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NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITO 2012/2013

1.º – Características da Ordem Jurídica

As características principais da Ordem Jurídica, considerada como um todo,


são:

1. Imperatividade

 A Ordem Jurídica é, no seu conjunto, constituída por ditames obrigatórios,


imperativos de dever-ser.

2. Coercibilidade

 Sendo as normas obrigatórias (imperatividade), o seu incumprimento


(violação) está associado à possibilidade, suscetibilidade, de aplicação
ao infrator de sanções jurídicas

 A imperatividade determina que o não acatamento das normas jurídicas


acarreta a existência de sanções, que podem ser de diverso tipo:

a) Sanções reconstitutivas – são as que procuram a obtenção de um


resultado o mais próximo possível caso a norma não tivesse sido
violada

I. Reconstituem a situação anterior à violação,


devidamente atualizada.

i. Reconstituição em espécie ou in natura – artigo 562.º CCivil (obrigação de


indemnização), artigo 289.º n.º 1, primeira parte (efeitos da declaração de
nulidade e da anulação), 1221.º CCivil (eliminação dos defeitos na
empreitada);

II. Noção – “Reconstituem” a situação que deveria existir


se a obrigação ou norma positiva tivesse sido
cumprida

i. Execução específica de uma prestação de entrega de coisa certa (827.º


CCivil);

ii. Execução de uma prestação de facto fungível (828.º CCivil);

iii. Execução específica de um contrato promessa (830.º n.º 1 CCivil);

b) Sanções compensatórias – procuram compensar a vítima de um


facto ilícito quando a reconstituição natural não seja possível –
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artigo 566.º CCivil (indemnização em dinheiro), artigo 289.º n.º 1,


segunda parte (efeitos da declaração de nulidade e da anulação),

c) Sanções punitivas – visam impor um sofrimento ao infrator

I. Criminais: aplicáveis aos autores de crimes (pena de


prisão e pena de multa)

II. Disciplinares: aplicáveis no âmbito de violação de dever


disciplinar (contrato de trabalho, funcionalismo público,
etc.)

III. Administrativas: violação de normas do direito de mera


ordenação social (contravenções, coimas e algumas
sanções acessórias)

IV. Civis: visam sancionar, no âmbito do direito civil, o


incumprimento de um dever ou obrigação ou ainda um
mau comportamento (442.º n.º 2 CCivil, 2034.º CCivil)

d) Sanções preventivas – visam evitar a violação futura de normas


jurídicas. Daí ser discutível a sua inserção no âmbito das sanções
jurídicas. São exemplos as medidas de segurança, a inibição do
exercício de determinada profissão, as garantias patrimoniais
penais.

e) Sanções compulsórias – Visam forçar, compelir, o agente a cumprir


determinado comportamento. É o caso da sanção pecuniária
compulsória (829.º-A CCivil) e o direito de retenção (754.º e 755.º
CCivil)

f) Ineficácia jurídica em sentido amplo – A doutrina não é pacífica na


consideração da ineficácia jurídica, em sentido amplo, como sanção
jurídica. Não deixa, todavia, de ser uma punição por violação de uma
norma legal. A ineficácia em sentido amplo pode subdividir-se nas
seguintes subespécies:

I. Inexistência jurídica: o facto não produz qualquer efeito


para o Direito, como se nunca tivesse existido (1628.º
CCivil, casamentos inexistentes).

II. Invalidades: os atos existem mas o Direito não lhes atribui


valor (286.º a 289.º CCivil)

i. Nulidade – os efeitos do ato deixam de existir


desde o seu primeiro momento
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ii. Anulabilidade – o ato anulável produz efeitos


válidos até ser declarada judicialmente a sua
anulação. Mesmo após a sua anulação, os efeitos
que se produziram até essa declaração continuam
válidos

III. Ineficácia em sentido estrito: uma circunstância estranha


ao ato não permite que todos os seus efeitos sejam
produzidos. A remoção dessa circunstância espúria
poderá causar a produção da totalidade dos efeitos do
ato (artigo 268.º CCivil)

3. Estatalidade

 Traduz-se no facto de, em regra, caber ao Estado a tutela do Direito


através da denominada tutela pública, seja ela judiciária ou
administrativa. Essa tutela tem como pressuposto o reconhecimento,
pelo Estado, de determinada norma como jurídica. É o Estado, pois, que
tutela o Direito e garante a sua aplicação, se necessário pela força. É ao
estado que, salvo determinadas exceções, cabe o uso da força.

4. Exterioridade

 A questão da exterioridade é relevante para diferenciar a ordem jurídica


da ordem religiosa. A exterioridade prende-se com o entendimento de à
ordem jurídica interessar apenas os comportamentos, as ações, os atos
humanos exteriorizados e já não os factos internos.

 A exterioridade, todavia, não significa que para o Direito apenas


interesse o facto externo. Com efeito, circunstâncias há em que a
motivação, a intenção do agente, o facto interno da decisão, pode ter
relevo jurídico, desde que, obviamente, tenha sido exteriorizada num
comportamento (exemplo disso é o dolo, nas suas variantes, e a
negligência, designadamente para efeitos penais)

 Enquanto para a Moral, o facto interno é relevante de per si, sendo a


sua exteriorização um plus, um agravamento da menos-valia ética, na
ordem jurídica o facto interno por si só, isolado de um comportamento
que o concretize, não tem qualquer relevo.
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Manuel de Almeida Ribeiro, Introdução ao Direito para as Ciências Sociais, pp


31 a 38
Germano Marques da Silva, Introdução ao Estudo do Direito, 2009, pp 183,
186, 238 a 244.
Carlos Loureiro, Sumários de Introdução ao Direito, ano 2009/2010, pp 20 a
27.

2.º – A tutela pública e a tutela privada

Nas sociedades atuais, o monopólio do uso da força pertence, em princípio, ao


Estado (estatalidade do Direito). A tutela do Direito é, assim, e em princípio, pública,
uma vez que é ao Estado que compete, em exclusivo, o monopólio do uso da força. É o
que expressamente vem consignado logo nos artigos 1.º e 2.º do CProcessoCivil.

E diz-se em princípio que a tutela é pública porque por vezes a tutela dos
direitos, excecionalmente, e apenas em casos determinados, pode ser privada. Essa
permissão à tutela privada resulta do facto de a tutela pública por vezes não funcionar
ou funcionar tardiamente e os interesses a defender não se compadecerem com a
resposta mais lenta da tutela pública. Nessas situações, que o próprio sistema
compreensivelmente pretende ver como excecionais, o particular pode recorrer à
tutela privada do seu direito, e mesmo assim só preenchendo determinados requisitos.
Tais situações são as seguintes:

aa)) A legítima defesa (337.º CCivil e 32.º e 33.º CPenal)

I. Existência de uma agressão contra a pessoa ou património do agente ou


de terceiro;

II. Que essa agressão seja atual ou iminente;

III. Que essa agressão seja ilegal;

IV. Impossibilidade de recurso atempado à tutela pública;

V. Proporcionalidade dos meios de defesa.

bb)) O estado de necessidade (339.º CCivil e 35.º CPenal)


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I. Perigo atual de um dano;

II. Destruição de coisa alheia para remover esse perigo;

III. Impossibilidade de recurso atempado à tutela pública;

IV. A destruição tem de ser manifestamente inferior ao dano perigado.

cc)) A ação direta (336.º CCivil)

I. O recurso à força é indispensável para evitar a inutilização prática do


direito

II. A impossibilidade de recorrer atempadamente à tutela pública

III. A proporcionalidade dos meios empregues.

dd)) O direito de resistência (21.º Constituição da República Portuguesa)

É a faculdade de resistir a qualquer ordem que ofenda os nossos direitos


liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão se não for possível
recorrer à autoridade pública.

Manuel de Almeida Ribeiro, Introdução ao Direito para as Ciências Sociais, pp


38 a 43
Germano Marques da Silva, Introdução ao Estudo do Direito, 2009, pp 228 a
237.
A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, 2009, pp 183 a 186.
Carlos Loureiro, Sumários de Introdução ao Direito, ano 2009/2010, pp 24.

