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QUESTÕES EPISTEMOLÓGICAS E

METODOLÓGICAS EM PSICANÁLISE

Fernando Aguiar*

RESUMO

Este artigo discorre sobre alguns elementos que interessam à epistemologia


da psicanálise, e que foram antes objeto de reflexão sistemática da parte de autores
em psicanálise. O artigo é assim um compte rendu do estado atual das discussões
que giram em torno da cientificidade da psicanálise. O lugar da clínica na pesquisa
psicanalítica. Quando e sob que forma se pode falar de pesquisa no domínio da
psicanálise. O lugar ocupado por tal pesquisa no seio da comunidade científica, em
particular a universitária. As interações da psicanálise com outros campos do saber.
O método psicanalítico de pesquisa.

Palavras-chave: Psicanálise. Epistemologia. Metodologia de pesquisa.

*
Doutor em filosofia pela Université tendências à psicologização, revelada, por
Catholique de Louvain (Bélgica), é exemplo, quando se considera a psicanálise uma
professor no Departamento de
Psicologia e no PPG em Psicologia da
psicoterapia. O segundo perigo — a inclinação
Universidade Federal de Santa hermenêutica, adotada por algumas correntes
Catarina (UFSC). contemporâneas (em particular, a IPA) —
Em resumo-comunicação partilharia com uma terceira tendência — a
de sua tese de doutorado (Paris tentativa de cientificidade e seu corolário
VIII), Micheli-Rechtman metodológico — uma mesma vontade de limitar
(2002) defende a urgente o campo teórico próprio da psicanálise freudiana
necessidade de examinar o e lacaniana.
lugar da psicanálise no campo Do lado “de fora”, sabe-se que a
social e de questionar, mesmo psicanálise — à sua revelia, ainda que desde
sustentar, sua epistemologia. sempre às voltas com a resistência, e com a
Esta urgência se deve a que a vexação psicológica dos homens diante de seus
psicanálise estaria hoje à mercê desejos inconscientes (Laplanche & Pontalis,
de três grandes perigos que, 1973) — é parte integrante de inúmeros e
internamente, podem afastá-la instrutivos capítulos da história e filosofia das
de suas perspectivas originais. ciências, nos quais, pelos mais variados
O primeiro refere-se às motivos, Wittgenstein e Popper, Sartre e

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Merleau-Ponty, Lévi-Strauss, que, aparentemente, dela estão afastadas, como


Althusser, Habermas, Deleuze, a sociologia, a antropologia, a etnologia. Lacan
Derrida e Badiou são (apenas) teria respondido a Althusser, em 1970 (talvez
alguns dos personagens mais em “Liminaire”, de Scilicet 2/3, Naveau não
importantes. Para K. Popper, referencia), que a articulação da psicanálise com
seu mais conhecido crítico, a as ciências humanas se faz pela via da
disciplina freudiana lingüística e da lógica. Mas os pesquisadores
representava tudo o que a que trabalham neste enquadramento — assim
ciência se proíbe, já que seus constituído a partir de uma pluralidade de
argumentos seriam tais que abordagens disciplinares — partilham uma
nenhum fato empírico pode preocupação comum, sustentada menos na
refutálos. Por sua vez Althusser, psicanálise como prática do que na nova relação
um amigo da psicanálise, com os saberes implicados em sua invenção.
situava sua função no eixo da Neste sentido, dar conta do corte epistemológico
pluridisciplinaridade e no introduzido pela disciplina freudiana significa
campo das ciências humanas, e tornar legível esta nova relação com os saberes.
a partir da questão assim Sabemos que a psicanálise nasceu do
desdobrada por Naveau (2004): interesse de Freud por diversos campos do
onde se situa a psicanálise? saber, que está na origem, por exemplo, de sua
Qual é seu lugar e localização defesa intransigente, em 1926, de uma
num espaço que ainda não “psicanálise laica”, e a idéia de “interação” com
existe? Quais são suas não- outras disciplinas será retomada na última parte
fronteiras com disciplinas deste artigo. Em contrapartida, para as ciências
existentes? humanas, parece a Naveau (2004)
Para o autor, tal é a “demonstrável” que nenhuma delas “escapa ao
questão que persegue fato de ser impossível não se posicionar em
constantemente a reflexão de relação a esse corte epistemológico”.
Lacan e, não seria exagerado Experimentado por cada um de nós, a existência
dizer, a reflexão de Freud. de um corte inaugural entre o signo e o sentido
Impressiona em ambos o produz uma divisão do sujeito: “Pode-se aceitar
paradoxo manifestado em dupla ou recusar tal corte, pode-se optar por ignorá-lo,
preocupação: separar desdenhá-lo, mas não se pode evitar tomar
radicalmente a psicanálise da posição, subjetivamente, em relação a ele”
disciplina que se apresenta (s.p.).
como a mais próxima dela, a R. Mezan (2002), em “Sobre a
psicologia; e, ao contrário, epistemologia da psicanálise”, abordou com
tentar aproximá-la de outras concisão e clareza admiráveis o que parece

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pertinente sobre o tema. Ele Ele postula que a originalidade de um saber


começa por assinalar como implica uma racionalidade própria àquele saber, e
nessa discussão sobre a deseja precisamente pôr a nu as estruturas
daquela racionalidade [...]. É o caráter autóctone
cientificidade da psicanálise
dessa montagem, implicando decisões e escolhas,
estão embutidos inúmeros que permite determinar objetos até então inéditos,
pressupostos, sobre os quais tornandoos passíveis de serem conceituados por
“reina uma considerável noções igualmente inéditas, as quais se disporão
confusão”. Ao tentar formulá- em enunciados cujo conjunto forma as teorias
los mais precisamente, diz ele, próprias àquela disciplina (Mezan, 2002, p. 438).
“percebemos que o mais das
vezes os interlocutores não se Este artigo visa destacar alguns elementos
entendem porque não falam a que interessam à epistemologia e à metodologia
mesma língua — termos como psicanalíticas, e que foram antes objeto de
‘ciência’, ‘realidade’, ‘verdade’ reflexão sistemática da parte de autores. Como
e outros significam coisas tal, ele tem a função e a estrutura de um compte
diversas para cada um deles”, e rendu (não-exaustivo) do estado atual dessas
o resultado “é a babel que discussões. Essas discussões indagam sobre o
conhecemos” (p. 436). Mezan lugar da clínica na pesquisa psicanalítica.
apóia-se no artigo “L’idée Verificam quando e sob que forma se pode falar
d’épistémologie”, do filósofo de pesquisa no domínio da psicanálise, e
Gerard Lebrun, no qual o autor indagam sobre o lugar ocupado por tal pesquisa
francês sugere em que consiste no seio da comunidade científica, em particular
a especificidade da abordagem a universitária. Examinam as bases das
epistemológica. Segundo interações da psicanálise com outros campos do
Lebrun, cada ciência constrói a saber, e o método próprio psicanalítico de
sua própria racionalidade, e pesquisa.
isso se diferencia
profundamente da idéia de uma Primeiras delimitações
razão universal que se
expressaria em todas as Para Freud, como se sabe, a
construções intelectuais Weltanschauung da psicanálise é científica. Ele
realizadas pelo homem. quis mesmo registrar sua disciplina no quadro
das ciências da natureza de seu tempo, as
A esse tipo de abordagem, Naturwissenschaften — na divisão clássica de
Lebrun denomina “reflexão T. Droysen, em 1854, as que pretendiam
racionalista sobre as ciências”, explicar, e que se opunham às ciências do
e afirma que a epistemologia
espírito, as Gesteswissenschaften, que
não trabalha da mesma forma.

