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J

UNIVERSIDADE
FEDERAL DO RIO
GRANDE DO SUL

Reitora
Wrana Maria Panizzi
A PesquisaQualitativa na tducação Hsica
Vice-Reitor
José Carlos Ferraz Hennemann
i I ALTERNATIVAS METODOLÓGICAS I
Pró-Reitor de Extensão
Femando Selembrino
Cruz Meire"es
Vice-Prá-Reitora de Extensão
I Vicente Molina Neto
Renila Klüsencr
Augusto N. S. Jrlvlnos
ORGANIZADORES
EDITORA DA UNIVERSIDADE

Diretora Juana Maria Sancho Gil


Jusamara Vicira Souza Fernando Hernández
CONSELHO EDITORIAL Airton Negrine
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Aron Tailclbaun
Carlos Alberto Steil
Célia Ferraz de Souza
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Geraldo Valente Canali
José Augusto Avancini
José Luiz Rodrigues
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Maria Crislina Leandro Ferreir.
Jusamara Vieira Souza, presidente

SEGUNDA EDiÇÃO

Editora Meridional lida .• Av. Osvaldo Aranha, 440, conj. 101 - Porto Alegre, RS· 90035-190 - Fone (51) 3311-4082-
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(coordenador), Carla M. l.uzzatto, Maria da Glória Almeida dos Santos e Rosangela de Mello; suporte editorial: Car- ~
105 Batanoli Hallberg (bolsista), Fernando Piccinini Schrnitt, Gabriela Carvalho Pinto (bolsista) e Sílvia Aline Otha-
ran Nunes (bolsista). Administração: Najára Machado (coordenadora), joséPereira Brito Filho, Laerte Balbinot Dias
e Maria Beatriz Araújo Brito Galarraga; suporte administrativo: Ana Lucia Wagner, jean Paulo da SiIva Carvalho, João
UFRG5
Batista de Souza Dias, e Marcelo Wagner Scheieck • Apoio: Idalina Louzada e Laércio Fontoura. EDITORA Editora Salina
© dos autores
Ia edição: 1999

Direitos reservados desta edição:


Universidade Federal do Rio Grande do Sul Sumário
Editora Sulina

Apresentação 7
Capa: Carla M. Luzzatto
Ilustração da capa: Goya, Cabra-cega. Dialética e pesquisa em ciências sociais II
AUGUSTO SILVA TRIVINOS
Revisão: Maria da Glória Almeida dos Santos
Luciane Leipnitz Inovação e investigação educativa:
Editoração eletrônica: Cláudia Bittencourt aproximação a uma relação incerta 29
Daniel Ferreira da Silva JUANA MARIA SANCHO GIL

A formação do professorado
e a investigação sobre a aprendizagem dos docentes 45
FERNANDO HERNÁNDEZ

Instrumentos de coleta de informações na pesquisa qualitativa 61


AIRTON NEGRINE

o enfoque teórico metodológico qualitativo


e o estudo de caso: uma reflexão introdutória 95
ROSANE MARIA KREUSBURG MOLlNA

Etnografia: uma opção metodológica para


alguns problemas de investigação no âmbito da Educação Física 107
VICENTE MOLlNA NETO

Os autores 141
CIP-Brasil. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
(Ana Lucia Wagner, CRB 10/1396)

P474 A pesquisa qualitativa na educação física: alternativas metodológicas /


Organizado por Augusto Nibaldo Silva Trivifios e Vicente Molina
Neto; Juana Maria Sancho Gil... [et al.]. - 2. ed. - Porto Alegre:
Editora da UFRGS / Sulina, 2004.

l. Educação física - Investigação educativa. 2. Educação física -


Formação de professores. I. Trivifíos, Augusto Nibaldo Silva. lI. Molina
Neto, Vicente. Ill, Gil, Juana Maria Sancho. IV. Título.

CDU 37.012:796
371.13:796

ISBN 85-7025-729-5 (Editora da UFRGS)


ISBN 85-205-0229-6 (Editora Sulina)
Instrumentos de coleta
de informações na pesquisa qualitativa

AIRTON NEGRINE

CONTEXTUALIZANDO A TEMÁTICA

Um aspecto que merece consideração inicial diz respeito ao pres-


suposto fundamental da pesquisa de corte qualitativo. Uma das linhas
mestras que norteia esse paradigma se sustenta na crença de que as
generalizações não são possíveis. Isso significa que as inferências que
se produzem a partir do processo investigatório se traduzem em hi-
pótese de trabalho, que se refere a um contexto particular. Nesse sen-
tido, o planejamento naturalista está direcionado a desenvolver co-
nhecimento ideográfico, com a finalidade de buscar diferenças entre
os objetos.
A base analógica desse tipo de investigação se centra na descrição,
análise e interpretação das informações recolhidas durante o processo in- .
vestigatório, procurando entendê-Ias de forma contextualizada. Isso sig-
nifica que nas pesquisas de corte qualitativo não há preocupação em ge-
neralizar os achados.
Os modelos metodológicos adotados nesse tipo de pesquisa apre-
sentam, no momento, uma franja interessante e, de certo modo, ampla.
Variam desde os estudos hermenêuticos e fenomenológicos, utilizados
com freqüência no campo da filosofia, até os estudos etnográficos que
estão muito presentes nas investigações antropológicas.
Mais recentemente, a etnografia, como modelo viável de investi-
gação dentro de uma perspectiva de paradigma qualitativo, passa a ser
utilizada no campo da educação, fundamentalmente em estudos que se
propõem investigar relações e comportamentos complexos e sub-
jetivos como os que ocorrem no âmbito escolar. Conseqüentemen-
te, sob a denominação de "etnografia educativa", esse modelo vai
sendo institucionalizado pelos professores americanos Kimbal e
Spindles. Esses pesquisadores também serviram-se desse método

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para estudar os efeitos causados pela falta de escolaridade, trazendo na pós-graduação lato sensu e em minha constante vinculação à meto-
aportes relevantes à pesquisa qualitativa, como sustentam Arnal, Rin- dologia científica. A investida em pesquisas de corte qualitativo ocorreu
cón e Latorre (1992), Goetz e LeCompte (1988). simultaneamente à decisão pelo doutorado e à elaboração de um projeto.
Os métodos de investigação qualitativa pressupõem uma abor- de pesquisa. Em primeiro lugar, para trilhar por um caminho diferente
dagem diferenciada também no que se refere aos instrumentos de no qual já possuía algumas experiências e, em segundo, para ampliar a
coleta de informações. Esses devem ser elaborados dentro de outra orientação metodológica que daríamos aos acadêmicos após a conclu-
perspectiva, que não aquela que se serve de modelos matemáticos. são dos estudos de doutorado .
.~ A utilização de modelos matemáticos para dar forma às informa- Conseqüentemente, nossa forma de pensar estava direcionada
ções recolhidas deste ou daquele instrumento perfila o paradigma ado- a aprender para poder ensinar os caminhos que devem ser percorri-
tado na investigação. Com isso, queremos registrar que uma forma de dos quando optamos por realizar estudos de corte qualitativo.
erceber a perspectiva paradigmática adotada em um determinado estu- Com a conclusão do doutorado, segundo semestre de 1993, retor-
do está na análise que podemos fazer sobre os instrumentos utilizados. nando às lides acadêmicas na universidade, de imediato desenhamos novo
Portanto, cabe registrar que as pesquisas de corte qualitativo não costu- projeto de pesquisa para dar continuidade aos estudos. Surgiram, a par-
mam se servir de instrumentos de coleta de informações que utilizam tir de então, novos desafios. Tanto na orientação de bolsistas de inicia-
valores numéricos ou que tomem apoio neles para proceder a análise e ção científica como na orientação de mestrandos, em todas as situações,
interpretação das informações recolhidas. nossa orientação nessa nova etapa esteve voltada a investigações dentro
Conseqüentemente, para melhor situar o leitor, destacamos que de perfis qualitativos. Antes de finalizar estes aspectos introdutórios,
este informe tem como objetivo analisar as estratégias que podem ser queremos destacar que os estudos de investigação que viemos levando a
adotadas na utilização dos instrumentos de coleta de informações, com cabo como pesquisador e como orientador, se situam no âmbito das Ciên-
os quais se pode operar em investigações de natureza qualitativa. En- cias do Movimento Humano.
tretanto, antes de desenvolver nossa linha de pensamento com relação As dissertações e estudos de iniciação científica que realizamos e
a temática, entendemos ser fundamental situar o nosso ponto de parti- orientamos nos possibilitaram utilizar diferentes instrumentos de coleta
da e envolvimento com o processo investigatório até a presente data, de informações como: observação, entrevista, questionário e memoriais
uma vez que esses aportes poderão ser úteis para uma análise crítica descritivos. Portanto, é sobre esse universo que vamos falar.
daquilo que abordamos.
Nossa pré-história no âmbito da pesquisa teve início com um es-
tudo de corte quantitativo para obtenção do título de Mestre em Edu- NATUREZA DA ATENÇÃO
cação, curso que realizei e concluí na década de 70. Após a conclu-
são desse estudo, levei a cabo outras investigações motivado pela ex- Um dos instrumentos de coleta de informação mais utilizados na
periência inicial. O conhecimento produzido situa-se no âmbito do pesquisa qualitativa é a observação, embora possa ser utilizada em di-
movimento humano relacionado, por um lado, ao ensino da Educa- ferentes perspectivas. Entretanto, antes de levantar algumas questões
ção Física, e, por outro, à "psicomotricidade", material já publicado pertinentes à observação como instrumento, cabe pensarmos sobre sua
em livros I e artigos de circulação nacional. origem.
A experiência profissional nesse período não ficou limitada à pes- A atenção para Merleau-Ponty é um poder geral e incondicionado,
quisa. Estendeu-se à orientação de acadêmicos tanto na licenciatura como no sentido de que a cada momento ela pode dirigir-se indiferentemente
a todos os conteúdos da consciência.
Na opinião de Lahr (1958), as nossas diferentes operações psico-
I O ensino da Educação Física, publicado pela Editora Globo, Porto Alegre, 1983 e Edu- lógicas podem produzir-se de duas maneiras opostas:
cação psicomotora: a lateralidade e a orientação espacial, publicado em 1986 e Coor- a) ou se faz com consciência dispersa e móvel (forma primária);
denação psicomotora e suas implicações, publicado em 1987, ambos pela editora Edita.
b) ou se faz com concentração e fixação das faculdades sobre o objeto.