3.º – Fontes do Direito

1. Noção e classificação das fontes

 Fontes do Direito, em sentido técnico-jurídico, são os modos de criação ou


de revelação de normas jurídicas.
Fontes imediatas – criam direito
Fontes mediatas – revelam o direito, limitando-se a clarificar
as normas já existentes.
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 Classificação

O costume
fontes imediatas
A lei

A jurisprudência
fontes mediatas
A doutrina

Direito Internacional fonte imediata

Princípios Gerais de Direito


fontes mediatas
A equidade

aa)) O COSTUME

 Noção – Também denominado Direito Consuetudinário, o costume é uma


prática reiterada em determinado meio social que é tomada por obrigatória
ou permitida pelos elementos desse grupo social. Trata-se de um
comportamento adotado pela generalidade de um povo ou de parte dele,
na convicção de o mesmo corresponder ao cumprimento de uma norma do
Direito.

 Elementos constitutivos

Elemento material (corpus) – prática reiterada

Elemento psicológico (animus) – convicção de obrigatoriedade ou,


pelo menos, de correspondência com uma norma do Direito

 Importância

O costume parece ter sido erradicado da nossa lei, já que dele não faz
referência o artigo 1.º do CCivil. Todavia, o artigo 348.º CCivil admite
expressamente a sua importância e relevo.

 A relação do costume com a Lei

Tendo em conta a sua relação com a Lei, os costumes podem classificar-


se em
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Costumes contra legem – são costumes contra a Lei (e, portanto


rejeitados por esta)

Costumes praeter legem – são costumes que vão para além da Lei,
sem a contrariar.

Costumes secundum legem – são costumes coincidentes com a Lei


(e, portanto, de escassa relevância)

 Os costumes e os usos

Os usos não se confundem com os costumes uma vez que naqueles apenas
se verifica o elemento material mas já não o elemento psicológico dos
costumes. Os usos são apenas práticas reiteradas sem que delas se tenha o
conceito de correspondência com uma norma jurídica. Os usos,
curiosamente, são admitidos no nosso Código Civil de forma mais expressa
do que o costume – nesse sentido, e a título meramente exemplificativo,
3.º, 763.º n.º 1, 885.º n.º 2, 919.º, 1039.º, 1158.º, todos do CCivil.

bb)) A LEI

1. Leis materiais e leis formais

 o termo lei pode designar diferentes realidades. Pode significar


o mesmo que ordenamento jurídico – 13.º CRP.
o mesmo que acto legislativo (lei ou decreto-lei) – 103.º n.º 3
CRP.
o mesmo que acto da Assembleia da República – 18.º n.º 2 CRP.
o mesmo que norma jurídica – 205.º n.º 1 CRP.

O Código Civil define lei como a “norma proveniente dos órgãos estaduais
competentes” (1.º CCivil), sendo certo que há leis que não contém normas e
normas que não estão contidas em leis, em sentido estrito. Assim, o termo lei
pode ainda assumir sentidos diversos:
 Lei em sentido amplo e lei em sentido estrito
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I. Em sentido amplo – abrange todos os diplomas que consagrem normas


jurídicas
II. Em sentido estrito – é a lei propriamente dita, fruto do exercício do
poder legislativo pela AR (Lei), pelo Governo (DL) ou pelas Assembleias
Legislativas Regionais (decreto legislativo regional).
 Lei em sentido material e lei em sentido formal
I. Em sentido formal – é a lei emanada por um órgão competente que se
reveste das formas destinadas ao exercício do poder legislativo,
independentemente do seu conteúdo; reveste a forma da lei mas o seu
conteúdo pode não corresponder a uma norma jurídica (exemplo de
uma lei formal mas não material temos uma autorização legislativa da
AR ao Governo para a prática de um ato materialmente administrativo).
II. Em sentido material – é a lei emanada de um órgão competente cujo
conteúdo é composto por uma ou mais normas jurídicas,
independentemente da sua forma externa. Normalmente, as leis em
sentido material revestem igualmente a forma legal, ou seja, também
são leis em sentido formal.

2. Lei constitucional e lei ordinária

I. lei constitucional é a lei contida na Constituição da República


Portuguesa bem como a que visa alterar a CRP (lei de revisão), não
indicando a lei constitucional quaisquer outros actos normativos que
exijam forma de lei constitucional.
II. lei ordinária é o diploma emanado por qualquer órgão estadual no
exercício do poder legislativo.
 As normas jurídicas contidas nas leis ordinárias que contrariem
preceitos constitucionais não podem ser aplicadas pelos
Tribunais ou outros aplicadores do Direito, uma vez que são
inconstitucionais.

3. O procedimento legislativo
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Processo legislativo comum


I. A iniciativa legislativa cabe aos Deputados ou aos Grupos Parlamentares
(neste caso chamam-se projectos de lei) e também ao Governo ou às
Assembleias Legislativas Regionais (aqui denominam-se por propostas
de lei).
II. Grupos de eleitores (num mínimo de 35.000) podem exercer o direito
de iniciativa legislativa (projectos de lei) junto da Assembleia da
República, bem como participar no procedimento legislativo a que
derem origem (167.º da Constituição e Lei nº 17/2003 de 4 de Junho).
III. Depois de admitida pelo Presidente da Assembleia, a iniciativa é objecto
de um parecer da Comissão especializada a quem foi distribuída,
seguindo-se o seu debate na generalidade, feito em reunião Plenária,
que termina com a votação na generalidade (isto é, sobre as linhas
gerais da iniciativa).
IV. Segue-se um debate e votação artigo por artigo (designada por votação
na especialidade), que pode ter lugar em Comissão ou em Plenário.
V. Há matérias cujo debate e votação na especialidade é obrigatório em
Plenário. Exemplos dessas matérias são as que se referem
à criação ou modificação territorial das autarquias locais.
às eleições para os titulares dos órgãos de soberania,
ao referendo
aos partidos políticos
VI. O texto final é submetido a uma votação final global, sempre em
Plenário.
VII. A iniciativa aprovada chama-se Decreto da Assembleia da República.
VIII. O Decreto, após assinatura do Presidente da Assembleia da República, é
enviado ao Presidente da República para ser promulgado. Após a
promulgação, o decreto assume a designação de Lei e é enviado ao
Governo para referenda (assinatura do Primeiro Ministro) e depois
remetido à Imprensa Nacional para publicação na 1ª série do Diário da
República.
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IX. O Presidente da República, quando recebe o decreto para promulgação,


pode exercer o seu direito de veto em duas situações:
por considerar que o diploma aprovado pela Assembleia da
República contem normas inconstitucionais (suscitará então o
parecer do Tribunal Constitucional)
por razões políticas, que deverão constar de mensagem
fundamentada.
X. No caso de ter havido veto presidencial, a Assembleia pode:
no caso de existirem possíveis normas inconstitucionais, aprovar
alterações ao diploma, reenviando-o, já alterado, para
promulgação;
qualquer que seja a razão do veto, confirmar o texto do diploma
anteriormente aprovado por maioria absoluta dos Deputados
em funções (ou maioria de 2/3 para certas matérias). Se tal
acontecer, o Presidente da República tem, obrigatoriamente, de
promulgar o diploma, no prazo de 8 dias.

C) A JURISPRUDÊNCIA

 Noção – é o conjunto das decisões que traduzem a orientação seguida


pelos tribunais na decisão de casos concretos
 No direito português (e já não no direito de raiz anglo-saxónica), a
jurisprudência não é fonte imediata de direito porque
As decisões não são vinculativas fora dos casos em que são
proferidas
Os tribunais só estão vinculados à lei (203.º CRP)
 A jurisprudência é, contudo, uma importante fonte mediata porque
reveladora do Direito, já que aos tribunais cabe interpretar e aplicar a lei.
 Até 1996, o CCivil (artigo 2.º) previa a possibilidade de o Supremo Tribunal
de Justiça, reunido em pleno, fixar, através de um “assento”, doutrina com
força obrigatória geral, vinculativa para os aplicadores do Direito. Tratava-
se de uma decisão final sobre duas outras decisões anteriores do próprio
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Supremo, com orientações divergentes sobre a mesma situação de direito.


