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MISSÕES DA AMIDE
Brasília - 2015
ABELMON DE OLIVEIRA BASTOS
Brasília-DF
2015
ABELMON DE OLIVEIRA BASTOS
Data: 05/12/2015
_______________________________________________
Th.M. Valdeir de Souza Contaifer (Orientador)
_______________________________________________
Prof. Reginaldo Corrêa de Carvalho
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J.D. Ana Maria Castro Carneiro Costa
A Deus, Amor, Pai, Irmão, Amigo, Consolador, Refúgio,
Redentor, Justificador, Advogado, Senhor e Salvador da
minha vida e de todos que crêem.
A Deus que enviou seu Filho Amado para morrer em meu lugar por conta dos meus pecados,
e, assim, preencheu-me consigo mesmo, com nova vida e uma “vida nova”;
Ao meu pai, por seu incentivo desde a infância quando me mostrava empolgado as
maravilhas de um PC; e sua família, aos quais oro e agradeço sempre que me recordo;
Às minhas irmãs, Cândida e Rosângela, gamers casuais, pelo carinho, pela preocupação e
auxílio sempre constantes, pelos telefonemas e “saudades”, as quais desejo compartilhar
mais e mais da alegria do Senhor; e, neste desejo, incluo também Indira e Rebeca;
A todos os demais familiares (avó, tios, primos, sobrinhos), sempre queridos e cada vez mais
amados, aos quais desejo o “novo nascimento”, o crescimento e aconchego em Cristo, nesta
vida e no “porvir”;
À diretoria, missionários da AMIDE, corpo docente e discente do CEAM (seminário, EaD e
mestrado) agradeço por tudo, pois é “impossível” resumir aqui o que significam em termos de
crescimento, de capacitação e de vida nestes últimos anos;
A Anita, gamer, nerd, colega em missões, redimida pelo Senhor Jesus, por me inspirar com
seu TCC (o sal para a pipoca) e me ajudar a “gamificar” na UCB;
Ao professor, pastor e amigo, Pr. Valdeir Contaifer, gamer, meu orientador, homem de grande
coração que admiro, pois seu testemunho de servo de Cristo me trouxe ao CEAM;
À IBAM, igreja, comunidade, pessoas que Jesus preparou para que eu pudesse ter a
oportunidade de me entregar a Ele uma vez, duas... E aprendi a fazer isto com muita
freqüência: a cada dia é preciso fazer isto;
Aos amigos, colegas, irmãos de tantos outros lugares (BA, DF, GO, RN, PB, SP, RJ, MG, MS)
e que vale a pena mencionar, pois este trabalho carrega um pouco de cada um: IBM-IBAM,
Templo Batista no Vale do Amanhecer, Vinha-Rajadinha, IRT, CV-UNEB, InfoJr UFBA,
Oriente-se...
ありがとうございます。
“Não eduques as crianças nas várias disciplinas recorrendo à força,
mas como se fosse um jogo,
para que também possas observar melhor qual a disposição natural de cada um.”
O ensino bíblico é de tal importância que demanda a utilização de meios criativos para atrair a
atenção e permitir que as pessoas reflitam por mais tempo nos temas e assuntos bíblicos. Na
sociedade contemporânea, imersa na cultura digital, as novas tecnologias apresentam-se ao
uso educacional e pedagógico de maneira desafiadora, prometendo uma melhor eficiência
dos processos e eficácia do ensino. Ao mesmo tempo, verifica-se que o ensino da Bíblia
Sagrada precisa do atrativo comunicador, da manutenção da atenção crescente e continuada
e também do alcance ensinador das palavras-chave e de suas doutrinas basilares. É próprio,
portanto, que os recursos de nosso tempo, que estão em voga produzindo os melhores
resultados, sejam utilizados neste esforço. A “gamificação” é um desses recursos que procura
pela linguagem dos games (jogos eletrônicos) permitir a apreensão de conteúdos e estimular
o relacionamento continuado e duradouro com os temas bíblicos. O presente trabalho busca
definir e investigar a gamificação, avaliando sua aplicabilidade na área educacional, e em
especial em diversos contextos do ensino bíblico. Na própria Bíblia, encontramos a utilização
de recursos criativos de suas épocas (mensagens escritas, literatura diversificada, utilização
de alegorias, ironias, representações, música, dança, parábolas...) para chamar a atenção
para a mensagem e fazer pensar, refletir e posicionar-se diante do que realmente se faz
importante. Os missionários de todas as épocas se empenharam usando os recursos criativos
que tinham disponíveis. Há lugar para os games? Certamente que sim. E, em princípio, pode-
se considerar que há, ao menos, espaço para o uso dos elementos lúdicos característicos dos
jogos eletrônicos no ensino bíblico. O presente estudo visa auxiliar o preenchimento da
lacuna sobre a aplicabilidade da gamificação na educação cristã das gerações Y e Z, seja no
contexto eclesiástico ou fora dele - “no mundo”. Este trabalho finaliza com conclusões que
apresentam desde sugestões e ideias para trabalhos futuros.
Biblical teaching is of such importance that requires the use of creative ways to attract
attention and allow people to think longer on the themes and biblical subjects. In contemporary
society, immersed in digital culture, new technologies are presented to the educational and
pedagogical in a challenging way, promising a better, efficient and effective teaching process.
At the same time, we see that the teaching of the Holy Bible lacks attractiveness,
compromising the students' growth and continued attention, and also the transmission of
keywords and its basic doctrines. Thus, it is expected that the current resources that produce
the best results are used in this matter. The "gamification" is one of those resources that use
the 'game language' (video games) and facilitates the learning of Biblical content and
encourages continuous and lasting relationship with Biblical themes. This study aims to define
and investigate the gamification, evaluating its applicability in education, especially in contexts
of Biblical teaching. In the Bible itself, we find the use of creative ancient resources (written
messages, diverse literature, use of allegory, irony, representations, music, dance,
parables ...) to draw attention to the message and to make one think, reflect and challenge
themselves in light of what really is important. The missionaries of all ages made sure to using
the creative resources which were available. Is there room for games? Yes, definitely. And,
first and foremost, it can be considered that there is at least room for the use of fundamental
playful elements of electronic games in Biblical teaching. This study aims to help bridging the
gap on the applicability of gamification in the Christian education of generations Y and Z, in the
ecclesiastical context or outside it - "the world". This work ends with conclusions that brings
suggestions and ideas for future works.
Índice de ilustrações
Ilustração 1: Detalhe da capa do relatório da Timothy Partners (2008) alertando os pais e responsáveis
sobre o conteúdo de alguns games........................................................................................................ 34
Ilustração 2: Cena do game "O Poderoso Chefão II", PC-DVD, EA, 2009..............................................39
Ilustração 4: Piramide dos elementos dos games (WERBACH e HUNTER apud FARDO, 2014, p. 60,
tradução do autor)................................................................................................................................... 48
Ilustração 5: Diagrama do espectro com os tipos de motivação (WERBACH, 2014, ilustração adaptada,
tradução minha)...................................................................................................................................... 50
Ilustração 7: Quadro comparativo entre os ambientes de jogos e o de trabalho (VIANNA, 2013, p.48). 58
Ilustração 12: Diagrama da aprendizagem do jogador ao longo do tempo, por Kurt Squire (Ibid)..........67
Ilustração 14: Fotos dos tabuleiros e peças nas versões (b), (b) e (a)....................................................85
Ilustração 16: Pesquisa sobre o tema de 1Co 13, após filtragem de respostas válidas..........................93
Ilustração 18: Tabela sobre preferências por gênero e idade (VIANNA et al, 2013, p. 31).....................99
Ilustração 19: Definições alternativas para uma melhor adequação dos termos e possibilidades........108
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
INTRODUÇÃO .................................................................................................. 13
JUSTIFICATIVA ................................................................................................ 16
METODOLOGIA ................................................................................................ 18
2 GAMES .......................................................................................................... 29
3 GAMIFICAÇÃO ............................................................................................. 44
1 Cultura digital, à qual estamos imersos e que marca as gerações Y e Z (jovens, adolescentes e
crianças hoje), será definida posteriormente.
2 A definição do conceito de gamificação faz parte deste presente trabalho, sendo construída ao
longo dos próximos capítulos. Aqui, a priori, encaixa-se esta definição superficial.
3 Neste trabalho, o termo “game” não é sinômino ou tradução direta para a palavra “jogo”, mas é
usado como sinônimo para “jogo eletrônico”, seja o jogo de computador ou de celular, enfim, um
“jogo digital”. Esta distinção é comum na maioria das referências bibliográficas sobre o tema,
principalmente as citadas aqui.
13
interpretadas como teatro ou esquetes rápidas, a utilização do flanelógrafo, do quadro e giz,
das pinturas, gravuras e esculturas. Nas igrejas popularizou-se o retroprojetor, o filme super-
8 e o projetor de multimídia, Há lugar para os games? Certamente que sim. E, em princípio,
pode-se considerar que há, ao menos, espaço para o uso dos elementos lúdicos
característicos dos jogos eletrônicos no ensino bíblico.
O presente estudo visa auxiliar o preenchimento da lacuna sobre a aplicabilidade da
gamificação na educação cristã das gerações Y e Z, seja no contexto eclesiástico ou fora
dele - “no mundo”.
O capítulo 1 (p. 19) aborda o contexto cultural ao qual estão ligadas as gerações Y e
Z, e suas diversas facetas culturais, apresentando o cenário social, seus valores e
tendências.
O capítulo 2 (p. 29) define a diferença básica entre brincadeira e jogo, abrindo a
discussão sobre os games, a polêmica em torno deles, assim como seu potencial.
A gamificação é introduzida no capítulo 3 (p. 44), onde são apresentados os
resultados das pesquisas e levantamentos bibliográficos sobre o tema, abordando-o tanto
historicamente quanto conceitualmente. O capítulo 4 (p. 55) apresenta várias aplicações da
gamificação, exceto na área educacional, que é abordada no capítulo 5 (p. 64). Neste
capítulo, são apresentados alguns resultados, observações e restrições encontradas nas
principais pesquisas até o momento, sem esconder tanto seus benefícios quanto seus
malefícios.
O capítulo 6 (p. 71), serão introduzidas algumas definições sobre a educação cristã e
seu possível “casamento” com a gamificação, além de uma investigação sobre a validade e
aplicabilidade teológica da gamificação nesta área.
A discussão é aprofundada em relação à gamificação na educação cristã, no capítulo
7 (p. 83) quando o “início” efetivo da pesquisa de campo exploratória sobre a gamificação na
educação cristã de autoria própria, digamos, seu “game start” é apresentado.
O capítulo 8 (p. 96) são apresentadas sumariamente algumas lições aprendidas e
sugestões de aplicação da gamificação no contexto da educação cristã.
Por fim, as conclusões que apresentam desde sugestões e ideias para trabalhos
futuros até uma reflexão final para a Igreja... Então, aperte o “play” ;-) [>]
14
OBJETIVOS GERAL E ESPECÍFICOS
GERAL:
• Avaliar a utilidade, eficácia e conformidade bíblica do uso de gamificação na
educação cristã, especialmente no ensino bíblico orientado para jovens,
adolescentes e crianças, gerações Y e Z respectivamente.
ESPECIFICOS:
• Investigar e definir o contexto cultural ao qual estão ligadas as gerações Y e Z;
• Investigar e definir os conceitos de games e gamificação;
• Investigar e aplicar casos de gamificação em áreas distintas da educação e
avaliar seus resultados;
• Investigar o uso de gamificação na educação e seus benefícios e malefícios
nesta área;
• Identificar e investigar o uso da gamificação na educação cristã;
• Aplicar casos de gamificação na educação cristã no contexto do ensino bíblico e
avaliar seus resultados;
• Analisar a relevancia missiológica do preparo de educadores cristãos em relação
a tendência da gamificação na educação no contexto da cultura digital.
15
JUSTIFICATIVA
4 Este texto aponta que, em 2010, só nos EUA, a industria de games movimentou US$ 25,1 bilhões,
ultrapassando tanto a indústria fonográfica (US$ 15 bilhões) quanto a cinematográfica (US$ 10,5
bilhões).
5 O autor deste trabalho é um destes pesquisadores, que buscará defender esta ideia nos próximos
capítulos, incluindo a ideia de se atingir também objetivos espirituais através da educação cristã.
16
A gamificação na educação é um campo de aplicação recente e estudos e análises
mais profundas são desejáveis (Id., 2014)(FARDO, 2014). Porém, quando se trata de sua
aplicação no contexto da educação cristã, esta carência é ainda mais crítica e pode-se
afirmar que não há nenhum estudo direcionado sobre o tema atualmente 6, evidenciando a
necessidade de se avaliar sua aplicabilidade e validade teológicas.
Segundo Timothy Keller (apud RIBEIRO, 2014), a igreja não pode mais ignorar a
cultura, se ela o fizer – fechando os olhos para o que é bom, mau ou neutro segundo a
Bíblia – seus membros serão engolidos pela cultura. “Cultura é complexa, sutil e
inescapável”, por isso, se a igreja não raciocina intencionalmente sobre ela vai acabar se
conformando (à cultura secular). O posicionamento da igreja em relação à cultura não é
apenas uma questão eclesiástica, mas, antes. “uma combinação das convicções teológicas,
dos dons espirituais e do clima social entre ela e a cultura” (Id., 2014, p.59).
Paul G. Hielbert comenta (2010, p. 24):
A tarefa missionária é, em primeiro lugar, trabalho de Deus, e devemos
seguir sua liderança. Isso não elimina a necessidade de planejamentos ou
estratégias. Mas significa que devemos fazê-lo em atitude de submissão a
Deus, reconhecendo que Ele age quando quer, quase sempre de maneira
que não podemos entender.
É importante que missionários, teólogos, líderes e educadores cristãos tenham uma
visão crítica sobre as tendências da sociedade assim como os recursos disponíveis em seu
tempo para usá-los de forma redentiva como meio, se for possível, para propagar o
evangelho, e assim (Oshalá!7), alcançar e salvar alguns.
O presente estudo visa auxiliar o preenchimento desta lacuna, focando na possível
aplicação da gamificação na educação cristã de jovens e adolescentes, grupo identificado
como gerações Y e Z atualmente.
7 Expressão hebraica algumas vezes grafada como “Oxalá” que traduzida quer dizer: Queira Deus!
17
METODOLOGIA
18
1 CONTEXTO CULTURAL
Cultura, para Hielbert (1999), são “sistemas mais ou menos integrados de ideias,
sentimentos, valores e padrões associados de comportamento e produtos, compartilhados
por um grupo de pessoas que organiza e regulamenta o que pensa, sente e faz” numa
dimensão cognitiva (conhecimento compartilhado entre membros de um grupo), afetiva
(sentimentos e estética) e avaliadora (valores e fidelidade). O evangelho deve atuar nestas
três dimensões: entendimento da verdade bíblica, sentimentos em relação a Deus (e sua
condição própria de pecador), assim como seus valores. As três dimensões culturais são
essenciais na conversão de um indivíduo. Hielbert completa (Ibid., p. 29):
Os missionários enfrentam muitos dilemas, mas nenhum tão difícil quanto
aqueles que tratam da relação do evangelho com as culturas humanas.
Essas questões não são novas. No livro de Atos, várias questões surgiram
[...]. O evangelho não pertence a nenhuma cultura.
Portanto, neste capítulo, tentaremos trazer uma luz sobre as faces da “cultura” que
permeiam a sociedade contemporanea, influenciando hábitos e acelerando a difusão e a
mudança de valores culturais: a “cultura digital”, a cultura “gamer”, a cultura “pós-moderna”...
Estas faces geraram o contexto das gerações que circulam na sociedade.
8 Subentende-se aqui os antecessores destes aparelhos citados como também seus sucessores:
agendas eletrônicas, CD/DVD/Blue-ray players, palms, notebooks, netbooks, ultrabooks,
smartphones, tablets, mp3 players e derivados...
