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GUILHERME ALMEIDA ROSA DA SILVA

VITRUVIUS
FISICULTURISMO E CIÊNCIA

1ª edição

Rio de Janeiro
Guilherme Almeida Rosa da Silva
2015

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Da Silva, GAR

Vitruvius: fisiculturismo e ciência [livro eletrônico] / Guilherme Almeida Rosa da


Silva. 1ª Edição. Produção independente.

3,0 Mb ; PDF

1. Musculação 2. Fisiculturismo 3. Nutrição Esportiva

610 – Medicina e Saúde

ISBN: 978-85-918803-0-0

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AUTOR

Guilherme Almeida Rosa da Silva é Professor de Semiologia/Clínica


Médica/Endocrinologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
(UNIRIO) atuando na preceptoria de internos, residentes e pós-graduandos na
área de Clínica Médica e Endocrinologia. Atua em projetos de pesquisa com
terapia hormonal e nutricional em pacientes com Caquexia relacionada à AIDS
e cursa Doutorado em Medicina Tropical pela FIOCRUZ.

Possui Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro


(UFRJ) e Nutrição pela Universidade Veiga de Almeida, Residência Médica em
Clínica Médica e Endocrinologia pela Universidade Federal do Estado do Rio
de Janeiro (UNIRIO), Pós-Graduação lato sensu em Medicina Ortomolecular
pela Universidade Veiga de Almeida, Mestrado em Medicina Tropical pela
FIOCRUZ.

Membro do American College of Physicians (ACP) e da Sociedade Brasileira


de Clínica Médica (SBCM). Coordenador científico da Liga de Medicina do
Esporte e Exercício (LAMEE) e Liga Acadêmica de Endocrinologia e
Metabologia (LAEM) da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
(UNIRIO).

Atleta amador de fisiculturismo com interesse em Bioquímica e Biologia


Molecular relacionada ao exercício, Nutrição Esportiva, Estratégias de
Treinamento e Marcadores do Estresse Físico.

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Dedicado à Família,

“O ser humano é, sobretudo um ser consciente. Da consciência nasce a


realidade e da realidade surgiu a família Filosofia, Arte, Moral e Ciência. A
Filosofia, a Arte e a Moral são patrimônios individuais que podem ser
compartilhados coletivamente, quer concordem ou quer não. A Ciência é
diferente. Através da razão buscamos uma única verdade absoluta, atemporal
e completa. Logicamente que nestes caminhos também temos nossos
desencontros, mas uma vez que a verdade é alcançada ela permanece para
sempre como mais uma página escrita em nossa história. Então, de muitos
descaminhos e de pequenas verdades conquistadas formamos o conhecimento
científico. Muitas pessoas dedicaram suas vidas em busca de uma equação,
uma solução ou uma explicação que adicionasse nem que seja uma pequena
linha no livro da verdade. Pense em Newton e seu isolamento para descrever a
Física Clássica, Einstein e a Relatividade, Darwin e todo seu tempo de viagem.
Todos eles nos dão a impressão que nascemos realmente para escrever... não
necessariamente um livro, mas para escrever a verdade do universo nas
páginas da humanidade. Pode parecer fácil, mas não é. Antes de ser Ciência a
verdade nasce como Filosofia. Através da curiosidade e da inspiração
encontramos os problemas sem solução. A Filosofia se espelha em seu irmão
mais velho, a Ciência, e aguarda seu rito de passagem para idade adulta
através da experimentação e do método. A Moral é a mãe, não deixa com que
passemos dos limites da loucura e nos impede de permanecer na inércia
eterna. A Arte é o pai que emite em seu trabalho todo o amor que tem por sua
família. Ao escrever este livro pensei em muitos pais... pensei em Muhammad
Ali que esperou 3 anos e meio para voltar aos ringues, em Michelangelo e os
quatro anos que levou para esculpir seu Davi e mais quatro anos para pintar o
teto da Capela Sistina, em Mandela e seus 27 anos de prisão e conclui que o
trabalho de escrever este livro seria grande, mas nada comparado ao trabalho
destes outros pais. Um fisiculturista também é assim. Ele tem que vestir o
espírito da Filosofia para se dedicar a cada dia e treinar em seu limite, tem que
ter a Moral como sua companheira para julgar todos os excessos e tem que ser
como o pai Arte para ter paciência e realizar a sua grande obra. Se você está
pensando que esqueci alguém da família, eu não esqueci... Estão todos aí.
Nosso pai a Arte, nossa mãe a Moral e nosso irmão mais novo a Filosofia. Não
se esqueça de nós fisiculturista, pois nós somos a verdade, nós somos a
Ciência.”

Guilherme Almeida Rosa da Silva


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Sumário

Parte I (Introdução)

Capítulo 1 - A História do Corpo....................................................................................................8

Capítulo 2 - O Físico Perfeito......................................................................................................16

Capítulo 3 – Antropometria..........................................................................................................32

Capítulo 4 – Poses......................................................................................................................41

Parte II (Bases Fisiológicas e Bioquímicas)

Capítulo 5 - Macronutrientes: Carboidratos, Lipídeos e Proteínas..............................................51

Capítulo 6 – A Produção de energia...........................................................................................61

Capítulo 7 - Macroeconomia: Catabolismo e Anabolismo...........................................................70

Capítulo 8 - Microeconomia: Regulação na utilização de estoques energéticos........................78

Parte III (Nutrição)

Capítulo 9 - Estratégias Dietéticas para Bulking.........................................................................86

Capítulo 10 - Estratégias Dietéticas para o Cutting.....................................................................93

Capítulo 11- Protocolos de Hidratação e Pré-Contest................................................................99

Parte IV (Treinamento)

Capítulo 12 – Hipertrofia e Mecanobiologia..............................................................................106

Capítulo 13- Treinamento Aeróbico...........................................................................................114

Capítulo 14 – Treinamento Resistido........................................................................................119

Capítulo 15 - Periodização e Descanso....................................................................................131

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Parte V (Farmacologia e Suplementação)

Capítulo 16 – Suplementos Anabólicos e Protetores da Massa Magra....................................135

Capítulo 17 - Hormônios Androgênicos e Anabolizantes..........................................................145

Capítulo 18 - Hormônio do Crescimento...................................................................................163

Capítulo 19 - Sensibilizadores da Insulina e Medicamentos com Ação Metabólica.................166

Capítulo 20 – Termogênicos, Queimadores de Gorduras e Bloqueadores de Lipídios e


Carboidratos..............................................................................................................................171

Parte VI (Distorção da Autoimagem e Overtrainning)

Capítulo 21 - Vigorexia, Anorexia, Bulimia e Ortorexia.............................................................185

Capítulo 22 – Overtraining e Marcadores Metabólicos do Estresse Físico...............................192

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Parte I (Introdução)

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Capítulo 1 - A História do Corpo

Guilherme Almeida Rosa da Silva

“O corpo humano é a carruagem.


Eu, o homem que a conduz.
O pensamento, as rédeas.
Os sentimentos, os cavalos.”

Platão

Introdução

O fisiculturismo é a aplicação prática dos métodos adquiridos pelo


conhecimento científico e empírico com o objetivo da construção de um corpo
ideal. O fisiculturismo é visto por muitas pessoas como esporte, atividade de
promoção a saúde, manifestação cultural, ou até mesmo considerado como
estilo de vida. Os métodos envolvidos, sejam eles científicos ou empíricos,
possuem como foco a alimentação, treinamento, descanso, suplementação e
uso de medicamentos. O indivíduo que pratica o fisiculturismo é dito
fisiculturista. Esta terminologia é aplicada em relação a atletas amadores ou
profissionais, sendo o número de adeptos desta atividade crescente em todo
mundo. Este crescimento se deve a mudanças culturais, como a maior
preocupação dos indivíduos com a saúde, a valorização da aparência e de
padrões estéticos no ambiente profissional e social, preparação física para
prática de diversas modalidades esportivas e a presença de maior propaganda
em relação ao esporte nas principais mídias, como a televisão e internet. Os
exercícios em salas de musculação perdem apenas para caminhada simples
em relação ao exercício mais praticado pelos brasileiros.

O culto ao corpo possui grande influência cultural, mas possui raízes


evolutivas e naturais muito fortes. Faz parte do processo de seleção natural o
sucesso reprodutivo de indivíduos cuja prole possua maior probabilidade de
sobrevivência, ou seja, indivíduos que aparentem e sejam dotados de
inteligência, resistência física e aspecto saudável. Desta forma, o culto ao
corpo sempre esteve associado à humanidade, não só pela admiração do que

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é belo, mas ligado diretamente à questão da sexualidade. Este tipo de
comportamento já é manifestado e pode ser testemunhado precocemente no
desenvolvimento. Por exemplo, crianças com apenas 14 horas de vida fixam o
olhar por mais tempo em rostos femininos considerados universalmente belos.
Além da aparência facial, a relação cintura-quadril pode ser considerada como
um marcador antropométrico do estado endocrinológico reprodutivo e de saúde
nos indivíduos.

A beleza do corpo já era admirada em povos antigos como a


Mesopotâmia e o Egito Antigo. Durante o Egito Antigo era comum a prática da
maquiagem facial, uso de óleos aromáticos, perucas, joias e roupas, pelo fato
de ser acreditado que havia relação entre a boa aparência e a espiritualidade.

Tempos depois, o culto a imagem do corpo ganhou sua primeira


notabilidade na Grécia Antiga. Os Jogos Olímpicos da antiguidade, que
possuem seu início atribuído a 776 a.C eram um festival religioso e atlético
ocorrido a cada quatro anos no templo de Olímpia em honra a Zeus. As
atividades clássicas eram as corridas pedestres, corridas equestres, luta e o
pentatlo. Aos vencedores, eram dedicadas estátuas, cânticos e premiações. Os
grandes vencedores despontavam pelo porte atlético e, assim como os
guerreiros, eram vistos como exemplos a serem seguidos e adorados pelos
jovens. O treinamento era realizado com o peso do próprio corpo, corridas com
sacos de areia e arremesso de pesos. Dromeus de Stymphalus em 450 a.C foi
o primeiro a relatar uma dieta rica em carne para melhora da força muscular.
Em 350 a.C, o mesmo foi relatado por Milon de Crotona, campeão na luta
olímpica em seis olimpíadas sucessivas, que dizia se alimentar diariamente de
9kg de carne, 9Kg de pão e 10 litros de vinho. Existem documentos de
Hipócrates, Galeno e Pitágoras referindo diferentes estratégias dietéticas para
um melhor desempenho nas competições. Nesta época, o homem passou a
atribuir as características físicas atléticas como a própria imagem e
semelhança dos deuses pagãos. Além disso, o desenvolvimento físico era
estimulado como parte do desenvolvimento mental, o dito Mens sana in
corpore sano ("uma mente sã num corpo são"), obtido a partir de uma das
muitas interpretações da frase utilizada pelo poeta romano Juvenal.

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A morte de Mílon de Crotona - Joseph-Benoît Suvée (Groeninge Museum, Bruxelas)

Pelo lado da razão, Sócrates e seus discípulos Aristóteles e Platão


pensavam sobre a definição do que é o belo na estética. A beleza estaria
inserida em ideias aprazíveis aos sentidos, aproximação com ideais de
perfeição, simetria e ordem. A beleza dependeria do estímulo gerado pelo
objeto capaz de ser percebido e da interpretação do receptor como sensação
agradável.

Durante a Idade Média, um físico ideal estava diretamente ligado à


nobreza e a aristocracia, apresentando a pele branca e a aparência obesa de
uma pessoa que trabalhava pouco ou não trabalhava e que comia muito em
quantidade e qualidade. O corpo não era mais somente a prisão da alma, mas
também era fonte de tentações. Ideais religiosos influenciavam diretamente a
visão do corpo perfeito, pois o corpo era visto como fonte de pecado. O
Renascimento veio a resgatar os padrões da beleza do corpo da antiguidade
clássica. Homens e mulheres nus e seminus com corpos musculosos e de
simetria perfeita eram vistos como belos pelos artistas renascentistas, que

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refutaram o corpo como fonte única de pecado, mas gerador de beleza e
esplendor. Com o surgimento do capitalismo e a Revolução Industrial, o corpo
passou além de tudo a ser status de saúde, higiene, preocupação com a
longevidade e alta produtividade. Surgiam as primeiras escolas de ginástica
moderna com intuito do desenvolvimento das características físicas.

O Século XX foi marcado pela ampliação do acesso à informação, com a


mídia impressa, televisiva e o rádio sendo a influência cultural mais forte. Esta
influência é veiculada através da propaganda de padrões estéticos corporais
estampados em revistas de moda, televisão e cinema. A alta estatura, as
curvas da cintura e dos seios femininos e corpos musculosos masculinos foram
tornados os perfis desejados, até serem substituídos pela tendência de corpos
atléticos, tanto femininos quanto masculinos, do Século XXI. O corpo através
dos tempos passou a ser símbolo de higiene, saúde, sexualidade, sucesso
profissional e intelectual.

Dentro do século XX, o fisiculturismo como modalidade esportiva foi


criado por Eugen Sandow. Ele foi responsável pela organização da primeira
grande competição chamada de “The Great Competition” em 1901 em Londres
- Inglaterra, com o objetivo de escolher o homem dotado do porte físico mais
espetacular. Nesta competição participaram 156 atletas, desde militares,
trabalhadores da construção civil, entre outros cidadãos comuns. Sandow
estabeleceu que um físico espetacular seria dotado de desenvolvimento
muscular geral equilibrado, apresentando tonicidade, solidez e com uma pele
de aspecto saudável. As roupas de competição eram: bota preta, cinto preto e
vestimenta com pele de leopardo. Seriam classificados doze finalistas que
seriam exibidos em pedestais para serem julgados pelos árbitros e realizariam
sequências de poses semelhantes a estátuas gregas. O vencedor da “The
Great Competition” foi Willian Murray de Nottingham. As competições se
tornaram cada vez mais frequentes e foram difundidas por outras regiões.

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Eugen Sandow – Criador do “The Great Competition”, primeiro concurso de fisiculturismo do
mundo 1901.

Em 1965, Joe Weider, um ex-fisiculturista canadense, juntamente com


seu irmão Ben Weider, criou o Mr. Olympia. O Mr. Olympia seria um concurso
que reuniria os grandes vencedores do Mr. Universo e Mr. América,
competições já tradicionais à época, com a proposta de profissionalizá-los,
mantê-los no fisiculturismo e gerarem remuneração pelas participações e
patrocínios com divulgação na mídia. Larry Scott disputou e venceu as duas
primeiras edições (1965 e 1966), se aposentando logo em seguida para abrir
caminho para os outros competidores.

O Sandow é o troféu fornecido ao vencedor do Mr. Olympia desde 1977.

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Larry Scott - Mr. Olympia de 1965.

A década de 70 foi vista como a década de ouro do fisiculturismo, com


grandes nomes como Franco Columbo, Mike Mentzer, Serge Nubret, Lou
Ferrigno, Sergio Oliva, Frank Zane e, é claro, Arnold Schwarzenegger. Um
marco desta época de ouro foi o lançamento do filme “Pumping Iron” que
documenta acontecimentos que precederam e se seguiram ao Mr. Olympia de
1975. O filme destaca a vida de vários fisiculturistas, com enfoque maior em
Arnold Schwarzenegger e seus concorrentes.

Arnold Alois Schwarzenegger nasceu em 30 de julho de 1947 na Áustria.


Filho de um policial, Arnold obteve uma educação disciplinada que alimentou
sua paixão pelo fisiculturismo. Conquistou o Mr. Europa Junior em 1965 e o Mr.
Europa em 1966. Em 1970 conquistou o seu primeiro Mr. Olympia, fato que se
repetiu em 1971, 1972, 1973, 1974 e 1975, quando resolveu se aposentar. Em
1980, próximo às gravações e preparações do filme Conan: O Bárbaro, Arnold
decidiu participar novamente e rumou para a vitória no Mr. Olympia pela última
vez com apenas sete semanas de preparação. Arnold saiu dos concursos de
Mr. Olympia para se imortalizar como o maior inspirador e lenda do
fisiculturismo. Anualmente ele organiza um torneio de fisiculturismo, o Arnold
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Classic, em Columbus – Ohio - Estados Unidos. Eventos menores ligados ao
Arnold Classic são levados e realizados em diversas regiões do planeta.

Arnold Schwarzenegger - Mr. Olympia de 1975.

Desde a geração de Arnold Schwarzenegger e a cada dia, a prática do


fisiculturismo ampliou seus horizontes também entre os amadores. Pessoas
comuns passaram a se interessar cada vez mais pelas orientações sobre
nutrição, treinamento, suplementação e uso de medicamentos em busca de
vencer limites e esculpir um corpo ideal. As décadas que se seguiram
produziram artigos de revistas especializadas, vídeos, e com a difusão da
internet, a troca de informações passou a ser mais dinâmica e intensa. Um
verdadeiro arsenal de suplementos alimentares e medicamentos foram
construídos em volta de inúmeras empresas especializadas na nutrição
esportiva que fazem circular uma enormidade de dinheiro todos os dias em
todos os meses do ano. Um novo problema foi criado, o abuso de suplementos,
anabolizantes, dietas extremas e doenças ligadas à distorção da autoimagem
como a vigorexia e anorexia. O melhor remédio para este problema é a

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informação embasada na técnica, prática e ciência por profissionais titulados e
gabaritados.

Hoje, a nutrição esportiva é uma atividade profissional rentável, assim


como o “personal training” e consultas em medicina esportiva. Além da
consulta aos profissionais do ramo, os atletas amadores buscam o
esclarecimento e o entendimento da sua prática com objetivo de obter
melhores resultados no dia a dia. O conhecimento da nutrição, educação física
e medicina ajudam a melhorar o desempenho e servem para aumentar a
paixão dos que praticam o fisiculturismo. Muito deste conhecimento obedece
aos critérios e rigor da ciência moderna, entretanto ainda existe o empirismo,
por muitas vezes igualmente eficaz, passado de geração para geração pelos
treinadores e gurus do esporte, mas sujeito a falsas verdades rapidamente
disseminadas entre os praticantes. A informação muitas vezes é traiçoeira e a
presença de uma pessoa experiente serve para diferenciar os mitos das
verdades.

Através da disciplina no estudo, na alimentação e nos treinamentos é


que o resultado diário pode ser alcançado. Como Michelangelo levou quatro
anos para esculpir seu David, não é de um dia para o outro que um indivíduo
consegue esculpir um físico espetacular como proposto há mais de 100 anos
por Eugen Sandow. Nos próximos capítulos apresentaremos as bases
científicas e empíricas da nutrição, treinamento, suplementação e farmacologia
para superar as dificuldades e rumar para um físico espetacular. Afinal de
contas, como os fisiculturistas costumam dizer “no pain, no gain”, sem esforço,
sem ganhos.

As informações contidas neste livro possuem propósito de


esclarecimento, estando as prescrições de dieta, medicamentos e exercício
submetidas às leis profissionais e órgãos reguladores vigentes em cada país.

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Capítulo 2 - O Físico Perfeito

Guilherme Almeida Rosa da Silva

“Adoramos a perfeição, porque não a podemos ter; repugna-la-íamos se a


tivéssemos. O perfeito é o desumano porque o humano é imperfeito.”

Fernando Pessoa

Introdução

O físico perfeito é uma ideia sobre a aparência mais bela do corpo


humano obtido a partir das experiências geradas pelas influências culturais e
por milhares de anos de seleção natural e evolução da espécie humana. Esta
ideia remete sobre as características de perfeição a serem atribuídas ao corpo
tanto masculino quanto feminino. Neste capítulo iremos dissertar sobre a
evolução do conhecimento humano sobre as proporções corporais de um corpo
perfeito e características como simetria, volume/circunferências e aspectos
sobre a definição/percentual de gordura.

As proporções corporais

A antiga arte egípcia utilizava a métrica baseada em dezoito quadrados


que podiam ser delimitados do solo até a linha da implantação dos cabelos de
um corpo humano. Este talvez seja o primeiro esboço da métrica aplicada na
medição das proporções corporais humanas, já possíveis de serem
encontradas na Paleta de Narmer datada de 3100-3200 anos a.C.

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Faces da Paleta de Narmer – Museu do Cairo – Egito.

Estudos de Guralnick (1978-1985) publicados no American Journal of


Archaeology traz uma correlação perfeita entre as métricas das proporções
corporais utilizadas na arte do Egito Antigo, comparadas com a métrica
utilizada na geração de estátuas de mármore da Grécia Antiga (664-610 a.C), o
que sugere contato e troca de informações entre estes dois povos.

Um estudo matemático das proporções humanas foi primeiramente


esboçado ainda na época da Roma Antiga, no século I a.C, por Marcus
Vitruvius Pollio. O estudo foi apresentado dentro de um tratado de dez
volumes, denominado De Architectura, no qual o arquiteto latino determina as
razões de proporção do corpo humano da seguinte forma:

Um palmo é a largura de quatro dedos;

Um pé é a largura de quatro palmos;

Um antebraço ou cúbito é a largura de seis palmos;

A altura de um homem é de quatro antebraços (24 palmos);

Um passo são quatro antebraços;

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A longitude dos braços estendidos de um homem é igual à altura dele;

A distância entre a implantação do cabelo e o queixo é um décimo da altura de um homem;

A distância do topo da cabeça para o fundo do queixo é um oitavo da altura de um homem;

A distância do nascimento do cabelo para o topo do peito é um sétimo da altura de um homem;

A distância do topo da cabeça para os mamilos é um quarto da altura de um homem;

A largura máxima dos ombros é um quarto da altura de um homem;

A distância do cotovelo para o fim da mão é um quarto da altura de um homem;

A distância do cotovelo para a axila é um oitavo da altura de um homem;

O comprimento da mão é um décimo da altura de um homem;

A distância do fundo do queixo para o nariz é um terço da longitude da face;

A distância do nascimento do cabelo para as sobrancelhas é um terço da longitude da face;

A altura da orelha é um terço da longitude da face.

Durante o Renascimento na Idade Média, “O homem vitruviano” foi


eternizado em um desenho esboçado nos escritos de Leonardo da Vinci. O
artista utilizou as proporções descritas por Vitruvius para resolver
brilhantemente o problema matemático do cálculo da quadratura do círculo (a
área do quadrado igual à área do círculo). O homem vitruviano é uma fonte real
das proporções perfeitas do comprimento humano. Infelizmente as proporções
do comprimento no corpo do indivíduo não são modificáveis de maneira natural
(exceto por estímulo hormonal em fases específicas ou cirurgias ortopédicas).
Exercícios de alongamento podem aumentar o comprimento das fibras
musculares, mas não podem alterar as medidas de um osso longo. As
proporções dos diversos segmentos corporais são estabelecidas por
componentes genéticos, inclusive na origem de doenças (ex: Síndrome de
Klinefelter, Síndrome de Marfan, entre outras: maior comprimento dos
membros em relação ao tronco; Acondroplasia: menor comprimento dos
membros em relação ao tronco) e por exposição hormonal durante a
puberdade (estrogênio determinando fechamento mais rápido das cartilagens
de crescimento com menor estatura final).

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O homem vitruviano - Leonardo da Vinci.

O Corpo masculino

As circunferências dos segmentos corporais masculinos

Para obtermos um conceito de corpo perfeito precisamos entender


também as circunferências dos pontos de referência anatômicos. Cabe
ressaltar que cada indivíduo possui um biotipo. Steve Reeves, um dos últimos
fisiculturistas da era de transição para o uso de anabolizantes, década de 40 e
50, utilizava uma fórmula de simetrias baseadas em medições de estátuas
clássicas romanas e gregas para peso e altura (tabela 1) e para as
circunferências (tabela 2).

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Alguns dos padrões utilizados por estes estudiosos do século passado
podem causar surpresa nos fisiculturistas amadores ou profissionais dos dias
de hoje, tendo em vista que as tabelas de medidas antropométricas e
proporções foram desenvolvidas para indivíduos sem uso de anabolizantes,
suplementos ou outras medicações ergogênicas utilizadas atualmente.

Peso Altura
(kg) (m)
72,5 1,67
74,8 1,69
77,1 1,72
79,4 1,74
81,6 1,77
83,9 1,80
86,1 1,82
90,7 1,83
95,2 1,85
99,7 1,88
104,3 1,91
108,8 1,94
113,4 1,96

Tabela 1 – peso e altura ideal.

Braço 252% do pulso


Panturrilha 192% do tornozelo
Pescoço 79% da cabeça
Peitoral 148% da pelve
Cintura 86% da pelve
Coxa 175% do joelho

Tabela 2 – Circunferências ideais.

David Willoughby, um ex-atleta de levantamento de peso, fisiculturismo e


escritor de vários artigos e livros sobre o esporte no século passado, da mesma

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forma, desenvolveu uma tabela com circunferências ideais categorizadas para
pessoas normais e atletas aspirantes ao fisiculturismo (tabela 3).

Alt. Cat. Peso Pesc. Braço Antb. Cint. Peito Quad. Coxa Pant. Bi-
del.
1,57 Ama 56,7 36,6 35,6 28,4 71,9 96 86,6 52,6 34,8 44,7
Pro 65,3 39,1 37,8 30,2 75,4 100,6 90,2 54,6 36,8 47
1,63 Ama 62,1 38,1 39,6 29,5 74,2 99,1 89,2 53,3 36,3 46,5
Pro 71,7 40,6 37,6 31,5 77,7 103,6 93 56,1 37,8 48
1,68 Ama 68,4 38,9 40,4 30,5 76,5 102,1 91,9 55,1 37,3 47,2
Pro 78,5 41,9 38,8 32,5 80,3 106,4 96 58,2 39,4 49,5
1,73 Ama 74,4 40,1 42,2 31,5 78,7 105,1 94,7 56,4 38,6 48,5
Pro 85,7 43,4 40,1 33,5 82,6 110 98,8 59,9 40,4 50,5
1,78 Ama 81,6 41,4 40,1 32,2 81,3 108,5 98,3 59,4 39,9 50,2
Pro 93,4 45 43,7 34,5 85,1 113,3 101,3 61,7 41,7 50,3
1,83 Ama 88,5 42,4 41,4 33,2 83,8 111,8 100,3 59,9 40,6 51,3
Pro 101,6 46,2 45 35,3 87,6 116,3 104,6 63,2 42,9 53,5
1,88 Ama 96,2 43,7 42,7 34,3 85,9 114,8 103,1 61,7 42,1 52,8
Pro 114,8 47,5 46,2 36,6 89,9 119,9 107,4 65,3 44,2 55,1
1,93 Ama 104,3 45 42,1 35,1 88,1 116,9 105,9 63,5 43,2 54,4
Pro 118,8 49 47,5 37,3 92,5 122,9 110,2 67,1 45,5 56,9

Tabela 3 – Alt (altura), Cat (categoria), Ama (amador), Pro (profissional), Pesc (pescoço), Antb
(antebraço), Cint (cintura), Quad (quadríceps), Pant (panturrilhas), Bi-del (bi-deltóide),
Circunferências (cm) e peso (Kg) ideal por altura (m).

Ressaltamos o termo “sem uso de anabolizantes” nas tabelas propostas


por Steve Reeves, tendo em vista que o abuso destas substâncias por parte de
muitos fisiculturistas dos tempos atuais levarem a uma hipertrofia e redução do
percentual de gordura de forma acentuada. Entretanto, apesar dos ganhos
musculares e de definição com maior facilidade, o aspecto físico geral é
modificado. A aparência dos grupamentos musculares se torna túrgida e ocorre
o aumento de forma desproporcional das medidas de cintura, conferindo um
aspecto “inchado” do ventre, aumento do tamanho dos órgãos devido ao uso
de insulina e hormônio do crescimento e derivados. Além disso, ocorrem
modificações faciais, ginecomastia e acne.

A testosterona sintética estava disponível na década de 40 e o


Dianabol® passou a ser muito popular na década de 50. Físicos com

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circunferências maiores e mais definidos começaram a surgir nas competições
e revistas, incluindo o do próprio Steve Reeves, já citado, levantando a
possibilidade do uso destas substâncias pelos fisiculturistas da época. O que
queremos sugerir é que um físico perfeito não está associado estritamente ao
uso descontrolado, insano e excessivo de anabolizantes. Apesar de toda esta
discussão, o aspecto almejado nesta sessão é a de um fisiculturista clássico,
com base em ideais estéticos da antiguidade e considerados belos até os dias
de hoje.

Frank Zane (Esquerda) – Década de 1970 e Phil Heath (Direita) – Década de 2010.
Comparativo entre o aspecto geral dos físicos nas duas épocas.

As preferências no belo masculino

O corpo masculino belo deve possuir um formato em V (cintura fina e


ombros largos) e, segundo Glassenberg 2010, um rosto com simetria
acentuada e tendência ao dismorfismo facial masculino (traços feminilizados).
O mesmo autor ainda sugere que traços masculinos (queixos proeminentes,

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mandíbulas fortes e face larga) é mais atraente às fêmeas no período
ovulatório. Em relação a simetria facial, este aspecto sugere a presença de
maior qualidade genética, inteligência e menores danos causados pelo
ambiente durante a vida. A simetria facial masculina é um fator preditor no
sucesso em orgasmos femininos durante o ato sexual e confere ao homem
maior probabilidade de sexo com uma mulher e de maneira mais precoce.
Mulheres que não se consideram atraentes, tendem a ser atraídas por homens
com faces mais assimétricas, enquanto as mulheres que se consideram
atraentes tendem a buscar homens com maior grau de simetria facial.

Quanto a relação peito-quadril, o formato em V pode ser considerado um


fator predominante na atraência em um físico masculino, sobrepujando
inclusive o percentual de gordura e a relação cintura-quadril. Devemos
ressaltar que ainda sim há uma preferência por um físico definido e com
relação cintura-quadril em torno de 1. Os peitorais devem ser bem
desenvolvidos e de maneira mais desejável em um formato quadrado.

Em relação a jovialidade, a partir dos vinte anos de idade as mulheres


tornam-se cada vez mais propensas a procurarem homens mais velhos. A
procura só decresce quando a idade do homem atinge os 40 anos.

Outras características que conferem atraência ao físico masculino é a


presença de um corpo musculoso. Destacamos que o próprio homem, outros
homens e homossexuais tendem a supervalorizar o fator corpo musculoso em
comparação as mulheres. Podemos citar ainda a pele limpa e sem lesões,
avermelhada ou levemente bronzeada, um pênis ereto maior e mais calibroso,
ausência de pelos no tronco e altura masculina superior à altura feminina.

Somatotipos

A expressão fenotípica de nossa genética se reflete em três tipos físicos


principais. Devemos entender que estes biotipos são protótipos e que na
verdade o indivíduo pode estar inserido no espectro de variações possíveis
entre estas formas.

23
Endomorfo

Indivíduos com facilidade no acúmulo de gordura e, por apresentarem


estruturas ósseas largas, possuem também maior facilidade na hipertrofia
muscular. No saldo, estes indivíduos tendem a ter um físico de aspecto grande
e pouco definido.

Mesomorfo

Físico equilibrado e com possibilidade de ganho de massa muscular e


perda de gordura com menor dificuldade que os outros somatotipos.

Ectomorfo

Indivíduos magros, de físico definido e de estrutura óssea estreita.


Apresentam ganho difícil de gordura e de massa muscular.

24
O Corpo feminino

Os Pontos de inflexão

Os pontos de inflexão são pontos de delimitação de inversão de


trajetória, como por exemplo um ponto crítico em uma convexidade ou
concavidade. Os principais pontos de inflexão em um corpo feminino são o
busto, cintura e o quadril (BCQ). Podem ser expressos em medidas
sequenciais, como por exemplo: 36-28-38.

O Busto

O Busto é a medida da maior circunferência do tronco por baixo dos


braços.

A Cintura

A Cintura é a medida de menor circunferência obtida entre o ponto mais


alto da asa do ilíaco e o gradil costal.

O Quadril

O Quadril é a medida de circunferência tida como base o trocanter


femoral maior.

25
Medições do Busto, Cintura e Quadril.

A Relação Cintura-Quadril

A relação cintura-quadril desejável em uma mulher saudável em pré-


menopausa deve ficar na proporção de 0,67-0,8 (0,7). Estes dados são
fortalecidos por pesquisas realizadas entre homens e mulheres em diferentes
países com influências culturais no extremo oposto em que mulheres com esta
relação cintura-quadril foram associadas a atratividade, saúde e jovialidade
com resultados de significância estatística incontestável (Singh 1995 e 2004).
O padrão de silhueta considerado mais atraente é o de ampulheta. Os padrões
de silhuetas femininas podem ser classificados em:

 Banana (retangular): A medição da cintura é inferior a 20 cm de diferença


para o quadril e busto. A gordura corporal predomina na região abdominal,
glúteos, peito e face, conferindo a mulher uma aparência reta.

 Maçã (forma em V): Os ombros são largos em relação ao quadril


conferindo um formato em V. As pernas e coxas são finas enquanto o

26
peitoral é largo. A gordura está disposta principalmente na região
abdominal, peitos e face.

 Pera (forma em A): O quadril é largo em relação ao peito. A distribuição de


gordura varia, tendendo a se depositar, sobretudo, nos glúteos, quadril e
coxas. Se o percentual de gordura é muito acentuado, há um aumento na
deposição abdominal e cintura.

 Ampulheta (forma em X): O quadril e o busto são quase do mesmo


tamanho e a cintura é fina. Este tipo de corpo torna a deposição de gordura
mais acentuada nos braços, peitorais e glúteos em comparação à cintura e
abdômen.

Padrões de silhuetas femininas.

27
As preferências no belo feminino

As preferências masculinas em relação à beleza feminina são mais


exacerbadas do que o contrário, tendo essa relação se tornado mais
discrepante nos últimos anos. Homens tem atração por mulheres de rosto
simétrico de aparência indiscutivelmente jovial, corpos simétricos, relação
cintura-quadril em torno de 0,7 e com silhueta em ampulheta. Em relação mais
especificamente à beleza facial, existe uma preferência por rostos simétricos,
lábios cheios, nariz pequeno, queixo pequeno e curto, bochechas proeminentes
e testas altas. A Universidade de Toronto fez através de mudanças nas
características faciais por computador um estudo sobre as proporções
consideradas mais belas em um rosto feminino. A face deve transparecer
jovialidade, com idade preferencial dos 18-24 anos, com o interesse masculino
(homens de 18-45 anos) decaindo progressivamente a partir dos 24 anos.

