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Estratégias complexas de reabilitação urbana

O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

Madalena Perestrelo de Lemos

Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em

Arquitetura

Orientador: Prof. Jorge Manuel Gonçalves

Júri
Presidente: Prof.a Maria Alexandra de Lacerda Nave Alegre
Orientador: Prof. Jorge Manuel Gonçalves
Vogal: Dr. João Wengorovius Ferro Meneses

Outubro 2014
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

AGRADECIMENTOS

Ao Professor Jorge Gonçalves, pelo apoio, interesse, disponibilidade e orien-


tação ao longo de todo o trabalho.

Aos Arquitetos Maria Cristina Pinto Cardoso Neves e Paulo Mendes Gonçal-
ves, responsáveis pelo projecto de requalificação do Largo do Intendente,
pela documentação fornecida, pela disponibilidade e troca de ideias nas en-
trevistas realizadas.

À Doutora Estela Gonçalves, pelo contributo positivo e ajuda.

À directora do LARGO Residências, Marta Silva, pela informação partilhada


e perspectiva enriquecedora para o trabalho.

À minha família e amigos, pelo acompanhamento e motivação.

I. Agradecimentos
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

RESUMO

REABILITAÇÃO URBANA
Actualmente, os processos de reabilitação urbana dão resposta a um cres-
cente número de objectivos, que vão para além da preservação do edificado
CRIATIVIDADE
e do espaço público, nomeadamente a integração de princípios sociais, cul-
ESPAÇO PÚBLICO turais e de sustentabilidade. A reabilitação urbana tornou-se assim num pro-
cesso de desenvolvimento urbano complexo e num tema central das políti-
NOBILITAÇÃO
cas urbanas para a competitividade e coesão das cidades. Assiste-se assim
INTERVENÇÃO INTEGRADA a soluções diversificadas, cada vez mais integradas e multidimensionais. O
presente trabalho procura contribuir para o enquadramento e entendimento
das dinâmicas complexas de reabilitação urbana, a nível do espaço publico,
criatividade e nobilitação.

Numa primeira parte, apresenta-se a reabilitação urbana no contexto inter-


nacional e nacional e demonstra-se a evolução do conceito e das políticas.
A segunda parte foca-se na cidade de Lisboa, servindo de enquadramento
ao caso de estudo, o Largo do Intendente. Por último, pretende-se compre-
ender o processo em curso neste Largo, começando por enquadrá-lo nos
programas e planos em vigor na zona. De seguida, analisa-se as diferentes
dinâmicas e sinergias que contribuem para a reabilitação e reversão do es-
paço, nomeadamente a nível do espaço público e de estratégias assentes na
criatividade e nobilitação.

A elaboração deste trabalho permitiu constatar a importância da combina-


ção destas dinâmicas e do espaço público para a reabilitação de uma zona
degradada e desqualificada, da parceria entre as diversas entidades, públi-
cas e privadas, assim como da participação das associações e população
locais no processo. As questões que surgiram com a presente dissertação
prendem-se com a integração dos residentes da envolvente nas actividades
que ocorrem assim como a sustentabilidade da intervenção a nível social e
económico, e a sua ligação com o resto da cidade. Pretendeu-se contribuir
para um dos principais desafios que hoje se colocam à reabilitação urbana: a
integração, a compatibilidade e a coordenação das diversas áreas sectoriais
e saberes disciplinares.

II. Resumo
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

ABSTRACT

Currently, the processes of urban rehabilitation address a growing number URBAN REHABILITATION
of objectives that go beyond the preservation of the buildings and the public
CREATIVITY
space, namely the integration of social, cultural and sustainable principles.
That way, the urban rehabilitation became a complex urban development PUBLIC SPACE
process and a central topic in the urban policies about the competitiveness
GENTRIFICATION
and cohesion of the cities. Therefore, it was possible to observe diversified
solutions, more integrated and multidimensional than before. The purpose of INTEGRATED INTERVENTION
this dissertation is to frame and understand the complex dynamics of urban
rehabilitation, in terms of public space, creativity and gentrification.

The first part of the work addresses the urban rehabilitation in the internatio-
nal and national context, and presents the evolution of the concept and the
policies. The second part focuses in the city of Lisbon, contextualizing the
object of study, the Largo do Intendente. Finally, the ongoing process in this
area will be studied, starting by framing it in the programs and plans in place
in this zone. An analysis of the different dynamics and synergies that contri-
bute to the rehabilitation and reversion of the space will then be conducted,
namely in terms of the public space and strategies based on creativity and
gentrification.

This dissertation showed the importance of the combination between these


dynamics and the public space to the rehabilitation of a neglected and dis-
qualified zone, of the partnership between the diverse entities, public and
private, and also of the participation of the associations and local population
in the process. The main questions that have arisen from the dissertation are
related to the integration of the surrounding residents in the activities that
take place, the sustainability of the intervention in social and economic ter-
ms, and its connection with the rest of the city. This work aims to contribute
to one of the biggest challenges posed to the urban rehabilitation nowadays:
the integration, the compatibility and the coordination between the different
sectorial areas and disciplinary knowledge.

III. Abstract
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

ÍNDICE

I. AGRADECIMENTOS
II. RESUMO
III. ABSTRACT
IV. ÍNDICE
V. ÍNDICE DE FIGURAS E QUADROS
VI. LISTA DE ABREVIATURAS E ACRÓNIMOS

00 INTRODUÇÃO 17
0.1 Motivação e pertinência temática 18
0.2 Objectivos 18
0.3 Metodologia 19
0.4 Organização 20

01 REABILITAÇÃO URBANA: POLÍTICAS E PROGRAMAS 23


1.1 Da expansão à reabilitação 24
1.2 Reabilitação urbana: um caminho 26
1.3 Programas de apoio à reabilitação urbana: casos exemplares 31
1.4 O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação 38

02 A REABILITAÇÃO NA CIDADE DE LISBOA: UMA APOSTA ESTRATÉGICA 47


2.1 Novas dinâmicas e desafio estratégico 48
2.2 A reabilitação urbana na cidade de Lisboa 49
2.2.1 Olhar retrospectivo 49
2.2.2 Exemplos de reabilitação urbana na cidade de Lisboa 52
2.2.3 Programas de apoio à reabilitação urbana 55
2.3 O futuro próximo da Reabilitação em Lisboa 61
2.3.1 A reabilitação nos instrumentos de planeamento territorial 61
2.3.2 Lisboa 2020 62

03 A MOURARIA NOS INSTRUMENTOS DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL E URBANO 67


3.1 Génese e caracterização do bairro da Mouraria 68
3.1.1 Quadro histórico-urbanístico 68
3.1.2 Tecido social 71
3.1.3 Caracterização sociodemográfica e socioeconómica 72
3.2 Orientação do Planeamento Urbano 75
3.2.1 Plano Director Municipal 75
3.2.2 Plano de Urbanização do Núcleo Histórico da Mouraria 77

IV. Índice
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

3.3 A reabilitação na Mouraria: um processo em evolução 79


3.3.1 Mouraria: as cidades dentro da cidade 80
3.3.2 Programa de Desenvolvimento Comunitário da Mouraria 86
3.3.3 Incentivos à reabilitação urbana 88

04. O LARGO DO INTENDENTE: UMA REVOLUÇÃO EM CURSO 93


4.1 A construção histórica de um espaço central 94
4.2 O processo de reabilitação 99
4.2.1 Projecto de requalificação urbanística e ambiental do 99
Largo do Intendente
4.2.2 Estratégias complexas de reabilitação 107
4.3 A sustentabilidade da intervenção 128

05 CONCLUSÕES 133

06 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 137

IV. Índice
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

01. REABILITAÇÃO URBANA: POLÍTICAS E PROGRAMAS

Fig. 01.1- Ágora cidade grega


ensinodahistoria1.blogspot.pt [04.05.2014]

Fig.01.2- Diagrama esquemático da cidade jardim. Ebenezer Howard.


www.library.cornell.edu/Reps/DOCS/howard.htm [10.05.2014]

Fig.01.3- Maquete do plano para Paris, Le Corbusier


sedulia.blogs.com/sedulias_quotations/2011/10/barthelme-le-corbusier-and-paris.html [10.05.2014]

Fig.01.4- Cidade de Barcelona

Fig. 01.5- Periferia de Lisboa


www.estudoprevio.net/artigos/12/bruno-ferreira-.-optimist-suburbia [20.05.2014]

Fig. 01.6- Edifício em elevado estado de degradação em Lisboa


cidadanialx.blogspot.pt/2011/02/postais-da-graca-largo-da-graca.html [24.05.2014]

Fig. 01.7- Imóvel no Bairro Alto reabilitado


www.reabilita.pt [07.06.2014]

Fig.01.8- John Ruskin


www.commons.wikimedia.org/wiki/File:John_Ruskin_1870.jpg [04.06.2014]

Fig. 01.9- Gustavo Giovanoni


www.tecniarte.wordpress.com/figuras-ilustres-do-restauro/o-restauro-cientifico/ [15.06.2014]

Fig. 01.10- Cidade de Berlim após 2ª Guerra Mundial


www.spiegel.de/fotostrecke/photo-gallery-a-century-long-project-fotostrecke-56372.html [14.06.2014]

Fig. 01.11- Praça Maggiore em Bolonha


www.bolognawelcome.com [20.06.2014]

Fig. 01.12 – Centro histórico do porto, património mundial desde 1996


www.revistame.wordpress.com [22.06.2014]

Fig. 01.13- Edifício abandonado no centro de Lisboa


www.voxeurop.eu/pt/content/article/312171-lisboa-cidade-abandonada [24.06.2014]

Fig. 01.14- Edifício vencedor do prémio RECRIA 2005, Lisboa


www.portaldahabitacao.pt [04.07.2014]

Fig. 01.15- Intervenção desenvolvida no âmbito do POLIS em Leiria


www.parqueexpo.pt/conteudo.aspx?caso=projeto&lang=pt&id_object=580&name=Polis-Leiria [04.07.2014]

Fig. 01.16- Apropriação do espaço público pelas crianças, Helsínquia

Fig. 01.17- A praça do Museu de Arte Contemporânea em Barcelona é utilizada por skaters

Fig. 01.18- Performance na Av. da Catedral, Barcelona

Fig. 01.19- Requalificação Ribeira das Naus


www.cm-lisboa.pt [06.09.2014]

Fig.01.20- Terreiro do Paço


www.cm-lisboa.pt [06.09.2014]

Fig. 01.21- Requalificação do Miradouro de Sta Catarina, Lisboa


www.proap.pt/pt-pt/projecto/miradouro-de-santa-catarina/ [06.09.2014]

Fig. 01.22- Requalificação da Av. Duque d’Ávila, Lisboa


infohabitar.blogspot.pt/2014/03/requalificacao-da-cidade-imagem-urbana.html [06.09.2014]

V. Índice de figuras e quadros


O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

Fig. 01.23- Jan Gehl


www.streetswiki.wikispaces.com/Jan+Gehl [15.07.2014]

Fig. 01.24- Praça medieval em Siena


www.pinterest.com [05.07.2014]

Fig. 01.25- Loja na Embaixada em Lisboa


www.lisbonlux.com/lisbon-shops/embaixada-palacete-ribeiro-da-cunha.html [12.09.2014]

Fig. 01.26- O espaço público é apropriado por actividades criativas, Barcelona

Fig. 01.27- Charles Landry


www.moviespictures.org [15.06.2014]

Fig. 01.28- Richard Florida


www.obj.ca [15.06.2014]

Fig. 01.29- Projecto de intervenção artística em espaços públicos no Porto


www.saberviver.pt/etc/verao-na-cidade-entre-margens/#.VDBEWvldW8A [22.09.2014]

02. A REABILITAÇÃO NA CIDADE DE LISBOA: UMA APOSTA ESTRATÉGICA

Fig. 02.1- Armazéns do Chiado após o incêndio de 1988


www.tsf.pt [05.08.2014]

Fig. 02.2- Armazéns do Chiado actualmente


www.facebook.com/armazenschiado?fref=ts [03.08.2014]

Fig. 02.3- Residências EPUL Jovem, Martim Moniz


www.epul.pt/concursos/residenciasmartimmoniz/?idc=129 [27.09.2014]

Fig. 02.4 Edifício de habitação e comércio na Rua do Benformoso, Mouraria


www.epul.pt/concursos/benformoso/?idc=107 [11.09.2014]

Fig. 02.5- Plano de reconstrução do Chiado, Siza Vieira


www.aviagemdosargonautas.net [15.07.2014]

Fig. 02.6- Utilização do interior do quarteirão no Chiado


www.flickr.com/photos/fadb/5490368736/in/photostream/ [03.08.2014]

Fig. 02.7- Bairro de Alfama


www.lisbon-tourism.com [02.09.2014]

Fig. 02.8- Bairro da Mouraria


www.forumlisboa2009.parlamento.pt/img/mosaico/pasta/pages/09.htm [02.09.2014]

Fig. 02.9- Construção da EXPO’98


www.tsf.pt/multimedia/Galeria/?content_id=3452211&PageIdx=0 [11.07.2014]

Fig. 02.10- Vista aérea do Parque das Nações


www.tsf.pt/multimedia/Galeria/?content_id=3452211&PageIdx=0 [11.07.2014]

Fig. 02.11- Zona da Baixa


noticiasdearquitectura.blogspot.pt/2008_12_01_archive.html [11.07.2014]

Fig. 02.12- Praça D. Luís, Cais do Sodré


www.guiadacidade.pt/pt/poi-praca-d-luis-e-estatua-do-marques-sa-da-bandeira-24352 [25.09.2014]

Fig. 02.13- Escola Rainha D. Leonor, Prémio Valmor e Municipal de Arquitectura 2011
www.novaescola.min-edu.pt/np4/e1106454.html [25.09.2014]

Fig. 02.14- Fachada da fábrica


www.lxfactory.com/PT/lxfactory/#prettyPhoto[‘galeria’]/0/ [01.08.2014]

V. Índice de figuras e quadros


Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

Fig. 02.15- Fachada da fábrica


www.lxfactory.com/PT/lxfactory/#prettyPhoto[‘galeria’]/23/ [07.09.2014]

Fig.02.16-Espaço interior: livre e polivalente


www.lxfactory.com/PT/lxfactory/#prettyPhoto[‘galeria’]/3/ [07.09.2014]

Fig. 02.17- Livraria Ler Devagar

Fig. 02.18- Restaurante 1300 Taberna


myguide.iol.pt/profiles/blogs/comercio-para-la-e-para-ca-na-lx-factory [07.09.2014]

Fig. 02.19- Espaço de trabalho partilhado


www.facebook.com/Coworklisboalx [07.09.2014]

Fig. 02.20 - Exposição


www.facebook.com/media [07.09.2014]

Fig. 02.21 – Mercado semanal de produtos em 2ª mão


myguide.iol.pt/profiles/blogs/comercio-para-la-e-para-ca-na-lx-factory [07.09.2014]

Fig. 02.22- Rua antes da intervenção


www.joseadriao.com/ [10.09.2014]

Fig. 02.23- Proposta do atelier José Adrião Arq.


www.joseadriao.com [10.09.2014]

Fig. 02.24- Rua Cor-de-Rosa


www.cm-lisboa.pt [10.09.2014]

Fig. 02.25- Pensão Amor


cool-lisbon.blogspot.pt/2012/03/cool-bars.html [10.09.2014]

Fig.02.26- Obras no Martim Moniz


www.skyscrapercity.com/showthread.php?p=91474244 [12.08.2014]

Fig. 02.27- Praça Martim Moniz


www.cm-lisboa.pt/equipamentos/equipamento [12.08.2014]

Fig. 02.28- Praça Martim Moniz


www.cm-lisboa.pt/equipamentos/equipamento [12.08.2014]

Fig. 02.29- MEO OUT JAZZ no Martim Moniz


www.facebook.com/outjazz2012?fref=ts [12.08.2014]

Fig. 02.30- A Linha, um dos projectos vencedores do programa BIP/ZIP 2012, Alfama
alinhaalfama.wordpress.com/2013/03/18/paragem-no-24-stop-no-24/ [13.07.2014]

Fig. 02.31- Carta BIP/ZIP 2010


habitacao.cm-lisboa.pt/index.htm?no=2720001 [01.06.2014]

Quadro 02.32-Número de candidaturas e montante disponível para a estratégia BIP/ZIP por ano
habitacao.cm-lisboa.pt/index.htm?no=2730001 [01.06.2014]

Fig. 02.33- Exposição Dentro de ti ó cidade, MUDE


www.mude.pt [05.07.2014]

Fig. 02.34- Esquema síntese da estratégia de reabilitação na cidade de Lisboa

Fig. 02.35- Esquema das intervenções, relações entre estas e objectivos a que dão resposta
Equipa de Missão Lisboa, 2012

03. A MOURARIA NOS INSTRUMENTOS DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL E URBANO

Fig. 03.1- Planto geral de Lisboa em 1833


www.museudacidade.pt/Coleccoes/Cartografia/paginas/Planta-geral-de-Lisboa.aspx [12.09.2014]

V. Índice de figuras e quadros


O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

Fig. 03.2- Cerca fernandina sobreposta à planta de Lisboa de 1856/1857


revelarlx.cm-lisboa.pt/gca/?id=135 [01.08.2014]

Fig. 03.3 – Fontanário entre 1898 e 1908


Neves e Gonçalves, 2011

Fig. 03.4 – Uma das diversas escadas do bairro


ventaniasrosadas.blogspot.pt/2013/07/ai-mouraria.html [08.09.2014]

Fig. 03.5- Rua do Benformoso e Rua do Terreirinho, 1950


revelarlx.cm-lisboa.pt [08.09.2014]

Fig. 03.6–Comércio na Mouraria


www.cm-lisboa.pt/noticias/detalhe/article/quantas-mourarias-tem-lisboa [21.09.2014]

Fig. 03.7- Centro Comercial da Mouraria


www.bestguide.pt/centro-comercial-da-mouraria/ [21.09.2014]

Quadro 03.8- População residente


INE, Censos 1991, 2001, 2011

Quadro 03.9- Percentagem de habitantes por faixa etária


INE, Censos 2011

Quadro 03.10- Nível de escolaridade


INE, Censos 2011

Fig. 03.11- Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego

Fig. 03.12- Edifício de habitação na Rua do Benformoso, no101-103


www.cm-lisboa.pt/equipamentos [13.09.2014]

Fig. 03.13- Limite da área do Plano e área edificada


Adaptado de AML, 2014

Fig. 03.14- Requalificação do espaço público


www.porlisboa.qren.pt/np4/634.html [11.09.2014]

Fig. 03.15- Obras de melhoria da acessibilidade e mobilidade


www.aimouraria.cm-lisboa.pt/requalificacao-do-espaco-publico.html [11.09.2014]

Fig. 03.16- Interior do Quarteirão antes da intervenção


quarteiraodoslagares.blogs.sapo.pt/306.html [11.09.2014]

Fig. 03.17- Vista da entrada principal


www.aimouraria.cm-lisboa.pt/quarteirao-dos-lagares/descricao.html [11.09.2014]

Fig. 03.18- Modelo tri-dimensional da proposta


www.aimouraria.cm-lisboa.pt/quarteirao-dos-lagares/descricao.html [11.09.2014]

Fig. 03.19- Edifício antes da intervenção


www.idealista.pt/news/imobiliario/habitacao [25.08.2014]

Fig. 03.20- Casa da Severa


www.aimouraria.cm-lisboa.pt/valoracao-das-artes-e-dos-oficios [25.08.2014]

Fig. 03.21- Interior da Casa da Severa


www.idealista.pt/news/imobiliario/habitacao [25.08.2014]

Fig. 03.22- Sinalética do Percurso Turístico-Cultural

Fig. 03.23- Percurso Mouraria dos Povos e das Culturas


www.renovaramouraria.pt/percurso-mouraria-dos-povos-e-das-culturas/ [11.09.2014]

Fig. 03.24- Outdoor de divulgação do PA Mouraria


aimouraria.com-lisboa.pt [11.08.2014]
V. Índice de figuras e quadros
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

Fig. 03.25- Imagem do vídeo de apresentação do projecto de requalificação da Mouraria, Set. 2011
vimeo.com/29968011 [03.09.2014]

04. O LARGO DO INTENDENTE: UMA REVOLUÇÃO EM CURSO

Fig.04.1- Rua dos Anjos, uma das saídas mais importantes de Lisboa
lisboahojeeontem.blogspot.pt/2012/09/rua-dos-anjos.html [23.08.2014]

Fig.04.2- Planta1856-58
Gabinete Estudos Olisiponenses

Fig.04.3- Planta1911
Gabinete Estudos Olisiponenses

Fig.04.4- Planta 1950


Gabinete Estudos Olisiponenses

Fig. 04.5 – O Largo do Intendente


lisboahojeeontem.blogspot.pt/2012_09_01_archive.html [16.08.2014]

Fig. 04.6- Palacete Pombalino


Neves e Gonçalves, 2011

Fig. 04.7- Chafariz do Desterro


lisboahojeeontem.blogspot.pt/2012_09_01_archive.html [16.08.2014]

Fig.04.8- Lado poente

Fig.04.9- Lado nascente

Fig.04.10- Taça usada como bebedouro para os animais, início século XX


Neves e Gonçalves, 2011

Quadro 04.11- Pop. Residente, no famílias, alojamentos e edifícios por quarteirão.


INE, Censos 2011

Fig.04.12- Evolução da pesquisa pelo tópico “Largo do Intendente”


google.com/trends [18.09.2014]

Fig.04.13- Cronologia das notícias sobre o Largo do Intendente

Fig.04.14- Obras no Largo do Intendente


www.aimouraria.cm-lisboa.pt/ [16.08.2014]

Fig. 04.15– Limite da área de intervenção


Adaptado de Neves e Gonçalves, 2011

Fig. 04. 16- Circulação viária existente e proposta


Adaptado de Neves e Gonçalves, 2011

Fig. 04.17- Largo antes da intervenção: um todo viário e uma ilha pedonal
Neves e Gonçalves, 2011

Fig. 04.18- Estereotomia de pavimento da rua do Benformoso


Adaptado de Neves e Gonçalves, 2011

Fig. 04.19- Estereotomia de pavimento da rua do Largo do Intendente


Adaptado de Neves e Gonçalves, 2011

Fig. 04.20- Estrutura pavimentada do Largo


Adaptado de Neves e Gonçalves, 2011

Fig. 04.21- Pormenor do pavimento: calçada de vidraço branco e lajetas em pedra lióz

Fig. 04.22- Elemento água no largo

V. Índice de figuras e quadros


O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

Fig. 04.23- Poema de Fernando Pessoa gravado nas lajetas do pavimento


Neves e Gonçalves, 2011

Fig. 04.24- Plátano que existia no Largo


projetotoca.wordpress.com/2011/01/10/intendentando/ [20.08.2014]

Fig. 04.25- Árvores existentes e respectiva sombra

Fig. 04.26- Iluminação e mobiliário urbano

Fig. 04.27- Mobiliário urbano

Fig. 04.28- Sistema de drenagem integrado no pavimento

Fig. 04.29- Kit Garden

Fig. 04.30- Conclusão do projecto de requalificação em 2012


fugas.publico.pt/Noticias307495_revolucao-do-intendente-passa-pela-musica-e-artistas-esplanadas-e-turis-
tas [16.08.2014]

Fig. 04.31- Concerto orquestra TODOS e ORCHESTRA DI PIAZZA VITTORIO, Set. 2012
todoscaminhadadeculturas.blogspot.pt [18.09.2014]

Fig. 04.32- Imagem da iniciativa, Julho 2012


boasnoticias.pt/noticias_Lisboa-Intendente-renasce-e-est%C3%A1-em-festa [16.08.2014]

Fig. 04.33 –Yorn Intendente Skate Jam, Junho 2013


www.cm-lisboa.pt/noticias/detalhe/article/quantas-mourarias-tem-lisboa [06.09.2014]

Fig. 04.34- MEO Out Jazz, Julho 2013


www.facebook.com/outjazz2012 [05.09.2014]

Fig. 04.35- Red Bull o Santos Vertical


www.redbull.pt [02.09.2014]

Fig. 04.36- Proposta de residência de estudantes


www.publico.pt/local/noticia/vai-nascer-uma-residencia-de-estudantes-no-intendente [21.09.2014]

Fig. 04.37- Cartazes que estiveram na origem do projecto


www.renovaramouraria.pt/category/projectos/jornal-rosa-maria/ [21.08.2014]

Fig. 04.38- Jornal ROSA MARIA no2 e no7


www.renovaramouraria.pt/category/projectos/jornal-rosa-maria/) [21.08.2014]

Fig. 04.39- Actividades na Mouradia


www.facebook.com/renovar.a.mouraria [16.09.2014]

Fig. 04.40- Mercado na Mouraria


www.facebook.com/renovar.a.mouraria [16.09.2014]

Fig.04.41 - Pátio da Casa Independente


timeout.sapo.pt/artigo.aspx?id=1642 [16.09.2014]

Fig. 04.42 - Iniciativas no Largo


v-miopia.blogspot.pt/2013/07/casa-independente-sai-rua-iv.html [18.09.2014]

Fig.04.43- Bike-pop

Fig.04.44- Actividades promovidas pela cooperative POST


www.facebook.com/bikepop/photos_stream?tab=photos_stream [18.09.2014]

Fig.04.45- Entrada LARGO residências

Fig. 04.46- Yoga no Largo

V. Índice de figuras e quadros


Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

Fig. 04.47- Sonhos em Obra


Largo Residências, 2012

Fig.04.48- Entrada LARGO Café e LARGO Estúdio

Fig. 04.49- Esplanada do LARGO Café

Fig. 04.50 – Reunião do projecto


www.facebook.com/media/set [24.09.2014]

Fig. 04.51- O das Joanas Café

Fig. 04.52- Produtos de criação portuguesa

Fig. 04.53- Debates no interior da loja


www.facebook.com/media/set [24.09.2014]

Fig. 04.54- Painel na fachada da loja

Fig. 04.55- Sport Clube Intendente

Fig. 04.56- Espaço SOU


www.facebook.com/souassociacaocultural [14.09.2014]

Fig. 04.57 -Agenda B.I. de Maio


www.facebook.com/bairrointendente/info [16.06.2014]

Fig.04.58- “B.I. Cerâmico”, realizado num atelier de cerâmica no âmbito do Festival Bairro Intendente
em Festa.
www.facebook.com/bairrointendente/info [14.09.2014]

Fig.04.59- Mandela Day no Largo do Intendente no âmbito do Festival Bairro Intendente em Festa
vimeo.com/101288597 [30.08.2014]

Fig. 04.60- Cronologia das notícias sobre o Largo do Intendente

Fig. 04.61- Esquema síntese do processo de reabilitação no Largo do Intendente

V. Índice de figuras e quadros


O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

LISTA DE ABREVIATURAS E ACRÓNIMOS

ACRRU – Área Crítica de Recuperação e Reconversão Urbanística


AML – Área Metropolitana de Lisboa
ARM – Associação Renovar a Mouraria
ARU – Área de Reabilitação Urbana
BIP/ZIP – Bairros e Zonas de Intervenção Prioritária
CIAM – Congresso Internacional de Arquitectura Moderna
CML – Câmara Municipal de Lisboa
DGOTDU – Direcção Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano
EPU – Espaços Públicos Urbanos
GABIP - Gabinete de Apoio ao Bairro de Intervenção Prioritária
GTL – Gabinetes Técnicos Locais
IHRU – Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana
INE – Instituto Nacional de Estatística
OP – Orçamento Participativo
PIPARU – Programa de Investimentos Prioritários em Acções de Reabilitação Urbana do Município
PDCM – Programa de Desenvolvimento Comunitário da Mouraria
PDM – Plano Diretor Municipal
PRAUD – Programa de Recuperação de áreas Urbanas Degradadas
PRID – Programa para a Recuperação de Imóveis Degradados
PRU – Programa de Reabilitação Urbana
PUNHM – Plano de Urbanização do Núcleo Histórico da Mouraria
QREN – Quadro de Referência Estratégica Nacional da Mouraria
RECRIA – Regime Especial de Comparticipação na Recuperação de Imóveis Arrendados
RECRIPH – Regime Especial e Comparticipação e Financiamento na Recuperação de Prédios Urba-
nos em Regime de Propriedade Horizontal
REHABITA – Regime de Apoio à Recuperação Habitacional em Áreas Urbanas Antigas
RJRU – Regime Jurídico da Reabilitação Urbana
SRU – Sociedades de Reabilitação Urbana

VI. Lista de abreviaturas e acrónimos


00 INTRODUÇÃO

0.1 Motivação e pertinência temática


0.2 Objectivos
0.3 Metodologia
0.4 Organização
INTRODUÇÃO 00
“We created cities to celebrate what we have in common. Now they
are designed to keep us apart” (Rogers, R., 1997).
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

0.1 Motivação e pertinência temática

A reabilitação urbana tem actualmente um papel central na revitalização das


cidades, contribuindo para o reforço da sua coesão e competitividade. No
início surgiu como uma intervenção técnica em edifícios tendo-se agora tor-
nado num processo de desenvolvimento urbano complexo e integrado. A
complexidade das questões locais e a incerteza que rodeia as forças globais
actualmente exigem fórmulas de intervenção multidimensionais que se tra-
duzem na necessidade de considerar, de modo integrado, domínios diversos
no processo de reabilitação, dos físicos aos imateriais, dos urbanísticos aos
sociais e culturais.

A motivação para a escolha do tema da presente dissertação nasce do in-


teresse em aprofundar o processo da reabilitação urbana numa perspectiva
multidimensional e com uma maior incidência no espaço público e conse-
quente qualidade de vida nos espaços mais desqualificados e marginaliza-
dos das cidades. Estas zonas resultam muitas vezes num espaço público
desqualificado e inseguro, tendo assim tanto a arquitectura como os instru-
mentos de planeamento urbano um papel fundamental na reversão destes
espaços. Consequentemente, torna-se muito relevante a reversão destes
espaços social e urbanisticamente desqualificados para a coesão, competi-
tividade e efeito multiplicador noutras áreas da cidade. A escolha do espaço
público prendeu-se pelas transformações e interações que nele convergem,
como a relação entre as pessoas, elemento fundamental para a vitalidade de
qualquer espaço.

O Largo do Intendente, espaço inserido na requalificação da Mouraria, foi


escolhido para ilustrar as relações complexas que se estabelecem nos pro-
cessos de reabilitação urbana entre espaço público, criatividade e atracção
de residentes, mas também pelo interesse que esta zona central e histórica
de Lisboa tem despertado, sobretudo pelos ciclos que foi sucessivamente
sofrendo- de zona nobre a zona de abandono e decadência- e que procura
agora através da revolução urbana que está a ocorrer reinventar-se. A pecu-
liaridade do bairro da Mouraria, com o seu traçado orgânico e o seu tecido
social tão característico, são também motivos que reforçaram a selecção do
objecto de estudo. Finalmente, o facto deste processo de reabilitação estar
em curso é um factor influenciador desta escolha, pelos desafios e potencia-
lidades que isso traz.

0.2 Objectivos

O objectivo principal desta dissertação é compreender e estudar os efeitos


e potencialidades da adopção de estratégias de reabilitação urbana integra-
das e multidimensional na regeneração de áreas centrais deprimidas, tendo
como objecto de estudo o Largo do Intendente.

18
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

Como objectivos específicos pretende-se:

- Contribuir para uma avaliação crítica dos processos multidimensionais de


reversão sócio-urbana.

- Estabelecer um quadro teórico em torno do declínio e marginalização das


áreas centrais urbanas.

- Determinar os motores (políticos, económicos, financeiros e culturais) da


inversão/reversão destes tempos e espaços recessivos.

- Estudar o efeito combinado de criatividade, espaço público e nobilitação,


apoiado no caso do Largo do Intendente.

- Perceber, apoiado no caso de estudo, de que forma a arquitectura e o de-


senho urbano se articulam com as dinâmicas sociais.

0.3 Metodologia

A recolha documental foi a base da investigação teórica, sendo que é ne-


cessário em primeiro lugar definir conceitos como os de reabilitação urba-
na, criatividade e espaço público e, em seguida, compreender o quadro da
reabilitação urbana quer internacional como nacionalmente, a evolução dos
programas de reabilitação assim como a legislação que a acompanha. A re-
colha bibliográgica foi assim fundamental para a actualização dos conceitos
e das dinâmicas que afectam o fenómeno da reabilitação urbana e conse-
quentemente para a forma como foi estudado o caso prático.

O caso prático foi baseado numa primeira fase em recolha documental acer-
ca dos programas e planos relativos àquela zona, de modo a entender a
evolução dos mesmos assim como a fase em que estes se encontram.

Será desenvolvida depois uma análise da reabilitação urbana do Largo do


Intendente recorrendo-se à observação directa, com recolha fotográfica e
levantamentos in situ de modo a perceber a forma como foi aplicado o con-
ceito de reabilitação urbana. Este método permitiu experimentar e sentir o
espaço e as suas dinâmicas em diferentes alturas e entender como se arti-
culam todos estes acontecimentos.

Recorre-se também à realização de entrevistas semi-directivas aos arqui-


tectos e socióloga responsáveis pelo projecto de requalificação do espaço
público e à directora do LARGO Residências. Estas entrevistas contribuem
para a reflexão que se propõe fazer na medida em que apresentam diferen-
tes visões e um olhar global sobre este processo.

19
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

0.4 Organização

Este trabalho organiza-se em quatro capítulos. O primeiro capítulo contextu-


aliza a reabilitação urbana quer internacional como nacionalmente, e descre-
ve os programas que foram e estão a ser desenvolvidos de apoio à reabilita-
ção em Portugal. Paralelamente, são descritos os conceitos de criatividade,
espaço público e nobilitação, reconhecendo a importância que estes facto-
res têm tido nas estratégias adoptadas em todas as cidades.

O segundo capítulo refere-se à cidade de Lisboa, primeiramente com um


olhar retrospectivo acerca da reabilitação seguido da apresentação de al-
guns exemplos de reabilitação cuja estratégia se baseia em alguns dos con-
ceitos descritos no capítulo anterior. Procurou-se ainda definir os programas
e estratégias de apoio à reabilitação em vigor na cidade de Lisboa. Este capí-
tulo é finalizado com uma análise aos documentos estratégicos que definem
o futuro da reabilitação para Lisboa.

No terceiro capítulo é feito um enquadramento histórico do bairro da Mou-


raria, assim como uma caracterização económica e demográfica do bairro.
Este enquadramento é seguido da descrição do processo de reabilitação em
curso na Mouraria, no qual se insere o caso de estudo da dissertação.

O quarto capítulo refere-se à “revolução” em curso no Largo do Intendente e


está dividido em três partes: o antes, o agora e o depois. Na primeira parte
é descrita a transformação do Largo ao longo do tempo, quer ao nível da
configuração do espaço público como a nível social. A segunda parte refere
o projecto de requalificação urbanística e ambiental do Largo do Intendente,
inserida no Programa de Acção da Mouraria, seguida do estudo das dinâ-
micas que revitalizam o Largo do ponto de vista social. A última parte deste
capítulo, o depois, analisa a sustentabilidade da intervenção e revolução em
curso.

O quinto e último capítulo diz respeito às conclusões que derivam da elabo-


ração do trabalho, assim como à revisão dos objectivos deste e o seu de-
senvolvimento. É elaborado um quadro crítico em relação ao caso de estudo
e são também discutidos diferentes desenvolvimentos que este processo
poderá ter.

20
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

21
01 REABILITAÇÃO URBANA: ENQUADRAMENTO E POLÍTICAS

1.1 Da expansão à reabilitação


1.2 Reabilitação urbana: um caminho
1.3 Programas de apoio à reabilitação urbana: casos exemplares
1.4 O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação
REABILITAÇÃO URBANA:
ENQUADRAMENTO E POLÍTICAS 01
A importância da reabilitação é actualmente reconhecida globalmen-
te na medida em que constitui o motor de desenvolvimento, elemen-
to de coesão e contribui para a competitividade das cidades.
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

1.1 Da expansão à reabilitação

“We created cities to celebrate what we have in common. Now they are de-
signed to keep us apart.”
(Rogers, R., 2007)
A importância dada às cidades remete aos gregos e ao longo dos tempos
Fig. 01.1 Ágora: expressão máxima da esfera existiram muitas concretizações propostas urbanísticas do conceito secular
pública grega
de “cidade ideal” - desde o forúm romano às cidades medievais, passando
Fonte: www.ensinodahistoria1.blogspot.pt
pela cidade-jardim de Ebenezer Howard e a cidade funcional de Le Corbu-
sier, terminando nas cidades periféricas à cidade central reabilitada e revitali-
zada (cf. Fig. 01.1; 01.2; 01.3) – que ainda marcam muitas cidades europeias
desde há mil anos. O Renascimento marca a transição entre as cidades de
crescimento espontâneo e as planeadas: “la ciudad dejó de ser una mera
herramienta y se convertió, en mayor medida, en una obra de arte, concebi-
da, percibida y realizada como un todo” (Gehl, 2006: 49).

A industrialização levou à segregação das funções urbanas e a uma conse-


Fig.01.2 Diagrama esquemático da cidade quente monotonia das cidades, o que resulta numa fraca actividade e inte-
jardim. Ebenezer Howard.
racção entre os seus habitantes. diminuindo assim a possibilidade de rece-
Fonte: http://www.library.cornell.edu
ber estímulos provenientes de outras pessoas (Gehl, 2006). Actualmente a
hierarquia das cidades não é mais definida pela dimensão da população mas
pela densidade de interacções que estas permitem (Rodrigues, 2010). Walter
Rodrigues defende que as metrópoles iniciaram o processo de reestrutura-
ção urbana em 1980, sendo que não foi o fim das cidades mas o fim de como
eram conhecidas até ao momento (Rodrigues, 2010), contudo a cultura e o
lazer continuam a ter como factor central a presença humana, ao contrário
dos negócios e da ciência.