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Dito de outra forma, nossa vida psicológica flutua entre a distração Partindo dessa segunda abordagem, é que situamos "a observação"
e a concentração. Essa última também denominada de atenção seletiva. como instrumento de coleta de informações na pesquisa qualitativa. Deve
Inclusive se fala muito no campo pedagógico, que uma das bases para a ser uma observação voluntária e seletiva, isto é, devemos ir a campo com
aprendizagem é a capacidade que o indivíduo apresenta em determinadas certa determinação mais do que observar. Conseqüentemente, a partir
situações de evidenciar esse comportamento. dessa perspectiva é que passamos a analisar "a observação" como ferra-
Em primeiro lugar, é importante destacar que a atenção é um pro- menta no processo de coleta de informações.
cesso mental elementar, isto é, faz parte do equipamento biológico do ho-
mem. A interação desse com o meio transforma, na opinião de Vygotski \ A observação
(1982), os processos mentais elementares (atenção, memória, percepção
e pensamento) em superiores. Isso significa dizer que os fatores biológi- A observação constitui-se um instrumento valioso na pesquisa quali-
cos, por si mesmos, não são suficientes para transformar os processos tativa e, nessa situação, se aplica a algum objeto externo, embora possa ser
mentais elementares em superiores. A premissa, a partir dessa concepção, utilizada a partir de diferentes perspectivas. O fundamento básico para defi-
aponta no sentido de que é a interação do indivíduo com o outro e com o nir o tipo de observação a ser utilizada no processo investigatório vai depen-
meio que provoca avanços dos processos mentais. Portanto, a dedução der, fundamentalmente, da problematização, dos objetivos do estudo. Não
explicativa é que a evolução dos processos mentais são decorrentes da in- há um receituário para a sua utilização. Devemos nos ater aos fatores que
teração de fatores internos e externos. Se os fatores internos se referem à podem contaminar uma observação. Comentaremos, a seguir estas questões.
maturação biológica, os externos se caracterizam como produto das rela- Um aspecto fundamental há muito tempo apontado por Wallon
ções inter e intrapessoais. (1980), diz respeito a que nós costumamos a observar conforme nossos
Por outro lado, a característica mais específica da atenção, isto é, vícios de observação. Nesse sentido, alerta mos que não basta um pes-
aquela que se encontra em todas as suas manifestações, é a concentra- quisador principiante definir, de forma precipitada, como vai colher as
ção de energias do indivíduo sobre o objeto. Nesse sentido, Lahr afirma informações para o estudo que pretende desenvolver. É recomendável que
que a atenção é a concentração das faculdades sobre o indivíduo. Nesse realize um estudo preliminar com uma pequena amostragem de partici-
caso temos duas situações que se apresentam: pantes que tenham o mesmo perfil definido no seu projeto original. Cha-
a) quando se aplica a um objeto externo estamos no âmbito da mamos a atenção para que esse momento do processo da investigação
observação; qualitati va tenha também finalidades diferentes daquelas realizadas
b) quando se aplica às idéias abstratas ou ao fenômenos da cons- nos estudos piloto das pesquisas quantitativas. Cabe ao pesquisador
ciência, estamos no âmbito da reflexão. ou àqueles que vão atuar na coleta de informações em investigações
Entretanto, como a "observação inteligente" das coisas nunca está qualitativas realizar treinamento, por um período não muito curto,
isolada das nossas crenças, valores e história de vida, ela sempre provo- para aprender a observar e registrar os fenômenos observados.
cam reflexões sobre o observado. A pergunta que se impõe é a seguinte: "como orientar este trei-
Reportamo-nos aos aportes de Lahr, para trazer mais elemen- namento"?
tos à discussão. Para esse autor, a concentração pode ocorrer de duas . Em primeiro lugar, se vamos a campo para observar, o quesito prin-
maneiras distintas: cipal é tornar os registros o mais descritivos possível, desconfigurados
1°) ou provém da ação do objeto que se impõe ao sujeito, prenden- de qualquer juízo de valor. Se os registros são feitos com juízos de valor,
do-lhe as faculdades e, neste caso, caracteriza-se como atenção espon- acabamos contaminando as informações, o que certamente irá prejudi-
car a análise dos fatos. A observação de uma determinada situação quanto
tânea ou passiva. Fenômeno que se observa mesmo nos animais;
mais descritiva for, mais saudável se apresenta ao momento seguinte, isto
2°) ou então, à ação do objeto junta-se uma reação deliberada do
é, momento de análise das informações. Me atrevo a dizer que proce-
sujeito, que apreende o objeto e concentra voluntariamente sobre ele as
dendo dessa forma fica facilitado o processo de análise das informações
suas faculdades. Essa segunda forma de atenção, própria dos seres inte-
recolhidas. O pesquisador, para atingir essa perforrnance, necessita de
ligentes, pode ser denominada de "atenção voluntária".
exercício, ou seja, de treino da situação.

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Uma segunda questão se refere à observação seletiva, porque no de-
Esses quesitos são pautas de observação, porém, outras tantas podem
correr do processo investigatório temos de ir concretizando o que quere-
ser definidas desde que estejam ajustadas aos objetivos da investigação.
mos averiguar, portanto, devemos observar a partir de algumas pautas de
São várias as abordagens sobre observação dadas pelos autores que
observação. Caso isso não ocorra, podemos nos iludir ao pensar que esta-
escrevem sobre metodologia científica. As classificações são muito va-
mos registrando tudo e, na realidade, pulverizamos a observação. Tarefa
riadas e nem sempre ajudam na definição do instrumento a ser utilizado
que requer treino. Isso significa um esforço do pesquisador em definir al-
no processo investigatório. O fundamental, segundo o nosso ponto de
gumas questões básicas a serem observadas, embora no decorrer do pro-
vista, é o conhecimento que devemos ter sobre o emprego desta ou da-
cesso investigatório possamos ampliá-Ias ou reduzi-Ias se for o caso. quela forma de observação.
Cabe aqui lembrar uma situação muito corriqueira no âmbito das
escolas de magistério. É comum solicitar-se às alunas do curso de ma- Tipos de observação
gistério, principalmente nos momentos que antecedem as práticas de
ensino ou os estágios supervisionados, que façam observações nas es- É farta a literatura que situa a "observação" como um procedi-
colas. A intenção pode ser considerada pertinente, desde que o profes- mento de coleta e organização de informações. Essa tarefa requer que
sor que solicita tal tarefa defina as pautas de observação, caso contrário, se utilize processos mentais superiores como: a atenção, a percepção,
as observações perdem o sentido, porque ficam contaminadas pelos juí- a memória e o pensamento, para observar fatos e realidades sociais
zos de valor de quem observa. Observar sem pautas prévias faz com que presentes. Nesse caso, é fundamental que a observação das pessoas
os registros das informações, recolhidas através da observação, sejam os se realize num contexto real no qual desenvolvem normalmente suas
mais variados possíveis, dando idéia ao próprio grupo, que passou pela atividades.
experiência da subjetividade, da tarefa realizada, servindo, de certa for- Sabemos que podemos olhar algo sem extrair informações ou sem
ma, a uma multiplicidade de conclusões e a qualquer tipo de discurso perceber aspectos relevantes. Nesse sentido, para que a observação te-
que se queira inferir a partir dos registros realizados pelo observador. nha objetividade do ponto de vista científico, ou melhor, para que seja
Destacamos que a observação a partir de "pautas" não significa re- utilizada como instrumento de coleta de informações, deve ser contínua
tirar como um todo a subjetividade. Queremos explicar que a observa- e sistemática com a função de registrar determinados fenômenos ou com-
ção, como instrumento de coleta de informações na pesquisa qualitati- portamentos. Para tanto, é necessário que seja:
va, requer exercício, prática e experiência vivenciada, como qualquer a) intencionada: com objetivos determinados;
outra aprendizagem. b) sustentada: guiada por um corpo de conhecimentos.
O leitor, neste momento, pode estar pensando: "o que significam Sob outro prisma, Diatkine (1982), argumenta que a relação ob-
pautas de observação"? servador e observado não é neutra. Existe uma situação emocional
Por exemplo, admitamos que um determinado projeto de investi- subjacente, cujo observador tem interesse em precisar com a maior
gação esteja desenhado para investigar a eficiência de um determinado exatidão possível. Essa é uma abordagem de perspectiva psicanalí-
método de ensino de uma disciplina. Admitamos que o instrumento uti- tica, pois esse autor trata do tema no campo da terapia, relacionan-
lizado na investigação seja a observação participante passiva, isto é, o do-o diretamente com o atendimento infantil.
observador assiste aulas para registrar aspectos relevantes. Nesse senti- Entretanto, como técnica de coleta de informações, a "observação"
do, cabe a ele, em primeiro lugar, definir as pautas que servirão de rotei- comporta elementos, como:
ro para suas anotações, como por exemplo: a) o sujeito: aquele que observa;
a) as atitudes do professor frente ao grupo (a classe); b) o objeto ou indivíduo: aquilo ou aquele que é observado;
b) como o professor inicia a aula; c) os meios: os sentidos utilizados para captar informações,
c) que recursos utiliza para levar a cabo a matéria de ensino; como visão, audição, tato, olfato e o sentido cinestésico;
d) que postura adota frente aos conflitos surgidos; e, d) os instrumentos: as ferramentas utilizadas para colher as in-
e) como termina a aula. formações;