Proporções ideais em um rosto feminino. Padrões se assemelham ao apresentado


pela atriz Jessica Alba.

Seios

Segundo estudos recentes de Malluci 2014, os seios perfeitos são


aqueles com relação entre a metade superior e a inferior em 45:55 porcento e
mamilos apontando em 20º para cima, com uma concavidade moderada no
polo superior e pequena convexidade no polo inferior.
28
Malluci 2014. UPL – Polo superior, LPL – Polo inferior, UPS – Curvatura do Polo
superior, LPC – Curvatura do Polo inferior

Glúteos

Estudos de Cuenca-Guerra 2004 ajudaram a definir as principais


características de glúteos perfeitos:

Lombares simétricas (1,2), duas depressões de cada lado do sulco sacral,


correspondente à espinha ilíaca póstero superior; formato em V acima do sulco
interglúteo (3), sulco infraglúteo pequeno que não se estenda a mais de 2/3 do
posterior da coxa e duas depressões laterais que correspondam ao trocanter
maior femoral; glúteos arredondados, simétricos e cheios (4,5); em posição em
pé deve deixar entre as coxas uma imagem losangular (6); coxas musculosas e
simétricas (7,8).

Centeno 2010. Glúteo perfeito.

29
Outras

Outras características relevantes são: cabelos longos, peles limpas e


sem lesões elementares, brancas não pálidas ou com ligeiro bronzeado e a
presença de período ovulatório, apesar de que não sabemos como essa
característica determina a atratividade de maneira precisa.

O Percentual de Gordura

A medição do percentual de gordura e o peso total do indivíduo nos dão


uma boa noção do grau de definição muscular, pois nos fornece um dado
crítico para avaliação da composição corporal. Quando dizemos “nos dá uma
boa noção”, queremos dizer que não é um método de precisão infalível, pois
variações no percentual de gordura podem ocorrer mediante a desidratação
(superestimação) ou medição com presença de edema, acúmulo de fezes,
alimento e urina (subestimação). A presença de hiperidratação muscular
acompanhada de desidratação do subcutâneo e ausência de retenção
alimentar, fecal e de urina podem ser vistas como desejáveis à observação de
um físico espetacular.

A medição do percentual de gordura está sujeita a variações e falhas


devido à predisposição individual de acúmulo de gordura em determinados
compartimentos, tendo em vista que o protocolo de cálculo é baseado na
maioria dos casos em três dobras ou sete dobras. O método de sete dobras
pode ser considerado, apenas em teoria, o de maior precisão, pois o aumento
no número de medições reduz a possibilidade de falhas por gordura
compartimentalizada.

Em relação aos diferentes percentuais de gordura, podemos dizer que


um percentual adequado para um físico espetacular no sexo masculino estaria
entre 5-10% e feminino entre 12-17%. Devemos ressaltar que os padrões são
estéticos e não atléticos e que cada indivíduo se encaixa esteticamente de
forma mais adequada em um percentual de gordura individualizado. A figura a

30
seguir demonstra em fotos as diferentes faixas de percentual de gordura no
sexo masculino e feminino.

Masculino: Percentual de gordura ideal (5-10%). Feminino: Percentual de gordura ideal (12-
17%).

31
Capítulo 3 - A Antropometria

Guilherme Almeida Rosa da Silva

“Nem tudo o que pode ser contado conta, e nem tudo o que conta pode ser
contado.”

Albert Einstein

Introdução

A antropometria (do grego anthropos “homem” e metron “medida”) é a


ciência que estuda as técnicas utilizadas para obter medidas de interesse do
corpo humano. Dentre as medidas de interesse para o fisiculturismo podemos
citar o peso, altura, comprimento e circunferências de segmentos corporais.
Para a medicina, ainda existem outras técnicas como a que, por exemplo,
mede o ângulo da amplitude de movimento de uma articulação ou de desvio de
determinado segmento corporal.

Antes de explicarmos as técnicas de interesse ao fisiculturismo,


devemos enumerar as recomendações de preparo do avaliado:

1. Retire os calçados.

2. Retire as roupas, permanecendo apenas com roupas de baixo ou nu.

3. Remova todos os adereços (relógios, anéis, cordões, etc...).

4. Desfaça qualquer tipo de armação do cabelo (rabo-de-cavalo, coque,


trança, etc...).

O Peso

Para medição do peso pode ser utilizado qualquer balança que esteja
calibrada e validada para boa aferição. A precisão até um décimo de
quilograma é suficiente (ex: 86.5 kg). Ao subir na balança, o indivíduo deve
estar de pé, olhando para frente, com as pernas e pés paralelos, peso
distribuído nos pés, braços relaxados ao lado do corpo e palmas das mãos
32
voltadas para o corpo. O avaliado pode permanecer de frente ou de costas. Em
alguns países, como os Estados Unidos, é comum utilizar a libra “pounds” (lb)
como unidade de massa. Entretanto, a maior parte do planeta utiliza o
quilograma (kg) como unidade de medida.

1lb = 0,45359237 kg

A Altura

Para medição da altura podemos utilizar uma fita métrica. A precisão até
um décimo de centímetro é suficiente (ex: 25,2 cm). O indivíduo deve ficar em
pé, olhando para frente alinhado no plano de Frankfurt (alinhar horizontalmente
a borda inferior da órbita com a margem superior do meato acústico externo),
com as pernas e pés paralelos, peso distribuído em ambos os pés, braços
relaxados ao lado do corpo e palmas das mãos voltadas para o corpo. As
costas do indivíduo devem estar voltadas para a parede, encostando
calcanhar, panturrilhas, nádegas, costas e a parte posterior da cabeça na
parede. A altura deve ser medida pela parede, do solo até o ponto do vértice do
crânio, excluindo os cabelos. Em alguns países, como os Estados Unidos, é
comum utilizar a polegada “inches” (in) como unidade de comprimento.
Entretanto, a maior parte do planeta utiliza o metro e o centímetro (cm) como
unidade de medida.

1m = 100 cm

1in = 2,54 cm

33
O Índice de Massa Corporal

O Índice de Massa Corporal (IMC), adotado na medicina, carece de


relevância no fisiculturismo por não levar em conta a composição corporal. Por
exemplo, dois indivíduos de mesma altura, um musculoso e outro obeso podem
ter o mesmo valor de IMC.

IMC = Peso/Altura²

Os Comprimentos

Conforme já discutido no tópico sobre o homem vitruviano no capítulo


anterior, um corpo perfeito possui proporções matemáticas equilibradas entre
vários segmentos corporais. A medida do comprimento destes segmentos nos
auxilia a entender o biótipo do avaliado. Cabe lembrar que o comprimento dos
segmentos corporais não é modificável naturalmente na fase adulta, sendo um
atributo endócrino e genético. Exercícios de alongamento podem ampliar o
comprimento das fibras musculares, mas não interferem no comprimento
ósseo.

Os comprimentos de interesse no fisiculturismo são longitudinais ou


alturas e transversais ou diâmetros. Para medir é necessário o uso de um
antropômetro, ou de forma menos ideal uma fita métrica simples. Os avaliados
devem permanecer em pé e na posição de medição de altura. A medição dos
comprimentos e circunferências é mais utilizada por pessoas de característica
mais metódica. Pessoas mais práticas utilizam menos as medidas e mais a
imagem no espelho para guiarem. A importância de medir está no
acompanhamento das progressões e resultados e por muitos visto como um
processo motivador, tendo em vista que os resultados são traduzidos em
números.

34
Entre os comprimentos longitudinais podemos citar:

Comprimento do membro superior: Distância da extremidade do dedo médio


até o ponto acromial.

Comprimento do braço: Distância entre o ponto acromial e o olecrano.

Comprimento do membro inferior: Distância da prega inguinal ao solo.

Comprimento da coxa: Distância da prega inguinal à prega patelar.

Comprimento da perna: Distância entre a tuberosidade da tíbia e a porção


inferior do maléolo medial.

Entre os comprimentos transversais podemos citar:

Envergadura: Distância do dedo médio direito ao esquerdo, estando o


indivíduo em pé com os braços abertos na altura dos ombros, formando um
ângulo de 90º com o tronco; os cotovelos devem estar estendidos e os
antebraços supinados.

Bi-deltóide: O avaliado deve estar de costas para o avaliador, medir a


distância entre os pontos extremos do deltoide direito e esquerdo.

Torácico Transverso: A medida deve ser realizada ao fim de uma expiração


normal, com a aferição do diâmetro do tórax, até as linhas axilares médias, por
um plano horizontal traçado no ponto médio esternal.

Torácico anteroposterior ou de profundidade: utilizando-se um


antropômetro de braço curvo, mede-se a distância entre os pontos
mesoesternal e o ponto no processo espinhoso vertebral correspondente ao
ponto mesoesternal, no plano horizontal que passa por ele. O indivíduo deve
estar de lado para o avaliador.

35
Bi-troncantérico: distância entre os pontos trocantéricos direito e esquerdo
com o indivíduo em posição ortostática, de frente para o avaliador.

Antropômetro

As Circunferências

Conforme descrito no capítulo anterior, as circunferências são medidas


esteticamente muito importantes em ambos os sexos. Dentre as
circunferências citadas devemos medir:

Circunferência do Pescoço: A circunferência do pescoço é mensurada


imediatamente acima da cartilagem tireoidea (pomo de Adão).

Circunferência do Braço: Circunferência medida no ponto de maior volume


bicipital com o braço e antebraço colocado em posição perpendicular
preferencialmente sem, mas podendo ser feito com contração forçada.

Circunferência do Antebraço: Com o braço e antebraço relaxados junto ao


corpo e em posição supina, são colocados perpendicularmente e medida a
circunferência de maior diâmetro do antebraço.

Circunferência do Peito (Busto): Circunferência medida por baixo dos braços


relaxados e juntos ao corpo em região de maior diâmetro do tórax.

36
Cintura: Circunferência obtida no plano horizontal e na zona de menores
dimensões entre o bordo inferior do gradil costal e a crista ilíaca.

Quadril: Circunferência medida nas duas proeminências do trocanter maior


femoral.

Circunferência do Glúteo: Circunferência obtida ao nível do maior volume


glúteo. O maior volume glúteo corresponde habitualmente na parte anterior ao
nível da sínfise púbica.

Circunferência média da Coxa: Circunferência obtida na meia distância entre


a prega inguinal e o ponto patelar anterior.

Circunferência da Panturrilha: Circunferência obtida na região de maior


volume da panturrilha.

O Percentual de Gordura

A medição do percentual de gordura é a aferição mais fidedigna da


composição corporal e conforme discutido no capítulo anterior, uma das mais
importantes características estéticas. A medição do percentual de gordura pode
ser realizada por meio de cálculos de medições realizadas por um adipômetro
ou através da bioimpedanciometria.

Medição por adipômetro e dobras cutâneas

O adipômetro é um instrumento antropométrico utilizado para medir as


dobras cutâneas. As principais dobras cutâneas a serem medidas são:

Dobra cutânea peitoral: É uma medida oblíqua em relação ao eixo


longitudinal, na metade da distância entre a linha axilar anterior e o mamilo,
para homens, e a um terço da linha axilar anterior, para mulheres.

37
Dobra cutânea subescapular: A medida é executada obliquamente em
relação ao eixo longitudinal, seguindo a orientação dos arcos costais, sendo
localizada a dois centímetros abaixo do ângulo inferior da escápula.

Dobra cutânea axilar média: Está localizada no ponto de intersecção entre a


linha axilar média e uma linha imaginária transversal na altura do apêndice
xifoide do esterno. A medida é realizada obliquamente ao eixo longitudinal, com
o braço do avaliado deslocado para trás, a fim de facilitar a obtenção da
medida.

Dobra cutânea supra-ilíaca: É obtida obliquamente em relação ao eixo


longitudinal, na metade da distância entre o último arco costal e a crista ilíaca,
sobre a linha axilar medial. É necessário que o avaliado afaste o braço para
trás para permitir a execução da medida.

Dobra Cutânea abdominal: É medida aproximadamente a dois centímetros à


direita da cicatriz umbilical, paralelamente ao eixo longitudinal.

Dobra cutânea tricipital: É medida na face posterior do braço, paralelamente


ao eixo longitudinal, no ponto que compreende a metade da distância entre a
borda superolateral do acrômio e o olécrano.

Dobra cutânea da coxa: É medida paralelamente ao eixo longitudinal, sobre o


músculo reto femoral a um terço da distância do ligamento inguinal e a borda
superior da patela. Para facilitar o pinçamento desta dobra o avaliado deverá
deslocar o membro inferior direito à frente, com uma semi-flexão do joelho, e
manter o peso do corpo no membro inferior esquerdo.

Dobra cutânea abdominal: É medida aproximadamente a dois centímetros à


direita da cicatriz umbilical, paralelamente ao eixo longitudinal.

Cálculos

Existem diversos protocolos para cálculo de percentual de gordura.


Neste livro, vamos sugerir o protocolo de 7 dobras (acima citadas)
desenvolvido por Pollock 1984.

38
Existem calculadoras automáticas disponíveis na internet, como por
exemplo, em: http://www.cdof.com.br/gordura.htm

Densidade Corporal (DC) / Soma de todas as Dobras (ST) /Percentual de


Gordura (%G) / idade (anos)

DC Homens Adultos = 1,112 - [0,00043499 (ST) + 0,00000055 (ST)²] - [0,0002882 (idade)]

DC Mulheres Adultas = 1,097 - [0,00046971 (ST) + 0,00000056 (ST)²] - [0,00012828 (idade)]

G%= [(4,95/DC) - 4,5] x100

Bioimpedanciometria

A bioimpedanciometria é uma técnica de avaliação da composição


corporal de fácil realização, sendo necessárias apenas algumas precauções e
a posse de uma balança de bioimpedância.

O método consiste na passagem de uma corrente elétrica


desencadeada pelo aparelho que ao captá-la consegue extrair informações em
relação à resistência e reatância à condução elétrica diferenciando assim os
diferentes componentes do corpo humano, tal como a água, gordura e tecido
livre de gordura (ex: ósseo e muscular). Os aparelhos existentes no mercado
são divididos em unifrequenciais e multifrequenciais. Aparelhos
multifrequenciais são capazes de discernir melhor os diferentes
compartimentos da água (água intracelular, extracelular e água corporal total)
permitindo uma avaliação mais precisa. Diferentes aparelhos (número de
eletrodos em contato com o corpo: bipolares, tetrapolares e octapolares)
podem realizar análises segmentares (análise por membros), regionais (porção
superior e inferior do corpo) e totais para atender as demandas de pacientes
com desproporções no depósito de gordura, por exemplo.

Os aparelhos de bioimpedância são considerados precisos quando


comparados a métodos padrão-ouro como o DEXA e ressonância magnética.
As informações necessárias são: peso, altura, sexo.

39
Para um melhor desempenho na aferição recomenda-se:

 Jejum de 3 horas (Ingerir normalmente água durante o jejum)


 Utilizar roupas de baixo ou muito leves
 Retirar todos os acessórios
 Evitar períodos menstruais ou pré-menstruais
 Evitar uso de diuréticos próximos ao dia do exame
 Não ingerir álcool ou cafeína no dia do exame (café, chocolate, chás,
energéticos, guaraná e refrigerantes a base de cola)
 As refeições do dia do exame devem ser leves
 Os exercícios físicos do dia do exame também devem ser leves
 Estar com a bexiga vazia na hora do exame

40
Capítulo 4 – Poses
Guilherme Almeida Rosa da Silva

“A prática não leva à perfeição. Apenas a prática perfeita leva à perfeição.”

Vince Lombardi

Introdução

O fisiculturismo, tanto amador quanto profissional, é um esporte que


exige muita dedicação e, sobretudo, paciência para adquirir um físico
espetacular. A rotina de alimentação, uso de suplementos, treinamento,
descanso e uso de medicamentos pode se tornar extenuante, com o físico
espetacular sendo obtido apenas após anos de dedicação plena.

Como já vimos, um físico espetacular possui muitos atributos, entre eles


as bases: Volume, Definição e Simetria.

A apresentação do físico não exige um grande desempenho físico e a


avaliação dos critérios estéticos rigorosos pode ser feita e medida de forma
precisa e calma por jurados habilitados no Pré-Julgamento, realizado
geralmente pela manhã. A aplicação de medições completas no Pré-
Julgamento vem sendo cada dia mais reduzida e tendendo ao minimalismo.

É comum nos campeonatos, sessões de fotos ou apresentações em


público, que sejam feitas rotinas na “Grande Noite” para admiração pelos
espectadores dos atributos apresentados pelo fisiculturista e para uma nova
rodada de avaliação dos jurados.

A arte da pose é muito mais difícil do que parece, você deve ressaltar
suas virtudes e reduzir suas falhas. Um treinador de poses experiente e com
olho treinado é um elemento precioso para desenvolvimento da técnica. Os
treinos de poses não devem ser reservados para etapa de Pré-Contest,
devendo ser um exercício rotineiro na vida de um fisiculturista.

41
O processo de avaliação do físico dos atletas e rotinas

Quarto de volta: Todos os atletas fazem as poses de quarto de volta: frente,


lado, costas, lado e frente.

Rotina Individual - os atletas são chamados nome por nome ao palco para 1
minuto de poses livres com música.

Comparações - são divididos em grupos de no máximo seis pessoas para


fazer as oito poses compulsórias, sendo que poses adicionais podem ser
solicitadas.

Os regulamentos dos campeonatos e exibições são variados, podendo


inclusive constar de fase pré-eliminatória quando há muitos competidores. A
pré-eliminatória geralmente é constituída de quartos de volta seguido de poses
compulsórias de grupos de no máximo seis atletas para eliminações. Os
classificados podem realizar uma rotina individual um a um mais as poses
compulsórias para qualificação final dependendo do regulamento estabelecido.
Ao posar, o exibicionista deve demonstrar confiança e contrair sem
mostrar esforço. A musculatura deve ser mostrada de maneira a primar pelo
alinhamento das articulações e demonstrar a musculatura de forma expandida,
definida e completa. Ao ser avaliado, o atleta deve manter a postura e um
estado contraído durante todo o tempo. O balanço eletrolítico deve estar
adequado para evitar câimbras.
As rotinas individuais devem ser rítmicas, com transições bem
executadas, demonstrar domínio do corpo e ter personalidade. As rotinas
individuais são realizadas por uma questão de entretenimento e marketing que
envolve os eventos de fisiculturismo. Existem muitos juízes e aficionados que
levam pouco em consideração a iluminação, pintura e as rotinas individuais por
uma questão de cultuarem única e exclusivamente o belo no corpo e deixarem
a dança e o desempenho apenas para os dançarinos.

42
Grupo de Poses compulsórias mais utilizadas no fisiculturismo
masculino

As poses compulsórias são um conjunto de poses que obrigatoriamente


os fisiculturistas devem exibir para que haja avaliação do físico de maneira
completa quanto ao volume, simetria e definição. É a principal ferramenta
utilizada para tomada de decisões comparativas por parte dos juízes.

1) Duplo Bíceps de Frente

Em pé e de frente para os juízes, com as pernas e pés alinhados e uma


curta distancia entre eles, o exibidor ergue ambos os braços abertos até o nível
dos ombros, com as mãos fechadas e voltadas para baixo de modo a causar
uma contração dos músculos do bíceps e antebraço. Os outros grupamentos
musculares também devem estar contraídos para evidenciar a definição geral.
Os fisiculturistas clássicos realizavam um “stomach vacuum” tornando o
abdômen negativo para evidenciar a escassez de gordura visceral.

Arnold Schwarzenegger em Duplo Bíceps de Frente com stomach vacuum.

43
2) Expansão Dorsal Frontal

Em pé de frente para os juízes, com as pernas e os pés ligeiramente


distantes, o exibidor colocará as mãos abertas, ou punhos fechados na parte
inferior da cintura ou músculos oblíquos abdominais e irá expandir os músculos
do grande dorsal dando ao tórax uma forma de V. Os outros grupamentos
musculares também devem estar contraídos para evidenciar a definição geral.

Dorian Yates em Expansão Dorsal Frontal.

3) Peito Lateral (Melhor lado)

O exibidor pode escolher seu melhor lado para pose. Permanecerá em


pé com seu melhor lado voltado aos juízes e flexionará o braço exposto com o
punho cerrado com a outra mão segurando o punho. A perna do lado exposto
será flexionada no joelho e repousará sobre os dedos. Neste momento
contrairá também o peitoral e deixará o braço contraído para trás e para cima
evidenciando a face lateral do peitoral. Deverá contrair os músculos da coxa, e
pela pressão para baixo nos dedos do pé, mostrar os músculos da panturrilha
contraídos.

44
Lou Ferrigno em Peito Lateral.

4) Duplo Bíceps de Costas

Em pé e de costas para os juízes, o exibidor irá flexionar os braços e os


punhos como na pose Duplo Bíceps Frontal, e colocara um dos pés para trás,
repousando sobre os dedos. Ele ira então contrair os músculos dos braços
como também os músculos dos ombros, parte superior e inferior das costas,
coxas e panturrilhas.

Samir Bannout em Duplo Bíceps de Costas.

45
5) Expansão Dorsal de Costas

Em pé e de costas para os juízes, o exibidor colocará as mãos sobre o


quadril com os cotovelos mantidos abertos, e um dos pés repousando sobre os
dedos. Deverá contrair o grande dorsal de forma a torná-lo aberto e mostrar
uma contração da panturrilha por pressionar a parte de trás dos dedos contra o
solo.

Franco Columbu em Expansão Dorsal de Costas.

6) Tríceps de Lado (Melhor lado)

O competidor pode escolher seu melhor lado para esta pose. Em pé com
seu melhor lado exposto aos juízes deverá colocar os braços para trás, unindo
os dedos ou segurando um braço pelo pulso e contraindo o tríceps. A perna do
lado oposto estará flexionada no joelho e exercendo pressão contra o solo
tornando evidentes as panturrilhas. Levantará o peito e contrairá os músculos
abdominais e músculos da coxa.

46
Mike Mentzer em Tríceps de Lado.

7) Abdominais e Coxas (Mãos na nuca e contração de abdominais e


pernas)

Em pé e de frente para os juízes, o exibidor colocará os braços atrás da


cabeça forçando o corpo para baixo. Deverá contrair os peitorais e
principalmente os músculos abdominais flexionando o tronco levemente. Nos
membros inferiores, deverá colocar uma perna à frente e flexioná-la levemente
para torná-la contraída.

47
Frank Zane em uma variação de Abdominais e Coxas com stomach vacuum.

*** Mais Musculoso (pouco usado no Brasil como compulsório)

Em pé e de frente para os juízes, deverá exibir o máximo possível de


musculatura contraída. Todos os músculos frontais serão exibidos, expondo o
trapézio principalmente, assim como as flexões dos bíceps, contratação do
peitoral e ombros. Coxas e panturrilhas também devem ser flexionadas e
contraídas.

Serge Nubret em Mais Musculoso.

48
Outras poses não compulsórias:

Duplos Gêmeos Contraídos

Mãos na Anca / Mais Musculoso

Contração de Coxa Direita e Esquerda

Mãos atrás das Costas / Mais Musculoso

Serrátil e Oblíquos – Dois Lados

Contração de Posteriores da Coxa de Costas e de Lado

Mãos Acima da Cabeça “Pose da Vitória” de Frente e de Costas

49
Parte II (Bases
Fisiológicas e
Bioquímicas)

50
Capítulo 5 - Macronutrientes: Carboidratos, Lipídios, e
Proteínas
Guilherme Almeida Rosa da Silva

“Primavera...
É preciso ter alimentos e flores.
Alimentos para viver.
E flores para ter pelo que viver.”
Confúcio.

Introdução

Algo a se pensar...

É importante ressaltar reiteradamente que não basta fazer contas e


ajustar a ingestão de macronutrientes e micronutrientes. Estes nutrientes
precisam ser primeiramente digeridos e, após isto, absorvidos. Não adianta
comer em quantidades corretas os alimentos corretos e utilizar os melhores
suplementos se seu organismo não está com a maquinaria enzimática e
absortiva de forma ótima. Mais do que isto, existem alguns tipos de alimentos
que não combinam, pois possuem fatores antinutricionais que impedem a
absorção de outros ou geram respostas antinutricionais, como alimentos que
precisam de acidez (ex:proteínas) ou alcalose (carboidratos).

Os Carboidratos

Os carboidratos são biomoléculas oriundas da fotossíntese realizada por


plantas e algas que convertem o CO2 e água em moléculas de glicose. O
carboidrato é o principal macronutriente e fonte de energia para os seres
humanos. São didaticamente divididos conforme tamanho da polimerização
em: monossacarídeos, oligossacarídeos (dissacarídeos) e os polissacarídeos.
Neste capítulo daremos especial atenção aos carboidratos com importância na
nutrição humana.

51
Os monossacarídeos são as unidades a partir das quais são formados
polímeros (oligossacarídeos e polissacarídeos). Os monossacarídeos é que
são metabolizados em fluxos bioquímicos para a geração de energia. Podem
apresentar três, quatro, cinco, seis e sete átomos de carbono em sua
constituição, sendo chamados de trioses, tetroses, pentoses, hexoses e
heptoses. As principais são as pentoses d-ribose e 2-desoxi-d-ribose,
componentes dos nucleotídeos dos ácidos nucleicos, e as hexoses glicose,
frutose, galactose e manose.

Os dissacarídeos constituem a união de dois monossacarídeos em uma


ligação covalente oxigênio-carbono. Os principais dissacarídeos são a lactose
ou açúcar do leite (glicose-glactose), sacarose ou açúcar de cozinha, da cana
ou da beterraba (glicose-frutose), maltose ou açúcar dos cereais (glicose-
glicose).

Os polissacarídeos de importância médica e nutricional são o amido e o


glicogênio. O amido (amilose e amilopectina) são polímeros de glicose,
originados de alimentos obtidos de plantas, como os grãos, tubérculos e
legumes. O glicogênio é o principal polissacarídeo obtido de reservas animais,
também sendo um polímero de moléculas de glicose. O glicogênio possui
grande papel no metabolismo energético humano, como será visto em
capítulos seguintes. Ao serem ingeridos, o amido e o glicogênio são digeridos
por alfa-amilases presentes na saliva e no tubo digestivo através da quebra das
ligações glicosídicas.

A celulose é um importante polissacarídeo produzido para estrutura das


plantas. Entretanto, os seres humanos carecem de celulase para digerir as

52
fibras de celulose. Apesar disso, a celulose pode ser digerida por bactérias do
trato digestivo dando origem aos ácidos butírico, acético e propiônico, que
nutrem o enterócito. A celulose não digerida pode aumentar o bolo fecal
combatendo a constipação intestinal.

Os lipídios

Os lipídeos são macromoléculas cuja característica marcante é a


insolubilidade em água. São compostos formados por carbono, oxigênio e
hidrogênio e possuem funções biológicas diversas tais como: hormônios,
mensageiros intracelulares, emulsificantes, componentes de membrana,
transportadores de elétrons, cofatores enzimáticos, pigmentos que absorvem
radiação luminosa, entre outras. Neste capítulo abordaremos os lipídeos de
importância nutricional.

Os ácidos graxos são lipídios derivados dos hidrocarbonetos contendo


nenhuma (saturado) ou algumas ligações duplas entre os carbonos
(insaturados ou polinsaturados). O ácido graxo saturado tem como maior fonte
as gorduras animais e devido ao baixo ponto de fusão são sólidos à
temperatura ambiente. Ácidos graxos insaturados ou polinsaturados,
principalmente de origem vegetal possuem alto ponto de fusão sendo
encontrados na natureza na forma de óleos. Os óleos podem ter suas
insaturações hidrogenadas industrialmente e se transformarem em gorduras
sólidas do tipo trans (pães, biscoitos e salgados). Lipídios podem ser oxidados
em suas insaturações ao serem expostos ao ambiente por um período longo e
rancificar, emitindo um cheio característico pela formação de aldeídos e ácidos
carboxílicos.

Os ácidos graxos polinsaturados ao serem incorporados à membrana


celular na forma de fosfolipídios propiciam maior fluidez e mobilidade, havendo
melhor probabilidade de colisão de hormônios com seus receptores de
membrana, maior probabilidade de penetração de hormônios com receptores
intracelulares e melhorando a sinalização celular. As gorduras trans possuem

53
moléculas menos maleáveis conferindo uma rigidez na membrana celular e
prejudicando a sinalização.

A nomenclatura dos ácidos graxos leva em conta o número de carbonos


e o número de insaturações, como por exemplo, o ácido palmítico que possui
16 átomos de carbono e nenhuma insaturação (16:0) ou o oleico que possui 18
carbonos e uma insaturação (18:1). A posição das duplas ligações ou
insaturações: pode ser marcada pela letra delta e o número dos primeiros
carbonos (ex: 20:2 Δ9,12). A maioria dos ácidos graxos possui um número par
de carbonos devido ao processo de formação a partir do acetil-CoA e malonil-
CoA que possuem dois carbonos.

Outra questão importante é a classificação nutricional dos ácidos graxos


em essenciais e não essenciais.

Os ácidos graxos essenciais são aqueles não sintetizados pelo


organismo humano e compreendem os chamados ômega-3 e ômega-6. Os
ômegas-3 são ácidos graxos polinsaturados e entre eles estão os ácidos alfa-
54
linolênico (ALA), encontrado principalmente em óleos vegetais como o de
mamão e linhaça, ácido eicosapentaenoico (EPA) e o ácido docosa-hexaenoico
(DHA), encontrados principalmente em óleos de peixes de alto mar. Os
ômegas-3 são ácidos carboxílicos polinsaturados, em que a dupla ligação está
no terceiro carbono a partir da extremidade oposta à carboxila. Os óleos
ômega-3 melhoram o perfil lipídico (aumentam HDL, baixam triglicerídeos), dão
origem a eicosanoides (prostaglandinas e leucotrienos) vasodilatadores e
pouco inflamatórios, não devendo ser expostos à luz, ao ar e nem ao calor para
não perderem suas propriedades devido a perda das insaturações.

Os ômegas-6, como o ácido alfa-linoleico e o ácido aracdônico, são


ácidos carboxílicos polinsaturados em que a dupla ligação está no sexto
carbono a partir da extremidade oposta à carboxila. Os ômegas-6 são obtidos
na dieta através do consumo de gordura animal e de óleos vegetais como o
girassol, gergelim e milho. O ácido aracdônico é precursor de eicosanoides
(prostaglandinas e leucotrienos) inflamatórios, vasoconstrictores e que
aumentam a agregação plaquetária. O padrão dietético ocidental possui
relações ômega-6/ômega-3 em torno de 15:1, quando deveria ser inferior à 4:1
e preferencialmente 1:1. O excesso de ácido aracdônico na dieta tem sido
pesquisado como fator de risco para o desenvolvimento de artrite, doença
cardiovascular, doenças degenerativas e o câncer.

Um fator primordial para o entendimento dos ácidos graxos essenciais é


que os ômegas-3 e ômega-6 competem pelas mesmas enzimas nas reações
químicas. O fator determinante para o domínio das reações químicas é a
característica genética do indivíduo (ex: portadores de defeitos na enzima
delta-6-desaturase) e a preponderância da via do ácido graxo mais consumido
na dieta (ácido aracdônico inflamatório para o ômega-6 e EPA antinflamatório
para o ômega-3).

55
Cadeia de reações para formação de EPA e Ácido aracdônico (AA).

Os lipídios mais simples formados a partir da unidade funcional ácido


graxo são os triacilgliceróis ou triglicerídeos. Os triglicerídios são formados por
três ácidos graxos unidos por uma molécula de glicerol. Os triglicerídios podem
ser simples, quando formados por três ácidos graxos iguais ou mistos, quando
formados por pelo menos dois ácidos graxos diferentes. A maioria das
gorduras animais e vegetais é formada por misturas de triglicerídeos mistos e
simples. Os triglicerídios são uma forma compacta e energeticamente
econômica de se reservar energia em comparação aos carboidratos.

56
Reação química para formação de triglicerídios.

Triglicerídeo misto (apresentando três ácidos graxos diferentes).

As Proteínas

As proteínas (grandes peptídeos) são produtos da tradução de RNAm


formados a partir de polímeros de aminoácidos compostos de carbono,
oxigênio, nitrogênio e hidrogênio.

As proteínas são macromoléculas estruturais da célula e desempenham


variadas funções biológicas, tal como: contratilidade muscular, endereçamento,
funções enzimáticas, hormonais, transportadores sanguíneos, formadores de
estruturas, entre outras.

57
As proteínas e os polipeptídeos são formados por sequências e
combinações obtidas de 20 aminoácidos encontrados na natureza ligados em
reações peptídicas, propiciando um número infinito de sequências e
combinações. Alguns outros aminoácidos não padrão, além dos 20 já citados,
podem ser encontrados em algumas proteínas, frutos de reações
modificadoras após a formação do polipeptídeo.

Cabe ressaltar que alguns aminoácidos, como a glutamina e a alanina e


grupos específicos de aminoácidos como os aminoácidos de cadeia ramificada
(BCAAs) isoleucina, leucina e valina possuem funções biológicas especiais.

Os aminoácidos têm estruturas semelhantes diferindo uns dos outros por


suas cadeias laterais (R), variáveis em tamanho, estrutura e carga elétrica.
Estas características os fazem diferir quanto a solubilidade em água e pH.
Todos os aminoácidos exceto a glicina possuem um carbono quiral dando
origem a estereoisômeros. Os isômeros ópticos encontrados nos animais são
os levógiros (L-).

58
Quanto à classificação nutricional, os aminoácidos podem ser divididos
em essenciais e não essenciais. Os aminoácidos essenciais são aqueles que
não podem ser produzidos pelo corpo humano. Dessa forma, são somente
adquiridos pela ingestão de alimentos vegetais ou animais. São
eles: fenilalanina, isoleucina, leucina, lisina, metionina, treonina, histidina e
valina. Os aminoácidos não essenciais ou dispensáveis são aqueles que o
corpo humano pode sintetizar. São eles: alanina, asparagina, ácido
aspártico, ácido glutâmico, serina e taurina.

Os aminoácidos também podem ser classificados quanto ao destino


metabólico (destino cetogênico e/ou gliconeogênico), de acordo com a
possibilidade de serem precursores dos corpos cetônicos (acetoacetato e β-
hidroxibutirato) ou de glicose. Do conjunto básico dos 20 aminoácidos, os
únicos que são exclusivamente cetogênicos são a leucina e a lisina. A
fenilalanina, triptofano, isoleucina e tirosina são tanto cetogênicos quanto
glicogênicos. E os catorze aminoácidos restantes são estritamente
glicogênicos.