Em 1996 o artigo 2.º foi considerado inconstitucional e o instituto dos
assentos foi substituído pelos acórdãos de uniformização de
jurisprudência, em tudo semelhantes aos assentos mas sem a força
obrigatória geral. Estes acórdãos apenas definem a orientação do Supremo
Tribunal, servindo de orientação aos aplicadores do Direito, que, se assim o
entenderem e justificarem, poderão decidir contra tais orientações – 445º
do CPP e 732.º-A do CPC, com a publicação da decisão no DR, I Série.

d) A DOUTRINA

 Noção – é o resultado do trabalho dos jurisconsultos. Correspondem ao


somatório dos estudos e opiniões proferidas por escrito pelos pensadores
do Direito (onde se destacam os professores das faculdades de Direito)
relativamente à forma de interpretar, articular e aplicar as normas jurídicas
bem assim como da correta leitura do edifício jurídico.
 Importância – não é uma fonte imediata de Direito mas sim uma fonte
mediata, já que reveladora da fixação do sentido da norma jurídica e da
forma da sua correta aplicação.

ee)) OS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO

 São quer princípios universais que enformam vários ordenamentos jurídicos


quer princípios gerais do direito interno, encontrando-se num momento
cognitivo anterior à própria norma jurídica, a quem vão constituir o
substrato.

 Desempenham, por essa razão, um papel importante na interpretação das


normas jurídicas e na integração das lacunas da lei

 São exemplos os

Princípio da dignidade da pessoa humana (1.º CRP);


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Princípio da igualdade perante a lei (13.º CRP);

Princípio da legalidade (1.º CP)

Princípio do in dubio pro reo, etc.

ff)) A EQUIDADE

 O dever de obediência à lei pelo julgador não pode ser afastado sob o
pretexto de a lei ser injusta ou imoral (8.º n.º 2 CC)

 No entanto, a lei, porque geral e abstrata, pode, quando aplicada a


determinado caso concreto, resultar numa situação de tal forma injusta que
arrepie a nossa consciência ético-jurídica e que legitime, quando admissível,
o apartar da lei e do direito normativizado em prol de uma solução singular
para o caso concreto que respeite o nosso sentido de justiça.

 Daí que a lei admita que o Tribunal possa recorrer ao princípio da equidade
nos casos nela previstos (4.º CC), designadamente quando houver disposição
legal que o preveja (v.g. 72.º n.º 2, 283.º n.º 1, 400.º n.º 1, 566.º n.º 3 CC)

 A equidade traduz-se no respeito pela igualdade de direitos e posições de


cada um, que é independente da lei positiva, e que se baseia num
sentimento do que se considera justo, tendo em vista as causas, as
intenções e os resultados no caso concreto

Nota: em falta Normas Corporativas e Usos


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4.º – A norma jurídica

1. Estrutura da norma jurídica

 A norma jurídica pura é normalmente composta de duas partes distintas: a


previsão (ou hipótese ou ainda tipo legal) e a estatuição que, uma vez
juntas, permitirão compor o silogismo judiciário.
a) A previsão – é um modelo abstrato de situação, um exemplo de uma
situação de facto, uma situação típica da vida, um comportamento,
uma ocorrência cuja verificação desencadeia a consequência
prevista na estatuição. Os factos contidos na previsão podem ser
factos jurídicos, conceitos de direito (contrato, posse, prédio, etc.)
b) A estatuição – é a consequência jurídica da verificação da previsão
 Exemplos:
Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com
pena de prisão até três anos ou com pena de multa (143.º CPenal);
Se o regime de bens adotado pelos cônjuges for o da comunhão
geral, o património comum é constituído por todos os bens presentes
e futuros dos cônjuges, que não sejam excetuados por lei (1732.º
CCivil);
Transmitida a propriedade da coisa, ou o direito sobre ela, e feita a
sua entrega, o vendedor não pode, salvo convenção em contrário,
resolver o contrato por falta de pagamento do preço (886.º CCivil);
O tutor é obrigado a prestar contas ao tribunal de menores quando
cessar a sua gerência ou, durante ela, sempre que o tribunal o exija
(1944.º n.º 1 CCivil)

2. Noção e características da norma jurídica

 Noção – São normas de conduta ou regras coercivas tuteladas pelo Direito e


destinadas a regular as relações humanas no seio de uma sociedade
 Características
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 Imperatividade
A norma não é um mero conselho, uma opinião nem uma
simples recomendação. Traduz-se numa ordem, num
comando que deve ser respeitado ou cumprido.
 Generalidade e abstração
Generalidade
 A norma jurídica faz uma previsão geral, isto é, é
destinada a um conjunto indeterminado de sujeitos.
Atenção que o conceito de generalidade não é
equivalente apenas à destinação a uma pluralidade
de indivíduos: com efeito, a determinabilidade, à
partida, dos destinatários da prescrição excluem-na
como norma jurídica. Por outro lado, o “conjunto
indeterminado de indivíduos” não é incompatível
com o facto de a norma ter como destinatário, em
cada momento, apenas um indivíduo (é o caso das
normas que regulam a competência do Procurador
Geral da República ou do Presidente da mesma:
existe generalidade uma vez que a norma é aplicável
a toda e qualquer pessoa que, hoje e no futuro,
venham a desempenhar tais cargos). O oposto da
generalidade é a individualização
Abstração
 A norma jurídica visa regular um número indefinido,
um número indeterminado de casos. A norma abstrai
do caso concreto e regula uma situação abstrata à
qual os casos concretos se poderão subsumir. Se
tiver por fim regular um caso determinado, ou um
grupo determinado ou determinável de casos não é
uma norma mas sim uma decisão sobre esses casos.
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 Coercibilidade
A coercibilidade consiste na suscetibilidade que toda a
norma jurídica tendencialmente tem de poder ser aplicada
mesmo contra a vontade do destinatário, com recurso à
força, se necessário. Assim, a sua violação ou falta de
cumprimento é punida com a sua aplicação coerciva ou com
sanções punitivas.

3. Classificação das normas

aa)) Normas permissivas e imperativas

Permissivas – permitem um comportamento


O dono do prédio onde haja alguma fonte ou nascente de água pode
servir-se dela e dispor do seu uso livremente, salvas as restrições
previstas na lei e os direitos que terceiro haja adquirido ao uso da água
por título justo (1389.º CCivil)

Imperativas – são normas que, uma vez verificada a sua previsão, a


sua estatuição é obrigatória e não pode ser afastada
A locação não pode celebrar-se por mais de trinta anos; quando
estipulada por tempo superior, ou como contrato perpétuo, considera-
se reduzida àquele limite (1025.º CCivil). Podem ser:
- Proibitivas – proíbem um comportamento
Não pode ser hipotecada a meação dos bens comuns do casal, nem tão
pouco a quota de herança indivisa (690.º CCivil)

- Precetivas – impõem um comportamento

Se a prestação tiver por objeto certa quantia em dinheiro, deve a


prestação ser efetuada no lugar do domicílio que o credor tiver ao
tempo do cumprimento (774.º CCivil)
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bb)) Normas gerais, excecionais e especiais

Gerais – aplicam um regime regra, geral, a todas as situações da sua


previsão
Excecionais – aplicam-se em determinadas circunstâncias ou
ocasiões, constituindo um desvio ao regime geral que é oposto a
este. São normalmente (mas não só) normas aplicáveis a situações
transitórias (10.º CCiv, lei introdutória). As normas excecionais não
admitem aplicação analógica (11.º CCivil)
Especiais – aplicam a determinadas situações ou pessoas um regime
diferente (especial) do previsto pelas normas de direito comum
artigos 1092.º a 1107.º CCivil

cc)) Normas autónomas, não autónomas

Autónomas – têm um sentido completo porque providas de


hipótese + estatuição
O testador não pode proibir que seja impugnado o seu testamento nos
casos em que haja nulidade ou anulabilidade (2310.º CCivil)
Não autónomas – têm um sentido incompleto porque providas
apenas de hipótese ou de estatuição mas nunca de ambas. O seu
sentido só se apreende em conjunto com outras normas
A hipoteca pode ser reduzida voluntária ou judicialmente (718.º CCivil;
vide 719.º e 720.º CCivil)