19
A cultura digital é caracterizada por sua conectividade, presença crescente das
novas tecnologias (focaremos especialmente nos games) e imersa na pós-modernidade:
estes três pontos serão destacados neste trabalho para descrevê-la.
Uma das características da cultura digital é sua relação com o meio eletrônico, meio
digital, pautada por “marcos históricos” relevantes. Segundo LEMOS (2005):
O desenvolvimento da cibercultura se dá com o surgimento da
microinformática nos anos 70, com a convergência tecnológica e o
estabelecimento do personal computer (PC). Nos anos 80-90, assistimos a
popularização da internet e a transformação do PC em um “computador
coletivo”, conectado ao ciberespaço, a substituição do PC pelo CC (Lemos
2003). Aqui, a rede é o computador e o computador uma máquina de
conexão.
O surgimento da “rede mundial de computadores, a internet, provocou uma mudança
muito profunda em todo o mundo, transformando os relacionamentos entre as pessoas nas
mais diversas áreas, incluindo a economia e a educação, verificando-se a criação de termos
como: e-mail, e-commerce, e-marketing, e-business, e-enterprise, e-learning... enfim, os “e-”
de “eletronic” (eletrônico). Sobre a internet, a sociedade pôde usufruir de uma nova
modalidade de ensino-aprendizagem mediada pelos suportes tecnológicos digitais e pela
própria rede, o e-learning9, que foi inserido em sistemas de ensino presenciais
(convencionais), mistos ou completamente realizados por meio da distancia física.
O fato da cultura digital ser marcada pela presença da tecnologia traz também uma
outra característica: a constante evolução tecnológica e a consequente “obsolência
programada”10 de produtos com grande periodicidade. O lançamento de novos produtos
inclui tanto o hardware (parte física de um aparelho eletrônico), como também o software
(parte lógica), i.e., os sistemas e seus padrões. Desta forma, um recente exemplo
emblemático é que, em 2011, foi constatado 11 que o número de usuários de redes sociais
ultrapassava os usuários de e-mail.
12 Recomenda-se a obra “Game over: jogos eletrônicos e violência” da pesquisadora Dra. Lynn
Alves, pela Editora Futura.
21
acesso a mídias como livro, jornal, rádio e televisão, caracterizados por um fluxo de
comunicação em sentido único, monológico.
◦ Oito normas caracterizam essa geração da geração de seus pais e avós: 1)
valorizam a liberdade individual; 2) investigam tudo no mundo online; 3) desejam
customizar tudo; 4) céticos e analíticos ao que vêem e lêem na mídia; 5)
valorizam a integridade nos compromissos, priorizam ser honesto, respeitoso,
transparente e fiel; 6) colaboram e compartilham tudo com os amigos online e no
trabalho; 7) vivem em alta velocidade; 8) adoram inovar.
• “Nativos digitais” (por Prensky, 2010): crianças, adolescentes e jovens que pensam
e processam informações de uma maneira fundamentalmente diferente dos
“Imigrantes digitais”13, por terem crescido convivendo com as novas mídias, por
continuarem interagindo com elas em grande parte do seu tempo. Eles possuem
uma experiência tecnológica adquirida e aperfeiçoada durante anos de interação e
prática, possuindo diferentes atitudes em relação ao uso da tecnologia. Para esse
autor, os Nativos digitais criaram sua maneira própria de agir, pensar e de se
relacionarem socialmente.
Como vimos, os jogos eletrônicos já influenciavam as gerações anteriores às
gerações Y e Z, através de títulos (de jogos eletrônicos) históricos que surgiram nos
“arcades” como Pong (1972), Asteroids (1979), Pacman (1980), Tetris (1984), Street Fighter
II (1991) dentre outros. Desta forma, os pais já se divertiam com os games e passaram este
hábito à geração mais nova.
Na década de 80, os consoles de videogames dominavam o mercado do
entretenimento digital, porém após o surgimento de PCs com maior capacidade de
processamento, foi possível ampliar a qualidade gráfica dos jogos eletrônicos, além de uma
maior variedade de títulos. Games como Warcraft: Orcs & Humans (1994)14 já permitiam
jogar online com um outro jogador através da conexão via modem, nos primórdios da
internet.
A partir de 1995, as políticas públicas ampliaram o acesso à internet, aumentando
significativamente o número de pessoas conectadas. Este cenário incentivou ainda mais a
produção de games que aproveitassem o uso da rede de forma criativa, seja em pequenas
13 “Imigrantes digitais” seriam os integrantes da era pré-digital, que, apesar de se adaptar ao novo
ambiente digital, mantêm, em alguma medida, seu pé no passado (NEVES, 2011).
A cultura “pós-moderna” também identificada como “cultura pop” por Ana Paula
Ribeiro (2014) tem influenciado a cosmovisão ocidental consideravelmente a ponto de
propagar uma transformação social, a qual Durkheim chamaria de fato social 17. Segundo a
pesquisadora:
A cultura pop tem sido responsável por moldar o pensamento da sociedade,
afirma Turnau18. Para exemplificar, o autor reflete sobre a mudança da
percepção da sociedade sobre mulher, sexo e beleza desde que a Playboy
entrou em circulação em 1953. Outro exemplo que ele propõe, é como a
15 MMOG é uma sigla para “Massive Multiplayer Online Game”, incluindo o famoso subgênero
MMORPGs característico do World of Warcraft (2007).
16 “Game Design” pode designar tanto o projeto completo de um game quanto o próprio processo de
projetá-lo, “design”. Num projeto de game, são descritas suas características principais como
jogabilidade, controles, interfaces, personagens, armas, golpes, inimigos, fases e todos os
aspectos gerais do projeto (enredo/roteiro, gênero, dinâmicas/mecânicas etc) (LEITE, 2013).
17 Fato social é uma “mudança na forma de agir, pensar, decidir, se relacionar, sentir, crer etc.,”
(RIBEIRO, 2014, p. 46).
18 A obra de Ted Turnau referenciada e citada por Ribeiro (2014) é “Popologetics: popular culture in
christian perspective”, P&R Publishing, 2012.
23
vida das celebridades alterou a noção global de sucesso material. Ou ainda,
como o senso de humor se tornou mais debochado desde que Os Simpsons
foram ao ar pela primeira vez em 1989. Para o autor, esse impacto da
cultura pop na visão de mundo contemporanea beira a religião.
Rubens Muzio (2013) destaca a era atual, “pós-moderna”, como um tempo em
constante mudança e ainda indefinido. Neste tempo, as funções eclesiásticas perderam o
espaço e valor na sociedade contemporanea que só qualifica e considera títulos e formação
acadêmica, dentro de funções sociais “aceitáveis” pela própria sociedade.
Não se pretende aprofundar muito nesta descrição da cultura pós-moderna, por ela
estar bem descrita no trabalho de Ribeiro (2014), e partindo dele, segue uma interpretação
de algumas ideologias propagadas pela cultura pós-moderna, também identificada como
“cultura pop”: hedonismo, individualismo, sincretismo, relativismo, misticismo, secularismo,
pluralismo, racionalismo, utilitarismo e pragmatismo. O homem pós-moderno, segundo
Henrique Rojas, seria “light”, sendo hedonista, insensível, vulnerável, contraditório e vazio
de ideais (BARTH, 2007).
Apesar do homem pós-moderno ter como aspecto positivo sua abertura e liberdade à
novas experiências, ele se firma como o “centro do universo” e “mesmo percebendo a
verdade de certas proposições éticas históricas e sociais, ele as rejeita, porque não provém
de sua própria formulação ou experiência”. Tal cosmovisão gera uma moral cristã deturpada
de diferentes formas (sem pecado, de situação, neutra, pragmática/utilitarista e hedonista)
ou até mesmo afasta completamente este homem para uma abertura ao esotérico e até
mesmo ao culto ao mal. O sincretismo ganha força ao passo que há uma ressignificação
dos valores e verdades absolutas (já relativas).
É imprescindível comentarmos sobre a arte contemporanea, na sociedade pós-
moderna. Ela é fruto da cultura e influenciadora da mesma simultaneamente. A arte
contemporanea é geradora de polêmicas dentro e fora do meio artístico, sendo, por vezes,
comparada pelo senso comum e até pelo crítico de arte nova-iorquino James Gardner
(1996) como “lixo”, diante de mecanismos sociais que possibilitaram um simples utensílio
doméstico, um bule, ser vendido por US$ 24 mil no mercado paralelo de arte.
“Como um bom número de escritores observou nos últimos anos, a arte que
começou como condutor da religião agora se transformou no substituto
dela. Mas ao contrário da religião tradicional que distinguia os meios dos
fins e o processo de efetivação, a arte é, ao mesmo tempo, a inspiração
para esse sentido religioso, seu condutor e seu objetivo.” (GARDNER, 1996,
p. 21)
24
Durante a época de simbolistas como Gustave Moreau e Paul Gauguin, a arte
passou a ser objeto de adoração por completo: a obra, seu autor, o processo criativo em si
etc. Abriu-se espaço para “artistas” como Chris Burden que num “ato”, em 23 de abril de
1974, crucificou-se numa traseira de uma Volkswagen. Outro “artista” contemporaneo é o
austríaco Herman Nitsch que executava um ato anual, em seu castelo, em Prinzendorf com
sacrifícios de animais e rituais que pareciam vindos de uma seita satanica. Ao ser
questionado por sua extravagancia, ele respondeu: “A liturgia concentrada do Teatro de
Orgia e Mistério” pode se expandir num processo que dura uma vida inteira e acentuar seus
valores e significados através de um ritual estético” (GARDNER, 1996, p. 22).
É fato que os games também apresentam arte, em seus diversos componentes:
música (trilha e efeitos sonoros), narrativas (textos, roteiro e diálogos), interfaces gráficas
(ícones, ilustrações, modelos 2D/3D etc), animações, vídeos. Por sua vez, a cultura “pop”
tem influenciado os games com suas ideologias também por meio das artes e vice-versa.
Todo cuidado é pouco para se consumir cultura e não, lixo.
1.4 Gerações Y e Z
19 Há ainda falta de consenso nas literaturas pesquisada quanto ao período correto destas gerações,
por exemplo em (PRADO, 2015a), considera-se os nascidos entre 1982 e 2002, como “geração
Y”. Logo deve-se interpretar o intervalo entre estas gerações de maneira mais flexível, focando-se
na diferença de comportamento entre elas.
25
Eles são críticos, dinamicos, pró-ativos, exigentes, “convictos”, autodidatas (com tendência
generalista), criativos, “multitarefas”, hedonistas... além de se permitirem "pular etapas" para
chegar a um objetivo (como ignorar informações secundárias ou intermediárias). Segundo a
coordenadora de um colégio em São Paulo, Silvana Leporace: "Eles tem a necessidade de
aprender a se auto-gerenciar". A jornalista Heloísa Mendonça (2015) destaca:
Os nascidos neste milênio não querem abrir mão do seu tempo livre. Não
consideram que trabalhar muito e ficar no escritório horas depois do fim do
expediente seja gratificante.[...] A coach Marie-Josette ressalta, entretanto,
que é importante que as companhias se perguntem se realmente estão
prontas para a Geração Z. “Esses jovens podem dar muita dor de cabeça, e
muito grave, se a empresa não atender às suas necessidades, tanto como
clientes quanto como funcionários”, afirma.
No ano 2000, o projetista de sistemas, Steve Krug, lançou um livro cujo título reflete
uma visão pragmática dos usuários da internet: “Não me faça pensar!” (2006). Segundo
Krug, estava deve ser a principal regra na mente de um projetista para criar interfaces fáceis
de usar para qualquer pessoa. Não se trata de chamar o usuário de “burro” (embora alguns
designers pensem desta forma sobre o usuário), mas de evitar que ele perca tempo e
demande muito esforço para entender onde está a informação que ele precisa num sistema.
Na internet, despontam duas características - a objetividade e o pragmatismo: a
primeira é positiva, já a segunda negativa, pois tende a minimizar o esforço das pessoas,
incentivando, a impaciência, a preguiça e o comodismo. Sobre esta questão, a socióloga
Sherry Turkle (apud MOURA, 2007) também completa: "O jovem não lê as instruções, não
sabe e não quer saber do princípio que está sendo ensinado". A Geração Z tem acesso à
muita informação por meio da rede e das novas tecnologias, “mas não se aprofundam em
nada" diz Diogo Forghieri, da Randstad (apud MENDONÇA, 2015). "Um jovem hoje tem
uma forma de pensar, de se organizar e de agir que é diferente da geração anterior",
segundo a pedagoga Shirlei Resende (apud CATHO, 2009). Segundo Ribeiro (2014), esta
forma de pensar diferente destas novas gerações foi inseminada artificialmente pelas
ideologias propagadas pela cultura “pop”, pós-moderna, com a mesma eficiência de uma
abelha que poliniza as flores.
Entretanto, Isa Beatriz da Cruz Neves (2011, p. 55) alerta que os “Nativos digitais”
estariam se tornando ultra-informados, ao mesmo tempo, em que estariam menos sensíveis
a algo que lhes “acontecem” ou lhes “toquem”, uma vez que, para isso ocorrer é preciso um
gesto de interrupção, no qual se possibilite parar para pensar mais devagar, olhar, escutar
26
aos outros, sentir, suspender a opinião, o automatismo da ação, cultivar a atenção, a
delicadeza, enfim, ter paciência e dar-se tempo e espaço.
27
necessidades e nos desejos das pessoas que dele participam: é um ato dedicado a Deus,
sua glória e exaltação, e como gratidão por tudo o que ele é e faz.”.
Há outros paradigmas, mas estes dois foram destacados neste trabalho para
evidenciar que há momentos em que eles devem entrar, assim como há outros em que eles
devem ser rejeitados. Acima de tudo o que se deve evitar é o exagero destes paradigmas e
a motivação errada para as mudanças nas atividades da igreja, pois “o Senhor examina o
coração sincero e sabe quando o líder é autêntico. (…) O entretenimento enfatiza o estético
e despreza o ético. É mais fácil falar do que fazer; é mais simples cantar do que colocar em
prática” (Id., 2013, p. 63).
Deve-se tomar cuidado sempre, e buscar o orientação da Palavra com constante
oração e humildade. Para Muzio (2013, p. 71), “[...] os paradigmas acabam deslocando o
centro da identidade da igreja do Reino para as tendências da cultura circunvizinha.[...]
Apesar de atraentes e prometerem sucesso, estes paradigmas tendem a aprofundar a crise
de impotência e inutilidade pastoral”.
Além das culturas mencionadas que integram a cultura contemporanea, há ainda
uma outra face não mencionada: a cultura urbana. Muzio (2010) estimava que neste ano,
2015, haveria em torno de 28 cidades com mais de 10 milhões de habitantes,
“megacidades”, sendo que em algumas espera-se até 20 milhões (Tóquio, Mumbai, Jacarta,
Karachi, Lagos e São Paulo). Há ainda cidades que concentram poder de decisão
econômica etc: cidade global. “As cidades são o principal campo missionário do século XXI”
(Dr. Charles Van Engen apud MUZIO, 2010, p. 203). As cidades também crescem em
termos de problemas (sociais, econômicos e políticos).
Há, portanto, diferentes grupos culturais nos centros urbanos, e a cidade passou
também a ser um conceito sociológico. Para alcançar seus habitantes é preciso um trabalho
realizado com o Espírito Santo, em três pilares: intuição, experiência e pesquisa. Conhecer
o contexto cultural ao qual se está inserido é um importante passo para alcançar as pessoas
com uma mensagem contextualizada.
A cultura “pós-moderna” traz suas próprias problemáticas e cabe ao missionário
saber lidar com elas. O relativismo, por exemplo, traz o questionamento sobre Deus previsto
na BS (2Ts 2:3,4), mas na própria Palavra há o questionamento sobre o questionamento (cf.