59
Aminoácidos glicogênicos Aminoácidos cetogênicos Glicogênicos e cetogênicos

Glicina, alanina, valina,


prolina, serina, treonina,
cisteína, aspartato, Fenilalanina, triptofano,
Leucina e lisina
glutamato, arginina, isoleucina e tirosina
asparagina, glutamina,
histidina, metionina.

Valor biológico das proteínas

As proteínas podem ser classificadas nutricionalmente em proteínas de


alto valor biológico (AVB) e baixo valor biológico (BVB). O valor biológico é a
graduação usada para determinar se a fonte nutricional, no caso a proteína é
usada pelo organismo com eficiência. É uma escala aplicada na comparação
de proteínas para a nutrição humana. Quanto maior for o valor biológico,
mais aminoácidos o organismo irá reter para síntese de novas proteínas. O
principal fator para determinar o valor biológico de uma proteína é sua
digestibilidade.

Tabela de Valor Biológico das proteínas


Whey isolado 159
Whey concentrado 104
Ovo inteiro 100
Leite 91
Clara do ovo 88
Peixe 83
Carne vermelha 80
Frango 79
Caseína 77
Arroz 74
Soja 59

60
Capítulo 6 – A Produção de energia

Guilherme Almeida Rosa da Silva

“Aprendi através da experiência amarga a suprema lição: controlar minha ira e


torná-la como o calor que é convertido em energia. Nossa ira controlada pode
ser convertida numa força capaz de mover o mundo.”
Mahatma Gandhi

Introdução
O organismo obtém energia a partir da metabolização das unidades
funcionais (aminoácidos, ácidos graxos e monossacarídeos) obtidas dos
macronutrientes (proteínas, lipídios e carboidratos).

Estes processos metabólicos podem ser subdivididos didaticamente em


glicólise, ciclo de Krebs e fosforilação oxidativa.

A metabolização dos ácidos graxos (β-oxidação) e o uso dos


aminoácidos para obtenção de energia também são subdivisões importantes,
mas em última análise terminam nos processos metabólicos principais citados.

Os organismos consomem na produção de energia preferencialmente


carboidratos, ácidos graxos e aminoácidos nesta ordem. Este consumo de
nutrientes para obtenção de energia é um processo contínuo e interligado,
sendo a ordem preferencial descrita apenas uma artimanha didática para
compreensão do saldo geral do metabolismo.

Neste capítulo estudaremos de maneira direta e compartimentalizada


sobre a produção de energia pelo corpo humano. Este conhecimento básico
será necessário para a compreensão das estratégias nutricionais e do
treinamento para obtenção de um físico espetacular.

61
A Glicólise

A glicólise aeróbica é a cadeia de reações


químicas de quebra da molécula de glicose
cujos produtos são duas moléculas de piruvato,
duas moléculas de ATP e duas moléculas de
NADH que serão utilizadas para formação de
três ATP na fosforilação oxidativa. O processo
de glicólise é controlado momento a momento
pela concentração de ATP intracelular a fim de
torná-la constante. Existem outros pequenos
detalhes no processo de reações químicas da
glicólise aeróbica, mas seu conhecimento neste
momento é desnecessário para efeito do estudo
da produção de energia para atletas.

O piruvato pode ser convertido no


metabolismo aeróbico para formar acetil-CoA
(coenzimas: vitamina B1,B2,B3,B5 e lipoato) na
matriz mitocondrial ou pode ser fermentado no
metabolismo anaeróbico para formação de
álcool.

O processo de fermentação do piruvato em álcool ocorre em vegetais,


alguns invertebrados e protistas, mas não em seres humanos.

O Ciclo de Krebs

O ciclo de Krebs é o nome dado à cadeia de reações mitocondriais (oito


passos) em que é submetido o acetil-CoA gerado pelo piruvato da glicólise. O
produto final é o próprio acetil-CoA, três moléculas de NADH (3ATP), um GTP
(ATP) e um FADH2 (2ATP). As moléculas de NADH e FADH2 serão convertidas
em ATP na fosforilação oxidativa.

62
Esquema do ciclo de Krebs ou ciclo do ácido cítrico.

A Fosforilação oxidativa

A fosforilação oxidativa é a síntese de ATP direcionada pela


transferência de elétrons ao oxigênio. Trata-se da cadeia de reações final na
produção de energia, tendo em vista que todos os processos de metabolização
dos ácidos graxos, aminoácidos e glicose com geração de pirimidinas
nucleotídeos (NAD ou NADP) e as flavinas nucleotídeos (FAD ou FMN) devem
terminar com a formação de ATP indiretamente por ação de desidrogenases.

No complexo I, a coenzima Q (UQ) aceita dois elétrons, um próton (H +)


do NADH e um próton da água na matriz formando o ubiquinol (UQH 2). O
complexo II capta elétrons do succinato. A migração ou fluxo de elétrons do

63
UQH2 do complexo I até o complexo III é seguido do influxo de prótons para o
espaço intermembrana. No complexo III, o UQH2 desempenha uma reação em
que o H+ é transferido para o espaço intermembrana e os elétrons são doados
ao citocromo c. No complexo IV, o citocromo c doa os elétrons ao aceptor final
oxigênio gerando água e influxo de mais dois H+ para o espaço intermembrana.

O espaço intermembrana torna-se um grande reservatório de prótons. O


grande ápice da fosforilação oxidativa é que através do gradiente de prótons
intermembrana, os prótons ganham a matriz mitocondrial através de um canal
de prótons, cuja energia liberada serve de substrato para a síntese de ATP.

Esquema da fosforilação oxidativa com os IV complexos e a bomba de prótons.

A β-oxidação

A oxidação dos ácidos graxos é um processo de extrema relevância no


consumo das reservas energéticas dos animais. O principal produto desta
reação metabólica são moléculas de acetil-CoA que podem ser oxidadas até
CO2 no ciclo de Krebs.
64
As enzimas da β-oxidação estão localizadas na matriz mitocondrial.
Portanto, os ácidos graxos livres no citosol são transportados para a matriz
mitocondrial pela carnitina através de reações químicas em quatro passos. A
entrada de ácidos graxos pela carnitina pode ser inibida pelo malonil-CoA
intracitosólico gerado quando há excesso de glicose ou glicogênio intracelular,
fruto de resistência insulínica ou de superalimentação.

Transferência do ácido graxo do citosol para a matriz mitocondrial.

O ácido graxo saturado sofre um processo de clivagem a cada dois


carbonos gerando uma molécula de acetil-CoA, destinada ao ciclo de Krebs e
uma molécula de NADH e FADH2 destinadas à fosforilação oxidativa. O
processo é repetido a cada dupla de carbonos, sendo que a última dupla
apenas gera acetil-CoA (ex: palmitoil-CoA (16:0) gera 8 acetil-CoA + 7 NADH +
7 FADH2 + 7H+).

65
Esquema de oxidação de um ácido graxo saturado (palmitoil-CoA (16:0)).

As exceções à regra são os ácidos graxos insaturados, que necessitam


de uma reação a mais promovida pela enoil-CoA isomerase, que reposiciona a
dupla ligação e os ácidos graxos de carbonos ímpares que necessitam de três
reações a mais, por gerarem uma molécula de três carbonos, o propionil-CoA.
Por estas três reações o propionil-CoA é convertido em succinil-CoA que pode
entrar no ciclo de Krebs.

A oxidação dos aminoácidos

Hierarquicamente os aminoácidos obtidos das proteínas da dieta ou da


degradação de estruturas intracelulares são o último recurso para obtenção de
energia. Todos os processos descritos são simultâneos, entretanto a seleção
natural preservou indivíduos capazes de conservar as estruturas nobres
formadas por proteínas frente ao déficit calórico.

66
Os aminoácidos são utilizados na produção de energia quando são
consumidos em uma dieta hiperproteica ou como produto de degradação de
proteínas intracelulares, quando os carboidratos não podem ser utilizados
adequadamente (diabetes mellitus) ou em falta (jejum).

O processo de oxidação dos aminoácidos é simples. Um L-aminoácido


reage com o α-cetoglutarato por meio de uma transaminase, cujo cofator é o
piridoxal fosfato ou forma ativa da vitamina B6, para formar glutamato
nitrogenado e um α-cetoácido correspondente ao aminoácido. Alguns
aminoácidos, como por exemplo, a fenilalanina, pode formar mais de um α-
cetoácido dependendo do organismo. O α-cetoácido entrará no ciclo de Krebs
para gerar energia. Em outras vias metabólicas, este mesmo α-cetoácido
poderá ser utilizado para sintetizar glicose (gliconeogênese) e/ou corpos
cetônicos (cetogênese).

Reação de conversão por transaminases de aminoácidos em glutamato e α-cetoácido.

67
Entrada de α-cetoácidos no ciclo de Krebs.

O glutamato, nos tecidos periféricos, pode reagir com o piruvato


formando alanina (via principal do músculo) ou ser convertido alternativamente
em glutamina (via principal do sistema nervoso central). A alanina e a
glutamina podem transportar, desta forma, a tóxica amônia para o fígado. No
fígado a alanina e a glutamina, vindas dos tecidos periféricos, são convertidas
em glutamato novamente, que por sua vez é desidrogenado na mitocôndria do
hepatócito gerando amônia.

O músculo no exercício resistido e em metabolismo anaeróbio produz


muito piruvato pela glicólise anaeróbia e muito glutamato pela degradação de
aminoácidos, tornando a síntese da alanina uma opção eficiente. Desta forma,
a suplementação de alanina e glutamina desloca a reação inibindo a utilização
dos aminoácidos como combustível nos tecidos e protegendo a massa magra.
Da mesma foram os aminoácidos de cadeia ramificada ou BCAA (isoleucina,
leucina e valina) são degradados exclusivamente na musculatura e sua
suplementação protege a utilização das proteínas musculares para obtenção
de energia.

68
Reações de conversão hepática de alanina e glutamina em glutamato e de glutamato em
amônia (NH3).

A amônia passará pelo ciclo da arginina-ornitina-citrulina para formar a


ureia, que por ser menos tóxica, pode circular livremente pelo sangue e ser
excretada pelos rins.

Ciclo da ureia

69
Capítulo 7 - Macroeconomia: Catabolismo e
Anabolismo
Guilherme Almeida Rosa da Silva

“Uma pessoa imatura pensa que todas as suas escolhas geram ganhos. Uma
pessoa madura sabe que todas as escolhas tem perdas.”
Augusto Cury

A Macroeconomia
A macroeconomia é o ramo das ciências econômicas responsável por
estudar a dinâmica econômica em nível regional. O termo macroeconomia
pode ser aplicado ao estudo do metabolismo energético como avaliação dos
fluxos de perdas (catabolismo) e ganhos (anabolismo) em nível corporal total.

O Catabolismo e o anabolismo

Catabolizar significa desconstruir, ou seja, o catabolismo na fisiologia


significa desconstruir reservas corporais a partir de gatilhos endócrinos em
busca de produção de energia, matérias primas mais simples para realizar
reações bioquímicas ou para realizar uma conversão de substratos de reserva,
como por exemplo, a gliconeogênese.

Anabolizar significa construir, ou seja, o anabolismo na fisiologia significa


construir reservas corporais a partir de gatilhos endócrinos em busca do
armazenamento de energia ou, a partir das matérias primas, formar estruturas
mais complexas e com funcionalidade (isolamento térmico como a gordura ou
contração com a fibra muscular) ou apenas como estoque.

As principais reservas energéticas corporais são o glicogênio, a gordura


e a proteína muscular. O glicogênio é a principal reserva cambiável em termos
de reservatório energético. Funciona como a nossa conta-corrente, recebendo
glicose quando em excesso e gerando glicose quando em falta. Frente ao

70
grande excesso ou grande falta de glicose, podemos gerar ou gastar reservas
mais duradouras como as gorduras e as proteínas (poupanças).

Nesta sessão iremos descrever como ocorre o catabolismo e o


anabolismo em relação ao perfil hormonal e como são aumentados ou
consumidos os três compartimentos de estoque dos macronutrientes
(glicogênio hepático e muscular, tecido adiposo e proteínas musculares).

Perfil hormonal no Catabolismo e no Anabolismo

O principal entendimento que se deve ter em relação ao estímulo


hormonal do catabolismo e anabolismo é o balanço entre a insulina e os
hormônios contra-insulínicos. Este balanço não compõe ou resume em sua
totalidade o estímulo hormonal para os processos metabólicos. Existem várias
outras vias hormonais importantes, como por exemplo, a da testosterona, mas
certamente o balanço da insulina é o mais importante.

A insulina é um hormônio polipeptídico composto em sua forma ativa por


51 aminoácidos. Ela é produzida no pâncreas como uma molécula maior que
quando clivada dá origem ao peptídeo C e a insulina ativa. O principal estímulo
à produção de insulina é o aumento da glicemia, principalmente a partir da
ingestão de carboidratos. Entretanto outros estímulos como a ingestão de
lipídeos e proteínas também podem estimular a produção da insulina por terem
uma pequena fração convertida em glicose (gliconeogênese) na primeira
passagem no fígado. A produção de insulina estimula inicialmente a captação e
armazenamento de glicose sob a forma de glicogênio (glicogenogênese) e,
quando em excesso de carboidratos, gera a síntese de gordura a partir de
compostos glicídicos (lipogenesis de novo).

Da mesma forma, quando há uma queda da glicemia, devido ao


consumo de glicose por tecidos nobres (sistema nervoso central, células
sanguíneas, medula óssea e medula renal), a produção de insulina cai e ao
mesmo tempo há o aumento dos hormônios contra-insulínicos (glucagon,
adrenalina, cortisol e GH). Os hormônios contra-insulínicos favorecem a quebra

71
do glicogênio (glicogenólise) com liberação de glicose e a síntese de glicose a
partir de substrato não glicídico (gliconeogênese), por exemplo, aminoácidos e
lipídeos.

Todos os processos metabólicos são simultâneos. A glicogenólise é o


processo catabólico preferencial, com a gliconeogênese ocorrendo de forma
preponderante quando os estoques de glicogênio encontram-se depletados.

Anabolismo Catabolismo
Alta de insulina Baixa de insulina
Baixa de contra-insulínicos Alta de contra-insulínicos
Perfil da insulina no anabolismo e catabolismo

Glicogênio

O glicogênio é um polímero de glicose, ou seja, um polissacarídeo que


funciona como a principal forma de reserva de carboidratos intracelular no
organismo. É uma forma helicoidal, compacta e osmoticamente conveniente de
se construir a partir de sequências de moléculas de glicose. O glicogênio
também é uma molécula conveniente em ser degradada dando origem a
glicose livre para ser metabolizada. Ele possui uma ramificação a cada 8-12
moléculas de glicose, formando um padrão estelar.

Apesar da estrutura complexa, a molécula de glicogênio possui apenas


uma ponta redutora, com a molécula de glicose sendo retirada uma a uma de
cada polímero. O glicogênio é encontrado em vários tipos celulares sob a forma
de grânulo, mas é encontrado, sobretudo em tecidos nobres e de alta demanda
energética, tal como o fígado, os rins, o sistema nervoso central e o músculo.

O processo de quebra de glicogênio para formação de glicose livre é a


glicogenólise e o processo de síntese de glicogênio a partir da glicose é
chamado de glicogenogênese.

72
O glicogênio hepático pode compor até 7% do peso seco do fígado,
representando um estoque que pode suprir um organismo de glicose em um
período de até 16-24h (média 8-12h), constituindo na faixa de 120g de
glicogênio hepático em um homem de 70 kg. O glicogênio muscular em uma
pessoa normal pode ser encontrado numa concentração de 70-100mmol/Kg. A
massa de 1mmol de glicogênio é variável, tendo em vista que a molécula
possui massas variáveis dependendo do tamanho de sua cadeia.

Níveis de Glicogênio muscular por situação


Supercompensação 175 mmol/kg
Atleta 110-130 mmol/kg
Normal 80-100 mmol/kg
Queima de gordura < 70 mmol/kg
Depleção 15-25 mmol/kg

É interessante acrescentar que o glicogênio intracelular não possui um


poder osmótico grande como a da glicose. Aproximadamente 2,7g de água
livre estão associados à presença de 1g de glicogênio no intracelular. Este
dado nos permite concluir que a depleção de glicogênio muscular reduz a
massa magra pela perda do próprio glicogênio e pela desidratação associada a
ele. Dá mesma forma, ao sintetizar mais glicogênio no meio intracelular, a fibra
muscular retém água associada tornando a célula hidratada e por
consequência aumentando sua massa.

Em relação às velocidades de degradação de glicogênio, estudos


afirmam que a velocidade de utilização do glicogênio muscular durante
exercícios de resistência variam de 2-7,5 mmol/kg/set, dependendo da
intensidade do exercício, levando-se em média 10 sets para a depleção de
glicogênio em um grupamento muscular treinado.

73
Da mesma forma, estudos sugerem que o glicogênio muscular sofra
uma queda em torno de 1,3 mmol/Kg/repetição e de 0,35 mmol/kg/segundo de
exercício, possibilitando gerar cálculos de ajustamento pela intensidade do
exercício até a depleção. Cabe ressaltar que os valores de queda de glicogênio
são resultados da degradação diminuída da ressíntese rápida durante o
exercício/descanso.

Quanto ao tempo de regeneração total do glicogênio muscular,


especula-se que gire em torno de 24h, desde que haja aporte adequado de
carboidratos e descanso. Vários fatores além da ingestão de carboidratos e
descanso podem influenciar este processo, como por exemplo, a boa
hidratação, uso de medicamentos e suplementos.

Inicialmente há um período de síntese rápida de glicogênio muscular em


torno de 30-60 minutos pós-exercício que funcionaria de forma independente
da insulina. A baixa concentração de glicogênio intracelular é um fator que
acelera a síntese pela enzima glicogênio sintase e aumenta a captação celular
de glicose neste período inicial. Para potencializar a síntese de glicogênio
deve haver uma ingestão de 0,7-1,85(1,0)g/kg/h de carboidrato de rápida
absorção e no mínimo 200mg de cafeína em dose única.

Estudos em animas e pouquíssimos realizados em humanos


demonstram que outras estratégias que amplificam a síntese do glicogênio,
sobretudo em indivíduos com resistência insulínica, seria o uso de metformina
850mg VO no café, almoço e jantar e a pioglitazona 30mg VO/dia. Outros
medicamentos associados à melhora da sensibilidade à insulina e aumento na
síntese de glicogênio são os análogos de GLP-1 e os inibidores da enzima
DPP-4 usados no tratamento do diabetes. A ingestão de frutose após o
exercício acelera a recomposição do glicogênio hepático. É importante
ressaltar que a reposição de carboidratos para ressíntese de glicogênio deve
ser com índice glicêmico mais baixo, ou seja, liberação mais contínua de
glicose na corrente sanguínea.

74
Adendo

Glicogenólise (Degradação do Glicogênio)

1ª Reação (remoção de uma molécula de glicose terminal em um ramo do


glicogênio pela enzima glicogênio fosforilase): A glicogênio fosforilase fosforila
a glicose em glicose-1fosfato.

2ª Reação (desramificação do glicogênio): A glicogênio fosforilase age apenas


nas ligações de ponta (α-1,4). A continuação da degradação em regiões de
ramificação pode ocorrer apenas depois da ação de uma enzima de
desramificação (α-1,6) para (α-1,4).

3ª Reação (conversão da glicose 1-fosfato em glicose 6-fosfato): A glicose 1-


fosfato produzida pela glicogênio fosforilase deve ser convertida em glicose 6-
fosfato pela fosfoglicomutase, mesma enzima da conversão de glicose 6-
fosfato em glicose 1- fosfato da rota de síntese. A glicose 6-fosfato, ou será
desfosforilada pela glicose 6-fosfatase, ou oxidada pela via glicolítica.

Glicogenogênese (Síntese de Glicogênio)

1ª Reação: conversão da glicose 6-fosfato em glicose1-fosfato pela


fosfoglicomutase.

2ª Reação (síntese de glicogênio): adição da glicose 1-fosfato à molécula


matriz de glicogênio pela enzima glicogênio sintase.

3ª Reação (ramificação do glicogênio): as ramificações são sintetizadas por


uma enzima ramificadora glicosil (4-6) transferase. Esta enzima pega uma
molécula com 6 ou 7 glicoses e a lateraliza no núcleo formando uma
ramificação.

75
Perda de gordura / Perda de proteínas musculares
(Catabolismo)

Um dos processos mais perseguidos na busca de um físico perfeito é a


redução do percentual de gordura. O processo de queima de gordura,
geralmente é acompanhado de uma perda não negligenciável da massa
magra. O processo de queima de gordura é amplificado quando os estoques de
glicogênio muscular são depletados, assim como o glicogênio hepático,
reduzindo a reposição de glicose, levando o tecido muscular a obter energia
por vias metabólicas alternativas, utilizando os ácidos graxos livres, corpos
cetônicos e os aminoácidos para produzirem energia.

Ao depletar o glicogênio hepático, há um estímulo dos hormônios contra-


insulínicos aumentando a gliconeogênese, com mobilização de aminoácidos
das reservas musculares e de gordura do tecido adiposo. O glicerol dos
triglicerídeos e os aminoácidos da musculatura ganham a circulação sanguínea
para serem convertidos em glicose no fígado. Além do mais, uma parte destes
aminoácidos é convertida em corpos cetônicos, capazes de nutrir os tecidos
nobres (sistema nervoso central, células sanguíneas, medula óssea e medula
renal). Com o passar do tempo, ocorre uma adaptação enzimática nas células
aumentando a utilização dos corpos cetônicos nos tecidos nobres e a utilização
dos ácidos graxos como fonte energética nos outros tecidos. Este processo
amplia a queima de gordura e reduz a utilização das preciosas proteínas como
fonte de energia. A seleção natural permitiu a conservação de organismos que
em períodos de jejum prolongado pudessem utilizar melhor as reservas de
gordura e poupar suas proteínas. Entretanto ao mobilizar estoques de gordura
para serem utilizadas, inevitavelmente parte da proteína muscular é degradada.

Existem estratégias para maximizar a perda de gordura e poupar o


consumo da massa magra. Algumas dessas estratégias serão discutidas ainda
neste livro como: dieta hipocalórica, ingestão de calorias com quantidades
adequadas de proteína, redução na ingestão de carboidratos promovendo a
produção de corpos cetônicos (cetose), suplementação com aminoácidos de
cadeia ramificada, leucina, isoleucina e valina (BCAAs), utilização de

76
hormônios lipolíticos e que contrapõem a ação do cortisol (GH, testosteronas e
seus derivados).

Ganho de proteínas musculares / Ganho de gordura


(Anabolismo)

Como vimos na Introdução, o processo de aumento da musculatura, ou


seja, aumento da síntese de proteínas musculares (Hipertrofia muscular) é um
dos processos chaves do físico espetacular. Infelizmente a hipertrofia muscular
muitas vezes é acompanhada de um ganho não negligenciável de massa
gorda. A hipertrofia muscular está ligada ao perfil hormonal anabólico, ou seja,
aumento da insulina e redução de hormônios contra-insulínicos, principalmente
do cortisol. O aumento da testosterona, do GH e um estímulo provocado pelo
aminoácido leucina e seu metabólito hidroximetilbutirato (HMB) são itens que
auxiliam a via insulínica para promover um bom ganho muscular.

Como dissemos o estímulo à via da insulina também promove a


glicogenogênese, a lipogenesis de novo (síntese de gordura a partir de
carboidratos), captação de gordura a partir da dieta pelos adipócitos,
juntamente com a redução da utilização de gordura e aminoácidos como
substratos para produção de energia. Em última análise, para hipertrofiar a
musculatura é praticamente inevitável um ganho associado de gordura. Mais
uma vez, a seleção natural propiciou que os indivíduos bem sucedidos fossem
aqueles capazes de gerar estoques energéticos para períodos de fome, ou
seja, capazes de gerar estoques de gordura.

Existem estratégias para maximizar a hipertrofia muscular e reduzir o


aumento dos estoques de gordura. Algumas dessas estratégias serão
discutidas ainda neste livro como: dieta levemente hipercalórica, ingestão de
calorias com quantidades adequadas de proteína, ingestão de carboidratos de
baixo índice glicêmico durante a jornada e de alto índice glicêmico em
momentos chave para conter a ação do cortisol, baixa ingestão de gorduras,
suplementação com aminoácidos de cadeia ramificada, leucina, isoleucina e
valina (BCAAs), utilização de hormônios que contrapõem a ação do cortisol
(GH,testosteronas e seus derivados).

77
Capítulo 8 - Microeconomia: Regulação na utilização de
estoques energéticos

“Procurando pessoas para contratar, você busca três qualidades: integridade,


inteligência, e energia. E se elas não têm a primeira, as outras duas matarão
você.”

Warren Buffet

A Microeconomia
A microeconomia é o ramo das ciências econômicas responsável por
estudar a dinâmica econômica em pequenos níveis. O termo microeconomia
pode ser aplicado ao estudo do metabolismo energético como avaliação dos
fluxos de perdas (catabolismo) e ganhos (anabolismo) em nível tecidual ou
celular, como por exemplo, no fígado e hepatócito, tecido adiposo e adipócito e
na musculatura e fibra muscular.

O Fígado

O fígado é um órgão impressionante, capaz de realizar diversas funções


como a detoxicação, metabolismo de nutrientes e medicamentos, síntese de
fatores da coagulação, produção de hormônios como o IGF-1 e a eritropoietina,
síntese de proteínas como a albumina, transferrina e ferritina, produção da bile,
entre outras funções. A unidade celular do fígado é o hepatócito. Do ponto de
vista do metabolismo energético, o fígado é o órgão que possui o primeiro
contato com as substâncias ingeridas por via oral, o chamado fenômeno de
primeira passagem, sendo o cartão de boas-vindas do organismo aos
nutrientes. Neste momento é necessário avaliar a resposta do fígado
separadamente ao influxo de cada nutriente (carboidrato, aminoácidos e
lipídeos).

78
O hepatócito e os aminoácidos

No hepatócito os aminoácidos possuem um destino de transformação,


seja conversão em outros aminoácidos via reação de transaminação
produzindo α-cetoácidos e glutamato, corpos cetônicos (aminoácidos
cetogênicos) e glicose (aminoácidos gliconeogênicos).

Cabe lembrar que os aminoácidos não possuem estoque livre no


organismo, sendo utilizados na síntese de proteínas ou com seus excessos
transformados/degradados pela conversão em glutamato como fornecedor de
amônia para o ciclo da ureia.

O hepatócito e os carboidratos

Após a absorção dos carboidratos, o hepatócito responde ao aumento


da glicemia e ao aumento da insulina produzida pelo pâncreas captando a
glicose através do GLUT-2. O GLUT-2 é um transportador de monossacarídeos
(glicose, frutose e galactose) bidirecional (hepatócito-sangue, hepatócito-
fígado) e independente do estímulo da insulina.

A presença do estímulo insulínico estimula a expressão da enzima


glicogênio sintase e aumenta a síntese de glicogênio hepático. A sobrecarga de
carboidratos faz com que o hepatócito, através das enzimas acetil-CoA
carboxilase e ácido graxo sintase, inicie um processo metabólico chamado de
lipogenesis de novo, responsável por sintetizar palmitato, mais denso em
energia, a partir de acetil CoA e malonil- CoA produzidos a partir de esqueletos
glicídicos. O ácido graxo palmitato pode dar origem a outros ácidos graxos a
partir de enzimas elongases e dessaturases.

O gatilho para a realização da lipogenesis de novo e síntese de suas


enzimas é dado por dois fatores transcricionais: Sterol Response Element
Binding Protein 1c (SREBP1c) e o Carbohydrate Response Element Binding
Protein (CREBP).

O SREBP parece ter ação dominante no hepatócito, enquanto o CREBP


parece ter ação predominante no adipócito. O SREBP é induzido pelo

79
hiperinsulinismo, típico de pacientes portadores de resistência insulínica
(Síndrome Metabólica/DM2) ou em estados de alta ingestão de carboidratos,
sobretudo de alto índice glicêmico. O aumento da lipogenesis de novo promove
o agravamento da resistência insulínica, aumento do risco cardiovascular,
aumento dos estoques de gordura no tecido adiposo, o aumento de
triglicerídeos dentro do hepatócito (esteatose não alcoólica) e de
hipertrigliceridemia com baixo HDL.

A frutose é um monossacarídeo derivado da quebra da sacarose (açúcar


de cozinha), que é 50% glicose e 50% frutose, ou de outros produtos naturais
(ex: mel de abelha) produzidos industrialmente, tendo em vista que a frutose é
o dobro mais doce que a glicose. No hepatócito, a frutose sofre ação da
frutosequinase e da aldolase B. A partir desta ação enzimática dá-se origem
aos intermediários da glicólise, gliconeogênese e glicogenogênese
(dihidroxiacetona-fosfato e o gliceraldeído-3-fosfato) e em proporções
consideráveis à síntese de triglicerídeos. Em última análise o consumo de
frutose aumenta a síntese de gorduras.

A galactose é um monossacarídeo derivado da quebra da lactose, que é


50% glicose e 50% galactose. A galactose é diretamente convertida em glicose
ou glicogênio no hepatócito.

Em contraposição a este processo anabólico, sob baixa insulinemia e


pelo estímulo dado pelo GH, cortisol e adrenalina, os hepatócitos realizam
glicogenólise liberando glicose na circulação sanguínea para ser utilizada pelos
tecidos, sobretudo os nobres (sistema nervoso central, células sanguíneas,
medula óssea e medula renal).

Conforme há depleção do glicogênio hepático ocorre a realização


preponderante da gliconeogênese, ou seja, a formação de glicose a partir de
compostos não glicídicos como o glicerol dos triglicerídeos, aminoácidos
gliconeogênicos e do lactato proveniente da glicólise anaeróbia dos tecidos,
principalmente o muscular.

80
Gliconeogênese a partir de aminoácidos, lactato e glicerol.

O hepatócito e os lipídeos

Após a ingestão das gorduras, sob ação da lípase pancreática e da bile,


os lipídeos são absorvidos pelo enterócito e compactados em forma de
quilomícron. Os quilomícrons ganham acesso à circulação linfática e ganham a

81
circulação sanguínea pelo ducto torácico. Ao atingirem os sinusoides hepáticos
os quilomícrons têm os triglicerídeos retirados e metabolizados pela lípase
lipoproteica em glicerol, que pode ser utilizado para síntese de glicose, e os
ácidos graxos, utilizados no metabolismo energético ou reesterificados e
associados com apoproteínas formando as apolipoproteínas. Os triglicerídeos
podem ainda participar da síntese de corpos cetônicos, colesterol ou
fosfolipídeos no retículo endoplasmático rugoso dos hepatócitos.

O Tecido Adiposo

O tecido adiposo, cuja unidade celular funcional é o adipócito, é


responsável por armazenar os estoques de gordura do organismo. O
armazenamento de gordura oferece uma maneira econômica em termos de
gastos calóricos, tendo em vista que o metabolismo do adipócito é baixo e
propicia vantagens desempenhando outras funções, como por exemplo:
isolamento térmico, amortecimento contra impactos, barreira mecânica contra
microorganismos e a função endócrina.

O anabolismo, representado pela alta insulinemia e baixa de hormônios


contra-insulínicos, estimula a captação de lipídeos ligados a apoproteínas pelo
tecido adiposo, principalmente os VLDL sintetizados pelo fígado, através da
lipase lipoproteica nos adipócitos e inibe a liberação de lipídeos pelos mesmos
na corrente sanguínea. Os ácidos graxos são internalizados pelos adipócitos e
são compactados sob a forma de triglicerídeos que são armazenados em
gotículas. A insulina inibe a ação da enzima lipase hormônio-sensível e faz com
que a proteína perilipina proteja as gotículas de gordura da degradação. O
padrão de deposição da gordura em compartimentos depende de estímulos
hormonais, como os hormônios sexuais (padrão masculino e feminino), cortisol
(obesidade centrípeta) e configuração genética do indivíduo.

O metabolismo dos lipídios durante o catabolismo, representado pela


baixa insulinemia e aumento dos hormônios contra-insulínicos, acontece com a
mobilização dos triacilgliceróis armazenados no tecido adiposo. Este processo
é iniciado pela lipase hormônio-sensível que é ativada pela fosforilação da

82
proteína quinase A (AMPc-dependente) e complementada por outras lipases
que disponibilizam glicerol e ácidos graxos na circulação. O AMPc intracelular é
aumentado sobretudo pela estimulação de receptores β-adrenérgicos (alvos
terapêuticos de medicamentos para queima de gordura). A proteína perilipina,
que recobre a superfície das gotículas de gordura é fosforilada pela proteína
quinase A (AMPc-dependente) deixando a gotícula de gordura exposta para a
ação da lipase hormônio-sensível.

O Músculo

O tecido muscular esquelético, cuja unidade celular funcional é a fibra


muscular, é responsável pelo processo de contração muscular que determina o
potencial de um organismo realizar trabalhos mecânicos, como correr e
levantar pesos. O estímulo ao anabolismo e o bloqueio do catabolismo ao nível
muscular é um dos principais objetivos no processo de obtenção de um físico
espetacular.

O estímulo anabólico da insulina determina a maior expressão de canais


transportadores de glicose insulinodependentes (GLUT-4) na superfície da fibra
muscular e, por consequência, maior influxo de glicose, aminoácidos, água e
eletrólitos para abastecer a fibra muscular de substratos para hipertrofia. Além
de favorecer nutricionalmente a fibra muscular, o estímulo da insulina, GH,
testosterona e do aminoácido leucina, aumentam o maquinário para sintetizar
proteínas e aumentar o número de miofibrilas para contração muscular via o
regulador mTOR (ver em capítulos posteriores). O processo de síntese proteica
e hipertrofia muscular consome grande quantidade de ATP, que pode ser
gerada de maneira mais eficaz pela metabolização da glicose (glicólise, ciclo
de Krebs e fosforilação oxidativa). Em casos de depleção de glicogênio
muscular, a oxidação dos ácidos graxos pode gerar ATPs necessários para a
hipertrofia, porém nesta condição o perfil hormonal é menos favorável.