Nota: em falta âmbito da validade territorial e critério da sanção


aplicada
Manuel de Almeida Ribeiro, Introdução ao Direito para as Ciências Sociais, pp 57
a 62
Germano Marques da Silva, Introdução ao Estudo do Direito, 2009, pp 181 a 194.
A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, 2009, pp 146 a 156.
Carlos Loureiro, Sumários de Introdução ao Direito, ano 2009/2010, pp 67 e 69 a
75.
João Batista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1994, pp
79 a 98
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5.º – A vigência das normas

1. Início de vigência

 As leis, antes de serem aplicadas, têm de ser publicadas no Diário da


República (119.º CRP e 5.º n.º 1 CCivil)
 A sua publicação, todavia, não implica a sua imediata entrada em vigor
 Com efeito, as leis, pela sua complexidade e/ou pelas consequências que
trazem, necessitam de algum tempo para adaptação dos mecanismos de
aplicação e/ou para conhecimento pelos seus destinatários
 Ao intervalo de tempo que medeia entre a data de publicação da lei e a data
em que a mesma entra em vigor denomina-se vacatio legis
 A vacatio legis é fixada pela própria lei ou, quando esta não a fixar, de
acordo com princípios gerais estipulados em legislação especial – L 74/98, de
11.11
 Da conjugação do artigo 5.º CCivil e do artigo 2.º da Lei 74/98, de 11.11
resultam os seguintes critérios para o início de vigência das leis:
O critério regra é que a lei entrará em vigor na data em que ela
própria o consignar, sendo certo que
 não pode, em geral, ter efeitos retroativos (12.º CC e
1.º n.º 1 CP, nullum crimen sine lege); e
 não pode entrar em vigor no dia da sua publicação.
Se a lei nada disser relativamente a isso, vigora o princípio da entrada
em vigor no quinto dia após o dia da sua publicação, ou seja, no
quinto dia a contar do dia seguinte ao da sua publicação.
Entende-se hoje por “dia de publicação” o dia da sua disponibilização
no sítio da Internet gerido pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda, S.
A.
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Os prazos de vacatio legis são contínuos, contam-se pelos dias


seguidos de calendário, isto é, não se suspendem aos fins de semana,
nos feriados ou em férias.
 Estas regras atuais foram implantadas pela Lei 26/2006, de 30 de Junho.
Nem sempre isto foi assim. Com efeito, e antes dessa data, e por causa da
publicação do Diário da República exclusivamente em papel, as leis
entravam em vigor
Em Portugal continental, no 5.º dia após a sua publicação;
Nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, no 15.º dia após a
sua publicação; e
Em Macau, quando era território português, e no estrangeiro, no
30.º dia após a sua publicação
 Antes da disponibilização das leis no sítio da internet gerido pela INCM, o dia
da sua publicação era o da publicação do diploma, ou o da sua efectiva
distribuição, se esta tivesse sido posterior.
 Por vezes as leis apenas determinam expressamente a sua entrada em vigor
relativamente a alguns dos artigos nela insertos, omitindo a data de entrada
em vigor quanto aos restantes. Nesses casos, aplicar-se-á quanto a uns a
data afixada na lei e quanto a outros a data resultante da aplicação do
critério de entrada em vigor no quinto dia a contar do dia seguinte ao da sua
publicação.

2. Cessação de vigência

O Código Civil prevê duas causas para que as leis deixem de estar em vigor:

a) A caducidade

 No caso da caducidade, a cessação da vigência ocorre


automaticamente, não sendo necessário um ato do legislador nesse
sentido
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITO 2012/2013

 É o caso das leis temporárias, nas quais expressamente está previsto


o momento da sua cessação (uma data certa, um acontecimento
determinado;
 É igualmente o caso das leis relativas a um objeto que veio a
desaparecer ou extinguir-se definitivamente

b) A revogação

 No caso da revogação, a cessação da vigência ocorre por força da


entrada em vigor de uma lei nova (a que se denomina de lei
revogatória), de valor hierárquico igual ou superior à lei revogada.
 A revogação pode revestir diferentes modalidades:
A revogação expressa – a lei revogatória revoga
expressamente a lei anterior.
A revogação tácita – a lei revogatória não revoga
expressamente a lei anterior mas contém disposições
incompatíveis com as da lei anterior, que dessa forma serão
entendidas como revogadas.
A revogação global – a lei revogatória regula toda a matéria
da lei anterior. Desta forma, considera-se revogada toda a lei
anterior.
A revogação parcial – a lei revogatória não regula toda a
matéria da lei anterior mas apenas parte ou determinadas
normas. Desta forma, considera-se revogada não toda a lei
anterior mas as disposições desta que se tornem
incompatíveis com a lei nova.
 A lei especial não revoga a lei geral nem a lei geral, em princípio,
revoga a lei especial, a não ser que a intenção do legislador tenha,
inequivocamente, sido outra (7.º n.º 3 CCivil)
 O CCivil consagra o princípio da não repristinação: a revogação da lei
revogatória não coloca em vigor a lei revogada (7.º n.º 4 CCivil)
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITO 2012/2013

6.º – A aplicação da Lei no espaço

1. O problema

 A lei tem necessariamente limites espaciais, coincidentes com as fronteiras de


cada país. Atendendo à muita mobilidade dos cidadãos de cada país nos
tempos atuais e às múltiplas relações internacionais, a nível comercial e outros,
daí derivadas, estabelecem-se relações jurídicas que têm contacto com diversos
países e, assim, com diversas ordens jurídicas. A questão da aplicação da lei no
espaço prende-se, dessa forma, em determinar a lei ou leis que deve ou devem
ser aplicada(s) à aludida relação jurídica.

 A solução dos conflitos de leis no espaço é-nos dada pelo Direito Internacional
Privado (DIP), ramo do direito esse que, congregando um conjunto de normas
instrumentais, remissivas e não substantivas, denominadas normas de
conflitos, destinam-se a regular apenas os problemas emergentes das relações
privadas de caráter internacional.

2. As normas de DIP (breve referência)

 As conexões das relações jurídicas com as diversas ordens jurídicas podem ter
várias razões, a saber, e por exemplo,

Nacionalidade das partes

Domicílio das partes

Lugar da situação do bem imóvel

Lugar da prática do facto ilícito

Lugar da celebração do negócio

 Alguns princípios gerais de DIP

O princípio da ordem pública internacional: visa impedir que seja


aplicado no nosso ordenamento uma norma estrangeira que ofenda de
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITO 2012/2013

forma insuportável os nossos princípios basilares de justiça ou moral


(ex: poligamia, a morte, o apedrejamento) – art. 22.º CCivil

O sistema do reenvio: Se a lei estrangeira para a qual a norma de


conflitos portuguesa remete, remeter por sua vez para a lei de um
terceiro Estado, aplicar-se-á esta – 17.º CCivil.

E se a lei estrangeira, para a qual a norma de conflitos portuguesa


remete, reenviar para a lei portuguesa, aplica-se então o direito
português – 18.º CCivil

A lei estrangeira deve ser interpretada dentro do sistema a que


pertence e segundo as normas interpretativas aí fixadas – 23.º CCivil

 As normas de conflitos encontram-se nos artigos 25.º e seguintes do CCivil.


Privilegiam, tendo em conta os interesses que pretendem regular, um dos
elementos de conexão.

 Alguns exemplos:
Personalidade e capacidade de gozo e de agir: é aplicável a lei da
nacionalidade dos indivíduos (25.º a 34.º CCivil)
Quanto à forma dos negócios jurídicos: é aplicável, em princípio, a lei do
lugar da sua celebração
Coisas (direito de propriedade e outros direitos reais, a posse): território
da situação dos bens (46º n.º 1 CCivil)
Relações familiares: são vários os critérios (52º e 57.º a 61.º CCivil)
Sucessões: a lei da nacionalidade do falecido ao tempo do falecimento
(62.º a 65.º CCivil).

