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Comitês de Empresa,

Cogestão e Cooperativas: o
fortalecimento político-
econômico dos
trabalhadores
Publicado em 11/02/2020Escrito por Felipe Maruf QuintasLido 6733 vezes

Ao contrário do que apregoam as teorias econômica e administrativa


liberais,

a história moderna demonstra a variedade de formas de


propriedade e de gestão para além da dicotomia propriedade
privada vs. propriedade estatal.

Em muitos países desenvolvidos ou emergentes, é frequente a


forma cooperativa de propriedade, na qual os trabalhadores
organizados administram por conta própria os negócios em que
trabalham. Também são comuns, tanto nas empresas privadas
quanto estatais, os “Comitês de Empresa” (Works Councils, em
inglês, e Comités de Empresa, em espanhol), organismos à
parte dos sindicatos e eleitos por todos os trabalhadores. Em
geral são definidos e regulamentados por legislação. Cumprem
a função de representar os trabalhadores na deliberação dos
assuntos da empresa. Os empregadores são obrigados, por lei,
a abrirem aos Comitês de Empresa e discutir com eles todas as
informações sobre novos investimentos, planos de
reorganização da produção, contratações, demissões,
transferências, jornada de trabalho, segurança e condições
sanitárias.

Em muitos desses países há, também, a chamada Cogestão,


ou seja, a especificação legal da representação direta dos
trabalhadores no conselho-diretor das principais empresas,
estatais e privadas. Infelizmente, essas modalidades de
participação trabalhista são ausentes ou enfraquecidas no
Brasil.

Apesar de uma longa tradição no pensamento social brasileiro


favorável ao cooperativismo em larga escala e à participação
dos trabalhadores na administração das empresas, como na
obra do engenheiro positivista Aarão Reis (1853-1936), grande
influenciador de Getúlio Vargas, e do pensador e senador
trabalhista Alberto Pasqualini (1901-1960), o cooperativismo e
o protagonismo dos trabalhadores na gestão empresarial
jamais foram implementados de maneira abrangente e efetiva
no Brasil.

No âmbito da indústria de alta complexidade, o cooperativismo


industrial e os Comitês de Empresa mostraram-se favoráveis à
eficiência e à competitividade das firmas na mesma medida em
que contribuíram para reduzir as desigualdades políticas e
econômicas entre o capital e o trabalho e para aumentar a
participação e o envolvimento dos trabalhadores nas questões
cruciais das empresas. São de se notar os seguintes aspectos
do cooperativismo e da representação de trabalhadores na
indústria:

- nacionalismo: ao contrário dos capitalistas, que, via de regra,


procuram abolir as fronteiras econômicas nacionais para migrar
seu capital para onde for mais lucrativo independentemente de
considerações sociais e econômicas coletivas, os
trabalhadores, por estarem envolvidos com a comunidade a
qual pertencem e nela se envolverem pelo trabalho, têm
interesse em preservar os empregos e os aperfeiçoamentos
tecnológicos no interior do País ao qual pertencem;

- desenvolvimentismo: os trabalhadores, ao contrário dos


capitalistas - cada vez mais associados a práticas financistas e
contrárias à produção -, interessam-se diretamente pelo
aumento da produtividade, que torna a empresa mais forte e,
portanto, aumenta os seus rendimentos e o seu poder de
barganha nas relações comerciais com outras empresas. Uma
maior confiança recíproca entre os trabalhadores e a
administração também favorece a harmonia e a cooperação
necessárias ao desenvolvimento produtivo. Por fazerem parte
do comando das empresas, a possibilidade de greves é, a
princípio, afastada. Isso possibilita uma maior continuidade e
previsibilidade das operações e transações, impactando
positivamente na produtividade e beneficiando os
trabalhadores e o seu País;

- redistributivismo: ocorre uma democratização da


administração e relações de comando, ao impedir a
concentração do poder decisório nas mãos dos capitalistas
privados e ampliar a capacidade dos trabalhadores de
adaptarem os métodos de gestão às necessidades da firma em
que trabalham e da comunidade em que vivem. Além disso,
impede, no conjunto do País, a concentração de poder político
e econômico tanto no “mercado” quanto no Estado,
socializando a esfera da produção e tornando-a acessível à
sociedade;

- pedagogia trabalhista: ao se envolverem diretamente na


administração e no controle de grandes empresas industriais,
os trabalhadores formulam e adquirem, de maneira autônoma,
conhecimentos sobre o funcionamento econômico e suas
relações com a política e a sociedade. Tornam-se, assim,
menos vulneráveis à propaganda financeira, divulgada pela
grande mídia, que legitima a concentração de poder nas mãos
de poucos indivíduos e corporações descompromissados com
a Nação na qual vivem ou nasceram. A elevação qualitativa da
consciência dos trabalhadores favorece uma maior capacidade
de organização e reivindicação por parte deles, além de
habilitar suas organizações de classe a cooperarem em alto
nível com o Estado e as autoridades públicas, tornando-se
agentes não meramente classistas mas, também, de
construção nacional.