Durante o catabolismo, as fibras musculares oferecem lactato


proveniente da glicólise anaeróbia e aminoácidos como a alanina e a glutamina

83
para realização de cetogênese e gliconeogênese. O catabolismo é estimulado
pela baixa insulinemia e aumento de hormônios, principalmente o cortisol.

84
Parte III (Nutrição)

85
Capítulo 9 – Estratégias Dietéticas para Bulking
Guilherme Almeida Rosa da Silva

"Um grande homem é aquele que morre duas vezes. Primeiro como homem; e
depois, como grande homem."

Paul Valéry

Introdução
Ao contrário do que muitos atletas e profissionais de saúde pensam, a
composição da dieta é o principal fator impactante na macroeconomia do
metabolismo em detrimento do tipo de treino realizado.

A dieta é a grande base de um programa para o ganho de massa


muscular (bulking) ou para a redução do percentual de gordura (cutting). Cabe
lembrar que a maioria dos atletas em busca de um físico espetacular alternam
períodos de bulking e cutting em ciclos de tempo variáveis.

Uma pergunta frequente é se é possível ganhar massa muscular e


reduzir o percentual de gordura simultaneamente. A chave para esta pergunta
está em uma análise crítica e aprofundada. O primeiro ponto é que ao
ganharmos massa muscular em termos absolutos, automaticamente estaremos
reduzindo o percentual de gordura e ao reduzir o percentual de gordura
estaremos aumentando a massa muscular em percentual. Outros aspectos
relevantes são o uso de hormônios que podem auxiliar na preservação de
massa magra durante dietas de cutting, quiçá até aumentando a musculatura,
ou em outra situação, proporcionando perda de gordura durante dietas de
bulking. Ciclos curtos alternados de bulking e cutting podem fazer com que os
ganhos musculares aconteçam com redução progressiva do percentual de
gordura. Já ciclos alternados de cutting e bulking mais longos podem gerar
fases de ganho muscular acelerado com ganho intenso de gordura (off season)
e fases de grande definição com perdas de massa muscular.

86
A experiência mostra que em dietas anabólicas padrão, ganhos
absolutos de massa muscular geralmente estão associados a um ganho
associado de gordura, didaticamente divididos em bulking limpo (aumento de
massa muscular com pequeno ganho de gordura) e bulking sujo (aumento de
massa muscular com grande ganho de gordura). Esta relação para média
populacional, sem uso de recursos farmacológicos está em torno de 60:40,
ganhos de 600g de massa magra estão associados a ganhos de 400g de
gordura. Este número reflete a intensa dificuldade de alguns indivíduos em
perder gordura sem perder massa muscular e de ganhar massa muscular sem
acumular gordura. Treinamentos específicos, suplementos, recursos
farmacológicos e a genética do indivíduo, sem dúvida auxiliam na mudança
drástica desta proporção.

Composição de Macronutrientes para dietas anabólicas

Consumo calórico diário

Em relação à ingestão calórica diária para um indivíduo que objetiva o


ganho de massa muscular, podemos utilizar fórmulas para cálculo da taxa
metabólica basal (TMB). Estas fórmulas apresentam variações entre os
resultados finais. Estas variações alteram pouco o resultado final, tendo em
vista que as avaliações antropométricas seriadas ditarão possíveis ajustes para
mais ou para menos em relação ao consumo calórico diário. Tendo dito isto,
talvez o uso de um método prático (Peso x 24 = TMB em kcal) seja um modelo
preferível.

87
Fórmulas para cálculo da TMB

Harris-Benedict (1919)

Homens = 66 + (13,7 x P) + (5 x A) – (6,8 x I)

Mulheres = 655 + (9,5 x P) + (1,8 x A) – (4,7 x I)

Peso (Kg) Altura (cm) Idade (anos)

FAO/OMS (1985)

Idade Sexo Feminino Sexo Masculino


0 a 3 anos 61,0 x P – 51 60,9 x P - 54
3 a 10 anos 22,5 x P + 499 22,7 x P + 495
10 a 18 anos 12,2 x P + 746 17,5 x P + 651
18 a 30 anos 14,7 x P + 496 15,3 x P + 679
30 a 60 anos 8,7 x P + 829 11,6 x P + 879
+ de 60 anos 10,5 x P + 596 13,5 x P + 487
Nota: Peso em kg

Método prático

(TMB = P x 24) peso em Kg

Após o cálculo da TMB, devemos calcular o fator atividade (FA), ou seja,


um coeficiente que multiplicamos pela TMB para refletir o gasto energético do
indivíduo em suas atividades diárias, incluindo o exercício. Fatores de injúria
88
(doença) ou temperatura são outros coeficientes utilizados, mas que não se
aplicam na matéria em questão.

Tabela de FA

Atividade Homem Mulher

Sedentário 1,2 1,2

Rotina movimentada sem exercício ou rotina


sedentária com exercício de 30 min 1,3 1,3
3x/semana
Rotina movimentada com exercício de 30 min
1,4 1,35
3x/semana
Rotina movimentada com exercício de 60 min
3x/semana ou rotina sedentária com 1,5 1,45
exercícios diários
Rotina movimentada com exercícios diários
1,6 1,5
de 1h
1,8 ou estimar 1,7 ou estimar
Exercícios diários > 1h consumo calórico consumo calórico
do treino do treino

O gasto energético total (GET) em kcal é obtido pela multiplicação da


TMB com o FA.

Dietas de bulking limpo utilizam inicialmente consumos calóricos diários


10-20% acima do GET e dietas de bulking sujo utilizam valores superiores a
estes. Ajustes conforme os resultados aferidos por medidas antropométricas
periódicas podem ser feitos, utilizando blocos de 500 kcal para mais (ganho
insuficiente) ou para menos (ganho de gordura excessivo). Tendo em vista que
o consumo de proteína é elevado e praticamente constante (ver abaixo), estes
ajustes são feitos na maioria dos casos no consumo de carboidratos.

89
Proteínas

As proteínas são um ponto relativamente fixo tanto nas dietas para


bulking quanto para cutting. A dieta deve permanecer hiperproteica, em torno
de 1,8 g/kg de peso com ajustes que variam desde 2-4g/kg de peso quando
associado ao uso de hormônios anabólicos fracos até potentes.

Em relação ao fracionamento diário, é interessante uma divisão em


blocos de 25-50g de proteínas por refeição, perfazendo um total de 4-6
refeições por dia. Estudos apontam que o uso fracionado a cada 2-3 horas e
com doses moderadas como as que foram sugeridas promovem o ganho de
massa muscular de maneira ótima quando comparados a outros protocolos.
Cabe ressaltar que devemos cuidar que esta proteína seja adequadamente
digerida e absorvida. Em meados da década de 50, o Iron Guru e grande
treinador Vince Gironda preconizava a ingestão de cápsulas de ácido clorídrico
em conjunto com as grandes refeições proteicas. Outras opções são: o uso de
ácido ascórbico e oligominerais, vinagre ou a utilização de cápsulas de ácido e
enzimas digestivas (ex: betaína HCl). Um especial cuidado deve ser tomado
para a não utilização destes recursos em excesso, algo que poderia culminar
em processos como úlcera péptica. A preocupação com uma boa digestão
pode favorecer a absorção das proteínas de forma adequada.

Quanto à qualidade da proteína, devem ser valorizadas fontes proteicas


de alto valor biológico (AVB) e ricas em aminoácidos funcionais como o BCAA
(leucina, isoleucina e valina) e a glutamina. Deve ser consumido em torno de
5g de BCAA e 5g de glutamina em pelo menos três blocos de refeição:
preferencialmente ao acordar, antes do treino e após o treino. Uma estratégia
utilizada frequentemente é o uso de BCAA em forma de suplementos não
sendo levada em consideração a quantidade de BCAA dos alimentos
consumidos.

O uso concomitante de fontes de carboidrato de alto índice glicêmico


(0,25-0,5g/ kg de peso por dose) não parece ser determinante como era
pensado, porém é sugerido em situações específicas, como as de maior
probabilidade de catabolismo como ao acordar e após o treino. Muitos
especialistas sugerem não realizar misturas em grande quantidade de
90
carboidratos e proteínas na mesma refeição, pois os carboidratos necessitam
de um ambiente alcalino para o bom funcionamento da amilase e as proteínas
necessitam de um ambiente ácido para ação das peptidases. O resultado desta
mistura é a má digestão, flatulência, liberação de substâncias carcinogênicas e
hiperproliferação bacteriana no trato digestivo.

Lipídios

O consumo de lipídios em dietas para bulking não possui nenhuma


função específica. A quantidade consumida deve ser limitada aos lipídios
“escondidos” nas fontes de proteínas (carnes, ovos, etc...). Os ácidos graxos
essenciais podem ser suplementados com objetivos específicos que serão
citados em capítulos posteriores sem relação direta com o ganho de massa
muscular.

Carboidratos

Os carboidratos são a verdadeira asa móvel para mudança de


metabolismo em direção ao ganho de massa muscular versus a perda de
gordura. Em dietas para bulking, idealmente devemos ter uma dieta
hiperglicídica com base em carboidratos de baixo índice glicêmico e uso
estratégico e pontual de carboidratos de alto índice glicêmico.

Uma estratégia interessante para evitar a sobrecarga de carboidratos e a


síntese de gordura (lipogenesis de novo) é fracionar o máximo possível o
consumo em pelo menos seis vezes ao dia. O uso de carboidratos de alto IG,
quando usados, deve ser restrito a períodos de interrupção catabólica (ao
acordar), janela de oportunidade, interrupção catabólica e síntese de glicogênio
(pós-treino) e de preparo (pré-treino). A dose usual de carboidratos de alto IG é
de 25-50g por dose.

Em relação à quantidade, o carboidrato deve ser o último item a ser


calculado, após a quantidade ingerida de proteínas mais lipídios “escondidos”

91
nas fontes proteicas, perfazendo a quantidade restante de calorias para atingir
a meta diária.

Modelo de planejamento dietético em dieta de bulking

Homem, altura = 1,81m, peso = 84 kg, percentual de gordura = 10%, rotina


sedentária com atividade = treinos de musculação cinco vezes por semana
com duração em torno de uma hora.

TMB (Método prático)

Peso x 24 = 2256 kcal

FA (atividade física moderada-forte)

Homem = 1,5

GET = 2256 kcal x 1,5 = 3384 kcal

Alvo planejado (aumento 20%) = 4060 kcal

PTN = 2g/Kg/dia = 188g x 4 kcal = 752 kcal

LIP “escondidos” em carnes e ovos para fonte de proteínas = (exemplo) 90g x


9 kcal = 810 kcal

CHO = 4060 kcal – 752 kcal – 810 kcal = 2498 kcal / 4 kcal = 625g

92
Capítulo 10 - Estratégias Dietéticas para o Cutting
Guilherme Almeida Rosa da Silva

“Comida é uma dicotomia: Os gordos odeiam amá-la e os magros amam odiá-


la”.

Garfield

Introdução
Como já foi dito no capítulo anterior, as dietas para cutting são aquelas
em que o objetivo principal é a redução do percentual de gordura, com perda
de massa gorda e tentativa de preservar ao máximo a massa muscular. Nem
sempre é possível preservar a massa muscular durante o processo, mas ao
menos são utilizadas estratégias dietéticas que visam reduzir estas perdas.

É importante que o indivíduo tratado já possua uma massa magra


considerável, o que elevará o consumo calórico diário e facilitará o processo de
definição. Por outro lado, há quem prefira iniciar o processo de escultura de um
físico espetacular pelo cutting seguindo então para um bulking limpo, o que
preserva um bom aspecto do corpo durante todo o processo. Não entraremos
no mérito do uso de hormônios anabólicos e medicamentos para perda de
gordura que terão capítulos específicos, nos detendo apenas as estratégias
dietéticas utilizadas.

Dorian Yates à esquerda em off season.

93
Ingestão calórica diária

Conforme citado no capítulo anterior, devemos calcular o gasto


energético diário (GET) obtido através do cálculo da taxa metabólica basal
(TMB) por diversos métodos possíveis e multiplicada pelo fator atividade (FA)
obtido por tabelas pré-estabelecidas. A este valor de gasto diário devemos
reduzir em torno de 20-40% do consumo diário e/ou subtrair blocos de 250-500
kcal com o intuito de restringir o consumo calórico que resultará em consumo
de reservas. É interessante que classicamente na literatura, restrição de 250
kcal diária resultaria em perdas de em torno de 0,5 kg por semana de peso.
Entretanto esta relação é muito variável na prática e não leva em conta
aspectos da macroeconomia de estoques de energia, como por exemplo, as
reservas de glicogênio depletadas que gerariam alteração de peso por uma
perda de água associada e desidratação intracelular. O peso realmente não é
um parâmetro fidedigno de evolução.

O recomendável seria restrições de blocos de 250-500 kcal com


avaliações antropométricas completas sequenciais e análise de resultados.
Com base nestes resultados, blocos adicionais de 250-500 kcal poderiam ser
ajustados para cima (perda excessiva de massa muscular ou platô de perda de
gordura) ou para baixo (perda de gordura insuficiente).

Proteínas

Conforme pontuado no capítulo anterior, as proteínas são um ponto


relativamente fixo tanto nas dietas para bulking quanto para cutting, em torno
de 1,8g/kg de peso com ajustes que variam desde 2-4g/kg de peso quando
associado ao uso de hormônios anabólicos. Devemos buscar uma divisão em
blocos de 25-50g de proteínas por refeição, perfazendo um total de 4-6
refeições por dia. Devida atenção deve ser dada a digestibilidade desta
proteína com estratégias já citadas no capítulo anterior. Devem ser valorizadas
fontes proteicas de alto valor biológico (AVB) e ricas em aminoácidos
funcionais como o BCAA (leucina, isoleucina e valina) e a glutamina, em torno
de 5g de cada em pelo menos três blocos de refeição, preferencialmente ao

94
acordar, antes do treino e após o treino. Uma estratégia frequente é o uso
como suplementação de BCAA em cápsulas ou na composição do whey
protein. O uso desta estratégia tem como objetivo minimizar a perda de massa
muscular durante o cutting.

Carboidratos

A principal estratégia dietética para perda de gordura em relação aos


macronutrientes é a restrição no consumo de carboidratos. Carboidratos de alto
índice glicêmico (IG) devem ser desaconselhados, pois o pico de insulina é
capaz de inibir a lipólise por horas. Quanto aos carboidratos de baixo IG a
análise é mais complexa. Podemos variar desde níveis cetogênicos (ingestão
de menos de 100g de carboidrato por dia), passando por ingestão menor de
30g/dia, 50g/dia, 100g/dia, até níveis não cetogênicos, porém hipoglicídicos. A
faixa de corte entre os dois tipos de dieta no consumo de 100g de carboidratos
por dia é devido ao consumo diário em torno de 100g de carboidrato por
tecidos usuários estritos de glicose (sistema nervoso central, medula óssea,
medula renal e células sanguíneas).

As dietas cetogênicas são baseadas na restrição intensa no consumo de


carboidratos, baixa insulinemia, depleção dos estoques de glicogênio hepático
e muscular, aumento inicial e posterior redução da gliconeogênese e aumento
na produção de corpos cetônicos. Quanto menor o consumo diário de
carboidratos mais intenso é o estímulo em direção as adaptações metabólicas
à cetose. Este tipo de dieta oferece a vantagem da adaptação metabólica com
proteção à massa magra. A preservação da massa magra é multifatorial
envolvendo diretamente a presença de corpos cetônicos na circulação,
utilização via adaptação metabólica destes por tecidos utilizadores estritos de
glicose e redução na necessidade de gliconeogênese após a adaptação. A
redução na gliconeogênese reduz a utilização de aminoácidos como
combustível e mantém a perda de gordura através do consumo de ácidos
graxos livres por tecidos não usuários estritos de glicose.

95
As dietas cetogênicas são bastante restritas em questão de ingestão
diária de calorias, o que pode gerar redução no metabolismo e platô na queima
de gordura. Nesta situação podemos dar “choques” metabólicos aumentando
periodicamente o consumo calórico via recarga com carboidratos (dietas
cetogênicas cíclicas), aumento no consumo calórico via suplementação com
ácidos graxos essenciais, uso de termogênicos e hormônios anabólicos. Outros
problemas seriam efeitos colaterais de adaptação: cefaléia, hálito cetônico,
ansiedade, insônia, irritabilidade, inadequação social dos cardápios e
hipoglicemia. Apesar disso, sem dúvida as dietas cetogênicas realizadas na
técnica correta são as mais eficientes na perda de gordura em quantidade e
velocidade com preservação da massa magra.

As dietas hipoglicídicas não cetogênicas (consumo diário > 100g de


carboidrato por dia) possui seu benefício limitado à adequação social dos
cardápios. O uso de ácidos graxos livres por tecidos usuários não estritos de
glicose se devem primariamente à baixa ingestão calórica total e as
adaptações metabólicas protetoras à massa magra são inexistentes. A
proteção à massa magra ocorre por meio da ingestão de carboidratos e
liberação de insulina, que por outro lado retarda a intensidade da perda de
gordura.

Ciclando carboidratos (Dieta Cetogênica Cíclica)

Um dos principais problemas encontrados durante a fase de cutting é o


platô na perda de gordura. Este platô se deve a redução adaptativa no
metabolismo basal em resposta ao baixo consumo calórico diário. Uma das
principais estratégias é manter o consumo de carboidratos em níveis
cetogênicos por um período variável de dias seguido por um período de
recarga de carboidratos.

A ciclagem mais tradicional é de cinco dias em cetose (segunda a sexta)


e dois dias de recarga com carboidratos (sábado e domingo). Outros protocolos
são utilizados com ciclos mais longos (perda de gordura mais rápida e menor

96
preservação de massa muscular) ou mais curtos (perda de gordura mais lenta
com maior preservação de massa muscular).

A estratégia de cinco dias é socialmente mais aceitável, tendo em vista


que permite uma dieta menos restritiva durante os fins de semana. Os dois dias
de recarga fazem uma mudança metabólica aumentando o consumo calórico
diário, gerando uma liberação de insulina durante um período de maior
sensibilidade e proporcionando uma pausa provisória na perda de gordura com
ganho relativo de massa muscular. Ocorre recomposição dos estoques de
glicogênio muscular (supersaturação) gerando retenção hídrica dentro da fibra
permitindo melhor desempenho nos treinos no início da semana seguinte. A
quantidade recomendada de carboidratos de baixo IG é de 10g/kg de peso no
primeiro dia de recarga e 5g/kg nos dias subsequentes. Durante as recargas
deve ser evitado o consumo de lipídios e a quantidade de proteína a ser
ingerida permanece a mesma.

Indivíduos com nível avançado de desenvolvimento muscular realizam


de forma mais frequente ciclos de dietas hiperproteica com menor restrição de
carboidratos de baixo IG em torno de 50-100g/dia por em torno de 3 dias (cut),
seguido de um período de 3-4 dias de dieta hipercalórica com carboidrato de
baixo IG e hiperproteica (bulk).

As estratégias são diversas. O conhecimento do funcionamento de cada


estratégia ajuda a reconhecer padrões que se encaixam melhor com cada perfil
individual.

Lipídios

O consumo de lipídios em dietas para perda de gordura possui poucas


funções. Os ácidos graxos essenciais possuem propriedades antinflamatória e
antioxidantes, entretanto carecem de impactos significativos em termo de
melhora da composição corporal no aspecto definição. As gorduras em dietas
para perda de gordura são principalmente ingeridas de forma “escondida” nas
fontes de proteínas (carnes e ovos).

97
Existem estudos demonstrando que especificamente o ácido linoleico
conjugado (CLA) poderia auxiliar na perda de gordura, mas para um melhor
controle do seu consumo seria melhor utilizá-lo na forma de suplemento
alimentar. Um uso potencial dos lipídios em dietas para perda de gordura seria
para quebra de platô de perda de gordura em dietas cetogênicas muito
restritivas em termos de calorias. As gorduras serviriam como instrumento
regulador no consumo diário total de calorias de dietas cetogênicas,
aumentando sua ingestão quando o consumo diário de calorias estiver muito
baixo ou reduzindo quando o consumo diário de calorias estiver muito elevado.
A prioridade seria consumir fontes de ácidos graxos essenciais (azeite extra-
virgem, canola, linhaça, nozes, castanhas, óleo de fígado de bacalhau e óleos
de peixe).

Modelo de planejamento dietético em dieta de cutting

Homem, altura = 1,81m, peso = 94 kg, percentual de gordura = 14%, rotina


sedentária com atividade = treinos de musculação cinco vezes por semana
com duração em torno de uma hora.

TMB (Método prático)

Peso x 24 = 2256 kcal

FA (atividade física moderada-forte)

Homem = 1,5

GET = 2256 kcal x 1,5 = 3384 kcal

Alvo planejado (redução 40%) = 2030 kcal

PTN = 2g/Kg/dia = 188g x 4 kcal = 752 kcal

CHO = 30g/dia = 30g x 4 kcal = 120 kcal

LIP = 2030 kcal – 752 kcal – 120 kcal = 1158 kcal / 9 kcal = 128g

98
Capítulo 11 – Protocolos de Hidratação e Pré-Contest
Guilherme Almeida Rosa da Silva

“Conhecer os outros é inteligência, conhecer-se a si próprio é verdadeira


sabedoria. Controlar os outros é força, controlar-se a si próprio é verdadeiro
poder.”

Lao-Tsé

Introdução

A água é a principal substância que compõe o corpo humano. Ela


constitui cerca de 2/3 da massa total do organismo, sendo que 2/3 dela faz
parte do meio intracelular e 2/3 do meio extracelular. No meio extracelular ela
faz parte de 2/3 do interstício e o restante dentro dos vasos sanguíneos, em
torno de 6-7 litros. A água no organismo representa o meio em que as reações
bioquímicas ocorrem, funcionando ainda como veículo para as substâncias.
Além disso, possui função termoreguladora e responsável pelo turgor e forma
do indivíduo. No fisiculturismo, o controle da água deve ser pensado em
situações como: desidratação proporcionada pelos treinamentos, fluxo da água
proporcionado pelas alterações no glicogênio intracelular e em situações de
proximidade do campeonato, quando há necessidade de reduzir a hidratação
subcutânea para que a musculatura e sua forma fiquem mais expostas.

Neste capítulo discutiremos os protocolos de hidratação com foco nos


atletas de fisiculturismo. Descreveremos ainda as rotinas de Pré-Contest
nestes indivíduos.

Protocolos de hidratação no treinamento

Talvez a melhor forma de estimar a perda hídrica durante um


treinamento de musculação seja medindo o peso antes e após o treino. A
variação de peso corresponde à perda hídrica por aproximação. Esta perda
pode ser leve (< 3%), moderada (3-9%) ou intensa (> 10%) dependendo da

99
atividade realizada (aeróbico e/ou exercícios resistidos), tempo de treinamento,
temperatura do local e uso de termogênicos. A reposição deve ser realizada
pela via oral e a partir daí algumas questões podem ser levantadas.

A reidratação deve ser realizada intratreino ou apenas após o


treinamento?

Para os defensores da não realização de reidratação intratreino, existe o


pensamento que a desidratação gera respostas endócrinas adaptativas,
sobretudo quanto à liberação de hormônios adrenérgicos e a vasopressina
(hormônio antidiurético). O estímulo adrenérgico ao receptor β gera aumento
da pressão arterial reequilibrando a desidratação, aumento da força,
agressividade, tenacidade e é um estímulo a mais para mobilização de gordura
como combustível para o organismo. Neste caso o estímulo adrenérgico
funcionaria como um termogênico natural ou potencializador do efeito dos
termogênicos suplementados. Outro argumento seria que a presença de líquido
no estômago durante o exercício pode gerar náuseas e vômitos e caso
consumido que seja em doses fracionadas.

Por outro lado, os defensores da reidratação intratreino afirmam que a


desidratação gera queda de desempenho, aumento da temperatura corporal,
frequência cardíaca, frequência respiratória, distúrbios eletrolíticos e risco de
morte. O que parece é que a desidratação leve e moderada pode gerar ganho
de desempenho em algumas modalidades específicas, como as que
necessitam de agressividade. O risco de distúrbios da homeostase que
colocam em risco a vida do indivíduo ocorreria apenas nas desidratações
graves.

Qual o volume de solução a ser ingerido?

A National Athletic Trainer’s Association recomenda ingerir 500 mL de


água ou outra solução duas horas antes do exercício e 200 mL 20 minutos
antes do exercício. Durante o exercício, a reposição deve ser compatível com o

100
volume de perdas medido pela variação de peso previamente. Após o
exercício, a hidratação deve ter como objetivo corrigir quaisquer perdas
residuais. Alguns especialistas sugerem a reposição hídrica de livre demanda
conforme a sede.

Qual melhor solução para reidratação?

A principal solução de reposição é a água. Bebidas esportivas ou


preparações domésticas semelhantes ao soro caseiro com eletrólitos (cloreto
de sódio) e carboidratos de alto IG em concentração de cerca de 8% também
podem ser utilizadas conforme as necessidades individuais. Alguns atletas
referem náuseas devido ao sabor artificial das bebidas esportivas. Em treinos
aeróbicos com o objetivo de queima de gordura o uso de bebidas contendo
carboidratos de alto IG no intratreino ou pré-treino pode retardar os resultados,
tendo em vista que o estoque de glicogênio e o aporte de glicose no sangue e
a liberação de insulina atrapalhariam a utilização dos ácidos graxos como
combustíveis.

Em treinos de resistência voltados para a hipertrofia ou força, a duração


geralmente não supera 60 minutos, sendo então as bebidas com carboidratos
dispensáveis no intratreino, pois uma boa refeição diária e no pré-treino é
capaz de elevar os estoques de glicogênio muscular para a demanda do
exercício. Caso seja realizado um treino muito volumoso, incomum nos dias de
hoje, com duração de horas, a bebida com carboidratos pode ser utilizada para
reduzir o catabolismo muscular. Uma situação especial é de indivíduos que
gostariam de realizar treinamentos de hipertrofia volumosos quando em dieta
cetogênica (livre de carboidrato). Alguns desses indivíduos utilizam os
carboidratos de alto IG apenas no pré-treino e no intratreino para evitar o
catabolismo muscular e a perda de desempenho - Targeted Ketogenic Diet
(TKD).

No pós-treino, bebidas contendo carboidratos de alto IG podem ser


utilizadas para quebrar o processo catabólico, exceto em situações em que se
almeja a perda de gordura.

101
Em suma, bebidas contendo carboidratos de alto IG devem ser utilizadas
para redução do catabolismo muscular, mas dificultam a queima de gordura.

Protocolos de Pré-Contest

Esta sessão do capítulo é destinada aos ajustes finais para exibição de


um físico espetacular. Não necessariamente está destinada a preparação final
de competição para fisiculturistas profissionais, mas também contempla uma
preparação final para algum evento envolvendo fisiculturistas amadores.

Durante um pré-contest é comum que ocorra perda muscular na


tentativa de elevar o organismo a uma grande definição. Um dos principais
segredos é não aumentar demais o percentual de gordura (< 12% em homens
e 15% em mulheres) nas fases de bulking e de off-season. Quanto menor o
percentual de gordura menor o tempo de dietas muito restritivas, sobretudo em
carboidratos e menor a necessidade de aeróbicos, ambas consumidoras da
musculatura.

A rotina de treinamento deve ser mudada o menos possível, a não ser


que o atleta esteja em uso de protetores de massa magra e hormônios
(doping). Nesta situação, o treinamento pode ser ajustado para maior volume e
menor intensidade com o objetivo de maior consumo calórico. A carga dos
exercícios pode ser gradualmente reduzida de acordo com a queda do
desempenho nos treinos devido às restrições dietéticas. Estas modificações
mais significativas nos treinamentos devem ocorrer com em torno de 2
semanas de antecedência.

A dieta para redução do percentual de gordura deve ser iniciada cedo o


suficiente, pois caso ocorram resultados insatisfatórios haja tempo hábil para
correções. O atleta pode realizar um exercício aeróbico de maior duração ao
iniciar a dieta com o objetivo de consumir estoques de glicogênio, sobretudo o
hepático para desencadear a cetose. Após o consumo do glicogênio hepático,
sessões de aeróbicos em faixa de queima de gordura (FCmax < 70%) devem
ser realizadas com duração de 20-40 minutos 3 a 5 vezes na semana, podendo

102
gradativamente aumentar a duração e o número de sessões. Termogênicos
são utilizados para melhorar os resultados. O conhecimento mais aprofundado
do organismo do atleta em situações de pré-contest anteriores são de grande
valia para o sucesso a cada nova tentativa.

A estratégia dietética mais utilizada é a ciclagem de carboidratos em que


períodos de cetose e recarga são alternados em frequências que vão de
acordo com as individualidades (2 dias de cetose: 2 dias de recarga, 3 dias de
cetose: 2 dias de recarga, 5 dias de cetose: 2 dias de recarga e assim por
diante). Muitos atletas preferem passar o período inteiro de pré-contest em
cetose e treinando regularmente, com um treinamento de depleção 3 dias
antes do torneio e ingerindo carboidratos nos dois ou três dias finais de
preparação e em repouso (supercompensação). O treinamento de depleção de
glicogênio muscular pode ser realizado de corpo inteiro “full body” em um dia
ou dividido “split” (grupamentos da metade superior e grupamentos da metade
inferior) em dois dias.

Com a recarga de carboidratos após um longo período de depleção de


glicogênio, a síntese de glicogênio se torna mais eficiente e os estoques de
glicogênio podem ultrapassar os limites ditos normais, gerando maior retenção
hídrica dentro da fibra muscular e maior volume da musculatura. No dia do
contest o atleta deve ingerir um café da manhã modesto com uma fonte
proteica e carboidratos 20-50g de fácil digestão 3 horas antes da avaliação e
repetir uma fração desta 1 hora antes. Após a avaliação, o atleta deve seguir
comendo refeições de fácil digestão com proteínas e carboidratos de fácil
digestão.

As avaliações antropométricas devem ser feitas com maior constância e


serem metódicas quanto aos horários dentro da rotina diária (ex: ao acordar,
antes do café e/ou após o treino).

Outros cuidados são em relação ao sono, tendo em vista que muito


apresentam insônia, equilíbrio eletrolítico do cálcio, potássio e magnésio para
evitar câimbras, com consumo diário de 1,2g de cálcio, 1g de potássio e 1g de
magnésio por dia na forma de suplementos.

103
Hidratação no Pré-Contest

Nos dias quatro e três antes do contest, a ingestão hídrica deve ser
mantida elevada (>30ml/Kg/dia) por causa da recarga de carboidratos. Uma
tabela de acompanhamento de ingestão hídrica deve ser criada. Um dia antes
e no segundo dia antes do contest, a ingestão hídrica deve ser mantida baixa
(metade do que vinha sendo ingerido) para iniciar o processo de desidratação
do subcutâneo. Um dia antes do contest a terapia diurética com ervas e uso de
saunas deve ser iniciada para desidratação do subcutâneo que deixa os
detalhes da musculatura mais exposta. O consumo de sódio deve ser
restringido a 1g/dia nos últimos três a dois dias, com o consumo de potássio
em torno de 3g/dia. O controle deve ser rígido, contabilizando até os eletrólitos
presentes na água, tendo em vista que a hiperidratação pode gerar sobrecarga
salina.

104
Parte IV (Treinamento)

105
Capítulo 12 - Hipertrofia e Mecanobiologia

Guilherme Almeida Rosa da Silva

“A coragem nunca foi questão de músculos. Ela é uma questão de coração. O


músculo mais duro treme diante de um medo imaginário. Foi o coração que pôs
o músculo a tremer.”
Ghandi

Introdução

Podemos chamar de hipertrofia muscular o aumento no diâmetro das


fibras musculares, seja por aumento da síntese proteica ou por acúmulo de
nutrientes ou água. A hiperplasia muscular é um processo atualmente visto
como acessório e visto com ceticismo, em que células satélites são
diferenciadas em fibras musculares, aumentando o número absoluto de fibras.
A mecanobiologia é a ciência que estuda a forma com que a energia mecânica
aplicada sobre a fibra muscular resulta no processo de hipertrofia.

Quando o objetivo do treinamento é a hipertrofia muscular e o estresse


mecânico é realizado de forma adequada, ocorrem mudanças na expressão
gênica na fibra muscular induzida pela ativação de receptores por hormônios
sistêmicos ou produzida localmente. As principais mudanças da expressão
gênica ocorrem no sentido de reduzir a degradação proteica, aumento da
síntese proteica, que parece ser uma etapa inicial, expressão de genes de
diferenciação das células satélites (hiperplasia), fusão de fibras e angiogênese.
O importante é que não há mais espaço para o raciocínio que a hipertrofia
muscular é unicamente gerada a partir de dano celular com regeneração em
fibras maiores ou mais densas. O que é preconizado nos dias de hoje é que a
hipertrofia muscular é desencadeada por um processo de sinalização celular,
seja por sinal gerado mecanicamente e/ou por sinais hormonais e dietéticos.
Não podemos esquecer que o descanso é um processo necessário para
adaptação. O undertraining, da mesma forma, gera uma sinalização celular que
promove autofagia e atrofia muscular.

106
Mecanotransdução e o estímulo mecânico adequado para
hipertrofia

Em relação à mecanotransdução, alguns estudos tem demonstrado que


a fase excêntrica de contração é capaz de ativar de maneira mais forte a
p70S6K, possivelmente devido ação de receptores sensíveis ao estiramento
muscular (SAC). A p70S6K é uma enzima quinase que ao fosforilar a proteína
ribossomal S6 aumenta a síntese proteica gerando hipertrofia. Os SAC
parecem agir pelo aumento de ácido fosfatídico e óxido nítrico, ativando a via
AkT/mTOR.

O dano mecânico à membrana da fibra muscular parece aumentar a


expressão de integrinas que facilitam a adesão das células satélites resultando
em aumento no volume da fibra, aumentam a produção de IGF-1 localmente,
aumentam a produção de hormônios adrenérgicos e de óxido nítrico, que
convergem para sinalização na via AkT/mTOR/p70S6K com aumento da
síntese proteica. O tipo de exercício, a intensidade e a duração podem
influenciar a resposta. Outros mecanoreceptores estudados são o complexo
distrofina-glicoproteína, integrinas e estruturas do sarcômero.