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e) o marco teórico: diz respeito ao referencial do qual parte o in- , Na pesquisa qualitativa, o fundamental, na maioria das vezes, não r
vestigador. é a quantidade de participantes a serem observados para avalidação do
Esses elementos servem como referência inicial para o pesqui- estudo, mas sim, a observação em profundidade, por aportar elementos
sador ao desenhar as estratégias que deve utilizar no projeto que pre- . significativos de determinadas situações.
tende desenvolver. Chamamos a atenção ao quesito "marco teórico" \ Por exemplo: "se nos propomos a estudar as relações professor-
pela relevância que tem, uma vez que, dependendo do estudo a que aluno de determinadas disciplinas do currículo e utilizar a observa-
nos propomos, servirá de elemento norteador para análise e interpre- ção corno instrumento-chave na coleta das informações do estudo".
tação das informações. Em primeiro lugar, devemos definir os participantes e a abran-
Vejamos um exemplo que torne melhor a compreensão do leitor. Ad- gência do estudo. Em segundo, negociar com eles, isto é, obter o
mitamos que o pesquisador pretenda realizar um estudo que envolva a ativi- aval para realizar a coleta de informações como observador partici-
dade lúdica infantil, isto é, observar a criança numa situação de brincar (jo- pante e, posteriormente, observá-Ios em profundidade. Caso não ocorra
gar). O imperativo, nesse caso, é que parta de algum referencial sobre o jogo a observação em profundidade, a aula pode se tornar um teatro, uma vez
infantil, seja a partir das concepções piagetianas, wallonianas, vygotskiana que estaremos ali como observadores por pouco tempo. Quando a ob-
ou outra qualquer. Caso o pesquisador esteja desprovido de algum referen- servação se prolonga, conseguimos detectar aspectos relevantes da rela-
cial teórico no momento de iniciar o processo de observação, certamente ção a que nos propomos investigar e isso aumenta significativamente a
reduzirá, de forma considerável, as informações recolhidas. confiabilidade das informações recolhidas.
Outro aspecto decisório diz respeito ao papel que o investigador ou
colaboradores vão desempenhar servindo-se da observação. Por exem- Modalidades e estratégias de observação
plo, para Wittrock (1989), o papel que desempenhamos para colher as
informações proporciona visões diferentes dos acontecimentos para a As modalidades de observação podem variar de acordo com os ob-
pessoa que observa. Analisamos duas situações distintas: jetivos, estratégias e situações de contexto onde se pretende colher as in-
a) como participante observador - nesse caso, o observador parti- formações. Nesse sentido podemos categorizar algumas modalidades
cipa dos acontecimentos, é um dos atores, registrando as informações como:
depois do acontecimento. - Segundo estratégias utilizadas a observação poderá ser:
Colher informações utilizando essa estratégia requer muito treino estruturada;
do pesquisador, inclusive para registrar os fatos logo após o ato. É evi- semi-estruturada;
dente que nessas situações devemos ter muito claro o nosso papel. De- não-estruturada.
pendendo do momento, precisamos ter muita habilidade ao nos relacio- - Segundo o papel desempenhado pelo observador, a observa-
narmos com os demais. Temos que ter muito presente o papel que de- ção poderá ser:
senvolvemos para colher as informações a que nos propomos. participante ou ativa;
b) corno observador participante - nesse caso, o observador não não-participante ou passiva.
participa dos acontecimentos. Ele observa e registra os acontecimentos - Segundo o número de observadores, a observação poderá ser:
no momento em que ocorrem. individual;
Poderíamos dizer que na primeira situação realizamos urna obser- em equipe.
vação ativa, implicada. No segundo caso, realizamos urna participação - Segundo o lugar onde se realiza, a observação poderá ser:
passiva, isto é, de fora, sem nos relacionarmos com os atores. de situações concretas;
A recomendação que entendemos ter relevância diz respeito à "pro- de laboratório.
fundidade das observações", ou seja, devem ser contínuas e sistemáticas e Embora os termos "estruturada, semi-estruturada e não-estrutura-
abandonadas quando o pesquisador estiver convencido de que já possui ele- da" sejam mais comuns quando se trata da entrevista, devemos explicar
mentos suficientes para proceder a análise e a interpretação. o porquê de utilizar tal terminologia para nos referirmos às diferentes
estratégias que podem ser utilizadas.

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Ocorre que num estudo etnográfico, por exemplo, em determina- a) ter atenção contínua e seletiva no objeto de estudo;
das situações é importante que o pesquisador fique desprovido de qual- b) descrever os fatos com objeti vidade, isto é, evitar o uso
quer indicador inicial, isto é, que o registro das observações que faz, em de metáforas;
um determinado contexto, não tenha a priori indicativos predetermina- c) apresentar curiosidade frente aos aspectos pouco evidenciados;
dos. Nesse caso, essa fase do estudo poderá servir-se de um tipo de ob- d) verificar, de forma permanente, se as informações recolhidas se
servação não-estruturada. ajustam aos objetivos do estudo;
Com base nas informações colhidas nessa primeira fase, poderá e) redefinir os objetivos do estudo, quando for o caso, frente às evi-
continuar suas observações delimitando algumas pautas a serem obser- dências registradas.
vadas, mas, ao mesmo tempo, não se fechando a outras ocorrências que Com relação à curiosidade frente aos aspectos pouco evidenciados,
possam surgir no decorrer do processo. Nesse caso, estará utilizando uma é fundamental que se teõTiaÍstomuTI-opreS·ente,porque esse quesitopode
estratégia observacional semi-estruturada. constituir-se no fator diferenciador e de relevância quando comparamos
Quando o pesquisador delimita as pautas a serem observadas, cen- um estudo de corte qualitativo com um quantitativo. Embora nos estu-
tra sua atenção na ocorrência de certos comportamentos ou fenômenos dos qualitativos se busquem evidências de um determinado fenômeno,
e faz suas anotações, estará utilizando a observação estruturada. como ocorre, quando ocorre, por que ocorre e a freqüência com que
Outra questão que merece destaque, diz respeito ao número de observa- ocorre, não podemos deixar de apresentar certa curiosidade diante
dores. Quando a coleta de informações feita pelo próprio investigador ou por dos aspectos pouco evidenciados, uma vez que eles podem ser in-
alguém que colabora com ele, é recomendável realizar-se um estudo prelimi- dicadores interessantes para análise e interpretação do estudo.
nar, com a finalidade de treinamento. Momento em que podemos ter algumas Fato interessante ocorreu quando colhíamos informações para
evidências de que através dessa estratégia seja possível colher informações que nossa tese doutoral. Observando crianças de 3 a 5 anos de idade em
levem à elucidaçãodo problema. Quando o desenho da investigaçãoprevê mais situações lúdicas. Em determinado momento percebemos que, já nes-
de um observador, toma-se necessário a realização de um estudo preliminar sas idades, os meninos costumavam brincar entre os meninos e as
com rodadas, a posteriori, de discussão sobre o material recolhido. Essas reu- meninas entre elas. Porém, isso não era o foco de nosso estudo na-
niões preliminares devem ser de discussão, avaliação e ajustamento, objeti- quele momento. Entretanto, passamos a nos ater mais sobre esse fato
vando evitar que diferentes observadores elaborem registros que se distanci- e percebemos que havia alguns meninos e meninas em concreto que
em das pautas determinadas. transitavam entre os dois gêneros, sendo aceitos e, de certa forma,
Para que o registro da observação sirva de informação relevante para ampliando suas relações inter e intrapessoais. Registramos esse even-
o processo investigatório, é fundamental adotar-se a seguinte estratégia to na tese doutoral, ponderando nossa percepção acerca desse com-
metodológica: portamento infantil. Enfatizamos, por outro lado, que não aprofundamos
a) o registro das informações deve ser o mais descritivo possível o estudo nessa direção porque estaríamos nos afastando de forma demasia-
(descrição do fato observado); da das intenções iniciais.
b) o registro não deve conter j uízos de valor (descrever sem Passado algum tempo, voltando às nossas lides acadêmicas uma
registrar opiniões meritórias dos fatos observados). aluna de mestrado em Ciências do Movimento Humano, lendo nos-
Na realidade são dois momentos distintos. Primeiro registram-se so trabalho, captou esse detalhe de registro, partindo para uma investi-
os fatos tais como ocorrem para que, posteriormente, possam ser anali- gação. No momento está em fase conclusiva de seu estudo, no qual aborda
sados (classificar e categorizar) e interpretados. Deve-se evitar emitir o interesse sobre "Crianças não segregadas por gênero no jogo infantil",
opiniões de mérito ao descrever, porque isso acaba contaminando a ob- do qual somos orientador.
servação e prejudicando, sobremaneira, a interpretação. Por outro lado, a falta de sistematização das observações no pro-
Os pesquisadores que fazem uso da observação devem ter cesso investigatório pode oferecer alguns perigos como:
presente que alguns requisitos são fundamentais para o sucesso a) ter-se a sensação de ver mais coisas do que na realidade ocorrem;
no registro das informações: b) deixar-se levar pelas emoções em certas situações configuradas;