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pretendiam compreender. A do homem e do mundo, preservando-se de


partir da asserção de Assoun, qualquer pressuposto metafísico.
que associa às ciências do Lacan, com sua hipótese — o
espírito uma “valorização dos inconsciente estruturado como uma linguagem
fatos” e às ciências da natureza —, também chegou a pensar em sustentar a
“juízos de realidade”, Mezan psicanálise, no campo das ciências, como
(2002) entende a recusa de “ciências conjecturais” (De Neuter, 1988). A
Freud em incluir a psicanálise posição conjectural diz respeito a uma asserção
entre as primeiras, em parte hipotética e, de fato, “uma hipótese como a do
porque era “seu objetivo [...] inconsciente não está de modo algum na mesma
descrever uma região da situação epistemológica de um postulado: a
realidade (o inconsciente, tal hipótese é um operador técnico, o postulado, um
como ele se apresenta nas princípio que governa certa representação do
condições do setting analítico), mundo” (Marie, 2004,
e nessa condição está implícita p. 132). Mais tarde Lacan optaria por situar a
a neutralidade em relação à psicanálise num lugar específico fora da ciência,
natureza desses processos”. Por o que não quer dizer fora de rigor (De Neuter,
outro lado, ele acrescenta, “a 1988). Enfim, a psicanálise foi tomada por uma
interpretação — ferramenta hermenêutica (Paul Ricoeur é disso o exemplo
psicanalítica por excelência — mais ilustre) e até por uma ética — ainda que,
consiste numa explicação (...) e alheia a uma visão de mundo e uma visão do
de forma alguma num exercício homem (Marie, 2004), ela não possa fazer mais
de compreensão” (p. 483). do que se alinhar a uma ética que leve em conta
Inscrevendo-se na a hipótese do inconsciente.
subversão científica operada no Há de outra parte aqueles que acusam os
início do século XX, o fundador psicanalistas de praticar uma “ciência secreta”
da psicanálise professou um (Geheimwissenschaft) (Assoun, 1997). De fato
agnosticismo radical. Segundo o próprio Freud, imbuído da idéia de um
Marie (2004), seu agnosticismo “movimento”, teria utilizado a expressão
foi ao mesmo tempo uma Geheimbündler para nomear os psicanalistas; ou
posição técnica — essa seja, membros de “associações secretas”
neutralidade que o psicanalista (Geheimbünden), associações de indivíduos
deve assumir e que o obriga, na unidos por “objetivos” comuns — sendo que o
clínica, a absterse de todo termo pode mesmo conotar a idéia de
julgamento de valores — e uma conspiração. Geheimwissenschaft designa assim
posição epistemológica — a um saber ou uma doutrina (Geheimlehre) que
renúncia a qualquer concepção não é destinada à divulgação, mas antes

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reservada aos “iniciados” insuficiências de sua teoria, que leva Freud a


(Eingeweihten). Ora, para ele, revisá-la periodicamente (aparelho psíquico,
muito ao contrário, tornar teoria das pulsões, narcisismo, função da
públicas as aquisições transferência na análise, fim da análise...); as
psicanalíticas (e, por inúmeras notas de rodapé que, a cada edição,
conseguinte, validá-las) foi uma vão sendo acrescentadas aos Três ensaios sobre
de suas tarefas mais constantes, a teoria da sexualidade... Considere-se ainda
e com o afinco e o zelo próprios que, de maneira singular, a construção dessa
e legítimos de um fundador. teoria nos é apresentada de duas maneiras:
A prática psicanalítica, obviamente, através dos textos publicados, e
embora elitista no que se refere através de sua enorme e generosa literatura
aos custos de uma formação e epistolar — ou cartas que obviamente não foram
tenha sua representação popular escritas para ser publicadas. Enfim, se nos
confundida com a do psicólogo, textos, como se espera, Freud desempenha o
do psiquiatra ou, mais papel “do expert que tem alguma coisa a
particularmente, com a do comunicar e busca convencer”, ele põe em cena
psicoterapeuta, é de domínio ainda um outro papel, o de um “interlocutor
público e regulada intramuros imparcial”, “que manifestamente ele inventou
desde 1920; e um século de para colocar a crítica e lhe permitir argumentar
exposição crítica talvez sem sobre sua própria posição” (Delattre &
paralelo na história não se Widlöcher, 2003, pp. 12-13). A condição
coaduna com o logro iniciática da psicanálise refere-se antes ao fato
intelectual, que comumente de a pesquisa em psicanálise ser tributária da
caracterizou, junto ao côté experiência analítica, e à recomendação
elitista, as ditas ciências (irritante para muitos epistemólogos) de o
secretas. Enfim, o itinerário pesquisador colocar-se a si próprio como objeto
freudiano é emblemático dessa de investigação. Canônica e axiomática, a
transitoriedade própria do recomendação faz parte do ato fundador da
conhecimento científico. disciplina quando, único analista, Freud
Eis alguns exemplos empreende sua auto-análise. Com a experiência
notáveis: a renúncia à teoria da analítica, pretende-se garantir a irredutibilidade
“sedução real”; o Caso Dora, de um saber verdadeiro que, no limite, pode
que se constituiu, apesar de somente ser indutivamente apropriado por quem
“fracassado”, num modelo de tenha vivido, através da análise, certas
relato de caso, e admirável em experiências sobre sua própria pessoa. O
suas possibilidades heurísticas; argumento é que, embora construindo conceitos,
o enfrentamento das como a filosofia ou o discurso matemático, e

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criando “os objetos com os tratamento. A distinção entre as duas “atitudes”