107
PI3K/Akt/mTOR

A via de mTOR é a cascata de mensageiros vista como rota principal ao


estímulo à síntese proteica e hipertrofia muscular. Em estudos como o de
Mascher e colaboradores, foi demonstrado aumento na fosforilação de mTOR,
p70S6K e da proteína ribossomal S6 que persistiram até 2h após exercício
resistido com 4 séries de 10 repetições a 80% da RM. Este tipo de aumento foi
evidenciado em outros estudos em até 8 semanas de treino, sugerindo um
processo análogo ao overtraining ou saturação desta via. Aparentemente
devemos estimular a via de mTOR com exercício, suplementação e dieta e
oferecer um contrabalanço com o descanso para que a via não fique saturada
e desensibilizada, o que estagnaria os ganhos. Os mecanismos pelos quais
mTOR é ativado ou inibido serão descritos abaixo.

FoxO

A queda da expressão de SIRT1 pelo jejum prolongado (>48h),


desnervação ou por desuso desencadeia o sinal para FoxO culminando com a
expressão de genes de atrofia muscular. A via de FoxO e NF-kB (fator
transcricional envolvido com a inflamação) são as duas principais que sinalizam
para a degradação proteica, ou seja, antagônicas de mTOR. Estes estímulos
são mediados pelas proteínas MuRF-1 e ubiquitina ligases atrogina. O PGC-1α
é capaz de inibir o estímulo desta via prevenindo a atrofia.

IGF-1

A adição de IGF-1 em culturas de fibras musculares resulta em


diferenciação das células satélites, aumento do diâmetro das fibras e maior
produção de proteínas. O estresse mecânico resulta em produção local de IGF-
1. Em modelos experimentais sem hipófise, foi demonstrado que a ausência de
GH hipofisário e de IGF-1 da circulação sistêmica produzido majoritariamente
no fígado (75%) não alterou o desenvolvimento de hipertrofia muscular. Os
dados sugerem que a ação importante de IGF-1 sobre o processo de hipertrofia
da fibra muscular é a via de produção local. Entretanto, a via IGF-1
parácrina/autócrina não parece ser essencial à hipertrofia devido ao fato de que
outras vias existentes serem capazes de ativar mTOR. Os efeitos do doping

108
com hormônios de crescimento parecem estar mais relacionados com a lipólise
e redução do percentual de gordura.

Óxido Nítrico

O óxido nítrico é a substância que vem recebendo maior atenção na


mecanobiologia da hipertrofia muscular. O estresse mecânico resulta em
produção constitutiva de óxido nítrico pelo óxido nítrico sintase neuronal (NOS-
1) resultando na geração de segundos mensageiros ainda pouco conhecidos
ligados à hipertrofia muscular.

Miostatina e Folistatina

A miostatina é um membro da família dos fatores de crescimento


transformadores (TGF-β) potente regulador negativo do crescimento muscular.
Mutações no gene da miostatina são capazes de gerar hipertrofia muscular
massiva em modelos animais, sendo debatida a veracidades de casos
ocorridos em crianças humanas com resultados semelhantes. No momento
muitos estudos direcionados para inibir a miostatina são realizados com intuito
de combater doenças degenerativas musculares fatais, tal como a Distrofia
Muscular de Duchenne. A miostatina se liga a ActRIIA/IIB na membrana da
fibra muscular, com maior afinidade pelo receptor ActRIIB. Ao se ligar ao
receptor a miostatina gera sinalização por fatores transcricionais (Smad 2/3)
que culminam no bloqueio à síntese proteica e hipertrofia muscular.

Touro Belgian Blue, cão, caso humano e ratos com mutação no gene da miostatina.

109
A folistatina é um hormônio capaz de bloquear a ação da miostatina.
Quanto maiores os níveis de miostatina maior será o potencial de aumento de
força e hipertrofia ao inibi-la através de nutrição, descanso e exercício. A
complexidade desta via tem sido evidenciada em achados como o aumento da
expressão de miostatina no uso de hormônios androgênicos, redução com a
suplementação de GH e aumento ou redução dependendo da modalidade de
exercício realizado. Para atuarmos medicamentosamente sobre a via da
miostatina, ainda é necessário maior número de pesquisas e um maior
entendimento sobre este circuito.

Calcineurina

Tem sido estudado o papel do cálcio como componente da via


sinalizadora para a hipertrofia muscular. A inibição da calcineurina pelo
medicamento ciclosporina resultou no bloqueio à hipertrofia em modelos
animais exercitados.

PGC-1α

A expressão de PGC-1α resulta em aumento na expressão gênica


mitocondrial e aumento no número de mitocôndrias (biogênese mitocondrial). A
expressão de PGC-1α está vinculada à realização de treinamento resistido,

110
tendo como produto final principal a redução da degradação proteica e
proteção da massa magra através da inibição da via de FoxO3 e NF-kB.

Neurofisiologia da atividade motora

Vias neurológicas, placa motora e adaptação neurológica ao exercício

A placa motora é a unidade funcional em que através de um nervo motor


há liberação de mediadores em um espaço (sinapse) que excitam a fibra
muscular a se contrair. Uma unidade motora é capaz de estimular um grupo de
fibras musculares, todas do mesmo tipo. Com a realização de exercícios contra
resistência ocorrem adaptações neurais na placa motora.

A adaptação neural ao treino de força é um processo pelo qual ocorre


ganho de desempenho, sobretudo em iniciantes e em grupamentos pouco
treinados. A adaptação neural talvez seja a resposta compensatória mais
precoce, sobrevindo a sinalização celular para hipertrofia. Existem dúvidas se
treinamentos na “faixa” de hipertrofia poderia gerar adaptação neural, por isso
podemos considerar também como importante o treino de força para aqueles
que têm como objetivo principal a hipertrofia. O treino de força poderia ser
mesclado ao treino de hipertrofia ou periodizado em uma época específica do
ano. Contemplando treinos para fibras tipo I (hipertrofia) e fibras tipo II (força)
poderíamos gerar uma resposta hipertrófica mais abrangente e ganhos mais
rápidos de volume.

Comentaremos brevemente sobre a hipertrofia miofibrilar e


sarcoplasmática. Existe uma ideia de que treinos com poucas repetições e alta
carga aumentariam a massa de miofibrilas (proteínas musculares) e treinos
com muitas repetições e menor carga aumentaria o volume sarcoplasmático
(citoplasma da fibra muscular). Há uma tendência de rejeição que ocorram
mecanismos diferentes para hipertrofia com treinos específicos tendo em vista
que o volume sarcoplasmático não parece modificar muito com o treinamento,
sendo o fator principal da hipertrofia os mecanismos de síntese proteica já
descrita neste capítulo.

111
Um dos mecanismos de adaptação neural ao treinamento resistido é a
da sincronização de unidades motoras. Ao desempenhar um trabalho, se um
indivíduo é capaz de recrutar de forma sincronizada um maior número de
unidades motoras, ele será capaz de mobilizar maior carga em um menor
espaço de tempo, ou seja, aumentará a intensidade do trabalho. Outras
adaptações são o aumento no número de unidades motoras, com pouca ou
nenhuma variação no número de fibras musculares (especificidade), a
capacidade de recuperação rápida da unidade motora aumentando a
frequência de despolarizações e por consequência a capacidade de gerar
trabalho. Além disso, há um ganho em termos de coordenação que proporciona
melhor execução dos exercícios e maior qualidade no estímulo à hipertrofia.
Em conclusão, o treinamento de força pode ser um importante aliado nos
treinamentos de hipertrofia.

Fibra de contração lenta (Fibra tipo I)

As fibras vermelhas possuem menor diâmetro são mais comumente


usadas em atividades de baixa intensidade à moderada, com longa duração e
de forma lenta. A cor escura é derivada do alto teor de citocromos, mioglobina
e alta vascularização. São especialmente ricas em mitocondriais no interior das
suas células e enzimas oxidativas no sarcoplasma. São voltadas
principalmente ao metabolismo aeróbico.

Fibra de contração rápida (Fibra tipo II)

As fibras brancas possuem maior diâmetro e são mais utilizadas em


exercícios de grande intensidade, velocidade e força, com curta duração e
contração rápida. São ricas em enzimas ligadas ao metabolismo anaeróbico
como a creatinofosfoquinase, fosfofrutoquinase e desidrogenase lática.

112
Subtipo IIa

São fibras rápidas oxidativas e glicolíticas. Devido a capacidade


oxidativa, esse tipo de fibra são especialmente resistentes a fadiga e com
especialização intermediária entre a fibra tipo I e tipo IIb.

Subtipo IIB

São fibras rápidas e glicolíticas, pobres em mioglobina e mitocôndrias.


Utilizam como substrato a glicose e no final dos exercícios intensos geram uma
grande quantidade de ácido lático, por isso facilmente fadigáveis.

Síntese Proteica

Após um exercício resistido o estímulo mecânico à síntese proteica


possui sua estimulação máxima até em torno de 24-72h. Segundo os últimos
estudos, a ingestão pós-treino de proteína aumenta a síntese proteica em
comparação ao placebo. Uma dose pós-treino superior à 20-30g de whey
protein aumenta a utilização de aminoácidos como substrato energético e a
gliconeogênese a partir de aminoácidos que pode gerar aumento do percentual
de gordura. Foi testada a suplementação de arginina no pré-treino e no pós-
treino que não alteraram a síntese proteica.

113
Capítulo 13 - Treinamento Aeróbico
Guilherme Almeida Rosa da Silva

“Uma corrida não se ganha na primeira volta, mas se perde.”


Nelson Piquet

Introdução

Para entendermos as diversas modalidades de treinamento, como os


exercícios aeróbicos, exercícios resistidos e de força é necessário a
compreensão de conceitos técnicos fundamentais.

Conceitos para definição de treinamento aeróbico e anaeróbico

Repetição máxima

É a quantidade máxima de peso com que se consegue realizar uma


repetição completa de um exercício padronizado de levantamento de peso. Em
um teste de carga podemos adicionar o subtrair pesos até atingir a chamada
repetição máxima (RM). A RM muda de acordo com a alimentação, descanso e
estado de saúde do organismo e não é um bom parâmetro para o número de
repetições. Mulheres conseguem realizar maior número de repetições para um
mesmo percentual de RM em comparação aos homens.

Frequência cardíaca

A frequência cardíaca corresponde ao número de batimentos cardíacos


(ciclos completos) por minuto. Pode ser medida através de frequencímetro
peitoral e relógio ou pelo método palpatório do pulso.

Consumo máximo de oxigênio

O consumo máximo de oxigênio (VO2 máx) é a quantidade máxima de


oxigênio que o organismo consegue utilizar do ar inspirado para obtenção de
114
energia na fosforilação oxidativa. Este valor pode ser expresso em l/min ou
valor absoluto ou ml/kg/min ou valor relativo.

O VO2 máx pode ser utilizado de maneira comparativa entre indivíduos


sendo influenciado por fatores genéticos e ambientais, dentre eles o
treinamento, alimentação, suplementação e uso de medicamentos. A melhora
nos parâmetros de VO2 máx é possível. Entretanto é um processo limitado e
quanto maior a melhora do desempenho, mais difícil se torna em aprimorá-la.

Limiar anaeróbico

É o valor correspondente a determinada intensidade de exercício em


que a concentração sanguínea de lactato apresenta um ponto de inflexão,
acumulando de forma mais intensa com ligeiros aumentos de intensidade do
exercício. O lactato é sempre gerado durante o exercício, entretanto esta
substância não é acumulada devido a metabolização pelo organismo. O
acúmulo ocorre quando o limiar anaeróbico é atingido. A intensidade do
exercício e o limiar anaeróbico podem ser tomados como base em medições
absolutas ou percentuais da VO2 máx (ml/kg/min), carga ou frequência
cardíaca. O limiar anaeróbico serve para entendermos em qual limite de
intensidade de trabalho praticado por um atleta há produção energética com
base no metabolismo oxidativo, por exemplo, acima do limiar anaeróbico a
queima de gordura passa a ser mínima, enquanto há consumo de reservas de
carboidratos, proteólise e uso da fosfocreatina como medida regenerativa de
ATP. Por outro lado, abaixo do limiar anaeróbico (exercício aeróbico) há
consumo das reservas de carboidratos, queima de gordura e em pequena
escala uso de proteínas e fosfocreatina para regeneração de ATP. O limiar
anaeróbico é treinável, sendo maior em atletas condicionados.

115
Exercício aeróbico

O exercício aeróbico por definição é aquele em que a produção


energética no organismo acontece pelo metabolismo oxidativo, ou seja, utiliza o
oxigênio como aceptor final de elétrons na cadeia respiratória. O exercício
aeróbico encontra-se abaixo do limiar anaeróbico e possui peculiaridades,
como a contração rítmica de grupamentos musculares específicos em um
intervalo de tempo, como por exemplo, andar, pular corda, correr, pedalar e
nadar.

O exercício aeróbico, excluindo seus interesses lúdicos é uma maneira


de consumir reservas energéticas, principalmente carboidratos e gorduras para
gerar calor e trabalho mecânico. Ocorrem modificações adaptativas ao
exercício relacionadas ao processo de saúde/doença, como por exemplo:
fortalecimento dos músculos envolvidos na respiração, hipertrofia do músculo
cardíaco, redução da glicemia e da pressão arterial, elevação do número de
hemácias, aumento compensatório no estoque de glicogênio muscular e
aumento no número de vasos sanguíneos no músculo.

Conforme abordado na Parte II do livro, o consumo prioritário no


exercício aeróbico é de glicose no metabolismo celular. A glicose passa pela
primeira etapa (glicólise) seguindo para o ciclo de Krebs e a fosforilação
oxidativa com a geração de 36-38 ATP. Conforme a glicose vai sendo

116
consumida, o glicogênio muscular vai sendo degradado e o glicogênio hepático
vai repondo a glicose no sangue para utilização. Ao mesmo tempo, porém em
menor escala, ácidos graxos vão sendo utilizados para a beta-oxidação e
devido o estímulo adrenérgico, vão sendo disponibilizados do tecido adiposo
para a circulação sanguínea.

O tempo até o esgotamento do glicogênio hepático é variável e depende


principalmente de fatores que influenciam os níveis prévios de estoque como a
dieta. Na média de 20 minutos de aeróbicos na faixa de queima de gordura
(70% da FCmáx), o glicogênio hepático se esgota e o organismo é forçado a
produzir energia pela beta-oxidação, a partir do uso da glicose obtida pela
gliconeogênese (obtenção de glicose a partir de aminoácidos, glicerol e lactato)
e pela utilização de corpos cetônicos. Durante a chamada cetose, o consumo
de gordura é máximo, mas também o catabolismo proteico é máximo. Esta
situação pode ser produzida, como já foi dito, em exercícios prolongados,
aeróbico após período de jejum prolongado (ex: ao acordar) ou em associação
com dieta cetogênica. Para evitar o catabolismo proteico podemos utilizar
suplementos protetores da massa magra, como por exemplo, o BCAA antes e
após o treino, evitar períodos prolongados de aeróbico (>1h) ou realizar
aeróbicos mais do que 3-4 dias na semana.

117
Muitos atletas preferem utilizar os exercícios aeróbicos quando estão em
redução de percentual de gordura, outros sempre realizam estes exercícios,
sobretudo após ou em horários diferentes do treino de pesos (pesos de dia e
aeróbico noite). Não existem evidências claras de que haja interação do
exercício aeróbico em reduzir os ganhos de hipertrofia muscular em nível
celular (aumento de AMPK e bloqueio ao mTOR?). Entretanto, o consumo do
glicogênio muscular certamente reduz o rendimento nos treinos de peso, até
por isso o fato do aeróbico ser realizado após. A vantagem em periodizar os
treinos de peso com treinos aeróbicos está no fato de que estratégias dietéticas
diferentes podem ser utilizadas e melhorar os resultados, seja da hipertrofia
seja da redução no percentual de gordura.

118
Capítulo 14 - Treinamento Resistido
Guilherme Almeida Rosa da Silva

“Se você quer algo que nunca teve, você precisa estar disposto a fazer algo
que nunca fez.”

Thomas Jefferson

Introdução

A grande máxima do treinamento resistido é que, apesar de sermos da


mesma espécie, reagimos ao estímulo do exercício de forma muito diferente.
Esta variabilidade é devida às características genéticas, padrões de fibras
musculares em grupamentos musculares diferentes, características da
nutrição, suplementação, uso de medicamentos e formas de descanso. Um
atleta deve testar as diferentes formas de treinar e encontrar o que melhor
funciona para ele. Mesmo assim, nem sempre o que funciona hoje continuará
funcionando amanhã. Apesar dos avanços no campo científico, o empirismo
ainda continua sendo importante arma para o desenvolvimento muscular.

As melhores técnicas em relação à quantidade e qualidade devem ser


testadas para cada atleta e estabelecidas em ordem para: número de
repetições/carga, tempo, intervalo de descanso, número de séries, tipo e
quantidade de exercícios, frequência de treinos.

Repetições

Uma repetição é um ciclo completo entre uma contração concêntrica


(positiva), ou seja, quando um músculo realiza uma contração muscular para
desempenhar sua função, pausa ou isometria, em que o músculo agonista não
muda de tamanho e uma contração excêntrica (negativa), quando o músculo
relaxa de forma controlada para terminar a repetição.

Conforme já foi dito, a repetição máxima (RM) é a quantidade máxima


de peso com que se consegue realizar uma repetição completa de um
exercício padronizado de levantamento de peso.

119
Uma pergunta frequente é: quantas repetições devem ser realizadas em
uma série? Com base no conceito de limiar anaeróbico, um treinamento
resistido deve ter carga acima de 65% da RM, o que resulta em no máximo 15
repetições em uma série. Quando a carga supera 85% da RM temos um
treinamento de força (<6 repetições) e quando ela permanece entre 65-85% da
RM temos um treinamento voltado para hipertrofia. Portanto, para o
desenvolvimento muscular, uma série deve conter no máximo 15 repetições e
no mínimo 6 repetições salvo excessões. Conforme o número de repetições
realizada em boa forma supera 12 repetições podemos dizer que a carga está
“leve” e se o número de repetições realizadas em boa forma é menor do que 6
repetições podemos dizer que está “pesada”. A composição do músculo em
relação ao tipo de fibras influi no número ideal de repetições. Fibras lentas
respondem a muitas repetições, fibras rápidas respondem a um número menor
de repetições. Cada indivíduo apresenta sua própria proporção de fibras lentas
e rápidas em cada grupamento muscular. Recentemente tem sido pesquisada
a capacidade de fibras lentas e rápidas serem intercambiáveis por meio de
respostas genéticas adaptativas ao tipo de exercício.

Tendo em vista que a RM é variável de um momento para o outro,


levando em conta o estado de descanso, o estoque de glicogênio muscular,
uso de medicamentos para ganho de desempenho e as reservas de
creatinofosfato, por exemplo, o desempenho em relação ao número de
repetições que se consegue fazer com determinada carga é variável de treino
para treino. Outros fatores também estão envolvidos, como por exemplo, em
exercícios compostos os grupos musculares menores são os primeiros a
falharem e limitam o número de repetições (exemplo: ao realizar um supino
reto o tríceps falhar antes dos peitorais limitando as repetições).

Tempo

Existe um conceito de que a contração concêntrica e excêntrica devem


ser ritmadas e controladas, sem movimentos explosivos. Assim como muitos
outros dogmas, este é mais um conceito que pode ser derrubado no
treinamento para desenvolvimento de músculos. A variável tempo pode e deve

120
ser explorada pelos atletas. O tempo de contração e o tempo total sob tensão
da musculatura em uma série afeta a forma como o sistema neurológico
estimula a placa motora, o tipo de fibras recrutadas, mas o estresse energético
da fibra muscular parece ser semelhante (metabolismo anaeróbico).

O tempo pode ser expresso em três dígitos, em que o primeiro é a


contração excêntrica, o segundo a isométrica e o terceiro a contração
concêntrica (ex: em uma rosca bíceps - 302, ou seja, 3 segundos para
contração de bíceps, 0 de pausa isométrica e 2 segundos de relaxamento do
bíceps).

Uma visão bioquímica do processo é que ao realizar contrações com


maior tempo, utilizamos e depletamos de maneira mais intensa e rápida a
fosfocreatina, glicogênio muscular e ATP gerando estímulo para via da AMPK.
Apesar de pouco fundamento científico, é esperado que treinos com maior
tempo de contração gerassem respostas adaptativas de aumento de força,
capacidade de estoque de glicogênio muscular e hipertrofia.

Uma estratégia inteligente seria utilizar um menor tempo de contração e


conforme a adaptação for ocorrendo ir reduzindo gradualmente o tempo de
contração e aumentar a carga. Outra estratégia discutível pela opinião de
muitos treinadores é a de que o tempo de contração seja variado entre
diferentes exercícios do mesmo grupamento muscular no mesmo treinamento.

Intervalo de descanso

Pouco é conhecido de forma científica sobre os intervalos de descanso


para recuperação. O que é empírico é que quanto maior o número de
repetições e menor a carga, menor deve ser o intervalo de descanso. O
descanso serve para regeneração de ATP, fosfocreatina e ligeiro aumento de
glicogênio muscular para sair do nível crítico, ou seja, quanto maior a
intensidade e esgotamento maior o tempo de descanso entre as séries.
Devemos considerar que deve haver uma recuperação neurológica e da placa
motora além da recuperação bioquímica energética. Caso haja um intervalo
fixo de descanso e de carga, o atleta irá notar que o número de repetições

121
realizadas em uma série irá cair e ele poderá determinar o momento de parada
quando essa queda for de 2-3 repetições. Outras opções são manter o
intervalo de descanso e reduzir a carga progressivamente para parar quando a
queda na carga for em torno de 20% ou ir aumentando o intervalo de descanso
para manter o rendimento nas séries e até mesmo elevar a carga
progressivamente.

Pela ciência, não fazemos a mínima ideia se devemos buscar uma


recuperação próxima da completa antes de reiniciar o ciclo ou se essa
regeneração deve ser apenas parcial para mantermos a alta intensidade. O
tempo de descanso pode variar de 30 segundos até 180 segundos (média de
60 segundos). A melhor resposta hoje seria: varie os intervalos de descanso de
acordo com a intensidade dos treinos e varie a intensidade dos treinos para
observar qual técnica funciona melhor em seu organismo.

Séries

Uma série é um conjunto de repetições consecutivas seguida de um


breve período de descanso e reinício dos exercícios ou término dos mesmos.
Quando séries para grupamentos musculares diferentes são realizadas
consecutivamente, sem descanso, chamamos de supersérie. Uma série
gigante acontece quando são realizadas séries em exercícios diferentes para o
mesmo grupamento muscular, sem descanso.

De acordo com o princípio da sobrecarga, menor número de repetições


deve levar a um maior número de séries, quanto maior o número de exercícios
menor o número de séries, quanto maior o grupamento muscular maior o
número de séries, quanto maior o nível do atleta maior o número de séries.
Existem atletas adeptos de treinos com muitas séries e os adeptos de treinos
com poucas séries.

Uma queda de 3-4 repetições em uma série de mesma carga após um


período de descanso deve sugerir que o grupamento muscular envolvido foi
bem treinado e que o atleta deve passar para o treino do próximo grupamento.
O atleta deve prezar pela qualidade das repetições e não realizar treinamento

122
de mais ou de menos. O tempo de contração concêntrica e excêntrica é
variável em até 10 segundos (média de 2-4 segundos). O tempo de descanso
entre as séries deve ser de 30 segundos até 180 segundos (média de 60
segundos).

Exercícios

Peitorais

“A técnica correta do supino deve ser praticada em cada repetição, de cada


série e de cada sessão de treinamento. Imagine que você está empurrando o
banco com as costas enquanto afasta o peso de você! Afaste o máximo que
puder!!! Desça controladamente até o final!! Não treine tão frequente e nem tão
pesado!! Se não progredir, procure uma musculatura acessória fraca!”

Louie Simmons

Apesar das muitas controvérsias, os peitorais talvez sejam mais bem


trabalhados quando estressados em diferentes angulações. Apesar de um
supino reto recrutar de maneira eficiente o peitoral maior, o uso de diferentes
angulações pode auxiliar recrutando diferentes unidades motoras não utilizadas
em uma inclinação específica. Para tal tarefa podem ser utilizadas séries
gigantes ou mesmo dando intervalo de descanso entre elas. Uma técnica
interessante é ir variando a inclinação do banco, adaptando a carga utilizada se
necessário em pelo menos três angulações. Após isso descanse em um
período mais prolongado (180 segundos) e reinicie o processo. Evite utilizar
aparelhos como o Smith. O Smith limita a liberdade de mobilização e com o
tempo enfraquece o manguito rotador podendo sobressair lesões de ombro. Ao
treinar peitorais dê a preferência para barras livres e halteres. Os halteres são
excelentes para evitar desenvolvimento de assimetrias provocadas ao levantar
um lado mais do que o outro em uma barra.

123
Costas

Um bom treino de costas deve contemplar pelo menos 4 movimentos


“puxar de cima, puxar de frente, puxar de baixo e abrir os braços contra
resistência”. A primeira grande dica é realizar treinamento de barras. Subir em
uma barra em boa forma apresenta estímulo neurológico e até liberação
hormonal superior a de um pulley, por exemplo. Em relação à carga é possível
reduzi-la com auxílio de bancos elevadores em aparelhos ou aumentá-la com
uso de caneleiras. A progressão de carga é um aspecto importante para o
desenvolvimento de costas. Tente variar as pegadas (fechada e supinada,
paralelas nos ombros, aberta nos ombros supinada ou aberta nos cotovelos
pronada) para recrutar a maior quantidade possível de unidades motoras deste
grande grupamento. Não esqueça dos trapézios.

Rotadores externos

Musculatura responsável por afastar os bíceps do corpo e rodando para


trás. Treinar esta musculatura que tem como principais vedetes o redondo
menor e o infraespinhoso possui os benefícios de proteger contra dores e
lesões de ombro, corrigir a postura colocando os ombros para trás, aumenta a
divisão muscular, dimensão e a simetria das costas proporcionando mais um
elemento para o formato em V do tórax.

Ao treinar os rotadores externos certifique-se que a carga não está muito


pesada, pois os rotadores externos são músculos pequenos e sujeitos a
lesões. Utilize um número grande de repetições, bem controladas e lentas e
não realize um número maior do que três séries por semana e não treine por
mais de um mês consecutivo sem dar um intervalo de pelo menos duas
semanas de descanso. Alongue os rotadores internos entre as séries. Após
cada ciclo de treinamento dos rotadores externos varie os exercícios.

124
Bíceps e Tríceps

É importante o uso racional e troca frequente de exercícios. O uso


racional deve ocorrer no sentido de treinar partes específicas do bíceps e as
três cabeças do tríceps trazendo volume e equilíbrio para todo o grupamento. A
troca frequente de exercícios pode ser realizada em blocos de duas semanas
para experientes e em um mês para iniciantes. As variações devem contemplar
as três cabeças do tríceps e a porção proximal, média e distal do bíceps, sendo
que talvez possa se constituir excesso o uso dois exercícios para mesma
porção, na mesma sessão de treinamento. A técnica de execução e a postura
alinhada das costas e dos ombros devem ser priorizadas em detrimento da
carga. Exercícios complexos e com maior carga devem ser executados
primeiro.

Ombros

Deltoides cheios e bem desenvolvidos são uma ferramenta fundamental


para o desenvolvimento do aspecto em V para homens. Ombros desenvolvidos
criam uma ilusão de cintura mais fina e braços mais volumosos. Apesar destas
vantagens, o treinamento de ombros é um refinamento do físico e utilizado
como ajuste fino das proporções. Da mesma forma que os ombros criam
ilusões favoráveis, podem fazer com que um grupamento essencial como os
peitorais pareçam pequenos. Outro fator importante é que o deltóide possui
três cabeças (anterior, medial e posterior) que devem apresentar equilíbrio e
serem inicialmente desenvolvidas por igual.

Um bom treino de ombros deve apresentar um exercício de elevação


lateral e um exercício de desenvolvimento. As especificações de repetições,
tempo, séries, intervalo de descanso de cada exercício deve ser estudada
individualmente com os conceitos já introduzidos. Devemos lembrar que os
deltoides são músculos pequenos e sensíveis ao overtraining. Para uma boa
recuperação é recomendado que os ombros sejam treinados a cada 5-10 dias
(em média a cada 7 dias).

125
A maioria dos atletas já realiza um excelente treino de deltoides
anteriores apenas com as rotinas de peitorais. Exercícios isolados para deltóide
anterior, como a elevação frontal, devem ser guardados para os trabalhos de
ajuste de proporções para evitar o overtraining da musculatura. Quando há
necessidade de ajustes no deltóide anterior, os exercícios específicos devem
ser praticados primeiro no treinamento e a quantidade de treino sobre os
peitorais deve ser reduzida.

Panturrilhas

As panturrilhas possuem uma aura mítica. Apesar de ser um


grupamento muscular escondido no dia a dia ele representa um símbolo de
poder nas estátuas clássicas, fascinação no público e nos árbitros de
fisiculturismo e às vezes é o terror dos próprios fisiculturistas. O
desenvolvimento das panturrilhas é visto por muitos atletas como uma tarefa
difícil. Há uma questão genética envolvida, tendo em vista que tendões curtos
podem proporcionar musculaturas volumosas.

Algumas dicas para desenvolver as panturrilhas são que os exercícios


devem ser totalmente amplos, joelhos firmes, com maior tempo de contração
concêntrica, pausa na posição alta de 2 segundos e especial atenção na
excêntrica (pelo menos 4 segundos cada).

Guardadas as individualidades, quando treinarmos o sóleo, devemos


utilizar altas repetições (>15 repetições) com número em torno de 5 séries e
quando treinarmos os gastrocnêmicos devemos utilizar (8-12 repetições) com
número de em torno 3 séries. Tal padrão se deve a diferente característica de
tipos de fibras musculares nestas duas musculaturas.

Abdômen

Uma musculatura abdominal definida é certamente um dos atributos


físicos mais chamativos no senso comum. A primeira lição sobre o abdômen é
que para que estes fiquem visíveis o atleta deverá estar com um baixo

126
percentual de gordura. O segundo ponto é que para fazer com que o reto
abdominal hipertrofie de maneira ótima há a necessidade de hiperextensão a
15º e contração a 30º, ou seja, não treine com o dorso contra uma superfície
reta. Outra dica é que a musculatura abdominal é formada em grande
percentual de fibras rápidas devendo ser treinada com um número de 6-12
repetições em 2-3 séries e buscando progredir a carga e realizar mudanças no
tempo. Um importante recado é que os abdominais devem ser estressados em
diferentes ângulos (supra, infra e oblíquos). Os abdominais devem ser
treinados em média a cada 5-7 dias.

Antebraço

Os antebraços são treinados geralmente em períodos de ajustes finais


das proporções. Durante os treinamentos de rotina os antebraços acabam
sendo treinados dentro de exercícios compostos. A flexão do punho com barra
e extensão do punho com barra são os dois principais exercícios específicos
para treinamento de antebraços. Dicas importantes são referentes ao fato dos
antebraços serem musculaturas pequenas e usadas em exercícios compostos,
sendo susceptíveis ao overtrainning. Outra questão é a recomendação de
exercícios bem controlados contraindo a musculatura em toda sua área e
utilizando tempos mais prolongados (em torno de 3 a 4 segundos).

Stomach Vacuum

O stomach vacuum é a técnica utilizada para contração e fortalecimento


do músculo transverso do abdômen com o objetivo de tornar a circunferência
abdominal mais fina e, com a contração, um abdômen de aspecto negativo.
Para realizar o stomach vacuum, o indivíduo deve apresentar um baixo
percentual de gordura, ter a musculatura transversa abdominal treinada e não
apresentar visceromegalia abdominal ou excesso de gordura visceral. A
visceromegalia abdominal é vista no fisiculturismo profissional atual devido ao
excesso de uso de insulina e hormônio do crescimento, dando o aspecto de
abdômen dilatado.

127
Frank Zane - stomach vacuum

Os exercícios propostos são vários, por exemplo:

Permanecer em decúbito ventral contra o solo e braços esticados acima


da cabeça, ou de joelhos e com as palmas das mãos tocando o solo, ou
sentado com as mãos na coxa ou em pé com uma mão sobre o abdômen e
outra na lombar. Com o abdômen voltado ao solo encolha-o o máximo possível
permanecendo nesta posição (isometria) que não consiga mais. Durante o
exercício o indivíduo pode utilizar o recurso de forçar completamente o
abdômen para fora e encolhe-lo rapidamente. O indivíduo não deve respirar,
mas é permitido expirar lentamente. Esse procedimento deve ser repetido de 3-
5 vezes todos os dias ou dia sim dia não.

128
Técnica de exercício para stomach vacuum

Duração do treino

“Se o seu treino precisa durar mais de 60 minutos é porque você está fazendo
amigos e não treinando.”

Treinos com duração superior a 60 minutos possuem efeito depressor


nos níveis de testosterona e aumentam o cortisol. Caso haja necessidade de
um grande aumento no volume de treino seria interessante aumentar a
frequência de treinos e não a duração. Muitos atletas inclusive treinam até mais
de uma vez ao dia. Cabe ressaltar que o uso de medicações anabólicas
suplanta qualquer possível queda fisiológica de testosterona, tendo em vista
que a produção não é endógena.

Frequência

“Não existe sentido em voltar para academia se não for para fazer progresso.”

Charlie Francis

A frequência de treinos é uma variável importante. Treinos muito


intensos e desgastantes em termos energéticos necessitam de menor
frequência e maior tempo de recuperação. Treinos volumosos geralmente
necessitam de uma frequência de treino maior. A frequência de treino deve ser

129
um parâmetro a ser ajustado e testado de forma que haja ganho de
desempenho em variáveis mais básicas como qualidade e quantidade de
repetições e carga. Se o estímulo dado pelas variáveis repetição, carga,
intervalo de descanso, número e tipos de exercícios estiverem adequados e
não esteja ocorrendo ganho de desempenho é possível que a frequência de
treino esteja muito alta (overtraining) ou muito baixa (undertraining). Nesta
busca, um treinador vai acabar encontrando extremos de atletas que
necessitam de muitos treinos e outros que necessitam de menos. Cabe lembrar
que a recuperação é afetada pelo tipo de grupamento muscular treinado (ex:
panturrilhas necessitam de alta frequência de treino), tipo de exercício
(exercícios compostos como agachamento necessitam de menor frequência de
treino), pela qualidade da alimentação, suplementação, descanso e uso de
medicamentos. Uma boa dica é começar com menos e aumentar a frequência
gradativamente. O uso de anabólicos propicia um aumento de frequência nos
treinos.