Fig.01.3 Maquete do plano para Paris, Le O ano de 2001 corresponde à altura em que mais metade dos habitantes
Corbusier reside nas cidades, sendo que em 1950 estes representavam apenas um
Fonte: http://sedulia.blogs.com/
terço da população mundial, 800 milhões. A população que vive nas cidades
consome mais de dois terços da energia disponível mundialmente e ocupa
cada vez mais um papel central nas políticas urbanas. Segundo João Ferrão,
existe “uma crescente complexidade das realidades urbanas”, pelo que se
torna “cada vez mais difícil delimitar esse objecto a que chamamos cidade,
tanto do ponto de vista conceptual como do ponto de vista geográfico ou
das políticas públicas” (Ferrão, 2003: 219). Observa-se também uma grande
mudança social e demográfica nessa mesma população, que se reflecte no
número de pessoas a viverem sozinhas, na fraca percentagem de população
em idade activa, bem como uma população envelhecida e um índice de na-
talidade que vem decrescendo, em parte devido ao aumento da participação
das mulheres no mercado de trabalho.
Fig. 01.4- Cidade de Barcelona

24
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

Segundo Oliveira das Neves (Neves, 1996), a crise que se fez sentir nos anos
70 contribuiu para o agravamento das dificuldades de gestão e ordenamento
do território face às tensões que se manifestaram nas grandes cidades, no-
meadamente “o declínio das actividades tradicionais, que induziu a morte de
vastas zonas da cidade com reflexo nos índices de envelhecimento e de de-
gradação urbana; a opressão imobiliária e a espiral inflacionária do custo do
solo, que expulsaram a habitação e as actividades tradicionais, com reflexos
sobre a desertificação humana de inúmeros espaços” (Neves, 1996: 103).
Fig. 01.5 Periferia de Lisboa
Fonte: www.estudoprevio.net
O abandono e degradação dos centros das cidades é acompanhado pelo
alargamento exponencial dos perímetros urbanos e a consequente expansão
irracional das infraestruturas no território na maior parte dos países europeus
(Cf. Fig. 01.5; 01.6). Ao longo das décadas de 1950 e 1960 o desenvolvimen-
to económico traduziu-se espacialmente “na criação de espaços industriais,
residenciais e comerciais na periferia das cidades, constituindo os três prin-
cipais elementos estruturantes destes territórios” (Magalhães, 2008:19).

Segundo Gonçalo Byrne, “estas zonas são marcadas por ambientes muito
diferentes dos que se fazem sentir nas áreas centrais, pela sua homogenei-
dade, tipologia, morfologia e usos. Enquanto essas periferias se iam desen-
volvendo, os centros iam-se degradando e tornando abandonados” (Inter- Fig. 01.6 Edifício em elevado estado de
degradação em Lisboa
venção de Byrne, G., 2014). Este crescimento das cidades levantou diversas Fonte: cidadanialx.blogspot.pt
inquietações e críticas em relação ao futuro e sustentabilidade das cidades
assim como à destruição e ausência de espaço público. Ferreira e Salgueiro
afirmam que “a urbanização acelerada é um fenómeno muito recente e vai
continuar. [...] Se nós vamos viver em cidades, se cada vez mais gente vai vi-
ver em cidades, temos de tornar as cidades espaços mais agradáveis. Como
é que vamos conseguir fazer com que as cidades sejam centros económicos
importantes e, simultaneamente, sítios agradáveis para se viver?” (Ferreira e
Salgueiro, 2000).

A resposta a essa pergunta surge nos anos 80 e 90 com um novo pensa-


mento e objectivo: o “renascer da cidade” (Gehl, 2006), nomeadamente ao
nível do desenho de espaços públicos. Observa-se o back-to-the-city-mo-
vement (movimento de regresso ao centro) caracterizado por um urbanismo
de contenção, de crescimento de dentro e pela colmatação dos perímetros
urbanos apostando-se na renovação das cidades com a reabilitação urbana.
Procura-se atrair e fixar a população para os centros das cidades, apostando
assim nos pull factors que os centros apresentam em relação às periferias,
nomeadamente as infraestruturas existentes, os equipamentos que esta ofe-
rece a quem vive na mesma, assim como a identidade e património histórico
e arquitectónico que a caracterizam (cf. Fig. 01.7).

25
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

Resumidamente, o arquitecto Gonçalo Byrne considera a ocupação do cen-


tro das cidades paradoxal, e depende de estratégias intermunicipais “se por
um lado o centro é mais apetecível, pela sua proximidade e carga histórica,
as outras zonas não são tão atractivas, algo normal devido às dinâmicas das
cidades, porém isso constitui um “entrave” para a reabilitação, pois esta pro-
cura uma intervenção justa e equilibrada” (Intervenção de Byrne, G., 2014).
No contexto deste fenómeno, surge então com mais força a reabilitação ur-
bana, tema deste trabalho, que se posiciona assim como um método para
contrariar esta tendência de desertificação e degradação das cidades e os
efeitos desse processo são cada vez mais visíveis em diversas cidades eu-
Fig.01.7 Imóvel no Bairro Alto reabilitado ropeias assim como em Lisboa.
Fonte: reabilita.pt
Apesar das evidentes melhorias que a reabilitação urbana traz às cidades,
esta traz consigo também alguns problemas e desafios, pelo que em deter-
minados contextos um dos princípios que incentivou o desenvolvimento de
operações de reabilitação urbana- a manutenção do conteúdo social das
áreas intervencionadas- “foi de alguma forma adulterado” (Magalhães, 2008:
41). As intervenções com fins lucrativos, como por exemplo de desenvolvi-
mento turístico, trouxeram por um lado melhorias económicas e de conser-
vação da área, e por outro, repercussões sociais negativas como a expulsão
da população e segregação social, inclusivamente devido à nobilitação que
ocorre em certas zonas, sendo que este efeito será estudado mais à fren-
te. Observa-se assim uma valorização imobiliária e simbólica dos territórios
abrangidos.

1.2 Reabilitação urbana: um caminho

A reabilitação urbana nasce do paradigma da conservação do património


no século XIX, com a tomada de consciência do interesse de certos mo-
numentos como património arquitectónico, sendo que até essa altura eram
apenas “monumento histórico”, como Françoise Choay afirma na sua obra A
Alegoria do Património (Choay, 1999). John Ruskin, nos finais do século XIX,
Fig.01.8 John Ruskin
já defendia a conservação do tecido histórico na sua totalidade porém esta
Fonte: commons.wikimedia.org preocupação só se generalizou e estendeu a todas as áreas da cidade cem
anos mais tarde (cf. Fig. 01.8). Durante este século ocorre também a revolu-
ção industrial que tem como consequência grandes assimetrias ao nível da
ocupação urbana, que exigem diferentes políticas de intervenção. A expan-
são das cidades, descrita no ponto anterior, resulta na decadência das áreas
centrais, e consequentemente em graves problemas culturais e sociais.

As primeiras preocupações aparecem em 1925, e são abordadas em 1931


na Conferência Internacional de Atenas. O teórico italiano Gustavo Giovan-
noni (1873-1947) foi o responsável pelas primeiras teorias integradoras de
reabilitação, defendendo a preservação do tecido antigo de um ponto de
Fig.01.9 Gustavo Giovannoni
vista integrado, pela sua morfologia e escala e valor artístico e histórico (cf.
Fonte: tecniarte.wordpress.com
Fig. 01.9).

26
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

A Carta de Atenas, adoptada no seguimento do IV Congresso Internacional


de Arquitectura (CIAM) em 1933, surge como resultado dessa tomada de
consciência e define os princípios orientadores das intervenções quer do
ponto de vista urbanístico como do ponto de vista do património histórico.
As operações são assim mais integradas e “é este o princípio para a emer-
gência do conceito de planeamento urbano, em que se atribui uma compo-
nente social aos espaços, caracterizando-os como territórios de vivência, de
cultura, de história, de uso e especialmente de habitat humano. Esta ideia
inovadora só mais tarde foi valorizada pois entendeu-se que, com a contínua
degradação da cidade, os tecidos urbanos históricos de interesse deviam
ser conservados e mantidos” (Silva, 2011: 7).

A II Guerra Mundial, entre 1939 e 1945, originou diversas transformações


sociais, económicas e políticas que alteraram a configuração de muitas ci-
dades europeias, parcialmente ou totalmente destruídas (cf. Fig. 01.10). Sur-
giram assim grandes investimentos na reconstrução que geraram dois mo-
vimentos: por um lado, a demolição das áreas atingidas e a substituição por
conjuntos edificados modernos que estavam muitas vezes em desacordo
com o traçado urbano existente, e por outro a expansão das cidades para a
periferia. As estruturas pré-existentes eram consideradas um obstáculo ao
progresso económico, sendo muitas vezes destruídas e iniciadas interven- Fig. 01.10 Berlim após a 2a Guerra Mundial
ções de renovação urbana, prevalecendo assim a ideia urbanística de que Fonte: www.spiegel.de

“a demolição do tecido urbano existente era a única forma de revalorizar e


rentabilizar essas áreas” (Magalhães, 2008:21).

As operações de renovação urbana conduzem a alterações na forma e no


conteúdo das áreas urbanas intervencionadas a nível físico, funcional e so-
cial, sendo que a reconstrução rápida e “o desejo de construir e revitalizar
as cidades destruídas resultou numa fragmentação e descontinuidade no
tecido urbano que provocou uma perda de identidade do território e dos
espaços públicos” (Rosário, 2010: 23). Em reacção a estas acções surge em
1954 a definição de uma política internacional de reabilitação na Convenção
Cultural Europeia, com a reabilitação a ganhar importância no contexto das
políticas de urbanização.

A Carta Internacional sobre a Conservação e o Restauro dos Monumentos e


dos Sítios, mais conhecida por Carta de Veneza, aprovada em 1964, inclui o
património urbano no conceito de monumento a preservar, sendo que “até
essa altura a reabilitação não abarcava sequer todos os edifícios do tecido
urbano antigo” (Pinho, 2009: 82). A reabilitação estava muitas vezes limitada
à melhoria da dimensão física dos edifícios com algum interesse patrimonial,
designadamente “edifícios com valor social, histórico, arqueológico, científi-
co ou artístico, ou com carácter típico ou pitoresco, que formassem um todo
coerente ou fossem notáveis pela forma como se integravam na paisagem” Fig.01.11 Praça Maggiore em Bolonha
Fonte: www.bolognawelcome.com
(Pinho, 2009: 82). A cidade de Bolonha é um exemplo da nova abordagem
introduzida pela Carta de Veneza tendo sido desenvolvido um processo de

27
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

recuperação urbana que privilegiou a manutenção do conteúdo social (cf.


Fig. 01.11).

A partir da década de 60 vão surgindo na Europa instrumentos de reabili-


tação urbana assentes na Lei Malraux, uma legislação francesa de 1962,
que privilegiava a recuperação de conjuntos urbanos com valor histórico e
arquitectónico, em detrimento das estratégias de renovação urbana e definia
os “secteurs sauvegardés”. Paralelamente às acções de reabilitação, surge o
despovoamento de certos espaços da cidade, nomeadamente as periferias,
que se degradam e deterioram à medida que a sociedade evolui e a mobili-
dade e acessibilidade aumentam (Silva, 2011: 8). A reabilitação estava assim
ainda associada apenas aos edifícios com interesse patrimonial, seja pelo
seu valor histórico, social, arqueológico ou científico, e não abrangia todos
os edifícios do tecido antigo. Esta não tinha como preocupação o desen-
volvimento socioeconómico das zonas afectadas, preocupando-se apenas
com a intervenção física.

Na década de 80, esse pensamento viria a ser alterado pois esse património
é valorizado como memória colectiva, adoptando-se uma política de revita-
lização baseada numa reabilitação integrada. Os anos 80 caracterizam-se
assim pela consolidação da dimensão urbana da reabilitação. O surgimento
de problemas como o desemprego, pobreza, insegurança e más condições
do ambiente urbano, favorecem a tomada de consciência da diversidade de
sectores envolvidos na melhoria da vida urbana, não se restringindo assim
à economia. Na “nova política urbana” reconhece-se que “a intervenção ur-
banística é um dos elementos da dinâmica social onde agem actores com
expectativas, interesses e inserções diferenciais na sociedade e na cidade”
(Guerra e Vilaça, 1994: 85). A Campanha Europeia para o Renascimento das
Cidades, lançada pelo Conselho da Europa em 1980, marca o início desta
viragem, tendo como mote uma “melhor vida nas cidades” e sensibilizando
tanto o público em geral como os governantes para a necessidade de me-
lhorar de uma maneira global a qualidade de vida das cidades.

Os planos de reabilitação futuros têm já presente a integração da reabilita-


ção do espaço físico com a coesão social, ambiental e de habitação. Este
conceito, proveniente da política de salvaguarda do património, evoluiu
muito rapidamente relativamente aos objectivos, ao âmbito de actuação e
abordagem, sendo que a crescente importância dos tecidos urbanos anti-
gos levou à necessidade da sua reabilitação e conservação (cf. Fig. 01.12).
Esta abordagem aparece na Carta Europeia de Património Arquitectónico de
1975, que serviu de base à Carta de Amesterdão, onde o termo reabilitação
Fig. 01.12 Centro histórico do Porto, patri- é reconhecido.
mónio mundial desde 1996
Fonte:www.revistame.wordpress.com
O paradigma do alastramento, anteriormente descrito, com a expansão pe-
riférica descontrolada, a desertificação dos centros urbanos e o fomento
industrial, é invertido nos anos 80 e 90, sendo que a indústria desaparece
dos centros urbanos e o sector terciário cresce. A Nova Carta de Atenas,
adoptada em 1998 pelo Concelho Europeu de Urbanistas, identificou alguns

28
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

problemas das cidades, entre outros a falta de condições de habitabilidade,


de espaços verdes, o mau estado de conservação dos edifícios, o cresci-
mento das áreas periféricas sem organização e planeamento e a distribuição
da população no espaço. A reabilitação passou a ser “entendida como um
instrumento que incita à boa gestão urbana, à criação de parcerias público-
-privadas e à participação e integração da população na definição de estra-
tégias de intervenção no território” (Silva, 2011: 9). Esta Nova Carta difere da
primeira, de 1933, pela proposta de uma visão coerente da cidade, centrada
nos seus habitantes e os utilizadores e nas necessidades destes.

Passou-se assim de uma preocupação central com a recuperação física das


estruturas edificadas, ou seja o património físico urbano, para o entendimen-
to de que o aspecto social e cultural era indissociável dessa preocupação,
conceito que está na base da reabilitação. O património foi conciliado com o
desenvolvimento de modo a deixar de ser visto como um entrave à moder-
nização (Magalhães, 2008).

Explicação de conceitos

A evocação do conceito de reabilitação urbana faz referência a intervenções


distintas e a sua definição é ainda por vezes equívoca devido à evolução
e complexidade do termo o que levou inicialmente ao desprezo dos pres-
supostos subjacentes ao conceito principal assistindo-se muitas vezes à
concretização de uma mera intervenção física. O termo reabilitação urbana,
que vai ser abordado, deve ser distinguido de conceitos como renovação ou
requalificação.

Segundo a Direcção Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimen-


to Urbano (DGOTDU) a renovação urbana implica a demolição das estrutu-
ras morfológicas existentes numa área degradada onde não se reconheça
nenhum valor como património arquitectónico ou histórico, seguida da sua
substituição por novas edificações que constituem um novo padrão. Ao con-
trário da renovação, a reabilitação representa não a destruição mas a “habi-
litação” do tecido.

Relativamente à requalificação, esta permite revitalizar os centros históricos


que se encontram ou seguem um caminho de decadência e abandono mas
também as zonas envolventes. Esta intervenção possibilita uma reestrutu-
ração no tecido físico e social e a criação de uma nova imagem em função
do existente. Ferreira et al. consideram que a “requalificação urbana é um
processo social e político de intervenção no território que visa essencial-
mente (re)criar qualidade de vida urbana, através de uma maior equidade nas
formas de produção (urbana), de um acentuado equilíbrio no uso e ocupação
dos espaços e na própria capacidade criativa e de inovação dos agentes
envolvidos nesses processos” (Ferreira et al, 1999). Este conceito está então
mais ligado à função do espaço e ao estabelecimento de novos padrões de
organização e utilização (Moura, 2005).

29
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

De acordo com Dec. Lei n.o 307/2009 de 23 de outubro, que define o Regime
Jurídico da Reabilitação Urbana,

“A reabilitação urbana é a forma de intervenção integrada sobre o tecido ur-


bano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no
todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras
de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infraestruturas urbanas,
dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização coletiva e
de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou
demolição dos edifícios.”

O Dec. Lei n.º 307/2009, actualizado pelo DL n.º 32/2012 de 14/08, defi-
ne ainda que compete às Câmaras Municipais desenvolverem a estratégia
de reabilitação assumindo-se esta “como uma componente indispensável
da política das cidades e da política de habitação, na medida em que nela
convergem os objetivos de requalificação e revitalização das cidades, em
particular das suas áreas mais degradadas, e de qualificação do parque ha-
bitacional, procurando-se um funcionamento globalmente mais harmonioso
e sustentável das cidades e a garantia, para todos, de uma habitação con-
digna.”

O Conselho da Europa de 2005 propôs uma definição do conceito de reabili-


tação urbana, após 30 anos da primeira definição desse termo:

“A reabilitação urbana é um processo de revitalização ou regeneração urba-


na a médio ou a longo prazo. É acima de tudo um acto político, com vista à
melhoria dos componentes do espaço urbano e do bem-estar e qualidade de
vida de toda a população. Os seus desafios humanos e territoriais requerem
a implementação de políticas locais (e. g. política do património cultural e
de conservação integrada, política de coesão territorial e de ordenamento
do território, política ambiental e de desenvolvimento sustentável). A reabi-
litação, portanto, é parte de um projecto urbano/plano de desenvolvimento
urbano, que implica uma abordagem integrada, envolvendo todas as políticas
urbanas” (Council of Europe, 2005).

As definições propostas de reabilitação na literatura são múltiplas, referindo


apenas a definição de Gonçalo Byrne, que afirma que “a reabilitação é uma
resposta à “desabilitação” da cidade, uma perda de vida, sendo que a habi-
litação é definida como a ligação entre o corpo construído e a vida.” Pode-
mos então concluir que a reabilitação surge principalmente como resposta a
esta ausência de relação entre o espaço físico e a vida. Para o arquitecto a
reabilitação deve ter em conta o corpo da cidade, mas acima de tudo a sua
base e os pressupostos inerentes a esta: fixar população, qualificar o espaço
público, fomentando a sua partilha e convergência, uma vez que a cidade é
feita pelas pessoas, sendo que a falta de interacção destas com a arquitec-
tura, “contentores de vida”, retira-lhe a vida (Intervenção de Byrne, G., 2014).

30
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

1.3 Programas de apoio à reabilitação urbana:


casos exemplares

Reabilitação urbana em Portugal

De modo a analisar correctamente a reabilitação urbana em Portugal foi ne-


cessário perceber o contexto internacional anteriormente descrito. A reabili-
tação em Portugal teve um percurso ligeiramente diferente do resto da Euro-
pa devido à chegada tardia da revolução industrial e ao facto do país não ter
sofrido tão intensamente as consequências da II Guerra Mundial. Contudo,
é possível definir uma linha comum e nos anos 60, tal como no resto da
Europa, surgem as primeiras abordagens integradas de reabilitação e por
conseguinte o surgimento de uma nova perspectiva de intervenção urbana.

O Estado Novo, período que marcou o país até 1974, privilegiou a reabilita-
ção dos monumentos com valor histórico, sendo que se procuravam “sinais
da cultura arquitectónica portuguesa original que muitas vezes implicavam
remover traços de outras culturas e destruição de importantes contribuições
artísticas de outras épocas” (Silva, 2010: 10). Relativamente à habitação,
era dada pouca importância às necessidades qualitativas das habitações,
prevalecendo as necessidades quantitativas. O êxodo rural aumenta e nos
anos 50 há um forte défice habitacional, que leva à adopção do Plano de
Melhoramentos para a Cidade do Porto e do Plano de Construção de Novas
Habitações da Cidade de Lisboa.

O conceito de reabilitação urbana vê alargado o seu significado nos anos 60,


tal como aconteceu na Europa, e o reconhecimento estratégico de recupe-
ração do património é demonstrado em políticas que surgem nessa década.
Nessa altura nasce a Secção de Defesa e Recuperação da Paisagem Urbana
(SDRPU) que dará origem à Divisão de Estudos de Renovação Urbana, per-
tencentes à Direcção Geral do Planeamento Urbanístico (DGPU).

Após o 25 de Abril de 1974, as intervenções efectuadas integram os aspec-


tos sociais, culturais e ambientais. Progressivamente, tal como aconteceu na
Europa- ainda que com algum atraso- observa-se uma mudança de atitude
em relação às áreas urbanas mais antigas, valorizando-se o tecido social e
voltando a atenção das práticas e políticas urbanísticas para a cidade exis-
tente, em detrimento das áreas de expansão. Dois anos depois, a Lei dos
Solos estabelece a Área Crítica de Recuperação e Reconversão Urbanística
(ACRRU) e medidas preventivas, que incidem em intervenções no património
edificado de zonas históricas das cidades, sendo que nessa altura o papel e
poder dos municípios são alargados.

As Sociedades de Reabilitação Urbana (SRU) surgiram em 2004, no segui-


mento da aprovação no Decreto-Lei nº 104/2004, uma vez que a responsabi-
lidade pelo procedimento da reabilitação urbana cabe aos municípios,

31
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

podendo estes constituir as SRU. “Às SRU é permitido expropriação por


utilidade pública, o licenciamento e autorização de operações urbanísticas
e a sua fiscalização, o que contribui para simplificação e encurtamento dos
prazos legais e, consequentemente, para a maior celeridade dos processos.
Estas sociedades desempenham um papel fulcral na regeneração urbana
das cidades porque permitem, também, uma maior interacção entre o sector
público e o sector privado” (Madeira, 2009: 79). As operações que sejam
executadas pelas SRU apenas necessitam da aprovação da câmara muni-
cipal, estando isentas dos procedimentos de licenciamento e autorização.
Algumas SRU existentes actualmente têm o apoio do IHRU, outras foram
constituídas com capitais privados. Este novo enquadramento nacional das
práticas de reabilitação revela uma vontade política de impulsionar esta prá-
tica, contrariando a tendência que prevalece de construção nova.

Segundo Santa-Rita, a preocupação com a reabilitação urbana foi tendo


especial atenção nos últimos dois anos sendo que esta foi adiada durante
anos. O arquitecto define a reabilitação urbana como “um acto de responsa-
bilidade histórica sobre um tecido já existente” (Intervenção de Santa-Rita,
J., 2014). Para o arquitecto, os anos 80 teriam sido uma boa oportunida-
de para começar esse processo, com a entrada na União Europeia, porém
Santa-Rita considera que as condições eram escassas e os problemas de
degradação agravaram-se “exponencialmente nesses anos” (Intervenção de
Santa-Rita, J., 2014).

Estas declarações surgiram no âmbito das conferências da Semana da Re-


abilitação Urbana de Lisboa em Março de 2014. Estas conferências junta-
ram e demonstraram o interesse de diversos actores na reabilitação urbana,
desde entidades públicas, associações, construtores, ou arquitectos. Este
evento abrangeu um público de 10.000 pessoas, alcançando assim uma
grande escala e amplitude e cumprindo o objectivo de envolver e sensibilizar
a população no movimento de reabilitação.

Neste contexto, o engenheiro João Appleton considera que para além da


reabilitação se sustentar por razões económicas e ambientais, esta é um
acto de cultura, na medida em que contribui para “a recuperação de algo
que passa a ser património comum”, referindo ainda que “esta intervenção
não é só preservar o existente, é dar uma nova vida a partir de uma realidade
existente, criando uma nova unidade, identidade, com o compromisso de
não alterar desvirtuando mas alterar melhorando.” Foi ainda feita uma crítica
relativamente a quem se dirige esta intervenção, argumentando que esta
intervenção “deve ser para todos, porém actualmente dirige-se só a alguns
pois a lógica da reabilitação foi subvertida, encarecendo os objectos da rea-
bilitação” (Intervenção de Appleton, J., 2014).

32
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

Regime jurídico da reabilitação urbana

O Regime Jurídico da Reabilitação Urbana surge da necessidade de encon-


trar soluções para os desafios que se colocam à reabilitação urbana e foi
aprovado pelo decreto-Lei nº 307/2009. Este parte de um conceito amplo
de reabilitação urbana e conferindo especial relevo “não apenas à vertente
imobiliária ou patrimonial da reabilitação mas à integração e coordenação da
intervenção, salientando-se a necessidade de atingir soluções coerentes en-
tre os aspectos funcionais, económicos, sociais, culturais e ambientais das
áreas a reabilitar” (DL 307/2009). Este decreto-lei procura substituir um mo-
delo de gestão centrado nas atribuições e poderes das SRU, por um regime
que enquadre normativamente a reabilitação urbana ao nível programático,
procedimental e de execução e veio dar um impulso a este domínio.

Este documento estabelece assim que as operações de reabilitação urba-


na são promovidas pelos municípios, através da delimitação de áreas de
reabilitação urbana, num instrumento próprio ou através de um plano de
reabilitação urbana. A delimitação de áreas de reabilitação urbana é uma res-
ponsabilidade da assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal,
que deve ter em conta o IHRU.

O RJRU define ainda que a cada área de reabilitação urbana existe uma
operação de reabilitação urbana correspondente que pode ser simples ou
sistemática. A primeira diz respeito a uma intervenção integrada de reabilita-
ção urbana de uma área focando-se na reabilitação do edificado, orientada
por uma estratégia de reabilitação urbana. A segunda é dirigida à reabilitação
do edificado e à qualificação das infraestruturas, dos equipamentos e dos
espaços verdes e urbanos de utilização colectiva, visando a requalificação
e revitalização do tecido urbano, associada a um programa de investimento
público. Esta é orientada por um programa estratégico de reabilitação urba-
na (Decreto Lei nº307/2009).

As operações de reabilitação urbana podem seguir diversos modelos, po-


dendo ser por iniciativa de particulares, sendo que a execução pode ser feita
por estes ou através de administração conjunta. No caso de serem execu-
tadas por iniciativa de entidades gestoras, a execução pode ser feita quer
directamente pela entidade gestora, quer através de administração conjunta,
ou ainda através de parcerias com entidades privadas, nomeadamente con-
cessão de reabilitação urbana e contrato de reabilitação urbana. A entidade
gestora pode ser o município ou uma empresa pública do sector empresarial
local, que adquire a designação de sociedade de reabilitação urbana no caso
de ter por objecto social exclusivo a gestão de operações de reabilitação
urbana. A entidade gestora de uma operação de reabilitação urbana siste-
mática pode celebrar contratos de concessão de reabilitação com entidades
públicas ou privadas.

33
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

Relativamente às políticas urbanas, actualmente observamos que a actu-


ação integrada à escala local e regional tem mais importância do que as
intervenções tradicionais nacionais e sectoriais, bem como “um mais amplo
envolvimento institucional de actores públicos e privados em substituição do
anterior papel dominante da administração pública” (Rosmaninho, 2002: 24).

Em 2012 este decreto de lei foi alterado através do Decreto nº 55/ XII, vi-
sando a implementação de medidas destinadas a dinamizar a reabilitação
urbana.

Os programas de apoio à reabilitação urbana

Os primeiros programas de intervenção urbana em Portugal surgiram nos


anos 80, porém a área definida de requalificação só foi posta em prática na
segunda metade da última década do século XX, altura em que a renova-
ção urbana aparecia nos campos de intervenção do Quadro Comunitário de
Apoio junto de temas como ambiente e saúde. Contudo, tal como Ferreira e
Salgueiro afirmam, esta concretização nem sempre foi conseguida pois as
jurisdições exercidas nos espaços urbanos são muito complexas (Ferreira e
Salgueiro, 2000). Actualmente existe um consenso quanto à necessidade de
reabilitação, em particular nas zonas mais antigas e históricas, áreas onde o
património é mais valioso. Esta preocupação tem aumentado ao longo dos
anos, quer a nível das entidades privadas como das públicas sendo que
em dois anos passou-se de uma obra de reabilitação para duzentos alvarás
concedidos em 2009.

As contradições e a fragilização do Estado-Providência, a globalização e a


livre troca de bens, e a circulação de pessoas e capitais na União Europeia
são, entre outras, características que marcam a pós-modernidade urbana,
porém a atenção dirige-se principalmente para as cidades, “já que as exclu-
sões (social, étnica-religiosa, espacial) ameaçam minar, pela dimensão que
atingiram, os objectivos da competitividade urbana, assentes no desenvol-
vimento, coesão social e territorial” (Gonçalves, 2006: 81). O Estado tem a
responsabilidade de corrigir os desvios que ocorrem no desenvolvimento
urbano, actuando e regulando os programas que devem não só responder
às exigências dos cidadãos e da nova sociedade como assumir uma nova
dimensão estratégica que consiste em reinventar a cidade. A partir da déca-
da de 80 foram assim definidos alguns programas de política da cidade com
o intuito da requalificação urbana, numa altura em que se observava uma
ausência de planeamento.

O primeiro instrumento de apoio financeiro - PRID

O Programa para a Recuperação de Imóveis Degradados (PRID) é lançado


no final dos anos 70 com o intuito de criar linhas de crédito para subsidiar a
recuperação de imóveis habitacionais degradados. O primeiro ano de exe-
cução deste programa foi marcado pela participação de um grande número

34
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

de municípios e o volume de empréstimos excedeu as verbas disponíveis.


Este programa, que se assumiu como o primeiro apoio nacional à reabili-
tação urbana, estava apenas orientado para a intervenção do parque edi-
ficado, o que se tornou incompatível com a crescente importância dada à
estrutura urbana envolvente e foi extinto por falta de verbas, sendo que viria
a ser substituído pelo Programa de Reabilitação Urbana (PRU).

PRU E PRAUD- instrumentos para um processo integrado

O primeiro Programa de Reabilitação Urbana (PRU) surge em 1985 e foi cria-


do com o objectivo de apoiar do ponto de vista financeiro as autarquias,
para realizarem processos de reabilitação urbana. Apareceram assim os
Gabinetes Técnicos Locais (GTL), que funcionavam maioritariamente a uma
escala local localizando-se junto da área a reabilitar, de modo a obter maior
conhecimento dos problemas da cidade. Estes gabinetes deviam realizar
os projectos de reabilitação quer dos espaços comuns quer dos edifícios,
acompanhando essas mesmas obras, realojar os seus habitantes, estabe-
lecer a ligação com os proprietários e moradores, fornecer ainda o relatório
de actividades, o orçamento e programação de três anos para aprovação da
autarquia. A chefia destes Gabinetes era feita por arquitectos com a parti-
cipação de engenheiros, economistas, assistentes sociais, desenhadores e
topógrafos. A linha de actuação era essencialmente física, sendo que a área
social não procurava a criação de oportunidades ou promover o desenvol-
vimento socioeconómico, mas sim unicamente a resposta a necessidades.
A população não tinha ainda um papel na tomada de decisões, sendo que a
sua importância se resume ao facto dos GTL se localizarem no local de in-
tervenção, como anteriormente referido. As operações realizadas no âmbito
do PRU não tiveram uma grande envergadura e não se conseguiu inverter a
degradação dos centros urbanos porém criou-se uma dinâmica municipal de
reabilitação e as mentalidades mudaram. Os GTL tiveram a responsabilida-
de, atribuída em 1988, de elaborar o Plano de Salvaguarda e Valorização da
zona a intervir quando fosse necessário (Pinho, 2009).

O PRU foi reformulado em 1988- passando a ter o nome de Programa de


Recuperação de áreas Urbanas Degradadas (PRAUD) - olhando para as ex-
periências que mais sucesso tiveram (as que recorreram a uma abordagem
integrada e mais abrangente do que o descrito legalmente com uma relação
de proximidade com a população) e considerando as boas práticas euro-
peias relativamente à integração de vários actores e implementação de prá-
ticas de boa governança.

O PRAUD permanece em vigor há já duas décadas e foca-se no centro histó-


rico e centro urbano em estado de degradação considerando a reabilitação
destas áreas um factor importante na política de ordenamento do território
não só pelo seu valor histórico, social e cultural que é importante preservar
mas também pela economia do solo.

35
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

O PRAUD procura a cooperação entre o Estado e as autarquias locais de


modo a melhorar a qualidade de vida nos centros urbanos, contando com
uma compartição do Estado, no máximo de 20%, para obras de reabilitação
de infraestruturas ou equipamentos, ou estudos e projectos a desenvolver. O
apoio financeiro e o técnico deixam de estar ligados, sendo que a candidatu-
ra ao apoio técnico é independente do apoio financeiro, pelo que este último
é concedido desde que as obras de renovação ou reabilitação preencham os
critérios de candidatura. A reformulação do PRAUD na década de 90 altera
apenas a comparticipação do Estado nas operações de reabilitação, sendo
que o nível do financiamento é aumentado em 5%. A segunda fase do pro-
grama teve um fraco nível de candidaturas, passando de 70 para 27 porém
somente 13 foram aprovadas (Pinho, 2009).

Os financiamentos do PRU e do PRAUD, atrás descritos, dependiam dos


orçamentos disponíveis da Administração Central, o que fez com que os
programas ficassem aquém das expectativas. O lançamento destes instru-
mentos marca uma tomada de consciência que a área urbana em que os
edifícios se inserem deve ser tida em conta e deve-se actuar sobre a mesma,
não se restringindo somente à recuperação dos edifícios e ao reforço dos
instrumentos de apoio à reabilitação de edifícios. A reabilitação urbana é re-
conhecida como um importante factor para o desenvolvimento das cidades
e a manutenção das estruturas sociais.

RECRIA, REHABITA E RECRIPH


Fig. 01.13 Edifício abandonado no centro
de Lisboa Os problemas urbanos suscitaram distintas formas de intervenção, sendo
Fonte: www.voxeurope.eu que os esforços feitos para recuperar o parque habitacional tiveram des-
taque ao longo dos últimos 30 anos (cf. Fig. 01.13). O Regime Especial de
Comparticipação na Recuperação de Imóveis Arrendados (RECRIA) criado
em 1988 estabelece financiamentos destinados a obras de recuperação e
conservação de habitações degradadas. A criação deste programa foi acom-
panhada do Prémio RECRIA (cf. Fig. 01. 14), com o objectivo de divulgar o
trabalho da Administração central e das Câmaras Municipais e sensibilizar
os promotores, público ou privado, e “a população em geral para a protec-
ção e revitalização do património le promover o seu interesse e envolvimento
nestas operações” (Magalhães, 2008: 71).

O Programa de Regime de Apoio à Recuperação Habitacional em Áreas Ur-


banas Antigas (REHABITA) é criado em 1996 e é uma extensão do programa
anterior. A reabilitação rondava à volta de 6% do volume de intervenções em
2002 tendo crescido para 15% em 2004, valores que indicam uma mudança
de atitude apesar de ser uma dimensão ainda pouco relevante. O programa
REHABITA, à semelhança do RECRIA, não teve os resultados previstos para
Fig. 01.14 Edifício vencedor do prémio
assegurar a reabilitação do parque edificado. Ainda no ano de 1996 apare-
RECRIA 2005, Lisboa ce o Regime Especial e Comparticipação e Financiamento na Recuperação
Fonte: www.portaldahabitacao.pt de Prédios Urbanos em Regime de Propriedade Horizontal (RECRIPH) que
apoia as obras nas partes comuns dos edifícios antigos que são ocupados

36
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

geralmente por agregados familiares com fraco poder económico. Este pro-
grama teve uma aplicação bastante moderada, facto que talvez se deva à
burocracia exigida para aceder ao mesmo.

O balanço negativo dos programas descritos anteriormente não retirou a im-


portância da reabilitação, sendo que se efectuaram muitos esforços para
reabilitar os tecidos construídos, onde se insere o parque habitacional, como
estratégia para a qualificação e competitividade das cidades. Os programas
habitacionais despertaram a sensibilização em relação à reabilitação, privile-
giando-se esta em detrimento de construção nova, e a habitação passa a ser
considerada como um elemento fundamental da qualidade de vida.

Em 1990 é criada a Direcção Municipal de Reabilitação Urbana da Câmara


Municipal de Lisboa (DMRU) com o objectivo de estender a todos os núcleos
históricos o que já tinha sido começado pelos GTL. A Câmara decidiu alargar
os limites do núcleo considerado central e criar novos Gabinetes noutros
núcleos históricos que se localizem na zona central da cidade ou na zona
periférica, num serviço com capacidade tanto para tornar mais eficientes as
intervenções em curso como para desenvolver outras.

Nos anos 90 volta a ser dada importância aos equipamentos culturais, sendo
que a arte é vista como um forte factor simbólico, impulsionada pela revo-
lução dos cravos, em que se assume como uma fonte de canalização da
democracia e liberdade. Foi assim valorizada a proximidade dos habitantes
com a rua e a arte, em detrimento dos museus e galerias.

Programa de iniciativa comunitária URBAN

O Programa de Iniciativa Comunitária URBAN é lançado pela Comissão Eu-


ropeia em 1994 e é a primeira acção comunitária centrada em cidades. Este
programa surge em duas fases, sendo que a primeira ocorre entre 1994 e
1999, e visa apoiar a revitalização e requalificação das áreas urbanas, nome-
adamente os centros urbanos e as periferias que se encontrem degradados,
em declínio económico e urbano e com fenómenos de exclusão social e
insegurança. Esta iniciativa é co-financiada pelo Fundo Europeu de Desen-
volvimento Regional (FEDER) e pelo Fundo Europeu Social (FSE) e outros
financiamentos públicos e privados.

A segunda fase deste programa, URBAN II, decorre entre os anos 2000 e
2006 e procura promover a melhoria da qualidade de vida das populações de
centros urbanos ou de subúrbios através da aplicação de estratégias inova-
doras de revitalização sócio-económica sustentável. A abordagem URBAN
consiste assim numa abordagem territorial integrada envolvendo uma sólida
parceria local e integrando as dimensões económica e social através de uma
série de operações. Em Portugal as zonas Urban II propostas são: Porto/
Gondomar, Lisboa/Vale de Alcântara e Amadora/Damaia- Buraca (Quadro
Comunitário de Apoio III, 2000).