Alguns casos são bastante elucidativos sobre as vantagens,


para os trabalhadores e seus países, do cooperativismo e da
participação dos trabalhadores na administração das
empresas:

- Alemanha: a Lei de Cogestão (Mitbestimmungsgesetz),


estabelecida em 1976, determina que todas as empresas
(exceto as “ideológicas”, ou seja, artísticas, culturais,
educacionais, religiosas e de mídia) com 500 a 2 mil
empregados devam ter 1/3 da sua diretoria ocupada por
representantes dos trabalhadores e, acima de 2 mil
empregados, metade da diretoria deve ser preenchida por
representantes dos trabalhadores.

A prática de representação operária na administração das


empresas é antiga. Remonta, em nível nacional, à I Guerra
Mundial, tendo sido abolida em 1933 com a ascensão do
nazismo. Em 1951, o governo conservador da nova República
Federal criou uma lei de cogestão para empresas de siderurgia,
mineração e carvão com mais de mil empregados, ampliada e
estendida em 1952 e 1972. Esse mesmo governo estabeleceu,
em 1952, que os trabalhadores de qualquer empresa com mais
de cinco empregados poderiam criar um Comitê de Empresa.

Se, por um lado, há forte participação dos trabalhadores na


administração das maiores empresas, o cooperativismo no
setor industrial alemão é fraco. O cooperativismo é, contudo,
forte nas finanças, com destaque para o DZ Bank, o segundo
maior banco alemão e que reúne 900 bancos cooperativos e 12
mil filiais.

- China: a legislação chinesa separa propriedade e gestão de


modo que, em uma empresa estatal, a administração pode ser
eleita pelos empregados ou pelos empregados e pelo governo
em conjunto. Em todo caso, pelo menos 1/3 da diretoria de
toda empresa estatal chinesa deve ser eleita diretamente pelos
trabalhadores. Cabe lembrar que as estatais chinesas
controlam todos os setores estratégicos e as indústrias pesada
e de alta complexidade do país.

A legislação chinesa também permite a existência de vários


tipos de propriedade. Além da propriedade privada, estatal e
cooperativa, há também vários tipos mistos de propriedade,
combinando em diferentes proporções essas três formas entre
si. Em 2003, cerca de 45% de todas as empresas chinesas
eram cooperativas, com permissão para atuar livremente no
mercado.

O caso mais bem-sucedido de cooperativa na China é a


Huawei, que atualmente lidera mundialmente a corrida
tecnológica no setor de telecomunicações. A Huawei é
controlada e administrada por um comitê sindical dos
trabalhadores da empresa. Os conselhos de diretores e
supervisores são selecionados por uma comissão de 115
membros eleitos pelo conjunto dos empregados. As ações da
empresa são divididas entre os funcionários segundo cotas de
desempenho e de acordo com a posição que cada um exerce
na hierarquia da empresa, sendo que o fundador e CEO da
Huawei, Ren Zhengfei, possui apenas 1% das ações.

- Espanha: o Estatuto dos Trabalhadores, de 1980, e a Lei de


Liberdade Sindical, de 1985, determinam que os funcionários
de empresas privadas e estatais com no mínimo 11
empregados possam escolher um Comitê de Empresa para
representá-los. O número de representantes depende da
quantidade de funcionários.

Historicamente, os Comitês de Empresa espanhóis são


bastante ligados aos sindicatos. Por outro lado, não há
legislação que estabeleça a representação dos trabalhadores
em diretorias de empresas, apenas acordos concernentes às
maiores empresas estatais.

Em compensação, a Espanha possui um amplo setor produtivo


e financeiro cooperativo. Destaca-se a Corporação Mondragon,
que abrange 120 empresas cooperativas dos setores industrial,
financeiro, comercial e de centros educacionais e de pesquisa.
É a 7ª maior empresa da Espanha. No setor industrial, a
Mondragon abarca 87 empresas e está envolvida nos ramos de
automação industrial, máquinas-ferramenta, peças de
automóveis, elevadores, eletrodomésticos, serviços de
engenharia e outros. Em 2017, o setor industrial da Mondragon
detinha 147 unidades e empregava mais de 37 mil
funcionários.

- Holanda: desde 1950, a representação de trabalhadores por


meio de um Comitê de Empresa é obrigatória para toda firma
com mais de 50 empregados. O número de representantes
depende da quantidade de funcionários.
Em empresas com mais de 100 empregados e cujo valor
exceda 16 milhões de euros, os Comitês de Empresa têm o
direito de nomear até 1/3 dos membros da diretoria das
empresas. Entretanto, os diretores escolhidos pelos Comitês de
Empresa não podem ser funcionários da firma nem pertencer a
um sindicato envolvido em negociações coletivas. Além disso,
desde 2004, toda nomeação para as diretorias, mesmo as dos
Comitês de Empresa, deve estar sujeita ao aval dos acionistas.