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c) torná-Ias arbitrárias; A entrevista
d) generalizar-se comportamentos que ocorrem de forma ocasional.
Os estudos que utilizam informações recolhidas por dois ou mais Inicialmente analisamos o significado do termo. A palavra entre-
observadores, podem nos levar à variabilidade, "intra e entre". vista encerra o significado de encontro combinado, marcado entre pes-
A variabilidade é "intra" quando se refere às próprias variações do soas para ocorrer em lugar previamente determinado. Diz respeito ain-
observador e "entre" quando se refere às diferenças entre os observado- da à prestação de informações ou de opiniões sobre determinada temá-
res em registrar as informações. I tica, feita de forma oral, pelo entrevistado.
Aspectos como esses devem ser levados em consideração quando Se constitui em estratégia utilizada para obter informações frente
o projeto de investigação prevê que a coleta de informações será rea- a frente com o entrevistado o que permite, ao entrevistador, o estabele-
lizada por mais de um observador. Nesses casos, sempre consideran- cimento de um vínculo melhor com o indivíduo e maior profundidade
do os objetivos dos estudos, devemos adotar mecanismos que nas perguntas que previamente elaborou como roteiro. A definição téc-
procurem neutralizar uma variabilidade que possa atingir o tra- nica de Visauta (1989) sobre "entrevista" aponta no sentido de que ela
balho como um todo. Para evitar tais distorções é fundamental consiste em uma conversação séria entre duas ou mais pessoas, uma
que se realize um estudo preliminar com todos aqueles que irão dasquais, o entrevistador, procura obter informações com uma de-
atuar na coleta de informações. Os resultados desse estudo per- terminada finalidade.
mitem ao investigador fazer os ajustes necessários, promovendo A entrevista, como conversação entre pessoas, obedece a certos rituais
reuniões conjuntas para verificar possíveis distorções e definir os e ocorre em diferentes situações da vida cotidiana, como por exemplo:
critérios a serem adotados por todos no registro das informações. a) entrevistas para selecionar um trabalhador com determinadas
A realização do estudo preliminar deve ser feita antes da coleta características;
de informações propriamente dita e com uma pequena amostra b) entrevistas para selecionar candidatos a um determinado cargo
que esteja ajustada ao perfil dos participantes do estudo. público ou privado, comum em certos tipos de concursos;
É importante também que o investigador ou coordenador da pes- c) entrevistas para saber a opinião de especialistas em determina-
quisa defina as estratégias de registro das observações, como, por do momento, sobre uma temática em concreto.
exemplo: Enfim, são inúmeras as situações em que elas ocorrem. Entretan-
a) utilização de um diário; to, o enfoque que vamos dar à entrevista situa-se "no âmbito do pro-
b) fichas de observação; cesso investigatório", isto é, quando a utilizamos como instrumento
c) dispositivos mecânicos de registro; para colher informações no desenvolvimento de um projeto de pes-
d) elaboração de mapas, esquemas,etc.; quisa. Nesse sentido, analisaremos algumas formas de realizá-Ia.
e) utilização de simbologias para facilitar o registro das informações.
Em síntese, somos de opinião que o treino mais recomendá- Tipos de entrevista
vel para quem pretende utilizar a observação como instrumento
de coleta de informações é, num primeiro momento, observar situa- Segundo Cohen y Maííion (1990), as entrevistas como ferramen-
ções reais e descrever tudo o que se vê. Posteriormente, ler o que foi tas de investigação, abrangem desde "entrevistas formais", ou seja, um
descrito e buscar formas de eleger pautas de observação, ou seja, criar conjunto de perguntas, passando pelas entrevistas "menos formais", nas
categorias para que a observação seja seletiva com finalidades pJ;e- quais o entrevistador fica com maior liberdade para modificar a seqüên-
definidas. Para interpretar as informações é imprescindível que o pes- cia das perguntas, alterar a redação, explicá-Ias ou ampliá-Ias; até as en-
quisador tenha um considerável referencial teórico sobre a temática trevistas completamente "informais" apresentadas como conversação,
em questão, para que possa discutir os achados contrastando-os com sem seguir qualquer roteiro.
os enfoques anteriormente referenciados, caso contrário, as informa- Outras denominações são utilizadas por diferentes autores para clas-
ções coletadas ficarão pendentes de um significado consistente. sificar entrevistas, as quais podem ser catalogadas como:

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a) estruturada; forma "estruturada", o entrevistador deve deixar o entrevistado à vonta-
b) não-estruturada; de para responder sobre o que lhe é perguntado, se possível, sem inter-
c) serni-estruturada. romper o relato, a não ser para formular a pergunta seguinte.
A entrevista é "estruturada" na medida em que o investigador se- Quando a entrevista adota um modelo "não-estruturado", mais
gue a ordem estabelecida das perguntas e um conjunto específico de pro- preparo se requer do entrevistador, porque, ao adotar esse modelo,
cedimentos. pressupõe-se que será a informalidade o caminho para recolher as
Ela é "não-estruturada" quando permite a realização de explorações informações relevantes ao estudo. Requer, nesses casos, perspicá-
e persegue pistas na tentativa de obter maior profundidade de informação. cia, habilidade ao dialogar, trazendo de certa forma o entrevistado à con-
É "semi-estruturada" quando o instrumento de coleta está pen- versação que deseja estabelecer, para dela posteriormente extrair o que
sado para obter informações de questões concretas, previamente de- interessa ao estudo.
finidas pelo pesquisador, e, ao mesmo tempo, permite que se reali- Quando fazemos uso de entrevista "semi-estruturada", por um
zem explorações não-previstas, oferecendo liberdade ao entrevistado lado, visamos garantir um determinado rol de informações importantes
para dissertar sobre o tema ou abordar aspectos que sejam relevantes ao estudo e, por outro, para dar maior flexibilidade à entrevista, propor-
sobre o que pensa, cionando mais liberdade para o entrevistado aportar aspectos que, segun-
Travers (1971) sustenta que durante muito tempo não se com- do sua ótica, sejam relevantes em se tratando de determinada temática.
preendeu o que é necessário saber sobre as características de quem Uma recomendação importante sugerida por Guerrero López
interroga, para poder-se avaliar os produtos da entrevista. Argumen- (1991), quanto ao uso da entrevista, diz respeito ao clima em que esta
ta, ainda, que aqueles que se dedicam a estudar as indagações de deve se desenvolver. Isto é, na hora de realizá-Ia devemos estar como
opinião pública descobriram que os entrevistadores não apenas ten- o nosso entrevistado - em um lugar tranqüilo, sem interferências de ne-
dem a selecionar certo tipo de pessoas para entrevistá-Ias, mas que as nhum tipo, inclusive sonoro, para não causar problemas de gravação
respostas do entrevistado estão vinculadas às características do entre- quando usamos desse recurso.
vistador. Como regra geral, afirma que as mulheres obtêm mais res- Entendemos, outrossim, que o aspecto fundamental é o treinamen-
postas do que os homens. O número menor de respostas ocorre quan- to do entrevistador no sentido de ter garantias que, mediante a estratégia
do homens entrevistam a outros homens. adotada, poderá recolher as informações que permitam elucidar o pro-
O fato de haver tantas características do entrevistador que possam blema. Nesse sentido, somos de opinião que o estudo preliminar é um
influir sobre as informações prestadas, indica a necessidade de cautela passo que nunca devemos descartar na pesquisa qualitativa.
ao planejar um estudo que utiliza a entrevista como única fonte de cole- Considerando que nas entrevistas estruturada e semi-estruturada o
ta de informações. Nesses casos, Travers sugere que seja evitado o tipo pesquisador organiza o roteiro que deve ser seguido, abordaremos os as-
de estudo que inclua "apenas um entrevistador", pelo fato de que sem- pectos pertinentes à formulação das perguntas.
pre existirirá a possibilidade de que determinadas características dessa
pessoa produzam os resultados encontrados. Tipos de perguntas
Pensando sobre os aportes de Travers, concluímos que, mes-
mo nos estudos que incluam muitos entrevistadores, será muito di- A elaboração da rotina de uma entrevista deve ser pensada no sen-
fícil evitar-se a distorção que se pode produzir pelas características tido de contribuir de maneira específica para que o investigador possa
do entrevistador. atingir os objetivos de seu estudo. Nesse sentido, a indagação de quem
Entendemos que a relevância muda de eixo quando focalizamos o pergunta pode apresentar características diferentes, isto é, uma pergun-
preparo do entrevistador para exercer sua função, o que significa que o ta pode ser "aberta ou fechada".
"estudo preliminar" é indispensável antes de se iniciar, em definitivo, a A pergunta "aberta", na opinião de Hayman (1974), possibilita que
coleta de informações, o entrevistado dê qualquer resposta. Ela é utilizada quando o objetivo é
Nesse sentido, quando o instrumento é elaborado tomando uma obter-se informações mais profundas e também quando o investigador
I
não tem idéia de qual será a resposta.