37
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

Programa POLIS

O programa POLIS, Programa de Requalificação Urbana e Valorização Am-


biental das Cidades, em vigor de 2000 a 2006, beneficia da experiência de
programas comunitários como o URBAN e foi inspirado no projecto da Expo
’98. Este programa “visa promover intervenções nas vertentes urbanística e
ambiental, por forma a promover a qualidade de vida nas Cidades, melho-
rando a atratividade e competitividade dos polos urbanos” (RCM, 2000) e
baseia-se em parcerias entre o poder central e o poder local. É um programa
fechado, pelo que todas as acções a realizar já estão selecionadas e encon-
Fig. 01.15- Intervenção desenvolvida no tram-se em curso ou finalizadas. Foram escolhidas vinte e oito cidades para
âmbito do POLIS em Leiria serem intervencionadas de modo a tornarem-se atractivas e competitivas,
Fonte: www.parqueexpo.pt
tendo sido criados instrumentos de gestão para serem aplicados eficazmen-
te as linhas de intervenção do Programa Polis (cf. Fig. 01.15).

Em seguimento deste mesmo programa, criou-se o POLIS XXI, implementa-


do desde 2007 e previsto terminar em 2015. Este programa desenvolve-se
segundo quatro vectores de política de intervenção, nomeadamente o ins-
trumento de política intitulado «Parcerias para a Regeneração Urbana», que
apoia acções dirigidas à revitalização integrada de espaços intraurbanos,
tendo como suporte uma estrutura de parceria local alargada. Este progra-
ma procura assim a qualidade de vida da população em aspectos como
habitação, reabilitação, revitalização urbana, coesão social, mobilidade ou
ambiente. Estão previstas até 2015 sessenta operações de regeneração ur-
bana e setenta e cinco projectos inovadores, dotando assim as cidades com
espaços de competitividade, cidadania e qualidade de vida. O financiamento
deste instrumento é assegurado pelos Programas Operacionais Regionais.

1.4 O efeito combinado da criatividade, espaço público e


nobilitação

Actualmente assistimos a uma grande diversidade de estratégias e políticas


de reabilitação urbana, sendo que é importante perceber que cada cidade,
ou parte dela, é única e tem características próprias, não se devendo adoptar
uma solução simplesmente copiando. Foi dado maior enfoque às estratégias
que optam pela criatividade, sendo que interessa perceber o conceito de
criatividade, e o papel do espaço urbano no desenvolvimento de dinâmicas
criativas, assim como algumas consequências possíveis desses fenómenos,
tendo sido dada maior importância ao efeito da nobilitação, ou gentrificação,
termo mais conhecido.

A relação entre espaço urbano e actividades culturais e criativas tem ganho


importância nos últimos anos devido às lógicas de regeneração e revitaliza-
ção urbana que se sucedem em todas as cidades. Estas estratégias

38
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

assumem-se assim como a atracção de classes e actividades criativas para


a competitividade e desenvolvimento das cidades, sendo que a competitivi-
dade tem vindo a aumentar com a crise que se faz sentir actualmente. Para
além de constituir um desafio, esta crise constitui também uma oportunidade
para o aparecimento de novas abordagens, mais inovadoras e criativas, e de
um novo desenho e gestão urbana, que em tempos “normais” seriam consi-
deradas demasiado arriscadas.

O papel do espaço público

Desde a Àgora em Atenas que o espaço público desempenha um papel de


espaço de encontro, partilha, discussão e debate, porém o seu aspecto hoje
em dia é fragmentado e diluído. No século XX o espaço público era o espaço
escolhido dos acontecimentos históricos, sendo que a Carta de Atenas con- Fig. 01.16 Apropriação do espaço público
pelas crianças, Helsínquia
sidera-o um novo veículo de uma nova vida social. Contudo, a configuração
da cidade contemporânea alterou a função da esfera pública nas dinâmicas
urbanas: “não só os espaços públicos deixam de ser o elemento formal-
mente ordenador dos tecidos urbanos da cidade, como perdem o seu papel
estruturante das interacções sociais urbanas. (...) A esfera pública perde pro-
gressivamente o seu papel de elemento estruturador das rotinas urbanas,
enquanto que o espaço público urbano representa, em muitos casos, ape-
nas um espaço residual entre edifícios e vias” (Graça, 2005: 6).

Diversos autores consideram que o espaço público é o reflexo da sociedade


e o retrato da cidade (Santos, 2008; Graça, 2005; Portas, 2003), sendo que a Fig. 01.17 A praça do Museu de Arte
ligação dos cidadãos com os lugares é muito importante bem como a partici- Contemporânea em Barcelona é utilizada
pação daqueles na criação e manutenção destes. Esta apropriação e uso di- por skaters

ferem consoante a época, contexto sócio-cultural, político e económico em


que se insere, e podem não corresponder ao uso para o qual foi criado pois
os padrões de comportamento mudam (cf. Fig. 01.16; 01.17; 01.18). Segun-
do Nuno Portas, o espaço público tornou-se num “valor urbano em si mes-
mo, como algo capaz de suportar ou desencadear processos económicos
ou culturais” (Portas, 2003). Estela Gonçalves, socióloga, afirma que “é no
espaço público que todos estabelecemos trocas mais equitativas, é aí que
se podem estabelecer as dimensões do estar em conjunto, no fundo onde
partilhamos e reforçamos o colectivo maior da cidade” (Gonçalves, 2013: 4).
Fig. 01.18 Perfomance na Av. da Catedral,
Barcelona
A primeira geração de projectos de intervenção no espaço público localiza-
-se nas zonas centrais e faz parte do programa de recuperação destas zonas
e surge no seguimento da consciência do papel de contaminação positiva
do espaço público como “indutor de investimento”. Na década de 80 a re-
novação do espaço público torna-se numa política urbanística com grande

39
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

importância, sendo possível observar uma variedade de intervenções devido


ao contexto em que se inserem porém todas têm como denominador co-
mum: o reconhecimento da praça e da rua nas suas tipologias tradicionais
como o espaço mais importante das cidades (cf. Fig. 01.19; 01.20).

Na obra “O espaço público na reconfiguração física e social da cidade”,


Gonçalves refere que a relação da cidade com os espaços públicos nem
sempre é clara, “pois se nalguns períodos históricos essa presença é va-
Fig.01.19 Requalificação da Ribeira das Naus lorizada, noutro é marginal ou mesmo apagada” (Gonçalves, 2006: 26). O
Fonte: www.cm-lisboa.pt
autor afirma que “as cidades reconhecem e reconhecem-se nos espaços
públicos” (Gonçalves, 2006: 28) sendo que estes se alteram consoante a so-
ciedade, passando pela ágora grega, pelo fórum romano ou o adro da igreja
ou o largo da feira. O desenvolvimento tecnológico, com o avanço da infor-
mação e comunicação introduziu não só novos paradigmas urbanos mas
também influenciou a morfologia social e urbana, nomeadamente nos espa-
ços públicos, pois tal como Gonçalves afirma, “a manifestação da sociedade
do conhecimento através da desmaterialização dos contactos subtraiu aos
Espaços Públicos Urbanos (EPU) mais uma das suas funções centrais: a da
comunicação e publicitação da informação. (...) O EPU passa a participar do
Fig.01.20 Terreiro do Paço acréscimo de competitividade a diferentes escalas” (Gonçalves, 2006: 26),
Fonte: www.cm-lisboa.pt referindo ainda que “foi tornando-se desnecessário recorrer aos espaços tra-
dicionais” (Gonçalves, 2006: 52), na medida em que as razões essenciais da
existência dos EPU- comunicação e sociabilidade- deixam de estar ligadas.

Actualmente, alguns espaços públicos não oferecem as condições que pro-


movem o desenvolvimento da vida colectiva, por vezes provocado pelas
condições em que se encontra o edificado que delimita esse mesmo espaço:
a sua degradação e abandono geram insegurança e não conferem as con-
dições ambientais que os cidadãos consideram necessárias. “Os espaços
públicos têm sido, em simultâneo, alvo de intervenção por parte dos poderes
públicos, no sentido da sua (re) qualificação e do renovar do seu histórico
protagonismo, mas até agora não têm sido capazes de promover, de forma
consolidada e generalizada, o retorno à praça, à rua, ao largo, caminhan-
do, pelo contrário, na direcção da pura estetização do espaço” (Gonçalves,
Fig. 01.21 Requalificação do Miradouro de 2006: 52). Como diversos autores defendem, devolver essas características
Sta Catarina, Lisboa
às praças, ruas ou jardins pode não ser suficiente, sendo que faz falta uma
Fonte: www.proap.pt
mudança de mentalidade, uma “revolução cultural”. A preocupação com a
dimensão simbólica do espaço público tem vindo assim a aumentar, pois
para muitos autores, “símbolo perene da urbanidade, o espaço público é o
elemento, por excelência, que transforma a cidade no contrário do somatório
de bairros e de pequenos universos herméticos” (Gonçalves, 2006) (cf. Fig.
01.21,22).

Foi consultado uma obra de Jan Gehl (cf. Fig. 01.23), La Humanización Del
Espacio Urbano: La Vida Social Entre Los Edificios, em que este arquitecto,
Fig.01.22- Requalificação da Av. Duque interessado em melhorar a qualidade de vida urbana através do planeamen-
d’Ávila, Lisboa to, distingue três tipos de actividades exteriores: “actividades necessárias”
Fonte: infohabitar.blogspot.pt

40
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

que são actividades “obrigatórias”, que acontecem independentemente da


envolvente e das características físicas do espaço; “actividades opcionais”,
que estão dependentes da vontade e do lugar; e por último “actividades
sociais”, que acontecem de maneira espontânea e são resultantes das duas
anteriores. Gehl defende que os arquitectos e urbanistas podem influenciar
as possibilidades de contacto que dão aso a esta última actividade, propor-
cionando condições ao encontro, contacto e relação. Para Gehl, a qualidade
física de um espaço influencia o grau de aparecimento dessas actividades,
sendo que as actividades opcionais estão mais dependentes dessa mes-
ma qualidade. “la vida entre los edifícios es más importante y también más
Fig. 01.23 Jan Gehl
interesante de observar que cualquier combinación de hormigón coloreado Fonte: http://streetswiki.wikispaces.com
y formas edificatorias impactantes” (Gehl, 2006: 30). Para o arquitecto, as
zonas medievais das cidades são mais adequadas às actividades exteriores,
pela sua morfologia, geometria e conhecimento da escala humana, do que
os espaços urbanos posteriores a essa altura (cf. Fig.01.24).

Relativamente à cidade de Lisboa, a qualificação do espaço público é consi-


derada o eixo fundamental da política de regeneração urbana actual, sendo
que o espaço público é visto como o elemento impulsionador para o investi-
mento da reabilitação urbana, reforçando a importância do aprofundamento
deste tema, como será visto mais à frente.
Fig. 01.24 Praça medieval em Siena
Fonte: www.pinterest.com
Criatividade

A relação entre criatividade e desenvolvimento urbano é debatida com mais


intensidade desde o início do século, tendo ganho uma maior legitimidade
pública graças ao reconhecimento demonstrado por diversas organizações
internacionais (ONU, UE). Segundo Costa e Seixas a criatividade urbana
é um conceito contemporâneo, e implica assim “uma renovação no pen-
samento sobre o urbano” (Costa e Seixas, 2010: 31), tendo rompido com
“ideias preconcebidas” (Gonçalves e Vilhena da Cunha, 2012: 2).

A criatividade é considerada como um factor importante para o desenvolvi-


mento e criação de valor na economia contemporânea, transversal a todas
as práticas sociais e um potencial que deve ser explorado com uma política
e lógica que promovam a vitalidade e competitividade, um impulso para o
desenvolvimento urbano, desde a eficiência económica, equidade social e
expressão cultural (Costa et al, 2009, 2011).

O discurso criativo destacou-se face às formas mais tradicionais de pensar


e actuar sobre a cidade pela possibilidade de assumir intervenções mais
transversais, que combatessem dictomias e conflitos na forma de actuação,
nomeadamente na dictomia entre público e privado ou economia e cultura
(Seixas e Costa, 2010). A criatividade permite também introduzir contem-
poraneidade nos estilos de vida e deu “sinais a uma cidade que retornar ao
centro” (Gonçalves e Vilhena da Cunha, 2012: 2).

41
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

Um território criativo ganha atracção através da diversidade de actores e


ligações que ocorrem com a partilha de informação e ideias em espaços que
devem ter as características propícias para isso acontecer, sendo que estes
podem ser espaços públicos, cafés ou galerias, e assumem-se como recep-
tores e transmissores de conhecimento (cf. Fig. 01.25; 01.26). Os lugares, es-
paços e projectos são cruciais para os processos de criatividade, na medida
em que definem a qualidade do middleground, enriquecendo e estimulando
a capacidade de ligar os diferentes actores (Cohendet, et ad, 2011). Na obra
Fig. 01.25 Loja na Embaixada em Lisboa, The Creative City de Charles Landry, este autor enumera alguns factores fun-
uma galeria comercial situada num antigo
palacete que combina tradição, criatividade damentais para que uma cidade seja criativa, tais como: qualidades pesso-
e inovação ais, vontade e liderança, diversidade humana e acesso a diversos talentos,
Fonte: www.lisbonlux.com
identidade local, espaço urbano e dinâmicas de networking.

Os conceitos de creative cities e creative industrie, ainda ambíguos e pouco


consensuais, surgiram no discurso académico e político e ganharam popu-
laridade substituindo conceitos como indústrias ou actividades culturais e
actividades artísticas, impulsionado por autores como Charles Landry (1948)
(cf. Fig. 1.27) e Richard Florida (1957) (cf. Fig. 01.28). O conceito de Creative
Cities tem sido bastante utilizado em estratégias de desenvolvimento urba-
no, adoptando assim iniciativas que promovam um desenvolvimento econó-
mico para o crescimento e vitalidade das cidades. Segundo Costa (Costa et
Fig. 01.26 O espaço público é apropriado al, 2007) a consciência da importância do conhecimento e da inovação como
por actividades criativas, Barcelona aspectos fundamentais para uma sociedade competitiva e atractiva mudou
radicalmente a maneira de pensar e actuar. As actividades culturais, criativas
por natureza, passam assim a ser o pilar dessas intervenções e assumem um
papel crucial (cf. Fig. 01.29).

Segundo Charles Landry, existe actualmente uma noção global de que a


criatividade é um recurso essencial que vai determinar o sucesso futuro das
cidades, porém a criatividade por si não resolve todos os problemas da ci-
dade: “muitos destes problemas não requerem criatividade, mas sim uma
mente suficientemente aberta para ser criativa quando necessário” (Landry,
2000). Para este, as condições sociais e demográficas afectam a capacidade
criativa de uma cidade e os centros das cidades e os espaços públicos como
espaços neutros, ajudam o surgimento de ideias criativas. O autor defende
Fig. 01.27 Charles Landry
Fonte: moviespictures.org que a arte traz diversos benefícios para as cidades, na medida em que intro-
duz uma visão mais estética sobre as cidades e gera interesse e vitalidade,
definindo a imagem, identidade e percepção da cidade.

A criatividade assumida como elemento do desenvolvimento estratégico das


cidades influencia a governança local, sendo que a relação entre estes dois
elementos é ainda frágil e sugere novas formas de intervenção sociopolítica
sobre e com a cidade, “reconhecendo o papel da experimentação como
essencial para a própria criatividade social e política, e como tal colocando
a governança como ativo político também central para o catalisar da criativi-
Fig. 01.28 Richard Florida dade na cidade” (Seixas e Costa, 2010: 40). Segundo estes mesmos autores,
Fonte: www.obj.ca o reforço da governança e da criatividade dependem de diversos elementos

42
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

estruturantes como a diversidade de actores, uma estrutura governativa


aberta, flexível e pró-activa assim como o debate e a disseminação de infor-
mação.

A criatividade representa assim um papel interrogador sobre os lugares que


habitamos, cria oportunidades através de projectos, e promove a mistura de
culturas e etnias, incentivando a motivação e participação dos indivíduos
na comunidade, tal como será observado no objecto de estudo desta dis-
sertação. Este estudo reforça ainda a ideia defendida por diversos autores: Fig. 01.29 Projecto de intervenção artística
em espaços públicos no Porto
a solução criada deve-se basear nos recursos para o meio urbano em que Fonte: http://www.saberviver.pt/etc/verao-na-
se insere, não se devendo transferir soluções adoptadas noutras situações, cidade-entre-margens/#.VDBEWvldW8A
apesar dos espaços apresentarem características semelhantes. Não basta
assim atrair as actividades ou classes criativas, é necessário ter capacidade
para densificar essas mesmas actividades ou grupos, tirando partido do am-
biente criativo criado (Costa et al, 2007).

Nobilitação

Associado ao paradigma da cidade, já descrito anteriormente, e às mu-


danças sociais, económicas e culturais resultantes das operações de rea-
bilitação, aparece o fenómeno de nobilitação. Tal como Mendes afirma “a
nobilitação urbana é, em última instância, um dos efeitos nefastos mais con-
sensualmente apontados pelas análises da teoria urbana crítica em torno
da ideia e prática da produção da cidade criativa e branding dos distritos
criativos” (Mendes, 2012: 52).

O conceito gentrification decorre de um fenómeno occorrido em Londres em


1964 e foi utilizado para designar a mobilidade da classe média para áreas
dessa mesma cidade. Este dizia principalmente respeito à recuperação do
parque habitacional degradado por uma classe social que vem substituir a
população que vivia anteriormente nessa zona.

O termo nobilitação surgiu com mais frequência a partir da década de 70 e


tem vindo a expandir-se, abordando alguns aspectos da reabilitação do es-
paço público e comércio. Tendo no início sido relacionado por alguns autores
com um “movimento de regresso à cidade”, esta correlação perde força com
os estudos feitos ao longo dos anos que defendem que “os gentrifiers são,
na sua maioria, urbanitas, tratando-se, desta forma, não de uma migração
de fora para dentro da cidade, mas sim de movimentos operados no seio
do espaço urbano-metropolitano e dentro deste com maior incidência nos
bairros centrais” (Mendes, 2006: 63). Para Mendes, nobilitação é o processo
pelo qual alguns grupos se tornaram centrais para a cidade (Mendes, 2012),
pois fizeram desta um local central para eles mesmos, quer do ponto de vista
residencial e quer da sua apropriação, reinventando-se social e culturalmen-
te através do valor histórico e arquitectónico dos bairros (Mendes, 2006). A
socióloga Sharon Zukin defende que este movimento reflecte as

43
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

reestruturações urbanas decorrentes da mudança dos estilos de vida, mar-


cados pela junção da esfera de trabalho e lazer bem como de local de traba-
lho e local de residência (Magalhães, 2008 e Mendes, 2006).

Walter Rodrigues, na obra Cidades em Transição, identifica diferentes fases


deste processo, sendo que a primeira vaga dá-se na década de 60, altura
em que a nobilitação é a expressão espacial das transformações sociais e
culturais. Nesta fase o empreendimento de reabilitação dos edifícios nobili-
tados era protagonizado pelos “gentrifiers”. Surge o crescimento de um 4º
sub-sector económico ligado à informação/conhecimento e cultura que se
incrementa na reestruturação económica e urbana. A segunda vaga aconte-
ce de 1970 a 1980, altura em que deixa de ser um fenómeno esporádico e
espontâneo e passa a ser uma manifestação concreta de processos vastos
de reestruturação económica e urbana. Em Londres e Nova Iorque, os pode-
res públicos locais direccionam a sua atenção para as políticas de reabilita-
ção ou renovação urbana. A terceira vaga tem início na década de 1990 até
à actualidade, à qual Neil Smith chama de nobilitação generalizada e diz que
a nobilitação expressa as particularidades do lugar pois é uma expressão
específica de relações sociais, económicas e políticas (Rodrigues, 2010).

O crescimento da presença de imigrantes veio reforçar a complexidade dos


processos de nobilitação urbana. A presença de outsiders, e consequentes
vantagens e desvantagens para o crescimento da cidade, tem sido discutida
por diversos autores. Landry considera que a intervenção exterior deve ser
moderada pois as cidades operam segundo os seus hábitos e tradições.
Este afirma que “the inside looking out, rather than the outsider looking in”.
Contudo, Landry considera que estes têm um diferente ponto de vista que
pode identificar potencial não visto pelos locais, que deve ser tido em aten-
ção (Landry, 2000).

Segundo Rodrigues, este conceito já não se limita à sua formulação mais


primitiva- a dimensão residencial- mas ao ponto de vista global da reestru-
turação da cidade. A percepção que se tem da nobilitação já não é apenas
de rendas altas, ou deslocação dos trabalhadores, mas sim espectáculos
de rua, bares e cafés que estão na “moda” e diversidade social (Rodrigues,
2010). Esta nova generalização de nobilitação urbana que tem vindo a surgir
foi considerada por Loreta Less como “tamanho único” pois não atende às
especificidades de cada local. O movimento de regresso às cidades exige
mais do que um investimento na renovação ou reabilitação de habitação,
mas também um conjunto de facilidades para atrair novos residentes e no-
vos consumidores (Rodrigues, 2010).

Como foi anteriormente referido, a revitalização da cidade interior não é


maioritariamente um movimento migratório da periferia para o centro, mas
sim um reinvestimento na cidade interior. Robert Park defende que a popula-
ção que protagoniza o retorno às zonas centrais antigas é uma população da

44
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

cidade interior e não das periferias sendo que os grupos sociais pioneiros da
nobilitação valorizam a cidade interior histórica com mais relações de proxi-
midade e vizinhança pois esta possibilita uma maior tolerância à diversidade
por estes grupos sociais com valores que requerem essa tolerância.

Relativamente à identidade cultural do bairro, a entrada de novos residentes


e visitantes pode ser considerada uma ameaça para o equilíbrio da identi-
dade sociocultural e a expulsão dos autóctones. Por outro lado, contribui
para o processo de reabilitação, sendo que estes novos residentes têm mais
sensibilidade para questões de salvaguarda do património que os atraiu,
com mais qualificações e uma melhor situação socioprofissional (Magalhães,
2008).

Concluindo, estas transformações- o estabelecimento de novos residentes,


a implantação de novas actividades, a criação de uma nova ordem simbóli-
ca- conferem uma nova centralidade aos espaços e permitem a sua inserção
nas principais dinâmicas. Contudo, deve se garantir a manutenção do tecido
social local, através de mecanismos apropriados, designadamente legais.
Como veremos no objecto de estudo desta dissertação, o equilíbrio entre os
impactos positivos e negativos da nobilitação constitui uma preocupação e
a sua governança é por vezes complexa.

45
02 . A REABILITAÇÃO NA CIDADE DE LISBOA: UMA APOSTA ESTRATÉGICA

2.1 Novas dinâmicas e desafio estratégico



2.2 A reabilitação urbana na cidade de Lisboa
2.2.1- Olhar retrospectivo
2.2.2- Exemplos de reabilitação urbana na cidade de Lisboa
2.2.3- Programas de apoio à reabilitação urbana

2.3 O futuro próximo da reabilitação em Lisboa


2.3.1- A reabilitação nos Instrumentos de planeamento territorial
2.3.2- Lisboa 2020
A REABILITAÇÃO NA CIDADE
DE LISBOA: UMA APOSTA
ESTRATÉGICA 02
“Até 2011 a cidade perdeu 100 mil hab. por década. Isto mostra que é
indispensável tomar medidas para repovoar a cidade, que só será sus-
tentável se tiver mais gente a viver e a trabalhar. Isso implica reabilitar
muito do que está estragado” (Salgado, M., 2014).
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

2.1 Novas dinâmicas e desafio estratégico

“Cities are the product of time. (...) By the diversity of its time structures, the
city in part escapes the tyranny of a single present, and the monotony of a
future that consists of repeating only a single beat heard in the past...”
(Mumford, L., 1938)

A cidade de Lisboa teve um grande crescimento populacional entre 1864 e


1960 passando de quase 200.000 habitantes para 800.000. Em 1981 teve
o maior registo de habitantes, com 807.000. As últimas duas décadas do
século XX são marcadas pelo início da perda populacional, sendo que a ci-
dade perdeu à volta de 100.000 habitantes cada dez anos, passando de
800.000 para 500.000 habitantes, o que corresponde a um decréscimo de
1,9% da população residente cada ano. Esta perda de população deve-se à
transferência residencial dos jovens para as periferias suburbanas por razões
maioritariamente económicas e à emigração por razões laborais. Este pro-
cesso é acompanhado por um maior envelhecimento da população, sendo
que os habitantes com mais de 65 anos representam 25% da população.
Estes factores traduzem-se numa distribuição pouco homogénea, com a
população mais jovem a instalar-se nas periferias, enquanto os mais velhos
permanecem nos centros das cidades. As periferias caracterizam-se muitas
vezes por fragilidades sociais, económicas, ambientais e paisagísticas, com
uma perda de vitalidade urbana e de complexidade social, e zonas mono-
funcionais.

A composição do tecido social da cidade reflecte o posicionamento face aos


processos de globalização da economia e da cultura sendo que a população
com qualificações elevadas, e consequentemente mais recursos, tem vindo
a aumentar significativamente na cidade de Lisboa, com a percentagem de
profissionais com qualificação superior a crescer de 14% para 22%. Segun-
do Rodrigues (Rodrigues, 2010), o eixo urbanístico principal da cidade, que
vai desde São Mamede ao Lumiar passando por Alvalade, concentra a maior
percentagem de população com qualificação académica superior, por volta
de 30%, enquanto no centro histórico, como Mouraria e Alfama, esta não
ultrapassa os 6%.

O paradigma de suburbanização é seguido do retorno às cidades por parte


da população com novos estilos de vida e com um interesse pelo centro his-
tórico, valorizando o valor cultural e histórico desse e o ambiente urbano do
centro da cidade. Para Byrne, a cidade é o produto cultural mais complexo
e de mais longa duração, que se transforma continuamente, “o plasmar de
uma cultura compartilhada” (Intervenção de Byrne, G., 2014). O arquitecto
refere que é importante perceber o que é a centralidade e o que faz com que
as cidades sejam policêntricas, sendo que o centro de Lisboa foi perdendo
um misto de usos, factor importante para as vivências ao longo do dia. “Exis-
te a ilusão de que as cidades permanecem no tempo, que são ad aeternum.
Estas dependem de diversos factores, como as catástrofes, sendo que um
é crucial: a perda de vida.” Byrne considera Lisboa uma cidade resiliente,

48
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

pois introduziu ciclos de reabilitação e teve a capacidade de reagir quando


confrontado com situações anómalas, como o caso do tempo de Pombal, ou
do incêndio do Chiado (cf. Fig. 02.1, 02.2), “porém, foi incapaz de responder
aos ciclos naturais da cidade, que são persistentes e silenciosos. O exemplo
de humanização da topografia da cidade, herança árabe, deve ser um exem-
plo” (Intervenção de Byrne, G., 2014).

Ao contrário do que aconteceu nos anos 90, a estratégia actual de toda a ci-
dade tira partido das dinâmicas que ocorrem na mesma, assentes em carac- Fig. 02.1 Armazéns do Chiado após o
terísticas que sempre marcaram a nossa cidade: a sua posição geográfica, incêndio de 1988
Fonte: www.tsf.pt
o seu património e riqueza, a sua história. Esses factores aliados à crise que
vivemos potenciam um novo pensamento.

2.2 A reabilitação urbana na cidade de Lisboa

2.2.1 Olhar retrospectivo

Apesar das tendências de declínio e desertificação, a cidade de Lisboa pos-


sui elementos a nível morfológico e urbanísticos geradores de vitalidade ur-
bana, bem como alguns bairros com estruturas dinâmicas que “continuam
a ser verdadeiros espaços de cidade” (Seixas, 2008: 18). Como descrito no Fig. 02.2 Armazéns do Chiado actualmente
Fonte: facebook.com
ponto anterior, a densidade de habitação e emprego, a qualidade dos espa-
ços públicos que caracterizam estes bairros e as alterações que sofreram,
exigiu que a cidade acelerasse ”a sua capacidade de inovação e identificar
novas abordagens e soluções que respondam aos desafios sociais que en-
frentam” (Gonçalves e Vilhena da Cunha, 2012: 80).

Lisboa tem uma grande riqueza nos seus elementos patrimoniais e em cada
um dos seus espaços e bairros com uma identidade espácio-cultural e vi-
vencial, porém esta encontra-se em transformação e em alguns casos em
fragilização devido à degradação do edificado e desertificação. No final dos
anos 60, o desenvolvimento da cidade encontra-se marcado por interven- Fig. 02.3 Residências EPUL Jovem, Martim
ções de iniciativa privada avulsas. O processo de urbanização foi guiado Moniz
pela especulação imobiliária que ocupou terreno junto à periferia da cidade, Fonte: www.epul.pt

nomeadamente Benfica, Carnide, Lumiar, assim como “nos concelhos limí-


trofes de Lisboa (...) onde os níveis de segregação social e urbana são rela-
tivamente elevados” (Magalhães, 2008: 93). Em reacção a este processo foi
criada a Empresa Pública de Urbanização de Lisboa (EPUL) que desenvolve
intervenções integradas e planeadas em terrenos municipais que lhe são
atribuídos e as receitas dessas operações destinavam-se ao município. Atra-
vés do programa EPUL Jovem surgem habitações em Entrecampos e Martim
Moniz destinadas a segmentos mais jovens do mercado (cf. Fig. 02.3, 02.4).

Os anos 80 foram marcados por um boom imobiliário, onde a habitação e os Fig. 02.4 Edifício de habitação e comércio na
Rua do Benformoso, Mouraria
escritórios são privilegiados, sendo que em paralelo ocorreram operações de Fonte: www.epul.pt
reabilitação nos bairros históricos, iniciadas em 1986 pela CML. Considera-
-se que o espaço público tem um papel estruturante como gerador de forma
urbana, realizando-se operações de melhoria da acessibilidade pedonal,

49
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

equipamento nos espaços verdes, iluminação dos monumentos e mobiliário


urbano. As intervenções deixaram de ser pontuais, para serem actuações
lineares, dentro de uma visão estrutural e integradora. Segundo Byrne, o in-
cêndio do Chiado em 1988 veio despoletar essas intervenções, com o plano
de intervenção integrada do Arq. Álvaro Siza Vieira (Intervenção de Byrne,
G., 2014). Siza Vieira optou pela revalorização do espaço público através da
criação de percursos e da utilização do interior dos logradouros. A última
etapa deste plano foi terminada em 2008 (cf. Fig. 02.5, 02.6).
Fig. 02.5 Plano de reconstrução do Chiado,
Siza Vieira
As políticas de contenção de nobilitação urbana acontecem no fim da dé-
Fonte: aviagemdosargonautas.net
cada de 1980 porém não existiu uma política integrada para as chamadas
“cidades interiores”. Observa-se nessa altura uma reduzida mobilização e
uma crescente degradação urbanística da zona histórica acompanhadas de
um declínio populacional. O centro histórico começou a ser recuperado pela
CML na década de 90, altura em que se começou a preparar a cidade para a
Expo 98, através da Direcção Municipal de Reabilitação Urbana (DMRU) que
define uma mudança de orientação política na CML. A DMRU procurava re-
centralizar algumas competências e coordenar a acção dos GTL existentes:
Alfama, Mouraria e Bairro Alto (cf. Fig. 02.7, 02.8).
Fig. 02.6 Utilização do interior do quarteirão
no Chiado Este movimento originou um regresso ao centro, contrariando o fenómeno
Fonte: www.flickr.com de saída para a periferia que se tinha vindo a verificar, o que levou ao aumen-
to do custo no centro, reconhecendo as vantagens de viver nesta zona da
cidade, quer em termos de comodidade, devido à proximidade com o local
de trabalho, como de qualidade de vida e diversidade.

A reabilitação urbana faz parte da estratégia urbanística da cidade de Lisboa


desde 2007, tendo ocorrido diversas acções desenvolvidas quer pela Direc-
ção Municipal de planeamento, Reabilitação e Gestão Urbanística (DMPR-
GU), como pela Direcção Municipal de Habitação e Desenvolvimento Social
(DMHDS) e pela Direcção Municipal de Ambiente Urbano (DMAU). Esta mu-
Fig.02.7 Bairro de Alfama
Fonte: www.lisbon-tourism.com dança de foco na estratégia urbanística deve-se ao facto de se ter “esgotado
 o território municipal com as grandes intervenções planeadas nos anos 90
na EXPO e na Alta de Lisboa e os conjuntos dos loteamentos que preen-
cheram a coroa norte entre S. Domingos de Benfica e o Lumiar”, (cf. Fig.
02.9, 02.10) sendo que “a prioridade a partir de 2007 foi dada à intervenção
na cidade existente” (CML, 2014: 4). A prioridade dos planos, programas e
intervenções do município foi a regeneração dos bairros, a reabilitação do
edificado, dos equipamentos e do espaço público. O crescimento do turismo
que se observa nos últimos anos está associado a este processo, na medida
em que o investimento em unidades hoteleiras contribui para a requalifica-
ção das zonas históricas e centrais da cidade (cf. Fig. 02.11).
Fig.02.8- Bairro da Mouraria
Fonte: www.forumlisboa2009.parlamento.pt
Nos anos de 2007 e 2008 foram concluídos alguns Planos em elaboração,
como a Avenida da Liberdade, e iniciaram-se outros projectos como a Baixa

50
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

Pombalina e o Parque Mayer. A cidade de Lisboa adquire uma nova visão,


presente na Carta Estratégica 2010/2024 apresentada em 2009. Propõe-se
“uma cidade para as pessoas, aberta, intercultural, e solidária, investindo na
qualidade de vida, no ambiente urbano e na segurança, com uma actividade
intensa, capaz de reter e atrair recursos humanos qualificados e com uma
vida rica e diversificada” (CML, 2014: 4). As obras realizadas são em alguns
casos pouco visíveis, porém “optou-se pelas pequenas grandes obras gera-
doras de sinergias, para que Lisboa possa ser uma cidade de pessoas para
as pessoas e com as pessoas”. O empreendedorismo, a criatividade, a par- Fig. 02.9 Construção da EXPO’98
Fonte:www.tsf.pt
ticipação e o diálogo têm sido impulsionados e fomentados, alinhados com
os objectivos e a visão pensada para Lisboa.

Em 2012 foi aprovada a Estratégia de Reabilitação Urbana de Lisboa de


2011/2014, que cobre quase a totalidade da área municipal, reconhecendo a
importância de intervir através da recuperação de edifícios e espaços públi-
cos. Nesse mesmo ano foi aprovado o PDM, com toda a cidade de Lisboa a
ser classificada como histórica, e a reabilitação como primeira prioridade. O
alargamento da Área de Reabilitação Urbana (ARU) a quase toda a cidade foi
um factor importante para que os proprietários tivessem acesso a alguns be-
nefícios fiscais em obras de requalificação. Diversos programas adoptados Fig. 02.10 Vista aérea do Parque das
promoveram a venda e reabilitação de prédios devolutos, nomeadamente o Nações
Fonte: www.tsf.pt
Programa de Investimentos Prioritários em Acções de Reabilitação Urbana
do Município (PIPARU) e Programa Reabilita Primeiro Paga Depois. Este úl-
timo tem-se revelado eficaz, e promove a parceria com promotores privados
na reabilitação de edifícios municipais nos bairros históricos.

O município investiu directamente 130 milhões de euros nos últimos cinco


anos com o PIPARU, o QREN e verbas do Turismo, sendo que foram ela-
borados 61 planos de urbanização, salvaguarda, e unidades de execução.
O processo de reabilitação do edificado, que actualmente ultrapassa larga-
mente o número de obras de construção nova, deve-se ao “investimento Fig. 02.11 Zona da Baixa
municipal na reabilitação do seu património e na requalificação do espaço Fonte: noticiasdearquitectura.blogspot.pt
público: condição necessária para tornar atractivos os investimentos no edi-
ficado da cidade” (Carneiro, 2014).

Como referido por Carneiro na revista Municipal LISBOA, actualmente a re-


qualificação do espaço público incidiu em “quase toda a totalidade dos mi-
radouros, boa parte dos jardins, praças como o Terreiro do Paço e D. Luís
(cf. Fig. 02.12), largos como os do Intendente e do Coreto (Carnide), arté-
rias importantes como as avenidas Duque d’Ávila ou Ribeira das Naus, ruas
como a do Ouro, e percursos pedonais como os da Mouraria.” (Carneiro,
2014) É importante referir e ter em conta que o Prémio Valmor e Municipal
Fig. 02.12 Praça D. Luís, Cais do Sodré
de Arquitectura foi atribuído nos anos 2010, 2011 e 2012 a projectos de re- Fonte: www.guiadacidade.pt
abilitação, designadamente renovação de escolas e edifícios de habitação
(cf. Fig. 02.13).

51
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

Governança

As operações de reabilitação urbana não se confinam à realização de obras


de urbanização e edificação: a sua governação é essencial para o sucesso,
sendo que esta exige diversas competências, desde técnicas e tecnológicas
a económicas, jurídicas e políticas. A cooperação entre diversos actores é
muito importante para a condução das operações.

Fig. 02.13 Escola Rainha D. Leonor, Prémio


O incentivo à participação e a melhoria do modelo de governação fazem
Valmor e Municipal de Arquitectura 2011
Fonte: www.novaescola.min-edu.pt parte das prioridades do Plano Director Municipal de Lisboa, sendo que é
considerado imperativo que os cidadãos adquiram controlo no processo,
pois estes tornaram-se mais activos e exigentes em relação às opções e
definição do desenvolvimento da cidade, o que demonstra uma nova relação
entre a câmara e os residentes. Os cidadãos podem participar em todos as
fases da elaboração do plano e têm acesso através de uma base de dados
às intervenções urbanas, tornando o processo de planeamento mais trans-
parente (CML, 2012a).

Os sistemas de governança procuram assim aproximar os diferentes actores


da cidade, e responsabilizá-los, tornando-os mais activos nos processos de
decisão e reflexão da cidade. A participação social é vista como fundamental
para os processos e a resolução de problemas, que exigem não só recursos
Fug. 02.14 Fachada da fábrica materiais, mas também culturais e simbólicos. Esta estrutura deve incentivar
Fonte: www.lxfactory.com a participação em diversos domínios e escalas.

O decreto-lei nº 22/2012 de 30 de Maio, que aprova o regime jurídico da


reorganização administrativa territorial autárquica, estabelece os objectivos,
os princípios e os parâmetros desta reorganização e enquadra os termos da
participação das autarquias locais na concretização do processo. Segundo
este decreto-lei, os órgãos das freguesias vêm assim as suas competências
serem reforçadas, sendo que estas “podem ser diferenciadas em função
das suas específicas características demográficas e abrangem, designada-
mente, os seguintes domínios: manutenção de instalações e equipamentos
educativos; Construção, gestão e conservação de espaços e equipamentos
Fig. 02.15 Fachada da fábrica
Fonte: www.lxfactory.com coletivos; Licenciamento de atividades económicas; Apoio social; Promoção
do desenvolvimento local”.

