por lealdades locais ou nacionais que pela reforçou os níveis pessoal e macro, na medida que
participação dos consumidores em comunidades deu maior legitimidade e visibilidade ao processo.
transnacionais ou desterritorializadas. Evidentemente, a classificação nos níveis micro/ma-
A ampla cobertura da imprensa, somada aos cro/massa não pode ser considerada rígida. Em al-
materiais entregues ou apresentados sistematica- guns momentos, por exemplo, os limites entre o
mente aos conselheiros, parecem ter cumprido a ta- grupal e o pessoal são bastante tênues. Porém, inte-
refa de coletivização, animação e coesão dos partici- ressa-nos aqui perceber e analisar a variedade de ins-
pantes do Vitória do Futuro. O levantamento nos trumentos utilizados, a interação entre os distintos
dois principais diários da capital, aponta para o se- níveis e a participação do reeditor, elaborando a
guinte quadro: por 125 vezes o projeto foi tema de mensagem de forma adequada ao seu próprio pú-
notas, artigos, entrevistas, publicidade, cartas do lei- blico. Cada um desses itens merece uma análise pró-
tor, menção em colunas fixas e reportagens. Uma pria. É o caso das pesquisas que, em tese, ampliam
média de uma menção cada dois dias, com maior em quantidade e qualidade a participação nos deba-
concentração no período dos eventos públicos. A tes. Da mesma forma, a dinâmica das reuniões ofe-
rece importantes elementos que devem ser discuti-
36 CANCLINI, 1997. dos a partir das considerações sobre os espaços pú-

42 impulso nº 30
g g y y

blicos na sociedade contemporânea, o que exige, E é no nível local que se revelam os ‘avanços e difi-
também, aprofundar-se no papel desempenhado culdades’ de cada um deles em particular e da soci-
pela imprensa na mobilização em estudo. Por outro edade em geral.
lado, os especialistas, os formuladores de políticas e Sob o ponto de vista das informações neces-
as lideranças da cidade parecem efetivamente ter cri- sárias para a implementação do desenvolvimento
ado novas formas de cooperação e comunicação, sustentável, os esforços de elaboração da Agenda 21
como proposto pela Agenda 21. local constituem-se momentos privilegiados de
CPCT. De certa forma, recria-se ali o exercício de
CONSIDERAÇÕES FINAIS “fazer ciência”, um percurso que implica acolher os
A grande oferta de conhecimento e tecnolo- fatos ou dados de forma aberta; buscar evidências
gias (inclusive da informação) não é suficiente para que os comprovem (ou não); formular e testar hi-
resolver os problemas ambientais contemporâneos. póteses; descartar as que não forem ou não pude-
Mais que tornar disponíveis tais conhecimentos, rem ser comprovadas. Tudo isso, no entanto, feito
urge motivar as pessoas, as lideranças em particular, de forma compartilhada com a comunidade. Porém,
para transformá-los em posturas pessoais e coletivas mais que apresentar de forma clara o conhecimento
e em políticas públicas que levem em conta os vários produzido, os especialistas que participam desses
aspectos do desenvolvimento. Embora exijam ou- processos devem aceitar o desafio de discutir e con-
sadia e persistência, experiências como as de Vitória frontá-lo com outros interesses. Estamos, assim, di-
mostram que mudanças são possíveis, confirmando ante de um novo palco de atuação, além dos muros
que, mais que uma meta, o desenvolvimento sus- das academias e laboratórios, onde os debates se dão
tentável deve ser encarado como um processo. em outros termos e não mais através dos mecanis-
Contudo, não é um caminho fácil: “Buscar novas mos tradicionais do mundo científico.
formas de governar, de reverter o modelo centrali- A reflexão das estratégias comunicativas nas
zador, predatório e excludente são tarefas particu- mobilizações sociais pró-sustentabilidade também
larmente penosas em países como o nosso (...), traz provocações aos comunicadores: é preciso am-
onde o ato de romper com velhas estruturas torna- pliar os limites das redações e estúdios, atingindo as
se mais exaustivo em virtude da dispersão, da diver- ruas e as praças e ousar na sensibilidade para perce-
sidade, da inércia”.37 ber o outro enquanto comunicador. Para isso faz-se
Nesse sentido, o pesquisador pode desempe- necessário conjugar veículos de todos os portes,
nhar um importante papel, ajudando a “avaliar avan- compreendendo que muito mais que conteúdos
ços, dificuldades, garimpar as iniciativas e processos eles veiculam sentidos. E são os sentidos que mo-
espontâneos que revelam uma cultura pró-desen- vem. E é desse movimento pessoal e coletivo que vi-
volvimento sustentável”.38 A democracia participa- rão as alternativas tão urgentes. Trata-se não apenas
tiva, com foco na ação local e na gestão comparti- de provocar gestos de assentimento ou de adesão,
lhada dos recursos, é a via política para a construção mas de despertar ações e reações ativas que se des-
da sustentabilidade.39 Em outros termos, a elabora- dobrem em outras, participativas, solidárias e, so-
ção de políticas públicas sustentáveis implica a reva- bretudo, políticas. O desafio não é o de convencer
lorização (através de formulações teóricas ou de ex- ou informar – mas o de gerar processos de comu-
periências práticas) da sociedade civil e da esfera pú- nicação, de debate e de mudanças. Curiosamente, o
blica e, por conseqüência, das mediações ou proces- comunicador profissional aparece apenas em uma
sos comunicativos que os caracterizam.40 Todos os parte do processo do Vitória do Futuro, a que toca
setores são igualmente afetados por esses desafios.
40 A relação entre comunicação e política tem na abordagem das questões
referentes à esfera pública um de suas mais instigantes vertentes dos estu-
37 Projetos, 2000. dos da modernidade (SIGNATES & WILTON, 1998, p. 232). Ver, por
38 Ibid. exemplo, o número 3 da revista Novos Olhares (ECA/USP), dedicada ao
39 Ministério do Meio Ambiente, 2000. tema.