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I

,[
Por exemplo, entrevistar acadêmicos do curso de pedagogia para b) o entrevistador deve informar aos participantes do estudo tra-
averiguar o porquê de sua preferência por esse curso. Nesse caso, uma tar-se de um trabalho de investigação, notificando que será respeitado o
das perguntas da entrevista poderia ser: "Fale sobre o que o levou a es- anonimato dos entrevistados. Nos estudos em que seja fundamental a
colher este curso universitário". identificação dos participantes, esses devem ser consultados se estão de
Entretanto, quando utilizamos entrevistas com perguntas aber- acordo em participar do processo;
tas, devemos dispor de muito tempo para transcrever as respostas, c) o entrevistador deve explicar ao entrevistado o propósito da
categorizá-las e interpretá-Ias. entrevista e, com isso, criar uma atmosfera agradável, favorecendo a con-
As perguntas "fechadas", em contrapartida, somente permitem fiabilidade das informações recolhidas;
respostas específicas. Por exemplo, se os participantes do estudo são d) a conduta do entrevistador e as características do entrevista-
acadêmicos do curso de pedagogia e a eles fizermos a seguinte per- do podem influir nas respostas. É muito provável que as mudanças
gunta: relativamente pequenas na conduta do entrevistador produzam
"Diga quais são os fatores positivos e negativos de seu curso que mudanças substantivas nas respostas dos entrevistados;
merecem ser destacados". e) os entrevistadores são incapazes de reproduzir pautas uniformes
A pergunta, nesse caso, está contextualizada e inclinada a informa- de condutas quando enfrentam situações variadas. Essa variação escapa
ções em duas direções. Por um lado, refere-se a um determinado curso totalmente ao controle que um indivíduo pode exercer sobre sua conduta;
acadêmico, por outro, se propõe a levantar aspectos relevantes que, na f) a utilização da entrevista, como instrumento de coleta de informa-
opinião do entrevistado, merecem destaque. ção, quando se pretende aprofundar o conhecimento de determinados fe-
Quando optamos pela entrevista para servir de instrumento de co- nômenos, se ajusta mais às pesquisas de corte qualitativo, embora sejam
leta de informações, devemos ter alguns cuidados na sua elaboração com utilizadas nas pesquisas de opinião de corte quantitativo, como aquelas
vistas a respostas mais confiáveis. Nesse sentido, quando os entrevista- utilizadas em períodos pré-eleitorais que têm como objetivo verificar a ten-
dos não são pessoas do círculo de relações do entrevistador, não é reco- dência preferencial do eleitor em determinado momento e contexto.
mendável iniciar a entrevista com perguntas fechadas. As perguntas aber- Outro aspecto diz respeito à dinâmica da entrevista, razão pela
tas abrem caminhos para que o entrevistador possa, no decorrer da en- qual é recomendável a utilização de um bom gravador, de prefe-
trevista, obter informações mais exatas sobre o que deseja saber. rência de uso profissional, para registro da fala do entrevistado. Isso
porque é impossível captar os pormenores de seu discurso no
Vantagens e limitações da entrevista momento da entrevista. A transcrição das informações prestadas
devem ser redigi das após sua realização, trabalho que, pela demo-
O investigador principiante deve conhecer as dificuldades com as ra, requer paciência.
quais se depara quando faz uso da entrevista como fonte de coleta de in-
formações. Nesse sentido, cabe destacar algumas questões pertinentes à Registro das informações da entrevista
temática, que podem servir de ajuda no momento de desenhar um proje- ----~
to de investigação. O fator a ser considerado, no momento da transcrição do que foi
Listamos algumas questões que devem ser consideradas por aque- gravado, implica reprodução do que foi dito sem resumos ou interpreta-
les que optam pela entrevista como meio de coleta de informações: ções. Esse momento é similar ao que ocorre no processo de registro das
a) existem pessoas que se recusam a responder perguntas simples, observações.
utilizando o argumento de violação de privacidade. Portanto, é funda- Na primeira etapa, os depoimentos e/ou as respostas dadas devem
mental que nas pesquisas de corte qualitativo o entrevistado esteja de ser transcritos com fidelidade, sem alteração dos vocábulos utilizados,
acordo em participar do estudo, para que as indagações sejam por ele para que se evite a contaminação das informações.
respondidas sem nenhum tipo de constrangimento. Nesse caso, de- A segunda etapa, é a síntese das informações recolhidas. Essas ser-
verá haver negociações entre pesquisador e participantes; virão para análise, momento em que o pesquisador deve ser criativo
e original ao trabalhar as informações.

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-li -

Na terceira etapa o pesquisador deve proceder às interpretações das quesitos que fazem parte dessa temática, os instrumentos que pretende-
informações recolhidas, isto é, relacionar os fenômenos encontrados com mos utilizar na coleta de informações. No relatório de pesquisa, também
as bases teóricas que utilizou na revisão de literatura. Nessa etapa, to- temos que apresentar, de forma clara e inequívoca, a dimensão do estu-
mando como referência os achados, podemos refutar totalmente ou em do realizado, muitas vezes tendo de nos servir de anexos para informar
parte uma determinada teoria, comprovar sua substância teórica, como a abrangência das informações recolhidas, número de participantes. En-
também estendê-Ia. fim, devemos deixar claro o que foi realmente realizado. Por exemplo:
Para registrar as informações de uma entrevista podemos utili- se o instrumento utilizado foi a entrevista, basta dizer que a utilizamos.
zar diferentes métodos. As circunstâncias é que irão determinar qual Em anexo, devemos detalhar o número de entrevistas realizadas, o per-
utilizar. As estratégias que recomendamos englobam os seguintes fil dos participantes, faixa etária, gêneros, período em que foram reali-
passos: zadas, etc. Esse procedimento deve ser adotado em relação aos demais
a) criar uma simbologia para identificar cada participante do estu- instrumentos utilizados na coleta de informações de um determinado es-
do, o que facilitará a descrição das informações; tudo. O relatório de pesquisa deve conter informações que retratem exa-
b) utilizar um gravador de boa qualidade para, posteriormente, trans- tamente como ocorreu a coleta de informações.
crever na íntegra tudo o que foi dito pelo entrevistado; Outra questão, referente à descrição, análise e interpretação das in-
c) fazer alguns registros pontuais no momento da entrevista, o que formações diz respeito à forma de apresentá-Ias no relatório de pesqui-
facilitará a organização das informações, inclusive para definir catego- sa. Embora não haja uma regra geral sobre essas questões, destaca-
rias e/ou subcategorias de análise; mos a importância de apresentá-Ias seguindo um fio condutor.
d) uma vez transcritas as entrevistas, devolvê-Ias aos entrevistados Dentro de um tópico da tese ou dissertação, descrever e analisar
com a finalidade de validar o seu conteúdo. Esse procedimento aumenta o os achados à luz dos objetivos do estudo e, em outro, interpretá-los. Os
nível de confiabilidade do estudo. Nesse momento, é permitido ao entre- pesquisadores mais experientes conseguem unir tais abordagens num
vistado que altere, retirando ou acrescentando, o que achar conveniente; mesmo tópico, o que requer muita organização na apresentação das
e) caso haja uma definição por parte do investigador de colocar informações.
como anexos os conteúdos da entrevista, sugerimos que se extraia do texto Os objetivos do estudo deverão perfilar de que modo será analisa-
os assuntos abordados pelo entrevistado que não sejam pertinentes ao que do o conteúdo das entrevistas. Nesses casos, se trabalha com a descons-
será analisado, uma vez que não tem sentido engrossar uma dissertação trução do texto para reconstruí-lo a partir da interpretação ideológica. Isto
ou uma tese com assuntos que não serão analisados ou que digam res- permite analisar as contradições e a consistência dos pontos de vista
peito à vida pessoal do entrevistado; de cada entrevistado. Enfim, permite extrair evidências da forma de pen-
f) extrair as informações relevantes, pertinentes ao estudo em ques- sar e agir das pessoas, uma vez que a realidade não é objetiva e existe
tão, para proceder a descrição, análise e interpretação das informações. para ser interpretada segundo o ponto de vista do pesquisador.
O processo investigatório deve estar revestido de estratégias pre- A análise de conteúdo pode ser realizada com fim descritivo ou in-
viamente estabelecidas para que o pesquisador tome decisões que lhe ga- ferencial, cujo propósito é descrever e explicar as idéias das pessoas sobre
rantam atingir seus objetivos, uma vez que o desenho que adotamos deve determinado assunto. As inferências que se podem extrair dessas análises
sinalizar os caminhos a serem percorridos, principalmente no que se re- têm como objetivo a explicação de certos fenômenos.
fere à coleta das informações. Finalmente, antes de passarmos à discussão da utilização do ques-
tionário como instrumento de coleta de informação, destacaremos algu-
Descrição, análise e interpretação mas vantagens da entrevista quando comparada ao questionário:
a) Utilizando-se da entrevista o pesquisador recolhe as informações
Penso que seria oportuno relembrar, para tratar desse tema, que o numa relação direta com os participantes do estudo, ao passo que o ques-
processo investigatório engloba pelo menos dois momentos distintos: o tionário é sempre uma forma indireta de coleta de informações.
momento de "elaboração do projeto de pesquisa" e o de "elaboração do b) Existem evidências de que é possível obter-se um percentual
relatório de pesquisa". Na metodologia devemos destacar os diferentes