2.2.2- Exemplos de reabilitação urbana na cidade de Lisboa

São diversos os exemplos de iniciativas públicas e privadas que têm vindo a


contribuir para transformar Lisboa, melhorando assim a sua qualidade para
os que nela vivem, trabalham ou visitam. A reconversão das zonas históricas
tem vindo a gerar interesse quer por parte dos moradores quer por parte
dos investidores privados que tiram partido do potencial de valorização que
o investimento nesta área poderá ter. São apresentados em seguida alguns
Fig. 02.16 Espaço interior: livre e polivalente
exemplos de reabilitação urbana em que as estratégias utilizadas relacionam
Fonte: www.lxfactory.com
quer a criatividade, a nobilitação e o espaço público, não se limitando à rea-
bilitação do edificado.

52
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

Lx Factory

A Lx Factory situa-se na zona ribeirinha de Alcântara numa antiga área de


produção fabril ocupada desde 1846 pela Companhia de Fiação e Tecidos
Lisbonenses (cf. Fig. 02.14, 02.15). Este espaço foi uma das fábricas mais
importantes no século XIX, tendo albergado várias empresas ao longo dos
anos, e é constituído por onze edifícios cuja composição interior reproduz
um espaço livre e polivalente, que se adaptava a qualquer tipo de actividade
Fig.02.17 Livraria Ler Devagar
e maquinaria (cf. Fig. 02.16).

Este conjunto de imóveis industriais foi adquirido pela Mainside em 2005 aos
anteriores proprietários que utilizavam as instalações como gráfica, numa
altura em que já decorria um projecto de requalificação para esta zona pro-
movido pela CML, o plano Alcântara XXI. A Mainside é uma empresa priva-
da que desenvolve projectos ligados maioritariamente à reabilitação urbana,
como descreve João Queirós Carvalho, administrador desta empresa, numa
entrevista à revista “A Europa nas nossas Mãos”: “compramos imóveis edi-
ficados para os quais desenvolvermos projectos, que lhe dão um uso adap-
tado ao presente” (Carvalho, 2010). O administrador da Mainside considera
que a reabilitação é um potencial de negócio difícil mas que resulta em mais- Fig. 02. 18 Restaurante 1300 Taberna
-valias que não se obtêm num negócio imobiliário tradicional. Fonte: myguide.iol.pt

Em 2008 este espaço foi revitalizado e aberto ao público, e desde esse ano
que têm vindo a instalar- se nesta área diversas empresas ligadas à área de
arquitectura, design, restauração, publicidade, moda, artes plásticas, músi-
ca, entre outros, originando assim uma mistura de conhecimento e experi-
ências (cf. Fig. 02.17, 02.18, 02.19). Os espaços ligados ao comércio visam
fazer a promoção cultural do que se passa dentro e fora da antiga fábrica,
sendo que ocorrem também muitos eventos desde exposições, concertos,
festas, feiras (cf. Fig. 02.20, 02.21).

Fig. 02.19 Espaço de trabalho partilhado


Este é um exemplo de reabilitação integrada oferecendo à cidade um es-
Fonte: facebook.com
paço público de cultura e lazer, com uma gestão dos espaços proactiva. A
Lx Factory é também um exemplo de um projecto inovador e diferente, que
aposta nas indústrias criativas e nas potencialidades que a mesma traz a
nível económico com a criação de sinergias internas e a promoção do em-
preendedorismo. Como o administrador da Mainside afirma “graças a este
espaço, as pessoas puderam concretizar as suas ideias e passar à acção, o
que num contexto de crise, como o actual, também é importante” (Carvalho,
2010). Procurou-se demonstrar um exemplo de reabilitação urbana maiorita-
riamente ligada à criatividade uma vez que o edificado existente foi alvo de
uma intervenção pontual.
Fig. 02.20 Exposição
Cais do Sodré Fonte: www.facebook.com

A zona do Cais do Sodré foi, nos anos 70, um ponto de referência como zona
de diversão e espaço de entretenimento para os marinheiros que atracavam

53
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

em Lisboa. Após esse período passou por um tempo de abandono e foi vista
durante décadas como uma zona de droga e prostituição. Após a ameaça de
desabamento de um edifício na Rua Nova do Carvalho, ou “rua cor-de-rosa”
como é mais conhecida, a mentalidade e visão desta área alterou-se. Esta
rua foi fechada ao trânsito, e após um conjunto de sinergias por parte da Câ-
mara, dos comerciantes e dos clientes, iniciou-se o processo de reabilitação
da zona.

Fig. 02.21 Mercado semanal de produtos A Associação Cais do Sodré foi criada por vários comerciantes locais, no-
em 2º mão
Fonte: myguide.iol.pt meadamente os da Rua Nova do Carvalho, e procura minimizar o choque
entre as várias valências do bairro assim como promover a dinâmica social
e cultural e financiar medidas ao nível da segurança, limpeza e recuperação
urbanística.

O concurso promovido por esta Associação foi ganho pela José Adrião Ar-
quitectos. Segundo o Arq. a pintura da rua criou um espaço dinâmico e in-
clusivo e proporciona o acesso à informação, na medida em que se produz,
partilha e consome cultura na Rua Cor-de-Rosa (cf. Fig. 02.22, 02.23, 02.24).

Fig. 02.22 Rua antes da intervenção Paralelamente a essa recuperação física observou-se a abertura de novos
Fonte: www.joseadriao.com espaços de restauração, hostels e espaços comerciais fortemente ligados às
artes os quais atraíram mais pessoas à zona. O ano de 2011 marcou o pro-
cesso de reconversão urbana desta zona, com a compra e remodelação por
parte da imobiliária Mainside, responsável pela recuperação da Lx Factory,
de um prédio pombalino situado no nº 19 da rua do Alecrim. Este projecto
resultou na Pensão Amor, um edifício de 5 pisos com espaços dedicados à
restauração e animação nocturna e ainda espaços de trabalho ligados a ac-
tividades criativas e culturais (cf. Fig. 02.25). Como sucedeu na Lx Factory, o
projecto foi pensado dando ênfase ao conceito e imagem dos espaços numa
ótica de regeneração urbana.
Fig. 02.23 Proposta do atelier José Adrião
Arq. Este é mais um exemplo de reabilitação urbana, através da consolidação do
Fonte: www.joseadriao.com
espaço público, em constante mudança e actividade, tendo como protago-
nistas as pessoas.

Martim Moniz

O Martim Moniz é um espaço central na cidade de Lisboa, fazendo parte da


extensão da Mouraria, e portanto tal como este bairro, foi o espaço destina-
do à localização dos Mouros. O comércio grossista liderado por empresários
de várias nacionalidades instalou-se na zona na década de 70, sendo que
muitos destes viviam perto do local.
Fig. 02.24 Rua Cor-de-Rosa
Fonte: www.cm-lisboa.pt/
Na década de 80 foi aberto um concurso público para a reconfiguração da
praça, vencido por Carlos Duarte e José Lamas porém o projecto não foi
construído totalmente, sendo que apenas foram concluídos dois centros
comerciais e a praça acabou por apresentar “pouca afirmação local” (José
Augusto França cit. por Guterres, 2012).

54
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

A praça sofreu outra remodelação em 1997 e foram instalados quarenta


quiosques na praça com o objectivo de “revitalizar economicamente o lo-
cal a partir do desenvolvimento de um comércio de retalho especializado
em artigos regionais, antiguidades e artesanato” (Menezes cit. por Guterres,
2012) (cf. Fig. 02.26). Estes quiosques não tiveram o efeito esperado a nível
comercial, sendo que em 2000 são retirados pela Câmara Municipal de Lis-
boa, o que resulta num espaço amplo e na sua apropriação enquanto espaço
público.
Fig. 02.25 Pensão Amor
Fonte: cool-lisbon.blogspot.pt
Em 2011, a Câmara Municipal de Lisboa, em parceria com a EPUL, realiza
um concurso público para a concessão da praça que viria a ser ganho pela
NCS, uma empresa dedicada à organização de eventos. Os quiosques exis-
tentes no Martim Moniz são de restauração com uma oferta variada (chinesa,
indiana, japonesa, africana, entre outras) à volta dos quais surgem interven-
ções artísticas, instalações, cinema, exposições e workshops (cf. Fig. 02.27,
02.28, 02.29). A feira semanal do Mercado de Fusão ocorre no primeiro e úl-
timo sábado de cada mês e reúne uma grande variedade de negócios oriun-
dos de diferentes pontos da cidade desde artesanato, produtos biológicos,
mercearias, roupa, livros, etc (cf. Fig. 02.30).
Fig. 02.26 Martim Moniz em obras.
José Filipe Rebelo Pinto, mentor de projectos como o OUT JAZZ e a revita- Fonte: www.skyscrapercity.com

lização do Cais do Sodré e administrador da NCS, afirma que “a ideia não é


só tornar a praça étnica nem misturar um pouco de toda a gente, mas juntar
o projeto à requalificação do bairro e trazer-lhe sangue novo, um toque de
modernidade. Não queremos trabalhar só a praça, queremos fazer crescer
uma nova cidade dentro da cidade”. Neste projecto observamos a gestão do
espaço público ser entregue a empresas privadas, e as suas vantagens para
a recuperação do próprio espaço quer na recuperação do espaço quer na
dinamização do comércio local são visíveis.

Estamos assim perante novas áreas criativas, distintas umas das outras. O Fig.02.27 Praça Martim Moniz
cais do Sodré manteve- se como espaço nocturno, mantendo assim sua Fonte: www.cm-lisboa.pt
função, mas o público e as formas de consumo são contemporâneas. A Lx
Factory alterou a sua função, passando da industrial para a cultural, requa-
lificando o edificado e tornando-se num espaço atractivo para a cidade. No
Martim Moniz observa-se uma apropriação mais informal, sendo que a Praça
assume-se como um lugar de estada ou passagem pelas diversas culturas
presentes naquele território.

2.2.3- Programas de apoio à reabilitação urbana

Numa altura em que toda a cidade construída pertence à Área de Reabilita-


Fig.02.28 Praça Martim Moniz
ção, todas as obras de reabilitação feitas na cidade de Lisboa podem assim Fonte: www.cm-lisboa.pt
beneficiar dos incentivos e apoios dos diversos programas promovidos pela
CML.

55
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

BIP/ZIP

A estratégia BIP/ZIP incide nos bairros e zonas de intervenção prioritária de


Lisboa e nasce da ideia de que “a mudança está em nós próprios. É mo-
bilizando essa energia cidadã, que mudamos os nossos bairros e fazemos
uma cidade de todos” (Costa, 2013: 11). A proposta de um Programa para a
requalificação destes BIP/ZIP surge no âmbito dos objectivos definidos no
Programa Local de Habitação (PLH), aprovados no final de 2009.

Segundo Helena Roseta, ex-vereadora da Habitação da Câmara Municipal


Fig. 02.29 MEO OUT JAZZ no Martim de Lisboa, a criação desta estratégia foi inspirada no processo SAAL, um
Moniz
programa pioneiro de participação popular na habitação lançado por Nuno
Fonte: www.facebook.com/outjazz
Portas após o 25 de Abril. Tal como Roseta afirmou, “o resultado ultrapas-
sou todas as expectativas: imaginação, generosidade, saber, criatividade e
energia surgiram um pouco por todos os BIP/ZIP, ao mesmo tempo que sur-
giam ou se reforçavam parcerias locais muito diversas” (Roseta, 2013: 13).
Os temas que impulsionam os projectos BIP/ZIP são “construídos à medida
das vontades que em cada território se organizam para o mudar” (Roseta,
2013: 13) nomeadamente a promoção da cidadania, competências e empre-
endedorismo, a melhoria da vida no bairro, a prevenção e inclusão social,
reabilitação e requalificação de espaços (cf. Fig. 02.30).
Fig. 02.30 A Linha, um dos projectos ven-
cedores do programa BIP/ZIP 2012, Alfama A primeira preocupação desta estratégia foi a determinação do conceito de
Fonte: alinhaalfama.wordpress.com
Bairro de Intervenção Prioritária (BIP), estendendo depois o conceito a Zonas
de Intervenção Prioritária (ZIP). Esta definição apoiou-se em delimitações
municipais existentes, identificadas no âmbito do PLH, e que se enquadras-
sem no conceito de Bairro Prioritário, nomeadamente: ACRRU (Área Crítica
de Recuperação e Reconversão Urbanística); AUGI (Área Urbana de Génese
Ilegal); Bairros Municipais (sob gestão da GEBALIS) com problemáticas es-
peciais; Zonas Remanescentes do PIMP e do PER (Programas Especiais de
Realojamento); Bairros ex-SAAL com problemas graves pendentes; Área de
intervenção da SRU Ocidental – Sociedade de Reabilitação Urbana Ociden-
tal; Área de intervenção do Programa Viver Marvila.

Paralelamente a essa análise utilizaram-se também dados estatísticos de


modo a localizar as zonas com indicadores socioeconómicos, ambientais e
urbanísticos mais fracos, o que permitiu construir um índice social e um ur-
bano com expressão à escala de quarteirão. “Da sobreposição cartográfica
deste índice composto com as delimitações municipais já analisadas, resulta
a determinação de uma “mancha” na cidade que define a sua fractura sócio-
-territorial, evidenciando assim as áreas da cidade onde, com maior proba-
bilidade, se encontram os bairros e zonas de intervenção prioritária.” (CML,
2010: 4) O BIP/ZIP incentiva a que os moradores assumam o local onde
vivem como seu, transformando as casas e prédios onde vivem em bairros,
“espaços de vida colectiva, de vida em comunidade” (Costa, 2013: 11).

56
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

A carta Bip-Zip de 2010, elaborada pela Assembleia Municipal de Lisboa, foi


aprovada pela deliberação municipal 363/2010 em 14 de Julho e identificou
61 bairros e zonas prioritárias submetidos a debate público até Setembro
de 2010 (cf. Fig. 02.31). Esta carta insere-se no Plano Director Municipal de
Lisboa (PDM) e representa um compromisso de 10 anos por parte do muni-
cípio. A Carta é revista periodicamente, consoante a evolução destas áreas
identificadas, mantendo-a assim em aberto.

As entidades que participam nas candidaturas podem ser promotoras ou


parceiras, sendo que as primeiras celebram o protocolo com a Câmara Mu- igura 02.31 Carta Bip-Zip 2010.
Fonte: habitacao.cm-lisboa.pt
nicipal de Lisboa, recebem as verbas e são responsáveis pela gestão finan-
ceira do projecto. As entidades parceiras são apenas associadas do projecto
e não possuem responsabilidades directas na gestão financeira do mesmo.

Numero de Candidaturas Montante


Ano Candidaturas Aceites Disponível
(Milhões)
2011 80 33 1
2012 106 28 1
2013 108 52 1,5
Fig. 02.33- Exposição Dentro de ti ó cidade,
2014 146 59 >1,6
MUDE
Fonte: www.mude.pt
Quadro 02.32 Número de candidaturas e montante disponível para a estratégia BIP/ZIP por ano
Fonte: habitação.cm-lisboa.pt

Como é possível observar (cf. Fig. 02.32), o ano de 2014 teve o maior número
de candidaturas com 146 participações. O ano de 2013 ficou marcado pela
realização de uma exposição no MUDE, chamada “Dentro de ti ó cidade” (cf.
Fig. 02.33), divulgando à cidade o que acontece nos bairros e associações
da mesma e documentando o processo participativo em curso, todos eles
projectos inovadoras e vitais. Os projectos reconhecem a importância do
espaço público, e devolvem-no aos habitantes da cidade, de modo a que
estes interajam, partilhem experiências e criem cumplicidade, “valorizando
a qualidade do ambiente urbano e a dimensão antropológica de cada lugar”
(Coutinho, 2013: 15).

As propostas apresentadas assumem diferentes formulações, porém como


Bárbara Coutinho defende, “são estratégias bottom-up e partilham valores
comuns: procuram a sustentabilidade económica, social e ambiental; colo-
cam a tónica na participação e sentimento de vizinhança; aspiram a induzir
a criatividade em todos os lugares e tempos do nosso quotidiano, recupe-
rando os tradicionais pontos de encontro e as relações de proximidade. Fo-
mentam uma cidadania activa (entendida como um direito, um dever e uma
responsabilidade), valorizando a iniciativa local e o compromisso colectivo
em projectos concretos e utilitários, em lugar de gestos individuais, mais ou
menos sensacionais” (Coutinho, 2013: 15). O contributo dos projectos para
este reforço da coesão social, quer no interior de cada BIP/ZIP quer na

57
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

integração desse território na cidade, é um dos critérios de avaliação das


candidaturas, assim como a sustentabilidade do projecto e a inovação do
mesmo.

Relativamente ao bairro da Mouraria foram estudados os indicadores sociais


e urbanos de modo a enquadrar a zona em estudo nesta estratégia. os quais
serão apresentados no capítulo seguinte.

A estratégia BIP/ZIP assume-se assim como um importante programa de


revitalização e reabilitação de diversas zonas urbanas, na medida em que
procura “recuperar o significado da res pública e da política através de uma
vivência plena destes conceitos, ao incentivarem a participação dos cida-
dãos na definição, planeamento, gestão, implementação e avaliação de ac-
ções simples e específicas, em diferentes escalas do território comum: no
condomínio, na rua, no bairro” (Coutinho, 2013:15).

Orçamento Participativo

Lisboa foi a primeira capital europeia que implementou o Orçamento Partici-


pativo com o intuito de aprofundar a relação da autarquia com os munícipes.
A primeira edição ocorreu em 2008, distinguindo-se de outras experiências
pela sua veracidade no processo de deliberação, conferindo poder de deci-
são aos cidadãos quer para apresentar propostas quer para votar nos pro-
jectos que considerem prioritários. Os planos mais votados, com um valor
até 5% do Orçamento de Investimento, integram a proposta de Orçamento e
o Plano de Actividades do Município no ano seguinte. A Carta de Princípios
do Orçamento Participativo do Município de Lisboa foi aprovada em 2008,
sendo que esta define os objetivos deste processo e indica os princípios
pelos quais este se deve reger. Está prevista uma avaliação anual dos seus
resultados e a introdução das alterações pertinentes para o aperfeiçoamen-
to, aprofundamento e alargamento progressivo do Orçamento Participativo.
Este carácter evolutivo foi distinguido e mereceu reconhecimento interna-
cional.

O número de participantes tem aumentado exponencialmente, assim como


o tipo de participantes e propostas, que se têm diversificado e enriquecido.
Passado cinco anos o “OP assume-se como uma marca emblemática de um
novo método de governação da cidade, no qual os cidadãos se empenham e
se envolvem, de modo activo e interessado, para alcançar as melhores solu-
ções, criando uma nova dinâmica de cogestão e coprodução com o executi-
vo municipal” (CML, 2012b: 2). O número de votantes aumentou de 1.101 em
2008 para 29.911 em 2012 e os projectos submetidos a votação passaram
de 28 em 2008 para 231 em 2012. Contudo as verbas disponíveis não acom-
panham esse progresso, tendo sido atribuído na edição anterior o montante
global de 2,5 milhões de euros. Para compensar esta redução e alcançar um
público mais abrangente foram criados dois grupos de Projectos de OP, um
para projectos com valor até 150.000 euros e outro até 500.000.

58
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

Relativamente ao ano de 2012-2013, e seguindo a tendência dos anos an-


teriores, as áreas predominantes dos projectos de valor superior a 150.000
euros foram Espaço Público e Espaços Verdes e Infraestruturas Viárias, Trân-
sito e Mobilidade. Os projectos com impacto na Mouraria serão apresenta-
dos no capítulo seguinte.

RE9- 9 vantagens para reabilitar em Lisboa

O programa RE9 é promovido pela CML com diversos parceiros, como a Or-
dem dos Arquitectos ou dos Engenheiros, e apoia operações de reabilitação
de pequena e média escala. Este programa propõe nove benefícios às inter-
venções de reabilitação urbana. Nomeadamente: menos 17% de IVA na mão
de obra e materiais; Isenção de Imposto Municipal sobre Imóvel durante 5
anos em imóveis reabilitados após 1 de Janeiro de 2008 e até 31 de Dezem-
bro de 2020; Isenção de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onero-
sas de Imóveis destinados exclusivamente a habitação própria e permanente
que se localizem em área de reabilitação urbana; Outros Benefícios Fiscais (
-30% no IRS, Isenção de IRC para fundos de investimento imobiliário e redu-
ção sobre as mais-valias para 5%); Isenção de Taxas Municipais (Isenção da
taxa de ocupação da via pública nos primeiros 4 meses, Isenção da taxa ad-
ministrativa de apreciação do processo ei senção da TRIU até 250m2 de área
acrescentada); Projetos de arquitetura e engenharia acessíveis a todos para
obras de reabilitação a realizar em Lisboa, com o devido acompanhamento
de modo a obter a melhor qualidade e economia das obras, graças a parce-
rias entre a Câmara Municipal de Lisboa, e as Ordens dos Arquitectos, dos
Engenheiros e dos Engenheiros Técnicos; Financiamento com condições es-
peciais; Parcerias com empresas e descontos nos materiais de construção;
Uma rápida via da Reabilitação Urbana.

Reabilita Primeiro Paga Depois

O programa Reabilita Primeiro Paga Depois consiste na venda de edifícios


municipais devolutos com a obrigação de realizar obras de reabilitação por
parte de quem o adquire, sendo que este está autorizado a “diferir o pa-
gamento do preço até ao termo do prazo contratual, que terá em conta o
licenciamento, a execução das obras e a colocação do imóvel no mercado”
(CML). Este programa é considerado muito importante no contexto actual,
sendo que é um contributo municipal para promover a reabilitação do pa-
trimónio municipal em mau estado de conservação, sem que se recorra a
capitais próprios ou endividamento, e para optimizar a sustentabilidade da
gestão do parque habitacional atraindo população para os bairros históricos.
O programa representa ainda um incentivo à economia e permite dinamizar
o sector da construção, essencial para a manutenção e criação de novos
postos de trabalho.

A revista municipal LISBOA de Julho de 2014, refere o êxito deste programa


sendo que é possível contabilizar “4 hastas públicas para um total de 53

59
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

prédios traduziram-se na arrematação de 49 deles, (representando um en-


caixe financeiro de quase 9 milhões de euros para os cofres municipais) -
para os quais deram entrada 30 pedidos de licenciamento 15 estão já em
obra, envolvendo um investimento privado em obra de cerca de 4 milhões
de euros.” (Carneiro, 2014).

RE-HABITA LISBOA- programa de reabilitação de devolutos

Este programa está em estudo e é direcionado aos edifícios de privados


que se encontrem integralmente devolutos e em muito mau estado de con-
servação e se localizem em locais emblemáticos e estratégicos da cidade.
O principal objectivo é impulsionar a reabilitação urbana, o mercado de ar-
rendamento e o retorno das famílias à cidade. O seu funcionamento está
previsto através de obras convencionadas nas condições acordadas com os
privados ou através de obras coercivas onde o Município assume o papel de
“Senhorio Temporário”.

De seguida apresenta-se um quadro síntese da estratégia de reabilitação


urbana na cidade de Lisboa nas últimas duas décadas.

Início, mais recente, da reabilitação urbana na cidade. Lançamento dos GTL de Alfama e
1986-1990
Mouraria de modo a proceder à requalificação física, social e funcional dos bairros e obter
um contacto mais directo com a realidade local promovendo uma gestão de proximidade.

Mudança orientação política na CML e criação da Direcção Municipal de Reabilitação


1990-2001
Urbana. Estratégia baseada na acção dos Gabinetes Locais: pequenas intervenções
dispersas nos bairros históricos. Os GTL têm a responsabilidade da gestão urbanística,
e apoio social aos moradores.
Estratégia centrada em grandes intervenções concentradas em 18 eixos pré-definidos
2002- 2007 da cidade que procuravam induzir processos de reabilitação de maior escala e legibilidade
no todo da cidade.
Lançamento de 6 megaempreitadas para obras de conservação e recuperação de edifícios
de propriedade municipal ou particular, das quais cinco foram suspensas por falta de
pagamento.
A escassez de meios financeiros obriga a repensar a estratégia, com vista a dar uma nova dinâmica ao
processo de reabilitação. A amplitude dos problemas da cidade consolidada justifica que a estratégia de
desenvolvimento territorial defina a sua reabilitação/revitalização como uma prioridade estratégica.
As candidaturas ao programa QREN (Mouraria,
2007 - 2012 Ribeira das Naus, Padre Cruz e Boavista)
procuram dar prioridade à reabilitação dos
equipamentos municipais.
A reabilitação urbana faz parte da
estratégia urbanística da cidade de
O Programa de Intervenções Prioritárias de
Lisboa que define como prioridade: a
Reabilitação Urbana (PIPARU) procura encontrar
regeneração dos bairros e a
os meios financeiros para terminar as empreitadas
reabilitação do edificado, dos
interrompidas.
equipamentos e do espaço público.

O programa BIP/ZIP integra o Programa Local de


Habitação e representa um compromisso de 10
anos por parte do município de desenvolver
intervenções prioritárias de melhoria de condições
de vida e do ambiente urbano.

Toda a cidade de Lisboa é


2012-
60 classificada como Área de Programas de apoio e incentivo à reabilitação
Reabilitação Urbana (ARU) e a urbana promovidos pela CML:
reabilitação urbana é definida como
O programa BIP/ZIP integra o Programa Local de
Habitação e representa um compromisso de 10
anos Opor parte do município de desenvolver
efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação
intervenções prioritárias de melhoria de condições
de vida e do ambiente urbano.

Toda a cidade de Lisboa é


2012-
classificada como Área de Programas de apoio e incentivo à reabilitação
Reabilitação Urbana (ARU) e a urbana promovidos pela CML:
reabilitação urbana é definida como
primeira prioridade. Reabilita Primeiro Paga Depois: Contributo
municipal para promover a reabilitação do pa-
A participação social é vista como trimónio municipal em mau estado de
fundamental para os processos e a conservação.
resolução de problemas, que exigem
não só recursos materiais, mas RE9: Apoio a operações de reabilitação de
também culturais e simbólicos. pequena e média escala.

A oferta de um espaço público de RE-HABITA LISBOA: Reabilitação de edifícios


qualidade é também uma privados devolutos e se localizem em locais
preocupação por parte do PDM de emblemáticos e estratégicos da cidade.
Lisboa, para potenciar a capacidade
de atrair pessoas e empresas.

Fig. 02.34- Esquema síntese da estratégia de reabilitação na cidade de Lisboa

2.3 O futuro próximo da reabilitação em Lisboa

2.3.1 A reabilitação nos instrumentos de planeamento territorial

O Plano Director Municipal (PDM), enquanto documento de planeamento


estratégico e normativo, define o modelo de cidade pretendido para Lis-
boa, a estratégia utilizada e os objectivos bem a concretizar num período de
dez anos, com uma monitorização permanente que permite ajustamentos
de modo a que surjam novas oportunidades e se possam corrigir possíveis
erros. O modelo de cidade pretendido é “uma cidade que pensa, antes de
mais, nas pessoas que aqui vivem, trabalham e estudam, na sua segurança
e conforto, no reforço dos laços comunitários que emergem dos bairros e no
desenvolvimento do potencial criativo e de geração de riqueza” (CML, 2012:
11).

O PDM de Lisboa de 2012 foi concebido numa altura em que o município


de Lisboa possuía grande parte das infraestruturas construídas e 84,3% de
território consolidado, paralelamente a uma crise que coloca novos desafios
e questões num contexto de maior incerteza (CML, 2012). Nesse contexto,
pretende-se criar uma cidade mais coesa e eficiente e sustentável do ponto
de vista social, económico e ambiental e com mais oportunidades. Sendo
um dos objectivos do PDM atrair famílias, é necessário aumentar a ofer-
ta de habitação a custo acessível, preferencialmente para arrendamento, e
construir espaços verdes e equipamento bem como espaços públicos de
qualidade e um ambiente com baixos níveis de ruído, reforçando a coesão
em torno dos bairros. Procura-se também atrair empresas e postos de traba-
lho, apostando na competitividade, incentivando o turismo e proporcionando
espaços por toda a cidade para o acontecimento de novas actividades pro-
dutivas e ligadas à cultura.

61
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

Este Plano Director Municipal de Lisboa promove ainda a intervenção mu-


nicipal, através de um processo participativo, com o Programa BIP/ZIP, an-
teriormente explicado. Esta preocupação, interesse e enfoque é explicado
pelos estudos de caracterização territorial, realizados no processo de revisão
do PDM, que “vieram confirmar a importância e o interesse na reabilitação
urbana, enquanto instrumento de captação de novos habitantes para a Cida-
de, na medida em que mais de 50% dos novos residentes de Lisboa vieram
residir para edifícios com mais de 30 anos” (CML, 2012: 27).

A oferta de um espaço público de qualidade é também uma preocupação por


parte do PDM de Lisboa, para potenciar a capacidade de atrair pessoas e
empresas. “A qualificação do espaço público é uma tarefa fundamental para
tornar a Cidade mais amigável para quem vive, trabalha e a visita. Constitui
um objetivo que se articula intimamente com o impulso à reabilitação urba-
na, à captação de habitantes, de mais empresas e empregos e à promoção
da mobilidade sustentável” (CML, 2012: 29). Esta qualificação é conseguida
reordenando o trânsito, removendo o tráfego de atravessamento do centro
histórico e bairros residenciais e reduzindo as áreas reservadas à utilização
de automóvel, qualificando assim o espaço público e aumentando as áreas
permeáveis do espaço público.

2.3.2 Lisboa 2020

A reabilitação e regeneração urbana fazem parte dos objectivos estratégi-


cos do PDM aprovado em 2012, bem como a expansão da área histórica
a toda a cidade consolidada, defendendo e valorizando assim o seu patri-
mónio histórico, cultural e paisagístico. Na sequência deste instrumento de
gestão territorial, surge o documento “LX-Europa 2020: Lisboa no quadro do
próximo período de programação comunitário” que visa definir as priorida-
des e as áreas de intervenção estratégicas e defender assim os interesses
nacionais, e “identifica questões que são consideradas como fundamentais
para promover o desenvolvimento de Lisboa, e, pelo papel que esta assume,
contribuir para o desenvolvimento de Portugal” (Equipa de Missão Lisboa,
2012: 2). Este documento foi elaborado no contexto da discussão europeia
acerca do novo ciclo de programação comunitária 2014-2020, e demonstra
a consciência das responsabilidades que a cidade de Lisboa possui e “a
relevância que os instrumentos de apoio comunitário podem ter na imple-
mentação da estratégia de desenvolvimento da cidade, assumida em docu-
mentos como, por exemplo, o Plano Diretor Municipal (PDM) recentemente
aprovado” (Equipa de Missão Lisboa, 2012: 2). O planeamento estratégico
assume-se mais uma vez como fundamental “enquanto instrumento para
aproveitar as oportunidades e responder às ameaças, explorando os pontos
fortes e superando as fraquezas”.

62
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

Partindo do conhecimento de que as cidades podem constituir um importan-


te contributo para atingir as metas estabelecidas na Estratégia Europa 2020,
foi atribuída uma maior centralidade às questões urbanas no contexto das
políticas da UE, assumindo-se que “é de facto nas cidades que há a massa
crítica necessária à competitividade, se concentram os desafios à susten-
tabilidade e, com mais intensidade, se sente a necessidade de inclusão”
(Equipa de Missão Lisboa, 2012: 5). São reservados cerca de 5% dos recur-
sos nacionais do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) com
destino a intervenções integradas de desenvolvimento urbano sustentável
geridas pelas cidades.

Os objectivos para o futuro da cidade de Lisboa são “uma Melhor Cidade,


com Mais Pessoas e Mais Emprego”. A primeira depende, de entre outros,
da melhoria da qualidade de vida, reabilitando a cidade, reforçando a coe-
são, e promovendo a cultura e a criatividade não só para atrair nova popu-
lação como para manter a população existente. “Neste âmbito, Lisboa tem
de aproveitar todo o seu potencial e reforçar as vantagens oferecidas pela
centralidade, pelo seu património cultural, edificado e paisagístico, diminuin-
do, simultaneamente, os seus inconvenientes” (Equipa de Missão Lisboa,
2012: 29).

Os instrumentos propostos promovem intervenções descentralizadas e


apoiadas em lógicas bottom-up, reforçando a participação de diversos ac-
tores e impulsionando acções integradas que permitem explorar sinergias
entre diversos programas e intervenções, permitindo responder a desafios
multifacetados. A governança, um ponto já falado anteriormente, tem espe-
cial enfoque neste documento, sendo que a execução da Estratégia Europa
2020 pressupõe uma parceria ativa dos cidadãos, empresas e instituições
sociais, assim como o envolvimento dos diferentes níveis de governação.

Fig. 02.35- Esquema das intervenções,


relações entre estas e objectivos a que dão
resposta
Fonte: Equipa de Missão Lisboa, 2012

63
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

Como é possível observar no esquema (cf. Fig.02.34), a regeneração dos BIP/


ZIP, bem como a reabilitação do parque edificado fazem parte das interven-
ções previstas e consideradas estruturantes para Lisboa. Estas intervenções
envolverão actores diversos e exigirão fontes de financiamento distintas. Se-
gundo o documento, “os instrumentos de apoio financeiro comunitários, a
negociar no quadro do Acordo de Parceria, mas também os demais instru-
mentos que integram o Quadro Financeiro Plurianual 2014-2020 constituirão,
necessariamente, instrumentos fundamentais para a implementação destas
intervenções” (Equipa de Missão Lisboa, 2012: 37). No âmbito dos BIP/ZIP,
pretende-se fomentar a coesão social e promover um desenvolvimento in-
clusivo, continuando e reforçando as intervenções nos Bairros e Zonas de
Intervenção Prioritária. “Nestas intervenções em territórios prioritários de-
vem ser contempladas abordagens integradas, congregando instrumentos
de Desenvolvimento Liderado pelas Comunidades Locais com investimen-
tos territoriais integrados” (Equipa de Missão Lisboa, 2012: 39).

64
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

65
03 . A MOURARIA NOS INSTRUMENTOS
DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL E URBANO

3.1 Génese e caracterização do bairro da Mouraria


3.1.1 Quadro histórico-urbanístico
3.1.2 Tecido social
3.1.3 Caracterização sociodemográfica e socioeconómica

3.2 Orientação do Planeamento Urbano


3.2.1 Plano Director Municipal
3.2.2 Plano de Urbanização do Núcleo Histórico da Mouraria

3.3 A reabilitação na Mouraria: um processo em evolução


3.3.1 Mouraria: as cidades dentro da cidade
3.3.2 Programa de Desenvolvimento Comunitário da Mouraria
3.3.3 Incentivos à reabilitação urbana
A MOURARIA NOS INSTRUMENTOS
DE DESENVOLVIMENTO
SOCIAL E URBANO 03
“A divergência ou convergência de visões da Mouraria, por dentro e
por fora, de quem visita e de quem a retrata, não deixa de ser um re-
trato real e imaginado de um bairro” (Simplício, S., 2013).
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

3.1 Génese e caracterização do bairro

Neste capítulo procura-se caracterizar o bairro da Mouraria, enquadrando


o território do Largo do Intendente. Apesar da Mouraria e do Largo do In-
tendente pertencerem a duas áreas administrativas distintas, Santa-Maior
e Arroios respectivamente, estas zonas pertencem à mesma Unidade Ope-
rativa de Planeamento e Gestão (UOPG), definida em PDM, que aglutina as
áreas com identidade urbana e geográfica. O Largo pertence ainda ao núcleo
histórico da Mouraria, fazendo assim parte da área do Plano de Urbanização
da Mouraria.

Para além destes factos, a requalificação do Largo está integrada no Pro-


grama de Acção da Mouraria, pelo que foi considerado importante caracte-
rizar este território da Mouraria, utilizando neste capítulo dados estatísticos
relativos à Mouraria. Os limites da Mouraria estão ligados e dependentes de
pertenças sociais, culturais e espaciais, que estendem e alteram assim o
território do bairro (Ferro, 2012).

3.1.1 Quadro histórico-urbanístico

A Mouraria situa-se na encosta Norte do Castelo, desenvolvendo-se entre a


Praça do Martim Moniz, a Graça e o Castelo e estabelece uma relação visual
privilegiada com a cidade de Lisboa, (sistema de vistas consagrado no PDM)
(Neves e Gonçalves, 2011: 3). Do núcleo original, este bairro cresceu subindo
pela colina de declive acentuado e expandindo-se para Norte. A Mouraria
situava-se fora da Cerca Fernandina, mandada construir por D. Fernando no
século XIV, apesar de ser uma zona bastante habitada (cf. Fig. 03.1, 03.2).
Esta zona obteve este desígnio após D. Afonso Henriques expulsar os Mou-
ros da sua cidadela para aquele local após a Reconquista Cristã, passando
a viver numa zona isolada do resto da cidade. Estes conservaram os seus
costumes, praticando a sua religião, mantendo a sua língua, árabe, e a sua
governança por um alcaide. Os Mouros foram expulsos de Portugal em 1497
por D. Manuel I, juntamente com os judeus que estavam confinados aos
bairros do Castelo, contudo a sua herança e o legado árabe mantêm-se até
hoje (Fidalgo, 2012).

Fig. 03.1 Planta geral de Lisboa em 1833 Fig. 03.2 Cerca fernandina sobreposta à planta de Lisboa de 1856
Fonte: www.museudacidade.pt Fonte: revelarlx.cm-lisboa.pt

68
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

A actividade económica, nomeadamente comercial e artesanal, desenvol-


vida naquela zona era bastante intensa, atraindo assim alguns cristãos que
se instalaram nas áreas envolventes do bairro (Menezes, 2003). Contudo, a
Mouraria mantece-se fora das muralhas da cidade “constituindo-se como
uma espécie de espaço intersticial que, mesmo após a extensão da cidade,
com a urbanização dos campos e o derrube da Cerca Fernandina, condicio-
nou-o do ponto de vista simbólico e urbano à elaboração de um complexo
processo de estigmatização territorial” (Menezes, 2012: 72).