Intensidade

Não há dúvidas que a palavra “intensidade” vende métodos, livros,


revistas e vídeos. É uma palavra poderosa que na física significa maior
quantidade de trabalho em um curto espaço de tempo, ou seja, levantar a
maior carga possível em um menor espaço de tempo, que significa uma
repetição. Por incrível que pareça, na letra fria da definição o treino de maior
intensidade seria realizar 1 RM e só! Treinos de alta intensidade seriam treinos
com carga elevada e menor número de repetições, séries e exercícios
perfazendo um menor tempo de treinamento (treine forte e treine rápido!).
Treinos de baixa intensidade ou alto volume seriam treinos com carga
comparativamente menor em relação ao treino de alta intensidade, número
maior de repetições, séries, exercícios, ou seja, um treino mais prolongado.

Uma visão crítica aprofundada mostra que “intensidade ou morte!” não é


algo científico a ser dito. O melhor seria nos perguntarmos em que nível de
intensidade obteremos maior resultado naquele exato momento de treino.

130
Capítulo 15 - Periodização e Descanso
Guilherme Almeida Rosa da Silva

"O tempo foi algo que inventaram para que as coisas não acontecessem todas
de uma vez."

Autor desconhecido

Periodização

A periodização nada mais é do que um planejamento de treino. Como


qualquer planejamento ele deve ser pensado em longo, médio e curto prazo.
Todo planejamento em qualquer área do saber deve cumpri três fases:
Objetivos bem definidos, formulação de estratégia e implementação da
estratégia.

Em relação aos objetivos, os principais no fisiculturismo são a hipertrofia


muscular, trabalho de simetria e redução do percentual de gordura. Cada item
citado deve ser trabalhado, na maioria das vezes nesta ordem, individualmente
por um período de semanas, geralmente completando um ciclo que pode ser
anual ou até a data da realização de uma competição.

Deve fazer parte da formulação da estratégia a realização de: avaliação


antropométrica completa, avaliação médica de saúde e acompanhamento de
overtraining antes e após o período dedicado a um objetivo específico, deve
existir um cronograma estipulando os dias de cada treinamento e a prescrição
completa dos exercícios a serem realizados (ficha de treino), ficha de dieta,
suplementação e uso de medicamentos.

Em relação a implementação do planejamento, cabe dizer que deve ser


o mais fidedigno possível, com rotinas quase monótonas e muita paciência.
Deve haver vigilância quanto ao ganho insuficiente de desempenho, que em
algumas situações obriga a uma mudança de planejamento e consciência de
possíveis percalços como lesões, doença e compromissos sociais inadiáveis.

131
Detecção de Fraquezas e equilíbrio geral da musculatura

Uma avaliação do equilíbrio geral da musculatura deve ser feito a cada


dois meses para que os pontos fracos sejam reforçados. Esta avaliação em
busca de áreas de fraqueza pode ser realizada pelos olhos de um avaliador
experiente e/ou através de medidas antropométricas mais detalhadas.
Conforme já foi mencionado em capítulos anteriores, existem tabelas que
podem guiar em relação a proporção e equilíbrio de medidas, entretanto a
verdadeira estética está nos olhos do homem. É bom lembrar que as áreas de
fraqueza conseguem ser desenvolvidas, em geral, de maneira mais rápida do
que áreas já bem treinadas. Exercícios específicos e concentrados para
musculaturas subdesenvolvidas devem ser aplicados e incluídos no
planejamento.

Descanso

Não existem muitas evidências científicas que suportem uma prescrição


de descanso precisa. A avaliação de quais grupamentos devem ser treinados
em conjunto em um mesmo treino, quantos dias de folga devem ser dados
entre treinos, quantas vezes na semana um grupamento deve ser treinado e a
necessidade de folgas contínuas, como uma semana sem treino são baseadas
no empirismo com um quê de conhecimento científico.

Primeiramente vamos analisar situações de maior certeza. Uma boa


estratégia é avaliar os grupamentos isoladamente. Pense em quanto tempo
após um treino de alta intensidade de peitorais será necessário para que o
estímulo sobre mTOR ceda, a síntese proteica tenha seu estímulo diminuído e
o glicogênio muscular seja reestabelecido em níveis máximos. Em condições
ideais este tempo deve girar em torno de 72h. A maioria dos atletas avançados
opta por intervalos de 5-7 dias.

Agora pense em um grupamento menor como os ombros. Uma primeira


conclusão é que grupamentos menores estão mais susceptíveis ao overtraining
do que grupamentos maiores, justamente por eles funcionarem como

132
acessórios em exercícios não isolados e pela tendência de excesso de treino
promovida por alguns atletas. Um indivíduo que treina peitorais todas as
segundas e tríceps todas as quartas na verdade pode estar treinando tríceps
duas vezes na semana, pois em um supino reto, por exemplo, os tríceps
trabalham como musculatura acessória. Será que o tempo de recuperação do
tríceps foi adequado? Por outro lado existem musculaturas que são muito
resistentes ao overtraining como as panturrilhas. Estas podem ser treinadas
mais de uma vez na semana, por exemplo.

Então podemos repetir: para avaliar a divisão da série é importante


avaliar a recuperação de cada grupamento isoladamente e a interação entre
grupamentos nos treinos. Isto torna o programa de treinos individualizado.

Em relação a pausas de uma semana ou mais dos treinos é interessante


uma avaliação clínica e laboratorial dos marcadores do estresse físico e
overtraining a serem discutidas na última parte do livro.

133
Parte V (Farmacologia e
Suplementação)

134
Capítulo 16 - Suplementos Anabólicos e Protetores da
Massa Magra

Guilherme Almeida Rosa da Silva

“Os grandes homens não nasceram na grandeza, engrandeceram”.

Mario Puzo

Introdução
Os suplementos anabólicos e protetores da massa magra são
ingredientes úteis tanto em dietas para bulking, com o propósito de fornecer
substrato e também sinalização para hipertrofia muscular, quanto para dietas
de cutting, protegendo da perda de massa muscular. São suplementos
amplamente estudados e com evidências científicas mais sólidas sobre sua
utilidade. Neste capítulo vamos estudar os suplementos fontes de proteínas
(whey protein, caseína e albumina), as propriedades funcionais de aminoácidos
específicos (BCAA, leucina isolada, HMB, glutamina, beta-alanina e carnosina)
e a creatina.

Whey protein

O whey protein é a proteína do soro do leite produzida no processo de


fabricação do queijo. O soro do leite ainda é uma composição muito hidratada,
em torno de 95% de água, sendo necessário um processo de microfiltração e
ultrafiltração para gerar concentração das proteínas. As características
marcantes do whey protein como suplemento é a baixa quantidade de
carboidratos e gorduras em conjunto com a grande quantidade de proteína de
alto valor biológico (AVB), inclusive superior a proteína padrão (ovo), e rica em
BCAA e glutamina.

135
Tipos:

Isolada – Whey protein com concentração em torno de 95% de proteínas e de


maior custo por passar por processos de filtração e troca iônica. Útil em dietas
pobres em carboidratos como as cetogênicas. Tempo de absorção em torno de
30-60 minutos.

Concentrada – Whey protein de menor custo, pois passa por um processo


simples de filtragem resultando em concentrações entre 70-80% de proteínas.
Possui quantidade de carboidratos que ficam em torno de 5g por porção de
30g. Tempo de absorção em torno de 60-90 minutos.

Hidrolisada – Whey protein que passa por processo de filtragem minucioso e


por hidrólise de proteínas em peptídeos aumentando a velocidade de absorção.
Tempo de absorção em torno de 15-30 minutos.

Algumas marcas de whey protein fornecem misturas dos três tipos


descritos. O whey protein deve ser tomado com água para não alterar a
velocidade de absorção, a digestibilidade e por consequência o valor biológico,
podendo ser acrescido de carboidratos de alto IG, como a maltodextrina, e
também em conjunto com a creatina de acordo com os objetivos programados.
Uma característica do whey protein é a praticidade de uso devido a fácil
solubilidade em água, necessitando apenas de batidas no copo com a colher e
o sabor que vai do tolerável ao agradável. A quantidade e frequência no uso
também são variáveis, 30-50g por dose, levando em conta a quantidade total
de proteína a ser ingerida conforme a dieta e a capacidade digestiva do
indivíduo.

Os horários estratégicos são: ao acordar para interrupção do


catabolismo, pré-treino respeitando o tempo de absorção para proteção da
massa magra durante o exercício, pós-treino para amplificar a sinalização
muscular para o anabolismo e iniciar o fornecimento de substrato para síntese
proteica. A chegada dos aminoácidos do whey protein à circulação sanguínea
pode continuar por até 3h. Alguns profissionais aconselham que o whey protein
pode ser útil ao deitar misturado com o leite integral (lentificação da absorção).

136
Apesar do inconveniente da redução da digestibilidade, a presença da gordura
e carboidratos do leite pode fornecer substrato para o anabolismo durante o
sono e cobertura da fase de jejum. Neste caso específico é preferível a
utilização de proteínas mais baratas, de absorção e liberação mais lenta como
a caseína ou albumina.

Posologia: whey protein 30g VO com água ao acordar, pré-treino, pós-treino


(à critério).

Caseína

A caseína é a proteína mais abundante do leite (80%), sendo o restante


das proteínas (20%) basicamente correspondendo a proteína da composição
do whey protein. A caseína é formada por proteínas grandes e complexas, o
que aumenta o tempo de absorção. Justamente, este maior tempo de absorção
é uma das propriedades mais importantes da caseína. Tendo em vista que o
whey protein é utilizado em momentos estratégicos em que a rápida absorção
é necessária, a caseína passa a ser importante em períodos em que o jejum
será prolongado, como o antes de dormir ou para liberação gradual durante o
dia quando ingerida ao acordar. O sabor geralmente vai do tolerável ao
agradável e a solubilidade é ligeiramente menor que a do whey protein. O
tempo de absorção da caseína é de em torno de 120 minutos, com seus
aminoácidos alcançando a circulação por até 7h.

Quanto à composição, a caseína é especialmente rica em glutamina


(20%), possui uma boa quantidade de BCAA e possui uma alta relação
tirosina:triptofano. Esta relação gera uma resposta estimulatória e excitatória do
sistema nervoso central protegendo da chamada fadiga central.

Posologia: 30-60g de caseína VO com água ou leite desnatado ao deitar e/ou


acordar (à critério).

137
Albumina

A albumina é obtida a partir da proteína da clara do ovo desidratada. É


produzida também pelo fígado humano com o objetivo de manter a pressão
osmótica no intravascular e carrear substâncias hidrofóbicas no plasma
sanguíneo. É uma fonte de proteína mais barata que o whey protein e a
caseína, tendo sua principal característica a absorção lenta, útil em períodos
em que o jejum será prolongado, como no horário antes de dormir ou para
liberação gradual durante o dia quando ingerida ao acordar. A albumina é uma
fonte proteica de difícil solubilidade em água, necessitando de liquidificador,
com odor e sabor desagradável, sendo que os diversos fabricantes tentam
contornar essa característica com sabores artificiais.

Quanto a composição, a albumina é rica em BCAA, glutamina, ácido


aspártico, vitaminas do complexo B, ferro, fosfato e potássio. Em relação às
desvantagens, a albumina pode gerar flatulência e por ser rica em sódio, pode
aumentar a pressão arterial e gerar retenção hídrica. A flatulência pode ser
consequência da baixa digestibilidade da fonte proteica por uma hipocloridria
subjacente. Devemos evitar que grandes refeições proteicas sejam feitas com
o estômago em ambiente alcalino, para isto podemos utilizar cápsulas de
enzimas digestivas, HCl, vinagre ou mesmo limão para aumentar a acidez
estomacal e a digestibilidade das proteínas. Lembramos que um profissional
médico deve ser consultado nestas estratégias para evitar catástrofes como
úlcera péptica. O tempo de absorção da albumina é de em torno de 120-180
minutos, com seus aminoácidos alcançando a circulação por até 7h.

Posologia: 30-60g de albumina VO com água ou leite desnatado ao deitar


e/ou acordar.

Aminoácidos de Cadeia Ramificada (BCAA)


Os BCAA (isoleucina, leucina e valina) são aminoácidos que fazem parte
do grupo de nove aminoácidos essenciais e que constituem praticamente um
terço da estrutura molecular das proteínas das fibras musculares. Possuem
atividade anti-catabólica e anabólica, sendo indicados em períodos estratégicos

138
como ao acordar, pré-treino e pós-treino. Outro possível benefício seria a
redução na fadiga central induzida pelo exercício, pois o BCAA compete com o
triptofano no transporte do sistema nervoso central reduzindo a síntese de
serotonina, envolvida neste fenômeno.

As fontes proteicas naturais como as carnes e suplementares como o


whey protein são ricos em BCAA. A suplementação promove um controle maior
sobre a dose, garantindo absorção rápida e eficaz nos períodos estratégicos já
citados.

Posologia: Consumir em torno de 5g de BCAA VO nos períodos estratégicos


(pré-treino e pós-treino).

Leucina

A leucina é o BCAA cuja função isolada é mais estudada. É vista como


um agente protetor da massa muscular e estimulador do anabolismo via
estimulação do mTOR. Conforme já foi dito, a via do mTOR é um ponto central
na sinalização anabólica e confluente aos estímulos de IGF-1 local na via da
fosfoinositol-3-quinase e na indução de proteínas iniciadoras da síntese
proteica (S6K1 e 4E-BP1). Assim como os outros BCAA, os níveis de leucina
caem no plasma e no intracelular após o exercício físico. A melhor forma de
administração seria em conjunto com uma porção adequada de proteínas,
carboidratos de alto IG (opcional) para estímulo à captação de aminoácidos e
liberação de insulina e carboidratos de baixo IG para recomposição dos
estoques de glicogênio. A leucina pode ser suplementada sob a forma de
leucina isolada, cápsulas de BCAA ou dentro da composição de um bom whey
protein.

Posologia: 2,5-5g de leucina isolada VO preferencialmente após o exercício.

139
HMB (beta-hidroxi-beta-metilbutirato)

O HMB é um derivado do metabolismo da leucina com ação sobre a via


de mTOR e com propriedades protetoras da massa magra e sinalizadoras para
hipertrofia muscular. O metabolismo da leucina gera o HMB (5%), α ceto-
isocaproato (KIC) e o isovaleril-CoA. O HMB parece ser a substância mais
potente da via para proteção de massa magra. Por esta razão o HMB é
recomendado em dois momentos estratégicos (pré-treino e pós-treino). Existem
algumas evidências que o HMB pode auxiliar também no ganho de força e no
aumento da oxidação de ácidos graxos, favorecendo a queima de gordura.

Posologia: 1g de HMB VO pré-treino e 2g VO pós-treino.

Glutamina

A glutamina é o aminoácido livre de maior quantidade no ambiente


intracelular e extracelular. É um aminoácido não essencial dito condicional, ou
seja, é capaz de ser sintetizado pelo organismo, porém em situações de
estresse intenso pode ocorrer uma deficiência relativa. O principal tecido de
síntese, estoque e liberação de glutamina é o tecido muscular esquelético. A
síntese da glutamina no músculo esquelético ocorre pela conversão do
glutamato, obtido a partir da circulação sanguínea. O glutamato é responsável
por 40% da síntese de glutamina. Outra fonte de obtenção é através das
reações de transaminação, conversão de aminoácidos obtidos pela
degradação das proteínas musculares.

A glutamina desempenha diversas funções importantes no organismo,


dentre elas: síntese de ácidos nucleicos, nucleotídeos, síntese proteica e de
glicoproteínas, atua no controle ácido-base, detoxicação da amônia e como
substrato na gliconeogênese e para células imunológicas e intestino. O
glutamato atua na síntese do neurotransmissor GABA, gliconeogênese, ciclo
da ureia e síntese do antioxidante glutationa. No sangue, a concentração de
glutamina é em torno de 500-700µmol/L.

140
Posologia: Em torno de 5g de glutamina administrados durante treinamentos
extensos e/ou após os treinos e exercícios.

Beta-alanina

A beta-alanina é um isômero de posição do aminoácido alanina. A beta-


alanina não participa na síntese de nenhuma proteína ou enzima importante,
sendo um precursor regulador e limitante da carnosina. O aumento na ingestão
de beta-alanina aumenta a disponibilidade de carnosina no organismo de forma
eficaz, mais barata e viável. Um dos efeitos colaterais descritos é o prurido e
parestesias em extremidades.

Posologia: Suplementação entre 400-800mg de beta-alanina VO 3x/dia


aumentando de 20-200% na concentração de carnosina.

Carnosina

A carnosina é um dipeptídeo formado pela beta-alanina e l-histidina.


Possui função de tampão ácido-base, antioxidante, protetor do processo de
glicação e quelante de metais. Sobretudo sobre sua função tampão, a
carnosina permite maior resistência à dor gerada pelo ácido lático aumentando
a resistência ao exercício anaeróbico. O aumento da resistência ao exercício

141
anaeróbico propicia um maior estímulo adaptativo e consequente ganho em
termos de hipertrofia muscular e desempenho. A melhor forma de modular as
concentrações de carnosina é suplementar na forma de beta-alanina, pois
como parte da carnosina ingerida é hidrolisada, seria necessária a ingestão de
altas doses para atingir uma dose eficaz.

Posologia: 3-7g de carnosina VO por dia.

Creatina

A creatina talvez seja um dos suplementos mais populares, estudados e


de uso mais difundido no esporte. A creatina é um tripeptídeo (arginina,
metionina e glicina) integrante do composto fosfocreatina, que possui a função
de regenerar ATP doando um fosfato ao ADP via ação da enzima
creatinofosfoquinase (CPK). A regeneração de maneira rápida do ATP, sem
necessidade de síntese pelas vias da respiração celular, é útil em células cuja
demanda metabólica deve ser suprida prontamente (ex: células musculares).

Em exercícios muito intensos e em metabolismo anaeróbico, a creatina


pode suprir a maioria da demanda energética por até em torno de 10
segundos, quando ocorre queda do sistema. A suplementação de creatina para
níveis ótimos pode ampliar essa margem de funcionamento, representando
ganho de desempenho. A creatina é sintetizada pelo organismo, mas como
está amplamente presente na musculatura, sua fonte natural de obtenção é a
carne.

142
Uma das principais preocupações sobre a creatina é a biodisponibilidade
a partir da alimentação. Por se tratar de um tripeptídeo, há um receio de que as
peptidases inutilizem grande parte da creatina ingerida. Tal fato encontra
plausibilidade biológica, entretanto estudos demonstram que a suplementação
de creatina é capaz de aumentar as concentrações de creatina intramuscular,
ou seja, ocorre disponibilização eficaz pela suplementação. Formas
monohidratadas micronizadas reduzem a aglomeração do composto, reduzindo
o diâmetro e facilitando sua absorção.

Além da ação regeneradora do ATP, a creatina possui atividade


osmótica retendo água associada no ambiente intracelular e aumentando o
tamanho da fibra muscular, melhora a atividade glicolítica pelo tamponamento
de ácido, melhora o processo de relaxamento muscular pela ação na bomba
sarcoendoplasmática de cálcio e aumento no glicogênio intracelular. Ainda são
estudados efeitos da creatina sobre as células satélites (hiperplasia) e sobre
proteínas reguladoras da hipertrofia muscular.

Posologia: Saturação – A saturação de creatina seria o tempo que o


organismo levaria até alcançar uma concentração ótima dentro da fibra
muscular. Em média, ao utilizarmos 5g de creatina 4x/dia, o organismo levaria
em média 5 dias para saturação, 3g de creatina 4x/dia levaria 10 dias e 3g de
creatina 1x/dia levaria 20 dias. O protocolo a ser utilizado deve levar em
consideração as individualidades. Manutenção – utilizar 0,1g de creatina/kg de
massa magra 1x/dia. Doses maiores ou menores podem ser utilizadas de
acordo com acompanhamento do indivíduo e levar em consideração a

143
obtenção de creatina pela dieta, como por exemplo, em atletas que consomem
grande quantidade de carne.

Betaína

A betaína ou trimetilglicina é um derivado do aminoácido glicina obtido


pelo organismo a partir da hidrólise da colina, que participa de reações
metabólicas vinculadas a metionina sinalizando para síntese proteica e também
como intermediário na reação de síntese da creatina endógena. A forma mais
frequente de suplementação é em combinação com a colina e metionina.
Parece ter papel regulador reduzindo a concentração de cortisol e aumentando
a síntese de óxido nítrico, com resultados promissores tanto na redução do
percentual de gordura quanto no ganho de massa muscular.

Posologia: betaína 500mg, metionina 100mg e citrato de colina 1000mg 2


flaconetes antes e 1 depois do treinamento.

144
Capítulo 17 - Hormônios Androgênicos e Anabolizantes

Guilherme Almeida Rosa da Silva

"Somente duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana, e eu não


estou seguro sobre a primeira."

Albert Einstein

Atenção:

Este capítulo possui objetivo apenas informativo e científico


voltado para profissionais da área de saúde, não constituindo de forma
alguma apologia ao uso dos anabolizantes.

O uso dos anabolizantes é comum em pacientes com caquexia


grave, tal como pacientes com AIDS, cirrose hepática e neoplasias, assim
como por alguns atletas profissionais descobertos em exames anti-
doping. É importante para todos que lidam com o esporte conhecerem
como atletas que relataram doping utilizavam os hormônios. O uso de
anabolizantes por atletas amadores, ainda que por endocrinologistas com
experiência com estes medicamentos possui potencial de risco à saúde.
Cada país possui órgãos reguladores e códigos de ética profissionais
específicos que devem ser respeitados e transgressões são passíveis de
responsabilização judicial.

Aromatase

Os estrogênios são parte de uma terminologia geral utilizada para tratar


os hormônios responsáveis pelos caracteres sexuais femininos. São
produzidos no ovário da mulher durante o ciclo ovulatório e também a partir da
conversão de androgênios adrenais pela ação da aromatase. No homem, sua
principal gênese ocorre devido a conversão de androgênios testiculares e
adrenais pela ação da aromatase. O estradiol é produzido a partir da
aromatização da testosterona, a estrona a partir da aromatização da

145
androstenediona. O estriol é um subproduto da degradação da estrona,
principalmente em grávidas. Os efeitos estrogênicos indesejáveis são a
ginecomastia, retenção líquida, redistribuição de gordura em padrão ginecóide,
tendência à tromboses e varizes.

A aromatase é uma enzima da família do citocromo P450 expressa em


muitos tecidos, tais como gordura subcutânea, ossos, fígado, mama, sistema
nervoso central e musculatura. Ela cataliza reações de hidroxilação
convertendo androstenediona em estrona e testosterona em estradiol.
Raramente existem pessoas que possuem excesso ou deficiência desta
enzima e de forma frequente existem pessoas com maior ou menor poder de
ação das aromatases devido aos polimorfismos genéticos e por consequência
possuem maior ou menor tendência à conversão de androgênios em
estrogênios. Uma maior tendência de conversão de androgênios em
estrogênios pode tornar um indivíduo particularmente suscetível ao
desenvolvimento de efeitos estrogênicos relacionados aos anabolizantes
aromatizáveis. Da mesma forma, os polimorfismos dos receptores do
estrogênio podem proporcionar uma maior ou menor sensibilidade do indivíduo
aos efeitos da presença do hormônio feminino.

A aromatase pode ser inibida irreversivelmente pelo exemestano 25mg


VO/dia e de forma reversível pelo anastrozol 1mg VO/dia e letrozol 0,25-0,5mg
VO/dia. Existem diferenças em termos de resultados em relação a estes três
146
inibidores da aromatase, dentre os quais o letrozol parece ser o mais potente.
De forma natural, a aromatase pode ser inibida fracamente pela ação da
vitamina E 400-800 UI VO/dia, catequinas, como as presentes no chá verde e
pelo resveratrol 500mg VO 1x/dia.

5-alfa redutase
A 5-alfa redutase é uma enzima que catalisa a conversão de
testosterona em DHT, principalmente na pele, folículo piloso, próstata,
vesículas seminais e epidídimo. A DHT é um androgênio 5-10 vezes mais
potente que a testosterona ao estimular o receptor androgênico. Polimorfismos
da 5-alfa redutase e do receptor androgênico podem gerar indivíduos com
maior ou menor tendência a androgenização. Uma maior estimulação por
anabolizantes de característica androgênica pode cursar com efeitos
indesejáveis como acne, hiperssexualidade, irritabilidade, pele oleosa e
calvície. Por outro lado a androgenicidade confere maior tônus ao músculo
dando um aspecto rígido e modelado, sobretudo quando o percentual de
gordura está baixo. Devido a esta característica, muitos fisiculturistas exploram
a androgenicidade nas últimas semanas de preparação para os concursos.

A 5-alfa redutase pode ser inibida pela finasterida 1mg VO 1x/dia


(redução de 70% de DHT em seis meses) e pela dutasterida 0,5 mg VO 1x/dia
(redução de 94% de DHT em 4 meses). Entre os inibidores naturais estão o
Saw palmetto 160-320mg VO/dia, Carthamus tinctorius (óleo de Cártamo 1g
VO 2x/dia), Polygonum multiflorum 610-675mg VO 2x/dia.

147
Sexual Hormone Biding Globulin (SHBG)

O SHBG ou sexual hormone binding globulin é uma proteína produzida


pelo fígado que transporta os estrogênios e os androgênios, os últimos com
maior afinidade. Em conjunto com o transporte secundário pela albumina e pela
transcortina, cerca de 1-2% dos hormônios sexuais são encontrados na forma
livre. Os níveis de SHBG podem aumentar ou reduzir a partir de muitos fatores,
entretanto a fração livre dos hormônios permanece com uma pequena faixa de
variação devido o equilíbrio reacional. Alguns anabolizantes com o Proviron®
são capazes de se ligarem competitivamente com a SHBG e aumentar a fração
hormonal livre quando aplicada de maneira exógena.

17-alfa alquilados

Os derivados anabolizantes dos androgênios também estão disponíveis


para serem tomados por via oral. Um dos problemas neste processo é o
fenômeno de primeira passagem hepática, ou seja, o que é absorvido no
intestino passa primeiro pelo fígado antes de ganhar a circulação sistêmica.

O fígado é um órgão que possui como uma de suas funções a


detoxificação. Neste caso, medicamentos como os derivados anabolizantes
dos androgênios são degradados pela primeira passagem. Para evitar que
grande parte dos medicamentos consumidos por via oral seja degradado, são
inseridos em suas moléculas um grupo metil no carbono de posição 17-alfa,
que protege o medicamento da degradação, mas gera reações danosas ao
fígado para metabolização gerando hepatotoxidade.

Testosteronas

propionato de testosterona (Testogar®)

Testosterona com relação anabólico/androgênica de 100:100 anexada a


um ester de cadeia curta com três carbonos, propiciando uma menor meia-vida
e consequentemente necessidade de maior número de aplicações. As

148
testosteronas em geral possuem efeito de aumento da síntese proteica,
aumento da produção de IGF-1 local no músculo, redução do efeito catabólico
do cortisol e aumento nos níveis intracelulares de fosfocreatina. Uma
desvantagem é a queixa frequente de inflamação no local da aplicação,
formação de abscessos por má técnica de aplicação e até mesmo uma febre
baixa. Uma vantagem do propionato de testosterona é o menor grau de
retenção líquida, o que proporcionaria benefícios para realização de ciclos com
ganhos limpos. Para mulheres que relatam a utilização de testosterona, apesar
das desvantagens, o propionato de testosterona parece ter sido uma opção
tendo em vista que seus níveis podem ser rapidamente ajustados de acordo
com o grau de virilização. Os efeitos colaterais são os universais das
testosteronas. A dose padrão relatada é aumentada de acordo com os
objetivos e resposta abrangendo de 50-100mg a cada 2-3 dias (homens) e 25-
50mg a cada 5-7 dias (mulheres).

Em relação aos stacks, o propionato de testosterona possui relatos


combinado com Dianabol®, Anadrol50® e Deca-Durabolin®. Outras opções,
inclusive para mulheres, foram os stacks com agentes pouco ou não
aromatizáveis como a oxandrolona, estanozolol e Primobolan®. Uma terceira
droga não aromatizável é adicionada para aumentar os ganhos como o
Halotestin® ou a trembolona. Meia-vida: 2 dias.

cipionato de testosterona (Deposteron®) e enantato de testosterona


(Testenat®, Ciclo-6®)

Testosteronas intercambiáveis com propriedade anabólicas e


androgênicas na relação 100:100. O cipionato de testosterona é relatado por
seus usuários como um medicamento de maior retenção líquida quando
comparável ao enantato de testosterona, porém indiscernível. Possuem
biodisponibilidade suficiente para manter os níveis de testosterona por 14 dias.
Como todas as testosteronas, podem gerar efeitos estrogênicos indesejáveis
por aromatização e androgênicos por 5-alfa redução. Dose usual 200(250-300)
mg IM 1-4x/semana. Possibilidades de stacks são realizadas com Dianabol®
ou Anadrol50® para ganhos dramáticos de musculatura ou Deca-Durabolin®

149
ou Equipoise® em ciclos anabólicos potentes e de menor risco. Meia-vida: 6
dias.

testosterona blend (Sustanon®, Durateston®)

Mistura de testosteronas, propionato de testosterona (30mg);


fenilpropionato de testosterona (60mg); isocaproato de testosterona (60mg) e
decanoato de testosterona (100mg). As duas primeiras formas são de ação
rápida (4 dias) e as duas últimas de ação mais lenta (2-3 semanas). Existem
outros blends como o Omnadren®, trocando o decanoato pelo carpoato de
testosterona. Como todas as testosteronas, apresentam problemas com
aromatização, ação androgênica e anabólica 100:100. Possui relatos de
utilização em doses de 250mg IM 1-4x/semana. Meia-vida: 14 dias.

undecanoato de testosterona (Andriol®)

O Andriol® é a única testosterona oral disponível. Sua apresentação é


de cápsula com conteúdo oleoso com 25mg de testosterona. Devido a
oleosidade do composto, não há necessidade de ser um 17-alfa alquilado,
sendo absorvido pelo sistema linfático e evitando o fenômeno de primeira
passagem. Uma desvantagem é que a ingestão de menos de 6 cápsulas ao dia
não parece surtir algum efeito. A ingestão de 8-10 cápsulas possui efeito
hipertrófico leve a moderado. Problemas na absorção podem fazer com que a
testosterona biodisponível seja variável. Meia-vida: 1 dia.

Anabolizantes não aromatizáveis

oxandrolona (Anavar®, Oxandrin®)

Derivado do DHT possui poder anabolizante moderado, androgênico


fraco e não aromatizável. Possui a vantagem de ser de administração oral e
apesar de ser um 17-alfa alquilado, os efeitos de hepatotoxidade são mínimos.
Em doses baixas 5mg VO/dia para mulheres e 15-25mg VO para homens,

150
aparentemente interfere pouco no eixo hipotálamo-hipófise-gonadal, não
havendo necessidade de terapia pós-ciclo (TPC), inclusive tendo sido utilizada
em doses semelhantes como ponte entre ciclos ou como item da TPC para
preservar os ganhos. Por estas características o uso da oxandrolona pode
ocupar diversos objetivos, desde um uso prolongado e isolado, além de stacks
tanto para bulking quanto para cutting. Doses usuais são de 20-40mg VO/dia
(mulheres) e 40-80mg VO/dia (homens). Meia-vida: 4-6 horas.

enantato de metenolona (IM) e acetato de metenolona (VO) (Primobolan®)

Disponível tanto em forma oral ou injetável possui baixa


androgenicidade, vista como opção para mulheres, sobretudo quando
comparado ao seu moderado efeito anabólico. Não é do grupo 17-alfa
alquilado, portanto carecendo de hepatotoxidade considerável e por ser um 1-
alquilado e 17-beta esterificado não é protegida adequadamente da
degradação de primeira passagem. Por este motivo é preferido o uso da forma
injetável. É um medicamento não aromatizável, sendo favorável quanto à
ginecomastia e à retenção líquida. O medicamento está disponível em tabletes
de 5mg e 25mg e na forma injetável na concentração de 100mg/ml. A dose
relatada é de 50-75mg VO dia (mulheres) e 75-150mg VO por dia (homens). A
dose injetável vai de 50-100mg IM em mulheres e 200-400mg IM em homens
por semana (biodisponível por 2 semanas). Meia-vida: 5 dias.

estanozolol (Winstrol®)

O estanozolol é um derivado do DHT paradoxalmente com ação mais


anabólica, inclusive comparável a do Dianabol®, que androgênica. É uma
droga não aromatizável, conferindo uma característica de pouca retenção
líquida e com risco reduzido de ginecomastia, vista pelos usuários como ideal
para ciclos de ganho limpo. As formulações orais são 17-alfa alquilados
havendo o risco de hepatotoxidade. Uma vantagem do estanozolol é a
diminuição dos níveis de SHBG tornando as testosteronas mais biodisponíveis,

151
inclusive, com efeito, potencializador pelo Proviron® que se liga
competitivamente à SHBG.

As formulações Depot permitem aplicações a cada 2-4 dias. Para os


homens a dosagem relatada é de 15-25mg VO por dia e 5-10mg VO por dia em
mulheres ou 25-50mg IM todos os dias ou 50-100mg IM dia sim dia não para
homens e 25mg IM a cada 3-4 dias em mulheres. Meia-vida: Injetável
(errática) e oral 6-9 horas.

fluoximesterona (Halotestin®)

Derivado da testosterona 17 alfa-alquilado com potencial de


metabolização pela 5-alfa redutase. Possui característica androgênica forte
com seus consequentes colaterais indesejáveis, ação anabólica fraca e não é
aromatizável. Essas características tornam o medicamento desfavorável ao uso
para hipertrofia. Entretanto, foi vista como opção para treinamentos e esportes
de força/agressividade, em preparação final do fisiculturismo, em que a ação
livre de estrogênio e rica em androgênio torna a musculatura com maior
tonicidade e favorecendo a uma perda final e mantida de gordura. Uso de 20-
40mg VO por dia em tabletes de 2,5mg durante um curto período oportuno.
Meia-vida: 6-8horas.

trembolona (Parabolan®)

A trembolona é um androgênico muito potente e um anabólico forte,


cerca de três vezes mais potente que a testosterona. Como medicamento não
aromatizável, não possui efeitos estrogênicos indesejáveis. Possui pequena
ação progestagênica, mas efeitos colaterais como a ginecomastia podem
ocorrer apenas em indivíduos muito susceptíveis. Utilizado em stacks com
outros medicamentos como testosteronas de baixa retenção, como o
propionato, estanozolol ou raramente usado de forma isolada. Posologia: 1-3
ampolas por semana ou 1 ampola dia sim dia não de 75mg IM. Meia-vida: 2
dias.