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maior de pessoas que respondam a uma entrevista do que as que respon- Na opinião de Ángel (1990), os questionários não se aplicam a qual-
dem a um questionário. quer tipo de pesquisa qualitativa. Ele sustenta que os questionários não são
Entretanto, a decisão de utilizar-se uma ou outra ou ambas as es- co~siderados bons, quando instrumentos de coleta de informação, em pes-
tratégias deve ser tomada em função das circunstâncias pertinentes a cada qursas etnográficas, por exemplo. Fala, ainda, da existência daqueles que
estudo em questão, considerando sua abrangência e as condições favo- excluem totalmente sua utilização, citando a opinião de Peter Woods, de
ráveis e desfavoráveis com as quais o pesquisador se depara. que os questionários pertencem a um estilo de investigação cujos pressu-
postos básicos são diametralmente opostos à etnografia.
o questionário Evidentemente, essa posição não é hegemônica. Em 1992, uma
. O questionário, como instrumento de coleta de informações, é defi- professora universitária chilena, ao defender na Universidade de Bar-
mdo por Hayman (1974) como "uma lista de perguntas mediante a qual celona no Departamento de Didática e Organização Escolar sua tese
doutoral, afirmava tratar-se de um estudo etnográfico e que, para levá-
se obtém informações de um sujeito ou grupo de sujeitos por meio de res-
10 a cabo, se~vira-se unicamente do questionário como estratégia para
postas escritas".
Isto significa que os questionários devem estar estruturados com recolher as informações. O mais curioso é que os participantes se
uma série de perguntas escritas, elaboradas previamente, com a finali- transformaram em amostras, isto é, não houve nenhuma negocia-
dade de averiguar a opinião dos indivíduos aos quais se destinam, sobre ção com aqueles que fariam parte do estudo. Enviou aproximada-
mente cinqüenta questionários e apenas oito retomaram. Enfim, o
~lgum tema específico. Quando utilizado em pesquisas de corte qualita-
tivo, as perguntas que compõem o instrumento como um todo, devem trabalho foi concluído e aprovado pela banca examinadora com base
estar estruturadas de tal forma, que se ajustem à problematização do es- nas parcas informações recolhidas, sem que nenhum membro da
tudo. Isso significa que o pesquisador ao proceder a análise das respos- banca questionasse a validez metodológica adotada.
tas dadas pelos participantes, deve poder interpretá-Ias e, de certa for- De qualquer forma, o objetivo não é discutir se podemos ou não
ma, e~contrar respostas para seu projeto inicial. nos servir do questionário em pesquisas com determinado corte meto-
E evidente que o questionário também é utilizado em pesquisas de do lógico, mas sim, aproveitar para problematizar essa questão. Somos
corte quantitativo, podendo ser estruturado de diferentes formas. Encon- de opinião que a complexidade com a qual nos deparamos ao construir
tramos qu~stionários de resposta única entre várias apresentadas, um qu~st~onário para elucidar nossas inquietações não impede seu
opção múltipla não-hierarquizada, opção múltipla hierarquizada, etc. uso, principalmente quando o utilizamos como um instrumento a mais
Nesses casos, o pesquisador utilizará modelos matemáticos para dar en- no recolhimento de informações de uma investigação.
caminhamento à análise das respostas. Por outro lado, quando utilizamos o questionário como único ele-
Nas pesquisas de "corte qualitativo" a estrutura do questionário mento na coleta de informações de um determinado estudo, é fundamen-
pode conter perguntas "abertas e fechadas", seguindo-se as mesmas es- tal qu~ sejam definidas previamente algumas categorias de análise, para
tratégias utilizadas para organização de entrevistas. garantir uma certa coerência interna do estudo. Nesse caso, é fundamental
Porém, entre esses dois instrumentos de coleta de informações exis- que as perguntas encaminhem-se nessa direção e estejam ajustadas ao
tem diferenças substantivas que o pesquisador deve avaliar com muito problema e aos objetivos do estudo.
cuidado antes de definir as estratégias que pretende adotar no seu estudo.
Vantagens e desvantagens
Se as "entrevistas" proporcionam um contado direto do pesquisador e/ou
colaboradores com os participantes, a utilização do "questionário" deter- Uma das vantagens apontadas por diferentes autores é que a utiliza-
mina ao participante que responda as indagações através de um relato es- ~ão do questionário possibilita a obtenção de um significativo número de
crito. Conseqüentemente, as finalidades do estudo, seus propósitos e abran- mformações de pessoas distribuídas em uma área bem extensa. Por exem-
gência ?everão indicar que instrumentos deverão ser utilizados para reco- plo: quando o objetivo do estudo é recolher informações pertinentes a uma
lher as mformações necessárias. temática específica de especialistas de um determinado estado ou país.
Nos permitimos discutir um pouco tal abordagem. A argumentação
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anterior segue a direção do paradigma positivista, isto é, parte da premis- de quem efetivamente o preencheu. Conseqüentemente, esse sempre é
sa de que podemos generalizar tudo. Ora, no campo das ciências sociais um risco que corre o pesquisador, uma vez que não há como constatar
e, principalmente, quando se trata de investigação no campo educativo exis- que o mesmo foi preenchido pela pessoa a que foi enviado.
tem, atualmente, muitas evidências que apontam no sentido de que a rea- Outra desvantagem do questionário, como instrumento de coleta de
lidade não é objetiva, ao contrário, ela deve ser interpretada como se apre- informações, refere-se à "estimativa de retorno" dos que são enviados,
senta nos diferentes contextos sociais. Contextualizar ao analisar e inter- essa sempre é uma incógnita. Poderá constituir-se em um problema a
pretar as informações é um pressuposto básico da pesquisa qualitativa. mais, quando o pesquisador utilizá-Io como a única forma de colher in-
Antes de definirmos a utilização do questionário como instrumento formação, principalmente, quando tem prazos para conclusões do estu-
de coleta de informações para a busca de generalizações, devemos do. Nesse sentido, o pesquisador deve pensar muito antes de definir
pensar em que paradigma está situado o estudo que se pretende de- os instrumentos que irá utilizar.
senvolver. Entretanto, quando nos definimos em utilizar o questionário como
Portanto, as vantagens do uso do questionário devem ser analisa- instrumento de coleta de informação na pesquisa de corte qualitativo, é
das sempre em função do paradigma de estudo adotado, uma vez que fundamental sua aplicação como "estratégia preliminar".
aquilo que pode ser apontado como vantagem dentro de uma perspecti- Isto significa que deverão ser feitos estudos preliminares. Para tanto,
va, pode constituir-se em desvantagem em relação a outra. devemos selecionar alguns indivíduos, de preferência com perfil próxi-
Outra vantagem, apontada por diferentes autores que tratam sobre a mo àqueles que serão os participantes, o que permitirá promover os ajus-
utilização do questionário no processo investigatório, dá-se no sentido de tes necessários aos objetivos do estudo. Em outras palavras, precisamos
que podemos aplicá-Io a um grande grupo ao mesmo tempo, uma vez que ter garantias de que o instrumento utilizado nos conduzirá a averiguar
o questionário não necessita adaptação a cada participante como ocorre aquilo a que nos propomos.
com a entrevista. Os questionários podem ser utilizados como um meio Outro cuidado diz respeito à estratégia de elaboração para assegurar
para receber informações generalizadas, de uma amostragem ampla, que uma maior confiabilidade nas respostas. As experiências com a utilização
permita, posteriormente, uma análise mais profunda de caráter qualitativo. desse tipo de instrumento indicam que quanto menos extenso o questio-
Seguindo esta linha de argumentação, Schrader (1978) opina que: nário, maiores as probabilidades de confiabilidade nas respostas, já que o
a) aplicar um questionário a três pessoas selecionadas ao azar, não tempo despendido pode levar à saturação daquele que responde. Isto sig-
é o mesmo que fazê-lo a três voluntários que se oferecem para realizar a nifica que questionários muito extensos constituem-se em entraves para
tarefa ou participar de um estudo; que se obtenham respostas confiáveis. Por outro lado, sua extensibilida-
b) aplicar ao diretor da escola, não é o mesmo que a um professor de pode se constituir em fator pouco encorajador àqueles que irão res-
que está em oposição à equipe diretiva. pondê-lo, uma vez que implica tempo maior a ser despendido.
Conseqüentemente, o valor do questionário depende da riqueza das
questões que contém, da precisão como elas estão colocadas e da ade- o envio do questionário
quação de sua extensão.
Embora haja pertinência nas argumentações utilizadas por Schra- Quando a aplicação do questionário é feita pelo próprio pesquisa-
der, penso que a utilização do questionário, como de qualquer outro ins- dor a determinado grupo, é importante definir previamente e informar
trumento no recolhimento de informações na pesquisa qualitativa, requer aos participantes o local, hora e tempo previsto para respondê-lo. O cli-
como premissa ética, uma negociação com os participantes, uma espé- ma que antecede sua aplicação poderá ter efeitos relevantes em relação
cie de aval. Os participantes devem saber do que se trata e se mostrar a confiabilidade nas informações prestadas.
disponíveis a prestar as informações sugeridas. Quando o pesquisador conta com o apoio de colaboradores para
Uma das "desvantagens do questionário", quando estes são envia- aplicação dos questionários, é fundamental que faça um treinamento pré-
dos pelo correio ou através de qualquer outro meio, consiste na impossi- vio com sua equipe, para que a rotina adotada pelos colaboradores não
bilidade de controle da "situação de mensuração", isto é, na constatação interfira no processo.
Quando os participantes do estudo não residem no mesmo local do