quais vai trabalhar”, a só deixaria de fazer sentido se o trabalho
psicanálise não é apenas psicanalítico tivesse alcançado “todo o
discursividade: ela tem a conhecimento (ou, pelo menos, o conhecimento
“ambição não só de descrever essencial) sobre a psicologia do inconsciente e a
ou de inventar alguma coisa no estrutura das neuroses”.
plano ideal, mas também a Na clínica, ele prossegue:
pretensão de intervir nesse real
e de modificar alguma coisa Os casos mais bem-sucedidos são aqueles em
dele” (Mezan, 1994, p. 59); e é que se avança, por assim dizer, sem qualquer
na experiência analítica que isso intuito em vista, em que se permite ser tomado de
surpresa por qualquer nova reviravolta, e
primeiramente acontece.
enfrentando-os sempre sem prevenção e sem
Em suma, disciplina pressuposição. Para um analista o comportamento
especulativa e “criadora de correto consistiria em passar num impulso, de
teorias” como a filosofia, a acordo com a necessidade, de uma atitude
psicanálise é uma forma de psíquica a outra, em não especular nem ruminar
investigação e, ao mesmo sobre os casos enquanto eles estão em análise, e
tempo, uma intervenção em somente submeter o material obtido a um
trabalho de pensamento após a análise concluída
clínica. Para Freud
(Freud, 1912/1998, p. 152)1.
(1912/1998), “um dos títulos de
glória” de sua disciplina “é que
Por um lado, tal posição metodológica
nela, pesquisa e tratamento
permite levar radicalmente em conta, e a cada
coincidem” — feita a ressalva,
vez, o que há de singular no sujeito sob
fundamental, de que o trabalho
investigação, antes de considerar o que nele é
científico pressupõe, em
pertença universal. Por outro lado, nesse
particular, “recompor a
processo em que coincidem pesquisa e
arquitetura [do caso], querer
tratamento a pesquisa psicanalítica, conduzida
adivinhar sua progressão e
pelo psicanalista e sua escuta, visa a priori à
fazer, de tempos em tempos, os
função de tratar, num compromisso ético que se
relatos da situação presente” (p.
sobrepõe aos interesses propriamente
152). Nesse sentido, após certo
científicos. “Não é bom elaborar cientificamente
ponto, a “técnica” exigida pelo
um caso com o tratamento ainda em
trabalho científico opõe-se
andamento”, insiste Freud junto aos praticantes
àquela requerida pelo
da psicanálise. “Sofrem em seu resultado os

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Questões epistemológicas e metodológicas em psicanálise

casos destinados a priori à um campo epistemológico específico e


exploração científica, e tratados autônomo, com suas problemáticas próprias e
segundo as necessidades desta” seu método. Por um lado, ele deve reafirmar que
(p. 153). a pesquisa em psicanálise, contemporânea ao
Enfim, por ser a tratamento, é parte integrante da formação e da
investigação sua condição atividade clínica do psicanalista. Por outro lado,
essencial, o tratamento não é deve levar em conta que, na academia, a
mera aplicação técnica — pelo atividade de pesquisa adquire por inúmeras
menos não da maneira como faz razões outros significados: nesse caso,
o engenheiro civil que ao contrariamente ao que ocorre no setting
construir uma ponte “aplica” analítico, em que “o psicanalista não explicita
seus conhecimentos das nada além de que ele é um psicanalista, [...] é
ciências matemáticas e físicas. necessário que ele acrescente especificidade e
Em contrapartida, também por clareza em sua atividade de pesquisa” (Berlink
ser essencialmente uma & Magalhães, 1997, p. 3). Esta é a tradição
investigação, deve ser exercido universitária.
sem qualquer “orgulho A teoria em psicanálise possui um
terapêutico”, como o fundador estatuto próprio: ela é ao mesmo tempo saber
da psicanálise recomenda, constituído e saber sempre sujeito a
citando a máxima atribuída a remanejamentos. Toda investigação
Antoine Paré: “Je le pansai, psicanalítica é de tipo qualitativo, e é esta
Dieu le guérit” (apud Freud, imersão profunda “na singularidade de um caso
1912/ 1998, p. 149); e como, ao que permite extrair dele tanto o que lhe pertence
longo de sua obra, Lacan com exclusividade quanto o que compartilha
sublinha com seu aforismo: a com outros do mesmo tipo”; como tal, “o caso
psicanálise cura... em ganha um valor que se pode chamar de
acréscimo. exemplar” (Mezan, 2001, p. 157). Disciplina
que lida com fenômenos ou processos que não
Pesquisa psicanalítica no se apresentam de maneira unívoca e comportam
espaço universitário diferentes apreciações, a psicanálise trabalha
igualmente no plano da singularidade, segundo
Na universidade, o o ponto de vista de que “o ‘caso’ singular é ao
pesquisador em psicanálise é mesmo tempo o acesso ao universal e seu
convocado a afirmar, ‘avalista’ (garant)” (Assoun, 1997, p. 14). Tal
cotidianamente, a posição certamente não exclui um efeito
irredutibilidade da experiência cumulativo. Apenas na aparência um “pequeno
analítica, sua constituição como novo fragmento da teoria” se baseia numa única

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observação, lembra Freud provisório e aberto às modificações impostas


(1913/1973) em “A pela experiência, pois, se a imaginação
predisposição à neurose especulativa sugere nexos e relações “que não se
obsessiva”, de 1913, reduzem apenas à experiência atual” (Freud,
preocupado em diferenciar sua 1915/1988), o primado pertence ao teste de
invenção das dissidências realidade (que ele, na correspondência com
adleriana e jungiana: “Na Ferenczi, chama de “crítica impiedosa”). Na
realidade, [este pequeno novo pesquisa psicanalítica trabalha-se assim no
fragmento da teoria] concentra plano da generalidade, num “processo de
um grande número de construção do conhecimento por generalização
impressões mais antigas, cujo crescente”, e cuja organização se dá em três
sentido só advém depois da planos: para o próprio indivíduo, para um grupo
última experiência” (p. 192). O de indivíduos e, mais adiante, para toda a
conhecimento psicanalítico humanidade (Mezan, 2001, p. 161).
dáse, portanto, a posteriori — Ainda assim, parece-me que, mais
isto é, no sentido clássico, importante do que o próprio saber, é a via para
filosófico, como resultado da se chegar até ele, tal como Freud sustentou com
experiência ou dela dependente. os sonhos. O maior valor encontra-se antes em
Contudo, recomenda-se explicar o trabalho de condensação,
ler os parágrafos iniciais de deslocamento, figurabilidade e elaboração
“Pulsões e destinos de pulsões”, secundária a que os pensamentos oníricos são
de 1915, apontados por Assoun submetidos, do que em eventualmente
(1981) como a plataforma interpretá-los.
epistemológica da psicanálise
freudiana, e onde se pode Tais postulados epistemológicos
observar o caráter relativo, repercutem inevitavelmente na questão do
nuançado e jamais ingênuo e método. “As condições de domínio e de método
fundamentalista de sua opção têm de ser definidas a cada vez” (Laplanche,
empirista. Ali, amparado em E. 1998, p. 15). Em nossas pesquisas (em, sobre ou
Mach (cf. Mezan, 2002), Freud com a psicanálise), cada tipo de questão
afirma que a ciência começa por pressupõe uma forma particular e única de
observar fenômenos e descrevê- organizar os dados e pensar os problemas
los, para em seguida tentar (Mezan, 1998) — logo, um modus operandi
explicá-los por meio de “idéias próprio, e no sentido preciso de um esforço para
tiradas daqui e dali”, que aos atingir um fim. Mas esse programa de pesquisa,
poucos vão formando um sem renunciar ao rigor (quer dizer,
sistema, por definição fundamentação e contextualização), é avesso à