Na Holanda, o cooperativismo concentra-se nos setores de


agricultura e serviços. Contudo, destaca-se, na indústria
alimentícia, a cooperativa FrieslandCampina, a maior
cooperativa de fabricação de alimentos do mundo e uma das
cinco maiores empresas do mundo nesse ramo. Está presente
em 33 países, emprega cerca de 22 mil funcionários e seu
faturamento em 2016 foi de 11 bilhões de euros.

- Itália: os Comitês de Empresa são chamados


de Rappresentanze Sindacali Unitarie (RSU), e podem ser
formados em toda empresa com mais de 15 empregados. Não
há, na Itália, nenhuma Lei de Cogestão.

Por outro lado, o cooperativismo italiano, inclusive no setor


industrial, é bastante forte e antigo. A Cooperativa Muratori e
Cementisti (CMC), fundada em 1901, lidera o setor de
construção civil na Itália. Há várias décadas atua, na Itália e em
todo o mundo, na edificação de estradas, canais, hidrelétricas e
termoelétricas, obras marítimas, irrigação, entre outros.
Destacou-se na reconstrução italiana após a II Guerra Mundial
ao construir diversas usinas elétricas de grande porte, como a
de Porto Tolle, então a maior do país e atualmente a segunda
maior, e plantas petroquímicas na Ravena e na Sicília.

O Consorzio Cooperative Costruzioni, fundado em 1912,


também é uma das maiores empresas do país. Reúne mais de
300 cooperativas nos setores industrial, de construção civil, de
materiais de construção e de transportes. Possui mais de 20
mil funcionários e um faturamento anual de mais de 5 bilhões
de euros.

- Suécia: não há Comitês de Empresa na Suécia, pois a


representação dos trabalhadores é feita diretamente pelos
poderosos sindicatos do país, destacando-se os da maior
central sindical do país, a social democrata LO
(Landsorganisationen i Sverige), fundada em 1898, à qual mais
de 10% da população é filiada. A Lei de Proteção ao Emprego,
de 1974, e a Lei de Codeterminação, de 1976, formalizaram e
aprofundaram várias práticas de negociação, consulta e
supervisão entre sindicatos e empregadores estabelecidas na
Suécia desde muito antes.

Desde 1987, é obrigatório que as diretorias das empresas com


mais de 25 empregados tenham dois representantes dos
trabalhadores apontados pelos sindicatos, com os mesmos
direitos e atribuições dos representantes dos acionistas.
Contudo, os representantes sindicais não podem, em hipótese
alguma, ser maioria nos conselhos-diretores.

A Suécia possui uma longa tradição cooperativista e, no século


XX, houve o protagonismo dos trabalhadores na construção e
administração de indústrias. A Cooperativa de Consumidores
(KF), criada em 1899 e a qual é filiada cerca de 30% da
população, adentrou fortemente o setor industrial, pela criação
e aquisição de indústrias, entre as décadas de 1920 e 1990.
Nesse período, associou-se muito intensamente à LO e ao
Partido Social Democrata, e sua direção frequentemente era
composta de lideranças sindicais sociais democratas. Os
sucessivos e ininterruptos governos do Partido Social
Democrata, entre 1932 a 1976, fomentaram o cooperativismo
industrial. Infelizmente, devido a pressões financeiras e
políticas de cunho neoliberal desde o final do século passado,
a KF e a LO desfizeram-se de grande parte das suas indústrias
cooperativas, contribuindo para a forte desindustrialização
sueca.

Destacaram-se, em meados do século XX, as seguintes firmas


industriais cooperativas da KF, administradas em parceria com
a LO: a Luma, maior fabricante de lâmpadas da Escandinávia
e, também, grande fabricante de aparelhos de rádio e
televisão, fundada em 1924 e extinta em 1977; a BT, fabricante
de caminhões, criada em 1946 e comprada pela Toyota em
2000; a Gislaveds, fabricante de pneus e borracha sintética
cujo principal cliente era a Volvo, e comprada pela alemã
Continental em 1992; a Gustavsberg, principal fabricante sueca
de porcelanas, plásticos, banheiras e vasos sanitários,
adquirida pela KF em 1937 e comprada pela holandesa Sphinx
em 1994; a Centrifugalrör, fabricante de tubulações metálicas
para água e esgoto, criada em 1947 e extinta em 1996.
Ademais, a BPA, construtora responsável pelas obras do
Programa do Milhão, empreendimento governamental que
construiu mais de 1 milhão de moradias populares entre 1965 e
1974, era de propriedade da LO.

Doutorando em Ciência Política pela UFF.

Especial para a AEPET

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