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investigador, é necessário que se adotem estratégias para o envio do ques- mações, deve estar pensando: 'já que é revestido de subjetividade e contra-
tionário. Schrader enfatiza, ao tratar do tema, que tão importante quanto dições, como poderá se constituir em instrumento de coleta de informações?"
a elaboração do questionário, são as estratégias a serem adotadas para o É verdade que os livros de metodologia da pesquisa não falam so-
seu envio. Sugere-se a "formulação e elaboração de uma carta introdu- bre o tema. Falam de outra coisa, ou seja, de "notas de campo". Mas o
tória" que deverá acompanhá-Ia. A carta tem a finalidade de substituir a memorial tem finalidades valiosas como instrumento complementar na
confiabilidade da pessoa entrevistadora, devendo, por isso, ser assinada pesquisa qualitativa, uma vez que é elaborado pelos participantes. Quan-
por uma instituição idônea ou pelo próprio pesquisador, fornecendo en- do nos referimos ao memorial, estamos situando-o como instrumento
dereço completo, telefone, fax, etc. de coleta de informações, diferente, certamente, da observação, da en-
Schrader faz referência ainda à "dramaturgia do questionário", su- trevista e do questionário. Pertinente, entretanto, a determinados
gerindo que se tome cuidado com aspectos que podem impedir que a tipos de estudos ou problematizações, sua utilização depende dos
pessoa não apenas interrompa ou deixe de responder algumas pergun- propósitos da investigação.
tas, mas, também, envie de volta o questionário. Um memorial poderá ser apresentado pelo menos de duas for-
Portanto, é necessário, por um lado, que o investigador envie mas distintas: oral ou escrito. O investigador pode utilizar-se dos
envelopes selados com vistas a aumentar a probabilidade de retorno relatos orais dos participantes como fonte documental. Nesse caso,
dos mesmos e, por outro, quando possível, é importante que mante- os relatos registrados pelo pesquisador se constituem em notas de
nha contato, por telefone ou qualquer outro meio de comunicação, campo ou em determinado tipo de registro de observação. Quando
com os participantes, como forma de persuadi-Ios a responder e utilizamos memoriais descritivos como instrumento de coleta de
enviar suas respostas. informação, estamos falando "de um instrumento que contém informa-
ções que o participante do estudo elaborou", de acordo com o seu jeito,
Memorial descritivo forma, extensão, vocabulário, etc., para relatar situações vivenciadas.
Um fator relevante do ponto de vista metodológico é a confiabili-
Para focalizar a temática, voltemos à questão sobre a natureza da dade da informação, embora entendemos que nunca se obtém uma con-
atenção. Os estudos de Lahr sustentam que, quando a concentração é fiabilidade plena, porque, ao escrever seu memorial, o indivíduo pode
aplicada a idéias abstratas ou a fenômenos da consciência, estamos no omitir informações, mascarar ou mentir sobre o que informa. Mas ques-
âmbito da reflexão, isto é, da atenção interna. tões dessa ordem também podem ocorrer quando fazemos uso de outros
Como definir memorial? Diferentes enfoques podem ser dados ao instrumentos.
termo, mas o utilizamos como sendo "uma descrição com muitos por- Evidentemente, um pesquisador preparado, experiente, servindo-se
menores de uma realidade vivida". A característica do memorial é que de outras estratégias observacionais, é capaz de detectar questões dessa
se refere aos fenômenos da consciência, isto é, retrata, sempre, as for- ordem ao triangular informações. Para isso, deve evitar ao optar, ao reali-
mas de pensar de um indivíduo diante de situações vivenciadas. Está sem- zar pesquisa de corte qualitativo, por um único instrumento de coleta de
pre relacionado ao passado. Talvez ao presente. Quando alguém faz o informações. Em síntese, o que queremos deixar claro é que, quando tra-
registro daquilo que foi sentido e vivenciado, registra o passado. Em ou- balhamos com informações redigidas pelos próprios participantes, temos
tras palavras, o conteúdo de um memorial diz respeito a emoções, cren- a garantia a priori de que essas não foram distorcidas pelo pesquisador,
ças, valores, ansiedades, medos, contradições, prazeres e desprazes do como pode acontecer quando utilizamos entrevistas e não devolvemos as
indivíduo. É, antes de mais nada, o registro da forma de pensar sobre si anotações que fizemos para os participantes validá-Ias.
mesmo, da forma de atuar, de ser e estar no mundo, de como analisa os O memorial descritivo, como instrumento de coleta de informações,
acontecimentos vivenciados. Enfim, é o registro escrito de situações vi- pode ser utilizado para análise de depoimentos registrados de situações
venciadas, das relações intra e interpessoais. Nesse sentido, o memorial vivenciadas. O princípio fundamental é apoiar-se nos registros construí-
é sempre revestido de interpretação, de subjetividade e de contradições. dos pelos próprios participantes do estudo. Nossa experiência com esse
O leitor, que desconhece esse valioso instrumento de coleta de infor- tipo de instrumento começou com estagiários de Educação Física na dé-

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cada de 80. Nessa época, tomamos a decisão de não solicitar mais pla- samento deve estar centrado sobre o eixo daquilo que estamos infor-
nos de aulas aos nossos estagiários, pois partimos do princípio que está- mando ou discutindo. Podemos até passar de um assunto para outro para
vamos solicitando o que era óbvio. Pensamos, em determinado momen- esclarecer o anterior, mas, neste caso, devemos registrar por que o fa-
to: "como alguém pode dar uma aula sem prepará-Ia?" zemos e destacar o momento em que estamos retomando a narrativa,
A questão que nos motivou a essa tomada de decisão foi o fato de caso contrário, a informação fica confusa e, muitas vezes, sem sentido
que poucas informações obtínhamos sobre as necessidades dos estagiá- para o leitor.
rios ao ler seus planos de aula, mesmo quando, de posse do planejamen- Em outras palavras, a comunicação escrita é uma aprendizagem
to, assistíamos a aula que ministravam. Esse tipo de observação apenas como as demais. Necessita de exercício e parece ser uma das moda-
nos permitia verificar se aquilo que haviam planejado havia sido ou lidades de aprendizagem pouco explorada, seja no ensino básico
não levado a cabo. Entretanto, mesmo que tudo ocorresse confor- ou na universidade. A premissa básica da utilização do memorial
me estava planejado, não nos permitia fazer qualquer inferência sobre não se encerra naquilo que acabamos de descrever, mas, também,
os motivos que levaram a fazer tal planejamento e, muito menos, porque é através dele que falamos de como nos sentimos em
sabermos quais facilidades e dificuldades que haviam encontrado determinada situação, explicitando nossas emoções, informações
ao desempenharem a função docente. impossíveis de serem captadas, mesmo por um observador trei-
A partir de então, passamos a orientá-los na elaboração de me- nado. Nesse sentido, o memorial descritivo no processo investigató-
moriais descritivos semanais, sobre o desempenho que tiveram na expe- rio pode ser utilizado como ferramenta valiosa na coleta de informa-
riência docente. A recomendação fundamental na elaboração era a de que ções, isto é, na documentação sistemática de situações vivenciadas
fizessem registros após ministrarem suas aulas: ou, ainda, na elaboração de relatórios técnicos.
a) o quê e como ocorreu, com base em impressões pessoais sobre Quando falamos na elaboração de memorial descritivo, signi-
os fatos; fica dizer que este requer, fundamentalmente, registros permanen-
b) as impressões sobre a resposta dos alunos, registrando suas sa- tes das situações vivenciadas, organização mental e rotina para des-
tisfações e frustrações. crição dos fatos. Isso implica dizer, que não se ajustam a qualquer
Os memoriais, que recolhíamos semanalmente, foram nos nu- tipo de investigação, ou seja, devem ser pensados em função da
trindo de informações altamente relevantes para desenvolver nossa problematização e dos objetivos da investigação.
função de orientador de estágio. Através dessa estratégia, percebe- Finalmente, o questionamento que ouvimos com freqüência é o
mos que podíamos conversar com os estagiários e, a partir das ne- seguinte:
cessidades apontadas por eles, de certa forma, atendê-Ios. Foi a par- "Como fazer um memorial descritivo?"
tir desse momento que começamos a compreender a importância dos Ao termos uma tarefa a cumprir, principalmente quando esta se refere
memoriais descritivos como instrumento de coleta de informações, por- a alguma atividade que ainda não experimentamos, uma das nossas primei-
que passamos a ter informações sobre dificuldades e facilidades do pro- ras indagações é "por onde começar?" ou, ainda, "o que fazer primeiro?"
fessor em formação, que até então não havíamos detectado. Esse exem- Queremos logo saber se existem formas de organização e, consciente ou in-
plo tem a finalidade de situar o memorial descritivo no âmbito dos ins- conscientemente, buscamos modelos-padrão nos quais nos orientar.
trumentos de coleta de informações na pesquisa qualitativa. A intenção aqui não é dar um receituário, uma vez que esse tema
O memorial descritivo se caracteriza por uma comunicação escri- pouco tem sido explorado como instrumento de coleta de informações
ta, diferenciando-se da comunicação oral. Quando utilizamos a comuni- nas pesquisas, já que os livros de metodologia não tratam especificamente
cação oral, podemos mudar rapidamente o foco da narrativa para fazer do assunto. Preferimos reforçar a idéia de que a elaboração de um me-
referência a aspectos de outra ordem, seja pela eclosão das emoções, se moria! deve ser fruto da reflexão e da forma de pensar a organização do
a temática nos motiva, seja pela participação dos outros na conversação, relato de uma situação vivenciada. Entretanto, cabem algumas coloca-
deslocando o eixo inicial da comunicação. ções que podem ser úteis àqueles que pretendem utilizá-lo como instru-
Ao contrário, ao escrever, devemos seguir um fio condutor. O pen- mento de coleta de informações.