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regulação prévia e definitiva de neutralidade do analista, que lhe possibilita uma


uma seqüência de operações a escuta (livremente) flutuante; uma teoria clínica
executar, salvo no limite e em precisa, assentada no conceito de resistência (o
caráter estratégico: os equivalente na clínica ao conceito
progressos táticos se fazem no metapsicológico de recalcamento) e no de
devir cotidiano. Além disso, repetição; e um processo constitutivo, chamado
nesse percurso, se tentamos transferência, pelo qual os desejos inconscientes
evitar o erro como princípio, do analisando se repetem, no quadro da relação
tampouco o desprezamos, não analítica, sobre a pessoa do analista, colocada na
fosse a noção de ato falho uma posição de diversos objetos exteriores
invenção freudiana — e uma (Roudinesco & Plon, 1997).
subversão aprèscoup, nesses O protocolo é a psicanálise, ele é sua
tempos em que se assiste a um condição de possibilidade e de legitimidade
forte recrudescimento da (Marie, 2004). No limite, é o protocolo que faz
ideologia da performance no a psicanálise, e não a teoria (por definição,
campo científico sempre provisória) que eventualmente lhe
(Stechen, 2003). acrescentamos. Por um lado, temos a associação
Sobretudo, sustentando o livre, que, na situação de (neurose de)
desejo no centro de toda transferência, impele o paciente a expor seus
atividade humana, a pesquisa pensamentos, inclusive aqueles ordinariamente
psicanalítica jamais pode censurados; por outro, a atitude de neutralidade
garantir a priori um resultado do analista: nem simpatia compreensiva, nem
determinado. Seu programa está moralização, nem representação de um terceiro,
antes subordinado à montagem revelado ou não. Em contrapartida, como o
paulatina de uma questão e à analisando crê que o analista sabe decifrar o
própria construção da pesquisa, caráter enigmático de seus sintomas e lhe indicar
visto que, ao contrário do que a solução, é esta expectativa crédula, mola da
ocorre, por exemplo, nas transferência, a causa do desdobramento de suas
ciências naturais, essa questão produções inconscientes.
“consiste em muito mais do que
o seu simples enunciado” A psicanálise é definida como um método
(Mezan, 1998, p. 105). de investigação que busca evidenciar o
Tratamento da alma, a significado inconsciente de toda e qualquer
psicanálise dispõe de um produção imaginária, seja ela individual seja
protocolo muito estrito: a regra coletiva (Laplanche & Pontalis, 1973). Ora, no
estrutural da livre associação estudo dos processos psíquicos e das operações
para o analisando, e a do espírito, o método próprio da psicanálise —

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cito Freud em “Convém ensinar podem ser detectadas não apenas na situação
psicanálise na universidade?”, clínica, mas também nas produções
de 1919 — é não somente secundarizadas” (Mezan, 1994, p. 67), segue-se
“aplicado ao funcionamento necessariamente que a operacionalidade dessas
psíquico patológico, mas noções e sua imbricação recíproca não se
também à solução de problemas restringe à situação clínica, e se estende também
artísticos, filosóficos e a outras práticas psicanalíticas.
religiosos...” (Freud, Tomemos o conceito de transferência
1919/1996, p. 113). Como se (mas poderia ser algum outro conceito-chave,
sabe, suas incursões nesses como os de repetição, de retorno do reprimido,
domínios resultaram em obras de posterioridade), que amiúde costuma chocar
capitais para o desenvolvimento os defensores da objetividade experimental.
da própria teoria psicanalítica: Revelada de maneira privilegiada na clínica
por exemplo, no terreno da como manifestação de apelo a um sujeito
sexualidade, com o estudo suposto saber (Lacan, 1968) que dá sentido à
sobre Leonardo, sobre o privação, a transferência diz respeito a um
fenômeno totalitário; em “fenômeno humano geral” (Freud, 1924/1992,
Psicologia das massas e análise p. 89), e, como na própria vida, também se
do eu; e não se limitando às manifesta em nossas atividades de pesquisa.
referências etnográficas em Munido do conceito de transferência, quero
Totem e tabu (Roudinesco & supor que a pesquisa psicanalítica é capaz de
Plon, 1997, p. 827). suportar a díade interação mais influência (logo,
Dito de outra maneira, o sugestão), freqüentemente associada ou
exercício da interpretação atribuída à investigação dita “qualitativa”; e se
analítica, como Freud pretendeu diferencia radicalmente, como investigação
desde o livro dos sonhos, seu sujeito-sujeito, do modelo experimental, por sua
livro inaugural, não se restringe vez assentado numa investigação sujeito-objeto.
às condições “ideais” Mas também se distingue da dita pesquisa
proporcionadas pelas livres qualitativa, da qual ela faz parte, no sentido de
associações dos pacientes, que essa interação e essa influência são
estendendose também às moduladas pela “neutralidade analítica” — que,
produções humanas em que tais avancemos mais um pouco, diz respeito à
condições não estão presentes recomendação de no limite manter em suspenso
de maneira genuína. Ora, se as sua própria subjetividade, eivada de valores
mesmas forças que “animam religiosos, morais e sociais, e de se abster de
toda e qualquer produção qualquer conselho. Neutralidade quanto às
mental, individual ou coletiva, manifestações ditas transferenciais, quanto ao

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Questões epistemológicas e metodológicas em psicanálise

discurso do analisando e, Da leitura de textos


sobretudo, no sentido de “não
privilegiar a priori, em função Por que ressaltar a leitura de textos?
de preconceitos teóricos, um Porque a pesquisa universitária trabalha com
determinado fragmento ou um textos escritos (Garcia-Roza, 1994). O que é
determinado tipo de fazer uma pesquisa em cima de textos? O que eu
significações” (Laplanche & busco no texto? O que eu espero do texto? Que
Pontalis, 1973, p. 263). tipo de pergunta ali está presente? Nesse
“Como ciência”, Freud sentido, depois de lembrar o primeiro passo de
(191517/2000) escreve nas uma pesquisa séria, em psicanálise e em
lições introdutórias, “a qualquer disciplina (conhecer sua história, o que
psicanálise é caracterizada não existe, como foram surgindo os problemas, as
pela matéria que ela trata, mas soluções propostas, os novos problemas),
pela técnica com a qual Mezan (1993) descreve o método proposto por
trabalha” (p. 402). A psicanálise Laplanche (cf. 1978 e 1998) como sendo uma
é assim antes de tudo o nome de leitura histórica, problematizante e
um método, vale insistir. O interpretativa dos textos psicanalíticos.
método da psicanálise é
interpretativo. Decifrar, [Laplanche] pretende mostrar que é possível
traduzir, interpretar é algo que ler os escritos analíticos de um modo analítico,
não interpretando as fantasias de seus autores,
sempre foi feito, mas Freud
mas utilizando como instrumento o método
inventou um método de psicanalítico e suas categorias heurísticas: a
interpretação próprio, assentado atenção ao detalhe dissonante, a reconstrução do
na livre associação do contexto, a temporalidade própria instaurada pela
analisando, só possível pela via psicanálise, com seus conceitoschave de
da transferência e mediante a repetição, de retorno do reprimido, de a
escuta (livremente) flutuante do posteriori. O objeto da pesquisa [...] é aqui
analista, como conseqüência da constituído por textos, e não por aquilo que se
costuma designar como “material clínico”. Mas
exigência técnica da
se trata de textos bem particulares, na medida em
neutralidade. que buscam descrever, conceituar e explicar um
Na universidade em universo de fenômenos que, em última instância,
particular, a aposta encontra-se, remetem à — quando não diretamente originados
no limite, na transposição desse pela — situação analítica (Mezan, 1993, p. 89).
método interpretativo para o
domínio da leitura de textos. Segundo Laplanche, o objeto (a “coisa”)
e o discurso que dela fala são igualmente
processos, o que sustenta entre eles um