A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, 2009, pp 393 a 400


João Batista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1994, p.
252
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITO 2012/2013

7.º – A aplicação da lei no tempo

1. O problema

 Quando uma situação juridicamente definida e tratada pela lei é alterada,


podem surgir frequentemente dúvidas qual é o âmbito de aplicação da lei
antiga (LA) e da lei nova (LN)

 Vejamos alguns exemplos imaginários possíveis:

António fuma diversos cigarros no jardim frente a sua casa. Alguns dias
depois, e por pressão de diversas associações ambientais, é publicada e
entra em vigor uma lei que pune com prisão até dois anos quem fumar,
mesmo que ao ar livre. Poderá António ser julgado por ter fumado no
jardim?

Otília e Bertinho contraíram matrimónio. Um ano após o seu


casamento, entra em vigor uma lei que, eliminando dos deveres
conjugais o de fidelidade, permite a qualquer cônjuge manter, na
pendência do matrimónio, relações de trato sexual com terceiros,
desde que não sejam parentes de qualquer um dos cônjuges. Poderá
Otília invocar a seu favor, a partir de hoje, a LN?

Cirilo emprestou por acordo verbal a Duartina determinada quantia em


dinheiro, com a obrigação desta a devolver com juros. Na data em que
o empréstimo foi feito, a lei não exigia qualquer forma para o contrato.
Entra em vigor uma LN que considera que o contrato feito pelo
montante emprestado por Cirilo, para ser válido, tem de ser feito por
escrito. Duartina, que não pretende devolver o dinheiro nem pagar os
juros, pode invocar a invalidade do contrato que efetuou?
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITO 2012/2013

2. Princípios

a) O direito transitório

 O problema da aplicação da lei no tempo pode ficar resolvido pela própria LN


através de normas transitórias

 As normas transitórias podem ter caráter

formal, se se limitarem a indicar a lei (LA ou LN) que se aplica (exemplo:


23.º do DL 47344, de 25.11, que introduziu e aprovou o CCivil)

material, se estipularem uma regulamentação própria que não coincide


com a LA nem com a LN (exemplo: o NRAU, publicado na Lei 6/2006 de
27 de Fevereiro, prevê nos artigos 26.º a 29.º um regime transitório
aplicável aos arrendamentos celebrados anteriormente, regime esse
que não é nem igual à LA nem igual ao novo regime implantado pelo
NRAU)

 O direito transitório, todavia, nem sempre aparece nas leis novas e, nos casos
em que existe, é frequentemente lacunoso, pelo que importa ser determinado
pela Doutrina e pela Jurisprudência um conjunto de critérios que orientem o
intérprete na aplicação da lei no tempo.

b) Critério Geral: o princípio da não retroatividade da lei

 O princípio da não retroatividade significa que a lei não dispõe para o passado,
não tem efeitos retroativos.

 A retroatividade pode ser concebida em três graus principais:

Grau normal ou ordinário – a LN respeita todos os efeitos produzidos ao


abrigo da LA

Grau agravado – a LN aplica-se a todas as situações do passado mas


salvaguarda os efeitos já produzidos por decisão judicial
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITO 2012/2013

Grau máximo ou extremo – a LN aplica-se a todas as situações do


passado mesmo as que estejam definitivamente decididas por sentença
transitada em julgado

 A retroatividade de grau máximo, podendo constituir uma grande fonte de


insegurança, encontra-se proibida pela nossa lei em determinados campos

no direito penal, não pode haver aplicação retroativa de leis que criem
novos crimes ou medidas de segurança ou agravem penas e medidas de
segurança (29.º n.º 1, 3 e 4 CRP)

no direito fiscal, é proibida a aplicação de lei retroativa que crie


impostos (103.º n.º 3 CRP)

no caso julgado: é proibida a aplicação retroativa a situações que já


tenham sido julgadas, em definitivo, por sentenças transitadas em
julgado

Nas leis restritivas de direitos, liberdades e garantias (18.º n.º 3 CRP)

c) A aplicação imediata

 Resulta desde já que o princípio da não retroatividade não tem força de


princípio constitucional geral, pelo que o legislador ordinário pode, nas
matérias não proibidas, dar à lei eficácia retroativa. O legislador pode resolver
os problemas criados pela aplicação da lei no tempo através das normas
transitórias, o que, na grande maioria dos casos, não é feito. Por tal não
acontecer, vigora o princípio da não retroatividade da lei, cabendo à
jurisprudência e à doutrina definir qual o alcance e limite dessa não
retroatividade. E aqui várias teorias foram defendidas pelos juristas,
ressaltando, pela sua importância, a

 doutrina do facto passado procurou encontrar um critério geral para a


aplicação da LN. Estando sempre em causa um facto ocorrido na LA e estando
em causa os efeitos que ele possa ter, esta doutrina sustenta que todo o facto
jurídico deve ser regulado pela lei vigente no momento em que o facto se
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITO 2012/2013

produziu, independentemente do momento em que nascem os seus efeitos – a


LN não deve ser retroativa. Todavia, na versão dessa doutrina formulada por
ENNECCERUS – NIPPERDEY e PLANIOL, hoje comumentemente aceite, um facto
ocorrido na LA pode produzir efeitos que venham a estar sujeitos à LN. Assim, e
segundo estes Autores, a LA aplica-se aos efeitos jurídicos do facto antigo já
consumados sob a LA e a LN aos efeitos jurídicos que seguramente só se vierem
a produzir na vigência da LN. Mas relativamente aos efeitos ainda pendentes
quando a LN surge, faz uma distinção: se os efeitos jurídicos já se produziram
antes da LN, então vale a LA; se ainda não se produziram, aplicar-se-á a estes a
LN. Daí que se fale desta doutrina como a doutrina da aplicação imediata da LN,
já que defende a aplicação imediata a todos os efeitos que vierem a produzir-se
na vigência da LN.

 A posição do CCivil português

Princípio geral (12.º CCivil)

 A não retroatividade (12.º n.º 1)

 Aos requisitos de validade substancial ou formal1 de quaisquer


factos ou os seus efeitos aplicar-se-á a LA, ou seja, a lei em vigor
ao tempo da produção daqueles efeitos (12.º n.º 2, primeira
parte)2

 Às leis que dispõem sobre o conteúdo de certas situações


jurídicas e o modelam sem olhar aos factos que a tais situações
deram origem aplica-se a LN (12.º n.º 2, segunda parte)3

1
De validade substancial estaríamos a falar de regras relativas à capacidade de agir ou das regras de um
contrato celebrado sob erro, dolo ou coação. Da validade formal falaríamos, por exemplo, das regras
relativas à forma de celebração de um contrato.

2
As diferentes alterações históricas às exigências de forma do contrato de mútuo (1143.º CCivil) só são
aplicáveis aos contratos futuros a cada um das sucessivas alterações, não sendo aplicáveis aos contratos
em vigor mas celebrados sob a égide da redação anterior da norma.

3
Assim, se a LN alterar o regime do direito de propriedade aplica-se mesmo aos direitos de propriedade
constituídos antes da sua entrada em vigor. Já as situações em que não é possível abstrairmo-nos dos
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITO 2012/2013

3. Casos especiais

 Em determinadas matérias e ramos do direito, o critério geral da não


retroatividade vê-se substituído por critérios especiais. Assim,

a) No Direito Penal aplica-se a lei mais favorável ao arguido (29.º n.º 4 CRP
e 2.º CPenal)

b) No Direito Processual aplica-se imediatamente a LN a não ser que esta


crie direito transitório

c) Nas leis interpretativas, e por força da integração na lei anterior (lei


interpretada), produzem-se efeitos retroativos, à exceção dos previstos
na lei (13.º CCivil)

Quid juris se a lei interpretativa não respeitar os limites do 13.º n.º 1?