Jó 17:12-15), de forma que nada é oculto aos olhos de Deus. O missionário que trabalhar
sob a orientação do Senhor há de prosperar nos propósitos determinados por Ele.
28
2 GAMES
Segundo Johan Huizinga20 em sua obra clássica “Homo Ludens” (2001), o ato de
brincar faz parte do ser humano de maneira quase “instintiva”, pois observa-se a presença
de elementos lúdicos também no comportamento dos animais. O ato de brincar é
descompromissado, fluindo como uma forma de experimentação do ser humano com o
mundo, deve ser uma atividade livre, espontanea, é um reflexo psicológico, um fenômeno
fisiológico. Desta forma, fica implícito que os jogos sempre fizeram parte da cultura humana
desde os primórdios da civilização.
Há importancia tanto para o papel da brincadeira no desenvolvimento social do ser
humano quanto para o jogo. Porém quando Huizinga se refere à palavra “jogo”, ele está
lidando com o ato de “jogar” em distinção ao ato de “brincar”. O jogo ultrapassa os limites da
atividade puramente física ou biológica, pois encerra um determinado sentido. Quando
numa experiência de jogo, o ser humano desloca-se para um “círculo mágico” distante da
realidade com novas regras que transcende as necessidades imediatas da vida e confere
um sentido à ação de jogar (HUIZINGA, 2001).
Assim como o brincar, o jogar também é uma “atividade livre, conscientemente
tomada como 'não-séria' e exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver
o jogador de maneira intensa e total, praticada dentro de limites espaciais e temporais
próprios, segundo uma certa ordem e certas regras”. O jogo traz, em si, uma separação
espacial da vida cotidiana, ao mesmo tempo que também “promove a formação de grupos
sociais com tendência a rodearem-se de segredo e a sublinharem sua diferença em relação
ao resto do mundo por meio de disfarces ou outros meios semelhantes” (Id. apud FARDO,
2014). Porém, o jogo se destaca por sempre conter regras, e dentre elas, uma regra é maior
20 Johan Huizinga é um dos principais teóricos sobre o ato de jogar, conceituando-o em termos de
antropologia e filosofia com objetividade acadêmica na sua obra “Homo Ludens: O Jogo como
Elemento da Cultura”, obra considerada uma “leitura obrigatória” para os pesquisadores da área.
29
e determina o objetivo do jogo, uma “condição de saída”, uma “saída quantificável” que
determina quando o jogo termina.
A visão pragmática e acrítica da sociedade em geral, não vê o ato de brincar como
algo importante para o crescimento cognitivo da criança. Entretanto, educadores e
missionários tem enxergado esta importancia e ajudaram a desmistificar a visão errônea e
antiquada de que “brinquedos não são necessários, seriam supérfluos para crianças”21.
Na Bíblia Sagrada, o ato de brincar é apresentado como um elemento cultural, sendo
usado com sinônimo de “divertimento infantil” (cf. Jó 41:5; Is 11:8)(BOYER, 2006). Em
especial, destaca-se o versículo Zc 8:522, pelo apelo escatológico que descreve um contexto
de paz, esperança e justiça futuras: “E as ruas da cidade se encherão de meninos e
meninas, que nelas brincarão.”
Observa-se também outros versículos bíblicos que indicam o ato de brincar e o
prazer:
1. Em Gênesis, o ambiente do “jardim” do Éden subentende-se um lugar lúdico de
alegria, felicidade e harmonia entre o Criador e a criação, e entre a humanidade
representada em Adão e Eva.
2. Provérbios 8:30,31, narra a sabedoria habitando desde o princípio da criação, em
regozijo, alegria, delícias, folga, gozo principalmente com os “filhos dos homens”.
3. O prazer não é condenável se este estiver centrado em Deus e em Sua vontade.
Por exemplo, em Provérbios 3:17,18: “Os seus caminhos são caminhos de
delícias, e todas as suas veredas são paz. É árvore da vida para os que dela
lançam mão, e bem-aventurado é todo aquele que a retém.”, podemos ver o
paralelo criado entre os termos caminhos (do Senhor), delícias, paz, árvore da
vida, vida. (cf. Sl 1:1,2; 28:7; 112:1; 119:24,77,92,174; Pv 10:23; 12:20; 16:13;
21:15,17; Ct 7:6; Ec 12:1; Is 54:1; Rm 15:13...).
4. Ec 11:8,9 indicam que o ser humano deve viver e aproveitar a vida, mas com a
lembrança de que em tudo prestaremos contas a Deus.
Por outro lado, o divertimento do insensato é o pecado, a prática da iniquidade; e a
busca obstinada pelo prazer não é sábia. Ser sábio para o inteligente é que é divertido (cf.
Pv 10:23). Já, em alguns trechos bíblicos, o ato de brincar apresenta um julgamento prévio
quando esta atividade está ligada à insensatez, ao escárnio, depreciação em relação a
outros, à inconsequência etc (cf. Pv 26:19).
21 Esta frase foi colhida a partir de material da APEC (Aliança Pró-Evangelização das Crianças) e de
entrevista com a missionária, Satie Julia Mita, da instituição, no dia 30 ago. 2015.
23 “… but we enjoyed playing games and were punished for them by men who played games
themselves. However, grown-up games are known as ‘business’ and even though boys' games are
much the same, they are punished for them by their elders. No one pities either the boys or the
men, though surely we deserved pity, for I cannot believe that a good judge would approve of the
beatings I received as a boy on the ground that my games delayed my progress in studying
subjects which would enable me to play a less creditable game later in life…” (Saint Augustine
(A.D. 354-430), Confessions, Book 1:10)
31
Assim, verifica-se a importancia dos jogos de maneira geral. Já os jogos eletrônicos,
também chamados de games, constituem a categoria de jogos em meio eletrônico,
diferentemente dos jogos em meio analógico como os jogos de cartas ou de tabuleiro por
exemplo. Há ainda outros termos que podem ser usados como sinônimo para a palavra
“games”, embora seus significados sejam levemente diferentes: jogos digitais ou jogos jogos
computadorizados e suas variações (jogos de/por/no computador) (CLUA, 2015).
Até este ponto, foi levantada a diferença entre a brincadeira e o jogo. Porém,
devemos questionar sobre a relevancia e contribuição dos jogos eletrônicos em nossas
sociedade. Na próxima seção, avaliaremos os aspectos negativos e os positivos dos games,
isto é, sua influência na geração “gamer”.
O papel positivo dos jogos defendido por muitos especialistas em educação sofre
questionamentos quando o assunto são os jogos eletrônicos, pois é comum encontrarmos
casos obscuros de violência e vício em que os jogos eletrônicos estiveram presentes na vida
dos envolvidos. No Brasil, em 2005, estimavam-se cerca de 1% a 3% da população com
dependência patológica aos jogos de azar (ZAVALA, 2005), mas ainda não foi possível
mapear claramente a dependência em relação aos jogos eletrônicos, mas estima-se, na
Suécia, que de 30 a 40 mil adolescentes encontravam-se, em 2008, sob risco de se
tornarem dependentes de videogames (MULTIRIO, 2008).
Diante da possibilidade de vício dos games, Meneses (2013) questionou em sua tese
se os jogos eletrônicos poderiam ser considerados droga ou não. Um trecho de sua
pesquisa diz: “[...] quando o usuário ou jogador retorna a este prazer ou experiencia o
mesmo jogo diversas vezes, como a tensão gerada pelo cumprimento das metas dos jogos,
a retórica da dependência entraria em jogo e uma lógica seria estabelecida pela qual seria
possível referir-se ao usuário hardcore como um viciado”.
32
Ilustração 1: Detalhe da capa do relatório da Timothy Partners (2008) alertando os
pais e responsáveis sobre o conteúdo de alguns games.
24 É importante citar que temas como sexo e nudez estão presentes na Bíblia, porém, não se
questiona a existência de tais temas nos jogos eletrônicos, mas como estes são tratados e qual a
intenção. Um posicionamento cristão maduro não omite tais temas, pois eles fazem parte da vida
comum, mas os trata com cautela e com abordagem bíblica.
33
milhões para se manter o game atualizado (com novos desafios, armas, conteúdos...) a
cada quinzena durante os próximos 10 anos (BURGOS, 2014, p. 9).
Além desta motivação “mercadológica”, existem também interesses políticos e
muitas vezes religiosos por trás dos conteúdos nos jogos, como são os casos dos jogos
America's Army e Muslim Massacre (TIMES ONLINE, 2008a). O primeiro é um jogo
americano patrocinado pelo Pentágono no qual o jogador aprende técnicas de combate,
simulando um verdadeiro campo de batalha; já o segundo incita a violência dos ingleses
contra os muçulmanos. Por outro lado, existem também jogos contra os americanos, como é
o caso de um jogo patrocinado pela União para o Desenvolvimento Intelectual da Juventude
do Irã, cujo objetivo é libertar cientistas nucleares raptados pelos americanos e desarmar um
ataque ao país. Jogos e política tem uma ligação tão forte que a ECA 25 (Associação de
consumidores de entretenimento dos EUA) criou o site Game Politics26 para discutir o
assunto.
Uma matéria de 2008 da MultiRio, cuja fonte é a BBC (2008), cita detalhes de uma
pesquisa sobre o uso de games violentos:
“Além de observar os garotos enquanto eles jogavam os jogos (eletrônicos),
os pesquisadores também monitoraram os meninos à noite, durante o sono.
Eles constataram que os batimentos cardíacos irregulares continuaram
durante a noite. O estudo indica que jogar jogos violentos exerce impacto
sobre o sistema nervoso dos adolescentes, afetando potencialmente seus
sistemas biológicos centrais.”
Os exemplos citados deixam evidente que deve-se levar em consideração os efeitos
colaterais do conteúdo de alguns games inconseqüentes. Mas não se trata apenas do
conteúdo dos jogos eletrônicos, mas também do tempo que se dedica a eles. A
neurocientista britanica Susan Greenfield, autora do livro “The Private Life of the Brain” (A
Vida Privada do Cérebro), alerta: "As crianças que estão crescendo agora nesse ambiente
do ciberespaço, não vão aprender como olhar alguém nos olhos, não vão aprender a
interpretar tons de voz ou a linguagem corporal" (ROSSI, 2012).
Mark Joselli (2014) avalia a ética nos games e pontua:
Os games fazem um bom trabalho de ensinar e colocar o jogador em
conflitos morais, personificando o seu personagem, os jogadores engajam
em conflitos morais e podem exercer o exercem o seu senso moral. Nesse
caso, um aspecto ruim dos games, é que muitas vezes eles premiam os
26 http://www.gamepolitics.com
34
jogadores por escolhas que seriam eticamente erradas, como assaltos, e
assassinatos, criando um treinamento para a pratica de atos violentos.
Deve-se ter cuidado com o conteúdo dos jogos eletrônicos não apenas para o
público infantil, mas para qualquer público. Há tipos de jogos que só produzem o mal, além
de viciar e que são prejudiciais a qualquer pessoa de qualquer idade. Os jogos de azar são
um exemplo desta categoria, pois são definidos como “arriscar dinheiro na tentativa de
multiplicá-lo em algo que é contra as probabilidades” (GOT QUESTIONS, 2002) e alguns
versículos nos alerta para que fiquemos longe do amor ao dinheiro (1Tm 6:10; Hb 13:5) e
também nos encorajam a que fiquemos longe das tentativas de “enriquecimento fácil” (Pv
13:11; 23:5; Ec 5:10). “Certamente o jogo gira em torno do amor ao dinheiro e
inegavelmente tenta as pessoas com a promessa de riqueza fácil e rápida” (Ibidem.). Outros
versículos relacionados ao tema são: Pv 16:33; Mt 6:24; 1Co 6:12; Ef 5:5; 1Tm 6:9,10; Hb
13:5... (7GRAUS, 2009).
A seguir, é abordada também a potencialidade dos jogos eletrônicos para diversos
fins positivos, entre eles a educação.
Em 2010, Jane McGonigal (2010) divulgou sua tese sobre o motivo de sermos
melhor nos jogos eletrônicos do que na “vida real”. Ela questionava sobre o melhor uso das
10.000 horas de game que um jovem passaria em média até os 21 anos de idade, pois
segundo a “Teoria do Sucesso” de Malcon Galdwell no seu livro “Outliers”, esta seria a
mesma quantidade de horas e a mesma faixa etária necessárias para dominar qualquer
habilidade específica. Jane não defende que se pare de jogar, mas que seja possível usar
os jogos eletrônicos para a resolução de problemas mundiais.
O s gamers, segundo McGonigal (2010)(2011), apresentam características
necessárias pra atingir os objetivos propostos num jogo: “urgent optimism” (auto-motivação
extrema), “social fabric” (rede social ativa, forte e cooperativa), “blissful productivity”
(produtividade bem-aventurada – forte e perseverante), “epic meaning” (amor por missões
inspiradoras e relevantes)27.Infelizmente, os gamers acreditam que podem mudar o mundo
virtual, mas não o real. Para McGonigal, é preciso e é possível mudar isto usando-se os
próprios jogos eletrônicos. Em sua pesquisa, ela desenvolveu e aplicou games que
pudessem auxiliar a resolução de problemas no mundo real. Em um dos games construídos,
28 Algumas melhorias são obtidas a partir de gêneros de jogos específicos. Por exemplo, as
melhorias na visão de baixo nível foi percebida em games de ação FPS (First Person Shooter).
29 “Good games are possibility spaces in which we get good at doing new kinds of things and
becoming new kinds of people.”
30 “Guilda”, “clã” ou “facção” identificam um grupo específico de jogadores que se reúnem para
atingir um objetivo comum de forma cooperativa, possuindo suas próprias regras de conduta e
ética.
36
mais facilmente por conta de alguns mecanismos, citando alguns. Por outro lado, James
Paul Gee, pesquisador da Arizona State University identifica 13 princípios da aprendizagem-
baseada-em-jogos, sendo agrupados em 3 categorias: (1) “potencializar aprendizes”, (2)
“games como aprendizagem-baseada-em-problemas”31, e (3) “criar entendimento específico
e profundo”). Durante o desenvolvimento de um game para o ensino-aprendizagem, é
desejável pensar nas categorias de (1) a (3) sequencialmente: primeiro, motivando a
aprendizagem; segundo (e paralelamente), usar os games para a aprendizagem-baseada-
em-problemas; e por fim, criar um profundo entendimento daquilo que se deseja ensinar.
Abaixo, um resumo dos princípios de James Paul Gee (apud STEINKUEHLER e
SQUIRE, 2013):
1. O s games permitem ao jogador: sentir-se co-autor do conteúdo (agente);
aprender, progredir e agir de acordo com seu ritmo e estilo de aprendizagem;
formular perguntas (auto-)reflexivas; manipular o ambiente e aprender de
maneira incorporada.
2. Os games provêm a aprendizagem-baseada-em-problemas, pois eles: são
problemas bem ordenados e definidos; permitem a frustração prazerosa; são
“ciclos de expertise” onde permite às pessoas aprenderem de maneira
recorrente; provêm informações em tempo e sob demanda; dividem problemas
complexos em outros menores mais fáceis de compreender e resolver; permitem
a exploração entre intervalos de progresso; permitem praticar habilidades e
integrá-las em estratégias; são um sistema de pensamento (modelo baseado no
raciocínio).
3. Os games permitem o entendimento do significado situado (localizado). Tal
conhecimento é a base para se entender a resolução-de-problemas.
I
lustração 2: Cena do game "O Poderoso Chefão II", PC-DVD, EA, 2009.