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paralelismo comum: “As justificar a pesquisa histórica e crítica do


articulações complexas da pensamento freudiano. Como em Hegel, a
‘coisa’ — o inconsciente, exigência é a noção central de seu
digamos — são transpostas no e procedimento: exigência do pensamento no
pelo discurso; este reflete e sentido não apenas de rigor na formação das
refrata aquela, como um prisma. hipóteses e no respeito ao pensamento do autor
É evidente que este sistema de estudado, mas, sobretudo, “captação das
correspondências é complexo; o direções em que este pensamento é impelido por
termo paralelismo não deve ser suas afirmações de base, por seus postulados e,
tomado ao pé da letra”. em última análise, pela teoria da verdade que o
Evoluindo em seu meio próprio, anima e que, explícita ou implicitamente, ele
ou seja, a linguagem e o visa demonstrar” (Mezan, 1993, p. 89). No caso
raciocínio, o discurso “capta da teoria psicanalítica, supõe-se que todo
diferentes aspectos da coisa fenômeno psíquico — inclusive ela própria — é
estudada; mas esta tem sua determinado por um “domínio heterogêneo e
dinâmica própria, seus pontos não-paralelo à consciência”, o inconsciente. A
de inflexão ou de impasse, e regra metodológica de Laplanche assenta-se na
tudo isso é reproduzido de um idéia de que parte das “elaborações secundárias
modo ou de outro no nível e camuflagens do ego” deposita-se na superfície
discursivo”. A conclusão de legível dos enunciados, o que permite tomá-los
Mezan (1993): “É este pelo avesso e deles destacar outras redes de
encadeamento constritivo do significações. Pensar esses enunciados
pensamento pelo seu objeto psicanaliticamente é o que ele denomina
que, na ótica de Laplanche, “desmantelamento” ou “aplainamento” (mise à
torna possível e legítimo o plat) dos enunciados textuais. “Achatar” os
emprego do método analítico elementos do texto significa conferir ênfase e
para estudar os escritos valor idênticos a qualquer uma das partes e ao
analíticos”. Nas palavras do conjunto delas: não há relações de subordinação
professor francês, “percorrer a da parte ao todo, um detalhe recebe a mesma
obra em todos os sentidos, sem atenção
nada omitir e sem nada (eqüiflutuante) que o todo da narrativa.
privilegiar a priori, talvez seja Esta posição não é mais do que uma
para nós o equivalente da regra variante, no plano do texto escrito, da noção
fundamental do tratamento” freudiana de neutralidade analítica. A
(apud Mezan, 1993, p. 89). neutralidade analítica é, no limite, uma atitude
Seria assim todo um de abandono de todo a priori e de suspensão de
programa, enunciado para todo julgamento e de todo saber — ainda que,

116 Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006.


Questões epistemológicas e metodológicas em psicanálise

paradoxalmente, jamais nos leitura de um texto, não é obviamente uma


seja possível atitude “natural” (não é uma espécie de
desembaraçarmonos disposição psicológica), posto que nossa
completamente de nossos partis “escuta” é seletiva: tendemos a privilegiar o que
pris, opiniões, preconceitos, conhecemos de antemão, a representação
limites (Beauchamp, 1991). familiar, a idéia do momento. “Proteger-se da
evidência, não temer a contradição, o estranho
A neutralidade que define o ou o desconcertante não é uma coisa natural”
analista não é uma disposição (Beauchamp, 1991, p. 70). Em contrapartida, “o
psicológica, uma espécie de
conhecimento (...) nem sempre tem um efeito de
sabedoria adquirida pela adesão
a um código de conduta. Ela
abertura — ele também reforça a resistência...”
reenvia a uma verdadeira (Beauchamp, 1991, p. 97).
instrumentalização do analista, Considera-se assim que toda e qualquer
elaborada ao longo de uma pesquisa em psicanálise se beneficia — a rigor,
formação específica, da qual o talvez seja mesmo sua condição — da
resultado é a possibilidade da experiência analítica, e esta ocorre de maneira
atenção flutuante. Essa privilegiada no tratamento; mas não de modo
neutralidade é uma conversão
exclusivo, afirma Laplanche (1998), que agrupa,
interior obtida no término de
um processo, do qual não é
além dela, a psicanálise exportada (psicanálise
possível prever em seu início se aplicada; psicanálise em extensão; interação da
ele é susceptível de ser atingido, psicanálise), a teoria e a história como lugares e
mas que permite ao analista objetos dessa experiência (Erfahrung). No fim
ocupar este lugar. Esses dois das contas, o pesquisador em psicanálise, como
critérios, a regra da associação o analista praticien de maneira radical, não tem
livre e a neutralidade, conferem senão um instrumento de trabalho: seu próprio
de imediato a essa experiência
inconsciente. Ora, “o inconsciente [...] é o nome
um caráter extramundano, já
que nada é mais estranho à de uma região de realidade da qual não podemos
relação dos homens que dizer conhecer senão as manifestações; não é um
tudo que se apresenta em seu homúnculo escondido que impõe à nossa revelia
espírito ou se preservar dos seus desejos; isso se passa na relação com o
preconceitos teóricos, Outro”. Em uma palavra: “os ‘significantes’
referências morais e surgem na transferência, ‘causados’ pela função
sentimentos nos propósitos que e pela realidade daquele a quem nos dirigimos”
lhes são colocados (Marie,
(Marie, 2004, p. 156).
2004, pp. 149150).
No que diz respeito à pesquisa
universitária, dirigimos-nos ao autor que
Essa posição de
pesquisamos, aos colegas, orientandos e alunos
neutralidade, na clínica ou na

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006. 117


Fernando Aguiar

com quem dialogamos, ao transferência” não é exclusiva das pesquisas


Programa que nos acolhe, à psicanalíticas2 — a diferença é que a psicanálise
comunidade científica de um dispõe de um aparato conceitual que a
modo geral. Para os pós- evidencia, para eventualmente dar conta dela e
graduandos, em particular, mesmo contar com ela a seu favor. A realização
devese mencionar o lugar de uma pesquisa, psicanalítica ou não, será
ocupado pelos orientadores sempre uma experiência transformadora.
(“transferência na orientação”) Os desafios e as possibilidades da
que maneja (manobra?), um pesquisa psicanalítica
misto explosivo de poder real, na universidade
conferido pela instituição, e
poder imaginário, conferido Ainda não foi avaliado de que maneira o
pelo orientando (Mezan, 2001) campo psicanalítico vem se constituindo na
— e tantas vezes, universidade brasileira, embora se possa
inadvertidamente ou não, observar que os analistas têmse voltado com
assumido por nós próprios, crescente interesse para a universidade na
orientadores. Herrmann (1994) esteira da estrutura de pós-graduação montada
fala ainda em “transferência na no Brasil ao longo dos últimos vinte ou trinta
pesquisa”. anos. Este processo, de maneira paulatina mas
A notar essa obviedade consistente, ampliou o espaço de atuação da
de que a criação de uma psicanálise para além de seu ensino
variante da “neurose de convencional nos cursos de graduação em