impulso nº 30 43
g g y y

diretamente à grande imprensa. Todas as demais es- tras questões permanecem abertas. Em que medida
tratégias foram concebidas e executadas pelos coor- o processo vivido pelos reeditores transformou-se
denadores, que, embora de forma intuitiva, agiram em novos olhares, novos afetos e novas posturas –
numa perspectiva comunicativa e globalizante, ca- não apenas próprios mas também de seus públicos,
paz inclusive de assimilar e estimular elementos não inserindo-se na prática cotidiana dos cidadãos de Vi-
previstos inicialmente, mas que ajudaram a veicular tória? Permanece a dúvida, a inquietação. Mas é im-
informações e sentidos necessários para o debate possível quedar-se indiferente a esse clamor: “Será
em questão. É o caso das reuniões temáticas e dos demais pretender do ato comunicativo presentifica-
lançamentos dos livros. do, veloz, volátil, um ato de comunhão dos desejos
Finalmente, a análise de Vitória do Futuro aju- coletivos? A pergunta paira no instante do artesana-
da-nos a compreender melhor as possibilidades de to: um ser-comunicador, solidário culturalmente,
incrementar e viabilizar novas formas de participa- identificado com o outro, seu interlocutor, pode
ção, inclusive de atores não tradicionais, para que,
isolar-se da dor universal?”.42
baseados no acesso à informação, todos possam to-
mar parte na busca de alternativas ambientalmente 41 Agenda 21, 1992; LEIS, 1997; e Tratado, 1992.
saudáveis para suas comunidades.41 Contudo, ou- 42 MEDINA, 1998, p. 15.