Para Raph Koster, autor de “A Theory of Fun”34, nós, seres humanos somos muito
bons em identificar a ficção de modo distinto da realidade. Este seria o motivo dos jogadores
desconsiderarem as implicações éticas nos jogos eletrônicos, sem imitar as ações dos
personagens do game. Para Koster, os jogadores de “Gran Thief Auto III” não lêem a
mensagem 'transe com uma prostituta, e depois a mate', e após fazerem isto no jogo, vão
correndo fazer isto na vida real. Antes, os jogadores “lêem” a mensagem “power-up” ou
“bônus”. Tal pensamento é precedido do argumento de Huizinga (2001) sobre o “círculo
mágico” de fantasia ao qual o jogador está imerso, mas ao mesmo tempo consciente de que
as regras que valem no jogo pertencem apenas ao “mundo do jogo”.
Os argumentos de Koster e Huizinga explicam o motivo dos jogadores não imitarem
exatamente tudo o que aprendem nos jogos, porém não dão liberdade aos games para
apresentarem todo tipo de conteúdo. Embora exista uma ficção no game, a mente passa a
trabalhar a sugestão, fantasiando até um ponto em que a pessoa busque extravasar este
33 Atualmente (2015), a pesquisa que gerou este manifesto, seu conteúdo e seus resultados estão
sendo revistos pela APA em nota no site. Acesso em: 30 out. 2015.
34 E-book disponível para download aos alunos do MOOC “Video Games and Learning” no
www.coursera.org, na turma de 10/2013.
38
desejo. Se uma pessoa aprende jogando que pegar uma prostituta é vantajoso no espaço
virtual, ela poderá considerar esta hipótese como verdadeira no mundo real. Já foi
comprovado que os games podem ser usados para ensinar (FILHO et al, 2014). A pergunta
é: o que os games estão ensinando?
O conteúdo de um game influencia o comportamento das mentes em formação,
porém, o meio também pode ser danoso. Isto ocorre quando os jogos eletrônicos tornam-se
objetos obsessivos. Um estudo realizado pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das
Clínicas, em São Paulo, chama atenção para alguns traços de personalidade presentes em
jogadores patológicos: alto grau de extravagancia (isto é, dificuldade em guardar dinheiro e
facilidade em gastá-lo); menor prazer em vínculos sociais e afetivos; dificuldade de
planejamento; e um alto grau de impulsividade, chegando a ficar fora de controle quando a
pessoa começa a jogar, impedindo-a de interromper a atividade (ZAVALA, 2005).
Entretanto, estes estudos não podem ser considerados isolados de outras pesquisas
sobre os games. Pois, o jogo eletrônico é considerado uma nova mídia, e assim como uma
mídia de massa, ela pode apresentar tanto aspectos positivos como negativos a depender
das motivações e objetivos dos desenvolvedores e responsáveis pelo seu conteúdo: é como
compararmos a TV Globo com a TV Cultura.
Como vimos, não existem apenas aspectos negativos dos games, e a atividade de
jogar é um elemento cultural da sociedade em todos os tempos. Como exemplo disto, numa
das passagens bíblicas, encontra-se uma frase de Paulo na segunda carta à Timóteo que
usa uma metáfora relacionada aos jogos: “[...] se um atleta lutar nos jogos públicos, não
será coroado se não lutar legitimamente”35. O apóstolo Paulo usa os jogos para falar sobre a
quebra de regras, uma “má conduta” que não é aceita neste contexto. De fato, Huizinga
(2001) nos lembra que um dos benefícios dos jogos é o de ensinar regras e o treinamento
do convívio social. É uma atividade tão prazerosa para as crianças e jovens que este
aprendizado se concretiza desapercebido para eles.
Além disto, Paul Schuytema (2011, p. 183), pontua que, em game realmente bons
que envolvem o jogador, ocorre um estado de “hiperfoco”, também chamado de “flow”36, no
qual a pessoa está altamente concentrada e só ocorre quando se está envolvido em uma
tarefa interessante e difícil. Nem mesmo um filme ou livro consegue atingir tal estado.
Segundo Mark Joselli (2014), há estudos psicológicos e comportamentais mostrando
que games violentos aumentam a violência, ao mesmo tempo em que há outros estudos,
36 Schuytema cita a pesquisa de Mihaly Csikszentmihalyi, autor do livro “Flow: The psychology of
optimal experience”.
39
que vão de caminho contrário a estas afirmações, concluindo que eles fazem bem para
sociedade em geral. Porém, tais estudos não se contradizem, mas revelam que jogos
violentos podem causar dano psicológico aos jogadores, ainda que o conteúdo deles e suas
mecanicas auxiliem o desenvolvimento cognitivo. Há perdas e ganhos. Ao se produzir
games, deve-se buscar maximizar o lado positivo e neutralizar o lado negativo deles. Jogos
ruins são produzidos porque eles são consumidos. Cabe ao próprio público fazer um “filtro”
ao que consumir.
O presente trabalho tenta abordar os jogos eletrônicos como qualquer outra mídia,
assim como o filme, a música, as artes. Esta mídia apresenta-se de caráter neutro assim
como a televisão. Porém o uso (ou o abuso) que se faz dos games é que pode gerar frutos
indesejados na sociedade. Para se “gerar bons frutos” é preciso que a “boa árvore” os
produza (cf. Mt 7:17,18). Não há como termos bons games sem o sal dos ensinamentos de
Cristo. Desta forma, é possível apresentar novos usos dos jogos eletrônicos à uma
sociedade “perdida”.
37 Reunindo conceitos de Avedon e Sutton-Smith (1971), Huizinga (2001), Schuytema (2011), Fardo
(2014), Werback (2012, 2014)...
40
p o d e ser dividido em objetivos menores, dando a possibilidade do jogador
experimentar pequenas vitórias (“subvitórias”).
• Regras: há regra que governam as ações dentro de um jogo. Elas podem ser
classificadas nos seguintes tipos:
◦ operacionais: procedimentos que indicam como os jogadores devem jogar
(esquema de controle), como eles devem agir; e quais papéis cada jogador
deve assumir; o número de jogadores necessários para a partida;
◦ constitutivas: são regras abstratas e conhecidas somente pelo game
designer; elas estão sobre as ações e representam eventos, ações e
condições que trazem causalidade, supresa etc;
◦ implícitas ou comportamentais: regras não-escritas, mas que geralmente
fazem parte de um acordo social entre os jogadores; tratam-se de ações
inter-relacionadas ou "padrões de interação", a interação social intrínseca ao
jogo.
• Conflito: tensão causada pelo objetivo do jogador em vencer um desafio
específico ou um oponente (um NPC ou outro jogador).
◦ Um conflito pode ser de dois tipos:
▪ competiçao: a preocupação do jogador é com o próprio desempenho;
▪ cooperaçao: há trabalho em equipe para alcançar um objetivo em
comum.
◦ Estas interações do conflito também correspondem a padrões identificados:
▪ intra-individual, extra-individual, agregada, inter-individual, unilateral,
multi-lateral, intra-grupal e extra-grupal...
• Sistema de recompensas: a cada “subvitória” que o jogador alcança, é
importante que exista uma “recompensa” como incentivo pelo seu progresso. Um
exemplo de sistema de recompensas é o “PBL”38 (pontos, emblemas e rankings).
◦ Pontos: simplesmente a pontuação do jogador dentro do jogo; podendo ser
obtida por diversos meios que indicam o progresso, a habilidade e a “sorte”
38 “PBL” vem da sigla em inglês para “points, badgets and leaderboards”. Neste trabalho, optou-se
pela tradução (pontos, emblemas e rankings) sem mudar a sigla. Apesar da palavra “ranking”
também ter origem inglesa, ela já está incorporada à língua portuguesa (18.a), além disto o
sinônimo português “classificação” pode ter significado ambíguo.
(a) Segundo o resultado da consulta pelo vocábulo “ranking” ao site da Academia Brasileira de
Letras: http://academia.org.br/nossa-lingua/busca-no-vocabulario
41
do jogador ao longo da partida (ao encontrar “objetos especiais” por
exemplo);
◦ Emblemas: um “emblema” é um selo similar aqueles recebidos por militares
ao completarem objetivos ou ao receberem algum reconhecimento. “A
chave... é associar a ele uma conquista real, assim ele terá um valor
significativo e propósito” (PALMER et al, 2012, tradução minha). Bussarello et
al (2014, p. 29) traduz este elemento como “divisa”.
◦ Rankings: são componentes que informam a classificação de cada jogador
em ordem decrescente de pontos ou em termos de pequenas “conquistas”,
incentivando a competição. Este componente pode desmotivar os que estão
muito abaixo das melhores posições de classificação, exceto se o ranking for
reduzido a grupos pequenos de pessoas.
• Feedback: o jogador deve ser provido com um retorno de suas atitudes,
indicando acerto ou erro, entre outras informações que o ajudem a se superar e
alcançar o objetivo. Cada ação do jogador gera um tipo de resultado. O jogo tem
que ter ao menos um resultado, ao final de cada partida.
• Níveis: à medida que o jogador evolui no jogo, é preciso adequar sua habilidades
ao desafio do jogo, isto é, os jogadores devem se sentir desafiados por
problemas nem muito difíceis (para eles), nem muito fáceis. A todo este esquema
de níveis e o relacionamento destes com o crescimento do jogador e a sequência
da narrativa do game podemos chamar de “fluxo do jogo”, 'jornada do usuário” ou
gameplay.
◦ O fluxo de um jogo é a passagem de uma seção do game para outra, seja
ela um nível ou uma missão; e seu objetivo é assegurar um crescimento
contínuo do jogo em termos de desafio, reagindo ao desempenho do jogador
à medida que este se aprofunda cada vez mais no jogo (SCHUYTEMA, 2011,
p. 383).
• Pré-requisitos: alguns jogos podem ter pré-requisitos desde o seu “primeiro” (ou
único) nível. Eles podem existir ou não, a depender do jogo, e podem ser do tipo:
◦ Individuais: habilidades e aptidões cognitiva, motora-sensorial e afetiva
necessárias para a ação o jogo.
◦ Gerais: Requisitos físicos e ambientais, ou ainda equipamentos requeridos,
isto é, artefatos empregados no curso da ação.
42
• Diversao: é algo que se a atividade não tiver, dificilmente será reconhecida como
um “jogo” por seus participantes. Para Goffman (apud AVENDO, 1971), a
diversão, o entretenimento, a “euphoria” estão intrinsecamente ligados ao jogo.
Na verdade, nem todo jogo é divertido, mas é um elemento altamente desejável
para o seu sucesso. Paul Schuytema (2011) define um jogo divertido se ele
conter os seguintes ingredientes:
◦ Receptividade: também chamada de “voluntariedade”. É preciso criar um
clima “receptivo”, onde os jogadores se dispõem voluntariamente para jogar;
◦ Expectativas: um game deve criar boas expectativas nos jogadores. Depois
ele deve atender ou superá-las. Pode-se incluir aqui também as “expectativas
culturais” dos jogadores, aquelas que não foram geradas pelo jogo, mas são
intrínsecas.
◦ “Ingrediente X”: é como Schuytema identifica uma combinação de fatores
como surpresa (causalidade), coincidência (padrões reconhecíveis),
criatividade (materializada em ideias geniais), emoção extrema (ligada aos
sentimentos e aos desafios do game, permitindo “vitórias de virada” por
exemplo) e transitoriedade.
A diversão é um dos principais elementos de um bom game. Durante as diversas
investigações dos pesquisadores em se produzir jogos com fins educativos, houveram
muitas falhas, porque os desenvolvedores preocuparam-se muito mais com o conteúdo e
lastimavelmente esqueceram-se deste fator primordial para o sucesso de um game. Sobre
estes tipos de jogos, Isa Beatriz Neves (2011, p. 130) comenta:
Muitas vezes, ao invés de promoverem aprendizagem, esses jogos
desestimulam e cansam os jogadores que, ao perceberem a tentativa de
transposição dos conteúdos dos livros didáticos por via do mesmo formato
utilizado no dia-a-dia da sala de aula, acabam desistindo de jogar por achá-
los chatos, enfadonhos e sem ludicidade. Ainda mais se já tiverem
experiências com outros tipos de jogos que lançam mão de outras
estratégias mais sedutoras e essenciais na constituição de qualquer tipo de
jogo: o entretenimento, o desafio e a diversão.
43
3 GAMIFICAÇÃO
39 Um sinônimo possível para este termo é contextos “sérios”, visto que o jogo é caracterizado por
Huizinga (2001) como uma atividade livre conscientemente tomada como "não-séria" de caráter
lúdica. Este termo foi traduzido como “contextos fora de jogo” por Bussarello et al (2014, p. 15).
44
não-jogos. Desta forma, se considerarmos o conceito de design de games, temos a seguinte
definição de gamificação, mais próxima do que foi discutido:
Gamificaçao é o uso de elementos de games e de conhecimentos de design de
40
games para a resoluçao de problemas em contextos nao-jogos.
Ysmar Vianna et al (2013, p. 9,10) usa o termo em inglês “gamification” sem
estabelecer um equivalente em português, apesar de se referir à gamificação segundo a
definição acima. A contribuição de Vianna refere-se a tratar a gamificação como uma ciência
aplicada. De fato, a definição escolhida também aproxima-se desta consideração.
Os “problemas em contextos não-jogos” mencionados nesta definição podem estar
relacionados ao envolvimento dos participantes (desmotivação, desconhecimento), seu
engajamento, comprometimento ou qualquer outro em contextos diversos normalmente não
relacionados diretamente a jogos (área social, governamental, empresarial, educacional
etc).
A brincadeira e o jogo possuem elementos que fazem parte da vida social. Logo é de
se esperar que tanto a escola quanto o trabalho podem ser vistos como uma sequência de
desafios, missões e níveis com um emblema de recompensa ao final, seja na forma de
diploma, promoção no trabalho, algum status diferenciado, ou um bônus financeiro de um
47
ano (PALMER et al, 2012). Há intrinsecamente na vida humana, a noção de um jogo e o
potencial de atividades diversas serem “gamificadas” conscientemente e de maneira plena.
O principal potencial de um jogo está relacionado à motivação que ele cria em seus
participantes. A motivaçao pode ser descrita como “o fator que faz uma pessoa fazer algo
de maneira preferencial, ela está associada a razões e fatores, e suas inter-relações”
(WERBACH, 2014, tradução minha). Há dois tipos principais de motivação: intrínseca e
extrínseca. Jogos podem ser “uma poderosa ferramenta motivacional” (Id., 2012).
Há duas linhas da psicologia relacionadas ao comportamento humano, aplicando-se
diretamente à motivação que podem ser usadas na gamificação e estão inter-relacionadas:
• Behaviorismo: ela foca em como as pessoas se comportam, agem. Para
Werbach (2014), esta linha estuda o indivíduo como uma caixa preta de entradas
(estímulos) e saídas (comportamento), sem analisar o processo mental interno e
seus detalhes. Desta linha, surgem algumas ações práticos:
1. Observe as pessoas para entender mais seus comportamentos: é
possível fazer isto muito bem em “beta tests”42;
2. “Loops de feedback” podem ajudar uma pessoa a ter um retorno sobre
seu comportamento e mudá-lo ou reforçá-lo;
3. Reforço: games pode criar associações mais fortes, em termos de
conexões neurais, retendo melhor determinado conhecimento;
4. Jogadores podem aprender a executar determinada ação para disparar
um determinado evento – trata-se de “condições operantes” (“condições
através de consequências”);
5. Reforço através de um sistema de recompensas.
• Cognitivismo: foca os processos internos da mente. Trata-se de uma
alternativa da psicologia ao “Behaviorismo”, focando em “abrir” a caixa preta
do indivíduo, descobrindo o que realmente motiva as pessoas a se
comportarem de maneira específica. Para esta abordagem, é necessário
considerar diferentes tipos de motivação e recompensa:
1. Motivaçao intrínseca: quando uma pessoa escolhe algo a despeito de
qualquer recompensa externa, porque ela prefere aquilo;
49
(C) Introjeção: interiorização (absorção interna) da tarefa baseada no que as pessoas
pensam (valores) ou fazem;
(D) Identificação: a tarefa se identifica com os objetivos pessoais, identidade,
necessidades...