2
A implicação transferencial do subitamente angustiado pela lembrança dos horrores sobre
pesquisador em psicanálise na sua os quais eu tinha lido, e não conseguia voltar a dormir. Isso
pesquisa, se intensa, não chega a ser acontecia com maior freqüência quando eu lia sobre as
necessariamente uma experiência tão descrições dos casos de canibalismo. Em Stanlingrado
dramática como a descrita pelo [São Petersburgo], os soldados alemães deixavam os
historiador inglês Anthony Beever, na prisioneiros russos sem comida e eles tinham de comer
revista Veja (04/05/2005), a respeito carne humana para sobreviver. Às vezes, eu me sentia mal
de suas pesquisas sobre a Segunda no almoço ou no jantar só de olhar para a comida e
Guerra e, em particular, sobre “as imaginar o que seres humanos foram forçados a fazer para
atrocidades cometidas pelo soldado não morrer de fome. Tive a mesma reação quando fiz a
comum”. “Quando estava analisando pesquisa sobre a queda de Berlim. Ao terminar o livro, eu
um documento histórico, eu me estava próximo de um colapso nervoso” (p. 137). A noção
concentrava em fazer uma seleção não (clínica) de “neurose de transferência” talvez fosse a mais
emocional das informações que adequada para descrever tais experiências — mas sua
podiam servir ou não para o livro. Só condição (de grau), parafraseando Freud, depende dos
no dia seguinte à noite, às 3 ou 4 horas fenômenos transferenciais possíveis em cada caso.
da madrugada, eu acordava

118 Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006.


Questões epistemológicas e metodológicas em psicanálise

psicologia. Em uma palavra, passou da condição de Professor


com a pósgraduação, a pesquisa Extraordinarius. Como resultado afirmou-se
em psicanálise vem se entre os próprios psicanalistas, que por sua vez
instalando palmo a palmo no jamais deixaram de aceitar as regras da
seio da universidade, por sua racionalidade, uma vontade sempre renovada de
vez, tradicionalmente o lugar da extraterritorialidade, fundada sobre a natureza
pesquisa em sua associação mesma de seu objeto, o inconsciente (Mijolla-
com o ensino dito “superior”. Mellor, 2004).
Devese registrar (e conferir) O termo “extraterritorialidade” é de J.
que em fevereiro de 2005 foi Laplanche, e remonta pelo menos a 1974
enfim concedida pela CAPES a quando, ao criar um DEA (Diplôme d’études
rubrica “psicanálise” entre os approfondies) de psicopatologia clínica e de
campos do saber praticados psicanálise, pioneiro na universidade de seu
pelos professores universitários país, o professor francês definiu-se por “uma
em nosso país. Seja como for, política de noyau dur e de descentramento da
não é evidente o lugar ocupado psicanálise no interior da pluridisciplinaridade”
pela psicanálise na (Roudinesco, 1986, p. 556). Laplanche (1980)
universidade. defende então a idéia de uma
Historicamente, registra- “extraterritorialidade” (extraterritorialité de la
se o combate militante travado psychanalyse) pela qual a psicanálise não
por Freud para que a deveria estar no centro de uma formação: no
admitissem e reconhecessem caso da universidade, o ensino do freudismo
como uma disciplina em toda deveria ser exterior aos outros domínios. Para
sua extensão. Se hoje não há por ele, o analista nasce e se desenvolve apenas na
parte da psicanálise a marginalidade e na ruptura, e não se pode
reivindicação de ser uma garantir senão preservando “todo um jogo de
ciência (há mesmo a colocação extraterritorialidades” em todos os níveis:
em questão de o que é ciência), marginalidade da cura em relação às instâncias
sem dúvida Freud obedeceu a da “vida cotidiana”; marginalidade da análise
uma lógica de exposição que é pessoal em relação aos requisitos e inquisits das
uma lógica científica (Conrath sociedades de analistas; marginalidade do
& Winter, 2006). Houve a exercício da análise em relação às profissões
recusa que de dentro da reconhecidas (médico ou psicólogo);
universidade ao menos em parte marginalidade das instituições analíticas em
lhe opuseram: deve-se lembrar relação às instituições e aos reconhecimentos
que, na Universidade de Viena, oficiais, etc. “Como analistas, como
o fundador da psicanálise não pesquisadores e como universitários”, escreve o

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006. 119


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professor francês, “afirmamos questões acima, a professora francesa de Paris


[...] que a experiência analítica VII com elas propõe esclarecimentos preciosos.
constitui um campo Parece-me também relevante retomar um texto
epistemológico específico e publicado em revista, em seu primeiro número
autônomo, que não poderia ser (ainda que herdeira de Psychanalyse à
a chasse gardée de um l’Université) e em língua estrangeira — e ao
indivíduo ou de uma qual, talvez, nem todos entre nós tiveram acesso.
instituição” (p. 8).
Na universidade impõe- Mijolla-Mellor define “pesquisa” como
se assim retomar questões um conjunto de trabalhos que visam o
jamais resolvidas, pois elas aprofundamento de um campo do
tocam o coração mesmo do conhecimento, por meio tanto de descobertas
objeto da psicanálise, e que são novas, como de uma reflexão histórica e
assim formuladas por Mijolla- epistemológica no domínio concernente. Ela
Mellor (2004): quando e sob propõe retomar a distinção que faz Freud
que forma pode-se falar de (1996), em “Convém ensinar psicanálise na
pesquisa neste domínio? Como universidade?”) entre:
esta pesquisa se organizou — Aprender a psicanálise, isto é, a
inicialmente em torno de prática efetiva da psicanálise e, em primeiro
Freud? Que lugar ocupa tal lugar, a experiência que dela podemos fazer no
pesquisa no seio da comunidade tratamento;
científica, em particular a — Aprender algo sobre a psicanálise;
universitária? O que se espera — Aprender algo proveniente da
da clínica: emergência de um psicanálise.
questionamento? Colocação à A autora entende o “sobre” a psicanálise
prova de uma hipótese? Ou, como o fato de se informar do contexto histórico
mais radicalmente, adubo do de sua descoberta e de sua elaboração, assim
qual a teoria tenta extrair-se, como noções que compõem os aparelhos
permanecendo ao mesmo psíquicos, indissociáveis das condições práticas
tempo o mais próximo do de sua formação no próprio tratamento. Mas,
exemplo que é “a coisa simultaneamente, ela sublinha que este ensino,
mesma”? (p. 28). se verdadeiramente recebido, opera uma
Segue-se uma tradução subversão nas referências habituais conscientes
resumida, quase editada, de de quem as recebe. Neste sentido, um ensino
parte do artigo (ainda recente) sobre é sempre um ensino proveniente da
de Mijolla-Mellor (2004), no psicanálise. Em consonância com a natureza da
qual, além de formular as transmissão de um objeto científico vivo, esta