44 impulso nº 30
g g y y

Referências Bibliográficas
Agenda 21. Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Rio de Janeiro: Centro de Informa-
ções das Nações Unidas, 1992.
ALFONZO, A. La Unesco y la comunicación para el desarrollo en América Latina. In: MELO, J.M. (org).Identidades Culturais
Latino-americanas em tempo de comunicação global. São Bernardo: Edims, 1997.
CANCLINI, N.G.Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997.
CASTELLS, M. La Era de la Información: economía, sociedad y cultura. El Poder de la identidad. Trad. C.C.M. Gimeno. Madrid:
Alianza, 1998, v. 2.
CRESPO, S. & LEITÃO, P.O que o Brasileiro Pensa da Ecologia. Rio de Janeiro: MAST/CETEM/ISER, 1993.
CRESPO, S.O que o brasileiro pensa sobre o meio ambiente, Desenvolvimento e sustentabilidade. 1997. <http://
www.mma.gov.br/port/SE/pesquisa> (15/ago./2000).
FAYARD, P. El proyecto histórico, político y estratégico de la comunicación publica de la ciencia e de la tecnologia.Quark,
Ciencia, Medicina, Comunicación y. Barcelona: Pompeo Fabra, 1995.
___________. Toward the sharing of intelligence: historical dynamic & current trends of public communication of sci-
ence & techonology in Europe. Intercom. Revista Brasileira de Comunicação Social. São Paulo, Intercom, XIX (1): 69-
79, 1996.
Instituto de Recursos Naturais (WRI). União Mundial para a Natureza (IUCN). Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (PNUMA). Estratégia global da biodiversidade. s/l: Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, 1992.
LEIS, H.R. Um modelo político-comunicativo para superar o impasse do atual modelo político-técnico de negociação
ambiental no Brasil. In: CAVALCANTI, C. (org). Meio ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Políticas Públicas. São
Paulo/Recife: Cortez/Fundação Joaquim Nabuco, 1997.
LINS E SILVA, E.Ecologia e Sociedade: uma introdução às implicações sociais da crise ambiental. São Paulo: Loyola, 1978.
MAFESOLI, M. A Contemplação do Mundo.Trad. Settineri, F.F. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1995.
MARTÍN-BARBERO, J. Dos Meios às Mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Trad. R. Polito & S. Alcides. Rio de
Janeiro: UFRJ, 1997.
MEDINA, C. Símbolos e Narrativas. Rodízio 97 na cobertura jornalística. São Paulo: Secretaria do Meio Ambiente, 1998.
___________. Agenda 21 brasileira: bases para discussão. 2000. <http://www.mma.gov.br/port/se/agen21/ag21bra>
(14/mar./2001).
Ministério do Meio Ambiente. Recursos Hídricos e Amazônia Legal Agenda 21 Brasileira: bases para discussão. 2000.
<http://www.mma.gov.br/port/se/agen21/ag21bra> (14/mar./2001).
NOVAES, E.S. (consultor).Elaboração e implementação das Agendas 21 locais da Região Sudeste. ICLEI, 1998.
OROZCO GOMES, G. La Investigación en Comunicacion desde la Perspectiva Cualitativa. La Plata: Universidad Nacional de
La Plata/Instituto Mexicano para el Desarrollo Comunitario, 1995.
Projetos Brasileiros de Desenvolvimento Sustentável. 100 experiências brasileiras de desenvolvimento sustentável.
1997. <http://mma.gob.br/port/se/agen21/experien.html> (2/jul./2000).
SIGNATES, L. & WILTON, S.M. Bibliografia comentada.Novos olhares. Revista de Estudos sobre Práticas de Recepção a Produ-
tos Mediáticos. São Paulo: Dep. de Cinema, Rádio e Televisão/ECA/USP, 1 (1): 50-53, 1998.
TORO, A.J.B. Mobilização social: uma teoria para a universalização da cidadania. In: MONTORO, T.S.Comunicação e Mobili-
zação Social. Brasília: UnB, 1996.
TORO, A.J.B. & WERNECK, N.M.D. Mobilização Social: um modo de construir a democracia e a participação. Brasília: Ministé-
rio do Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Amazônia Legal,UNICEF, 1997.
TRAJBER, R. & MANZOCHI, L.H. (org).Avaliando a Educação Ambiental no Brasil: materiais impressos. São Paulo: Gaia, 1996.
Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global. Rio de Janeiro, 1992.
[Impresso].

impulso nº 30 45
g g y y

46 impulso nº 30

Você também pode gostar