(E) Integração: há um completo alinhamento entre a tarefa e os objetivos pessoais,
mas a pessoa ainda precisa de um reforço para fazê-la;
(F) Intrínseca: há uma motivação plena para se fazer a tarefa a despeito de
recompensas, porque ela tem valor intrínseco para a pessoa. Há 3 características
deste estado que revelam o que a pessoa sente: competência (capacidade de de
fazer a tarefa e de alcançar algo com isto), autonomia (controle, domínio, livre-
arbítrio), contribuição43 (ligação da tarefa com um propósito ou significado
maiores do que a própria pessoa), segundo Deci e Ryan (apud WERBACH,
2014).
Um bom exemplo de aplicação deste teoria (da Auto-determinação) é o site
Fitocracy.com, que usa gamificação e alcançou as 3 características da motivação intrínseca:
competência, autonomia e contribuição.
No caso dos jogos, as motivações intrínsecas são baseadas nas
mecanicas, dinamicas e estéticas dos ambientes e sistemas. Saber utilizar
as mecanicas dos jogos em ambiente de gamificação é o principal fator para
o sucesso da utilização de seu conceito. Através das mecanicas é possível
favorecer a funcionalidade do sistema, e a partir disso influenciar tanto na
dinamica e principalmente na estética, que envolve diretamente o fator
motivacional do indivíduo (BUSSARELLO et al, 2014, p. 34) 44
Um outro exemplo clássico de uso de elementos lúdicos para se motivar pessoas a
fazerem tarefas que estão desmotivadas, foi exibida no filme Mary Poppins (1964), quando a
babá ajudava as crianças a arrumar o quarto, com truques e cantando a frase: “uma colher
cheia de açúcar ajuda o remédio a descer” (tradução minha). Este exemplo lembra
Provérbios 16:24: “Palavras suaves são como favos de mel, doçura para a alma e saúde
para o corpo”45.
44 É importante lembrar que o termo “estética” citado aqui não é o equivalente à “visual” ou
“aparência”, mas ele faz referência direta ao conceito das relações dado por Zichermann e
Cunningham, na página 49.
51
• Mudança comportamental, especialmente em relação aos “maus hábitos”,
fomentando novos e melhores hábitos. Algumas destas mudanças abaixo,
segundo Sunami Chun (apud KULLOCK, 2014):
◦ Consolidação de autoconfiança (orgulho de si mesma - quando ganha, em
especial) adquirida durante um jogo nos momentos que sucedem a prática;
◦ Resistência à frustração desenvolvida de tanto ganhar, perder, recomeçar
para bater recordes e subir de níveis.
Os resultados da área de gamificação citados anteriormente são reais, porém o
potencial desta área é uma expectativa positiva (e até otimista!) do futuro da gamificação e
do uso que as pessoas possam fazer dele. Infelizmente, já há casos ruins de gamificação.
Abordaremos ambos os casos (bons e ruins) ao longo dos próximos capítulos.
3.4 Um framework
47 Kevin Werbach define Design como “um processo para atacar (resolver) um problema”. Para ele, o
Design Thinking é uma abordagem geral para solucionar um problemas.
52
descrevendo 4 tipos básicos de jogador (uma pessoa pode manifestar vários ao
mesmo tempo), veja a Ilustração 7abaixo baseado nos psicotipos de jogadores por
Bartle(1996)48:
3.1 Conquistadores: gostam de agir com o ambiente - mundo virtual;
3.2 Exploradores: gostam de interagir com o ambiente;
3.3 Socializadores: gostam de interagir com os jogadores;
3.4 Predadores: só gostam de agir com os jogadores. Este tipo de jogador é
frequentemente o mais intenso e agressivo, age matando, curando ou fazendo
qualquer outra coisa com os jogadores.
48 Segundo Richard Bartle (1996), quatro psicotipos básicos de jogadores são identificados a partir
da análise do inter-relacionamentos entre suas ações ou interações do jogador com o ambiente do
jogo (mundo) e com os demais jogadores, assim como suas ações.
49 O termo “loop” usado aqui vem do mesmo conceito de computação que define uma estrutura
repetitiva, um ciclo.
53
5 Não esqueça a diversao! Sistemas PBL não são fundamentalmente divertidos, é
preciso incrementá-los com uma narrativa diferenciada, estética, rede social
envolvente etc.
6 Use as ferramentas apropriadas: Há muitos outros mecanismos e elementos de
jogos além do sistema PBL que podem ser usados (dinamicas, mecanicas e
componentes), analise e projete a diversão, mecanica do jogo, objetivos etc...
54
4 GAMIFICAÇÃO EM DIVERSAS ÁREAS
55
No ambiente empresarial, há uma divisão entre trabalho e jogo bem-definida por
influência da nossa cultura ocidental cristã que interpreta Gn 3:19a50 como um “condenação”
de que todo trabalho além de árduo deve ser sem diversão (COSTA, 2012). Esta dicotomia
pode gerar controvérsias que podem ser evitadas, se tomadas algumas medidas. Por
exemplo, a gamificação precisa se ajustar aos objetivos da empresa o máximo possível. Um
jogo precisa da voluntariedade para funcionar bem. No trabalho, nem sempre se vê desta
forma.
Apesar de não ser encarada com tão grande radicalismo, esta noção de que
trabalho e divertimento não se podem misturar está, como já referimos,
enraizada em todas as culturas de matriz cultural judaico-cristã, o que inclui
praticamente todo o mundo ocidental. Está expresso na Bíblia, desde o
Genesis, que o sofrimento ao trabalhar é um castigo que o Homem tem de
cumprir por ter cometido o pecado original e provado o fruto proibido. E
esse peso do sacrifício é intimamente sentido até hoje e plasmado na
cultura popular. (Idid., p. 46)
Abaixo, um quadro comparativo que deixa evidente os motivos que tornam um game
mais atrativo do que o ambiente de trabalho:
50 “Do suor do teu rosto comerás o teu pão” (BS, AR, Gn 3:19a)
56
Ilustração 7: Quadro comparativo entre os ambientes de jogos e o de
trabalho (VIANNA, 2013, p.48).
Werbach (2014) define o conceito de “playbor”, junção das palavras “play” (jogar)
com “labor” (trabalho). Há aspectos éticos envolvidos, onde a gamificação passa a oprimir o
funcionário, como foi um caso ocorrido numa aplicação específica na Disney, cujos
funcionários perceberam como um “relógio de ponto eletrônico” associado a um ranking e
não foi nada divertido, segundo uma reportagem (LOPEZ, 2011):
“Eu fiquei nervoso... e sentia que estava sendo controlado ainda mais.”,
disse um funcionário [da Disney]. Desta forma, o resultado foi oposto ao
esperado, e os empregados tiveram uma performance pior depois disto [da
gamificação]. A competição cresceu, a maioria dos funcionários pensaram
que manter a performance não satisfaria o empregador (chefe) e
começaram a evitar até mesmo as idas ao banheiro. (tradução minha)
Já um outro caso de gamificação que deu certo, foi o da startup “Rypple”, que
criaram uma gamificação para uma empresa de vendas (salesforce.com), focando não na
gamificação em si, mas nas pessoas (usuários) e no negócio. Foi-se adicionando elementos
de games de acordo com a necessidade real e o propósito, ao mesmo tempo em que houve
pesquisa aplicada sobre o comportamento das pessoas, feedback, recompensas, rankings,
57
motivação intrínseca etc. Para Daniel Debow, vice-presidente da Salesforce da Rypple, há
métodos e técnicas que podem ajudar a evitar uma competição agressiva na gamificação:
• Abordagem empírica: tente e veja se funciona;
• Envolva game designers profissionais no processo de gamificação;
• Raciocine sobre as ferramentas de amplificação (potencialização) que o próprio
processo de gamificação possui, planejando bem qual o seu principal objetivo
cuidadosamente.
Infelizmente, é preciso citar mais um caso de gamificação que “deu certo” do ponto
de vista mercadológico, mas deu muito errado do ponto de vista humano. O site de varejo e
e-commerce), woot.com, que apresenta apenas uma oferta de produto diária, ainda assim,
disponível em quantidades limitadas. Os itens são renovados sempre à meia-noite em
ponto, portanto isso significa dizer que, caso queiram de fato ter uma chance de adquirir as
mercadorias do site, seus frequentadores precisam se submeter à rigidez das regras
estabelecidas. A disponibilidade limitada do produto assim como o fator “surpresa” (sobre
qual o produto a ser vendido até o instante da publicação da oferta) potencializam a
impulsividade dos potenciais compradores. Após submeterem-se ao processo por
algumas noites, a maioria dos frequentadores acaba trocando seu real interesse pelo
produto ofertado pela sensação de finalmente conseguirem adquirir o que quer que seja.
Neste caso, há uma super-valorização da oferta, aproveitamento da impulsividade dos
consumidores e incentivo à competitividade, pois para alguns dos clientes do Woot.com, o
que importa de fato é vencer a disputa contra os demais “competidores”, e não o que estão
levando para casa (VIANNA et al, 2013, p. 21,22).
A gamificação pode ser útil para questões sociais, tendo impacto social, motivando
usuários para um comportamento melhor, seja em termos de saúde, felicidade, propósito,
satisfação etc. Quando se trata da gamificação com fins sociais, há algumas peculiaridades:
• Pode-se usar conscientemente o senso de “parentesco”, de pertencimento a uma
família, grupo ou comunidade que cada indivíduo possui, segundo Rolland Muller
(2012). Este pode ser um item motivador que gere engajamento nas atividades, e
é mais evidente em sociedades tribais ou aquelas com alto senso de
comunidade.
• Há situações em que substituir benefícios reais (aprender algo útil ou fazer o
bem) por recompensas não é uma boa ideia, mas deve ser evitado.
58
• Para um impacto social significativo, em muitos casos será necessária uma
mudança de comportamento, seja a formação de novos hábitos ou mudança de
antigos.
Há bons exemplo de aplicações sociais de gamificação nas áreas energéticas,
ambientais, educacionais, governamentais, de saúde e bem-estar (Zamzee, Fitocracy.com,
Nike+, SuberBetter)...
Werback (2014) cita pelo menos duas gamificações na área ambiental: Opower para
reduzir o consumo de energia, com elementos de interação social, competição com seus
vizinhos, ranking etc; Recycle Bank, um programa que incentiva a reciclagem, premiando
com recompensas ou “bônus” de acordo com o engajamento do jogador, motivando uma
atitude pró-reciclagem.
Zamzee é uma gamificação com a finalidade de ajudar pessoas a recuperarem sua
forma física após um tratamento contra o cancer. O sistema usa um dispositivo
(acelerômetro) que rastreia os passos e atividades do usuário, e baseia-se em pontos
(pontuação), missões, emblemas, recompensas, redes sociais, interação etc. Zamzee
também funcionou entre adolescentes americanos obesos, cujas atividades físicas
aumentaram em 30%.
52 Jane McGonigal conseguiu disseminar o termo a partir da publicação do seu livro “Reality is
Bronken” (2011) e principalmente da palestra “Gaming can make a better world” dada ao TED
Talks, sobre o tema (2010).
Chore Wars foi o sistema gamificado escolhido para ser testado, enquanto estive
como líder da limpeza, em 2014.1, no seminário CEAM-AMIDE. Os principais objetivos
deste experimento de gamificação foram: motivar as pessoas em suas tarefas e usar um
mecanismo de acompanhamento automatizado das tarefas para colher dados para análise,
além de tornar as tarefas mais divertidas. Abaixo, as etapas para o teste, a metodologia e os
resultados:
1. Etapa 1: Pesquisa sobre o conceito de “gamificação”, apresentação do conceito.
Realizada basicamente entre os dias 16/11/2013 a 29/03/2014.
2. Etapa 2: Teste-piloto de uma aplicação de gamificação, Chore Wars. Realizada
entre os dias 16/11/2013 a 22/03/2014.
3. Etapa 3: Coleta e análise dos resultados.
61
10%
18 a 29
40% 30% 30 a 39
40 a 49
50 ou mais
20%
Pela faixa etária, verifica-se que os participantes são “baby boomers” (10%) e da
geração X (50%) e Y (40%). Logo, 90% já nasceram com contato com a cultura digital. De
fato, foi verificado que 80% já jogaram algum tipo de game, segundo a preferência a seguir:
jogos de cartas (23,00%), jogos de celular (23,00%), jogos de tabuleiro (17,00%), jogos de
ação (17,00%), RPG (6,00%), MMORPG (6,00%), jogos de Facebook (3,00%) e outros
(6,00%). Verifica-se a tendência dos jogos de celular, presente na vida de 100% dos
gamers.
jogos de Facebook
Outros
MMORPG
RPG
jogos de ação
jogos de tabuleiro
jogos de celular
jogos de cartas
Dos entrevistados, 60% nunca tinham ouvido falar no termo “gamificação”, o outros
40% alegaram não era a primeira vez que ouviram o termo, mas que ainda não sabiam
exatamente do que se tratava. Após uma definição curta sobre gamificação, cada
participante foi convidado a participar de um projeto de gamificação (experimento). 60%
tinham o perfil para a participar da gamificação das tarefas de limpeza da AMIDE, isto é,
62
poderiam se integrar ao “The Brave Adventures of Yahweh Shamah”54. Após este corte, 33%
dos candidatos revelaram interesse em participar do experimento, enquanto 67% indicaram
que talvez participassem. Efetivamente, 50% participaram da gamificação e deram um
feedback final sobre suas impressões, a seguir:
• O ambiente local não facilitou o acesso ao sistema gamificado, por causa da
baixa conectividade. Alem disto, o sistema (Chore Wars) não possui uma versão
mobile dificultando o registro das aventuras (tarefas concluídas).
• Ao final, verificou-se o engajamento efetivo de apenas 33,33% do total de
participantes. Os não-engajados deram os seguintes motivos:
◦ O tipo de trabalho já é feito independentemente do sistema gamificado, que
não se apresentou atrativo, mas até mesmo revelou-se como “mais uma
tarefa” a ser feita, que até mesmo “atrapalha”. É possível executar suas
atividades sem usar o sistema gamificado, logo foi possível ignorá-lo.
◦ A interface não está localizada (está em inglês ao invés de português).
◦ Faltou maior interação social no game, no sistema gamificado principalmente.
• Quanto à estética, seria desejável que o jogador pudesse ter mais opções de
customização para seu avatar.
• Falta uma narrativa para sustentar a história, e uma maior interação social.
Como lições aprendidas, nota-se:
1. A falta de um sistema de recompensas real poderia ter criado uma motivação
extra para o engajamento no game. Crie um sistema de recompensas real e
consistente com as necessidades dos jogadores.
2. O fato da atividade ser intrínseca para alguns e para outra ser extrínseca para
outros não é um problema, mas uma oportunidade para motivar aqueles que
precisam, usando a motivação dos outros jogadores. Use a criatividade para isto!
Talvez permitir comentários e ações variadas e customizadas pelo jogador pode
inserir dinamismo ao game.
3. Para um sistema gamificado online, é desejável recursos que facilitem a
conectividade como acesso às redes sem fio livres, e também uma versão mobile
que facilite o acesso e interação com o sistema.
54 No game Chore Wars, cada local recebe um nome fictício que serve também para agrupar os
competidores.
63
5 GAMIFICAÇÃO NA EDUCAÇÃO
Marcelo Fardo (2014, p. 27) cita, que para que a educação do século XXI esteja de
acordo com os anseios globais, ela precisa estar fundamentada em quatro pilares: aprender
a aprender/conhecer (autodidatismo); aprender a fazer (capacitação e aptidão); aprender a
conviver (como grupo diversidades em si mesmo); e aprender a ser (posicionamento crítico
e autônomo).