152
propionato de drostanolona (Masteron®)

Derivado do DHT não aromatizável e com poder androgênico forte.


Existe a possibilidade de que a drostanolona possua a propriedade de inibição
parcial da aromatase, impedindo que também outros anabolizantes
aromatizem. Estas propriedades tornam a drostanolona eficaz no ganho de
massa muscular, queima de gordura, sobretudo em stacks com o estanozolol,
propionato de testosterona e trembolona. Posologia 100mg IM 3x/semana ou
dia sim dia não. Meia-vida: 2 dias.

Anabolizantes aromatizáveis

metandrostenolona (Dianabol®)

Derivado da testosterona com propriedade anabólica forte e androgênica


moderada. Está suscetível a aromatização, tornando a ginecomastia e a
retenção líquida um problema. Os efeitos androgênicos indesejáveis são pouco
modificáveis pelo uso de inibidores da 5-alfa redutase. Como derivados orais
da testosterona o Dianabol é um 17-alfa alquilado conferindo hepatotoxidade. É
um medicamento que promove ganho de força além do anabolismo, sendo
popular em esportes de força. Utilizado em doses de 25-50mg VO por dia em
comprimidos de 5-10mg. Como a meia-vida do medicamento é de apenas 3-5
horas, alguns acham interessante dividir as tomadas durante o dia para ação
prolongada, outros defendem que o uso em dose única é menos estressante
para o eixo hipotálamo-hipófise-testicular. Uma característica interessante é
que em doses menores que 30mg por dia VO de Dianabol® reduz a atividade
do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal e, por conseguinte, a liberação de
testosterona sem suprimi-la. Esta característica faz com que, assim como a
oxandrolona, o Dianabol® seja útil em pontes entre ciclos e como TPC para
reduzir as perdas no pós-ciclo. Quando utilizado em dose única, estão
indicadas tomadas pela manhã, tendo em vista a capacidade do medicamento
em reduzir os efeitos catabólicos do cortisol de forma significativa. Meia-vida: 4-
6 horas.

153
4-Chlorodehydromethyltestosterona (Turinabol®)

O Turinabol® é uma substância obtida a partir da mudança química no


quarto carbono do Dianabol®. Esta mudança na composição confere
alterações no perfil do medicamento para uma menor ação androgênica e
também estrogênica. O benefício seria na menor tendência aos efeitos
androgênicos indesejáveis, como a calvície e estrogênicos, como a retenção
hídrica e a ginecomastia. Algumas mulheres utilizam o Turinabol® em doses
baixas 10-20mg VO/dia. Por outro lado a ação anabólica, força e de densidade
muscular é inferior à do Dianabol®. Por ser um 17-alfa-alquilado sua
hepatotoxidade não deve ser desprezada. O uso do Turinabol® ainda é menos
frequente comparado a outras medicações.

Posologia: Comprimidos de 10mg VO utilizados de 50-150mg por dia em


doses fracionadas desde 3/3h até 12/12h. Meia-vida: 16 horas.

oximetolona (Anadrol50®, Hemogenin®)

Esteróide anabolizante derivado do DHT altamente potente com efeitos


na eritropoiese e com ganhos dramáticos de massa muscular, 5-15kg de peso
total contando a retenção hídrica pronunciada pelo efeito estrogênico
estimulatório intrínseco da droga (não relacionado à aromatização). Tal ganho
dramático de massa muscular pode ser acompanhado de lesões em tecidos
conectivos como os tendões que não acompanham o ritmo acelerado de
hipertrofia e de resistência às tensões aumentadas. Outra desvantagem é o
efeito androgênico pronunciado e não relacionado a 5-alfa redução. Composto
17-alfa alquilado, cujo uso de altas doses (500mg/dia) culmina com toxidade
hepática e raríssimos relatos de câncer hepático. Quando utilizada na dose de
três tabletes por dia (150mg) VO, sobretudo em pacientes com AIDS, não foi
relacionada com efeitos colaterais de grande gravidade. O uso de oximetolona
é acompanhado de monitoração das enzimas hepáticas, função renal e
pressão arterial. Meia-vida: 5-6 horas.

154
undecilenato de boldenona (Equipoise®)

Derivado da testosterona, com molécula semelhante ao Dianabol®, com


ação anabólica forte e androgênica moderada. É um medicamento comparável
ao Deca-Durabolin, porém com efeitos anabólicos e androgênicos um pouco
mais fortes. Pode ser aromatizada com uma taxa em torno de 50% quando
comparado às testosteronas. Os efeitos androgênicos indesejáveis são pouco
modificáveis pelo uso de inibidores da 5-alfa redutase. Sua ação anabólica é
peculiar, havendo ganhos expressivos em longo prazo, sendo indicados ciclos
longos (8-12 semanas no mínimo). Possui formulação de 50mg/ml, sendo
utilizado em aplicações semanais de 200-400mg IM por semana em homens e
50-75mg IM por semana em mulheres. O volume de aplicação pode ser
desconfortável. Meia-vida: 7 dias.

decanoato de nandrolona (Deca-Durabolin®)

Medicamento de ação anabólica forte e androgênica fraca tornando um


custo-benefício favorável para homens, assim como para as mulheres mais
audaciosas. Pode ser aromatizada com uma taxa em torno de 20% quando
comparada às testosteronas gerando efeitos estrogênicos indesejáveis apenas
em doses mais altas. Uma peculiaridade é que o decanoato de nandrolona
pode gerar efeitos progestagênicos, como ginecomastia e alteração na
distribuição de gordura. É caracterizada por ficar biodisponível por um período
longo de semanas e detectável até por um ano. Um dado interessante é que o
medicamento pode ficar estocado na gordura e após um período de dieta para
emagrecimento ser liberado na circulação sanguínea culminando em um anti-
doping positivo. O mesmo fenômeno pode acontecer com o Primobolan®,
Parabolan® e Equipoise®. Tal evento não ocorre com precursores hormonais
orais como o norandrostenediol de 50mg e a norandrostenediona de 100mg,
circulantes por em torno de 8 dias. Realiza ganhos progressivos, em torno da
metade da velocidade comparada às testosteronas, favorecendo ciclos mais
longos como os de 8-12 semanas. A dose usual é de 200-600mg IM/semana
em homens e 50mg IM/semana em mulheres. Meia-vida: 7 dias.

155
Estruturação do ciclo

Em relação aos ciclos mais utilizados em pacientes com caquexia e


descritos em atletas profissionais que relataram seus dopings temos:

Os ciclos podem variar em tempo:

- ciclos curtos (4-8 semanas)

- ciclos médios (8-12 semanas)

- ciclos longos (>12 semanas)

A periodização dos ciclos vai depender do tempo de recuperação do


eixo hipotálamo-hipófise-gonadal. Durante o período de recuperação pode ser
utilizado TPC com ou sem terapia de ponte. O tipo de ciclo utilizado vai
depender do objetivo do atleta, perfil de toxidade e sincronizado com o regime
de dieta, suplementação, treinamento e descanso.

Podem ser realizados stacks, ou seja, combinações de drogas com


perfis vantajosos ou semelhantes.

Técnicas aplicadas em ciclos

Front Load

O front load é o uso de doses significativamente maiores (próximas às


máximas) dos medicamentos no início do ciclo para que os ganhos que
geralmente são percebidos somente na quarta semana sejam vistos mais
precocemente. Quanto maior a dose, certamente maior o risco de efeitos
adversos.

156
Kick Start

O kick start é a incorporação de medicamentos com ação rápida no


início do ciclo para que os ganhos que geralmente são percebidos somente na
quarta semana sejam vistos mais precocemente. Para utilizar o kick start são
adicionados medicamentos de meia-vida mais curtas, como os orais
oximetolona, oxandrolona e Dianabol², ou testosteronas como o propionato.

Dentre os perfis mais relatados pelos atletas estão:

Ciclos orais

Andriol® + estanozolol

oxandrolona + estanozolol (pouco androgênico “mulheres”)

Dianabol® + oxandrolona + estanozolol

Ciclos básicos

Testosterona

Testosterona + Deca-Durabolin®

Testosterona + oxandrolona

Testosterona + estanozolol

Ciclos avançados

Menor grau de retenção líquida (cutting)

propionato de testosterona + estanozolol + drostanolona + primobolan +


trembolona

157
Poder anabólico (bulking)

testosterona + estanozolol + Deca-Durabolin® ou trembolona + oximetolona ou


Equipoise® ou Dianabol®

trembolona + estanozolol + Deca-Durabolin® + oximetolona ou Equipoise® ou


Dianabol®

Terapia pós-Ciclo (TPC)

A realização de ciclos anabolizantes é capaz de suprimir rapidamente a


produção de gonadotrofinas hipofisárias (LH e FSH) por feedback negativo
através da ação principalmente do estrogênio e em menor proporção pelo
androgênio. A aplicação exógena de hormônios sexuais sinaliza para o
organismo que não há necessidade de produção hormonal e com a interrupção
da administração exógena o organismo necessita de tempo para que esta
produção seja normalizada. Em casos mais graves pode ocorrer atrofia
gonadal (testículos e ovários) e consequente deficiência na produção dos
hormônios sexuais e da função reprodutiva de forma prolongada e até mesmo
permanente. A supressão do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal ocorre,
sobretudo em ciclos longos ou repetitivos e com medicamentos com alto
potencial de aromatização.

Após um ciclo anabolizante, quando há uma queda substancial da


concentração dos hormônios masculinos na circulação ocorre a necessidade
da realização de uma TPC de modo a acelerar o processo de restauração do
eixo hipotálamo-hipófise-gonadal e da produção normal de hormônios sexuais.
A TPC previne a perda de massa muscular pela ação do cortisol sem
antagonismo pela testosterona e sintomas clássicos de hipogonadismo
(principalmente depressão e impotência).

A TPC deve ser iniciada quando laboratorialmente é identificada uma


queda abaixo dos limites da normalidade da testosterona ou de maneira mais
frequente após o tempo da meia-vida mais longa dentre os medicamentos
utilizados (ex: Durateston® 2-3 semanas)

158
Os principais mecanismos envolvidos na realização de uma TPC são:

Bloqueio à ação do estrogênio

O bloqueio à ação estrogênica é basicamente constituído de três


estratégias. A primeira é o uso de antagonistas seletivos do estrogênio, os
chamados SERM. O principal SERM utilizado é o tamoxifeno (Novaldex®), que
possui como dois sítios de antagonismo de interesse a mama inibindo a
ginecomastia e a hipófise aumentando a produção de LH e FSH. O tamoxifeno
possui ação estrogênica no fígado, podendo levar ao aumento do HDL e
compensando a dislipidemia gerada pelo uso de androgênios.

Outro SERM utilizado é o clomifeno (Clomid®), que possui sua principal


ação antagonista do estrogênio na hipófise, porém com ação menos
pronunciada que o tamoxifeno. Um segundo mecanismo que pode ser utilizado
como adjuvante ao uso dos SERM seria o uso do Proviron®. O Proviron® é um
androgênio, devendo ser evitado em mulheres, que possui como principal
mecanismo a competição pela ligação com o SHBG. Este mecanismo
proporciona maior disponibilidade de androgênios livres como, por exemplo, o
DHT, que modula os receptores estrogênicos reduzindo sua expressão.

O terceiro mecanismo é o uso de inibidores de aromatase, como o


anastrozol (Arimidex®), que impede a conversão de testosterona em
estrogênio nos tecidos periféricos, sobretudo na gordura.

O bloqueio intraciclo da ação estrogênica pode limitar os ganhos, tendo


em vista que uma ação estrogênica pode potencializar os efeitos dos
anabolizantes na hipertrofia.

Posologia: tamoxifeno 20mg 1x/dia VO, clomifeno 50mg 1x/dia VO, Proviron®
25-50mg VO/dia, anastrozol 1mg 1-2 cp VO/dia. O período de utilização na
TPC é acompanhado da realização de exames laboratoriais para seguir a
regularização do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal. Em geral a utilização do
bloqueio estrogênico é necessária por um período médio de 2-4 semanas.

159
Fatores gonadotróficos

O hCG é um hormônio produzido por mulheres durante a gestação, mais


precisamente pela placenta nos primeiros dois a três meses. Molecularmente é
um hormônio muito semelhante ao LH, estimulando a reversão da atrofia
testicular e fazendo com que as células de Leydig produzam testosterona no
pós-ciclo. O uso do hCG deve ser rápido, pois o aumento da testosterona
endógena é acompanhado do aumento da aromatização, que também é
estimulada pelo hCG, fatores que inibem ainda mais o eixo hipotálamo-
hipófise-gonadal. O uso do hCG deve ser direcionado para reverter
rapidamente a atrofia testicular durante o ciclo e ser acompanhado do uso do
bloqueio estrogênico para recuperação do eixo no pós-ciclo.

Posologia: hCG 250-500UI a cada 3-4 dias acompanhado do uso do bloqueio


estrogênico.

Aumento da fluidez da membrana celular

O aumento do consumo de ácidos graxos polinsaturados em detrimento


dos saturados e gordura trans pode conferir à membrana celular maior fluidez.
A fluidez de membrana propicia maior probabilidade de entrada dos hormônios
masculinos na célula e contato com seus receptores, processo necessário para
expressão dos genes relacionados a atividade da testosterona.

Posologia: Ômega-3 2-4g VO por dia.

Suplementos alimentares e fitoterápicos

Vitamina D: Estudos transversais demonstram que níveis de vitamina D baixos


estão relacionados a maiores níveis de estrogênio e SHBG e menores níveis
de testosterona em homens. Estudos em roedores apontam que a redução de
níveis circulantes de vitamina D proporciona uma redução nos níveis de
testosterona. A vitamina D também aumenta durante a puberdade tanto em
homens quanto mulheres. A vitamina D parece ter papel na regulação da

160
expressão da aromatase, aumentando sua expressão no osso e reduzindo na
mama. Existem poucos estudos, porém a vitamina D pode ter alguma influência
no eixo hipotálamo-hipófise-gonadal estando indicada sua reposição na TPC.
Posologia: Vitamina D 2000-3000 UI VO/dia.

Antioxidantes: A suplementação com vitamina C e vitamina E reduz a


liberação de cortisol pelas células adrenais em alguns modelos animais.
Apesar de poucas evidências a prescrição de uma boa rede antioxidante pode
reduzir a inflamação sistêmica, a liberação de cortisol e contrabalancear a
redução da testosterona a fim de proteger a massa magra. Posologia:
vitamina C 1g VO/dia, vitamina E 400-800 UI VO/dia, ácido lipóico 500mg
VO/dia, coenzima Q10 60mg VO/dia + multivitamínico (magnésio 200mg, zinco
20mg, cobre 1mg, selênio 50mcg, manganês 4mg, complexo B).

Tribullus terrestris: erva daninha típica do sul da Europa e da Ásia utilizada


na medicina tradicional como estimulante sexual. Possui benefícios em relação
à redução da libido no pós-ciclo e um possível efeito estimulatório na produção
de testosterona devido a um efeito similar ao LH. Outro possível efeito é de
reduzir a imunodepressão gerada pelo overtrainning. Posologia: 500-1000mg
2-3x/dia VO de extratos com pelo menos 40% de saponinas.

Terapias de ponte (cruise) e medicamentos anabólicos na TPC: As terapias


de ponte são baseadas no uso de medicamentos anabólicos durante o período
entre ciclos para minimizar as perdas. Os medicamentos de escolha para o
cruise são principalmente as testosteronas (200-300mg a cada 7-28 dias) com
o objetivo de deixar os níveis de testosterona nos exames laboratoriais em
limite superior. Deve ser lembrado que realizando o cruise não haverá
recuperação do eixo e, portanto, haverá longo período de não estimulação
testicular, podendo gerar atrofia, hipogonadismo crônico e infertilidade. Estes
colaterais podem ser amenizados utilizando a terapia conjunta com hCG.
Quanto ao uso de medicamentos anabólicos na TPC para minimizar as perdas

161
do pós-ciclo, alguns atletas utilizam drogas em doses baixas, de meia-vida
curta, não aromatizáveis e com pouca ação supressora sobre a hipófise (ex:
oxandrolona 5-10mg ou Dianabol® 10-30mg VO/dia) até que haja recuperação
do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal. O ideal é realizar uma retirada em
pirâmide (ex: Dianabol® 10-14 dias de 30mg, 10-14 dias de 20 mg, 10-14 dias
de 10mg e retirar).

TPC em mulheres

Atletas mulheres que realizaram ciclo preferiram reduzir a dose dos


anabolizantes gradualmente ou realizar uma terapia de ponte com oxandrolona
até ocorrer o retorno da menstruação, ou seja, regularização do eixo-
hipotálamo-gonadal. Algumas chegam a utilizar antiestrogênicos como o
tamoxifeno 20mg VO/dia quando há efeitos estrogênicos pronunciados e
indesejáveis. Outras atletas utilizaram antiandrogênicos como a ciproterona
50mg 1-2x/dia ou espironolactona 100-200mg VO/dia quando há efeitos
virilizantes indesejáveis. Uma terceira opção seria retornar com contraceptivos
orais para regularizar o ciclo.

162
Capítulo 18 – Hormônio de Crescimento

Guilherme Almeida Rosa da Silva

“Quando vemos um gigante, temos primeiro de examinar a posição do sol e


observar para termos certeza de que não é a sombra de um pigmeu.”
Friedrich Novalis

O Hormônio do Crescimento (GH)

O GH é um peptídeo de 191 aminoácidos produzido pela glândula


hipófise cuja função primordial é o crescimento de ossos longos durante a
infância e adolescência e o estímulo à mitose. A produção de GH é estimulada
pelo hormônio liberador de GH (GHRH) e inibidos pela somatostatina, ambos
produzidos pelo hipotálamo. Sua secreção varia de acordo com o ciclo
circadiano tendo o seu pico de produção durante o sono noturno. Durante o
dia, estímulos como a hipoglicemia, consumo de arginina e niacina, jejum,
estresse e exercício físico podem levar a um pulso na produção de GH. O GH
parece ter alguma ação direta sobre as células, mas para exercer plenamente
suas funções ele necessita ser convertido principalmente no fígado e nos
tecidos periféricos em IGF-1. O IGF-1 parece ser o hormônio cuja ação efetora
é mais potente quando comparado ao próprio GH. Dentre as funções
metabólicas, o GH é um hormônio anabólico, lipolítico e hiperglicemiante.

Na medicina o GH é utilizado em situações de baixa estatura ligada à


deficiência de GH, baixa estatura ligada a doenças crônicas como o HIV por
transmissão materna, anemia falciforme, entre outras. Nos adultos, existe uma
reposição de GH com intuito de melhora da qualidade de vida após a queda
pelo envelhecimento. Entretanto precauções com efeitos colaterais como
síndrome do túnel do carpo, aumento visceral “barriga dilatada”, hiperglicemia,
aumento do risco cardiovascular e desenvolvimento de adenocarcinomas
intestinais devem ser tomadas.

163
Quanto ao uso esportivo, o GH em conjunto com a insulina é utilizado
como doping para redução do percentual de gordura com preservação da
massa magra.

Posologia: Os protocolos relatados por esportistas profissionais são muitos,


entretanto é praticamente consenso entre eles que o medicamento não deveria
ser utilizado por menos do que 60-90 dias. Em doses iniciais de 0,05 UI/Kg/dia
podendo ser realizada 1x pela manhã, ou dividido, na maioria dos casos 2x/
dia, manhã e tarde. Alguns atletas relatam a realização de GH por cinco dias
seguidos e descanso de dois dias, aparentemente por razões mais econômicas
do que fisiológicas, sendo um protocolo considerado não ótimo. As doses de
insulina são variáveis, mas geralmente atletas utilizam em torno de 3 UI de
insulina regular para cada 25g de maltodextrina que deve ser suplementada 2-
3x/dia.

IGF-1 Lr3

Outra forma relatada por atletas é o uso de IGF-1 Lr3. (O IGF-1 Lr3 é
usado todos os dias ou apenas nos dias de treino (antes ou após) na dose de
50-150mcg IM em 2-4 semanas com parada de 2-4 semanas devido a
dessensibilização.

GHRP-6

O GHRP-6 / GHRP-2/ hexarelina / ipamorelina são peptídeos liberadores


de GH ou análogos de ghrelina. Podem ser usados com ou sem GHRH (Mod
GRF 1-29 ou CJC-1295). O uso de GHRP-6 deve ser visto como uma
possibilidade de acordo com a disponibilidade, custo ou pelo desejo de que o
GH produzido seja endógeno.

Posologia: O GHRP-6 é apresentado em pó com 5mg para ser diluído em


água destilada, preferencialmente em 2,5ml. As aplicações são em jejum de
0,05-0,3 ml 3x/dia SC IM ou IV ou de 0,1 ml quando aplicado em conjunto com

164
Mod GRF. Caso o uso seja contínuo é utilizada apenas uma aplicação antes de
dormir.

Análogos de GHRH

O Mod GRF e o CJC-1295 são peptídeos análogos ao GHRH,


aumentando e potencializando a produção endógena de GH e IGF-1. A
diferença é que o primeiro possui um tempo de ação inferior ao segundo
permitindo uma ação em pulsos, o que é visto como vantajoso por não perder a
ação com o tempo de uso. O uso do Mod GRF amplifica a ação do GHRP-6 em
três vezes. O Mod GRF Possui apresentação de pó em 2mg para diluição com
água destilada preferencialmente em 2ml. As aplicações devem ser em jejum
de 0,1 ml 3x/dia SC IM ou IV em conjunto com o GHRP-6 caso o uso seja
temporário ou em uma aplicação antes de dormir caso o uso seja contínuo.

O uso do CJC-1295 é de 1mg (1ml) 2x/semana, sendo a apresentação


em frasco de 2mg podendo ser diluído em 2ml. O uso concomitante do GHRP-
6 deve ser idêntico ao esquema para Mod GRF (0,1 ml 3x/dia em jejum para
temporário e 0,1 ml antes de dormir para contínuo).

Os fabricantes relatam que todos os frascos podem ser guardados em


ambiente refrigerado para reuso.

As estratégias relacionadas ao eixo do GH são utilizadas tanto


isoladamente, como durante ciclos com esteroides anabolizantes,
termogênicos, hormônio tireoidiano ou durante a TPC.

165
Capítulo 19 - Sensibilizadores da Insulina e
Medicamentos com Ação Metabólica

Guilherme Almeida Rosa da Silva

“Em si, a vida é neutra. Nós a fazemos bela, nós a fazemos feia; a vida é a
energia que trazemos a ela.”

Osho

Introdução

A via da insulina sem dúvida é uma das principais vias sinalizadoras do


anabolismo no organismo. Neste capítulo descreveremos os principais
medicamentos sensibilizadores da insulina e suas peculiaridades. Cabe
ressaltar que diferentes protocolos de associação de substâncias são utilizados
por atletas profissionais.

metformina

A metformina é um hipoglicemiante oral da classe das biguanidas e que


exibe propriedades sensibilizadoras da ação da insulina. Este medicamento foi
descoberto na era anterior ao desenho racional de drogas e, portanto os
detalhes de seus mecanismos de ação eram obscuros mesmo após a sua
comercialização. Um de seus principais mecanismos de ação é suprimir a
gliconeogênese hepática e aumentar a captação de glicose nos tecidos
periféricos, tal como os músculos. O aumento desta captação de glicose pode
ser um mecanismo independente da insulina ou mediado pela insulina com
ação sensibilizada.

A metformina foi desenvolvida a partir da erva Galega officinalis que era


utilizada pelos antigos no tratamento do excesso de urina. Foi sintetizada em
1922 em Dublin e demonstrou reduzir a glicemia com menos sintomas
gastrintestinais que seus antecessores. Reduzia a glicemia em diabéticos, mas
não em pessoas sem diabetes.

166
O principal mecanismo de ação proposto é a indução das proteínas
quinases ativadas por AMPc (AMPK), que promove a captação de glicose por
aumento na translocação do transportador de glicose dependente de insulina
(GLUT-4), sobretudo no músculo. Entretanto, a glicose parece ser captada por
mecanismos independentes de insulina, como a via da PKC. O uso da
metformina pode amplificar a síntese de glicogênio em 30%. Esse aumento na
síntese de glicogênio pode beneficiar os atletas no sentido de acelerar a
recuperação para um novo treinamento, aumentar o volume da fibra muscular
por retenção hídrica e aumentar o desempenho em exercícios resistidos,
intermitentes e aeróbicos.

Outros mecanismos potenciais seriam o aumento da fusão entre fibras


musculares, ação antioxidante e ação supressora tumoral. A redução da
produção de citocinas inflamatórias poderia ajudar na recuperação dos
treinamentos e evitar o desenvolvimento de overtrainning.

Sobre mudanças na composição corporal, o uso da metformina


demonstrou potencial na redução do IMC, relação cintura-quadril, área do
tecido adiposo subcutâneo, área do tecido adiposo visceral e redução na
relação tecido adiposo visceral/tecido adiposo subcutâneo.

Em relação ao potencial no desenvolvimento de acidose lática, não


existem evidências de que a metformina possa gerar um risco elevado pré-
exercício ou pós-exercício, cabendo apenas uma recomendação de evitar a
desidratação vigorosa. Um relato de caso associou o uso de metformina,
creatina e acidose lática com insuficiência renal.

Posologia: metformina 850mg VO no café, almoço e jantar ou metformina XR


500mg VO 2 cp no café e 2 cp no jantar.

pioglitazona

A pioglitazona é um hipoglicemiante oral da classe das tiazolidinodionas


(TZD) que atuam na indução do PPAR-γ. O PPAR-γ é um fator transcricional

167
que regula diversos genes envolvidos na peroxidação lipídica e que aumentam
a sensibilidade à insulina.

A pioglitazona reduz a relação tecido adiposo visceral/tecido adiposo


subcutâneo e aumenta a captação de glicose estimulada pela insulina, quando
em meio de cultura, aumentando a regeneração do glicogênio muscular.

Alguns países retiraram a pioglitazona do mercado devido a estudos que


apontam aumento no risco de desenvolvimento de câncer de bexiga em
usuários em longo prazo. A rosiglitazona já foi retirada do mercado devido ao
aumento do risco cardiovascular.

Posologia: pioglitazona 15mg, 30mg ou 45mg VO 1x/dia.

Inibidores do DPP-4 e agonistas do GLP-1

A enzima DPP-4 possui como uma das funções a clivagem e inativação


do hormônio GLP-1. O GLP-1 é um hormônio da classe das incretinas,
produzido no intestino após a ingestão de alimentos. Os inibidores do DPP-4
atuam inibindo a enzima e aumentando a biodisponibilidade do GLP-1 e os
agonistas do GLP-1 aumentam a ativação do receptor.

O GLP-1 reduz o apetite, aumenta a sensibilidade à insulina, aumenta a


captação muscular de glicose e a síntese de glicogênio e reduz a secreção do
glucagon, conferindo propriedades anabólicas ao medicamento. Outro
benefício da classe é a redução de peso, assim como a metformina,
principalmente pela redução de massa gorda via indução da AMPK.

Posologia: (antagonistas do DPP-4) sitagliptina 100mg VO 1x/dia, vildagliptina


50mg VO 2x/dia, saxagliptina 5mg VO 1x/dia e linagliptina 5mg VO 1x/dia.
(agonistas do GLP-1) exenatide 5mcg SC 2x/dia por um mês, aumentando para
10mcg SC 2x/dia e liraglutide 0,6mg SC 1x/dia por pelo menos 1 semana,
podendo ser aumentado para 1,2-1,8mcg SC 1x/dia.

168
AICAR, acadesina (5-amino-1-β-D-ribofuranosyl-imidazole-4-carboxamide)

O AICAR é um medicamento em estudo para utilização contra lesões de


reperfusão das cirurgias de revascularização coronariana e em leucemias
refratárias ao tratamento, cujo principal mecanismo de ação é a ativação da
AMPK. Suas propriedades têm sido amplamente estudadas, sobretudo no que
tange a perda de gordura, aumento na sensibilidade à insulina, redução na
produção de citocinas inflamatórias e aumento na resistência ao exercício
físico. Os principais relatos no esporte vêm de ciclistas profissionais europeus
que culminaram na vigilância da comissão anti-dopping da WADA (World
Anti Doping Agency). A indução da AMPK representa em última análise, uma
simulação da sinalização de esgotamento energético intracelular, em que
grande parte do ATP foi convertida em ADP e posteriormente a AMP. Usuários
relatam grandes ganhos de desempenho, sobretudo em relação à resistência
ao exercício.

Posologia: AICAR 10-50mg SC 1x/dia por 8 semanas.

GW501516 (endurobol, cardarina)

O GW501516 é um agonista do PPAR-δ que aumentaria a resistência ao


exercício e a oxidação lipídica nas fibras musculares. O PPAR-δ ainda possui
grande parte de suas funções desconhecidas, mas apresenta papel regulatório
no metabolismo glicídico, lipídico e até mesmo no desenvolvimento de tumores.
Possui potencial efeito sinérgico com o AICAR.

Posologia: GW501516 5-20mg VO 1x/dia.

telmisartan

Medicamento utilizado como anti-hipertensivo da classe dos


bloqueadores do receptor de angiotensina. Possui ação indutora do PPAR-δ e
PPAR-γ, podendo funcionar de forma sinérgica com o AICAR, GW501516 e o
resveratrol.

169
Posologia: telmisartan 40-160mg VO 1x/dia titulados para não gerar
hipotensão.

resveratrol

O resveratrol promove a ação do complexo coativador SIRT1-PGC1α na


musculatura esquelética. Parte da ação do PPAR-δ acontece via SIRT1-
PGC1α, sendo o resveratrol um potencial sinergista para AICAR, GW501516 e
o telmisartan. O estímulo via SIRT1-PGC1α promove a biogênese aumentando
o número de mitocôndrias nas fibras musculares.

Posologia: resveratrol 500mg VO 1x/dia.

picolinato de cromo

O cromo é tido como mineral essencial sensibilizador à ação da insulina,


sem, no entanto ter nenhuma função de cofator em alguma enzima específica
relacionado à sua ação. É proposto que o cromo aumenta a fluidez da
membrana celular facilitando a interação entre a insulina e seu receptor e faz
parte de um oligopeptídeo intracelular chamado cromodulina de ação ainda
pouco definida. Além disso, é atribuído ao cromo propriedade favorável ao
perfil lipídico e ação lipolítica.

Posologia: picolinato de cromo 400mcg VO/dia com as refeições.

170
Capítulo 20 – Termogênicos, Queimadores de Gordura
e Bloqueadores de Lipídios e Carboidratos

Guilherme Almeida Rosa da Silva

“Do atrito de duas pedras chispam faíscas; das faíscas vem o fogo; do fogo
brota a luz.”
Victor Hugo

A termogênese

A termogênese é um fenômeno físico no qual diferentes formas de


energia (mecânica, química, elétrica, etc...) são convertidas em energia
térmica. Esta interconversão de energia pode ocorrer totalmente ou
parcialmente.

A termogênese é um termo que quando aplicado especificamente à


nutrição significa geração ou aumento na geração de calor durante processos
metabólicos e de digestão. A termogênese em última análise significa perda
calórica na forma de calor durante a degradação ou produção de energia
química (ATP) e em detrimento da geração de estoques energéticos como, por
exemplo, o aumento do tecido adiposo. Em vista destas propriedades, a
termogênese é um importante aliado no processo de perda de gordura. Como
já foi visto, durante a respiração celular, mais especificamente na fosforilação
oxidativa, há um represamento de prótons entre as membranas mitocondriais
gerando um potencial elétrico. Ao retornar para a matriz mitocondrial, os
prótons desfazem esse potencial elétrico fazendo com que a ATP sintase
transforme o potencial em energia química (ATP) com parte desta energia
sendo convertida em calor. Entretanto esta não é a única via de saída para os
prótons. Através de uma área de escape (proteína desacopladora – UCP) os
prótons passam livremente para a matriz mitocondrial convertendo o potencial
elétrico em energia térmica.

171
A termogênese ocorre naturalmente nos organismos saudáveis,
ocorrendo perda de em torno de 30% da energia produzida sob forma de calor.
No homem o principal órgão gerador de calor devido sua alta taxa metabólica é
o fígado. A manutenção da temperatura corporal em animais homeotérmicos
tem como objetivo manter uma temperatura corporal ótima para o
funcionamento enzimático e realização das reações metabólicas.

Didaticamente podemos dividir a termogênese de um organismo em


obrigatória e facultativa. A termogênese obrigatória é aquela isoladamente
proveniente das reações metabólicas de um organismo, de forma teórica em
um estado de jejum e repouso. Alguns eventos conseguem reduzir a
termogênese obrigatória através de processos de hibernação. A termogênese
facultativa ocorre de processos como a contração muscular, piloereção,
mudanças comportamentais (agasalhamento), metabolismo da gordura marrom
e por processos ainda não compreendidos. A termogênese facultativa é
controlada pelo centro regulador da temperatura corporal quando os indivíduos
são expostos a temperaturas mais baixas.

Quando falamos em nutrição, basicamente a termogênese é obtida


através do consumo de alimentos e de medicamentos. No geral, para uma
termogênese com resultados consideráveis é realizado uma soma de alimentos
termogênicos e medicamentos. Muitos desses alimentos termogênicos são
encontrados na forma natural e também industrializada em extratos e cápsulas,
inclusive com misturas de ingredientes. Devemos destacar enfaticamente que
muitos destes alimentos funcionais carecem de estudos científicos claros e
precisos que confirmem e mensurem as propriedades que pensamos terem
potencial.

Este capítulo terá como foco a descrição dos principais alimentos


termogênicos utilizados e bloqueadores da absorção de gorduras e
carboidratos.

172
Termogênicos

Água gelada

A água gelada assim como o frio estimula a termogênese devido a


necessidade do organismo em manter sua temperatura ótima. Em situações
normais ocorre apenas um equilíbrio entre a temperatura corporal e o líquido
ingerido com base no calor específico da água que é de uma caloria para
aquecer em 1º C / 1g de água, ou seja, 1kcal para aquecer 1ºC 1L de água.