A morfologia do território, denominado ao longo da história de “Vale dos Ven-


cidos”, “Horta”, “Olaria”, caracterizava-se por uma “terra ribeirinha e um vale
alagadiço” (Ferro, 2012: 18) e foi a impulsionadora do seu desenvolvimento
histórico, político e social. A água dos ribeiros existentes regava os terrenos
férteis de hortas e quintas que alimentavam a população da cidade. A arte da Fig. 03.3- Fontanário entre 1898 e 1908
olaria implantada pelos romanos e continuada pelos mouros serviu-se desta Fonte: Neves e Gonçalves, 2011

mesma água abundante (cf. Fig.03.3).

Esta zona distingue-se das outras áreas da cidade pelas suas características
arquitectónicas, que identificam uma época, e o modo de ocupação do ter-
ritório, que lhe confere uma identidade e expressão urbanística próprias. A
sua malha urbana de génese mourisca é das mais antigas da cidade e com-
plexa ao nível espacial pela sua irregularidade (cf. Fig.03.4). À semelhança
de outras ocupações muçulmanas, as habitações estão dispostas ao longo
da rua formando uma frente urbana e caracterizam-se por compartimentos
de reduzida dimensão organizados geralmente em torno de um pátio, com
um jardim, um quintal e um poço do outro lado da casa. Estas características
tornam o bairro numa das mais notáveis áreas históricas da cidade.
Fig. 03.4 Uma das diversas escadas do
bairro.
A malha orgânica e morfologia acentuada do terreno criam grandes dificul- Fonte: ventaniasrosadas.blogspot.pt
dades a nível das acessibilidades e mobilidade viária, existindo um grande
défice de estacionamento e as zonas de circulação exclusivamente pedonal
eram praticamente inexistentes. Este facto teve como consequência o afas-
tamento das pessoas de um espaço concebido essencialmente para o seu
usufruto mas que a partilha com o automóvel não permite percepcioná-lo
como tal, bem como a impossibilidade de viaturas de socorro e prioritárias
acederem ao local, pondo em risco pessoas e bens pois alguns locais da
Mouraria só possuem uma maneira de acesso (Neves e Gonçalves, 2009).

A rua do Benformoso foi até 1862, altura em que a rua da Palma abriu, uma
das ruas mais movimentadas da cidade por onde todo o trânsito era efectu-
ado e possui dois Imóveis de Interesse Público, nomeadamente um edifício
seiscentista, que mantem algumas das características pitorescas de Lisboa
antiga e um edifício oitocentista de arquitectura romântico revestido a azule-
jo (cf. Fig. 03.5). Esta rua é actualmente um eixo viário importante do bairro,
porém a reduzida dimensão dos passeios provoca uma dificuldade de mobi-
lidade dos peões. A rua do Benformoso desemboca no Largo do Intendente,
um espaço de descompressão que resulta de diversas transformações

69
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

operadas no território. As diversas actividades comerciais existentes produ-


zem uma dinâmica socioeconómica importante (cf. Fig. 03.8). A rua Marquês
de Ponte de Lima e a rua das Farinhas são também importantes eixos viários
que abrangem um grande nível de circulação automóvel e foram alvo de re-
qualificação de modo a aumentar a mobilidade dos peões.

O Largo do Intendente, objecto de estudo da dissertação, é considerado um


dos largos mais interessantes do ponto de vista urbanístico e patrimonial,
preservando as características da época em que os edifícios que o delimitam
foram construídos. Existia junto a este um cemitério muçulmano, localizado
Fig. 03.5 Rua do Benformoso e Rua do
fora das muralhas da cidade, e extinto nos finais do século XV. Os restantes
Terreirinho, 1950 terrenos eram um arrabalde cristão pertencendo à freguesia de Santa Justa,
Fonte: revelarlx.cm-lisboa.pt composto por hortas, olivais e quintas (Neves e Gonçalves, 2011).

A Mouraria é uma área predominantemente habitacional, marcada pela de-


gradação de algumas estruturas físicas, em situação de ruína eminente ou
mesmo total e pela sobreocupação de alguns fogos. Os edifícios têm vindo a
sofrer algumas alterações ao longo dos anos, designadamente o aumento de
número de pisos ou a instalação de blocos sanitários, que foram efectuadas
sem a preocupação das características estruturais ou construtivas. A altera-
ção da tipologia dos pisos térreos para adequar a comércio, e a ligação de
fogos de dois edifícios, separados originalmente, levaram também ao estado
de ruína de muitos edifícios.

O escasso mobiliário urbano existente encontra-se também em mau estado


Fig. 03.6 Comércio na Mouraria
Fonte: www.cm-lisboa.pt e desqualificado. A área verde é residual e integra apenas pontualmente al-
gumas árvores, algumas já tendo sofrido um corte. As intervenções feitas no
pavimento foram pontuais e pouco criteriosas utilizando materiais que por
vezes não se adequavam aos locais em causa, o que resulta na degradação
do estado do pavimento.

Esta zona sobreviveu às acções demolidoras efectuadas no período do Es-


tado Novo, entre os anos 30 e 60, com uma visão de higienização e embe-
lezamento com vista a renovar certas zonas da cidade alterando as suas
dinâmicas socioculturais, populares e urbanas. De entre as demolições des-
taca-se a extinção de quase toda a baixa da Mouraria, que resultou no largo
do Martim Moniz que mais tarde se transformou em praça, bem como do
mercado da antiga Praça da Figueira entre 1930 e 1960. Segundo Marluci
Menezes, “esta destruição desencadeou um processo de desarticulação de
toda aquela área da cidade, prejudicando o núcleo de atividades e de fun-
ções que lhes davam vida e os caracterizavam, reforçando um processo de
marginalização funcional, física e social” (Menezes, 2012: 76).

Após a criação da Praça do Martim Moniz pretendia-se reconverter a Mou-


raria num espaço de passagem composto por grandes avenidas e prédios
modernos e de grande prestígio de modo a isolar na periferia da cidade

70
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

os moradores que comprometessem o ideal de modernização. Foi também


apresentada uma intervenção na composição social do bairro, expulsando
os indivíduos socialmente incompatíveis com os ideais que a cidade propu-
nha para aquele lugar. Todas estas intenções por parte do Estado Novo não
passaram disso mesmo, e a Mouraria permaneceu um conjunto socio-espa-
cial segregado e estigmatizado.

Entre os anos 70 e 80, o bairro e as áreas adjacentes estão nos interesses


das políticas de modernização da cidade, e os espaços vazios deixados pela
destruição converteram-se em dois centros comerciais, o Centro Comercial
da Mouraria e o Centro Comercial Martim Moniz, que alteraram as dinâmicas Fig. 03.7 Centro Comercial da Mouraria
sociais, culturais e económicas do território (cf. Fig. 03.7). Este facto facilitou Fonte: www.bestguide.pt
a instalação do comércio grossista por parte de comerciantes provenientes
da Índia, China e África. A vinda de imigrantes nos anos 70, reconfigura so-
cialmente o bairro com a instalação de comércio de revenda controlado por
estes. Este fenómeno contribui assim para a consolidação da multietnicida-
de e multiculturalidade que caracterizam a Mouraria.

A instalação do Gabinete Local da Mouraria em 1985 marca o início de uma


nova relação entre o território e a cidade, sendo que é repensado o papel
que aquele representa no contexto urbano e redirige-se a atenção para os
pormenores na reconstrução social do simbolismo e da imagem urbana do
bairro. Este torna-se assim num alvo da reabilitação urbana na sequência
da evolução processual e conceitual da dinâmica de intervenção na cida-
de existente, como acontecia noutros núcleos históricos europeus. Não se
aponta para a destruição mas sim para a requalificação do tecido urbano,
implementando equipamentos funcionais que melhorem os recursos sociais
que o território oferece, valorizando o património histórico-cultural, definindo
regras que permitam a transmissão da herança histórica e “ a responsabiliza-
ção dos diferentes actores sociais no processo de manutenção e conserva-
ção do património” (Menezes, 2012: 85). Os projectos realizados em Lisboa
no final do século passado (por exemplo a EXPO’98 e consequente requali-
ficação da zona oriental da cidade ou a reconstrução do Chiado) colocaram
a cidade na rota das capitais europeias e consolidaram a assimetria e segre-
gação do bairro. Como Menezes afirma, “numa Lisboa que se modernizava
a passos rápidos, pouco a pouco, a Mouraria tornar-se-ia o mártir esquecido
dos efeitos drásticos de uma proposta desastrosa de tentativa de limpeza e
ordenação urbana” (Menezes, 2012: 75).

3.1.2 Tecido social

O quadro social complexo da Mouraria é “caracterizado por um lado, por


uma grande precariedade socioeconómica da população residente, e por
outro, por uma apropriação marginal do espaço público por parte de uma
população flutuante que contribui para a deterioração da imagem e ambiên-
cia urbana” (Neves e Gonçalves, 2009: 4).

71
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

O tecido social que define o bairro é composto por duas realidades com dife-
rentes características que coexistem, sendo que encontramos no eixo da rua
da Mouraria/ Martim Moniz/ rua do Benformoso uma vivência social ligada
ao comércio por parte da população imigrante, nomeadamente paquista-
neses, indianos, chineses, com diferentes culturas e práticas económicas.
A outra realidade, mais tradicional e vernacular, é definida por uma vida de
bairro e dinâmicas que de um modo de geral caracterizam os bairros histó-
ricos de Lisboa. Esta zona acolheu no século XX vários imigrantes chineses,
indianos, paquistaneses, bengalis e africanos que com a onda de imigração
que marcou aquela altura se instalaram no bairro (Neves e Gonçalves, 2011).

A identidade que a Mouraria possui deve-se assim aos modos de vida da po-
pulação do bairro e a sua estrutura socioeconómica, marcada por uma gran-
de diversidade étnica e cultural. Este bairro é também caracterizado pela
profunda cultura popular portuguesa, assumindo-se como o berço do Fado,
onde nasceram alguns fadistas populares, como Maria Severa, Fernando
Maurício ou Mariza. Embora a potencialidade e recursos endógenos que a
Mouraria possui, esta é historicamente um território vulnerável em termos
sociais, com grupos em risco ou em situação de pobreza ou exclusão social
e onde os índices de qualidade de vida são baixos. Existe ainda alguma
insegurança e os níveis de “guetização” territorial estão acima da média ve-
rificada em Lisboa.

O desenvolvimento da intervenção urbana de que a Mouraria foi alvo nos úl-


timos anos desencadeou diversas dinâmicas sociais e urbanas, modificando
assim as rotinas quotidianas existentes há muito tempo. A nobilitação faz-se
sentir na Mouraria, porém como refere Estela Gonçalves “não houve uma
expulsão, mas sim uma entrada de grupos jovens com habilitação superior,
os “gentrificadores”, que neste caso têm outra conotação, sendo chamados
de “geração ERASMUS”. Esta população é potenciadora da revitalização,
criando novos estímulos para a população local, inclusivamente a nível es-
colar uma vez que o nível de insucesso escolar da Mouraria é alto e tem inte-
resse pela tradição de bairro, com um ambiente acolhedor e de proximidade,
pela diversidade e troca de culturas” (Entrevista a Neves, M., 2014).

3.1.3 Caracterização sociodemográfica e socioeconómica

A Mouraria combina por um lado a preservação da tradição e dos mitos do


bairro típico e por outro a criação da comunidade multicultural que se veio
instalar. Esta diversidade resulta numa visão algo difusa do que é verdadei-
ramente a Mouraria (Menezes, 2013), demonstrado num inquérito realizado
pelo Jornal Rosa Maria, editado pela Associação local Renovar a Mouraria,
onde foi evidente a fraca percepção do que é a Mouraria, a nível do território,
dos seus limites ou falta de identificação com as imagens construídas. “A
divergência ou convergência de visões da Mouraria, por dentro e por fora, de
quem visita e de quem a retrata, não deixa de ser um retrato real e imagina-
do de um bairro” (Simplício, 2013). De facto, a Mouraria de quem aqui vive,
trabalha ou visita, caracterizada pela degradação, reabilitação, mudança, e

72
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

tradições, é diferente de uma Mouraria idealizada e turística, sendo que am-


bas coexistem. Marluci Menezes afirma que este é um espaço singular e
plural, não existindo uma identidade mas imagens identitárias construídas
através de imagens internas e externas (Menezes, 2012). Torna-se assim im-
portante caracterizar este bairro demográfica e economicamente.

Trajectória demográfica

A Região de Lisboa teve entre 1991 e 2001 um crescimento demográfico


semelhante ao resto do País e 5,5% acima do verificado na década anterior,
essencialmente devido aos movimentos migratórios que registaram um sal-
do de 4,2%, enquanto que o crescimento natural foi apenas de 0,5%. Em
relação a 2011, os Censos indicaram um crescimento de 5,1% face a 2001.
O crescimento populacional é uma mais-valia para a adopção e aplicação de
programas de regeneração urbana.

Relativamente à Mouraria, esta apresenta alguns índices de vitalidade, ape-


sar do decréscimo da população residente e do acentuado envelhecimento
desta. De facto, a Mouraria possui, relativamente a outros bairros históricos,
a maior proporção de adultos em idade activa, um baixo índice de depen-
dência de jovens e idosos e um razoável índice de rejuvenescimento da po-
pulação.

A nova população residente no bairro não tem um peso muito significativo,


porém corresponde ao grupo de jovens adultos, dos quais 40% são de ori-
gem estrangeira. Existe uma grande concentração de população asiática e
comparativamente a outros bairros de Lisboa, a percentagem de residentes
estrangeiros é elevada. Grande parte desta vaga de imigração está ligada a
actividades comerciais, nomeadamente as de origem chinesa.

Relativamente aos dados dos Censos de 2001 e 2011, observamos os se-


guintes valores, relativamente à Mouraria (composta pela antiga freguesia do
Socorro, S. Cristóvão e S. Lourenço e quarteirões dos Anjos, Graça e Santa
Justa):

Lisboa Mouraria Lisboa Mouraria

1991 663 394 8 617 0-14 11,6% (65 549) 10% (588)

2001 564 657 5 681 15-24 12,7% (71 634) 9% (526)

2011 545 245 5824 25-64 52,1% (294 171) 56% (3264)

Evolução pop. -3,4% +3 % 65 ou mais 23,6% (133 304) 24% (1366)

(2001/2011) Pop. total 545 245 5824

Quadro 03.8 População Residente Quadro 03.9- Percentagem de habitantes por faixa etária
Fonte: INE, Censos 1991, 2001, 2011 Fonte: INE, Censos 2011

73
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

O índice de envelhecimento na Mouraria é 2,37, sendo que a média obser-


vada em Lisboa é aproximadamente de 1,72. Contudo, este valor diminuiu
de 2001 para 2011, passando de 2,91 para 2,37. Relativamente aos outros
grupos etários, a população entre os 0 e 14 anos e a população entre os 25 e
os 64 anos aumentou sensivelmente 10% nesse período de tempo.

Relativamente à caracterização das famílias, são predominantes as famílias


de uma única pessoa (44%), tal como acontece na cidade de Lisboa porém
com uma percentagem menos expressiva (35%) e relativamente próximas
das famílias de 2 pessoas (33%). Em ambos os casos existem poucas famí-
lias com 5 ou mais pessoas residentes.

Lisboa Mouraria

Nenhum Ciclo 15% (84 132) 19% (1 089)

1º Ciclo do Ensino Básico Completo 19% (106 411) 25% (1 444)

2º Ciclo do Ensino Básico Completo 9% (48 746) 11% (644)

3º Ciclo do Ensino Básico Completo 13% (72 400) 15% (862)


Ensino Secundário 14% (75 166) 14% (808)

Ensino Pós- Secundário 2% (10720) 2% (103)

Ensino Superior 27%(150 056) 13% (745)

Quadro 03.10 Nível de escolaridade


Fonte: INE, Censos 2011

O nível de escolaridade na área de intervenção é muito baixo, contrariamen-


te ao que acontece na Região de Lisboa, porém o número de jovens sem
escolaridade é inferior a outros bairros da cidade. A população empregada
pertence maioritariamente aos grupos profissionais mais desqualificados,
sendo ainda de notar que a zona da Mouraria tem uma taxa de analfabetismo
de 8%, um número muito elevado.

Caracterização socioeconómica

A cultura das freguesias da Mouraria é popular urbana sendo que a identi-


dade bairrista e as rivalidades entre os bairros são um traço sociocultural
importante. A malha orgânica e o seu carácter fisicamente fechado que ca-
racterizam o bairro induzem uma forte relação entre a rua e a casa, sendo
que a rua torna-se num prolongamento das habitações pelas suas reduzidas
dimensões e os hábitos da população.

Relativamente às dinâmicas sociais da Mouraria, esta pode ser dividida em


três zonas distintas. A primeira, a zona baixa, liga o bairro à Baixa de Lisboa
e à Avenida Almirante Reis e é o palco da principal actividade e movimento

74
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

de pessoas. Nesta zona encontra-se um comércio de natureza popular e


étnica, e por vezes ligado a produções e redes de trocas comerciais mais
informais, cujos clientes vêm de diversos locais da cidade, e alguns comer-
ciantes residem no próprio bairro. A segunda, a zona do bairro, corresponde
ao principal núcleo habitacional de malha mais fechada e labiríntica, cujo es-
tado de conservação do edificado está bastante degradado. A terceira zona
é constituída pelos espaços mais resguardados relativamente ao comércio
da droga, e mais expostos no caso da prostituição, situados estrategicamen-
te nos eixos de ligação entre os níveis de acessibilidade da cidade.

A desertificação da função residencial das casas é a mais elevada entre os


bairros históricos de Lisboa, sendo um bairro com um regime de arrenda-
mento maioritário. Apesar do decréscimo de população, a densidade de
ocupação territorial é elevada, tal como acontece nos restantes bairros his-
tóricos.

O comércio grossista sedimentado ao longo dos anos 70 e 80, e a imigra-


ção que se fez sentir desde essa altura, com a instalação dos habitantes
e comerciantes vindos das rotas migratórias europeias e intercontinentais,
nomeadamente de países como a Ásia, África e América do Sul, distingue a
Mouraria dos restantes bairros históricos de Lisboa. O levantamento feito ao
comércio na área de intervenção da Unidade de Projecto da Mouraria entre
2000 e 2002 indicava que cerca de 57% do comércio era efectuado por por-
tugueses, 32% por indianos, 2% por paquistaneses, 4% por chineses e 5%
por africanos (Fidalgo, 2012).

3.2 Orientação do Planeamento Urbano

O projecto de requalificação do espaço público que incide sobre o Largo do


Intendente, bem como na rua do Benformoso, tem em conta os instrumentos
de planeamento em vigor aplicáveis a esta área, nomeadamente o Plano de
Urbanização do Núcleo Histórico da Mouraria (PUNHM) e o Plano Director
Municipal de Lisboa (PDML). Desta forma, será enquadrada de seguida a
intervenção no contexto legal e administrativo.

3.2.1- Plano Director Municipal

Enquadramento no PDM: componentes ambientais e patri-


moniais

A área objecto de requalificação de espaço público é composta por três


freguesias: a dos Anjos, actualmente freguesia de Arroios, que abrange o
Largo de Intendente e as travessas adjacentes, e a de Santa Justa e do So-
corro, actualmente a freguesia de Santa Maria Maior, limitadas pela Rua do
Benformoso.

75
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

No âmbito da gestão urbanística, esta zona de intervenção insere-se na Uni-


dade de Projecto da Mouraria e integra a Área Crítica de Recuperação Re-
conversão Urbanística da Mouraria, “limitada a norte pela rua dos Anjos, a
poente pela Av. Almirante Reis/ rua da Palma, a sul pela rua dos Cavaleiros
e a nascente pela encosta Este do vale da Av. Almirante Reis” (Neves e Gon-
çalves, 2011: 6). A área intervencionada insere-se na Área Histórica Habita-
cional (zona a nascente do Largo e a nascente da rua do Benformoso e zona
a poente da Rua do Benformoso desde o troço inicial até ao no 153), e na
Área Consolidada de Edifícios de Utilização Colectiva Mista (composta pelo
Largo do Intendente, Travessa Cidadão João Gonçalves e a área a poente
Fig. 03.11 Fábrica de Cerâmica Viúva da rua do Benformoso a partir do edifício número 153) (Neves e Gonçalves,
Lamego 2011).

Foram identificadas as componentes ambientais e patrimoniais de modo a


analisar os condicionamentos à intervenção no espaço. Relativamente às
componentes ambientais, este é um núcleo de Interesse Histórico- zona de
Vale da Avenida Almirante Reis- e confina com um eixo arborizado, denomi-
nado Sistema de Corredor da Av. Almirante Reis/ rua da Palma. Em relação
ao sistema de vistas, esta zona encontra-se no Subsistema de Vistas de Vale
(CML, 2012). No que diz respeito às componentes patrimoniais, esta é uma
área de Nível Arqueológico II que significa uma área de potencial valor arque-
ológico elevado e onde se deve privilegiar uma metodologia de intervenção
arqueológica prévia ao projectos de operações urbanísticas tinham impacto
ao nível do subsolo.
Fig. 03.12- Edifício de habitação na Rua do
Benformoso, nº 101-103 Ainda relativamente às componentes patrimoniais, a zona de intervenção
Fonte: www.cm-lisboa.pt
consiste numa Zona de Protecção (ZP) do IGESPAR, com quatro edifícios
classificados: a fábrica de Cerâmica da Viúva Lamego, nos nº 24 a 25 no
Largo do Intendente (cf. Fig. 03.11), o edifício de gaveto nº2 da Av. Almirante
Reis com o Largo do Intendente e os edifícios nº244 e nº101-103 na rua do
Benformoso (cf. Fig. 03.12). A envolvente à área de intervenção também é
composta por zonas de protecção de edifícios classificados, nomeadamente
a Garagem Liz no edifício da Palma, o Chafariz do Desterro e o edifício nº 1
da Av. Almirante Reis.

Para além dos edifícios assinalados nas zonas de protecção do IGESPAR


existem outros edifícios classificados no Carta Municipal do Património Edi-
ficado como Imóvel de Interesse Público como o Palácio do Intendente Pina
Manique, no Largo do Intendente nº 49-55, o Palácio no Largo do Intendente
57-58, o edifício nº 278-294 na rua do Benformoso e as Escadinhas das Ola-
rias. Relativamente aos conjuntos arquitectónicos encontramos o Conjunto
Arquitectónico Av. Almirante Reis, 2 a 6, Largo do Intendente Pina Manique 1
a 58, rua do Benformoso 278 a 294 e rua da Palma 310 a 318.

76
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

Objectivos gerais do PDM para a Mouraria

O bairro da Mouraria, juntamente com o Bairro Alto e São Paulo, Baixa, Cas-
telo e Alfama e Pena, pertencem à Unidade Operativa de Planeamento e
Gestão do Centro Histórico (UOPG 7). Como descrito no capítulo anterior,
as UOPG são definidas pelo Plano Director Municipal, que aglutina as áreas
territoriais “com identidade urbana e geográfica, apresentando um nível sig-
nificativo de autonomia funcional e constituindo as unidades de referência
para efeitos de gestão municipal” (PDM, 2012).

Os objectivos para a UOPG 7 definidos em PDM e afectos à Mouraria são:


dimensionar a oferta de estacionamento visando suprir carências preexisten-
tes e promover o incremento e reabilitação da função habitacional.

Os Programas e Projectos Urbanos Transversais da UOPG 7 descritos em


PDM de Lisboa são:

“- Programa de dinamização do arrendamento;


- Programas de intervenção prioritária nas áreas de maior vulnerabilidade à
exclusão social, que potenciem as parcerias sociais e institucionais;
- Programa de espaços de recreio infantil;
- Programa de requalificação de fontes, lagos e chafarizes;
- Programa de melhoria da gestão dos Resíduos Sólidos Urbanos;
- Programa de remodelação da sinalética pedonal de informação e orienta-
ção cultural;” (PDM, 2012)

Relativamente aos Programas e Projectos Urbanos Específicos definidos em


PDM para esta UOPG 7 estes são: “programa de intervenção estratégica de
reabilitação urbana em conjuntos edificados; programa de melhoria da qua-
lidade dos espaços públicos de estadia e sociabilização, e dos de elevado
valor histórico” (PDM, 2012).

3.2.2- Plano de Urbanização do Núcleo Histórico da Mouraria

O regulamento do Plano de Urbanização do Núcleo Histórico da Mouraria,


DR 239, II série, Declaração 265/97 de 15 de Outubro de 1997, regula a
ocupação, o uso e a transferência do solo da área de intervenção do mes-
mo. Este plano foi alterado em fevereiro de 2014 com a revisão do PDM,
aprovada a 24 de Julho de 2012 na Assembleia Municipal de Lisboa. A área
de intervenção abrange parte das UOPG nº 6 e nº 7, e é delimitada como a
figura 03.13 demonstra.

77
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

Fig. 03.13 Limite da área do Plano e área edificada


Fonte: Adaptado de AML, 2014

Este Plano de Urbanização predomina sobre o Plano Director Municipal de


Lisboa na correspondente área de intervenção relativamente aos assuntos
que ambos regulamentam e define que todas as intervenções quer sejam de
iniciativa pública ou privada devem obedecer às disposições que constam
neste mesmo regulamento (AML, 2014). Nos termos do PDM, a área de es-
tudo é de traçado urbano A, que “ correspondem a traçados orgânicos ou
regulares que abrangem essencialmente o centro da formação da cidade, as
frentes ribeirinhas e os antigos núcleos rurais. Os traçados orgânicos carac-
terizam-se por um traçado de carácter espontâneo adequado às condições
e topografia do terreno com ruas estreitas e sinuosas: Castelo, Alfama, Mou-
raria; os traçados regulares caracterizam-se pela implementação de quartei-
rões retangulares que sofrem torções pela adaptação da sua implantação à
topografia e preexistências: Bairro Alto, Madragoa e Lapa” (CML, 2012: 78).

Esta área é considerada globalmente “como área histórica habitacional dota-


da de infraestruturas urbanísticas consolidadas, de formação pré-pombalina,
em geral configurada até final do século XVIII” (AML, 2014). A área abrangida
pelo plano de urbanização divide-se em oito zonas: seis zonas de área his-
tórica habitacional (zona de vestígios medievais, zona comercial, zona alta,
zona do antigo arrabalde, zona pombalina e zona de expansão linear), uma
zona de área consolidada de edifícios de utilização colectiva e uma zona
de usos especiais. Segundo essa Carta de Zonamento, a área do Largo do
Intendente é situada na zona AHH6 e ACEUCM1. A primeira é uma Zona de
Área Histórica Habitacional 6, uma zona de expansão linear e “abrange uma
área que se caracteriza por um tecido urbano pré-pombalino e gaioleiro, ao
longo do eixo Benformoso-Intendente, constituída por terrenos de média di-
mensão. Os edifícios, de tipologias pombalina e gaioleira, estão geralmente
em mau estado de conservação. O uso do espaço é na sua maioria de ha-
bitação, comércio, armazéns e escritórios” (AML, 2014). A segunda é uma

78
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

Zona de Área Consolidada de Edifícios de Utilização Colectiva mista 1 e


“trata -se do conjunto de edifícios situados nos quarteirões com frente para
a avenida Almirante Reis, que apresentam maioritariamente tipologias de
gaioleiros do início do século XX mas também algumas estruturas de betão
armado dos anos 50/60, em lotes de dimensão média. A ocupação é mista
de comércio, serviços e habitação” (AML, 2014).

O PUNHM define que se deve privilegiar a predominância do uso habitacio-


nal, sendo que a ocupação habitacional deve ser superior a 50% da superfí-
cie de pavimento, a conservação e reabilitação do edificado existente garan-
tindo “a preservação dos elementos arquitetónicos e patrimoniais, evitando
- se a sua substituição, potenciando e reforçando a imagem singular desta
área histórica” (AML, 2014). Os materiais e acabamentos só devem ser subs-
tituídos em caso de degradação irreversível, devendo-se nesse caso utilizar
materiais compatíveis. Está estabelecido ainda que a remoção dos azulejos,
acabamento predominante na zona, é interdita.

Relativamente ao espaço público, este plano decreta que não é permitida,


salvo se houver um projecto aprovado que justifique, a execução de quais-
quer construções com excepção das que completem a utilização do espaço
relativamente a salubridade, descanso ou lazer (AML, 2014).

3.3 A reabilitação na Mouraria: um processo em evolução

Desde o final de 2011 que a Mouraria está envolvida numa intervenção ur-
banística com o intuito de restaurar o tecido arquitectónico e reorganizar o
território a nível social e económico. Esta acção procura requalificar os equi-
pamentos, proporcionando uma melhoria de qualidade, bem como introduzir
novas práticas de utilização e apropriação do espaço público através de ac-
tividades artísticas e culturais e novos modelos de desenvolvimento econó-
mico. Este projecto é aplicado através do Quadro de Referência Estratégica
Nacional da Mouraria (QREN), que visa a requalificação do espaço público
e reabilitação de edifícios de interesse histórico e cultural, e do Programa
de Desenvolvimento Comunitário da Mouraria (PDCM), que complementa
o primeiro e previne fenómenos de risco e pobreza e impulsiona eventos e
actividades artísticas desenvolvendo projectos de acção social que incenti-
vem uma nova forma de participação na vida pública do bairro. O Programa
de Acção da Mouraria, intitulado “as cidades dentro da cidade” mereceu
financiamento FEDER através do QREN. Estes programas serão explicados
no próximo ponto.

Nesta intervenção de regeneração do território, participaram diversas es-


truturas da CML, entre elas o GABIP Mouraria, as Unidades de Intervenção
Territorial, a Direcção Municipal de Projectos e Obras, a Direcção Municipal
de Ambiente Urbano, a Polícia Municipal bem como o programa BIP/ZIP.
Algumas destas unidades já actuavam na Mouraria antes da criação do GA-
BIP Mouraria, em 2011. Para além destas estruturas da CML, a intervenção
contou ainda com a participação de outras actividades com actuação local:

79
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

juntas de freguesia, associações cooperativas, clubes, Santa Casa da Mise-


ricórdia, entre outras.

Segundo a socióloga Estela Gonçalves, a importância dada à requalifica-


ção do espaço público “como o elemento polarizador da esperada sinergia
revitalizadora do bairro da Mouraria” (Entrevista a Gonçalves, E., 2014) e a
ligação de tecidos sócio urbanos interrompidos, contribuiu para a mudança
de atitude perante o espaços público. Este foi apropriado enquanto espaço
de “interacções e sociabilidades públicas e menos como espaços de mo-
numentalidade e, nessa medida, reforçando a sua capacidade para promo-
ver interacções socialmente mais equitativas” (Gonçalves, 2013: 3). A falta
de co-responsabilização pelo espaço e pelo conforto públicos que existia
na Mouraria alterou-se, com a ajuda também do trabalho de associações e
serviços municipais e de acções que apelaram à responsabilidade comum
pelos espaços públicos.

3.3.1 Mouraria: as cidades dentro da cidade

No início do ano de 2009 foi promovida, pela Câmara Municipal de Lisboa,


uma Candidatura ao Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN), de-
signadamente ao Eixo 3: Coesão Social Política de Cidades/ Parcerias para a
Regeneração Urbana- Programas Integrados de Valorização de Áreas Urba-
nas de Excelência Inseridas em Centros Históricos. Esta candidatura visava
requalificar o território da Mouraria, que abrange a área compreendida entre
o Largo do Intendente e o Largo Adelino Amaro da Costa, mais conhecido
por Largo do Caldas. A 11 de Agosto de 2009 foi celebrado o Protocolo de
Financiamento que determinou o início da execução do Programa de Acção
(PA) da Mouraria “As cidades dentro da cidade”. A Câmara Municipal de
Lisboa ficou responsável por cinco operações: requalificação do espaço pú-
blico; extensão da junta de freguesia de S. Cristóvão e S. Lourenço no Largo
dos Trigueiros: Sítio do Fado na Casa da Severa; refuncionalização e reabi-
litação do Quarteirão dos Lagares para a instalação do Centro de Inovação
da Mouraria; plano de divulgação (UPM, 2009).

O Programa de Acção da Mouraria assenta num Protocolo de Parceria Local,


com um grupo de parceiros constituído pela Associação Casa da Achada-
Centro Mário Dionísio (CMD), a Associção Renovar a Mouraria (ARM), a As-
sociação de Turismo de Lisboa (ATL), a Câmara Municipal de Lisboa (CML),
o Gabinete de Apoio ao Bairro de Intervenção Prioritária (GABIP), a Empresa
Pública de Urbanização de Lisboa (EPUL), o Instituto da Droga e Toxicode-
pendência (IDT) bem como as juntas de Freguesia.

A requalificação do espaço público é a intervenção mais visível e indutora de


novos comportamentos, através de um percurso longitudinal que atravessa
a Mouraria entre o Largo do intendente e o Largo do Caldas e outros espa-
ços contíguos da responsabilidade da Câmara Municipal. Melhoraram-se as
condições de acessibilidade e mobilidade, em função da população

80
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

residente envelhecida. A reforçar esta iniciativa intensificaram-se as acções


municipais de higiene urbana, criando equipamentos e meios mecânicos que
realizem exclusivamente a limpeza, remoção orgânica e recolha selectiva no
bairro, sensibilizando também a população local, particularmente a juvenil
(UPM, 2009).

Estrutura do Programa de Acção


“As cidades dentro da cidade” Fig. 03.14 Requalificação do espaço público
Fonte: www.porlisboa.qren.pt/np4/634.html

A estrutura do Programa de Acção da Mouraria “As cidades dentro da cida-


de” é composta por cinco eixos estruturantes e instrumentais, concretizados
em operações e respectivas acções. As duas primeiras operações são con-
sideradas “eixos estruturantes desencadeadores de novas oportunidades de
mudança e de desenvolvimento” para o bairro. As três últimas operações
são “eixos instrumentais integradores dos valores de identidade, memória
e tradição” (UPM, 2009) e relacionam- se “através de estruturas destinadas
a um uso social e da promoção do património histórico e cultural da zona”
(Ferro, 2012: 40).
Fig. 03.15- Obras de melhoria da acessibilida-
de e mobilidade
Eixos estruturantes: Fonte: www.aimouraria.cm-lisboa.pt

Operação 1: Requalificação do espaço público e do ambiente urbano (CML)


Relativamente ao espaço público procurou-se que as soluções de projecto fossem coerentes, tendo
como princípio estratégico “a criação de espaços exteriores de qualidade, multifuncionais e com
soluções conceptuais que se adequem ao tecido histórico, urbanístico e patrimonial da Mouraria e
atentas às necessidades da população residente (e dos seus visitantes), assente num conjunto de
princípios estruturantes” (QREN Mouraria, 2010).

Acção 1.1 Requalificação do - Melhoria do conforto e segurança;


- Requalificação da imagem urbana;
Espaço Público
- Introdução de mobiliário urbano e equipamentos adequados (cf.
Fig. 03.14).
Acção 1.2 Melhoria de - Redefinição das zonas de circulação pedonal e automóvel com a
criação de zonas de estadia mais funcionais e apelativas;
Acessibilidade e Mobilidade
- Condicionamento da circulação e estacionamento automóvel.
A redefinição de zonas de circulação e estacionamento propostos
e a requalificação urbana permitiram a disponibilização de áreas
mais qualificadas para a implantação de esplanadas de apoio a
estabelecimentos já existentes ou que venham a surgir (cf. Fig.
03.15).
Acção 1.3 Sinalética
Acção 1.4 Estrutura de Gestão e Manutenção do Espaço Público

A sustentabilidade ambiental e eficiência energética fazem também parte de


um dos princípios estruturantes, sendo que se procurou reutilizar os mate-
riais existentes, como basalto, calcário e granito, bem como adoptar solu-
ções que reduzem os consumos energéticos.

81
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

Operação 2: Refuncionalização e reabilitação do Quarteirão


dos Lagares para criação do Centro de Inovação
da Mouraria (CML)

O Quarteirão dos Lagares é considerado um dos edifícios, juntamente com


a Casa da Severa, onde a marca histórica da Mouraria se faz sentir. Neste
quarteirão “foram encontradas estruturas de um jardim datável do séc. XV e
cujo edificado apresenta uma planta com características identificáveis com
o período islâmico-medieval.” (UPM, 2009). O conjunto edificado localiza-se
entre a Rua dos Lagares e a Travessa dos Lagares (cf. Fig. 03.16, 03.17).

A intervenção é proposta com o objectivo de criar um edifício multifuncional


com actividades preferencialmente de carácter económico, cultural e social:
o Centro de Inovação da Mouraria (CIM). Espera-se que o CIM seja um novo
pólo de atracção não só do bairro como da cidade, configurando a estraté-
gia de geração de estruturas identitárias e de referência urbana na área de
intervenção do Programa de Acção Mouraria (UPM, 2009). Pretende-se que
sejam mantidas as “características tipológicas (a organização das depen-
dências em torno do pátio, dimensões e proporções dessas dependências
e sua interligação e as comunicações horizontais e verticais), morfológicas
(alçados que constituem frentes urbanas, contribuindo para a unidade do
tecido urbano onde se insere o quarteirão) e construtivas (técnica de taipa)”
(UPM, 2009) e permitir o usufruto público do logradouro (cf. Fig. 03.18). É
ainda proposta a integração das estruturas arqueológicas existentes. O pro-
jecto ainda não está terminado, sendo que a sua conclusão está prevista
para Outubro deste ano, segundo a Camara Municipal de Lisboa.

Fig.03.16 Interior do Quarteirão dos Laga- Fig. 03.17 Vista da entrada principal Fig. 03.18 Modelo tri-dimensional da
res antes da intervenção Fonte: www.aimouraria.cm-lisboa.pt proposta
Fonte: quarteiraodoslagares.blogs.sapo. Fonte: www.aimouraria.cm-lisboa.pt
pt/306.html

82
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

Eixos instrumentais:

Operação 3: Valoração das Artes e dos Ofícios (CML, e outros)


Esta operação visa a reabilitação de diversos edifícios emblemáticos da Mouraria bem como o
desenvolvimento de acções e iniciativas culturais, respondendo assim a algumas necessidades do
bairro, nomeadamente a falta de equipamentos sociais para crianças e idosos, e tentando também
resolver alguns problemas sociais preocupantes.