Um recente relatório da ONG Innovation Unit, através do GELP (Programa de
Líderes da Educação Global) divulgou uma estratégia de tecnologia para estimular e apoiar
a aprendizagem do século XXI, que contém as seguintes ações sugeridas (INNOVATION
UNIT, 2013, p. 125):
• Apoiar atividades de aprendizagem engajadoras: apoiar alunos e professores no
planejamento e condução de atividades de aprendizagem, incluindo recursos de
informação: ensino, jogos, simulações.
• Projetar e executar colaborativamente: codesenvolver, com os principais atores
envolvidos, os processos educacionais e as “regras de negócio” para a
especificação da arquitetura técnica.
• Apoiar avaliação formativa em tempo real: a construção de portfólio e perfil dos
alunos; a tomada de decisões apoiada em dados sobre estudantes, sobre lições
e sobre a escola.
• Desenvolver capacidades para utilizar a tecnologia: desenvolver habilidades e
fluência digital para estudantes e para educadores.
Diante destes pilares e destas estratégias (autodidatismo e autonomia), a educação
passa a ser organizada pela própria comunidade, onde a primeira pergunta deve ser: “O que
você, como comunidade, quer alcançar?”. Segundo Constance Steinkuehler (2013), o papel
64
do educador será o de gerenciar seus recursos educacionais (ferramentas e conteúdo) de
forma que se alcance os objetivos traçados e se consiga uma aprendizagem significativa
para toda uma vida. Neste contexto, verifica-se um anseio pelo uso das novas tecnologias e
de soluções que auxiliem as mudanças almejadas na educação para a cultura
contemporanea, uma cultura digital.
5.2 Aplicabilidade
Ilustração 12: Diagrama da aprendizagem do jogador ao longo do tempo, por Kurt Squire (Ibid).
57 Um sistema de credencial, no contexto educacional, é aquele que provê uma confirmação das
habilidades e conhecimentos adquiridos ou inatos a uma pessoa, através de diplomas,
certificados, certificações etc (Ibidem.).
66
mergulhar, de fato, no "círculo mágico" (FILHO et al, 2014). “O desafio para a gamificação é
fazer um sistema melhor e não pior”, evitando o foco nas recompensas, mas potencializando
a motivação intrínseca e autêntica pela aprendizagem.
Os jogos envolvem experimentação repetitiva, consequentemente, envolvem erros
repetitivos, permitindo ao jogador um ciclo de feedback, onde é possível melhorar e também
se tornar resiliente frente às falhas. A gamificação também oferece este cenário, tornando o
erro como necessário à aprendizagem e incentivando a participação de todos.
A gamificação pode encurtar os ciclos de feedback, dando aos aprendizes
pequenas trilhas para avaliarem suas próprias capacidades, e criando um
ambiente cujo esforço, e não a maestria, é recompensado. Os estudantes,
por sua vez, podem ver as falhas como uma oportunidade, ao invés de se
tornarem dependentes, medrosos ou desmotivados (LEE e HAMMER, 2011,
tradução minha).
Para Bussarello, Ulbritch e Fadel (2013, p. 16), no processo de aprendizagem a
gamificação contribui tanto para a motivação como para o desenvolvimento cognitivo do
estudante, além de criar um ambiente de aprendizagem eficaz na retenção da atenção.
Por estes e outros motivos, a gamificação tem o potencial de gerar engajamento e
dedicação que estudiosos acreditam que pode ser aplicada inclusive na educação. Porém,
Mario Herger (apud VIANNA et al, 2013, p. 19) disse que gamificar um aplicativo ruim
apenas faz com que ele se torne um aplicativo ainda pior. De maneira análoga, gamificar
uma aula ruim apenas a tornará uma aula ainda pior. Portanto, é preciso gamificar aulas
bem preparadas, para se ter o resultado correto, quando apenas o que falta é o
envolvimento dos alunos ou uma ferramenta para a mudança comportamental.
Vianna et al (2013, p. 108) previram a aplicação da gamificação na educação:
Talvez seja a educação uma das áreas em que se tem maior expectativa
com relação à extensão de benefícios passíveis de serem alcançados com
a gamificação. Segundo a opinião de renomados especialistas no tema,
trata-se apenas de uma questão de tempo até que as escolas passem a
incluir aspectos dos jogos no aprendizado, flexibilizado currículos de ensino
universais em prol de uma maior adaptação à individualidade de cada
aluno.
Fardo (2014, p. 78), conclui um capítulo sobre “os estudos de Lev Semenovich
Vygotsky sobre os processos de ensino e aprendizagem, sob uma perspectiva sócio-
histórica do desenvolvimento psicológico humano”, com a seguinte frase:
“Dessa forma, a gamificação parece ser justificada a partir do atual
momento histórico e do contexto social e cultura presentes. Utilizar essas
67
estratégias de modo a aproveitá-las em ambientes de aprendizagem, com o
intuito de potencializar o ensino e a aprendizagem, parece ser uma
alternativa viável […]”.
5.4 Advertências
70
6 GAMIFICAÇÃO NA EDUCAÇÃO CRISTÃ
Neste capítulo, serão introduzidas algumas definições sobre a educação cristã e seu
possível “casamento” com a gamificação, além de uma investigação sobre a validade e
aplicabilidade teológica da gamificação nesta área.
59 Pv 16:20; 1:8; 2:6-10; 3:1,2; 4:1-7,10-15; 5:22,23; 6:23; 8:1-5,11,19, 30-33; 9:9; 10:8,17; 12:1;
13:1,14,18,24; 14; 18; 19:8,18... em pesquisa realizada na BS AR.
71
chamado mestre 45 vezes (e somando-se aos termos equivalentes, o total é de 61 vezes), e
nunca se fala nele como “pregador”. “Mestre” é usado, na Bíblia KJV, 66 vezes, sendo que
54 é derivado da palavra grega que significa professor ou mestre (Ibidem.).
Assim como Jesus e as Sagradas Escrituras, diversas figuras históricas defenderam
a importancia da educação cristã. Destaca-se entre estes, a opinião de João Calvino que
defendia não apenas uma educação voltada para o ensino da Palavra de Deus, mas de
maneira integral para abranger todo o intelecto do indivíduo e sua vida civil:
Mas desde que tais lições (teológicas) não são úteis exceto se a pessoa for
educada em línguas e ciências humanas, e também porque sementes
devem ser plantadas para o futuro, para não deixar para as crianças uma
Igreja estéril, um Colégio deve ser criado para educá-las e prepará-las para
o ministério e governo civil". (tradução do pesquisador) 60
Um “Colégio”, de fato, foi construído de 1559 a 1562, quando Calvino pôde vê-lo
finalizado antes de sua morte (1564). “Colégio” ou “Academia”, a terminologia é um pouco
fluída, e, em latim, é chamado de “Leges Academiea Genevensis” - as leis da academia.
Uma instituição constituída de 2 departamentos: (1) “Scola Privata”: escola elementar para
garotos e adolescentes que eram educados, em 7 anos, em francês, latim, grego, dialética,
retórica etc; (2) “Scola Publica”: a academia propriamente, o “ancestral” do que é hoje a
Universidade de Genebra, que esteve inclusive em reforma, em 2013, em Genebra.
A Bíblia é a fonte de qualquer ensino cristão autêntico. Ela é luz para o caminho, fiel
(Sl 111:7-10), reta, prazeirosa (Sl 112), benigna, maravilhosa, verdadeira, eterna, sábia,
justa (Sl 119); “divinamente inspirada e proveitosa para ensinar, para repreender, para
corrigir, para instruir em justiça; para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente
preparado para toda boa obra”61... Para Rubens Muzio (2013, p. 205), “A Bíblia deve ser o
ponto inicial para qualquer modelo de liderança missional no Brasil”.
Tomando a Bíblia como fonte do ensino cristão e o compromisso pessoal com Jesus
Cristo, Rolland Muller (2012, p. 56) definiu os seis estágios do crescimento espiritual de uma
pessoa62 baseando-se na experiência de vários evangelistas:
1. Desinteressado, talvez hostil (DI)
2. Mais ou menos interessado (MI)
3. Alguém à procura (AP)
60 CALVINO, João: Ordenanças Eclesiásticas. 20/nov/1541, p.382, texte modernisé. Fonte citada a
partir de (2013).
O educador cristão deve buscar atitudes e princípios que agradem a Deus. Dentre
eles, podemos citar: temor a Deus (Pv 1:2); confiança em Deus (Cl 2:7); caráter
transformado por Deus (Rm 12:2); maturidade cristã (Ef 4:14,15); mente e coração cristãos
(Ef 4:23,24); santificação (Jo 17:17); perseverança (2Co 4:16-18); disponibilidade e serviço a
Deus (Ef 2:10; Mc 10:43,44). O educador cristão deve desejar, decidir e esforçar-se para
“crescer” diante de Deus.
O missionário também é um educador e deve agir como tal. Para Franco (2010), os
missionários são agentes ativos dentro deste processo de transformação, inseridos no
campo tanto para aprender quanto para ensinar. Paulo Freire (apud Ibid., p. 22) diz que “o
educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo
com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos assim, se tornam sujeitos do
processo em que crescem juntos”.
O conceito de educação interativa de Franco (Ibid., p. 27) conscientiza a todos de
que “estamos educando e educando-se ao mesmo tempo, ou seja, ensinando e aprendendo
numa mesma esfera e num mesmo instante”. Larry J. Pate (1987) também concorda com
este posicionamento que o missionário precisa ter frente à uma cultura: assumindo a atitude
de aprendiz.
Pate (1987) ainda cita outras atitudes necessárias ao missionário que deseja
aprender a cultura do povo como a de servo humilde, a exemplo de Jesus Cristo, e de
narrador, passando a se comunicar com o povo de acordo com o método que eles estão
familiarizados. O missionário deve se despir de toda arrogancia e “esvaziar-se” de si mesmo
e do prestígio que estava acostumado a ter no seu grupo social anterior (cf. Mt 23:1-12; Ef
6:6) Tais recomendações são válidas mesmo para um missionário inserido em seu próprio
73
povo, pois é necessário enxergar as diferentes gerações como grupos a serem alcançados,
e buscar aprender sua cultura (seja ela a cultura digital, gamer) e se comunicar de maneira
mais efetiva.
63 A autora identificou os grupos de acordo com a faixa etária: 9 a 13 anos (64 pré-adolescentes), 13
a 19 (84 adolescentes) e 15 a 27 (45 jovens), incluindo uma pessoa de 52 anos neste último grupo
pesquisado (MUZIO, 2008, p. 191).
74
Ilustração 13: Resultado da pesquisa sobre a leitura da Bíblia
Quando Gabriele Greggersen (2002) pesquisou sobre os hábitos de leitura dos pré-
adolescentes, adolescentes e jovens, ela sugeriu que o ensino Bíblico buscasse ressaltar o
gênero que estes grupos gostam, como estratégia, para “tornar a própria leitura bíblica uma
aventura [grifo da autora] para eles” (p. 195). De forma análoga, hoje entendemos as
gerações Y e Z como pertencentes a uma cultura gamer que é preciso se comunicar e atrair
usando alguns dos seus próprios elementos de interesse, porém voltando o foco para a
Palavra. Greggersen crê que “com melhor planejamento, também é possível aproveitar
melhor os momentos de ficção e aventura inerente à própria Bíblia (parábolas, visões
alegóricas, provérbios de sabedoria e alegorias); bem como as suas partes romanticas, no
sentido literário”. Ela também traz a seguinte reflexão (p. 199):
Não é totalmente sem razão que os jogos eletrônicos, heróis de desenhos
animados japoneses e histórias que envolvam magia, seres fantásticos e
feitiçaria geram desconfianças e rugas de preocupação aos pais e
educadores mais conservadores. Muitos estão conscientes dos perigos da
cultura de massa, aquela produzida em série para o consumo imediato e
descartável. Mas diante da realidade que nos cerca, o que é melhor:
envolver nosso filhos em redomas hermeticamente fechadas ou ir
descobrindo esse mesmo mundo ameaçador junto com eles?
A preocupação apontada por Greggersen é válida, porém ela mesma alerta que
deve-se evitar uma atitude repressiva em demasia por partes dos pais, assim a igreja fez
erroneamente com hábitos culturais diversos65 que não eram pecado (nem são), mas eram
vistos através de um juízo religioso. Deve-se analisar a gamificação e evitar que se repitam
tais erros.
Um dos problemas citados na educação cristã é a motivação. BUSSARELLO, R.I.,
ULBRICHT, V.R. e FADEL (2014) destacam elementos encontrados nos jogos que podem
favorecer a motivação do jogador. Abaixo, listamos e comentamos alguns destes elementos
e alguns exemplos de como eles se aplicam à gamificação no contexto da educação cristã:
• Situações fictícias tornam a experiência do indivíduo mais emocionante, uma vez
que são incorporados no ambiente objetos e situações não presentes
extrinsecamente, o que estimula o imaginário do jogador. Neste sentido pode-se
reviver histórias do passado narradas pela Bíblia, enriquecendo a experiência;
65 Só para citar alguns destes exemplos conhecidos de proibição (repressão demasiada) na história
recente da igreja cristã evangélica: prática esportiva do futebol, aquisição de um aparelho de
televisão, uso feminino da calça etc.
76
• Objetivos claros possibilitam o envolvimento do sujeito ao sistema, na medida em
que o jogador entende, de forma objetiva, o que deve ter que ser feito no
ambiente do jogo. Além disto, o uso de objetivos e regras claras ajudam a treinar
os participantes em conceitos éticos sobre certo e errado, assim como conceitos
morais sobre honra e vergonha66, e até mesmo sobre medo e poder – estas
duplas de conceitos permeiam toda as culturas;
• O crescimento contínuo de habilidades define que o jogo deve favorecer o
aumento progressivo de conhecimento do usuário. Tal estratégia é válida
especialmente para o ensino bíblico que apresenta um conteúdo muito vasto (e
até mesmo inesgotável). Incentivar o estudo e a prática contínuos é desejável;
• Tempo e pressão ajudam a estabelecer metas claras e desafiadoras aos
jogadores. Atualmente, os períodos para estudos bíblicos geralmente é marcado
por uma forte restrição no tempo, todo método que busque aproveitar bem o
tempo é precioso e útil.
66 Roland Muller (2012) define as cosmovisões de um ancestral comum, deixando evidente os três
maiores resultados sobre a humanidade a partir da queda: culpa, medo e vergonha.
77
O desenvolvimento de estratégias para a evangelização mundial
requer metodologia nova e criativa. Com a bênção de Deus, o
resultado será o surgimento de igrejas profundamente enraizadas em
Cristo e estreitamente relacionadas com a cultura local. A cultura
deve sempre ser julgada e provada pelas Escrituras. Porque o
homem é criatura de Deus, parte de sua cultura é rica em beleza e
em bondade; porque ele experimentou a queda, toda a sua cultura
está manchada pelo pecado, e parte dela é demoníaca.
Desta forma, uma avaliação crítica sobre as culturas e as metodologias se faz
necessária. Os elementos de jogos são similares à cultura, porque parte deles apresentam
uma beleza da mente Divina, e outra, uma mancha feia do pecado. Iremos abordar um
pouco sobre ambas:
1. Competição x cooperação: o jogos apresentam os dois lados. “[...] da mesma
maneira que estimulam a competição, os jogos também se revelam como um
eficiente estímulo ao trabalho colaborativo.” (VIANNE et al, 2013, p. 51).