Duas soluções se apresentarão:

 Se a lei interpretativa for hierarquicamente inferior, deverá


considerar-se ilegal, já que a lei inferior não pode derrogar a lei
superior;

 Se a lei interpretativa não for hierarquicamente inferior, o


caminho será pela via da interpretação extensiva do artigo 282.º
n.º 3 CRP de forma a abranger as situações erradamente
abrangidas pela lei interpretativa, considerando-a, nessa parte,
inconstitucional.

d) Nos prazos

Nos prazos constitutivos, modificativos ou extintivos de um direito,


297.º CCivil

factos que deram origem aos factos jurídicos atingidos, a contrario sensu devem ser abrangidas apenas
pela LA. Se a lei alterar o regime da responsabilidade contratual ou extracontratual, será sempre
necessário apreciar os factos (os contratos ou os atos lesivos, respetivamente) que dão origem àquelas
responsabilidades. Assim, a alteração destas regras sobre responsabilidade contratual ou
extracontratual não são aplicáveis aos factos ocorridos antes do início de vigência da LN.
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITO 2012/2013

Nos prazos não constitutivos, não modificativos ou não extintivos de um


direito, v.g. os factos-pressupostos, não se aplica a regra do n.º 1 do
297.º CCivil, valendo de imediato a LN, imputando-se no novo prazo o já
decorrido

A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, 2009, pp 373 a 391.


João Batista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1994, pp 219 a
251

8.º – A Interpretação da lei

1. Conceito

 A interpretação jurídica consiste na atividade de análise da norma legal


com vista a determinar o seu conteúdo e o seu alcance

2. Indispensabilidade da interpretação legal

 A sua indispensabilidade resulta do facto de a norma jurídica

Ter, por vezes, vários sentidos possíveis;

O teor literal da lei, por vezes, trair a vontade do legislador,


ficando aquém do que aquele pretendia ou indo para além da sua
vontade;

Só se tornar verdadeiramente concreta quando for aplicada ao


caso concreto, podendo resultar que a mesma não previu todas as
consequências da sua estatuição ou não previu todas as situações
possíveis;

Poder ser inválida (por inconstitucional ou ilegal) ou ainda por


poder encontrar-se tacitamente revogada.4

4
Dá-se a revogação tácita de uma norma quando uma outra norma, de igual ou superior valor, e que
tenha entrado posteriormente em vigor, tenha um conteúdo que seja incompatível com a primeira.
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITO 2012/2013

 A interpretação visa obter o sentido e alcance da norma não


relativamente a determinado caso concreto mas sim com vista a fixar
esse alcance em abstrato, válido para todas as situações a que a norma
possa ser aplicável.

 O método, o conjunto de regras, que nos auxilia na interpretação das


normas jurídicas denomina-se hermenêutica jurídica (a palavra grega
hermeneuien significa explicar, traduzir ou interpretar; hermeneia é
interpretação).

3. Interpretação autêntica e Interpretação doutrinal

a) Interpretação autêntica

 É autêntica a interpretação feita pelo próprio legislador, através


de uma lei nova, (lei interpretativa), cuja função consiste em fixar
o sentido e alcance da lei anterior;

 A lei interpretativa passa a integrar a lei interpretada, com efeitos


retroativos – isto é, aplicar-se-á mesmo a situações criadas
anteriormente à data da publicação da lei interpretativa –, sem
prejuízo dos ressalvados no n.º 1 do artigo 13.º do CCivil;

 A interpretação autêntica, porque traduzida numa nova lei, tem a


força própria da lei em que se insere, sendo obrigatória para
todos;

 A lei interpretativa não tem de, mas pode, conter a informação de


que é interpretativa, embora será o intérprete que decidirá,
mediante nova interpretação, se a lei é efetivamente
interpretativa ou inovadora.

b) Interpretação doutrinal

 A interpretação doutrinal, em sentido amplo, é a efetuada pelos


tribunais, pelos órgãos administrativos, pelos juristas e
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITO 2012/2013

jurisconsultos e até pelas pessoas individuais; em sentido estrito, é


apenas a efetuada pelos juristas e jurisconsultos e pelos tribunais.5

 A interpretação doutrinal não tem força obrigatória, valendo pelas


razões que a sustentam e a exatidão dos princípios em que se
baseiam.

 Destinando-se a interpretação (para o que aqui nos interessa


referimo-nos à interpretação doutrinal, já que as regras para a
interpretação autêntica são exclusivamente ditadas pelo
legislador) a, como se disse, fixar o sentido e o alcance da lei,
importa antes de mais determinar o que se deve entender por
“sentido da lei”: o sentido que o legislador pretendeu que ela
tivesse ou o sentido que resulta do seu texto? O sentido no
momento em que a lei viu a luz do dia ou o sentido que ela possa
ter hoje, na altura da sua aplicação? Resultam daqui duas divisões
doutrinais: subjetivismo versus objetivismo e historicismo versus
atualismo, sendo possível existir subjectivismo atualista,
subjectivismo historicista, objetivismo atualista e objetivismo
historicista:

Corrente subjetivista

Os defensores desta forma de pensar (SAVIGNY, ENNECCERUS, HECK,


entre outros) entendem que o sentido da lei deverá ser o sentido que foi
querido pelo legislador ao redigir a lei (mens legislatoris). Ao intérprete

5
A interpretação doutrinal assume, assim, diversas designações consoante a entidade que faz a
interpretação: Interpretação oficial ou administrativa: é a que é feita em lei de valor inferior ao da
norma interpretada; v.g. a interpretação que o Ministro der por despacho a determinada lei pode ser e
é vinculativa para o seu Ministério, por obediência hierárquica, mas não mais do que isso – é a
interpretação que se funda apenas no poder administrativo;
Interpretação judicial: é a que é realizada pelos tribunais num processo e, salvo os casos de decisões de
uniformização de jurisprudência, tem apenas valor vinculativo no próprio processo em que foi feita; está
apenas sujeita às regras legais sobre a interpretação;
Interpretação particular: é aquela que é efetuada nas restantes hipóteses; não tem força vinculativa
nem geral, mas apenas o valor persuasivo resultante da força das suas razões e argumentos ou até do
prestígio científico do intérprete.
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITO 2012/2013

cabe apurar, de entre os sentidos que a lei objetivamente admite (e, para
alguns pensadores, mesmo que a lei não o admita no seu texto literal mas
seja conceptualmente possível), qual o sentido que esteve na intenção do
legislador;

Corrente Objetivista

Os partidários desta corrente hermenêutica (BINDING, KOHLER,


RADBRUCH, entre muitos) defendem que a vontade do legislador não
pode nem deve ter qualquer relevo para o intérprete, devendo a lei valer
com o sentido mais razoável que o seu texto sugira (mens legis);

Corrente Historicista

Os adeptos desta corrente hermenêutica propugnam que o sentido da


norma deverá ser aquele que existia no momento em que a norma foi
publicada. Enquanto o texto não for modificado, o sentido será sempre
esse, passado o tempo que for;

Corrente Atualista

Os simpatizantes desta corrente de pensamento julgam que o sentido da


norma deve ser o que a mesma tem à data em que seja aplicada. Assim o
sentido da norma variará com a evolução da vida.

 Todas estas distinções podem originar diferentes combinações:

 Subjectivismo histórico: atende à vontade histórica do


legislador, àquilo que o legislador quis no momento em que
elaborou a lei;
 Subjectivismo actualista: procura descortinar a vontade que
o legislador teria nas condições atuais em que a lei é hoje
aplicada, àquilo que o legislador quereria na actualidade, ou
seja, nas circunstâncias e momento em que a lei é aplicada;
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITO 2012/2013

 Objectivismo histórico: atribui ao sentido do texto da norma


à data da sua publicação um carácter imutável (o sentido da
lei permanece fixo para sempre);
 Objectivismo actualista: entende que o sentido a retirar do
texto da lei pode variar conforme as circunstâncias,
designadamente em função da interpretação sistemática, ou
seja, da coordenação da norma com as demais normas do
sistema.