Este valor de gasto calórico apesar de ser visto como desprezível por
muitos profissionais de saúde pode ganhar força em utilização em longo prazo
e combinado com outras estratégias de termogênese. Em situações mais
extremas o frio pode gerar ativação simpática.

Chá verde

O chá verde é feito a partir da infusão das folhas da planta Camellia


sinensis, muito popular na China e Japão. É chamado de verde, pois as folhas
são resistentes à oxidação mantendo sua coloração original e não
enegrecendo. O extrato de chá verde, em média 90mg de epigalocatequina-3-
galato e 50mg de cafeína, aumenta o gasto energético em repouso de 4-8%
por um período em torno de 24h devido ativação simpática e provavelmente
por outros possíveis efeitos, tal como a inibição de enzimas simpaticolíticas
como a COMT. Outros mecanismos de ação envolvem o aumento nos
estoques de glicogênio muscular, antioxidação reduzindo a estimulação de
fatores transcricionais inflamatórios como o NFkB e a ativação do PPAR como
modulador do metabolismo lipídico.

Posologia: Utilizar chá verde 2-6 cápsulas com pelo menos 90mg de
epigalocatequina-3-galato e 50mg de cafeína em doses divididas por dia. Cada
dose em cápsulas é equivalente a 1-5 xícaras do chá. As doses noturnas
podem atrapalhar o sono.

173
Canela

A canela é uma especiaria derivada da porção interna do tronco da


caneleira, uma árvore típica do sul da Ásia. A canela é um alimento com
potencial ação termogênica, mas que objetivamente não possui estudos
concretos em relação a esta propriedade. Outros possíveis mecanismos de
ação mais estudados incluem a ação benéfica na hipertensão, dislipidemia e
diabetes, ação diurética, presença do cromo e do polifenol MHCP como
sensibilizadores da insulina, redução do colesterol total em 10-20% as custa de
LDL e triglicerídeos, ação antioxidante dos compostos fenólicos e ação
antimicrobiana.

Posologia: Canela 1-6g VO por dia, equivalente a entre meia e uma colher de
chá. Disponível também em cápsulas.

Ácidos graxos essenciais

O ácido linoleico conjugado (CLA) é uma mistura de isômeros do ácido


linoleico, como o presente no óleo de cártamo, por exemplo, possuindo
propriedades termogênicas leves. Diferente da grande maioria, os ácidos
graxos essenciais não atuam no sistema simpático tendo sua ação em nível
mitocondrial. O aumento no número de ácidos graxos essenciais na membrana
mitocondrial facilitaria por meio de um processo chamado flip-flop a passagem
direta de prótons da intermembrana para a matriz mitocondrial gerando
liberação de energia na forma de calor. O flip flop é um giro dado pelos
fosfolipídeos de membrana da camada externa para camada interna. Outro
mecanismo proposto é o aumento na ação da lípase hormônio-sensível,
recrutando ácidos graxos livres que devem ser utilizados através do exercício
ou com o auxílio de outro termogênico.

Posologia: Utilizar CLA até 5g (5 cápsulas de 1g) VO/dia.

174
Além do movimento lateral, os fosfolipídeos de membrana realizam movimentos de flip flop.

Gengibre

O gengibre é uma especiaria retirada do rizoma da planta Zingiber


officinale. Possui diversas substâncias benéficas dentre elas os óleos e o
gingerol. O gingerol em conjunto com os óleos essenciais (cafeno, felandreno,
zingibereno e zingerona) possui propriedades termogênicas, antimicrobianas,
antinflamatórias, por inibição da 5-lipoxigenase e prostaglandina sintase, e
antioxidantes.

Posologia: 200-1000mg de gengibre por dia. Pode ser utilizado na forma de


suco 2x/dia com uma colher de sopa de gengibre em pó misturado em água
gelada com meio limão, 3 folhas de hortelã e 1 colher de chá de canela.

Pimenta vermelha (capsaicina)

Possui como principal princípio ativo a capsaicina, substância


termogênica e analgésica. Como termogênico, é capaz de aumentar o
metabolismo em até 15% através da ativação simpática. O papel de um
receptor do trato gastrintestinal (TRPV1) tem sido estudado mediando a
sensação de calor e modulando resposta de neurotransmissores.

Posologia: ½ pimenta ou 3g em pó 2x/dia VO.

175
Mostarda

A mostarda abrange um conjunto de plantas do gênero Sinapis e


Brassica cujas sementes são utilizadas como condimento. Este condimento
possui efeito termogênico, assim como a pimenta. Devemos ter cuidado ao
utilizar a mostarda, pois alguns compostos estão acrescidos de açúcares.

Posologia: Uma colher de sobremesa de mostarda em pó 2x/dia na comida.

Guaraná

Obtido da semente da Paulinia Cupana Kunth típica da floresta


amazônica. Seu principal princípio ativo é a guaranina, que possui a mesma
função da cafeína de aumentar o AMPc intracelular potencializando a ação
simpática e a lipólise, mas com processo de digestão mais duradouro. Cabe
ressaltar que no guaraná também há presença de cafeína. O guaraná parece
aumentar o HDL e possuir ação melhorando a circulação sanguínea cerebral.

Posologia: Possui ação em torno de 6 horas, sendo indicado suprimir a dose


noturna para não interferir no sono. 1-2 cápsulas (200-500mg) VO 3x/dia.

Cafeína

A cafeína é uma substância do grupo das xantinas encontrada em uma


série de plantas utilizadas como bebidas em forma de infusões (erva-mate, chá
verde, cacau, cola guaraná e o café). Uma xícara de café apresenta em média
100mg de cafeína. Possui efeito termogênico ao aumentar o AMPc intracelular
e potencializar a ação simpática. Atua como estimulante do sistema nervoso
central inibindo o apetite, reduzindo o sono e a fadiga, acelera o metabolismo,
eleva a pressão arterial e a frequência cardíaca e aumenta a produção ácida
estomacal. Como termogênico, muitas vezes é utilizada na forma de stacks
com a efedrina e aspirina (ECA) 3-5x/dia. Devido a sinalização para AMPK, a
cafeína acelera a síntese de glicogênio e parece amplificar a sinalização para
hipertrofia muscular por modular negativamente mTOR impedindo sua

176
dessensibilização (simulador de exercício). É um dos suplementos mais
utilizados para o pré-treino e pós-treino.

Posologia: Cafeína 200-400mg antes e depois dos treinamentos. Pode ser


utilizado em doses fracionadas durante o dia 3-5x VO. Doses noturnas podem
suprimir o sono.

Hormônio Tireoidiano

Os hormônios tireoidianos são substâncias vitais produzidas pela


glândula tireoide e responsáveis pela regulação gênica do metabolismo
humano. Condições de excesso (hipertireoidismo) e deficiência
(hipotireoidismo) são doenças extremamente prevalentes na população,
sobretudo em mulheres. Os hormônios tireoidianos são regulados por um alça
de feedback, controlados pelo TSH produzido pela hipófise, de tal maneira que
sua suplementação é realizada em doses suprafisiológicas com ajustes finos
para que haja uma tireotoxicose (excesso de hormônio tireoidiano) controlada e
que não exceda o limite gerando uma emergência médica (tempestade
tireoidiana). Entre os sintomas de tireotoxicose estão as crises de ansiedade,
palpitações, parestesias e tremores, com seu uso prolongado e excessivo
provocando danos cardíacos potencialmente perigosos.

O hormônio biologicamente ativo é o T 3 (10 vezes maior afinidade pelo


receptor que o T4), entretanto a produção de T 4 é muito maior, havendo
necessidade de conversão periférica de T4 em T3.

Dentre os principais mecanismos de ação no metabolismo energético, os


hormônios tireoidianos aumentam a expressão de transportadores Na +/K+
dependentes de ATP e de receptores β-adrenérgicos na superfície celular.
Estas características tornam os hormônios tireoidianos com potencial para
queima de gordura, inclusive a gordura abdominal “teimosa”, mas ao mesmo
tempo os torna extremamente catabólicos. Para evitar o catabolismo são
utilizados stacks com insulina, GH e esteroides anabolizantes. Os efeitos de
queima de gordura agem de forma sinérgica com termogênicos que agem na
via β-adrenérgica, como o clembuterol, ECA e salbutamol.

177
O uso de hormônios tireoidianos em fases de cutting é descrito por
fisiculturistas profissionais, cabendo ressaltar que é um medicamento
que oferece riscos graves à saúde e, assim como os demais, possui
indicação precisa gerida por órgãos reguladores e prescritos apenas por
médicos.

T3 (Cytomel®, Cynomel®, Cyronine®)

Posologia: Doses relatadas de T3 escalonadas de 25-100mcg VO por dia em


jejum 40 minutos antes das refeições em doses divididas em 3x ao dia por no
máximo 6-8 semanas. Alguns atletas relatam desescalonamento de retirada
para normalização do TSH e volta da produção endógena de hormônios
tireoidianos.

T4 (Puran T4®, Synthroid®, Euthyrox®, Levoid®)

Posologia: Doses relatadas de T4 escalonadas de 100-400 mcg VO por dia em


jejum 40 minutos antes do café da manhã por no máximo 6-8 semanas. Alguns
atletas relatam desescalonamento de retirada para normalização do TSH e
volta da produção endógena de hormônios tireoidianos.

Ioimbina

Antagonista α-2 adrenérgico descoberto em extratos da planta da


espécie Pausinystalia johimbe. É utilizado em tratamentos de disfunção erétil e
disfunção orgásmica masculina, assim como queimador de gordura. O
mecanismo de ação da queima de gordura acontece pelo bloqueio pré-
ganglionar α-2 adrenérgico que libera a ação pós-ganglionar da adrenalina
resultando em estímulo β-adrenérgico e consequente queima de gordura.

Posologia: Em torno de 0,2 mg/Kg/dia VO de ioimbina, podendo ser


escalonado de (4-8mg/dia).

178
ECA stack

O ECA stack é uma combinação de três medicamentos: efedrina,


derivado da planta Ma Huang ou Ephedra, cafeína e aspirina, cujo principal
mecanismo de ação é a estimulação dos receptores β-adrenérgicos dos
adipócitos por parte da efedrina e amplificação do sinal lipolítico (aumento do
AMPc) pela cafeína e aspirina. O ECA stack é um dos termogênicos de maior
potência, podendo ainda ser combinado com outros termogênicos de diferentes
mecanismos de ação como a ioimbina e os hormônios tireoidianos. A principal
limitação é a intolerabilidade adrenérgica, com tremores, palpitações, sudorese
e ansiedade. Outro fator limitante é a perda progressiva do efeito por
dowregulation dos receptores β-adrenérgicos, que assim como outros
medicamentos que atuam na mesma via ocorrem em torno do quinto dia após
uso contínuo do medicamento, devendo então dar 48h de descanso do uso dos
medicamentos para recuperação da sensibilidade.

Posologia: efedrina 20-25mg, cafeína 200-250mg e aspirina 50-100mg


tomados de 3-5x/dia VO.

Sinefrina (citrus aurantium)

A sinefrina é um alcaloide derivado da laranja amarga citrus aurantium.


Seu mecanismo de ação é a estimulação de receptores β-adrenérgicos dos
adipócitos levando a lipólise de forma semelhante à efedrina. Assim como a
efedrina, a sinefrina está sujeita ao sinergismo com a cafeína e a aspirina.

Posologia: sinefrina 10-20mg (citrus aurantium 500mg) VO 2x/dia.

clembuterol (Pulmonil®, Vetnil®)

O clembuterol é um medicamento β-adrenérgico utilizado originalmente


para tratamento veterinário de asma de equinos. É sugerido que o
medicamento possua propriedades anabólicas e anticatabólicas verificadas
apenas em animais com altas doses. Os efeitos colaterais não diferem muito

179
dos outros β-adrenérgicos e a indução do downregulation dos receptores
parece ser mais pronunciada havendo maior necessidade de períodos de
descanso (off) do uso do medicamento. Quando utilizado em ciclos de 15/15
dias parece haver benefício à utilização em combinação com o cetotifeno (1-
2mg/comprimido), um anti-histamínico que reduz o downregulation dos
receptores β-adrenérgicos. Efeitos colaterais como boca seca, sonolência e
aumento do apetite podem ocorrer. A forma de apresentação mais utilizada é
em gel oral, mas há também disponíveis em comprimidos, xaropes e injetáveis.

Posologia: clembuterol em escalonamento de 20-140mcg/dia (20mcg/ml) dois


dias sim (on) e dois dias não (off) ou preferencialmente 15 dias on e 15 dias off
com cetotifeno 2-6mg/dia VO.

salbutamol (Aerolin®)

O salbutamol é um medicamento β-adrenérgico utilizado classicamente


no tratamento de crises asmáticas em humanos. Amplamente disponível no
mercado, baixo custo e possuindo a praticidade da apresentação em cápsulas.
Possui as mesmas características no que tange ao downregulation dos
receptores e efeitos colaterais semelhantes aos outros termogênicos β-
adrenérgicos. Talvez a grande dificuldade na utilização do medicamento é a
titulação de uma dose eficaz e tolerável. A apresentação em comprimidos é de
2-4mg/comprimido e xarope de 2mg/5ml.

Posologia: salbutamol em escalonamento com aumento de 2mg/dose/dia


conforme tolerância, 3x/dia, 5 dias on e 2 dias off. (Ex: 2-2-2, 4-4-4, 6-6-6, 8-8-
8, 10-10-10, off).

Bloqueadores de lipídios

Os bloqueadores da absorção dos lipídios são úteis, sobretudo em


dietas de bulking limpo (hipercalóricas, hipolipídicas, com CHO de baixo IG e
hiperproteica) ou cetogênicas (hipocalóricas, hiperproteicas e hiperlipídicas)

180
para inibir a absorção de “lipídios escondidos” em alimentos ricos em proteína,
como por exemplo, as carnes.

Especial atenção deve ser dada para o uso em longo prazo dos
bloqueadores de lipídios gerando carência de vitaminas lipossolúveis (A,D,E e
K) e desenvolvimento de esteatorréia em caso de libação gordurosa. Outro
benefício do uso é o do impacto na lipemia com redução do LDL.

Garcinia cambogia

Planta originada do Sul da Ásia, sul da África e Oceania que possui na


casca de seu fruto o princípio ativo ácido hidroxicítrico. Sua ação inibidora do
apetite vem sendo estudada desde o início da década de 90. Além de ser
anorexígeno, o ácido hidroxicítrico inibe a enzima ATP-citrato liase dificultando
a lipogenesis de novo, o armazenamento de gordura e aumentando as
reservas de glicogênio hepático. Esta propriedade torna a Garcinia cambogia
útil tanto para o cutting quanto para um bulking limpo.

Posologia: 500-1000mg VO 30 minutos antes das refeições ricas em


carboidratos de alto índice glicêmico e/ou gorduras.

Cassiolamina (caseolamina)

A cassiolamina é retirada do extrato da leguminosa Cassia Nomane. Seu


extrato tem a propriedade de inibir a ação da lípase pancreática de maneira
semelhante ao orlistat.

Posologia: cassiolamina 200-600mg VO cerca de 20-30 minutos antes das


refeições gordurosas.

181
Orlistat (Xenical®, Lipiblock®)

Substância produzida pelo Streptomyces toxytricini com atividade


inibidora da lípase pancreática. O orlistat tem o potencial em reduzir em 30% a
atividade desta enzima no organismo. Sua descrição é idêntica à cassiolamina.

Posologia: orlistat cápsulas de 120 mg VO cerca de 20-30 minutos antes das


refeições gordurosas.

Quitosana

A quitosana é um polissacarídeo presente no exoesqueleto de


crustáceos e obtidos pela deacetilação da quitina. Possui a propriedade de
formar complexos com lipídeos impedindo a absorção e gerando perdas fecais.
Apesar do mecanismo diferente, as utilidades da quitosana acabam sendo
semelhantes à cassiolamina e ao orlistat, mas permitindo uma associação
sinérgica com um desses dois compostos.

Posologia: quitosana cápsulas de 500mg VO cerca de 20-30 minutos antes


das refeições gordurosas.

Bloqueadores de carboidratos

Os bloqueadores de absorção de carboidratos são uma ferramenta útil


quando há o desejo em reduzir o consumo de carboidratos “escondidos” em
alimentos proteicos, como por exemplo, o queijo e leite, para realização de
dietas cetogênicas. Pode ser utilizado ainda em dietas convencionais com o
mero objetivo de reduzir a absorção dos carboidratos, dar conforto ao paciente
e reduzir o aporte total de calorias.

Faseolamina

A faseolamina é uma glicoproteína responsável pelo princípio ativo do


farelo do feijão branco Phaseolus vulgaris. A faseolamina bloqueia
182
parcialmente a ação da beta-amilase reduzindo a quebra de carboidratos
complexos em monossacarídeos ou dissacarídeos e consequente absorção.

Posologia: faseolamina cp VO de 500-1000mg em torno de 20-30 minutos


antes das refeições com “carboidratos escondidos”. Pode ser utilizado o farelo
do feijão branco moído na hora.

183
Parte VI (Distorção da
Autoimagem e
Overtrainning)

184
Capítulo 21 – Overtraining e Marcadores Metabólicos
do Estresse Físico

Guilherme Almeida Rosa da Silva

“Um excesso de vez em quando é ótimo. Impede a moderação de se tornar um


hábito.”

William Maugham

Introdução

A busca por um físico espetacular pode resultar em exageros por parte


do atleta em todas as etapas fundamentais (dieta, exercício, suplementação e
uso de substâncias). É rotineiro o comentário que a prática esportiva em busca
de objetivos cada vez mais extremos aproxima o indivíduo da doença e o
afasta da saúde. Justamente por este motivo que o acompanhamento médico,
nutricional e pelo educador físico é essencial para o atleta. Neste capítulo
abordaremos os marcadores metabólicos do estresse físico e as ferramentas
de acesso ao diagnóstico do overtraining.

Definições e terminologias

O primeiro conceito para entendermos o processo de overtraining é


definirmos a terminologia aplicada pelos estudiosos na área.

Undertraining

Estado orgânico em que a quantidade e qualidade de treinamento é


insuficiente para ganho de desempenho.

Overreaching Funcional

Estado orgânico em que eventualmente o treinamento resultará em


melhora de desempenho após a recuperação.

185
Overreaching não Funcional

Estado orgânico incipiente e transitório que ocorre quando o atleta não


respeita o equilíbrio entre o treino e recuperação.

Síndrome de Overtraining

Estado crônico de overreaching não funcional capaz de gerar alterações


clínicas e metabólicas negativas.

A partir destas definições podemos estabelecer que o atleta devesse


permanecer de forma ideal em overreaching funcional e deverá se afastar do
undertraining (escassez) e do overreaching não funcional e da síndrome de
overtraining (excesso). Este equilíbrio, melhor alcançado quando há suporte
multidisciplinar, depende da adequação dos pilares: dieta, treinamento,
descanso, suplementação e uso de medicamentos. Apesar desta gama de
fatores, os principais fatores implicados no desenvolvimento do overtraining
são os treinos intensos ou volumosos e o tempo de recuperação inadequado.

Neste exemplo temos um atleta em equilíbrio e que após um primeiro


momento consome suas reservas fisiológicas e que com um período adequado
de recuperação atinge um ganho de desempenho (overreaching funcional).
Caso esta situação fosse repetida, cada vez mais o atleta atingiria novos

186
ganhos de desempenho elevando seu patamar de equilíbrio. Entretanto o
período de descanso foi prolongado, sobrevindo perda de desempenho
(undertraining).

Neste segundo exemplo temos um atleta em equilíbrio e que após um


primeiro momento consome suas reservas fisiológicas e que com um período
inadequado de recuperação realiza um novo treinamento (overreaching não
funcional). Com a repetição desta situação, cada vez mais o atleta é afastado
do equilíbrio, consome suas reservas fisiológicas, desenvolve sintomas de
fadiga extrema e deixa de ganhar desempenho (overtraining).

Aspectos Físicos do Overtraining

Utilização das planilhas para avaliação do rendimento

A utilização de planilhas contendo todo o projeto de treinamento,


especificando a duração, carga, intervalo e o tipo de exercício pode ser uma
grande aliada ao atestar o ganho, estagnação ou perda de desempenho. Outra
vantagem é que levam em consideração as diferentes modalidades esportivas
e não necessita de nenhum suporte tecnológico avançado. Uma desvantagem
é o viés de aferição humana e as oscilações normais de desempenho.
Especificamente no fisiculturismo podemos considerar a evolução das medidas
antropométricas como fator avaliador do rendimento.
187
Protocolos de esforço

Os protocolos de esforço são testes de desempenho específicos e


projetados tendo como base o principal atributo físico utilizado na prática
esportiva em questão. Podem ser utilizados protocolos para verificar a carga
em que é realizada uma repetição máxima (RM), protocolos de esteira com
determinação do limiar anaeróbio, consumo máximo de oxigênio e curva de
lactatemia para, por exemplo, testar a resistência do organismo à anaerobiose,
protocolos de salto para avaliar a capacidade do indivíduo em saltar mais
vezes e mais alto, entre outros. Os protocolos de esforço seriam testes de
desempenho padronizados e de aferição mais confiável. Uma desvantagem é
que os protocolos de esforço testam um atributo e não o desempenho esportivo
como um todo.

Aspectos Psiconeurológicos do Overtraining

A síndrome de overtraining é o conjunto de sinais e sintomas associada


ao overreaching não funcional. Entre os sinais e sintomas mais frequentes
podemos citar: fadiga, desmotivação, insônia, irritabilidade, depressão,
ansiedade, cefaleia, inapetência e perda da libido.

Os aspectos psiconeurológicos do overtraining podem ser avaliados de


forma qualitativa por meio de entrevista com profissional capacitado ou através
de avaliação quantitativa por meio de questionários e pontuações.

Avaliação Qualitativa

- Experiência do examinador.

- Capacidade de individualizar os casos.

Avaliação Quantitativa

- Avaliação objetiva por meio de questionários e aplicável por qualquer


profissional.

- Inflexibilidade frente aos casos.

188
Marcadores do Estresse Físico

Os marcadores do estresse físico são exames bioquímicos capazes de


aproximar ou afastar o diagnóstico de overtraining. Devemos ter consciência
que nenhum exame é de diagnóstico preciso, havendo necessidade de reunião
de dados de história, exame físico e complementado por estes exames.
Atenção especial deve ser dada ao fato de que muitos destes exames sofrem
influências outras e não só o overtraining.

Glutamina

A glutamina é um aminoácido não essencial sintetizado a partir do ácido


glutâmico, valina e isoleucina. É o aminoácido livre mais abundante do tecido
muscular. É cogitado que a glutamina tenha um efeito osmótico intracelular e
sinalizador da hipertrofia. Outras funções potencialmente envolvidas são a
doação de nitrogênio para síntese de nucleotídeos e transaminação, atuação
como substrato para o sistema imunológico, controle do pH e a precursão de
neurotransmissores glutamato e GABA.

Referência: 480-800 μmol/l

Relação Glutamina/Glutamato > 3,58 (normal) < 3,58 (overtraining)

Hemograma Completo

Os principais dados do hemograma completo em relação ao estresse


físico são as alterações leucocitárias e eritrocitárias.

Entre as alterações dos leucócitos podemos citar que após uma


maratona, 98% dos corredores apresentam leucócitos > 19000 cel/ml
(referência: 4000-10000 cel/ml) e exercícios contra resistência gerariam maior
impacto na contagem de leucócitos/linfócitos em relação aos aeróbicos. Esta
leucocitose/linfocitose é apenas transitória (24h), com os neutrófilos e células
NK apresentando função deprimida em casos de overtraining. Estas

189
informações fazem parte de tentativas para explicar a janela imunossupressora
que aumenta a susceptibilidade às infecções de vias aéreas superiores em
atletas exauridos.

Entre as alterações eritrocitárias, exercícios vigorosos podem aumentar


em até 25% os eritrócitos circulantes, pode ocorrer queda da hemoglobina
após prova em triatletas e maratonistas (Hemólise e hemoglobinúria do
marchador), após a competição pode ocorrer queda no hematócrito devido a
reidratação e expansão volumétrica com queda da viscosidade sanguínea. O
overtraining possui um elo de relação com o aumento da viscosidade
sanguínea e ausência de queda do hematócrito em indivíduos em treinamento
“Paradoxo do Hematócrito”.

Marcadores Inflamatórios

Os marcadores de atividade inflamatória estão aumentados quando o


organismo é submetido a condições ameaçadoras, como por exemplo, a
presença de infecções, doenças autoimunes e neoplasias. O aumento na
produção dos chamados reagentes de fase aguda ao estresse é normal após
esforços extenuantes, mas devem ser normalizados com o repouso. Em
pesquisas, são utilizadas as citocinas inflamatórias (IL-1, TNF-α e IL-6),
indutoras do NFkβ e inibidoras de mTOR, para avaliar a resposta imunológica
ao exercício. Na prática clínica utilizamos a proteína C reativa (PCR)
referência: 1mg/dL (> 1-5mg/dl = overtraining) e a velocidade de
hemossedimentação das hemácias (VHS) referência: < 15mm/h (normal).

Exames Bioquímicos

Os principais exames bioquímicos utilizados no acompanhamento do


estresse físico em atletas são os marcadores de lesão muscular, tal como:
creatinoquinase (CK), lactato desidrogenase (LDH), TGO e mioglobina. A ureia
é utilizada como marcador de degradação de proteínas, associado ao
catabolismo e estresse energético durante exercícios vigorosos. Outros

190
exames bioquímicos que se alteram na presença de overtraining são o
aumento do ácido úrico, creatinina e do DNA plasmático livre. Atenção especial
deve ser dada ao fato de que todos estes exames sofrem outras influências
não somente relacionadas ao overtraining.

Referências: creatinoquinase (< 230 U/L), LDH (< 190 U/L), TGO (<40 U/L),
mioglobina (< 92 ng/mL), ureia (< 40mg/dL), creatinina (<1,3mg/dL) e ácido
úrico (<7 mg/dL).

Avaliação Hormonal

O overtraining e o estresse físico induzido pelo exercício resultam não


apenas em alterações hematológicas, imunológicas e bioquímicas, mas
também alterações hormonais. Um dos principais parâmetros endócrinos a ser
avaliado é a relação testosterona/cortisol. Com a progressão do overreaching
não funcional para o overtraining ocorre uma queda nos níveis séricos de
testosterona e aumento na produção de cortisol. Conforme a condição vai
sendo agravada e se tornando mais crônica, a produção de ACTH diminui
acompanhada pela queda do cortisol em um quadro clínico de fadiga grave
simulando uma insuficiência adrenal.

Outros hormônios alterados no overtraining e que podemos citar é o


desaparecimento do pico de GH e prolactina durante o exercício e o
desenvolvimento da síndrome do eutireoideo doente, em que pode ocorrer
baixa isolada de T4 livre e em casos mais graves, esta baixa pode estar
acompanhada de queda do TSH.

Relação testosterona/cortisol: as concentrações matinais de testosterona


e cortisol devem ser aferidas na pré-temporada e periodizadas após o início
dos treinamentos e competições. Uma queda superior a 30% na relação T:C é
indicativo de sobrecarga.

191
Capítulo 22 – Vigorexia, Anorexia, Bulimia e Ortorexia

Guilherme Almeida Rosa da Silva

“Quando você se apaixona, se apaixona por um espelho de suas necessidades


mais atuais.”
Deepak Chopra

Vigorexia

A vigorexia, dismorfia muscular ou síndrome de Adônis é um transtorno


psiquiátrico do espectro dos transtornos obsessivos-compulsivos caracterizada
pela insatisfação com o corpo e distorção da autopercepção corporal.

Adônis, na mitologia grega, era um jovem dotado de grande beleza que


nasceu do incesto do Rei Cíniras do Chipre e sua filha Mirra. Devido sua
grande beleza, Adônis despertou o amor da deusa da beleza Afrodite. Ares,
Deus da guerra e amante de Afrodite, ao saber da traição da deusa, decidiu
atacar Adônis enviando um javali para matá-lo. O animal desferiu um golpe
fatal na coxa de Adônis, que com o sangramento tingiu as rosas brancas em
rosas vermelhas. O jovem morto desceu então ao submundo, onde governava
Hades e sua esposa, a deusa Perséfone, que também se apaixonou por ele.
Isso causou um grande desgosto em Afrodite, com as duas deusas se tornando
rivais. Para resolver o embate, Zeus estipulou que Adônis passaria um terço do
ano com cada uma, mas Adônis, que preferia Afrodite, permanecia com ela
também o terço restante. Daí nasce o símbolo da vegetação que morre no
inverno e retorna na primavera.

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Estátua de Adônis exposta no Museu do Louvre – Paris.

A vigorexia ocorre de maneira mais frequente em homens praticantes do


fisiculturismo, que na busca de um físico espetacular distorcem a autoimagem
corporal pensando estarem sempre pequenos e fracos quando na realidade já
possuem atributos físicos bem desenvolvidos.

Estas características principais se desmembram em problemas que


variam desde mudança dos hábitos alimentares, excesso de exercícios, abuso
de suplementos, medicamentos anabolizantes e depressão que culminam na
deterioração da saúde.

A insatisfação com o corpo nasce da busca por um físico espetacular,


inerente ao fisiculturismo. A insatisfação é uma característica marcante dos
esportes e que resulta em maior dedicação para melhora de desempenho e
deve ser diferenciada da busca irracional por um objetivo inatingível. O limite
do patológico é difícil de ser estabelecido, mas pode ser atribuído a
comportamentos já citados que geram riscos consideráveis à saúde e
inadequação social. Muitos destes indivíduos usam várias camadas de roupa
para esconder o corpo e preferem o isolamento a demonstrar sua aparência
“frágil”. Esta insatisfação patológica pode ser resultado de influências por parte

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da sociedade, mídia, companheiros de esporte ou trabalho e pelo excesso de
preocupação em ser aceito socialmente e profissionalmente.

A autoavaliação da imagem corporal pode ocorrer de três formas: o


indivíduo pensa em extremos relacionados à sua aparência ou é muito crítico
em relação a ela; o indivíduo compara a aparência com padrões extremos da
sociedade (atletas de ponta); o indivíduo se concentra em um aspecto de sua
aparência (definição, volume e/ou simetria).

Anorexia

A anorexia nervosa é um distúrbio alimentar mais frequente em


mulheres, resultante da distorção da autoimagem que culmina em temor
intenso em ganhar peso, não aliviado e, pelo contrário, intensificado pela
redução do mesmo e que resulta em desenvolvimento de desnutrição grave
definida por um IMC menor ou igual a 17,5. Dependendo da etapa do
desenvolvimento pode resultar em peculiaridades, como baixa estatura em
crianças, amenorreia em adolescentes e adultas.

Dentre as características dietéticas, inicialmente ocorre a retirada de


alimentos vistos como mais calóricos e progressivamente evoluindo para
restrições muito severas na ingestão calórica (padrão restritivo). Métodos
adicionais de perda de peso incluem purgação por indução de vômito, uso
indevido de laxantes, termogênicos ou diuréticos e exercícios intensos ou
excessivos (padrão purgativo).

Em relação à distorção da autoimagem, alguns indivíduos pensam


estarem globalmente gordos e outros possuem preocupações específicas de
determinado segmento corporal (ex: coxas e abdômen). Um fato corriqueiro é a
pesagem sucessiva e a checagem intensa da imagem através do espelho. A
autoestima é baseada em resultados em termos de peso, sendo as grandes
perdas vistas como sucesso e o ganho, ou mesmo manutenção do mesmo,
visto como fracasso imperdoável.

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Outros transtornos e sintomas podem estar relacionados como
depressão, retraimento social, irritabilidade, insônia, baixa libido e
comportamentos obsessivos-compulsivos em relação à dieta e exercício
principalmente.

Bulimia

A bulimia é caracterizada por episódios de compulsão alimentar, com


ingestão acima da média de quantidades de alimento e calorias em uma única
refeição fora de contexto (ex: festa), seguido de sentimento de culpa e uso de
métodos compensatórios para evitar o ganho de peso. Os métodos purgativos
são vômitos, diuréticos, enemas e laxativos. Quando não há uso de métodos
purgativos, há uso de métodos compensatórios inadequados, como por
exemplo, aumento de exercício físico ou jejum prolongado. Para caracterizar o
transtorno devem ocorrer pelo menos dois episódios por semana em pelo
menos três meses. Problemas dentários, eletrolíticos, hidratação e
dermatológicos no dorso da mão podem ser ocasionados pelas induções de
vômito e outras medidas purgativas.

A prevalência é maior em mulheres em uma relação de 10:1. Pode estar


associado a transtornos como o transtorno de ansiedade generalizada e
transtorno depressivo. Existem casos vinculados ao fisiculturismo, mas são
menos frequentes. A bulimia está mais ligada aos portadores de obesidade em
pequenos e grandes graus, podendo ser desencadeada após inicio de terapia
dietética.

Ortorexia

A ortorexia não é um transtorno oficialmente reconhecido pela The


Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM V), responsável
por listar as doenças psiquiátricas. A ortorexia é uma preocupação excessiva
em consumir alimentos qualitativamente e quantitativamente saudáveis
gerando prejuízo físico e social.
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No campo físico, pessoas com ortorexia costumar ser estudiosas no
campo de nutrição e em muitas situações possuem julgamento comprometido
quanto à veracidade dos fatos sobre os alimentos. Tendem a superestimar
benefícios de determinados alimentos, como por exemplo, alimentos funcionais
e subestimar o risco, como por exemplo, hipervitaminoses em suplementações
vitamínicas.

Em relação ao campo social, pessoas com ortorexia costumam


apresentar inadequações em rituais que envolvem alimentação, como por
exemplo, jantares em festas de final de ano, aniversários e casamentos, que
podem culminar em isolamento e sentimento de culpa. É notado que estas
pessoas possuem uma maior dificuldade em estabelecer relacionamentos, pois
em diversas situações colocam a alimentação de forma prioritária.

É um distúrbio que merece maior atenção de estudos científicos e possui


potencial associação com o fisiculturismo.

Tratamento da Vigorexia, Anorexia, Bulimia e Ortorexia

O tratamento envolve uma equipe multidisciplinar constituída de


psiquiatra para tratamento medicamentoso de transtorno obsessivo-
compulsivo, depressão e ansiedade, terapia cognitivo comportamental para
conscientização do paciente de que está doente e treinamento da reversão dos
comportamentos danosos, tratamento psicológico e suporte nutricional.

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