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Para Boaventura de Sousa Santos, universidades não devem ser fábricas de diplomas, mas
centros de pensamento livre abertos à cultura popular
Na década de 1970, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos morou quatro meses
na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro. A convivência com os habitantes foi a matéria-
prima para a sua proposta de ecologia de saberes, que combina o arcabouço científico com o
conhecimento popular. Para ele, as universidades devem “se descolonizar”, se abrir, por
exemplo, à sabedoria dos povos indígenas como base para uma nova relação com a natureza.
As instituições, em sua tradição de séculos, não podem se reduzir a fábricas de diplomas,
adverte. “A alternativa é a de continuarem centros de conhecimento livres, críticos e
independentes.”
Recebeu a Revista PUCRS com tempo cronometrado, pois seguiria para um encontro com o
grupo de rap Rafuagi, em Esteio. “Quem quiser conhecer a história da Guerra Farroupilha
deve ouvir o Manifesto Porongos”, recomendou à turma da disciplina A Invenção da
Pedagogia.
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Primeiro, temos de educar os educadores. Na concepção das epistemologias do Sul, devemos
considerar que a ciência é preciosa, mas não única. Se eu quiser ir à Lua, preciso de
conhecimento científico e tecnológico, mas, se quiser conhecer a biodiversidade da Amazônia,
preciso dos saberes dos povos indígenas. Em certas Faculdades de Medicina, hoje, os
estudantes não estão sujeitos apenas ao conhecimento médico eurocêntrico, mas têm aulas
com os médicos tradicionais, famosos pela qualidade das ervas. Há aqui uma ecologia de
saberes. Universidades que estão próximas de regiões com populações indígenas significativas
têm a possibilidade não só de ensinar o direito oficial, mas levar caciques locais, que manejam
questões de justiça, castigo, sempre com uma ideia não romântica. Todos os conhecimentos
são incompletos. Em vários países estão a ser dados direitos humanos aos rios, considerando-
os sagrados. Para o direito ocidental, é um absurdo, mas foi o que fizeram a Nova Zelândia e a
Colômbia. São outros conceitos de natureza, para a vida continuar a ser possível na Terra. Os
jovens, para quem eu tenho lecionado essas matérias em várias partes do mundo, não
conhecem nada da filosofia indígena, estão disponíveis a essa ideia. É uma mudança de
paradigma, que levará o seu tempo.
“Hoje temos muito conhecimento, social, nunca se publicou tanto. Os oito homens mais ricos do mundo têm tanta
riqueza quanto a metade mais pobre da população. Por que há tanto conhecimento se ele é problemático? O que nos
trouxe até aqui não é o melhor para nos tirar daqui”
Em sociedades complexas, não existe um mínimo de ordem sem regulação de relações sociais
e entre indivíduos, deles com o Estado, comunidades e organizações, visando sempre o
entendimento de uma sociedade melhor. Mas nunca é perfeita, pois a regulação é feita a partir
de quem tem mais poder. Há um princípio de contradição. Ela é feita por reguladores, que,
mesmo em sociedades democráticas, nem sempre aceitam a participação do regulado nas
decisões. Há quem a conteste em nome de uma regulação melhor, a emancipação. Não é caos,
mas a produção de uma regulação inclusiva, mais justa, mais harmônica com a natureza.
A educação transformadora, como eu próprio defini, é intercultural, não ensina para provas,
para repetição e manutenção do status quo, mas visa criar o espírito crítico, fazer com que os
estudantes apreciem a diversidade de opiniões, que possam criticar e argumentar. A educação
transformadora não conhece o inimigo, é contra qualquer discurso de ódio, admite que todos
os conhecimentos são incompletos e está a buscar outros.
Para a tese de doutorado, vivi numa favela do Rio de Janeiro, onde aprendi a conversar com
gente considerada bandida, negros, os que viviam nas quebradas. Aprendi muito da sabedoria
de vida que tenho com sapateiros, a mulher da mercearia, o pai de santo. Eu não teorizei à
altura. No Fórum Social Mundial, vi tanto movimentos trazerem suas ideias sobre o mundo
que fiquei fascinado. Foi então que comecei a criar as epistemologias do Sul, que é o
conhecimento nascido nas lutas contra a repressão. Não é o Sul geográfico, porque há muitos
que pensam como o Norte. Esse conhecimento nos enriquece.
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O senhor tem pesquisas sobre o Orçamento Participativo, que surgiu
em Porto Alegre. Como vê a atual falta de mobilização?
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