4. Regras gerais sobre a interpretação


 A questão entre as teorias subjetivistas e as objetivistas
continuam em aberto. E daí que também o nosso Código Civil não
tenha tomado uma posição clara entre as duas, tendo preferido
uma solução intermédia, no seguimento do pensamento que deu
à luz já no início do século XX e que contou, igualmente, com a
colaboração de juristas de elevada craveira na sua defesa (KARL
LARENZ, KARL ENGISCH e, entre nós, CASTANHEIRA NEVES, entre
tantos);
 Do subjetivismo, aproveita o entendimento de que a lei é a
expressão da vontade do legislador dirigida à criação da sociedade
justa; do objetivismo, utiliza a ideia de que a lei vai para além da
vontade do legislador, adquirindo, com o decurso do tempo, vida
própria
 Em resumo, necessário se torna conhecer a vontade do legislador
e os fundamentos em que sustentou a sua decisão à época para se
adaptar a lei, na aplicação atual, ao tempo presente.
 O artigo 9.º do CCivil acabou por combater os excessos de uma e
de outra teoria. Do subjetivismo, fugiu do recurso apenas à
vontade do legislador (n.º 2); do objetivismo evitou que a
interpretação se limite à letra da lei (n.º 1).
 Daí que se conclua que entre nós a lei deve valer com o sentido
que o legislador lhe quis imprimir desde que a vontade do
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITO 2012/2013

legislador tenha sido clara e expressa de forma inequívoca,


encontrando no teor literal da lei alguma receção. Se tal não
puder acontecer, o intérprete deverá seguir critério objetivo,
partindo do princípio de que a lei resultou de um legislador
avisado, prudente e capaz de exprimir o seu pensamento (n.º 3)

5. Elementos da interpretação
 Os meios e instrumentos de que o intérprete pode e deve utilizar para
fixar o sentido da lei são dois: o elemento literal (também denominado
elemento gramatical) e o elemento lógico.
 Ambos os elementos completam-se, constituindo momentos sucessivos
e complementares da interpretação da lei, sendo inseparáveis na
função interpretativa e devendo utilizar-se harmonicamente, e não
isoladamente.
a) Elemento literal ou gramatical
É constituído pelo texto (ou letra) da lei, sendo este o ponto de
partida da interpretação;
Desempenha duas funções:
Uma negativa (de exclusão) – exclui qualquer
interpretação que não tenha o mínimo de correspondência
no texto da lei;
Outra positiva (de seleção) – se o texto da lei admite mais
do que um entendimento, deve optar-se pelo sentido que
mais próximo fique do significado mais natural e direto das
expressões usadas, optando, destarte, pela interpretação
mais natural em prejuízo das interpretações mais forçadas.
Na procura desse “sentido mais natural”, o intérprete
deverá ter em conta, em primeira linha, o sentido técnico-
jurídico das palavras usadas6; seguidamente, privilegiará a

6
E isto porque o n.º 3 do artigo 9.º do CCivil dispõe que o intérprete deve presumir que o legislador
“soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”. Tal presunção, todavia, não impede que se
conclua que o legislador, afinal, não conseguiu esse intento, não conseguiu utilizar as palavras que usa
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITO 2012/2013

interpretação técnica das palavras utilizadas, quando de


matéria técnica se esteja a tratar; finalmente, quando não
houver lugar a qualquer uma das duas anteriores, o
sentido deverá ser procurado no sentido normal das
palavras utilizadas, tal como o entende a generalidade dos
destinatários a quem a norma se dirige.
b) Elemento lógico
É constituído pelo pensamento legislativo, pelo espírito da lei;
Subdivide-se em quatro sub-elementos ou sub-critérios:
Elemento histórico
 Este elemento atende à história da norma, às
circunstâncias da sua génese. É constituído pelo
recurso:
 A trabalhos preparatórios (os anteprojetos de lei, os projetos ou
propostas de lei, as atas que registam as discussões nas
comissões e sessões parlamentares);
 A precedentes normativos (as normas, de direito nacional ou
estrangeiro, que vigoraram no passado ou na época de
formação da lei e que influenciaram esta7; a doutrina e
jurisprudência que inspiraram o legislador na redação do
preceito);
 À história evolutiva do instituto, da figura ou do regime jurídico
em apreço.
Elemento racional ou teleológico8

no sentido técnico-jurídico correto. Essa constatação resultará, é evidente, do elemento lógico da


interpretação.

7
Por exemplo, o Código Civil Português de 1867, o Código Civil Alemão (Bundesgesetzbuch) de 1900 e o
Código Civil Italiano de 1942 são precedentes normativos do atual Código Civil Português, de 1966,
tendo influenciado muitas soluções neste consignadas.

8
A teleologia (do grego τέλος, finalidade, e -logía, estudo) é o estudo filosófico dos fins, isto é, do
propósito, do objetivo, da finalidade das coisas.
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITO 2012/2013

 Este elemento atende à ratio legis, isto é, à razão


de ser da lei, ao fim que a lei se propõe atingir
 Por este elemento, a lei deve ser entendida da
maneira que melhor corresponda à obtenção do
fim que o legislador pretendeu com a norma
 E o apuramento do fim que o legislador quis
alcançar com a norma deve resultar da ponderação
dos vários interesses que a norma regula e o peso
relativo de cada um deles na opção legal.
Elemento sistemático
 Este elemento tem em atenção que na
interpretação da norma deve-se ter em
consideração todo o sistema coordenado de
normas na qual a mesma se insere
 Tem como pressuposto que cada norma jurídica faz
parte de um conjunto mais vasto de normas que
tem um fio comum e que, por isso, não são
antagónicas entre si mas sim complementares
 Por isso, cada norma deve ser relacionada com o
conjunto em que se integra, a saber, o diploma de
que faz parte; a epígrafe da norma, do capítulo,
secção ou divisão em que se enquadra; as normas
que a precedem e a sucedem; a outras leis que
regulam problemas afins (lugares paralelos)
 Este elemento pressupõe a coerência da ordem
jurídica e permite excluir sentidos que sejam
incompatíveis com os sentidos de outras normas
próximas bem como o apuramento da
inconstitucionalidade ou ilegalidade de certa
norma ou a sua revogação tácita.
Elemento conjuntural
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITO 2012/2013

 Este elemento atende às circunstâncias do tempo


em que a norma é aplicada.
 Este elemento é tanto mais importante quanto
maior for a longevidade da vigência da norma. A
análise da evolução das circunstâncias da vida
desde a criação dessa norma poderá determinar a
atualização (e até alteração) do seu sentido
original.
 A utilização deste elemento conjuntural apenas
terá relevo para as correntes que optem por uma
interpretação atualista

c) A posição do CCivil (artigo 9.º)


O CCivil não toma posição clara relativamente à problemática entre
subjetivismo e objetivismo – nem tal foi o desiderato do legislador.
Com efeito, ao utilizar a expressão “pensamento legislativo”, tanto
poderá referir-se ao subjetivismo (pensamento do legislador) como
ao objetivismo (pensamento da lei)
Já no que se refere aos elementos da interpretação (também
designados por fatores hermenêuticos) a lei foi mais clara:
A primeira parte do n.º 1 do artigo 9.º [até “pensamento
legislativo”] faz alusão quer ao elemento literal quer ao
elemento lógico;
O n.º 2 alude à função negativa, de exclusão, do elemento
literal e o n.º 3 a função positiva, ou de seleção, do mesmo
elemento,
A segunda parte do n.º 1 reporta-se aos subelementos
sistemático, histórico e conjuntural9 do elemento lógico,
encontrando-se o subelemento teleológico ou racional

9
Respetivamente nas expressões “a unidade do sistema jurídico”, “as circunstâncias em que a lei foi
elaborada” e “as condições específicas do tempo em que a lei é aplicada”.
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITO 2012/2013

subjacente ao “pensamento legislativo” a que alude o n.º


1.