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Questões epistemológicas e metodológicas em psicanálise

perspectiva defende a idéia então à idéia de que não há verdadeira pesquisa


segundo a qual quem transmite em psicanálise que não seja aquela conduzida
não tenha apenas um saber pelo analista no próprio espaço analítico,
livresco, mas também uma constituído como uma espécie de “laboratório in
prática. vivo”? Querse dizer com isso que tal pesquisa
Tais considerações deveria então respeitar a especificidade de seu
freudianas sobre o ensino método, ou seja, a livre associação, que
podem ser transpostas para o responde mais à lógica da descoberta, e não se
domínio da pesquisa. A ater a um objetivo previsto na esteira de um
pesquisa “sobre” parece programa preestabelecido — tal como ocorre
implicar uma posição de nas pesquisas ditas quantitativas.
exterioridade, mas que não deve Esta perspectiva — a verdadeira pesquisa
ser confundida, neste caso, com como sendo aquela realizada nos consultórios
uma extraterritorialidade. Isso — seria sedutora, pois coloca o método em
não quer dizer que o harmonia com seu objeto; contudo, pode-se
pesquisador “sobre” a questioná-la de várias maneiras. Em primeiro
psicanálise possa ficar imune e lugar, convém não confundir o movimento de
colocar seu objeto à distância; investigação do analista às voltas com a
contudo, é-lhe também psicanálise de um paciente com a pesquisa em
necessário desprender-se desse psicanálise que inclui necessariamente outras
objeto para interrogálo, dimensões — não fosse a própria confrontação
relativizá-lo, colocá-lo em com a teoria —, enquanto durante a escuta a
questão, sem concessão nem teoria está supostamente “em suspensão” ou
conivência. Não se pode “flutuante”.
pesquisar “sobre” sem vir a ser Por outro lado, se o sentido é encontrado
de uma maneira ou de outra, e e se desvela na sessão, este desvelamento é,
nos limites da própria análise, entretanto, tributário de uma busca — e não se
um pesquisador “em” — isto é, pode esquecer que em todo domínio, científico
um pesquisador da ou outro, “pesquisa” e “descoberta” são duas
singularidade dos mecanismos faces diferentes da mesma medalha: é preciso
inconscientes, tal como o pesquisar para descobrir, mas não se descobre
tratamento revela (Mijolla- forçosamente o que se procurava, argumenta
Mellor, 2004, p. 29). Mijolla-Mellor. Enfim, se o processo da
A autora não hesita em pesquisa em análise é endógeno e não se
sublinhar a questão que cabe confunde com a necessidade de provar diante do
aqui ser formulada: a pesquisa mundo — não-analítico — o bom fundamento
em psicanálise corresponderia de uma descoberta analítica, tampouco se pode

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006. 121


Fernando Aguiar

esquecer que essa necessidade teoria e vice-versa. Segundo, porque essas


foi para Freud um elemento “descobertas novas” em psicanálise não são
motor, e que nós lhe devemos indissociáveis de uma reflexão histórica e
ao mesmo tempo a epistemológica no domínio concernente, logo,
profundidade de sua uma pesquisa “sobre” a psicanálise.
argumentação e a clareza de seu Em outros termos, se todo analista no
estilo. exercício de suas funções utiliza sua “pulsão de
Ainda assim a questão pesquisar”, isso não faz dele um “pesquisador”.
insiste sob um outro ponto de Assim, conforme seu exemplo, a “descoberta”
vista: poder-se-ia então dizer, por Winnicott da “transicionalidade” não é
além disso, que a necessidade somente o resultado da observação do uso de
de uma unidade profunda entre uma criança de seu ursinho de pelúcia. Muito
o observador e o observado pelo contrário, se Winnicott pôde observar este
torna necessário que a pesquisa fenômeno, é porque ele já possuía uma teoria
em psicanálise não abandone o sobre a relação entre o externo e o interno, o Eu
terreno do tratamento? Este e o não-Eu.
argumento, ela concede, se é
justificado, não é específico — Cabe aqui uma digressão pertinente. Se a
dá-se o mesmo com as ciências clínica é o lugar próprio, original e por
humanas em geral —, nem excelência da investigação analítica, na
totalmente pertinente. Com universidade parece haver uma predominância
efeito, quem afirmaria ser uma de pesquisas ditas de psicanálise aplicada e
mesma coisa quando se escuta histórico-conceituais. “Psicanálise aplicada”
um paciente e quando se redige neste sentido, que remonta aos primeiros
um artigo ou um livro, com o psicanalistas, de mostrar que as mesmas forças
pensamento voltado para a que “animam toda e qualquer produção mental,
maneira como ele vai ser individual ou coletiva, podem ser detectadas não
recebido, entendido, apenas na situação clínica, mas ainda nas
discutido...? Enfim, se as produções secundarizadas” (Mezan, 1994, p.
“descobertas novas” são 70). “Histórico-conceituais”, porque nelas a
inseparáveis da clínica, isso não teoria psicanalítica ocupa um papel de maior
quer dizer que elas possam se relevo.
limitar à clínica. Primeiro Na universidade, seriam mais raras as
porque a própria clínica só é pesquisas com material clínico (Mezan, 2001), e
fecunda na medida em que se pode-se presumir que mesmo entre os clínicos
apóia numa “teorização de origem os candidatos a mestres e
flutuante”: não há clínica sem pesquisadores optam, em sua maioria, por

122 Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006.


Questões epistemológicas e metodológicas em psicanálise

trabalhos de psicanálise freudianas para além da clínica de origem. Sem


aplicada ou histórico- abdicar da prerrogativa de aplicar o método
conceituais — o que faria psicanalítico aos domínios literário, artístico,
dessas variantes de pesquisa a mitológico e histórico, Freud tampouco
vocação natural da psicanálise permaneceu na aplicação pura e simples,
universitária. Embora não seja buscando sempre extrair subsídios desses seus
a única explicação, parece trabalhos para avançar teoricamente. “O futuro
determinante o fato de que a julgará verdadeiramente que a significância da
realização de uma pesquisa com psicanálise como ciência do inconsciente
material clínico, como assinala [Wissenschaft des Unbewubten] ultrapassa de
Mezan (1994), demanda do longe sua significância terapêutica”, escreve
pesquisador um grau necessário Freud (1926, p. 291), em “A questão da
“de familiaridade com a clínica, psicanálise leiga”. Mas o “homem imparcial” —
com a teoria, com o método, para usar a referência ao fictício e cético
com seu próprio funcionamento interlocutor de Freud — não deve aqui se
enquanto investigador, precipitar e ler a afirmativa como mais um
enquanto estudioso, enquanto indício do conhecido “pessimismo terapêutico”
terapeuta...” (p. 66), logo, freudiano. A questão não é clínica, mas
demanda anos de experiência epistemológica: tivesse a psicanálise o poder de
profissional. Estaríamos assim curar todas as formas de patologia mental, ainda
diante do paradoxo apontado assim seu julgamento e reconhecimento viriam
por Fédida (1997): “Aquele que de sua contribuição ao saber enquanto ciência
pode constituir um discurso que dos processos inconscientes — escreve Assoun
se origina de sua prática (1997), sem dúvida inspirando-se na frase de
psicanalítica é quem tem muitos Freud citada acima.
anos de prática e, geralmente,
quando se tem muitos anos de Fechando o parêntese, retomo o artigo de
prática, não se faz isto” (p. 67). Mijolla-Mellor para recolocar a questão: como
Sem negar a contradição, é situar, reciprocamente, clínica e teoria no
preciso também afirmar que a movimento da pesquisa? Ela não evita precisar
opção por uma pesquisa não os termos.
originária diretamente do Por “clínica”, podemos entender coisas
material clínico não desmerece muito diferentes: o processo de um tratamento
por si mesma a psicanálise (prólogo, início, o próprio tratamento), o
universitária. momento hic et nunc do encontro: tempo de uma
Sabe-se da importância sessão, momento interpretativo, etc., ou bem o
das inúmeras incursões tempo reflexivo que se segue (a situação de