2. Um projeto de gamificação pode conter a causalidade (a “sorte”) dentre alguns
elementos. Se formos avaliar este item biblicamente, podemos entender que a
Bíblia não fala contra tirar “sorte”, mas antes cita alguns exemplo. Por outro lado,
a Bíblia fala contra o amor ao dinheiro que é próprio de “jogos de azar” que não
são o foco deste trabalho, antes são repugnados por este autor:
[…] em Levítico, Arão lançou sortes sobre dois bodes: uma pelo Senhor e
outra por Azazel. Josué lançou sorte para determinar a porção de terra para
várias tribos. Neemias lançou sorte para determinar quem viveria ou não
dentro das muralhas de Jerusalém. Os apóstolos lançaram sorte para
determinar o substituto de Judas. Provérbios 16:33 diz: “A sorte se lança no
regaço, mas do Senhor procede toda a determinação.” (GOT QUESTIONS,
2002)
3. As recompensas aplicadas numa gamificação podem não corresponder a uma
atitude coerente com a Palavra, gerando até mesmo desmotivação entre os
participantes. Num destes casos, a recompensa substitui a motivação intrínseca,
fazendo o jogador pensar que a recompensa para se fazer determinada atividade
já é o objetivo em si, então a gamificação não cria uma motivação intrínseca. Tal
efeito é conhecido como “Over-Justification Effect” e ocorre na maioria das vezes
quando o jogador está fazendo uma tarefa criativa (ou interessante) ou que já
78
possua a motivação intrínseca para fazê-la. Kevin Werback (2014) lista os tipos
de recompensas que se podem usar nestes casos para se evitar este problema:
◦ Tangível: é o tipo de recompensa que mais apresenta o efeito “ Over-
Justification”, porque o risco dela substituir a motivação intrínseca é
maior;
◦ Inesperada: parecem não ter este tipo de problema (e pode incentivar
aqueles que não possuem a motivação intrínseca ainda);
◦ Condicionada à performance: pode ser desmotivante se a recompensa
estiver associada a um ponto final (alguma pontuação específica ou
algum marco no jogo), mas se o feedback é fornecido como uma simples
frase de performance como “Bem feito!”, então pode ser usada.
Tanto falou-se sobre cultura e subculturas (digital, gamer) que há de se considerar o
uso da linguagem dos games no ensino bíblico como uma forma de contextualização 67 da
mensagem do evangelho. Para Leno e Raquel Franco (2010, p. 85), a contextualização “é
mostrar,[sic] [ênfase do autor] a Palavra de Deus, num sentido prático para os nosso dias.
É trazer [ênfase do autor] uma identificação com as pessoas de hoje, sem perder a Sua
essência”.
Ao considerarmos a gamificação como um método específico para auxiliar à
contextualização para uma cultura digital, deve-se considerar igualmente que esta aplicação
não cabe em todos os contextos e culturas. Nestes casos, deve-se buscar outros métodos.
A gamificação também pode ser vista como uma criação humana, porém nem por
isto deva ser rejeitada. Em suas “Institutas”, João Calvino (1559, Vol. 2, p. 43) escreveu que
as obras de pensadores seculares nunca devem ser desprezadas, pois na prática da
ciência, eles são testemunhas da verdade e que toda a verdade vem de Deus...
[…] a mente do homem, quanto possível decaída e pervertida de sua
integridade, no entanto é ainda agora vestida e adornada de excelentes
dons divinos. Se reputarmos ser o Espírito de Deus a fonte única da
verdade, a própria verdade, onde quer que ela apareça, não a rejeitaremos,
nem a desprezaremos, a menos que queiramos ser insultuosos para com o
Espírito de Deus.
Caso ainda assim, haja objeção por algum irmão ou líder para se aplicar a
gamificação no ensino bíblico, deve-se seguir o princípio ensinado pelo apóstolo Paulo que,
embora fosse livre pelos ensinamentos de Cristo, admitia que nem todos os crentes
67 O termo “contextualizar” já é aplicado na pedagogia, mas, neste trabalho, este termo é usado em
seu sentido missiológico, usando-se (FRANCO, 2010, p. 85).
79
gozavam de semelhante liberdade. Ter consideração por estes cristãos (i.e., andar segundo
o amor fraternal) significava evitar um comportamento que pudesse magoá-los (cf.
comentários de Romanos 14:13-15:4, Bíblia de Estudo de Genebra, 2009, p. 1499). “Eu sei,
e estou certo no Senhor Jesus, que nada é de si mesmo imundo a não ser para aquele que
assim o considera; para esse é imundo.”68
A Bíblia traz um conselho interessante: “[...] ponde tudo à prova. Retende o que é
bom”69. Este trecho aplica-se às profecias, mas seu princípio aplica-se a tudo o que ouvimos
ou vemos. Devemos avaliar tudo por nós mesmos à luz das Escrituras para saber discernir,
com “nobreza”, assim como os bereianos (cf. Atos 17:10,11). Isto também vale para games
e para a gamificação.
6.6 Ja se “gamifica”?
82
7 GAME START!
7.1 EBD
70 OLIVEIRA, J.H. de (Ed.), 2008. Mega Teen, 2008. Revista Bíblica Nº 9. Ed. Cristã Evangélica, 4ª
reimpressão. São José dos Campos, SP, 2012.
83
2. Igreja recente com dois anos no máximo de plantação, na época, Os
adolescentes e juniores ainda precisavam de fundamentos sobre Deus e a obra
de Jesus Cristo, no qual o material didático não cobria, pois tratava de temas
mais “avançados” para crianças com mais fundamentos bíblicos;
3. Adolescentes e juniores ainda sem terem tomado uma decisão por Cristo. Havia
a necessidade de foco no Plano da Salvação e uma abordagem evangelística;
4. Adolescentes e juniores que tinham tomado decisão, mas precisavam de
discipulado. Necessidade de incentivo à leitura da Bíblia e à oração;
5. Necessidade de se mudar maus hábitos como chegar atrasado ou faltar à EBD.
Por conta do cenário exposto acima, optou-se pela gamificação com conteúdo bíblico
voltado para o evangelismo, mesclando-se métodos do Plano da Salvação como o uso de
versículos-chave associados às cores e significados do Livro Sem Palavras. Foram feitas
várias aplicações iterativas e melhorias ao longo do processo que mudaram as regras, a
dinâmica e mecânica do jogo. Resumidamente, foram três grandes mudanças, em datas
distintas, onde cada mudança gerou uma versão da gamificação: (a) 23/02/2014; (b)
16/03/2014 e (c) 23/03/2014, respectivamente. As experiências foram compiladas e
resumidas, abaixo. Segue uma descriçao da gamificaçao:
Ilustração 14: Fotos dos tabuleiros e peças nas versões (b), (b) e (a).
• Desafio: (a),(b) e (c): fazer o maior número de pontos para vencer a disputa.
• Objetivo(s):
◦ (a) e (b): apresentar o plano da salvação, provocando reflexões sobre a
condição espiritual de cada participante; incentivar a leitura da Bíblia e a
obediência às regras de convivência da EBD, motivando a participação, a
atenção e assim a aprendizagem.
◦ (c): reforçar o ensinamento bíblico em busca dos princípios revelados no
texto.
84
• Regras:
◦ (a), (b) e (c): um feedback sobre cada ação era fornecido imediatamente a
resposta do jogador ou da equipe.
◦ (a) e (b): jogo individual; 1 tabuleiro com um trajeto formado por casas de um
ponto inicial ao final; cada peça representa um jogador; jogo em turnos, a
cada vez o jogador usa o(s) dados(s) para saber quantas casa avançará;
cada casa representada por uma cor e um símbolo pode indicar uma ação
que o jogador deve fazer para ficar nesta casa (recitar um versículo
associado à cor no livro sem palavras, explicar o significado da cor ou
procurar e ler um versículo bíblico sobre o assunto); os assuntos das casas
cobrem o conteúdo do Livro sem palavras.
◦ (b): cada casa também indica uma punição (i.e., voltar 2 casas) ou
recompensa extra (i.e., avançar mais 2 casas); os assuntos das casas
cobrem temas relacionados a Deus e ao Espírito Santo.
◦ (c): jogo em equipe (2 equipes); jogo em turnos; a partir de um texto bíblico
apresentado a todos, cada equipe elaborará uma pergunta para desafiar a
equipe adversária; cada resposta correta pode valer 1, 2 ou 3 pontos,
dependendo da dificuldade; há perguntas são feitas pelos próprios
professores sobre o conteúdo.
• Recompensas:
◦ (a) e (b): quem chegar ao final recebe um prêmio especial (CD, DVD,
doces...); há casas com bônus onde o jogador poderá avançar mais de uma
casa ou jogar o dado novamente.
◦ (c): recompensas intangíveis (parabenização); ou algumas recompensas
tangíveis como a equipe vencedora receber o lanche primeiro ou poder iniciar
a próxima partida. Há pontuação extra ao se responder corretamente
perguntas mais complexas.
• Estado de vitória:
◦ (a) e (b): aquele que chegar primeiro ao ponto final no tabuleiro é o vencedor.
◦ (c): o tempo da EBD limita cada partida/lição, e a equipe vencedora é a que
fez a maior pontuação.
85
7.2 Impacto!
86
Ilustração 15: Gamificação na UCB, sessão 3.
Abaixo, uma resumida descriçao da gamificaçao:
• Desafio: conseguir o maior número e tipos de doces possível.
• Objetivo:
◦ Incentivar a leitura da Bíblia de maneira prática, sua interpretação e
valorização, assim como quebrar alguns preconceitos.
◦ Apresentar a cada participante ao menos um ponto evangelístico sobre Jesus
Cristo para reflexão.
• Regras:
◦ Todos devem sentar no chão, em círculo, com os “recursos” (diversas
traduções da Bíblia, Bíblias de estudo com comentários, dicionário bíblico,
livro de exegese, entre outros livros com conteúdo relacionado à Bíblia) ao
centro.
◦ O jogo começa com uma apresentação do sistema gamificação, informando
aos participantes serem sujeitos dentro de um processo de pesquisa (de fato,
era uma pesquisa também). Cada participante preenche os dados iniciais:
nome ou apelido e horário.
◦ Cada jogador recebe 1 bala no início com uma cor vermelha ou azul.
87
◦ Jogo dividido em 3 etapas:
▪ Etapa 1: individual, no formato de um “tutorial”. Foram apresentadas as
regras do jogo, algumas instruções iniciais gerais. Cada um preencheria a
parte “Etapa 1” do formulário. O objetivo é o de familirializá-lo com a
leitura da Bíblia, manuseá-la pela primeira vez (se for o caso), verificando-
se a capacidade de leitura e interpretação de textos do jogador. Pede-se
que cada um leia 1Co 13, e contabilize o número de palavras
desconhecidas, assim como aquelas que são conhecidas, mas que ele
não soube identificar o significado dentro do contexto. Uma contabilização
positiva dará direito a uma ou duas balas.
▪ Etapa 2: coletivo, jogo de perguntas e respostas em equipes (vermelha x
azul – a partir da cor da bala recebida no início), em turnos, cada equipe
responde uma pergunta por vez, depois cada time elabora uma pergunta
para o outro responder, e por fim, aqueles que se manifestarem mais
rápido, podem responder Há um tempo fixo para a criação das perguntas
e para respondê-las também, inserindo pressão e adrenalina.
• A partir da 2ª aplicação da gamificação, esta sequência foi modificada,
preferindo-se perguntar primeiro aos times para que eles verificassem
o nível das perguntas e assim pudessem pensar em boas perguntas,
usando os recursos disponíveis. Cada pergunta tinha uma ou mais
cores que indicavam quais recursos poderiam ajudar a respondê-la.
Por exemplo, a pergunta sobre “quantas línguas a Bíblia foi escrita
originalmente” indicava a cor vermelha, que era a cor na capa dos
livros que falavam sobre a Bíblia. Este era um tipo de feedback que foi
explicado nesta etapa. As perguntas mais difíceis valem pirulitos.
• As respostas erradas causam punições variadas: a equipe que errou
deve ceder uma ou mais balas para a outra equipe; ou a equipe que
formulou a pergunta recebe cada integrante, uma bala a mais.
▪ Etapa 3: coletivo, todos poderiam se ajudar, mas a distribuição do prêmio
estava relacionada ainda segundo um critério oculto, mas conhecido pelo
facilitador. Em geral, o prêmio foi para todos ao final, eliminando-se o
senso de competição entre eles.
88
• Caso alguma pergunta tenha sido respondido errada por ambas as
equipes, esta pergunta volta ao jogo (“pergunta perdida e encontrada”)
valendo mais pontos (um pirulito).
• É feita uma pergunta especial de cunho evangelístico valendo um
dindin! Para pressionar os participantes, eles são avisados que devem
responder a pergunta ou perdem a chance.
◦ Alguns tipos de feedback foram fornecidos:
▪ O facilitador fornecia feedback direto imediatamente após a resposta de
um jogador ou da equipe.
▪ Cores nas perguntas e nos recursos indicando o relacionamento entre
eles.
◦ Cada participante é instruído a preencher o formulário (Etapa 3) antes de
receber o dindin.
• Recompensas:
◦ Doces em geral: balas, pirulitos, dindin. O prêmio extra foi um bolo com
cobertura de chocolate.
◦ Chance de responder a pergunta para ganhar mais doces.
• Estado de vitória:
◦ Ao final das 3 etapas, é feita uma breve ministração sobre o tema, usando-se
um versículo destacado do evangelho de João:
Jesus, na verdade, operou na presença de seus discípulos ainda muitos
outros sinais que não estão escritos neste livro; estes, porém, estão escritos
para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo,
tenhais vida em seu nome71.
◦ Ao final, cada jogador contabiliza seus pontos a partir regras básicas
fornecidas no formulário.
▪ 1 bala = 1 ponto; 1 dindin = 3 pontos; 1 pirulito = 2 pontos;
▪ Cada participante pode ter feito mais pontos do que outro.
◦ Este jogo foi feito para que todos tenham o sentimento de vitória uma ou mais
vezes. Ao final, a mudança da dinamica para uma interação coletiva visa
incentivar o sentimento de coletividade e de satisfação na vitória.
Queremos destacar algumas lições aprendidas destas gamificações, tanto aquilo que
funcionou tanto em termos bíblicos quanto pragmáticos quanto o que não funcionou, em
ambos os casos relatados.
Quanto à EBD no TBVA, destacamos algumas dificuldades e como elas foram
contornadas ou como espera-se contorná-las:
• A aplicação da gamificação pode trazer motivação, mas também euforia; ou
ainda alguns alunos podem não manifestar a concentração necessária nem
mesmo para participar de um jogo por alguma questão específica. Cada aluno
pode ser um caso específico de TDAH 72 ou pode-se considerar tais
comportamentos à batalha espiritual. Considere orar mais e jejuar.
◦ Nos casos (a) e (b) no TBVA, nenhum aluno do grupo foi detectado pela
psicóloga com TDAH, e após períodos de oração e jejum, houve melhora no
comportamento da turma em geral (cf. Esdras 8:23). Também foram
modificadas algumas regras do jogo, incluindo punição (em pontos) para
aqueles que não se comportavam. Houve uma aprendizagem das regras de
conduta de maneira exemplar! Nunca mais se precisou ensinar isto na EBD.
• A partir de uma análise prévia pude identificar alguns perfis entre os
adolescentes como o perfil “predador” (que disputa de forma competitiva e
agressiva) e posso traçar parametros bíblicos como resposta e tratamento de
acordo, nos casos em que algum comportamento seja verdadeiramente “pecado”
ou inadequado aos valores bíblicos do amor cristão.
• Nas ações do jogo que precisa-se ler, escrever ou interpretar textos é importante
observar quais alunos tem mais dificuldade, e buscar trabalhar isto fora da sala
de aula, em momentos de reforço escolar, sempre motivando o aluno.
◦ Para a atenuação deste problema durante a aplicação da gamificação,
sugere-se que se equilibre os times, intercalando os jogadores com mais
habilidade com outros de menos habilidade. Naturalmente, espera-se que um
jogador busque ajudar o outro, ensinando uns aos outros.