Acção 3.1 Extensão das Instalações da Junta de Freguesia de São Cristóvão e São Lourenço em
edifício no Largo dos Trigueiros (CML). Esta acção encontra-se concluída.
Acção 3.2 Extensão das Instalações da Junta de Freguesia do Socorro em edifício na Rua da Guia

Acção 3.3 Sítio do Fado na Casa da A Casa da Severa, onde terá vivido a fadista Severa,
Severa (CML) localiza-se no Largo da Severa e foi reabilitada para dar
lugar ao Sítio do Fado. O arquitecto José Adrião foi o
responsável pelo projecto. Esta obra foi concluída em
2013 e pretende reforçar o carácter identitário da
Mouraria e realçar a génese da comunidade, vista como
o berço do fado (cf. Fig. 03.19)
Em Agosto deste ano instalou-se na casa da Severa a
Maria da Mouraria que funciona como restaurante com
actividades ligadas ao fado de modo a valorizá-lo e
divulga-lo. Este espaço articula-se com o Museu do
Fado em Alfama e está sob gestão deste (cf. Fig. 03.20,
03.21).
Acção 3.4 Acções de Redução de Riscos e de Minimização de Danos de Toxicodependência

Acção 3.5 Conhecimento e Criatividade (Instituto da Droga e Toxicodependência)

Acção 3.6 Publicação Gastronomia da Mouraria (Associação Renovar Mouraria- ARM)

Fig. 03.19 Edifício antes da intervenção Fig. 03.20 Casa da Severa Fig. 03.21 Interior da Casa da Severa
Fonte: www.idealista.pt Fonte: www.aimouraria.cm-lisboa.pt Fonte: www.idealista.pt

83
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

Operação 4: Valorização Sócio - Cultural e Turística (CML, e outros)


As iniciativas desenvolvidas por associações culturais ou privados desempenham um papel
importante na promoção e divulgação da Mouraria no contexto turístico. A inclusão da Mouraria nas
rotas turísticas da cidade é permitida pela operação estruturante: requalificação do Espaço Público e
do Ambiente Urbano.
Acção 4.1 Restauro de Troço da Cerca O restauro do troço da Cerca Fernandina iniciou-
Fernandina (CML) se no âmbito da intervenção em monumentos
nacionais de modo a configurar o centro histórico
como atracção turística.
Acção 4.2 Reabilitação da Igreja de São Está prevista a reabilitação da Igreja de S.
Lourenço (CML) Lourenço ao abrigo do programa PIPARU,
porém esta obra não se concretizou (CML,
2014).
Acção 4.3 Corredor Intercultural (CML) O “Corredor Intercultural” é o eixo da rua dos
Cavaleiros e rua do Benformoso, e concentra
comércio ligado à gastronomia e hábitos
culturais das comunidades não ocidentais, que
introduzem novos consumos e gostos e
conferem ao espaço um ambiente de troca e
aprendizagem. A requalificação física deste eixo
procura incitar a inclusão social e valorizar a
interculturalidade desde sempre patente na
Mouraria.
Acção 4.4 Festival Multicultural “Há Mundos na Mouraria” (ARM)

Acção 4.5 Percurso Turístico - Cultural (ATL) Este Percurso foi criado de modo a permitir a
divulgação da Mouraria nas rotas turísticas da
cidade, sustentado pela colocação de sinalética
direcional e de identificação dos edifícios com
valor patrimonial, classificados como Monumento
Nacional e como Imóvel de Interesse Público e
outros integrados na Carta do Património (cf. Fig.
02.22). A Associação de Turismo de Lisboa é um
parceiro da candidatura e insere a Mouraria nos
seus itinerários culturais, divulgando nacional e
internacionalmente o Percurso Turístico-Cultural
(QREN Mouraria, 2010).
Acção 4.6 Visitas Guiadas ao Património Estas visitas são promovidas pela Associação
Histórico e Cultural da Mouraria (ARM) Renovar a Mouraria e estão divididas consoante
o interesse do visitante: percurso Mouraria dos
Povos e das Culturas; Percurso Mouraria das
Tradições; Percurso Mouraria do Fado; Percurso
do Castelo à Mouraria; Visita à História dos
Azulejos do Colégio dos Meninos Orfãos. O lema
das visitas é História e estórias com gente dentro
84
(cf. Fig. 03.23).
Acção 4.7 Publicação História da Mouraria em banda desenhada (ARM)
Acção 4.5 Percurso Turístico - Cultural (ATL) Este Percurso foi criado de modo a permitir a
divulgação da Mouraria nas rotas turísticas da
cidade, sustentado pela colocação de sinalética
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação
direcional e de identificação dos edifícios com
valor patrimonial, classificados como Monumento
Nacional e como Imóvel de Interesse Público e
outros integrados na Carta do Património (cf. Fig.
02.22). A Associação de Turismo de Lisboa é um
parceiro da candidatura e insere a Mouraria nos
seus itinerários culturais, divulgando nacional e
internacionalmente o Percurso Turístico-Cultural
(QREN Mouraria, 2010).
Acção 4.6 Visitas Guiadas ao Património Estas visitas são promovidas pela Associação
Histórico e Cultural da Mouraria (ARM) Renovar a Mouraria e estão divididas consoante
o interesse do visitante: percurso Mouraria dos
Povos e das Culturas; Percurso Mouraria das
Tradições; Percurso Mouraria do Fado; Percurso
do Castelo à Mouraria; Visita à História dos
Azulejos do Colégio dos Meninos Orfãos. O lema
das visitas é História e estórias com gente dentro
(cf. Fig. 03.23).
Acção 4.7 Publicação História da Mouraria em banda desenhada (ARM)

Acção 4.8 Edição em CD de música com referência à Mouraria (ARM)

Acção 4.9 Jornal Bimestral sobre a Mouraria Este jornal teve início em 2010 e envolve não só
“Rosa Maria” (ARM) jornalistas, fotógrafos, ilustradores e designers
gráficos mas também voluntários e moradores,
sendo assim produzido por todos os que queiram
participar. O jornal é distribuído gratuitamente
duas vezes por ano pelo bairro e está disponível
on-line.

Fig. 03.22 Sinalética do Percurso Turístico- Fig. 02.23 Percurso Mouraria dos Povos e das Culturas
Cultural Fonte: www.renovaramouraria.pt

85
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

Operação 5: Plano de Divulgação e Comunicação do


Programa de Acção (CML)

Este plano pretende dar a conhecer, junto de uma vasta população, as ini-
ciativas do Programa de Acção (PA) da Mouraria, o seu desenvolvimento e
concretização através de diferentes meios e suportes. O património cultural
é também divulgado, pois tal como defendem algumas cartas internacionais
(Atenas ou Veneza) “a melhor estratégia para a salvaguarda do património
é a promoção do seu conhecimento para que as populações possam dele
apropriar-se” (UPM, 2009). O site onde foi consultado o PA é o maior agente
de divulgação, “com identificação e descrição das operações que integram
o PA, bem como de todos os projectos e relatórios produzidos no seu qua-
dro; identificação do Protocolo de Parceria Local com link para os sites dos
parceiros; notícias sobre iniciativas e estado dos trabalhos; divulgação dos
calendários de eventos das diferentes comunidades presentes no bairro e de
iniciativas promovidas pela Parceria; os apoios à reabilitação existentes; pro-
moção de um guia de recursos da Mouraria; e apresentação de uma galeria
multimédia” (UPM, 2009).

A divulgação no terreno do PA Mouraria, “as cidades dentro da cidade” foi


feita através de outdoors, com a sua descrição e identificação em planta e a
descrição do programa nos edifícios intervencionados (cf. Fig. 03.24).

Fig. 03.24 Outdoor de divulgação do PA Mouraria Fig. 03.25 Imagem do vídeo de apresentação do
Fonte: aimouraria.com-lisboa.pt projecto de requalificação da Mouraria,
30 Setembro 2011
Fonte: http://vimeo.com/29968011

3.3.2- Programa de Desenvolvimento Comunitário da Mouraria (PDCM)

O compromisso de realizar este PDCM, de uma forma aberta e participada,


deu-se em 2010 numa reunião realizada pela Associação Renovar a Moura-
ria, a organização comunitária que opera na Mouraria desde 2008, e a Câ-
mara Municipal de Lisboa assim como algumas das instituições que actuam
na Mouraria, nomeadamente associações locais, juntas de freguesia e pa-
róquias. Este programa de desenvolvimento procurou colmatar a carência
de um plano social integrado para este território e dar coerência à actuação

86
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

do Programa de Acção da Mouraria, dando assim um rumo ao impacto da in-


tervenção e às mudanças que ocorreram no bairro. O orçamento inicial foi de
um milhão de euros, procurando posteriormente reforçar essa quantia atra-
vés de candidaturas a financiamentos públicos nacionais e internacionais. O
arranque das acções foi previsto inicialmente para Maio de 2012, sendo que
a primeira versão do PDCM foi concluída em 2011, tendo-se depois validado
o mesmo junto da população de modo a obter detalhadamente o plano de
acção de 2012. Foi promovida a capacitação das instituições e população
locais e um desenvolvimento comunitário pois acredita-se que “a liberdade
e a cidadania plena só se atingem com o desenvolvimento integral dos indi-
víduos e comunidades” (CML, 2011b).

Os desafios com que se deparou o Programa de Desenvolvimento Comu-


nitário da Mouraria, sendo que alguns permanecem actuais, são “uma per-
cepção generalizada de insegurança, um elevado número de pessoas em
situação de prostituição, toxicodependência e/ou sem-abrigo, as consequ-
ências de uma população envelhecida, a forte presença de comunidades
imigrantes, o tráfico de droga, um certo fechamento face ao exterior e algu-
ma degradação urbana e do espaço público” (CML, 2011b). Estes factores
colocam alguns problemas, pois por um lado, os elevados níveis de pobreza
e exclusão social limitam a felicidade, a liberdade, a participação e a mobili-
dade dos habitantes da Mouraria. Por outro lado, o estigma de degradação
urbana e social são cerceadores do potencial da Mouraria para atrair novos
investidores, visitantes e habitantes.

De uma maneira genérica, o que se visa alcançar com o PDCM é a “diminui-


ção dos fenómenos de exclusão e pobreza, a melhoria da qualidade de vida
e uma maior abertura do território à cidade” (CML, 2011b). Pretende-se que
a reabilitação urbana tenha uma repercussão positiva nos habitantes e nas
comunidades, definindo-se assim um conjunto de objectivos:

“A médio prazo:
1 Melhores oportunidades de emprego;
2 Maior formação e qualificação;
3 Maior capital social e participação;
4 Maior utilização e fruição do espaço público (por parte de moradores
e visitantes);
5 Maior acesso à saúde;
6 Promoção da identidade e valorização da Mouraria (interna e externa);
7 Capacitação das instituições da sociedade civil a actuar na Mouraria.
A longo prazo:
8 Maior coesão social e qualidade de vida na Mouraria;
9 Maior auto-estima da população (individual e colectiva);
10 Maior diversidade socio-económica da população da Mouraria
(moradora e visitantes);
11 Maior sentimento de segurança;
12 Instituições da sociedade civil mais robustas e participativas.”

87
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

O Programa de Acção Mouraria e o PDCM abrangem um território muito vas-


to, e “expandem o território do bairro exponencialmente, delineando novos
limites e abrangendo novas zonas” (Ferro, 2012: 66). De facto, o Largo do
Intendente não era considerado parte da Mouraria até à implementação des-
tes planos. Estes dois planos redefiniram territorialmente a Mouraria, trazen-
do consigo “importantes significados simbólicos e sócio-espaciais” (Ferro,
2012: 68) e criam uma nova entidade e identidade “dentro da qual os seus
habitantes reproduzem práticas e representações que definem o bairro” (Fer-
ro, 2012: 68). Esta quebra de barreiras sugere também um atenuar da ideia
de segregação de bairro fechado, “esta, pelo contrário, renova a introdução
de uma acção exógena, que favorece novos modelos de apropriação dos
recursos materiais e imateriais que o bairro tem” (Ferro, 2012: 68).

3.3.3 Incentivos à reabilitação urbana

BIP/ ZIP

Como foi explicado no capítulo anterior, a estratégia BIP/ ZIP incide nos bair-
ros e zonas de intervenção prioritária de Lisboa definidos por delimitações
municipais existentes e indicadores sociais e urbanos. Relativamente ao pri-
meiro, a Mouraria localiza-se na Área crítica de recuperação e reconversão
urbanística. Procurou-se estudar os indicadores sociais e urbanos de modo
a enquadrar a zona em estudo na estratégia BIP/ZIP. Foram analisados os
indicadores pertencentes às freguesias anteriores à reorganização, ou seja
Anjos e Socorro, por se tratarem dos dados que levaram à limitação destas
zonas como BIP/ZIP.

Indicadores socioeconómicos: índice social

O ATLAS do Programa Local de Habitação, relativo aos Censos de 2001, ser-


viu de apoio à caracterização dos indicadores socioeconómicos. Destaca-se
que a freguesia do Socorro tem das percentagens mais altas de prestações
sociais, 23%, enquanto o resto da cidade apresenta valores de 10%, e as
freguesias de Anjos e Socorro, correspondentes ao Largo do Intendente e
Mouraria, têm um total de subsídio de desemprego de entre 5 a 8 %. Relati-
vamente à concentração de beneficiários do complemento social de idosos
,estas duas freguesias apresentam o nível mais elevado da cidade, entre 2
a 5%. Estes dados podem ser explicados pelo facto de se tratarem de duas
das freguesias históricas mais envelhecidas da cidade.

O índice social é calculado a partir da seguinte fórmula:


Concentração de população não empregada + concentração de população
residente menos qualificada.

A zona da Mouraria e Largo Intendente possuem um índice social que se en-


contra aproximadamente entre -0,432753 e 1,797918, um valor relativamen-
te elevado, visto que o intervalo mais baixo é entre - 5,8 e -1,5 (CML, 2010).

88
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

Indicadores socioeconómicos: índice urbano

Tal como no ponto anterior, O ATLAS do Programa Local de Habitação serviu


de base ao cálculo do índice urbano. As freguesias de Socorro e dos Anjos
possuíam, em 2001, 588 e 1000 edifícios respectivamente, com idade média
de 47,6 e 65,3 anos, sendo que entre estes 128 e 146, respectivamente, ne-
cessitavam de reparação. Relativamente aos alojamentos vagos, a freguesia
do Socorro tem 867 alojamentos vagos e a dos Anjos 1387. A cobertura de
rede de transportes públicos, de equipamentos de proximidade de creches
e pré-escolar foi também analisada.

O índice urbano é calculado a partir de:


Taxa de esforço de recuperação de edifícios+ Concentração de alojamentos
vagos+ Idade média dos edifícios,

A zona da Mouraria e do Largo do Intendente caracterizam-se por um eleva-


do índice urbano (CML, 2009).

De modo a delimitar os BIP/ZIP foi elaborada a Carta da fractura sócio-terri-


torial, através da filtragem destes índices, para apurar as zonas mais defici-
tárias do ponto de vista socioeconómico e urbanístico, e da sobreposição da
carta das delimitações municipais.

A área envolvente ao eixo da Av. Almirante Reis não constava na primeira


carta BIP/ZIP, porém foi incluída após o debate público da Carta por apre-
sentar carências sociais e urbanísticas relevantes, merecedoras de inclusão
na Carta dos Bip/Zip (CML, 2010).

Orçamento Participativo

No âmbito do orçamento participativo, diversas propostas para o território


da Mouraria fizeram parte dos projectos mais votados nas edições de 2011
e 2012. Estes projectos surgem como um complemento às obras que se
desenvolveram, assumindo-se como a vertente humana da obra física da
Mouraria e dando assim uso às infraestruturas criadas.

A proposta Há Vida na Mouraria foi a vencedora do Orçamento Participativo


na sua quarta edição, de 2011/2012, e visa melhorar o quotidiano de quem
vive no bairro lisboeta executando medidas sociais em paralelo com o pro-
grama de reabilitação do espaço. Este projecto tem um custo de um milhão
de euros que foi aplicado no PDCM.

O Centro de Inovação da Mouraria (CIM) venceu na categoria de projectos


de maior dimensão, entre 150.000 e 500.000 euros, na edição de 2012/2013.
Terá um custo de 400.000 euros e propõe um centro de desenvolvimento so-
cial, económico e cultural no Quarteirão dos Lagares. O CIM visa promover
e desenvolver a aprendizagem e formação profissional, dando um enfoque à

89
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

recuperação dos ofícios tradicionais em Lisboa.

Este centro insere-se no projecto de reabilitação do Quarteirão dos Lagares


realizado no âmbito do QREN e ainda se encontra em desenvolvimento. A
conclusão do projecto para este quarteirão está prevista para o fim do mês
de Outubro deste ano.

A Casa da Mobilidade da Mouraria foi o projecto mais votado na categoria


de projectos até 150.000 euros, e visa promover a mobilidade através de
estágios de formação e de trabalho efectivo, para a comunidade e em pro-
jectos da comunidade, contribuindo assim para a experiência internacional e
o empreendedorismo cívico dos trabalhadores.

90
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

91
04. O LARGO DO INTENDENTE: UMA REVOLUÇÃO EM CURSO

4.1 A construção histórica de um espaço central

4.2 O processo de reabilitação



4.2.1 Projecto de requalificação urbanística e ambiental
do Largo do Intendente/ Rua do Benformoso

4.2.2 Estratégias complexas de reabilitação

4.3 A sustentabilidade da intervenção


O LARGO DO INTENDENTE:
UMA REVOLUÇÃO EM CURSO 04
“O espaço público deve ser considerado fundador da cidade; no fun-
do, o espaço público é a cidade” (Indovina, F., 2002).
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

4.1 A construção histórica de um espaço central

O Largo do Intendente pertence à freguesia de Arroios, antiga freguesia dos


Anjos criada por volta de 1563, cujo nome se deve à sua sede que foi uma
ermida sob a invocação dos “Santos Anjos”. A freguesia dos Anjos era uma
zona importante da cidade na medida em que fazia a ligação de uma manei-
ra privilegiada com os arredores de Lisboa através de uma marcante via de
comunicação; a designada Estrada de Sacavém (cf. Fig. 04.1). Este factor,
juntamente com a sua riqueza em barro e água, foi importante para a fixação
da população na área. O Largo resulta, em termos urbanísticos, do alarga-
mento da Rua dos Anjos, por volta de 1810, com o objectivo de solucionar
Fig.04.1 Rua dos Anjos, uma das saídas mais
importantes de Lisboa o estrangulamento viário que existia no principal acesso Norte da cidade
Fonte: lisboahojeeontem.blogspot.pt (Neves e Gonçalves, 2011) (cf. Fig. 04.2, 04.3, 04.4).

Fig. 04.2 Planta1856-58 Fig.04.3 Planta1911 Fig.04.4 Planta 1950


Fonte: Gabinete Estudos Olisiponenses Fonte: Gabinete Estudos Olisiponenses Fonte: Gabinete Estudos Olisiponenses

O Largo do Intendente Pina Manique deve o seu nome ao Palácio do Inten-


dente Geral da Polícia, Diogo de Pina Manique, construído no reinado de
D. Maria I entre a Rua Direita dos Anjos e o Beco dos Emprenhadores. A
construção do Palácio torna o Largo num lugar atractivo ao estabelecimento
por parte dos nobres da sua residência (cf. Fig. 04.5, 04.6). “Com os novos
edifícios o largo ganha forma e beleza, acabando o nome do palácio do In-
tendente a identificar o local” (Neves e Gonçalves, 2009: 18). As grandes
casas nobres sofreram algumas alterações ao longo do tempo, sendo que o
Fig. 04.5 O Largo do Intendente
espaço foi subdividido em compartimentos de pequenas dimensões e sem
Fonte: lisboahojeeontem.blogspot.pt
condições de habitabilidade, e foram posteriormente ocupados por arma-
zéns ou escritórios que não contribuíram para a sua valorização.

O Largo vai-se consolidando ao longo do século XIX, ganhando maior mo-


numentalidade em 1824 com a construção do chafariz do Intendente, cons-
truído para abastecer esta zona bastante movimentada (cf. Fig. 04.7). Este
foi transferido em 1917 para a actual Almirante Reis, na altura Av. D. Amélia,

94
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

possivelmente devido à confusão e ao trânsito existentes no Largo. Em 1849


é construída a Fábrica de Produtos Cerâmicos António da Costa Lamego
entre o muro que delimitava o Convento do Desterro e a Quinta dos Caste-
linhos, onde algumas das obras mais significativas da azulejaria portuguesa
do século XX foram realizadas e que representa a revolução industrial no
Largo. Em 1978 parte da fábrica foi classificada como Imóvel de Interesse
Público.

Júlio de Castilho descreve esta zona, na sua altura mais movimentada e Fig. 04.6 Palacete Pombalino
Fonte: Neves e Gonçalves, 2011
vivida, como “O nosso largo do Intendente, de bulhenta e insuportável me-
mória. É dos sítios mais trilhados e rumorosos da Lisboa moderna. (E se não
calcule-se) Por ali passam sempre, a toda a hora, inumeráveis pessoas a
pé, a cavalo, em burro, em tilbury, em coupé, em dog-cart, em caleche, em
landau, para o campo, e para todos aquêles hoje povoadíssimos arrabaldes.
Além disso passam todos os carretos que por aquela banda vêm abastecer
os mercados da capital, todos os leiteiros, todos os hortelões, todas as la-
vadeiras, todos os moleiros, todos os almocreves, do têrmo dos lados do
norte. Passam mil vendeiros de hortaliça, de petróleo, de azeite, de água, de
peixe, de fato velho, de tudo enfim. Passam os estridentes caldeireiros, e os
que deitam gatos; cada qual com o seu pregão diverso. Passam os padeiros Fig. 04.7 Chafariz do Desterro
de carroça, com a sua matraca infernal. Passam constantemente, para baixo Fonte: lisboahojeeontem.blogspot.pt

e para cima, os americanos, os carros de bois, os churriões, as caleças, as


diligências, e os charc-a-bancs, que seguem viagem para o Lumiar, o Cam-
po Grande, Odivelas, Benfica, o Rêgo, Caneças, o Jardim Zoológico, etc.,
etc. Toda esta faina indescriptível começa às duas da madrugada, e (sem
interrupção de um segundo) acaba ... às duas horas da madrugada do dia
seguinte; por outra: não acaba“ (Castilho, 1936: 248).

O largo torna-se num importante local de passagem e de muito trânsito, quer


pedonal como de mercadorias de abastecimento à cidade, até a abertura da
Avenida Almirante Reis. Em meados do século XX a prostituição que se ins-
tala no largo e nas ruas envolventes acentua o processo de degradação da
zona, sendo que os toxicodependentes e o tráfico de droga que existiam no
Casal Ventoso se instalam no largo após a intervenção camarária que ocor-
reu naquela zona. O Intendente torna-se num dos locais mais degradados da
cidade do ponto de vista social e do seu edificado.

Relacionando com a intervenção, as potencialidades locais existentes são


assim “a potencialidade cultural resultante do encontro de gentes de di-
versas culturas e o valor patrimonial urbanístico e ambiental resultante da
singularidade da sua envolvente arquitectónica a par de uma origem rela-
cionada com a presença do elemento água” (Neves e Gonçalves, 2011: 5).
Neste espaço coexistem várias épocas distintas e existem diversos imóveis
classificados e inventariados. O lado nascente é marcado por um traçado
medieval modelado pelo respeito da sinuosidade da via pré-existente que
finda no Largo com a existência de edifícios apalaçados setecentistas. O
lado nascente confronta-se com o lado poente, de época posterior, com

95
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

influência parisiense e uma estrutura, “rectilínea, onde dominam construções


de meados do século XIX e um dos ícones da Arte Nova lisboeta, o edifício
de gaveto datado de 1907, da autoria do Arquitecto Adães Bermudes” (Ne-
ves e Gonçalves, 2009: 19) (cf. Fig. 04.8, 04.9).

A presença de água, cuja importância para o projecto e valorização será


descrita mais à frente, é visível com a presença de uma infraestrutura de
saneamento no subsolo, e um colector com dimensões significativas, de-
Fig. 04.8 Lado poente signado o “Cano” do Intendente. Estes aspectos estão relacionados com
a passagem da Ribeira dos Anjos devido à inserção do largo no sistema de
vale da Avenida Almirante Reis. Esta forte presença pode ainda ser visualiza-
da na zona Sul do Largo com a presença de uma fonte “Taça”, em calcário,
colocada no Largo no início do século XX como bebedouro para os animais
(cf. Fig. 04.10). A existência de quatro plátanos de grande porte reforça esse
elemento da água.

Enquadramento sócio demográfico do tecido urbano onde


se integra o Largo do Intendente
Fig.04.9 Lado nascente
De modo a analisar e estudar o processo de requalificação do Largo do In-
tendente, foi considerado importante caracterizar este território do ponto de
vista socio demográfico tendo em conta a análise feita anteriormente, re-
lativamente à Mouraria, sendo que o Largo faz parte da área do Plano de
Urbanização da Mouraria assim como do Programa de Acção da Mouraria.

Segundo a socióloga Estela Gonçalves, “o pequeno espaço residencial em


volta do Lg. do Intendente em 2011 apresentava um conjunto interessante
de indicadores de vitalidade demográfica. O nível de ocupação residencial
aumentou, tendo baixado o número de alojamentos familiares vagos, pos-
suindo agora perto de 20% de alojamentos vagos quando em 2001 eram
Fig.04.10 Taça usada como bebedouro para perto de 30%” (Gonçalves, 2013: 2).
os animais, início século XX
Fonte: Neves e Gonçalves, 2011
O número de residentes em idade activa aumentou consideravelmente, sen-
do que entre 2001 e 2011 o número de residentes homens duplicou, “deten-
do em 2011 uma capacidade regenerativa da população ativa ao contrário
das freguesias dos Anjos e S. Cristóvão, que detêm um elevado índice de
envelhecimento. Mas simultaneamente no tecido do Intendente a taxa de de-
semprego é mais elevada (17,90%) no conjunto das freguesias de inserção
e vizinhança” (Gonçalves, 2013: 2). A escolaridade dos residentes mantém-
-se baixa, porém a percentagem de residentes com nível de escolaridade
superior aumentou 6% entre 2001 e 2011, passando de 8% para 14%. Este
número é mais elevado do que a freguesia de Socorro, com 12%, e inferior
às freguesias de S. Cristóvão e Anjos, com 20%.

Relativamente à convivialidade e segurança, o Largo apresentava um elevado

96
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

deficit entre 2002 e 2009, “embora ali funcionassem alguns serviços de es-
pectro largo - centro de Saúde da área dos Anjos, uma escola profissional
ligada e atividades económicas e comércio - as práticas de tráfico de droga
e prostituição eram consideravelmente perturbadoras, com a consequente
concentração de consumidores toxicodependentes” (Gonçalves, 2013: 2).

De modo a obter uma análise mais sustentada e profunda deste Largo, pro-
curou-se estudar os edifícios que o delimitam e dão lugar à ocorrência de
dinâmicas variadas. Recorrendo aos censos de 2011, recolheu-se assim os Quarteirão A

dados relativos a cada quarteirão que constitui a envolvente do Largo.


CAPITULO 04

População
Quarteirão Famílias Alojamentos Edifícios
residente
A 12 5 19 4

B 10 5 13 4

C 39 22 26 9

D 182 95 136 42

Quarteirão B

Quadro 04.11 Pop. Residente, no famílias, alojamentos e edifícios por quarteirão.


Fonte: INE, Censos 2011

Como é possível observar através dos dados relativos aos Censos de 2011
e de uma observação local, os edifícios que definem o Largo apresentam
um número relativamente baixo de ocupantes permanentes, prevalecendo
assim a população flutuante nas residências e hostels. Essa situação deverá
manter-se, uma vez que estão previstos uma residência de estudantes e uma
unidade hoteleira. Este facto é importante quer para a dinâmica do Largo
quer para a sua sustentabilidade.

Quarteirão C
Factores indutores da transformação
do Largo do Intendente

Segundo a socióloga Estela Gonçalves, a progressiva saída da “guetização”


que marcava o Largo “resultou na conjugação de um conjunto de factos que
em associação foram congregando sinergias sociais positivas, alterando a
atitude dos políticos, técnicos e dirigentes municipais, associações e insti-
tuições, residentes, os cidadãos; no fundo, o conjunto dos diversos actores
públicos e da sociedade civil e dos lisboetas em geral para com este lugar
da cidade” (Gonçalves, 2013: 3).
Quarteirão D
Estes factores são a oportunidade do programa QREN, que apresenta ob-
jectivos a curto prazo, integrando vários projectos e comprometendo a par-
ticipação conjunta de diversos actores pois sustenta-se num protocolo de
parceria.

97
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

Ganhou-se assim um “espaço novo de confiança, nomeadamente o interes-


se público e privado.” As associações localizadas no território, com diversos
objectivos sociais, e descritas mais à frente, articulam-se com as associa-
ções existentes mais tradicionais e antigas, o que constitui outro factor muito
positivo. O Festival Todos, que ocorreu pela primeira vez em 2009, revelou
o interesse político municipal pelo bairro da Mouraria, e trouxe “consigo a
prática de consumo cultural urbano da multiculturalidade” (Entrevista a Gon-
çalves, E., 2014). Finalmente, a diversidade de culturas, presente na forte
densidade étnica da Mouraria, e a sua história, são muito importantes para
a caracterização do bairro antigo, que tem vindo a ganhar importância como
estilo de vida e prática urbana por alguns segmentos sociais.

O Largo na comunicação social

Foi considerado importante a análise da opinião e informação da comuni-


cação social antes da reabilitação do Largo, na medida em que para muitas
pessoas o conhecimento que possuíam deste local era através deste meio
devido à estigmatização a que esteve associado.

Fig. 04.12 Evolução da pesquisa pelo tópico “Largo do Intendente”


Fonte: Google.com/trends

Segundo o Google Trends, o tópico “Largo do Intendente” foi pesquisado


com maior frequência a partir do ano de 2012, altura em que foram conclu-
ídas as obras no Largo. Este factor não é uma avaliação porém é represen-
tativo.

Fig.04.13 Cronologia das notícias sobre o Largo do Intendente

98
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

4.2 O processo de reabilitação

4.2.1 Projecto de requalificação urbanística e ambiental do Largo do Inten-


dente/ rua do Benformoso

O projecto de Requalificação do Largo do Intendente/ Rua do Benformoso é


da autoria dos Arquitectos Maria Cristina Neves e Paulo Gonçalves da Direc-
ção Municipal de Projectos e Obras da Câmara Municipal de Lisboa, em co-
Fig. 04.14 Obras no Largo do Intendente
laboração pluridisciplinar com técnicos de vários departamentos da Câmara
Fonte: www.aimouraria.cm-lisboa.pt/
Municipal de Lisboa, desde a sociologia à história e património. Os autores
do projecto têm vindo a trabalhar em habitação social, nomeadamente em
Chelas, Olivais, Alcântara, e por consequência no espaço público das no-
vas áreas residenciais. A vasta experiência e o trabalho efectuado levaram
à encomenda do projecto por parte da Câmara, sendo que já tinham sido
efectuadas diversas propostas por parte de arquitectos da Câmara porém
nenhuma obteve a aprovação pois “eram mais marcantes e considerou-se
que entravam em colisão com o espaço” (Entrevista a Gonçalves, P. 2014).
As obras começaram no final de 2011 e terminaram em 2012 (cf. Fig. 04.14).

Na entrevista realizada aos arquitectos, foi questionada a colaboração e dis-


cussão com outros actores ou locais e a sua aceitação. O arquitecto Paulo
Gonçalves refere que “a comunicação e o contacto com a população foram
constantes e uma preocupação. Foi feita uma leitura do local e ouvido o
feedback por parte dos actores locais (...) porém foi feita uma triagem, sem
a qual não havia projecto” (Entrevista a Gonçalves, P. 2014). O projecto foi
bastante discutido por vários actores, e apresentado às pessoas do bairro e
Junta de Freguesia, “nomeadamente as questões do trânsito, um elemento
fulcral para as pessoas em geral” (Entrevista a Gonçalves, P. 2014). Segundo
os arquitectos, a proposta foi muito bem aceite por parte dos habitantes do
bairro, tendo estes feito algumas sugestões que foram tidas em contas no
projecto, nomeadamente como a existência de estacionamento no Largo.

Este projecto tem por base os princípios que orientam o Programa Preliminar
elaborado no âmbito da candidatura ao QREN, assim como os Instrumentos
de Planeamento em vigor aplicáveis à área de intervenção, nomeadamente
o Plano de Urbanização do Núcleo Histórico da Mouraria e o Plano Direc-
tor Municipal de Lisboa, descritos no capítulo anterior. A área afectada pelo
projecto de requalificação tem cerca de 8450 m2 e é composta pelo Largo
do Intendente, a Rua do Benformoso, a Travessa do Benformoso, a Travessa
Cidadão João Gonçalves e a Travessa da Cruz dos Anjos (cf. Fig. 04.15).

Fig. 04.15 Limite da área de intervenção


Fonte: Adaptado de Neves e Gonçalves,
2011

99
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

A candidatura ao QREN, como já foi descrito no capítulo anterior, tem como


objectivo requalificar urbanística e ambientalmente o espaço público de uma
grande parte da área da Unidade de Projecto da Mouraria, abrangendo dois
eixos do território. O primeiro é composto por pequenos largos e arruamen-
tos articulados em torno da rua do Marquês de Ponte de Lima e da rua
das Farinhas, um eixo estruturante do bairro, e é alvo de um projecto de
requalificação de autoria privada. O segundo, mais linear, abrange a Rua do
Benformoso e Largo do Intendente e é da responsabilidade da Câmara Mu-
nicipal de Lisboa. Paralelamente à reabilitação do edificado, a intervenção
no espaço público irá contribuir para a revitalização das actividades econó-
micas presentes, como restaurantes, e proporcionará uma nova atratividade
ao comércio tradicional. A requalificação do espaço público da Mouraria foi
a vencedora do prémio IHRU 2013 na categoria de reabilitação de espaço
público.

A proposta de requalificação do espaço público tem implícita a necessidade


de uma intervenção estrutural que qualifique o meio urbano. Esta baseia-se
no pressuposto de que a curto e médio prazo, “a introdução de mais-valias
ao nível do espaço público se repercutirá, inevitavelmente, no tecido social
do Bairro, quer pelo incremento das condições de utilização do espaço pe-
los actuais moradores, como pela possibilidade de, melhorando as infra-es-
truturas e salvaguardando as excepcionais condições naturais e ambientais
presentes, atrair novos visitantes, revitalizando a vivência e a interacção so-
cial do Bairro, importantes indicadores da qualidade de vida urbana” (Neves
e Gonçalves, 2011: 8). As acções devem assim dignificar e humanizar os es-
paços tornando-os mais atractivos do ponto de vista habitacional, turístico
e lúdico e contribuir para uma leitura homogénea do local. O projecto visa
assim uma actuação integrada, sustentável e fundamentada, que se articule
com as entidades intervenientes no local.

Foi apresentado um programa de intenções, “enquadrar um espaço versátil,


multifuncional que permitisse eventos, a instalação de esplanadas, favore-
cendo um certo tipo de comércio e restauração” a partir do qual os arquitec-
tos estabeleceram prioridades, sendo que “a primeira prioridade, proposta
nossa, foi reformular o trânsito.” Tendo em conta todos os elementos presen-
tes, “procurou-se fazer uma leitura contemplativa, não tanto proactiva, uma
leitura de quem está a olhar para o exterior. Um espaço que se diluísse no
espaço existente” (Entrevista a Gonçalves, P., 2014).

A melhoria das acessibilidades é uma das premissas do projecto, tendo sido


propostas soluções construtivas que melhorem a acessibilidade e capaci-
dade de usufruto do espaço por parte de pessoas com mobilidade reduzida
apesar da impossibilidade de aplicar na íntegra o Decreto-Lei nº 163/2006 de
8 de Agosto, que diz respeito à promoção da acessibilidade na medida em
que constitui um elemento fundamental na qualidade de vida das pessoas.
As características físicas e morfológicas, bem como a qualificação como
área histórica da cidade que afecta um conjunto de pré- existências e impõe
condicionamentos ao nível da preservação da imagem, dificultam o cumpri-
mento dessa lei.
100
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

Segundo a memória descritiva cedida pelos arquitectos responsáveis pelo


projecto, este desenvolve-se em torno da água, o elemento mais importante
de qualquer povo. “Presença constante tanto à superfície como no subsolo,
constitui o elemento simbolicamente unificador do projecto – representa a
travessia mas também o porto de chegada sendo o denominador comum da
história de todas as culturas oriundas de diferentes geografias que viveram
e vivem no bairro da Mouraria, tanto por opção como por força das circuns-
tâncias” (Neves e Gonçalves, 2011:9).

Circulação automóvel e estacionamento

A circulação pedonal em condições de segurança e conforto é muito difícil


no bairro da Mouraria devido às zonas de conflito na estrutura viária, nome-
adamente o perfil transversal irregular das vias de circulação e os passeios
estreitos.

A melhoria do sistema de acessibilidade e mobilidade constitui assim um dos


principais objectivos do projecto, na medida em que a rede de circulação é
um impedimento à qualidade do espaço público do bairro e contribui para
“um isolamento socioeconómico, penalizador da vivência urbana” (Neves e
Gonçalves, 2011: 10). O estacionamento ilegal e abusivo, que resulta da in-
definição dos limites do espaço viário e das áreas reservadas ao estaciona-
mento, prejudica as condições de segurança no usufruto do espaço público.

O sentido do tráfego é alterado de modo a reduzir os pontos de conflito da


estrutura viária e facilitar o acesso ao Largo. Anteriormente o tráfego proce-
dia-se de Sul para Norte e o acesso ao Largo era feito pela rua do Benformo-
so, sendo que actualmente a saída do Largo é efectuada a Sul, através do
troço Norte da rua do Benformoso (cf. Fig.04.16).