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o relato deve: deve, invariavelmente, supor o que estamos sentindo. Provavelmen-
a) retratar a realidade vivenciada em determinado tempo e espaço te essa é uma questão geradora de ansiedade, de medos e receios, de
pelo indivíduo que informa; vontade de parar tudo para não descobrir-se no corpo do outro, para
b) incluir opiniões pessoais sobre os diferentes momentos vivencia- não deslocar para dentro do seu corpo o corpo do outro. Acredito que
dos e observados; existiram três grandes momentos no que se relaciona a interação com
c) permitir o emergir das emoções, dos sentimentos, das facilida- o corpo do outro: A dança de olhos vendados - onde as colegas sem
des e dificuldades que cada um apresenta frente a diferentes situações. venda nos tiravam para dançar, os vários corpos que se revezavam e
Entretanto, quando utilizamos o memorial descritivo como fonte que não podiam identificar - mesmo assim identifiquei alguns - e quero
documental no processo investigatório, devemos guardar sigilo so- dizer que foi muito legal dançar com a fulana, eu estava com os olhos
bre a identificação dos informantes. Uma vez selecionado o conteúdo que vendados e mesmo assim ela não tentou me guiar, não ficou com medo
interessa ao investigador, é importante organizar os informes, numeran- que eu me machucasse, simplesmente permitiu que eu fizesse os mo-
do-os e classificando-os por grupos, quando for o caso. Através de uma vimentos que a música pedia, me deixou livre, a liberdade que deve
leitura seletiva e criteriosa, o investigador deverá criar categorias rele- existir no trabalho terapêutico. A massagem nos pés - o pé sempre foi
vantes de análise, selecionando os conteúdos informativos que auxiliem uma parte que me deu muito prazer e foi muito gostoso poder receber
à fundamentação de questões pertinentes ao estudo. esse prazer sendo descoberto pelas colegas, a colega que trabalhou
Com o objetivo de ilustrar sobre qual o conteúdo que pode ser ex- comigo disse que seu pé nunca havia sido massageado e fiquei pen-
traído de um memorial descritivo, transcrevemos, a seguir, parte do re- sando no quanto aquela aula vai ser levada para a sua vida. As másca-
lato de uma psicopedagoga que participou de sessões de terapia corpo- ras - poder pintar o rosto da colega é mais que uma simples brincadei-
ral conosco no primeiro semestre de 1998. Destaca-se que as participantes ra de fantasiar alguém com aquilo que gostaríamos de ser fantasiado,
desse grupo eram professoras de diferentes disciplinas, psicólogas neste momento ousamos tocar na colega, acariciá-Ia e trabalhar todas
e pedagogas que, na época, estavam concluindo um curso de espe- as questões de imaginação e gênero que forem possíveis de serem tra-
cialização em psicopedagogia clínica, no qual éramos responsáveis balhadas naquele espaço de tempo. Como é isso de outra mulher me
pela disciplina denominada Formação Pessoal do Adulto. tocando? O que é ser mulher? E esse sentimento diferente? Que sen-
Essa disciplina tinha como objetivo oportunizar vivências, com a sações essa mulher pode me fazer sentir? O que eu faço com a libido
finalidade de provocar reflexões sobre a disponibilidade corporal dos que desperta? Essas questões aparecem naturalmente à medida que nos
participantes. A estratégia metodológica seguia uma rotina, na qual um damos conta que não é o biológico que determina o gênero, já que é no
dos momentos era destinado à construção de um memorial descritivo corpo que fixamos nossa identidade e é a partir dele que mostramos
sobre o que era vivenciado em cada sessão.êOs alunos tinham como uma aos outros quem somos.
das tarefas da disciplina, elaborar um memorial descritivo que retratasse Muitos são os aspectos deste relato que podemos analisar e in-
sua participação nas sessões de prática corporal. terpretar, mas a intenção foi, inicialmente, oferecer ao leitor uma vi-
O registro que fazemos a seguir é literal, isto é, transcrevemos exa- são mais concisa da fonte de informações que os memoriais descriti-
tamente como foi escrito pela participante, embora represente apenas um vos são capazes de produzir. Queremos ainda registrar que o relato
segmento de seu memorial: escrito sempre é mais confiável que o verbal, principalmente, quan-
Parte 3 -- O corpo do outro do trabalhamos com um grupo e utilizamos a verbalização no final
Tocar no corpo do outro nos revela o que sentimos quando nos- da sessão como estratégia pedagógica para provocar a exteriorização
so corpo é tocado por alguém. Alguém que já teve o corpo tocado, dos sentimentos. Uma outra aluna, em certo momento de seu memo-
rial descritivo, declara que ao relatar ao grande grupo não foi sincera
em determinado momento para não criar constrangimentos, o que não
2A rotina da sessão e as estratégias metodológicas em nível de intervenção pedagógica.
estão detalhadas no livro Terapias corporais: aformação pessoal do adulto. Porto Ale- deixa de ser a exteriorização de um comportamento que sinaliza in-
gre: Edita, 1998, de nossa autoria. segurança pessoal.

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o fato de o relato escrito conter ingredientes que aumentam a das informações no decorrer do processo investigatório, bem como número
confiabilidadeda informação, não anula a probabilidade de também de observações, entrevistas, questionários, datas, locais, período em que ocor-
conter informações pouco verdadeiras. Entretanto, em nosso enten- reram' etc. Inclusive, se for o caso, deverá constar todo o tipo de ilustração
dimento, num relato escrito, cujos depoimentos não serão de conhe- para que dê maior dimensão sobre o trabalho realizado.
cimento público com a identificação de quem o produziu, existe uma
grande probabilidade de as informações serem confiáveis. Não reco-
mendamos que ao elaborar um projeto de pesquisa de corte qualitati- CONSIDERAÇÕES FINAIS
vo se utilize apenas um instrumento de coleta de informações.
Quanto mais instrumentos pudermos utilizar para colher informa- As estratégias e os instrumentos de coleta de informações utiliza-
ções pertinentes aos objetivos do estudo, maiores serão as possi- dos na pesquisa qualitativa não se esgotam entre os aqui referenciados;
bilidades de confrontar as informações, aumentando, de forma con- outros recursos são utilizados: fotografias, gravação de vídeos, etc. Nossa
siderável, a confiabilidade. intenção, ao escrever sobre esse tema, não foi esgotar o assunto, mas
levantar algumas reflexões sobre a utilização dos instrumentos mais usuais
nas pesquisas de corte qualitativo.
ORGANIZAÇÃO E APRESENTAÇÃO DAS INFORMAÇÕES Antes de finalizarmos nossa abordagem, pensamos ser oportuno
falar sobre um elemento relevante da pesquisa qualitativa, ou seja, o pro-
Um aspecto que queremos apresentar antes de encaminhar as conside- cesso de categorização, pois não basta colhermos informações, temos
rações finais desta abordagem, se refere à forma de apresentar as informações também de pensar como trabalhar com elas.
pertinentes aos instrumentos de coleta de informação utilizados em determi- Sabe-se que o termo "categoria" é eminentemente filosófico. Se-
nado estudo, seja ela uma tese doutoral ou uma dissertação de mestrado. gundo Lahr, os escolásticos, seguindo Aristóte!es, dividem os seres fini-
Um trabalho acadêmico dessa dimensão, pode ser apresentado tos em dez classes distintas, chamadas de "categorias ou predicarnentos".
em diferentes estilos e/ou formas, mas em qualquer uma delas, cer- A explicação filosófica diz que a primeira categoria contém a subs-
tamente, deverá haver um tópico que trate da "metodologia" utiliza- tância, as demais compreendem nove maneiras de ser reais da substância,
da. Nesse tópico da tese ou dissertação é que o pesquisador deve dar que são as nove categorias de acidente, ou seja, "a quantidade, a qualidade,
a dimensão do estudo, desde o paradigma adotado, métodos utiliza- a relação, o lugar, o tempo, a ação, a paixão, a situação e o hábito." As dez
dos, etapas que nortearam a investigação, participantes do estudo, categorias escolásticas são classes de objetos reais. Diz Lahr, que o espírito
forma de selecioná-Ios, etc. não constrói esses objetos, mas encontra-os na própria realidade, contentan-
Entre esses quesitos, deve haver um que trate dos "instrumentos de do-se em abstraí-Ios e distingui-los uns dos outros. Esses apartes, sob o nosso
coleta da informação". Nesse subtópico, dentro da metodologia, é perti- ponto de vista, já são suficientes para compreender a transferência do termo
nente que o pesquisador fale de cada um dos instrumentos utilizados na ao campo pedagógico e, mais especificamente, à pesquisa educativa.
coleta da informação, de preferência apresentando um quadro geral que Analisamos outra concepção dada ao termo por Visauta (1989).
dê ao leitor idéia da dimensão do estudo, como por exemplo, número de Entende esse autor, que as categorias são seções ou classes de determi-
observações realizadas (tipo, data, etapa, período de realização, etc.). Se nados elementos sob um título genérico, isto é, referem-se a unidades
utilizou mais de um instrumento no estudo, esses devem estar dimensio- de análise ou de registro como ocorre na análise de conteúdo. Por outro
nados nesse quadro geral. lado, diz respeito à reunião que se realiza em razão de características de
Por outro lado, para cada instrumento utilizado, referenciado nesse elementos comuns, supõe, entretanto, maior grau de abstração e de com-
subtópico, o pesquisador deve colocá-lo como um anexo, dando uma visão preensão conceitual na análise.
clara e concisa dos instrumentos utilizados. Muitos outros anexos devem Para Gil Flores (1994), as categorias deixam de ser unicamente uma fer-
acompanhar a tese ou dissertação, de maneira que não fiquem dúvidas tanto ramenta que utiliza o investigador para organizar seus dados e constituem por
para o examinador como para o leitor, sobre a ordem cronológica da coleta si mesmas um produto de análise, um resultado da investigação.

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É comum encontrarmos posições que sugerem que, na pesquisa NEGRINE, A. Memorial descritivo. In: Terapias corporais: a formação pesso-
qualitativa, devemos definir as categorias de análise antes de iniciar a al do adulto. Porto Alegre: Edita, 1998. p.lOO-1l3.
coleta de informações. Essa abordagem não pode servir como regra ge- _. Investigação histórica: relevância e estratégia metodológica nas ciências do
ral, visto que, dependendo dos objetivos do estudo, ao definir por an- movimento humano. Revista Perfil, Porto Alegre: Programa de Mestrado em
tecipação as categorias de análise, fechamos o estudo a outros acha- Ciências do Movimento Humano - ESEF/UFRGS, v.lI, n.2, p.4-13, 1998.
dos que podem surgir no decorrer do processo. Nesse sentido, enten- SCHRADER, A. Introdução à pesquisa social empirica. Porto Alegre: Globo,
demos que há estudos qualitativos nos quais as categorias devem ser 1978.
VISAUTA, B. Técnicas de investigacián social I: recogida de datos. Barcelona:
definidas e redefinidas no decorrer do próprio processo investigatório,
PPU,1989.
pois é a flexibilidade da pesquisa qualitativa que marca a diferença com
VYGüfSKI, L.S. El desarrollo de los procesos psicológicos superiores. Bar-
os modelos quantitativos. celona: Críticca, 1982.
Finalmente, ao adotar modelos qualitativos, o pesquisador deve WALLON, H. La evolución psicologica del nino. Buenos Aires: Psique, 1980.
cercar-se de estratégias que permitam triangular informações, de forma WITTROCK, M. C. La investigacián de Ia enseiianza II - métodos cualitativos
que, as inferências que surgirem do processo investigatório estejam re- de observación. Buenos Aires: Paidós, 1989.
vestidas de um maior grau de confiabilidade.

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