◦ Deve-se ajudar os participantes na leitura da Bíblia. O contexto exige que se
ajude na aprendizagem, na leitura e na interpretação de textos.
91
◦ Ao menos, 31,25% das pessoas que participaram poderiam se beneficiar com
a leitura da Bíblia em termos de vocabulário. Além disto, 28,13% delas
também poderiam se beneficiar com a leitura da Bíblia, melhorando sua
interpretação de textos em nível de alfabetização funcional.
◦ 93,75% de pessoas informaram que entenderam o tema do texto, de 1Co 13.
Porém, buscou-se analisar aqueles entrevistados que não entenderam mais
de três (3) palavras no texto, por não conhecerem as palavras ou por não
discernirem seu significado no contexto do texto:
• Considerou-se, então que apenas 66,7% conseguiram descobrir o
tema do texto com clareza, sendo que as respostas destes variaram.
33,3%
Do Amor de
Deus
Ilustração 16: Pesquisa sobre o tema de 1Co 13, após filtragem de respostas válidas.
73 As respostas coincidiram com as perícopes das versões da BS AR, ARA e NVI principalmente.
74 Strong's Greek Dictionary of Bible Words, version 2.1. Dictionaries of Hebrew and Greek Words
taken from Strong's Exhaustive Concordance by James Strong, S.T.D., LL.D. 1890. Disponível em
<http://www.crosswire.org/sword>, através do Software Eloquent para Mac OS X, versão
2.4.4/2295.
92
▪ Foi possível verificar a pontuação máxima (10), a geral (7,92) e quais
tiveram mais dificuldades (41,7%) com média 6 pontos.
• Na sessão 2 da gamificação na UCB, participaram 4 pessoas, sendo 2 com mais
de 50 anos. Entretanto o jogo foi projetado pensando-se na geração gamer, e
elas tiveram dificuldades em entender regras, limitações e modos de interação,
necessitando de mais tempo para responder às questões. Entretanto, uma delas
demonstrou bastante conhecimento bíblico e sua participação contribuiu para o
ensino e aprendizagem dos demais participantes. Fica a dica de se almejar uma
maior inclusão dos participantes e executar o planejamento incluindo outros
perfis de pessoas que não sejam gamers.
• Foi perguntado a cada um, o que ele aprendeu ou melhorou com a atividade
(percepção pessoal)? As respostas variaram: Senso de observação (66,7%);
Interpretação de textos (41,7%); Como encontrar textos Bíblicos (8,3%); mais
sobre Deus (25,0%); mais sobre Jesus (33,3%).
Interpretação de textos
Senso de observação
Sem dúvidas, o ensino da Bíblia deve ser considerado no mais alto grau de estima
por um cristão. Basta lembrarmos de como éramos sem o entendimento das Escrituras
Sagradas e da realidade e grandeza da Verdade que se iluminou após nossos olhos serem
abertos pelo Espírito Santo. Para Calvino:
A Bíblia não nos é dada para satisfazer nossa curiosidade fútil, ou para
servir nossas ambições. Ela é útil, disse São Paulo; como? Ela nos instrui
uma doutrina clara, ela nos consola, exorta-nos e nos torna perfeitos em
toda boa obra. Vamos usá-la, então, para este propósito. Se você se
perguntar em que toda esta edificação, que estamos a receber, consiste;
nestes termos em uma palavra, é uma questão de aprender a depositar
nossa confiança em Deus e andar no temor do Senhor (tradução minha).
Segundo Bernard Rordorf75:
O Espírito Santo, ou providência se você preferir, expressa a ação universal
(ou operação) de Deus. Tudo que toma lugar na criação é inspirado pelo
Espírito Santo. Qualquer coisa boa produzida – criações humanas na esfera
ética, política, artística, mas também em toda sorte de negócios e profissões
– relaciona-se, ou resulta-se da agência e inspiração do Espírito Santo
(tradução minha).
95
8 HORA DE GAMIFICAR!
8.1 Preparando-se!
77 ïGo, go, go!” era a frase dita pelos soldados marines chamando sua tropa para a batalha no
clássico game RTS Starcraft Broodwar (versão predileta deste autor, apesar de ter jogado a
versão 2).
97
3) Identifique seu público.
Segundo Vianna et al (2013, p. 31), quando o objetivo é definir uma estratégia de
jogo envolvente é preciso pensar no público-alvo em termos de gênero, idade e geração,
pois esses seriam os três fatores mais significativos. Devemos incluir também se são
cristãos ou não, qual a religião deles, enfim... no caso da educação cristã e da comunicação
da mensagem do evangelho, deve-se considerar a cosmovisão da comunidade. A mera
consideração de tais aspectos já fornece subsídios suficientes para a criação e a
ambientação de uma narrativa, uma vez que, com esses fatores, torna-se possível realizar o
levantamento de importantes hipóteses, como tempo provável de dedicação, nível de
interesse pelo tema ou suposto domínio da plataforma na qual o jogo será disponibilizado.
Ilustração 18: Tabela sobre preferências por gênero e idade (VIANNA et al,
2013, p. 31)
5) Lembre-se da diversao!
Colocar a diversão e o prazer como parte integrada à atividade (mas tendo a
consciência de que o interesse e o sentido da atividade para o aluno é que promovem a real
motivação) para que seja algo mais motivacional para o aprendizado. Como sugestão
Simões (Ibidem.) sugere:
• Pensar e projetar a atividade, ou seja, “jogar” no papel tudo aquilo que possa
descrever a estratégia e depois procurar ideias de como usar os elementos do
game nela. Dentre os elementos de um game, Vianna et al (2013, p. 93) lista
algumas mecanicas que merecem destaque, por não terem sido mencionados
ainda neste trabalho:
◦ Comentários, seguidores, avaliações (ratings);
◦ Compromisso dinamico: o jogador precisa voltar a tal hora para realizar tal
ação (por exemplo, no jogo do Facebook “Fazendinha”, Farmville);
◦ Evitar punição (jogador precisa realizar a ação para não receber punição)
◦ “Produtividade” feliz78: participar de um jogo é uma atividade tão prazerosa
que faz com que você se sinta mais feliz se dedicando ao jogo do estar
ocioso;
78 Em jogos simples com conteúdo “despretencioso”, acredita-se que o melhor termo seria
“ociosidade feliz”. No caso de jogos sérios, jogos educativos ou gamificação com fins
educacionais, o tempo seria melhor gasto.
99
◦ Contagem regressiva;
◦ Desincentivos: perder pontos como punição para estimular mudança de
comportamento;
◦ Resultados significativos (epic meaning): motivação advinda da percepção de
que se está trabalhando para conseguir algo importante, significativo;
◦ Modificadores: itens que influenciam outras ações (por exemplo, poder
multiplicar seus pontos na próxima ação);
◦ Progressão dinamica: barra de progresso;
◦ Programação de recompensas: ganha x quando fizer ação y em tempo z;
◦ Mecanica viral: elemento do jogo que requer várias pessoas jogando. (por
exemplo, Farmville: você se torna mais popular se tiver mais gente jogando).
Este item é interessante quando se deseja um engajamento de todo o grupo;
◦ Itens virtuais, moeda virtual.
• Trabalhar sempre com a possibilidade de experimentações. Como no game, em
que o jogador aprende muita coisa na relação tentativa-erro, numa atividade
gamificada é interessante que se tenha essa liberdade.
Abaixo algumas dicas de como melhorar a diversão de um jogo que podem ser úteis
à qualquer gamificação Schuytema (2012, p. 204-212):
O objetivo claro de qualquer game é superar um obstáculo. Chamamos isso
'ser desafiado', já que é necessária alguma habilidade ou sorte ou uma
combinação das duas para superar o obstáculo. Um game é uma
progressão de obstáculos, do início ao final, entrelaçados na tapeçaria de
um contexto que permite que tudo faça sentido para o jogador.
• Desafios crescentes e variados: “Ninguém deseja repetir infinitamente um desafio
que já dominou por completo”.
• Risco e recompensa: “[...] conquistar uma recompensa envolve um sentimento
maior de realização” (do que simplesmente encontrar um troféu na rua, por
exemplo).
• Desafio adaptável: “Uma das abordagens mais interessantes à criação de uma
experiência de jogo desafiadora para um jogador é criar um sistema que permite
que o game se adapte à capacidade do jogador.”
• Chefes de fases (bosses): ao final de cada gameplay, “é um oponente que se
destaca da grande maioria dos oponentes dentro do game, em termos de escala,
capacidade e comportamento” (209). Ele deve:
100
◦ se encaixar no contexto do mundo do game;
◦ encontro mais longo do que com um inimigo-padrão (clima, tensão,
atmosfera);
◦ deve dominar a atenção do jogador;
◦ exige informações contínuas do jogador;
◦ dispara um golpe ofensivo substancial contra o jogador;
◦ deve haver oportunidade para o jogador reconquistar a vantagem durante o
encontro;
◦ forma de comportamento complexa, mas baseada em padrões (reconhecível
ao jogador);
◦ normalmente oferece diversos alvos ao jogador;
◦ a vitória deve proporcionar um momento de repouso para o jogador;
◦ o caminho para reencontrar o chefe não deve ser excessivamente longo;
◦ cuidado com a frustração do jogador (não pode ser muito difícil... faça testes).
Recomenda-se a leitura do cp. 7 do livro “Design de Games: uma abordagem
prática” de Paul Schuytema para aqueles que desejam se aprofundar nas técnicas de
design de games para aplicar em projetos de gamificação.
• Focar apenas nos gamers: isto é, focar só nas pessoas acostumadas a jogar.
Esta preocupação é uma questão de consciência e educação. Gamificação deve
ser encarada como uma nova forma de emitir feedback, posicionar desafios e
dirigir experiências para um maior engajamento e entregar resultados
significativos. Apesar de todo esforço, Kevin Werback (2014, tradução minha)
adverte que a “Gamificação não se aplica a toda situação e não é para todos”.
• Associar recompensas extrínsecas para conquistas “artificiais”: alguns
poderão se empenhar apenas para conseguir a recompensa. Focar nas
recompensas pode funcionar apenas em curto prazo, mas deve estar em
consistência com a estratégia inteira. Uma opção é propor desafios e
recompensas mais significativas aos participantes e aos objetivos, e permitir q
eles estejam livres para ser criativos.
• Cheating79: Assim como os games, uma gamificação está sujeita ao cheating.
Durante o processo de design (projeto), deve-se pensar como um jogador que
deseja vencer à qualquer custo. Se for identificado algum abuso, crie um
processo que permita identificar a situação e remediá-la. Num jogo, as regras
implícitas são claras, aproveite para deixar clara as regras e a dinamica do jogo,
caso contrário o cheating e a insatisfação crescerão.
79 “Cheating” é uma palavra comum entre os gamers para identificar um desvio dentro do jogo para
alcançar o objetivo, sem quebrar as regras principais do jogo, mas de maneira próxima ao que se
chama de “trapaça”.
102
• “Camuflar” um processo falho: a gamificação não consertará um processo
falho. Isto é especialmente importante se, numa EBD, o ensino é deficiente por
conta do material ou da preparação do professor.
• Usar apenas um dos elemento de jogos: a gamificação é um processo de
design que inclui centenas de considerações, mecanicas e teorias. Focar em
apenas um elemento significa empobrecer o processo e estragá-lo.
• Criar sistemas de dependência ou fadiga: não se deve gamificar tudo para não
desmotivar as pessoas, nem também criar sistemas de dependência. Aja com
uma boa estratégia de inovação e de iteração desde o princípio, isto permitirá até
mesmo que uma classe de EBD possa deixar de ser gamificada com o tempo
sem desmotivar as pessoas que foram envolvidas inicialmente ao processo.
• Evite uma “super ênfase” em status: segundo Werbach (2014), o
Behaviorismo foca bastante nas recompensas. Estas recompensas significam
“status”, e as pessoas procuram por isto, por causa da vaidade. “Vaidade de
vaidades, diz o pregador; vaidade de vaidades, tudo é vaidade”80 . Mas as
pessoas gostam também de coisas que não estão diretamente ligadas à vaidade
como motivos tangíveis ou sociais e altruístas.
Filho et al (2014) também adverte: Mas há de se ter muito cuidado para não usar a
nova estratégia como “o principal aspecto da experiência de aprendizagem dos alunos”
(Massarolo e Mesquita, 2013, p. 41) e recair praticamente no mesmo erro que já vivemos,
destacando a estratégia ou o conteúdo no lugar da aprendizagem. Como advertência final,
devo lembrar que cada caso é um caso. Como designer de games, Schuytema (2011, p. 10)
ensina sabiamente:
Uma lição da qual devemos nos lembrar é que, por mais fantástico que seja
o games que você cria, ele não será divertido para todos – os jogadores
chegam à experiência de game com sua própria bagagem, e você, no papel
de designer, tem que aceitar isso.
Este ensinamento de Schuytema é análogo ao do ensino: numa sala de aula, nem
todos aprendem. Ou ainda à proclamação do evangelho: “Porque muitos são chamados,
mas poucos escolhidos”81. Há de se buscar o melhor, mas conviver em paz com os
resultados, deixando o resultado final nas mãos de Deus, sempre.
104
CONCLUSÃO
105
porém elas falham em não ver a necessidade de Deus, nem o considerarem e buscarem (cf.
POWLISON, 2004).
De fato, as novas tecnologias têm modificado a forma dos relacionamentos
humanos, mas uma frase de Paulo Freire (apud NEVES, 2011) ainda continua sendo bem
atual: “Divinizar ou diabolizar a tecnologia ou a ciência é uma forma altamente negativa e
perigosa de pensar errado”. John Stott (2003) também defende que se escute o Espírito
Santo em primeiro lugar, mas sem deixar de também escutar o mundo de forma a se
contextualizar, e alcançar as pessoas, sem mudar a Palavra de Deus, mas apenas a forma
que ela sai da boca para os corações.
Definições alternativas
83 Pontificação é a aplicação básica das mecânicas básicas dos games, ou seja, as recompensas
extrínsecas, através de pontos e medalhas (emblemas), por exemplo (FARDO, 2014, p. 65).
106
Ilustração 19: Definições alternativas para uma melhor adequação dos termos e possibilidades
Trabalhos Futuros
Observações “sic”
107
Antes de finalizar este trabalho, creio que cabe aqui uma observação importante que
refletem minhas impressões pessoais: durante a pesquisa, deparei-me com trabalhos
acadêmicos aprovados em eventos reconhecidos, mas que não tinham o tal “rigor científico”,
foram encontrados erros grosseiros de tradução até postulações teóricas falsas sem
nenhuma base que as comprovasse. Nenhum “nome” ou exemplo serão citados. Fica a
reflexão, para buscarmos a melhoria na produção acadêmica. Eu mesmo poderia cometer
tais erros citados (se já não os cometi pessoalmente), mas cabe um rigor maior em prol da
construção do conhecimento.
Espera-se que este trabalho contribua verdadeiramente com a educação cristã, com
sua evolução, qualidade e alcance nas igrejas. Espera-se que a essência da Palavra seja
sempre o mais importante e não um método. No cenário atual, a constatação do Devocional
Explorer (RODRIGUEZ, 2014, p. 330) do dia 5 de novembro é muito séria e preocupante,
mas serve-nos para reflexão (para não sermos assim):
Pelo fato da Igreja ter um olhar tão egoísta, olhar apenas para seus próprios
problemas, necessidades, estruturas, quase se transforma em algo natural
dizer que o “lote” dos novos cristãos não está interessado na obra do
Senhor. Por isso surgiram modelos eclesiásticos para manter a Igreja em
movimento; mas quando estes movimentos passam, a Igreja começa a
estancar de novo. Seu motor está no novo que se levanta para fazer com
que os cristãos estejam contentes e felizes em uma linda comunidade. […]
Que diferença com a Igreja Primitiva!
108
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