Fig. 04. 16- Circulação viária existente e proposta


Fonte: Adaptado de Neves e Gonçalves, 2011

101
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

O perfil transversal das vias é alterado de modo a reestruturar a circulação


pedonal criando uma faixa contínua de circulação para os peões. O perfil
tipo é constituído por uma faixa de circulação automóvel com 3,5 metros
de largura e faixas de estacionamento longitudinal com 2 metros de largura.
Os passeis têm larguras variáveis, geralmente não inferiores a 1,20 metros,
pois acompanham a irregularidade da implantação dos edifícios. O lancil de
calcário que separa a via de circulação dos veículos, o estacionamento e os
passeios possui 2 cm de desnível e uma espessura de 0,13 ou 0,30 metros.
Fig. 04.17 Largo antes da intervenção: um
todo viário e uma ilha pedonal
Fonte: Neves e Gonçalves, 2011 O Largo era um todo viário com uma ilha pedonal e passeios muito estreitos,
dificultando a mobilidade ao longo destes, que se processava de maneira
deficiente e pouco funcional. Era dada maior predominância ao uso do es-
paço público para circulação viária em detrimento da utilização pedonal (cf.
Fig.04.17). “O projecto inverte esta situação com a localização de uma única
faixa de circulação ao longo do conjunto nascente, ligando a rua dos Anjos à
rua do Benformoso” (Neves e Gonçalves, 2011: 12).

São propostos 75 lugares de estacionamento, nomeadamente 25 no Largo


do Intendente, 12 na Travessa Cidadão João Gonçalves, 10 na Travessa do
Benformoso e 28 na rua do Benformoso. Este número é escasso relativamen-
te às necessidades locais, pelo que a Unidade de Projecto da Mouraria está
a estudar alternativas de estacionamento nas proximidades da intervenção.

A rua do Benformoso, como descrito acima, é uma das vias mais emble-
máticas do bairro sendo que a sua geometria é definida pela implantação
irregular do conjunto edificado. Propõe-se a introdução de uma faixa de es-
tacionamento e passeios mais amplos no troço entre a Rua do Terreirinho e
o Largo do Intendente. O espaço entre a rua do Terreirinho e a rua do Ben-
formoso, onde se encontra um chafariz, é substituído introduzindo degraus
permitindo atravessamentos sem obstáculos e uma leitura clara do espaço.
Fig. 04.18 Estereotomia de pavimento da
rua do Benformoso
O passeio é composto por calçada de vidraço e a circulação automóvel por
Fonte: Adaptado de Neves e Gonçalves, blocos irregulares de basalto (cf. Fig. 04.18). De modo a promover a mobili-
2011 dade pedonal, que se processava no passeio e na via devido à reduzida área
pedonal disponível, introduziu-se uma faixa lateral de cubos de granito com
acabamento serrado aumentando o conforto e a segurança da circulação
pedonal.

Os materiais utilizados no Largo do Intendente são blocos irregulares de


basalto quer na circulação automóvel quer no estacionamento, calçada de
Fig. 04.19 Estereotomia de pavimento da
vidraço no passeio e lancil calcário no lancil separador (cf. Fig. 04.19). A pas-
rua do Largo do Intendente, circulação e sadeira é constituída por cubos de calcário.
estacionamento
Fonte: Adaptado de Neves e Gonçalves,
2011 Largo do Intendente

O espaço público do Largo permite a instalação de esplanadas e a ocorrên-


cia de eventos, que dinamizarão a interacção social do bairro possibilitando

102
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

assim o “exercício de uma cidadania plena”. (Neves e Gonçalves, 2011: 9)

A reestruturação viária descrita no ponto anterior cria espaços pedonais am-


plos, o que permite a existência de sinergias funcionais. Os espaços de es-
tada criados estão ligados com o edificado e as preexistências do espaço
público. “Dada a geometria irregular do Largo, a concepção deste espaço
deverá possibilitar uma apreensão formal clara e contextualizada pelos uti-
lizadores, com pontos de referência que introduzam relações de escala e
organização espacial. Por outro lado pretende-se que seja indutor dos objec-
tivos funcionais expressos: atravessamento e estadia” (Neves e Gonçalves
2011: 12). O desenho do largo sintetiza estas duas ideias, dando importância
ao eixo rua da Palma/ rua dos Anjos, que se inicia com o edifício de gaveto
do Arq. Adães Bermudes e alterando o pavimento junto da Taça existente de
modo a induzir a estadia nessa área, que posteriormente, e como previsto,
foi ocupada por esplanadas. Existe uma faixa para veículos de emergência
com cerca de 4,5 metros de largura integrada no espaço pedonal balizada
nos seus acessos Norte e Poente por pilaretes amovíveis.

Os materiais utilizados foram escolhidos de modo a que se integrassem no


conjunto das preexistências, sendo que o material predominante é a calçada
de vidraço, pautada por um eixo composto por uma sucessão de lajetas de
lioz dimensionadas e localizadas pela métrica dos plátanos existentes e re-
produzidas nas novas plantações (cf. Fig. 04.20). O tratamento do pavimento
influencia as diferentes formas de utilização do espaço, porém os arquitec-
tos responsáveis pela proposta defendem uma atitude pouco intrusiva que
respeite o desenho e os materiais tradicionais, os valores patrimoniais e a
autenticidade do local: “esta opção traduz, não só uma preocupação com
a sustentabilidade económica e ecológica, mas também com a preservação
de uma imagem urbana associada ao espaço público nos bairros históricos,
mesmo que, nalguns dos espaços da Mouraria, esta tenha sido criada de-
pois de 1940” (Neves e Gonçalves, 2011: 8).

Fig. 04.20 Estrutura pavimentada do Largo


Fonte: Adaptado de Neves e Gonçalves,
2011

103
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

Como já foi descrito anteriormente, o “leit motiv” do projecto é o elemento


água, presente em todo o bairro e vital para a vida da comunidade, que
resistiu quer sob a forma de fontes escultóricas ou de simples fontanários,
e ainda na antiga linha de água subterrânea que atravessa o Largo. Para
os Arquitectos responsáveis pelo projecto, “o elemento água simboliza não
apenas a convergência de diferentes povos oriundos de diferentes geogra-
fias, ao longo dos séculos até à actualidade, mas também o percurso ou
travessia que os conduziu até Lisboa e, especificamente, a este Bairro” (Ne-
Fig. 04.21 Pormenor do pavimento: calçada ves e Gonçalves, 2011: 12), sendo que se procurou “preservar e recuperar a
de vidraço branco e lajetas em pedra lióz
pré-existência do elemento de água, associado à riqueza da zona em água,
e todo o seu historial” (Entrevista a Neves, M., 2014). De modo a reforçar o
simbolismo da água, os projectistas escolheram um extracto do poema de
Fernando Pessoa intitulado “Esse Rio” para gravar nas lajetas do pavimento
junta à Taça, que detém um carácter apenas ornamental e está a ser alvo de
projectos de especialidade para recuperar a função de fonte (cf. Fig. 04.23).

Mancha verde

Inicialmente, foi prevista a manutenção do conjunto arbóreo existente, con-


Fig. 04.22 Elemento água no Largo
siderados uma “preexistência patrimonial” (Entrevista a Neves, M., 2014),
plátanos de grande porte e crescimento rápido (cf. Fig. 04.24), que viria a ser
complementado com cinco árvores em caldeira. “Esta árvore fazia parte da
memória do espaço e é uma árvore grande e adaptada à cidade e a estrutura
verde que se procurou implementar queria adicionar mais plátanos” (Entre-
vista a Neves, M., 2014).

Projectou-se ainda a introdução de outra espécie relacionada com o ele-


mento água e apropriada para o local, o freixo, “uma espécie autóctone, de
carácter ornamental adaptada ao leito de cheia, uma reminiscência do que o
local foi em tempos e que existe na cidade de Lisboa. Pretendeu-se favore-
cer uma alternância, sendo que o freixo é a primeira árvore a ter folha. Tanto
o freixo como o plátano são árvores de folha caduca” (Entrevista a Neves,
Fig. 04.23 Poema de Fernando Pessoa grava-
do nas lajetas do pavimento
M., 2014). Pretendia-se criar um espaço mais confortável e variado, “alter-
Fonte: Neves e Gonçalves, 2011 nando áreas de sombra e de sol, alternância de tonalidade, tom de folhagem,
porte, de desenho, época de folha, que permite alguma dinâmica no largo”
(Entrevista a Neves, M., 2014). No decorrer da concretização do projecto os
plátanos existentes foram atacados por uma doença e acabaram por ser reti-
rados e substituídos por árvores mais jovens (cf. Fig. 04.25), “o que provocou
algum choque à população, que estava habituada a ver e viver o largo com
árvores de grande porte” (Entrevista a Neves, M., 2014).

A posição das árvores teve que ser repensada posteriormente, com a intro-
dução da escultura da Joana Vasconcelos. Prevê-se que a rega das árvores
seja manual, tendo-se instituído a execução de uma rede de rega no Largo a
Fig. 04.24 Plátano que existia no Largo
utilizar em caso de emergência.
Fonte: projetotoca.wordpress.com

104
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

Iluminação e mobiliário urbano

O projecto de Iluminação visa proporcionar uma utilização em segurança


do espaço destacando elementos que se considerem importantes para o
cenário e simbologia do lugar. Os arquitectos optaram pelas Lanternas Lis-
bonense, equipamento típico nos bairros históricos de Lisboa, colocadas
em consola nas fachadas e que seriam dotadas de tecnologia actual que
permite reduzir a potência e a poluição luminosa.

A introdução da contemporaneidade foi ponderada pelos projectistas sendo


que o foco foi a melhoria que as novas tecnologias possibilitam em aspectos
como os parâmetros luminotécnicos e os usos pretendidos, os índices de
restituição cromática e a manutenção dos equipamentos, optimizando os
consumos energéticos. A introdução de lâmpadas com tecnologia de baixo
consumo, o correcto dimensionamento do feixe luminoso e a regulação da Fig. 04.25 Árvores existentes e respectiva
luminosidade com a utilização de sensores, são soluções que reduzem glo- sombra

balmente os consumos e que foram desenvolvidas. O tipo de solução deve


ainda adequar-se ao tipo de uso, nomeadamente áreas de circulação viária
ou pedonal, zonas de estada, coberto vegetal, edifícios ou outros aconteci-
mentos, e estar integrada na linguagem arquitectónica.

Considerando todos os aspectos descritos, “prevê-se o recurso a diferentes


dispositivos, suportes e/ou técnicas que permitam gerar tratamentos e efei-
tos visualmente distintos, promovendo a relação do espaço público com a
envolvente edificada e paisagística” (Neves e Gonçalves, 2009: 10). Foi tam-
bém proposta a instalação de dispositivos em alguns locais, como escadas,
que são fisicamente propícios à ocorrência de comportamentos marginais,
de modo a aumentar os níveis de conforto e de segurança. A criação de
uma imagem nocturna é também uma preocupação, devendo ser apelativa
e induzir “a uma identificação com o espaço e a uma apropriação mais ade-
quada do mesmo” (Neves e Gonçalves, 2009: 10).

Os bancos existentes no Largo, em pedra lioz, foram desenhados pelos ar-


quitectos e estão dispostos aleatoriamente, de modo a revelar aos utiliza- Fig.04.26 Iluminação e mobiliário urbano
dores as diversas perspectivas e pontos de vista que o Largo proporciona.

Drenagem

Relativamente à drenagem, esta é alvo de um projecto de infraestruturas


viárias da especialidade da engenharia, bem como a implantação altimétrica
do Largo do Intendente, reforçando a interdisciplinaridade existente. A dre-
nagem superficial ao longo dos arruamentos processa-se através de duas
linhas paralelas que se localizam entre a faixa de rodagem e o passeio ou o
estacionamento, que recolhe as águas pluviais através de sumidouros liga-
dos à rede unitária de colectores existente. O sistema de drenagem existente
na zona pedonal do Largo complementa o sistema referido anteriormente e é Fig. 04.27 Mobiliário urbano
composto por dois canais, um no sentido Norte/ Sul e outro no sentido

105
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

Poente/ Nascente, perceptíveis à superfície por uma tampa em aço galvani-


zado com um rasgo de 1,25 centímetros de largura. Em profundidade estes
canais devem ter uma pendente incorporada, nos casos em que o declive
longitudinal seja inferior a 0,5%, como acontece no sentido Norte/Sul.

Adenda

Em 2012 foi realizada uma adenda ao Projecto de Requalificação Urbanís-


Fig. 04.28 Sistema de drenagem integrado tica e Ambiental do Largo do Intendente/ rua do Benformoso, na altura em
no pavimento
fase de execução em obra, provocada pela introdução de uma alteração ao
projecto.

Esta alteração consiste numa peça escultórica da autoria de Joana Vascon-


celos, “Kit Garden”, desenvolvida no âmbito de um concurso de arte pública
lançado em 2003, inicialmente prevista para o Largo da Academia das Belas
Artes de Lisboa, e visava dotar o espaço de um equipamento urbano vivo e
funcional. Esta peça é composta por dois espaços com bancos em ripado
de madeira articulado delimitados por uma sebe que está contida por um
gradeamento e cumpre simultaneamente os papéis de escultura, banco e
Fig. 04.29 Kit Garden jardim. Esta escultura tem aproximadamente 13,5 metros de comprimento,
6 metros de largura e 1,5 metros de altura e requer condições específicas de
segurança.

O seguinte texto é a descrição da conceptualização da peça por parte da


autora: “A obra é composta por um elemento vegetal - a Murta - um elemen-
to arquitectónico - o ferro forjado - e um elemento de mobiliário - os bancos
em ripado de madeira. Uma guarda em ferro forjado, abraça todo o elemento
vegetal (a murta) assim como os diversos espaços de permanência criados
para o utilizador (os bancos), conferindo à peça um carácter de envolvên-
cia e protecção, capaz de transmitir a confiança necessária para convidar o
transeunte a marcar uma pausa no seu percurso urbano. As qualidades aro-
máticas da Murta acrescentam ainda uma outra dimensão à intimidade dos
espaços que a geometria da peça encerra. A escolha dos materiais utilizados
evoca de forma directa mas também irónica, o imaginário lúdico-romântico
associado à ideia de jardim, enquanto momento de desafogo no contexto da
vida urbana” (Neves e Gonçalves, 2012: 1).

Foi necessário então posicionar a peça no espaço de maneira a que esta


estabelecesse uma relação volumétrica com os elementos, previstos e exis-
tentes, do Largo. Alterou-se o pavimento da zona de implantação da peça,
previsto em pavimento de lióz, para calçada de vidraço “por constituir o pa-
vimento tradicional compatível com a concepção da peça e apresentar a
versatilidade necessária à sua instalação” (Neves e Gonçalves, 2012: 2).

Questionados se actualmente fariam o mesmo projecto, os arquitectos afir-


maram que, apesar de ainda não terem passado dois anos desde a conclu-
são da obra, e ser portanto “difícil avaliar os efeitos sentidos, é muito cedo

106
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

para tirar conclusões relativamente à dinâmica dos próprios espaços. A ci-


dade muda, e não controlamos, as razões pelas quais as pessoas escolhem
determinados espaços e movimentos” (Entrevista a Gonçalves, P., 2014), po-
rém utilizariam os mesmos princípios e ideias. Os arquitectos mostram-se
surpreendidos pela positiva, sendo que o consideram um espaço “simples
e modesto, sem nenhum elemento marcante, sendo que o esforço foi para
subtrair e não para adicionar”. “O seu sucesso depende da apropriação do
espaço. Esta utilização por parte dos habitantes é que torna os espaços
vividos” (Entrevista a Gonçalves, P., 2014). O espaço tem sido alvo de uma
grande manutenção de higiene urbana e do espaço verde.

Esta zona está ainda em processo de reabilitação, e para o arquitecto Paulo


Gonçalves este processo não é instantâneo, é lento e está em movimento.
Espera-se uma revitalização do Largo e de toda a envolvente, com as in-
tervenções quer ao nível do edificado, quer social. Foi referida a existência
de um projecto da arquitecta Inês Lobo, na Rua do Benformoso, que con-
siste numa mesquita com um programa complementar, que tem como um
dos princípios a permeabilidade entre a Avenida Almirante Reis e a Rua do
Benformoso. O Mercado do Forno do Tijolo está também a ser alvo de uma
intervenção. Segundo os arquitectos estas intervenções que estão previstas
vão valorizar a zona e contribuir para a sua mudança.

4.2.2 Estratégias complexas de reabilitação

O espaço público tem um papel central na revitalização desta zona, na


medida em que a sua requalificação proporciona um espaço mais seguro,
acolhedor, “limpo”, que não só traz mais gente a este bairro, reduzindo as-
sim a estigma de “guetização”, como refere a socióloga Estela Gonçalves,
mas também criando as condições ao aparecimento de actividades. Porém,
como foi visto no segundo capítulo, não é suficiente a qualidade do espaço
físico para que um local seja dotado de uma nova vida. São assim necessá-
rios uma série de outros factores, que dependem desse espaço e dos quais
o espaço também depende. Como Richard Rogers afirma na sua obra “Ci-
ties for a small planet”, o espaço público cria a noção de interesse comum
e responsabilidade (Rogers, 1997). Faz também parte da preocupação da
entidade pública fixar a população residente e melhorar as suas condições
de vida em relação com o tecido urbano.

Todos os actores envolvidos são assim muito importantes para a dinâmi-


ca social, económica e cultural do espaço, e para a revitalização do bairro,
reforçando a ideia de que não são suficientes as características do espaço
público. Alves e Costa referem a importância dos diferentes actores sociais
que estão directa ou indirectamente envolvidos no processo de reabilitação
urbana e como podem potenciar ou condicionar os processos de reabilita-
ção e definir as próprias linhas de acção (Alves e Costa, 1996).

107
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

A zona do Intendente está a ser alvo de uma intervenção muito importante


para a modificação da atitude face ao bairro, porém o passado desta zona,
que afastou as pessoas da vivência do espaço, ainda está muito presente
e marca inevitavelmente o dia-a-dia, sendo que este é ainda definido como
um local inseguro. Por um lado, a segurança influencia a ocupação de um
espaço, por outro depende dessa mesma ocupação da população. O de-
senvolvimento deve portanto ser integrado, atendendo às dinâmicas sociais,
e equilibrando a continuação das vivências mais autênticas e a necessária
adaptação à crescente procura cultural e turística.

A socióloga Estela Gonçalves esteve responsável pelo estudo sociológico


desde o ano de 2008 a 2011, tendo feito parte da equipa multidisciplinar que
acompanhou o projecto de requalificação descrito no ponto anterior. Quando
iniciou este estudo, o quadro que se apresentava era diferente do anterior,
marcado pelos Gabinetes Técnicos Locais que surgiram com o intuito de
contrariar o conceito de projecto macro, contudo as tarefas dos GTL eram
cumpridas. Em conversa com a socióloga, esta revelou que o primeiro con-
tacto com o bairro da Mouraria deu-se em 2002, altura em que a Mouraria
atravessava um fase bastante complicada, “em condições adversas, com
grande concentração de toxicodependentes e prostituição. Estes factores já
existiam, tendo-se agravado não só com a intervenção feita no Casal Vento-
so, que trouxe os toxicodependentes para o Largo, mas pela imigração da
África negra, de língua não portuguesa, que se verificou naquela altura e as
características do Largo, um espaço escondido e favorável a estas ocorrên-
cias” (Entrevista a Gonçalves, E., 2014).

O início do QREN veio, segundo a socióloga, criar uma sinergia positiva,


sendo que foi um processo dinâmico que se foi reforçando a si próprio. “Foi
um fenómeno fluido e rápido, com um extenso mapa de acontecimentos
culturais” (Entrevista a Gonçalves, E., 2014). Para esta, a diversidade de cul-
turas existente no bairro pode ter bastantes efeitos positivos, como a apren-
dizagem e conhecimento entre os grupos culturais, porém pode provocar a
segregação dos grupos. Paralelamente a este, o programa de desenvolvi-
mento comunitário da Mouraria, já descrito, não procura resolver o problema
de tráfego e consumo limpando e banindo os toxicodependentes do Largo,
mas sim minimizando as consequências negativas. Esta opção, segundo
Estela Gonçalves, é a que deve ser tomada, assim como os bares de alter-
ne, que foram reajustados e não eliminados. “Não se procura assim rejeitar
os grupos sensíveis mas sim integrá-los. A consciência da responsabilidade
que todos temos sobre o espaço público, sendo que este é o espaço mais
equitativo, e que a gestão cabe a todos nós. A vontade política, mais do que
a aplicação de um programa, foi muito importante” (Entrevista a Gonçalves,
E., 2014). Para Estela Gonçalves, a instalação do gabinete de António Costa
no Largo foi também um factor crucial para a visibilidade do Largo, ganhan-
do outra confiança por parte dos investidores.

108
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

Este processo de reabilitação urbana “induziu, (e induz) à criação de lógicas


de uso, apropriação e percepção do espaço do bairro bem como de novas
relações com a cidade. (...) Gradualmente o processo de reabilitação urbana
apropria-se da imagem pública do bairro e, curiosamente, tradicional e histó-
rico passam a ser associados a medieval, práticas antigas, multiculturalidade
e multietnicidade” (Menezes, 2012: 86).

No cenário social da Mouraria é possível observar diversas associações e


entidades não institucionais que agem nas diferentes dinâmicas sociais que
caracterizam o território. Algumas destas instituições lutam contra a exclu-
são social, com diversas iniciativas desde projectos que suportem as faixas
sociais mais frágeis, a acções de prevenção dos fenómenos de risco e mar-
ginalidade ou a promoção de actividades lúdicas e culturais para jovens e
idosos. Paralelamente, outras promovem e valorizam o património cultural
do território. Alguns dos promotores e colaboradores destas actividades não
habitam no bairro mas têm uma longa experiência nesse campo e conhecem
as dinâmicas sociais sobre as quais actuam.

Esse conjunto de parcerias é um dos objectivos principais desta intervenção,


“que ajude a fortalecer no tecido social dinâmicas próprias que favorecem a
regeneração dos territórios” (Costa, 2011).

Estruturou-se estas estratégias de reabilitação entre o domínio público e pri-


vado, na medida em que todas elas combinam o efeito de criatividade, nobi-
litação e espaço público, entendendo assim a relação entre os actores com
um papel decisivo na reabilitação do Largo.

Domínio público

O projecto de Requalificação Urbanística e Ambiental do Largo do Intenden-


te/ Rua do Benformoso, descrito anteriormente, é de investimento público,
por parte da Câmara Municipal de Lisboa e a sua gestão e manutenção
depende também do município. Foram criadas as condições, através do pro-
jecto para o espaço público, à instalação e desenvolvimento de actividades
e eventos. Foram inúmeros os eventos, exposições e feiras promovidos pela Fig. 04.30 Conclusão do projecto de
CML que ocorreram no Largo do Intendente nos últimos dois anos, sen- requalificação em 2012, numa altura em que
os projectos que revitalizam o Largo são
do que neste ano de 2014 estes acontecimentos intensificaram- se (cf. Fig.
escassos
04.30). Fonte:fugas.publico.pt

O festival TODOS- Caminhada de Culturas, aconteceu pela primeira vez em


2009, levando mais de 12000 pessoas ao Martim Moniz, e tem como prin-
cipal objectivo celebrar a cidade de Lisboa bairro a bairro, estimulando o
convívio entres os residentes, trabalhadores ou visitantes.

109
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

Este festival elegeu o território delimitado pelo Largo de São Domingos e


o Largo dos Anjos, com base na praça do Martim Moniz e passagem pelo
bairro da Mouraria, Rua do Benformoso e Largo do Intendente, pelas suas
características e tensões culturais, “riquíssimo para pensar a cidade e nela
intervir de dentro para fora e não de fora para dentro” (Abreu, 2010).

As principais ambições do festival TODOS são: “combater o preconceito e


o medo associado, convidar as pessoas de fora do bairro a visitá-lo calma-
Fig. 04.31 Concerto Orquestra TODOS e mente, porta a porta, estimular o convívio entre vizinhos de culturas diversas
alguns elementos da orchestra di piazza vit-
torio, Setembro 2012, Largo do Intendente e desconhecidas, implicar o poder político a ponderar com a comunidade as
Fonte: todoscaminhadadeculturas.blogspot.pt suas políticas para o bairro”. A participação activa dos habitantes e traba-
lhadores do bairro foi muito importante. Este acontecimento “parte da ideia
de que apesar das diferentes culturas e hábitos, a Mouraria é um todo. Este
é um festival de dimensão internacional, adaptado à escala do bairro, onde
ao longo dos dias é proposto um contacto com as culturas que habitam o
bairro, através de diversas artes, desde a música, ao teatro, à dança, assim
como a existência de workshops. O Festival tem como objectivo ”combater
o estigma da zona e a exclusão através de uma intervenção artística, aliada
à reabilitação urbana e social, aproximando e promovendo assim o convívio
entre as comunidades que habitam o bairro e as que o visitam” (Entrevista a
Fig. 04.32 Imagem da iniciativa, Julho 2012
Fonte: boasnoticias.pt Gonçalves, E., 2014).

Em Julho de 2012 realizou-se um programa de dinamização e celebração da


conclusão das obras de requalificação do Largo intitulado “Intendente - Re-
nasce um Largo para a Cidade” promovido pela CML em colaboração com
o LARGO Residências (cf. Fig. 04.32). Esta iniciativa incluiu música, teatro
e exposições com o objectivo de atrair gente para o renovado largo, numa
altura em que o projecto de reabilitação do espaço público fora concluído
recentemente.
Fig. 04.33 Yorn Intendente Skate Jam, Junho
2013
Fonte: www.cm-lisboa.pt O Yorn Intendente Skate Jam ocorreu em Junho de 2013 e procurou dinami-
zar o espaço público e atrair para aquele território população jovem assim
como promover a inclusão de jovens em risco. Em Julho desse mesmo ano
o Largo foi palco do MEO Out Jazz trazendo diversos grupos ao Largo e di-
namizando o local (cf. Fig. 04.33, 04.34).

Ainda nesse mesmo ano teve lugar no Largo o “Red Bull Santos Vertical”, no
âmbito dos Santos Populares onde o palco dos concertos é uma fachada
pombalina cujas varandas são ocupadas pelas bandas. Este evento repetiu-
-se pela segunda vez este ano devido ao sucesso do primeiro ano, trazen-
do muita gente a esta zona e contribuindo para a sua revitalização (cf. Fig.
04.35).

Fig.04.34 MEO Out Jazz, Julho 2013


Fonte: www.facebook.com/outjazz2012

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

No mês de Março deste ano a Câmara Municipal de Lisboa aprovou uma


proposta para a construção de uma residência de estudantes no Largo do
Intendente apresentada pela Estamo, uma imobiliária do Estado de capitais
exclusivamente públicos (cf. Fig. 04.36). Esta residência ocupa os números
57 e 58 do Largo do Intendente num palacete pombalino classificado como
Imóvel de Valor Concelhio e prevê-se que seja constituída por 239 quartos.
Num artigo do jornal Público, é feita referência à memória descritiva do pro-
jecto: “haverá lugar à manutenção da actual fachada, inalterada e recupe- Fig. 04.35 Red Bull o Santos Vertical
rada como uma ‘memória’ do antigo revestimento em azulejo, funcionando Fonte: www.redbull.pt

como ‘grande cenário’, atrás do qual se monta um edifício de características


bastante regulares, de revestimento em superfícies de vidro e reboco” (Pú-
blico, 2014). Segundo essa mesma notícia, os técnicos da Direcção-Geral do
Património Cultural aprovaram o projecto e consideraram que “a obra pro-
posta se harmoniza em termos volumétricos com a envolvente e não prejudi-
ca a fruição visual dos bens imóveis classificados próximos” (Público, 2014).

O vereador da Reabilitação Urbana, Manuel Salgado, afirmou em declara-


ções ao jornal PÚBLICO que este projecto é “importantíssimo” na medida
em que vai permitir “trazer gente nova para a Mouraria e o seu rejuvenesci- Fig. 04.36 Proposta de residência de estu-
dantes
mento”. Fonte: www.publico.pt

Domínio público / privado

Várias empresas público-privadas de regeneração urbana têm vindo a apa-


recer em toda a Europa, criadas com o intuito de gerir e implementar mais
efectivamente os projectos de regeneração urbana. Tem havido uma maior
preocupação na cooperação entre público e privado, sendo que o investi-
mento privado é um impulso importante para qualquer regeneração urbana e
gerir capital nas zonas centrais das cidades.

O projecto “Mouraria: as cidades dentro da cidade” é composto por diver-


sas obras e intervenções no âmbito do cruzamento de financiamentos dos
programas PIPARU, BIP/ZIP e o plano de Acção da Mouraria, aprovado pelo
QREN. Este investimento público teve o valor de doze milhões de euros,
sendo que oito são da parte da CML e quatro do programa QREN, que com-
participa os projectos em 40 %. Na impossibilidade de reabilitar todos os
edifícios em Lisboa, criaram-se condições para os proprietários terem inte-
resse económico na reabilitação. Estabelece-se assim uma relação público-
privado, com o aumento da segurança, a requalificação do espaço público
e de equipamentos para atrair assim o investimento privado. António Costa
afirmou, numa notícia publicada no jornal Público em 21 Outubro 2011, que
após a conclusão das intervenções do PIPARU, QREN e do programa muni-
cipal BIP-ZIP haverá ainda “um trabalho ciclópico a desenvolver”. Mas esse,
diz, “estará nas mãos dos privados” (Público, 2011).

111
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

Diversas medidas contribuíram para que a zona da Mouraria e do Intendente


deixassem, aos poucos, de ter “má fama” e passarem a ser vistos como
uma zona com potencial para investir e empreender. O programa BIP-ZIP, de
investimento público e gestão privada, designou este, e outros bairros, de
“bairro de intervenção prioritária” na sua Carta, ao contrário da denominação
de “bairro crítico”. Esta designação incrementou a forma como o programa
foi apreendido e apropriado. Nesta zona da cidade os projectos foram im-
pulsionados por jovens que apresentaram propostas ligadas à cultura, res-
tauração, eventos e ocupação do espaço público direccionados tanto para a
comunidade como para visitantes. As condições do programa – um ano para
propor o projecto, receber a aprovação e financiamento do mesmo, execu-
tá-lo e inaugurá-lo – e o desígnio acima referido, levaram a que esta área
recebesse várias candidaturas por parte de arquitectos, artistas plásticos ou
gestores “com saberes e ideias importadas de experiências paralelas pela
Europa, que viram no programa uma solução para a sua concretização nesta
zona, histórica, mas durante algum tempo algo “crítica”” (BIP-ZIP, 2013).

De seguida serão apresentados as associações e projectos existentes no


Largo do intendente ou com incidência neste. A descrição destes está feita
sob forma de “ficha”, dividida entre contexto, relevãncia e importância para
a revitalização desta zona e a dinamização proporcionada.

112
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

Associação Renovar a Mouraria


Contexto

A Associação Renovar a Mouraria nascida em Março de 2008 é considerada


uma das associações mais actuantes no bairro e foi um dos pilares do pro-
cesso de regeneração deste bairro. Ao longo dos anos tem sido procurada
maioritariamente por imigrantes, porém os moradores participam nos even-
tos de rua da associação. Esta tornou-se num parceiro estratégico da CML
na aplicação sociocultural do financiamento ao abrigo do QREN e em 2012
instalou-se na Mouradia - Casa Comunitária, espaço que acolhe a associa-
ção.

Relevância

Os objectivos desta associação são a dinamização social, cultural, turística e


económica do território através do desenvolvimento de acções que promo-
vam a revitalização urbanística do bairro e actividades artísticas, culturais e
de lazer.

Dinamização

A associação promove acções de acolhimento da população imigrante, ten-


do como base o princípio da integração intercultural e diversidade étnica, e
serviços educativos e de apoio à utilização de tecnologias de informação e
aulas de português para estrangeiros. O Gabinete da Cidadania visa ajudar
gratuitamente os residentes ou trabalhadores do bairro com processos de
legalização, traduções, preenchimento de IRS, arrendamento, etc. A asso-
ciação promove ainda diversos workshops e serviços de saúde a preços
mais acessíveis.

O jornal Rosa Maria é editado pela associação e existe desde 2010, sendo
distribuído no bairro porta-a-porta e noutros pontos da cidade nomeada-
mente em universidades, teatros e outros estabelecimentos culturais, co-
merciais e institucionais. Este é produzido duas vezes por ano, em Junho e
Dezembro e envolve não só jornalistas, fotógrafos, ilustradores e designers
gráficos mas também voluntários e moradores, sendo assim produzido por
todos os que queiram participar. Foi criado de modo a preservar e divulgar
o património histórico, humano e cultural do território. É ainda possível con-
sultá-lo on-line. Os primeiros quatro números do jornal foram financiados
em 80% por fundos europeus através do programa do QREN. Os números
seguintes foram suportados através de publicidade e pela Associação Re- Fig. 04.38 Jornal ROSA MARIA no2 e no7
Fonte: www.renovaramouraria.pt
novar a Mouraria.

113
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

O conteúdo do jornal incide sobre as pessoas e os acontecimentos da Mou-


raria, incluindo reportagens sobre a actualidade do bairro, entrevistas a res-
ponsáveis de organizações sociais, artigos sobre espaços de referência,
curiosidades, roteiros ou artigos de opinião, e também assuntos nacionais
e internacionais relacionados com os habitantes do bairro. A capa do jornal
tem sempre como protagonista um residente local.

Segundo um inquérito realizado no bairro junto de cinquenta pessoas, no


âmbito da avaliação “Contributo das intervenções do QREN para a inclusão
Fig. 04.39 Actividades na Mouradia social de indivíduos residentes em territórios urbanos problemáticos”, todos
Fonte:www.facebook.com/renovar.a.mouraria os habitantes da Mouraria conhecem o ROSA MARIA, sendo que 58% lê-
em-no regularmente e 30% já participaram, quer através de entrevistas ou
produzindo conteúdos. Relativamente aos motivos para ler o jornal, o acesso
gratuito a informação sobre o bairro, conhecer os novos projectos e eventos
no bairro e a ocupação do tempo livre são as principais razões, sendo que
aprender sobre outras culturas presentes no bairro e relembrar as memórias
do bairro e das suas gentes são as razões menos apresentadas (Barroso,
2013). 50% dos inquiridos têm conhecimento acerca da identificação das
pessoas que fazem o jornal.

O projecto “Mouraria para Todos” realiza visitas guiadas pelo bairro da Mou-
Fig. 04.40- Mercado na Mouraria
raria, e teve início em Março de 2014 com o apoio do programa EDP Solidá-
Fonte: www.facebook.com/renovar.a.mou-
raria ria da Fundação EDP. Este projecto tem uma especial atenção pelas pessoas
com necessidades especiais assegurando por exemplo a instalação de ram-
pas para pessoas com mobilidade reduzida.

É visível a diversidade de actividades que esta Associação desenvolve, as-


sim como o número de elementos envolvidos na equipa, o que representa
mais de uma dezena de postos de trabalho.

114
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

Casa independente nº45


Contexto

A Casa Independente encontra-se no Largo do Intendente, num antigo pala-


cete “onde ainda no Século XIX se discutiam valores da livre expressão, da
dessacralização da vida quotidiana e era promovida uma intensa actividade
cívica”. Este palacete era uma antiga Associação do Registo Civil, uma ins-
tituição anti-maçónica que foi encerrada em 1938 pelo regime ditatorial. A
Casa Independente é um projecto artístico da Ironia Tropical, uma Associa-
ção Cultural sem fins lucrativos, e fez parte do programa Bip-Zip do ano de
2012.

Relevância

Este projecto procura promover a participação dos cidadãos que vivem na


cidade e, em particular, no bairro dos Anjos/Intendente, desencadeando o
seu interesse, “apostando no desenvolvimento de estratégias colaborativas
e de trabalho em rede que mobilizem estes cidadãos e tirem partido das tec- Fig. 04.41 Pátio da Casa Independente
Fonte: timeout.sapo.pt
nologias (materiais e imateriais) disponíveis” (Casa Independente, 2012). A
Casa Independente pretende autonomizar-se economicamente criando par-
cerias com fundações, institutos e entidades, quer privadas quer públicas,
nacionais ou internacionais, rentabilizando e promovendo assim os recursos.

O projecto pretende ainda “assumir-se como um projecto sustentável e inte-


grado no desenvolvimento cultural e social da cidade a longo prazo” (Casa
Independente, 2012). Como descrito na ficha de candidatura ao programa
Bip-Zip, é objectivo deste projecto criar relações e fluxos culturais que am-
pliem outros mundos para dentro do bairro, sempre numa lógica de envolvi-
mento e assumindo um papel regenerador do tecido social. Fig. 04.42 Iniciativas no Largo, Julho 2013
Fonte: www.v-miopia.blogspot.pt

Dinamização

A Casa Independente tem três espaços distintos: uma grande sala, salas de
lazer e trabalho, uma cafetaria e um pátio (cf. Fig. 04.41). Desde a sua abertu-
ra que há uma programação regular com concertos, exposições, workshops,
encontros gastronómicos, procurando-se atrair os públicos a participar nos
diversos eventos. A oferta distintiva de acontecimentos pretende posicionar

115
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

o bairro Anjos/Intendente como um bairro exemplar e altamente atractivo


para a classe criativa (cf. Fig. 04.42).

A Tasca Tropical é a cafetaria existente na Casa Independente com um espa-


ço exterior e interior. Através da exploração deste espaço a Casa Indepen-
dente pretende autonomizar-se economicamente.

Fig. 04.42 Iniciativas no Largo, Julho 2013


Fonte: www.v-miopia.blogspot.pt

Bike-Pop nº 21

Contexto e Relevância

A cooperativa Cultural POST abriu em Novembro de 2013 o seu projecto


pioneiro, a Bike Pop, no Largo do Intendente. Este é um dos protocolos do
programa BIP-ZIP e recebe apoio da CML sendo que procura divulgar a cul-
tura da bicicleta enquanto meio de transporte em meio urbano.

Dinamização

A Bike Pop é constituída por uma oficina de manutenção de bicicletas, ac-


tividades desportivas e recreativas, cursos de aprendizagem de condução
e mecânica, aluguer de bicicletas e um posto selfservice de manutenção e
Fig.04.43 Bike-pop reparação de bicicletas. Desde a sua abertura têm ocorrido diversos eventos
como uma feira de bicicletas usadas, corridas e o espaço é cada vez mais
procurado por ciclistas e não só. Rosa Félix, do projecto Bike.Pop afirma que
“pessoas aqui do bairro, que não sabem andar de bicicleta, nos procuram
porque querem experimentar, dar uma volta para aprenderem e temos tido
uma boa receptividade” (RTP, 2014).