6. Resultados da interpretação

 Os resultados da interpretação obtêm-se através da conjugação e comparação


entre o sentido que se chegou pela aplicação dos diferentes fatores
hermenêuticos e a interpretação literal do texto da norma. Ao compararmos o
texto da lei com o “espírito” da lei (este último obtido através da aplicação dos
fatores hermenêuticos) chegaremos, assim, a um resultado único
relativamente ao sentido da norma.
 O resultado final assim obtido pode redundar numa

Interpretação declarativa –
 obtém-se uma interpretação declarativa quando se conclui que
a interpretação final faz coincidir a letra da lei com o “espírito”
da mesma, ou seja, da interpretação resulta que o legislador
não disse nada a mais nem nada a menos do que pretendia.
Interpretação extensiva
 obtém-se uma interpretação extensiva quando se conclui que
da interpretação final resulta que o espírito da lei é mais vasto
que a letra da lei, ou seja, que o legislador disse menos do que
aquilo que queria. Por isso, o sentido literal vai ser “estendido”
até coincidir com o espírito da lei
 vários argumentos podem ser utilizados para a interpretação
extensiva
a identidade de razão – onde a razão da decisão seja a
mesma, a mesma deve ser a solução
a maioria de razão – onde a razão da decisão for ainda
mais forte do que no caso previsto na lei, aí também
deve ser a mesma a decisão
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITO 2012/2013

 exemplos: a palavra “terceiro” do artigo 2181.º CCivil deve ser


interpretada no sentido de abranger não apenas um terceiro
mas também aqueles casos em que os beneficiários do
testamento sejam várias pessoas, ou seja, “terceiros”; a
extensão da proibição da venda pelos bisavós a bisnetos é uma
interpretação extensiva, por identidade de razão, do artigo
877.º n.º 1 CCivil10
Interpretação restritiva
 obtém-se uma interpretação restritiva quando se conclui que
da interpretação final resulta que a letra da lei é mais vasta que
o espírito da lei, ou seja, que o legislador disse mais do que
aquilo que queria dizer. Por isso, o sentido literal vai ser
“comprimido” até coincidir com o espírito da lei
 exemplo: o “estado mental” a que alude o artigo 282.º CCivil
não é qualquer estado mental e muito menos um estado mental
lúcido e atento, mas sim um estado mental debilitado,
fragilizado.
Interpretação revogatória ou ab-rogante
 obtém-se uma interpretação revogatória quando se conclui que
da interpretação final resulta haver uma contradição insanável
entre a letra da lei e o espírito da lei, ou seja, o intérprete
conclui não existir verdadeiramente qualquer norma jurídica.
 Exemplo: uma norma que remete para uma norma inexistente.

7. Interpretação enunciativa

 Há interpretação enunciativa quando o intérprete deduz da norma interpretada


outras normas, sejam elas afins ou periféricas.
 As principais regras aplicáveis são as seguintes:

10
Nem todos os Autores admitem, na situação desta norma, a interpretação extensiva acima defendida.
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITO 2012/2013

a maiori ad minus (quem permite o mais, permite o menos). Por

exemplo, se a lei permite a falta do trabalhador ao trabalho por motivo


de doença permitirá também que o trabalhador se ausente do local de
trabalho se se sentir doente.

a minori ad maius (quem proíbe o menos, proíbe o mais). Por

exemplo, se a lei não permite passear na rua com cães perigosos, então
é também proibido passear animais ainda mais perigosos, como um
tigre ou um leão.

a contrario sensu (através do sentido positivo de uma norma se

retira o seu sentido negativo, ou vice-versa). Esta regra só tem


aplicação junto de normas excecionais, ou seja, quando a partir de uma
exceção se pretende retirar a regra geral. Só quando resultar da
interpretação de uma determinada norma que a mesma só se aplica
exclusivamente às hipóteses contempladas na sua previsão é que se
poderá concluir, a contrario sensu, que não se aplica a nenhumas
outras.

Carlos Loureiro, Sumários de Introdução ao Direito, ano 2009/2010, pp 76 a 87.


A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, 2009, pp 323 a 347.
João Batista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1994, pp 175 a
192 Germano Marques da Silva, Introdução ao Estudo do Direito, 2009, pp 249 a 272.

9.º – A Integração de lacunas

1. As lacunas

 A integração de lacunas constitui-se como um método de determinação de


normas a que importa recorrer quando se constata que, perante uma situação
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITO 2012/2013

a resolver no âmbito da ordem jurídica11, se verifica, de entre todas as normas


existentes, não haver nenhuma que resolva a questão.
 Para que haja uma lacuna (leia-se, ausência de norma jurídica para resolver
certo caso) é necessário que esteja esgotada, sem sucesso, a possibilidade de
interpretação extensiva e enunciativa de outras normas jurídicas existentes
bem como a constatação de inexistência de normas de direito consuetudinário
quando admitidas de acordo com o artigo 348.º CCivil.

2. A necessidade de integração – a proibição do non liquet

 O artigo 8.º n.º 1 do CCivil consagra o princípio da não denegação de justiça, ou


seja, o de que o julgador não pode abster-se de julgar, seja invocando a falta ou
obscuridade da lei seja alegando dúvida insanável sobre os factos em litígio –
não pode, pois, dar uma decisão de non liquet.12

 A existência de lacunas na lei, conjugada com o princípio da não denegação de


justiça, faz nascer a tarefa da integração das lacunas, a atividade de
preenchimento dos vazios normativos em que as mesmas se traduzem.

 A integração das lacunas opera-se através de dois modos:

A analogia (artigo 10.º n.º 1 e 2 do CCivil)

 Dá-se o recurso à analogia quando se consegue encontrar, no


sistema normativo, uma solução que, embora não pensada para
resolver aquela situação, vai fazê-lo.

11
Ou seja, numa situação valorada pela ordem jurídica e já não vivências que apenas tenham a ver com
outras ordens normativas, sejam elas a religião, o trato social ou a Moral.

12
Do latim "non liquere", não líquido, não claro. Non liquet é uma expressão proveniente do Direito
Romano utilizada nos casos em que o juiz não encontrava resposta no sistema jurídico para resolver a
questão e, por isso, deixava de julgar. A denegação de justiça é não só proibida como punida na Ordem
Jurídica portuguesa com responsabilidade criminal (369.º CP) e civil (1083.º e 1093.º CPCivil, 5.º n.º 2 e 3
do Estatuto dos Magistrados Judiciais e 14.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do
Estado e demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei 67/2007)
NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITO 2012/2013

 A analogia é um modo de integração de lacunas que permite


estender a solução de um caso regulado para outro não
regulado, atentas as similitudes entre as duas situações13.

 Há dois tipos de analogia:

Analogia legis – traduz-se na aplicação de uma norma


legal a outros casos por ela não abrangidos mas que
revelem semelhanças com estes.

Analogia juris – traduz-se na aplicação de um


princípio geral de direito, proveniente de normas
existentes, para resolução do caso omisso

 Há limites à analogia

 As normas excecionais não são suscetíveis de aplicação


analógica (11.º CCivil)

 Não há analogia em determinados campos da previsão


penal, a saber, nas normas incriminadoras, nas que
definem um estado de perigosidade e nas que
determinam as penas ou medidas de segurança (1.º n.º 3
CPenal)

 Não há analogia no âmbito do Direito Fiscal (103.º CRP)

 Nas leis restritivas de direitos, liberdades e garantias


(18.º n.º 2 CRP)

 Nas enumerações taxativas

 Por interpretação extensiva, entende-se que o artigo 10.º n.º 1


e 2 CCivil admite tanto a analogia legis como a analogia juris.

13
A analogia distingue-se, assim, da interpretação extensiva porque nesta a interpretação está ainda
dentro dos limites do espírito da lei enquanto naquela ultrapassa a fronteira desse próprio espírito.
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A norma “ad hoc” (10.º n.º 3 CCivil)

 Quando a analogia não puder ter lugar, a integração far-se-á


excecionalmente através da criação de uma norma ad hoc.

 Na criação de uma norma ad hoc o julgador não fará a criação


de uma norma que decida o caso concreto em apreço mas sim
da norma que, no seu entender, existiria se tivesse sido prevista
para julgar, em geral e em abstrato, e de acordo com o sistema
jurídico como um todo, casos como aquele que tem em mãos.

 Obtida essa norma, o julgador aplicá-la-á ao caso concreto e tão


só a este, já que, por não ser fonte imediata de direito, o
julgador não pode decidir para futuro – daí que essa norma ad
hoc, formulada embora como norma geral e abstrata, morrerá
logo após a sua aplicação ao concreto caso que a motivou.

Carlos Loureiro, Sumários de Introdução ao Direito, ano 2009/2010, pp 88 a 92.


A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, 2009, pp 347 a 361.
João Batista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1994, pp 192
a 205

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