Fig.04.44 Actividades promovidas pela


cooperative POST
Fonte: www.facebook.com/bikepop

116
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

LARGO Residências Artísticas e Turísticas nº 19


Contexto

O projecto LARGO Residências Artísticas e Turísticas surge com a parceria


da Associação SOU, existente há uma década, e o programa Bip-Zip, do ano
de 2011, e situa-se no edifício de quatro pisos nº 19 do Largo do Intendente,
um edifício histórico que pertence aos herdeiros da Fábrica de Cerâmica Viú-
va Lamego. Este edifício esteve fechado desde a transferência da actividade
fabril para o exterior da cidade, há cerca de vinte anos e foi alvo de algumas
obras de restauro devido ao perigo de colapso da estrutura. A reutilização
do edifício foi diversas vezes discutida, sendo que se iniciaram as obras para
convertê-lo num restaurante porém o empreendimento foi descartado por
razões económicas.

A fachada é revestida a azulejos, uma parte com um padrão geométrico e


outra com motivos animais, paisagísticos e florais. Esta fachada mantém a
sua configuração original, excepto as janelas e a zona de entrada no piso
térreo. Ao contrário do que é visível do exterior, a organização interior sofreu
algumas alterações, de modo a se adaptar às exigências funcionais da resi-
dência, que não se adequavam ao open space que cada piso apresentava.
Na altura em que o Largo Residências se instalou no edifício ainda decorriam
as obras do último andar, por iniciativa do proprietário. A continuação do
projecto, ou seja o piso térreo e o primeiro andar, foi realizado pelo Atelier-
mob, que reduziu os custos da obra e acompanhou e apoiou a mesma. Após
o envolvimento dos arquitectos responsáveis, estes acabaram por se tornar
colaboradores deste projecto.

O Largo Residências possui uma equipa permanente que realiza um movi-


mento contínuo e horizontal, que habita o espaço público e se torna familiar
aos habitantes, comerciantes e outras instituições que se movem no ter-
ritório. Esta equipa tenta estabelecer uma ligação de familiaridade com as
pessoas “que lhes permita tornarem simultaneamente observadores, inves-
tigadores e interlocutores e que por isso fazem a ponte com actividades de
criação, formação ou lazer a desenvolver com eles, dentro de duas lógicas:
a mediação das vontades, ideias e desejos que os próprios manifestam e as
intenções ou processos que os artistas se propõem a com eles desenvolver”
(Largo Residências, 2013). Na carta de candidatura ao Bip-Zip, é referida a

117
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

consciência da morosidade do trabalho e a intenção de realizar um trabalho


profundo, em que o trabalho horizontal vai assegurar o trabalho vertical, dos
artistas que não possuem por vezes tempo para estabelecer relações pro-
fundas e alcançar a dimensão desejada dos projectos.

Relevância

O LARGO dá continuidade às actividades promovidas pela SOU, sendo que


Fig.04.45 Entrada LARGO residências os dois espaços funcionam em parceria e as suas linhas de acção cruzam-
-se. Por um lado, as formações promovidas pela associação trazem conhe-
cimento e mobilizam mais recursos humanos ao LARGO, por outro, as vi-
vências que ocorrem neste trazem uma nova dinâmica ao SOU. O edifício é
composto por residências artísticas com o objectivo de promover a cultura,
a criatividade e o aprofundamento do conhecimento acerca dos processos
de regeneração urbana sendo que proporciona as condições à criação de
diversos trabalhos quer de natureza artística diversificada como dança, tea-
tro, literatura, fotografia, quer em áreas do sector criativo mais geral, como a
antropologia, à sociologia e arquitectura. Estes trabalhos “deverão intervir a
vários níveis nesta zona de intervenção prioritária e ter como base de criação
Fig. 04.46 Yoga no Largo pelo menos um dos seguintes pontos de inspiração: o local, o património, a
história, as pessoas, as comunidades e as instituições” (Largo Residências,
2011).

Estes factores são considerados determinantes para o sucesso e sustenta-


bilidade dos processos de regeneração urbana, sendo que “a ideia central
deste projecto é alimentar um edifício onde se vive em permanente criação,
tanto para aqueles que estão de passagem num registo mais descompro-
metido, como para aqueles que estão em plena permanência e residência
(turistas e artistas)” (LARGO Residências, 2011). A abertura do bairro à ci-
dade constitui um dos objectivos, através da atracção de novos públicos e
a criação de novas vivências do espaço. Os recursos físicos existentes no
território envolvente, considerados sub-aproveitados, incentivam a criação
de actividades fora do LARGO, que potenciem as características naquele,
alarguem as suas ofertas e abram-nas a um novo público.

Fig. 04.47 Sonhos em Obra


Fonte: Largo Residências, 2012 Relativamente ao público que este local traz, a gestora do projecto Marta Sil-
va afirmou numa entrevista realizada no âmbito da dissertação que o objec-
tivo é que “pessoas de toda a parte do mundo e do país habitem este local
por aquilo que aqui acontece, mas queremos que o trabalho abrace muito
quem já cá está, porque é um bairro habitado e com uma variedade cultural
e simbólica e social enorme” (Entrevista a Silva, M., 2014).

Dinamização

A sustentabilidade do projecto é assegurada pela actvidade comercial que


inclui hotel, hostel e o café.

118
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

Os eventos e espectáculos de grande escala propostos, e que têm vindo a


acontecer, permitem a abertura do bairro à cidade e a criação de uma nova
perspectiva face a esse lugar. A diversidade de público obriga a organização
da oferta cultural em diferentes eixos temáticos de modo a atingir o principal
objectivo: a utilização do espaço público (cf. Fig. 04.46). Este ano já tiveram
lugar no Largo diversos eventos como a Poesia ao Largo, diversas mostras
de artes africanas assim como exposições de artistas.

É de realçar os projectos que ocorreram na abertura deste espaço, numa al-


Fig.04.48 Entrada LARGO Café e LARGO
tura em que o Largo ainda estava em obras, e que foram de certa forma uma Estúdio
alavanca para a revitalização da zona. O projecto INTENDENTE(S) foi conce-
bido por uma antropóloga e contou com a participação de vários habitantes
do Intendente. Estes retrataram através de fotografia o seu espaço diário
exterior, tendo sido realizada uma instalação artística em Julho de 2012. Esta
mesma antropóloga foi ainda responsável pela exposição ENTRE NÓS, re-
alizada em simultâneo em Paris. O projecto Sonhos em Obra realizou-se de
Setembro a Outubro desse ano e foi promovido por esta cooperativa e de-
safiou os moradores e visitantes a projectarem o que consideravam ser um
espaço ideal. Esta acção culminou numa exposição que ocorreu no número
23 do Largo, actual Vida Portuguesa (cf. Fig. 04.47). Fig. 04.49 Esplanada do LARGO Café

Todo o edifício abrange os escritórios e as residências de artistas, com ex-


cepção do primeiro piso constituído por quartos de hotel, onde anteriormen-
te funcionava a pensão mais movimentada do Intendente, e do segundo piso
que é composto por apartamentos para alugar.

Existem também residências turísticas, que promovem o intercâmbio de ex-


periências, conhecimento e cultura e sustentam o projecto, criando um “ciclo
de auto-sustentabilidade em que o que vem de fora- o turístico – alimenta o
que está dentro – o artístico e vice-versa” (Largo Residências, 2011). Lisboa
é um dos principais destinos de estadias curtas para descoberta cultural da
cidade, sendo que este turismo representa 60% do turismo em geral. As re-
sidências turísticas são assim um modelo de auto-sustentabilidade do ponto
de vista interno do projecto e do externo, com o desenvolvimento turístico
mais consolidado.

O LARGO Café-Estúdio situa-se no piso térreo, sendo que no lado esquerdo


encontra-se o LARGO Estúdio e no lado direito o LARGO Café (cf. Fig. 04.48,
04.49). O primeiro é um estúdio onde os artistas da residência trabalham e
expõem algumas criações, apesar do principal local programado para essas
exposições ser o próprio Largo. Este projecto pretende apresentar os tra-
balhos desenvolvidos por estes artistas ligando assim a comunidade com
a arte, e envolver estas actividades com o largo e o público, requalificando
assim o espaço físico. Paralelamente a esta requalificação procura-se mudar
o paradigma das dinâmicas socioculturais, criar relações e fluxos culturais
“que ampliem outros mundos para dentro do LARGO e para o largo, sempre
numa lógica de envolvimento e assumindo um papel regenerador do tecido
social” (Largo Residências, 2011).

119
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

O LARGO Café tem uma esplanada no Largo e está aberto aos envolvidos
no projecto e a todos os utilizadores do Largo do Intendente, pretendendo
“reconfigurar pontos de contacto entre os artistas e o público em geral, inte-
grando-se constante e continuamente nas dinâmicas quotidianas do LARGO
representando o ponto central de encontro entre todos.”

As duas frentes em que o projecto actua configuram o modelo de sustenta-


bilidade relativamente à regeneração socio urbanística assim como à auto-
nomização económica das actividades artísticas e culturais.

Avenida Intendente

Contexto

O projecto Avenida Intendente tem o apoio do Bip-Zip Lisboa 2013 e incide


no eixo rua do Benformoso- Anjos com o objectivo de integrá-lo. A reabilita-
ção do Largo do Intendente, que acolheu novos públicos e permitiu a insta-
lação de novos projectos, acentuou as diferenças entre este novo lugar e as
vias adjacentes. O eixo Benformoso – Anjos tem vindo a perder habitantes
e visitantes, e os negócios de rua foram decaindo pois perderam o público
tradicional e os pisos térreos foram abandonados. Este é um eixo pouco
permeável e comprido, o que fomenta as condições de insegurança, e ainda
marcado por uma fraca iluminação e pela degradação das fachadas e do
Fig. 04.50 Reunião do projecto
Fonte: www.facebook.com espaço público (cf. Fig. 04.50).

Relevância

Pretende-se impulsionar a vivência na rua, dando maior visibilidade ao co-


mércio, e potenciando um clima que favoreça a iniciativa local, o empreen-
dedorismo e a coesão social e atrair novos públicos, “estimulando a fixação
de mais actividades para esta zona da cidade expandindo a acção de re-
qualificação do Largo” (Avenida Intendente, 2013). A entidade promotora, o
atelier Artéria Arquitectura e Reabilitação Urbana, participa no Programa de
Desenvolvimento Comunitário da Mouraria desde 2011, onde realizou um le-
vantamento que envolveu a comunidade e apurou que “a rua não é atractiva
para circular porque causa um sentimento de insegurança, sem referências
orientadoras ao nível dos pisos térreos” (Avenida Intendente, 2013).

Dinâmização

É proposta a implantação de elementos de sinalização assim como poten-


ciar a ocupação dos pisos térreos, captando novos usos e dinâmicas, de
modo a criar novos pontos de interesse que contribuam para a revitalização
económica.

120
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

Domínio privado

O das Joanas Café nº 28


Contexto

Este café abriu em Julho de 2012 numa antiga taberna e foi dos primeiros
espaços a se instalar no renovado Largo. Nessa altura já estava instalado no
Largo o presidente da câmara António Costa. As duas sócias do projecto
adaptaram o espaço procurando sempre abri-lo ao Largo e colocaram uma
esplanada.

Dinamização

Neste espaço realizam-se diversos concertos, exposições e lançamento de


livros. Todos estes eventos realizam-se no espaço público, dinamizando a
vida do Largo. O das Joanas Café está aberto todos os dias, desde as 9
horas até as 23, ou 2 da manhã ao fim de semana.

Fig. 04.51 O das Joanas Café

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Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

A Vida Portuguesa nº 23

Contexto e Relevância

A loja A Vida Portuguesa abriu no Largo do Intendente em Novembro de


2013, e vende produtos de criação e fabrico portuguesa (cf. Fig. 04.52), cujas
marcas sobreviveram ao tempo. A loja ocupa o espaço onde funcionou a fá-
brica e armazém da Viúva Lamego cujo carácter é mantido, nomeadamente
os azulejos que revestem a parede. Catarina Portas, a gerente de A Vida Por-
tuguesa, aposta em novos sítios, observa a sua transformação e participa na
mesma. A intenção de Catarina Portas é trazer “os portugueses e os estran-
geiros” até ao Intendente, porém esta considera que apesar da reabilitação e
visibilidade que o Largo tem sido alvo “o Intendente ainda não é um circuito
comercial” (Público, 2013).
Fig. 04.52 Produtos de criação portuguesa
Dinâmização

Esta loja promove maratonas de leitura, debates, exposições, conferências e


visitas guiadas que têm divulgado o Largo e trazido mais gente a esta zona,
incluindo muitos turistas (cf. Fig. 04.53).

Fig. 04.53 Debates no interior da loja


Fonte: www.facebook.com

122
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

Loja do intendente- Produtos e territórios nº 13

Contexto

A 19 de Julho de 2013 foi assinado no Largo do Intendente um protocolo en-


tre seis associações de desenvolvimento regional que visa a abertura de um
espaço promocional dos territórios no piso térreo do nº 13 do Largo do Inten-
dente. A parceria entre as seis associações e o município de Lisboa aponta
para o apoio do município quer para a promoção junto da Associação de
Turismo de Lisboa e da EGEAC assim como apoio nos eventos que venham
a decorrer no Largo. A abertura deste espaço estava prevista para Dezem-
bro de 2013 porém nas diferentes idas ao Largo no decorrer da dissertação
o número 13 encontrava-se ainda fechado, sendo que estava colocado um
painel com a indicação da abertura da loja.

Dinamização

Prevê-se a existência de uma loja agroalimentar, uma cafetaria, uma zona


de exposições e um programa de animação associado. Apesar da loja ainda
não ter aberto, no dia 26 de Julho deste ano ocorreu um mercado de produ-
tos locais no Largo, iniciativa inserida neste projecto.

Fig.04.54 Painel na fachada da Loja

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Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

Sport Clube Intendente nº 52

Contexto

O Sport Clube Intendente situa-se no primeiro piso do nº 52 do Largo do


Intendente, no antigo palácio do intendente da polícia Diogo Inácio de Pina
Manique. Este clube nasceu em 1933 e actualmente é um espaço de conví-
vio de todas as pessoas do bairro.

Dinâmização

Este espaço oferece snooker, jogos de cartas e bilhar e ainda um salão nobre
para ensaios de bandas e outros projectos artísticos. O Clube conta ainda
com noites de fado, e aluga o seu espaço para festas de empresa ou te-
máticas. Este espaço funciona todos os dias à noite, excepto ao sábado e
domingo que abre às duas da tarde.
Fig. 04.55 Sport Clube Intendente

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

Associação Cultural SOU - Movimento e Arte

Contexto

SOU é uma Associação Cultural sem fins lucrativas fundada em 2004 numa
antiga loja dos Anjos. Em 2008 nasceu o espaço SOU com um estúdio, ca-
fetaria, esplanada, expositores e espaço para exposições no nº 73 da rua
Maria.

Relevância

Esta associação tem como principais objectivos oferecer formação nas áre-
as das artes performativas, dinamizar e promover actividades culturais e
acolher criadores de vários âmbitos artísticos. Como objectivos artísticos
prioritários foi definido pela associação SOU: “fomentar projectos artísticos
de qualidade, disponibilizar programação de qualidade e maioritariamente
gratuita e promover a qualidade de vida e a cidadania das populações lo-
cais” (SOU, 2008).

Dinamização

Uma das premissas deste espaço é a abertura das suas actividades a todos.
Estas actividades procuram acolher colectivos e indivíduos para apresenta-
rem neste espaços os seus trabalhos, ideias e criações. Este espaço desta-
ca-se pelo facto de receber propostas criativas muito diversificadas, adap-
Fig. 04.56 Espaço SOU
tando-se assim a diferentes formatos. O Curso de Artes Performativas (CAP) Fonte: www.facebook.com
foi criado em 2009 e desde então que promove a formação em diversas
áreas nomeadamente a dança, teatro, música e performance. No ano lectivo
de 2013/2014 o SOU criou o Curso Anual de Produção nas Artes do Espec-
táculo, e proporcionou diversos workshops, como teatro, liderança e gestão
de equipas, voz e movimento entre outros. O Largo Residências, já descrito,
é uma iniciativa do SOU, em parceria com a Câmara Municipal de Lisboa.

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Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

Bairro Intendente

Contexto

O Bairro Intendente assume-se como o B.I. da zona do Intendente: “O In-


tendente cresceu e já tem B.I. é o Bairro Intendente. Tudo o que se passa
no Intendente está aqui!” (Colectivo B.I., 2014). Este é um colectivo criado
em Maio deste ano e constituído pelas entidades sócio-culturais e pelo co-
mércio sediados no Largo do Intendente, na Rua dos Anjos e na Rua do
Benformoso. O Colectivo integra não só os que se instalaram recentemente
como os que já existem há muitos anos. “Entre o passado e o presente, e
acompanhando a transformação urbana dos últimos anos, vivemos intensa e
transversalmente um Intendente que gostaríamos de dar a conhecer em toda
a sua multiplicidade” (Colectivo B.I., 2014).
Fig. 04.57 Agenda B.I. de Maio
Fonte: www.facebook.com/bairrointendente/
info Dinâmização

O Bairro Intendente comunica o que é oferecido no Bairro, o que é organiza-


do pelo Colectivo e a programação cultural, publicando uma “AGENDA B.I.”
mensal com todos os acontecimentos deste “bairro” (cf. Fig. 04.57).

O Festival “Intendente em Festa” decorreu no mês de Julho deste ano e foi


promovido pela associação Bairro Intendente. Todas as sextas, sábados e
domingos ocorreram diversas iniciativas no âmbito do cinema, dança, músi-
ca, performances, teatro, exposições, ateliers e feiras (cf. Fig. 04.58, 04.59).
Fig.04.58 “B.I. Cerâmico”, realizado num O Festival surge com o objectivo de dar a conhecer aos moradores e visitan-
atelier de cerâmico no âmbito do Festival tes o “Bairro Intendente”.
Bairro Intendente em Festa.
Fonte: www.facebook.com/bairrointendente/
info

Fig.04.59 Mandela Day no Largo do Intendente no âmbito do Festival Bairro Intendente em Festa.
Fonte: vimeo.com/101288597

126
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

Sobre o largo

Tal como ocorreu no ponto anterior deste capítulo, considerou-se pertinen-


te demonstrar a evolução que teve a divulgação do Largo na comunicação
social, uma vez que para muitas pessoas esse é o único contacto que têm
com este território, ainda distante no imaginário de cada um. Em 2012 inten-
sificam-se as notícias acerca do Largo, e as opiniões sofrem uma mudança
radical.

Fig. 04.60 Cronologia das notícias sobre o Largo do Intendente

127
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

O seguinte esquema sintetiza as principais fases do processo de reabilitação


do Largo do Intendente, sendo que se destacou o que se considera ser mais
importante para a revitalização da zona.

Fig. 04.61- Esquema síntese do processo de reabilitação no Largo do Intendente

4.3 A sustentabilidade da intervenção

Actualmente passaram três anos desde o início da requalificação da Mou-


raria e já são feitos alguns balanços. Os principais instrumentos de financia-
mento desta transformação- o Programa de Acção do Quadro de Referência
Estratégico Nacional (QREN) e o Programa de Desenvolvimento Comunitário
da Mouraria (PDCM) - estão em vigor até ao fim deste ano e torna-se impor-
tante não só avaliar a sua execução como reflectir acerca da sustentabilida-
de deste processo.

A mudança sentida no bairro é visível e subjectiva porém é quantificada atra-


vés das obras feitas e a iniciativas concretas no âmbito dos programas re-
feridos anteriormente e do Programa de Investimento Prioritário em Acções
de Reabilitação Urbana e do Programa BIP/ZIP. Foram investidos cerca de
13,5 milhões de euros: 2,5 milhões foram aplicados à revitalização urbana e
11 milhões destinaram-se à reabilitação física, nomeadamente 8 milhões em
em edifícios e 3 milhões em espaço público. João Meneses, coordenador do

128
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

Gabinete de Apoio ao Bairro de Intervenção Prioritária (GABIP), considera


que o balanço é positivo e que a taxa de execução esteve na ordem dos
95%.

Está actualmente em curso uma segunda fase do plano de intervenção, que


prevê a realização de algumas obras como a Praça da Mouraria e a Oficina
da Guitarra Portuguesa assim como a extensão da intervenção às ruas ad-
jacentes contagiando assim o território, tirando partido da dinâmica gerada
e privilegiando o aspecto social. Foi proposto ainda alargar a reabilitação do
espaço público do Largo do Intendente ao troço final da rua dos Anjos, actu-
almente ocupada por vários bares e estabelecimentos associados à prática
da prostituição.

Na tentativa de compreender a opinião dos habitantes e moradores acerca


desta intervenção, consultou-se um inquérito realizado no fim do ano de
2012 pela Associação Renovar a Mouraria acerca das expectativas em re-
lação às obras no bairro. As opiniões são diversas, sendo que a maior par-
te dos inquiridos evocou a esperança que as obras tragam mais gente ao
bairro, inclusive turistas, e que este ganhe mais alma. A circulação, quer
automóvel quer pedonal, é também um ponto muito referido, sendo que é
demonstrada satisfação com o impedimento de acesso ao trânsito em algu-
mas ruas, porém a falta de estacionamento é um ponto negativo apontado
por alguns comerciantes e moradores.

Numa entrevista realizada pelo Jornal Rosa Maria à Presidente da antiga


Junta de Freguesia de Socorro, Maria João Correia, esta refere que a requali-
ficação do Largo do Intendente foi uma obra que tardou a começar mas que
trouxe muitos benefícios, tendo “sido transversal. Começou no Intendente
mas tem vindo a descer até à Mouraria” (Correia, 2012). Paralelamente a essa
requalificação, Maria João Correia refere que existia a ideia e preconceito de
que nada acontecia naquela zona, “hoje a Mouraria é onde tudo acontece”.
Questionada acerca da sua visão da Mouraria daqui a cinco anos, a Presi-
dente afirma que “vejo-a como um sítio agradável para se viver. Estão a ser
criadas as infraestruturas” (Correia, 2012).

Relativamente às declarações feitas há dois anos quer pelos habitantes quer


pela presidente da Junta de Freguesia, verifica-se que as obras de reabilita-
ção trouxeram efectivamente mais gente ao Largo, nomeadamente a vinda
de estrangeiros que dinamizaram o bairro e abriram alguns horizontes (Cor-
reia, 2012). Contudo, a falta de estacionamento continua a ser um ponto
apontado por habitantes e trabalhadores do bairro.

O conceito de sustentabilidade vai para além do termo exclusivamente am-


biental, na medida em que a sustentabilidade da intervenção de reabilitação
e revitalização é muito importante para consolidar as condições urbanísticas,
sociais, económicas e culturais necessárias à vitalidade e manutenção deste
espaço.

129
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

O processo de reabilitação deve assegurar a adaptação e revitalização não


só das estruturas edificadas mas também dos elementos imateriais, dos ac-
tores locais e das relações que ocorrem. Esta sustentabilidade está depen-
dente, entre outros, da fixação da população residente, da preservação da
integridade dos valores patrimoniais, da existência de actividades econó-
micas que garantam a vitalidade desta zona, a utilização do edificado pre-
sente, com usos variáveis, instrumentos de gestão territorial adequadas e
a manutenção da qualidade ambiental urbana. Todos estes aspectos estão
considerados nos planos em vigor, porém uma vez que estes terminem a sua
continuação deve ser assegurada.

Actualmente, o Intendente faz parte da rota de turismo e da noite de Lisboa,


“está na moda” (Entrevista a Gonçalves, E., 2014) levantando assim algumas
questões pertinentes.

Como referido pela socióloga, por um lado deve-se questionar qual o pú-
blico-alvo desta intervenção, sendo que “a fluidez e quantidade de hostels
que abriram recentemente é um elemento positivo na inserção e interação
de culturas, porém pode colidir com a população existente, com tendência a
envelhecer, apesar da população em idade activa ter aumentado nos últimos
anos” (Entrevista a Gonçalves, E., 2014).

Por outro lado, o facto de o bairro estar “na moda” pode ser perigoso e co-
loca diversos desafios. Contudo a história do bairro é uma mais-valia para o
turismo mais tradicional, como por exemplo com a existência da fábrica dos
azulejos Viúva Lamego. Estela Gonçalves afirma que “actualmente as práti-
cas sociais não são modeladas pela estrutura familiar, escolaridade, classe
social, mas sim pelos fluxos de moda, pelo que o gosto pelo “exótico” deve
ser vivido com respeito e com a consciência da dignidade humana” (Entre-
vista a Gonçalves, E., 2014). A socióloga refere ainda o exemplo do Bair-
ro Alto, que teve várias vagas, que se foram adaptando e sobrevivendo ao
passar dos anos, ao contrário do que muitas pessoas defendiam, provando
que este território se deve re-inventar e adapatar constantemente com as
práticas e costumes das sociedades.

O segmento social que valoriza os “bairros antigos” para residir, privilegiando


a procura da autenticidade e da cultura de vida de bairro e abertos à di-
versidade e multiculturalidade é um factor de sucesso na transformação do
Intendente. Este grupo é constituído geralmente por jovens adultos “com es-
colaridades superiores correspondem às novas gerações que fizeram a sua
escolaridade em ambiente aberto, preferencialmente posicionando-se como
“europeus” e trazem consigo a experiência de convivialidade cosmopolita
que o programa Erasmus lhes proporcionou, sendo já “socialmente mistu-
rados” em torno de casais e grupos de amigos, detêm uma prática urbana
permeável aos “outros”” (Gonçalves, 2013: 5).

130
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

Os grupos presentes nas associações e implicados na intervenção local que


contribui para o desenvolvimento social são um factor favorável à desgueti-
zação e revitalização da zona e um factor positivo para a sustentabilidade da
intervenção. Segundo Estela Gonçalves estes grupos possuem experiências
profissionais ligadas “à nova economia do conhecimento, como professo-
res, investigadores, professores universitários, trabalhadores das indústrias
criativas, intelectuais “implicados”, profissionais da comunicação, da publi-
cidade, arquitectura ou design, artes plásticas...” (Gonçalves, 2013: 4) e ad-
miram as culturas populares, propondo até acções introduzindo contributos
e revisitações estéticas das antigas tradições culturais.

Importa também perceber o cenário esperado para este território tendo pre-
sente o contexto actual de acontecimentos que se sucedem semana após
semana neste espaço.

Na entrevista realizada à socióloga Estela Gonçalves, questionada acerca de


um possível cenário futuro para a Mouraria, a socióloga admite que a Mou-
raria “já foi alvo de muitos processos que não tiveram continuidade, o que
tornou as pessoas sépticas em relação a uma possível reabilitação do bairro.
Apesar da crise que se faz sentir o processo decorrente não tem regredido e
o efeito positivo do Intendente estende-se ao longo dos Anjos e da Almirante
Reis, o que é um bom indício para o futuro da zona” (Entrevista a Gonçalves,
E., 2014).

Em resposta a essa mesma pergunta, os arquitectos Paulo Gonçalves e


Maria Cristina Neves afirmam que o facto de só terem decorrido dois anos
desde a conclusão da obra torna difícil avaliar os efeitos sentidos, sendo
que “a sustentabilidade do projecto vai depender da utilização por parte dos
habitantes pois só isso torna o espaço vivido, assim como da manutenção
de higiene urbana e do espaço verde” (Entrevista a Gonçalves, P., 2014).

Finalmente, assim como a instalação do Gabinete do Presidente da Câmara


no Largo do Intendente foi um sinal de que a vida e configuração do Largo
iriam ser alteradas assim como da vontade política em intervir nesta zona e
o aumento da segurança e manutenção, a saída de António Costa em Março
deste ano é vista como um retorno à normalidade da Mouraria, julgando-se
que os desafios que esta zona irá enfrentar iniciaram-se nessa altura. Costa
afirmou nessa altura que “é sinal que deixámos de viver um período de ex-
cepção na Mouraria, que, depois de iniciada a intervenção de reabilitação,
começa a voltar à normalidade” (O Corvo, Março 2014).

A preocupação com a sustentabilidade é demonstrada por todos os actores


intervenientes directa ou indirectamente na revitalização da zona, sendo que
em Julho de 2014 era noticiado que “António Costa quer ver o Largo do In-
tendente com mais cafés para que assim possa garantir a continuidade do
processo de reabilitação urbana em curso naquela zona” (O Corvo, Julho
2014).

131
05 . CONCLUSÕES
CONCLUSÕES 05
Neste capítulo são revistos os objectivos e o desenvolvimento do tra-
balho e elaborado um quadro crítico em relação ao objecto de estudo,
bem como o possível desenvolvimento deste processo.
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

A presente dissertação teve como objectivo compreender e aprofundar os


efeitos e potencialidades da adopção de uma estratégia de reabilitação ur-
bana integrada e multidimensional na regeneração de áreas centrais depri-
midas, tendo como objecto de estudo o Largo do Intendente em Lisboa.
Pretende-se assim contribuir para uma avaliação crítica dos processos de
reversão sócio-urbana, determinando os motores políticos, económicos,
financeiros e culturais da inversão/reversão destes tempos e espaços re-
cessivos e estudando o efeito combinado de criatividade, espaço público e
nobilitação.

Num primeiro momento da dissertação enquadrou-se a reabilitação urbana


estudando a evolução das suas políticas, nomeadamente a nível nacional,
tendo-se passado depois ao nível da cidade de Lisboa. Procurou-se perce-
ber a aposta estratégica desenvolvida pela CML e a intervenção municipal
através de processo participativo em Bairros e Zonas de Intervenção Priori-
tária assim como alguns exemplos de intervenção integrada.

Num segundo momento do trabalho foi dado enfoque ao objecto de estudo


da dissertação: o Largo do Intendente. Procurou-se numa primeira parte en-
quadrar o Largo no território em que se insere e no Plano de Urbanização e
Programa de Acção da Mouraria. Esta intervenção desenvolve-se segundo
dois eixos: o primeiro diz respeito à requalificação ambiental intervindo a ní-
vel do espaço público, o segundo dirige-se à revitalização socioeconómica,
assente num plano de desenvolvimento social.

A estratégia combinada que reúne espaço público, criatividade e nobilita-


ção no sentido de tornar mais eficazes os processos de reabilitação urbana
teve efeitos, ainda que sejam a curto prazo, bastante positivos supondo-se a
possibilidade de utilizar a mesma abordagem concertada entre vários agen-
tes, coordenados pela autarquia, para a reconversão de outras zonas de-
gradadas da cidade (O Corvo, Março 2014). O Largo do Intendente ilustra a
evolução do conceito de reabilitação urbana, apresentando uma perspectiva
multidimensional deste, em contraposição a intervenções unidireccionais. As
vantagens da adopção de estratégias complexas e integradas são visíveis,
na medida em que espaço público e criatividade se complementam e criam
sinergias indutoras de nova vida.

Relativamente ao caso estudado, considera-se que a componente artísti-


ca tem um papel fundamental para a regeneração urbana, sendo que as
actividades criativas criam diferentes dinâmicas e aglutinam grupos sociais
com diferentes interesses. A população “artística” que se instala no Largo
é potenciadora da revitalização, criando novos estímulos para a população
local, por exemplo na educação uma vez que o nível de insucesso escolar
da Mouraria é elevado. Esta nova população tem interesse pela tradição de
bairro, com um ambiente acolhedor e de proximidade, pela diversidade e
troca de culturas. Contudo, alguns destes novos moradores muitas vezes
não participam desta vida de bairro pois durante a semana estão ocupados
com as suas actividades profissionais e aos fins-de-semana saem do bairro
(Menezes, 2011).
134
O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

O uso do espaço público do Largo nas diversas actividades e esplanadas


que nele se instalam é um factor importante para a revitalização da zona,
pois tal como muitos autores defendem, é na esfera pública que se vive a
cidade e a própria cidadania. A arquitectura tem aqui um papel importante,
na medida em que proporciona o retorno ao Largo pela sua qualidade física:
um espaço versátil.

Tendo como base outros exemplos na cidade de Lisboa, torna-se sonante a


diferença relativamente à participação do domínio público, quer nas inicia-
tivas da própria Câmara Municipal, quer nos apoios dados a projectos que
se instalam na zona. Tomando o exemplo do Cais do Sodré, é visível que a
maioria das iniciativas é de cariz privado. Esta questão demonstra, por um
lado, a importância da participação pública nesta zona, em tempos degra-
dada e no esquecimento de grande parte dos habitantes da cidade, atraindo
a nova população e investimento privado; por outro lado, os programas de
apoio à reabilitação, como a estratégia BIP/ZIP, exigem a responsabilidade
por parte da entidade promotora, na garantia da sustentabilidade e financia-
mento futuro dos projectos. Já com uma duração de aproximadamente dois
anos, alguns destes projectos estão numa fase de autofinanciamento sendo,
por isso, importante manter e criar instrumentos que garantam a continuida-
de das estratégias que têm requalificado e revitalizado esta zona.

Dois anos após a conclusão do projecto de requalificação do Largo e do


aparecimento sucessivo de projectos com o intuito de dar uma nova vida ao
Largo, desde residências artísticas, hostels ou estabelecimentos comerciais
e de restauração, o balanço é muito positivo e as vantagens que esta rea-
bilitação produziu são visíveis. Marta Silva considera que este processo foi
gradual, o que contribuiu para o sucesso do mesmo (Entrevista a Silva, M.,
2014). É de ressaltar a importância que a população e as associações locais
tiveram e têm neste processo, na discussão do plano, no estabelecimento de
actividades e na própria gestão dos espaços. Esta participação demonstra
uma mudança de atitude por parte dos poderes políticos, reconhecendo a
mais-valia de trabalhar com os locais tirando partido da sua ligação e conhe-
cimento do bairro e por consequência do seu tecido social. Nos diferentes
estudos realizados a este território, a percepção dos habitantes da Mouraria
acerca do projecto de requalificação é sempre positiva, dando importância
ao trabalho desenvolvido no espaço público que lhes permitiu usufruir em
pleno deste espaço.

É esperado que estes territórios históricos, uma vez reabilitados, tragam no-
vos moradores, actividades económicas e em consequência o aumento dos
valores imobiliários. o que leva à especulação imobiliária dos edifícios reabili-
tados, levando à subida da renda que impossibilita a ocupação por parte dos
habitantes, nomeadamente os jovens do bairro, que optam por deixar o bair-
ro e residir em novas urbanizações. Podemos considerar que os gentrifiers
são também a população que usufrui dos eventos e actividades que têm

135
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

ocorrido nesta área, sendo que Marluci Menezes define-os de “gentrifiers efé-
meros” (Menezes, 2011). Este aspecto coloca algumas questões relativamente
à identidade comunitária que esta nova entidade terá, assim como as conse-
quências que traz a entrada de novos indivíduos atraídos por novas possibili-
dades de exploração e modos diferentes de apropriação do espaço público. A
Associação Renovar a Mouraria tem um papel importante na moderação dos
efeitos causados pela nobilitação, na medida em que alia e relaciona os novos
moradores com os antigos, tirando assim partido das tradições e do tecido lo-
cal com as vantagens que o fenómeno da nobilitação traz.

Esta vinda de novos indivíduos deve-se por um lado à atracção por zonas histó-
ricas da cidade, pelo seu património e “vida de bairro”, por outro lado a existên-
cia de equipamentos potenciadores de actividades criativas, nomeadamente a
Casa Independente e o LARGO Residências, é factor de atracção de determi-
nados grupos. Julga-se pertinente a interrogação acerca da gestão de imple-
mentação de novos equipamentos assim como a acessibilidade aos mesmos
por parte dos diferentes grupos sociais presentes no território. A directora do
LARGO Residências, Marta Silva, afirma que o Largo é usufruído pelos habitan-
tes da Mouraria e da freguesia do Socorro, que apesar de não viverem no local
se apropriam deste.

Reflectindo acerca das questões que este estudo colocou, considera-se que a
existência de serviços no Largo para a população envolvente (por exemplo um
centro de saúde, uma repartição de serviços administrativos, etc) fosse talvez
uma estratégia integradora de toda a população da zona envolvente, proporcio-
nando a troca de conhecimento entre todos os que usufruem daquele território
tão complexo. A preocupação com a integração e permeabilidade social com
a envolvente, e a cidade, deve merecer uma atenção especial, de modo a que
o Largo não se torne num lugar alienado do território que o envolve, apesar de
estar espacialmente muito próximo deste.

Esta dissertação constitui apenas uma contribuição para o estudo do papel da


reabilitação urbana e respectivas dinâmicas em zonas degradadas da cidade,
pelo que se considera interessante a possibilidade de novos desenvolvimentos
nesta área de modo a entender, com a distância temporal necessária, quais os
contributos e sustentabilidade desta intervenção e a sua integração social e
urbana com a cidade. A reabilitação implica um compromisso entre diversos
actores pelo que seria interessante avaliar o papel que cada actor, público ou
privado, representará futuramente neste espaço, assim como o papel das pró-
prias dinâmicas.

A questão da reabilitação urbana, nas múltiplas dimensões e tempos que esta


engloba, continuará a ganhar importância. O papel do arquitecto, em conjunto
com outras áreas e estratégias de planeamento, revela-se muito importante na
tentativa de encontrar soluções potenciadoras de nova vida nos espaços mais
segregados da cidade, garantindo também a sustentabilidade das intervenções
numa sociedade em constante evolução. É importante a colaboração entre ad-
ministração pública, entidades privadas, arquitectos e outros actores de modo
a dar resposta aos desafios cada vez maiores que as cidades colocam, pois
136 estes inferem directamente na vida social e económica da cidade.
Referências Bibliográficas 06
Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

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Outros

Entrevista realizada à arquitecta paisagista Maria Cristina Pinto Cardoso Neves no âmbito da disser-
tação, 2014.

Entrevista realizada à socióloga Maria Estela Gonçalves no âmbito da dissertação, 2014.

Entrevista realizada à directora do LARGO Residências, Marta Silva no âmbito da dissertação, 2014.

Entrevista realizada ao arquitecto Paulo Mendes Gonçalves no âmbito da dissertação, 2014.

Intervenção de Gonçalo Byrne na conferência “Reabilitar Lisboa, Para quê e para quem?” no âmbito
da Semana da Reabilitação Urbana, Lisboa, 21 Março 2014.

Intervenção de João Appleton na conferência “Reabilitar Lisboa, Para quê e para quem?” no âmbito
da Semana da Reabilitação Urbana, Lisboa, 21 Março 2014.

Intervenção de João Santa-Rita na conferência “Reabilitar Lisboa, Para quê e para quem?” no âmbito
da Semana da Reabilitação Urbana, Lisboa, 21 Março 2014.

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