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006. 123


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supervisão), e eventualmente o entre o analista e o analisando, sem o que não


tempo de sua colocação em haveria análise. O “saber” do analista sobre a
forma escrita. teoria e sua “experiência” clínica seriam vazios
Podem-se entender por e inoperantes sem o saber do “analisando” sobre
“teoria” coisas muito sua história, seus sintomas e o que ele aceita
diferentes: um modelo deixar aparecer na transferência.
etiológico que dá conta de um Mas o exercício clínico só dará lugar à
quadro sintomático (teoria da pesquisa — “pesquisa” nesse sentido de
histeria, da neurose obsessiva, produção de novas hipóteses teórico-clínicas —
etc.), uma reflexão sobre o na medida em que a teoria foi trabalhada,
processo analítico, ou bem investida e interrogada previamente. Se não é
hipóteses metapsicológicas assim, “aplica-se” mecanicamente a teoria à
(ciência conjectural) que clínica, e com isso não fazemos nenhuma
“nascem do apelo à ‘feiticeira’ clínica. Ora, esse saber é também aquele que
quando falta a teoria no sentido herdamos (e que chamamos acima de “efeito
experimentalista” (Mijolla- cumulativo” da ciência) em mais de um sentido:
Mellor, 2004). “Somos tributários não somente dos conteúdos
Esses diferentes níveis a que chegaram as pesquisas precedentes, mas
jamais podem ser separados, também, mais obscuramente, da maneira pela
nem pensados separadamente. qual essas pesquisas foram conduzidas, e dos
Conscientes disso, insiste a afetos que nelas se manifestaram” (Mijolla-
autora, compreendemos que “a Mellor, 2004, p. 31).
multidirecionalidade da teoria Aqui a autora dá ao termo “pesquisa” uma
torna impossível (ou absurda) significação restritiva e limitada a um projeto
uma ‘aplicação’ na clínica”. A que se dá por objetivo propor novos modelos
clínica é, portanto, “o lugar para pensar uma dada questão, a partir do
onde se redescobrem e se conhecimento das hipóteses maiores sobre a
colocam à prova e em ato as mesma questão. Esta restrição seria necessária,
hipóteses teóricas múltiplas que por mais que se queira objetar que a
esta mesma clínica conduziu o confrontação entre a teoria e a clínica, presente
analista a elaborar para poder em todo momento de uma sessão, já é em si uma
dar um sentido ao ‘isso fala’ do pesquisa, e é uma pesquisa porque não há jamais
inconsciente” (MijollaMellor, aplicação da teoria, mas ao contrário “suspensão
2004, p. 30). Essa teoria (ou ao da teoria, colocada na latência necessária à
menos seu fundamento, ou seja, escuta”. Também não haveria “um hiato entre
o inconsciente) constitui a essa pesquisa empírica permanente e a Pesquisa
hipótese fundamental comum [com p maiúsculo], que procede sempre à

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Questões epistemológicas e metodológicas em psicanálise

maneira do título muito Mas a noção de pluridisciplinaridade não


conhecido do artigo de Freud se limita, para Mijolla-Mellor, a uma
‘Um caso de... que contradizia a justaposição de disciplinas separadas que
teoria de...’” (Mijolla-Mellor, mutuamente se ignoram, ela antes acentua seu
2004, p. 37). caráter plural, isto é, um grupo heterogêneo,
Mas, conclui a autora, o como falamos de “maioria plural”. A
que distingue uma pesquisa de pluridisciplinaridade implicaria, portanto,
uma elaboração teórico-clínica alguma complementaridade de seus
é o tempo passado pelo componentes, eles próprios independentes
pesquisador a ler, avaliar, segundo um outro ponto de vista. Encontrar essa
discutir o que outros puderam complementaridade “não é evidente nem em
escrever sobre o tema que é o política, nem no domínio da política científica
seu. A comunidade científica das disciplinas”; mas ela pode ser esquadrinhada
virtual é por isso muito vasta e de maneiras diversas.
só tende a crescer com o Eis seu raciocínio: podemos nos colocar,
aperfeiçoamento dos por exemplo, numa perspectiva interdisciplinar,
instrumentos da pesquisa ligada isto é, nos situar nos interstícios das disciplinas,
à informática e aos novos meios em seu ponto de contato. Mas o ponto de contato
de comunicação que abolem a é também o lugar de uma separação. Estar no
distância, ao menos na interdisciplinar consiste, portanto, em fazer
aparência. ressaltar a diferença das abordagens
As interações da psicanálise disciplinares frente a um mesmo objeto. Ela
exemplifica: a noção de violência pode ser o
Privilegio ainda no artigo objeto de abordagens históricas, sociológicas,
de MijollaMellor uma questão antropológicas, psicológicas, filosóficas, etc.
que me parece ser (como é a Cada disciplina descortina sua definição dessa
clínica psicanalítica na noção e o que disso decorre.
instituição, nesses tempos de Para ressaltar essa diversidade, podemos
franco recuo da clínica privada) tentar uma abordagem transdisciplinar. Aqui
a vocação e o futuro da não se está interessado nos interstícios e pontos
psicanálise (não apenas) de contato, mas tenta-se tomar como objeto uma
universitária. Trata-se da noção superfície que possa atravessar várias
de pluridisciplinaridade, ou disciplinas. Outro exemplo: a noção de
seja, a (re)combinação dos autoridade pode constituir um analisador que
saberes especializados, como permite atravessar os diferentes campos
define Figueiredo (2004). invocados acima. Recolhe-se assim sobre essa
noção uma somatória de abordagens diversas,

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mas sem se furtar à indagação do saber assentado sobre uma linguagem


se é bem da mesma coisa que se esotérica, como tantos ‘cientificistas’ não
fala nessas travessias diversas. cansaram de alardear ao longo da história da
psicanálise” (Mijolla-Mellor, 2004, p. 42).
Pluri ou multidisciplinar, Para tentar responder a esta pergunta, a
interdisciplinar e autora retoma a significação mesma do termo
transdisciplinar: a autora se “psicanálise”: um procedimento de investigação
pergunta o que acrescentaria um e um método aplicável em diversos campos.
quarto termo, o de “interações Comecemos pelo procedimento. Trata-se,
da psicanálise”, por ela diz Freud, de um procedimento de investigação
proposto ao criar, em 1990, uma para processos mentais que são mais ou menos
equipe interdisciplinar na inacessíveis de outra maneira. O procedimento
Universidade Paris 7. Sua é a análise, isto é, a decomposição (analuein:
justificativa faz uso de uma desamarrar, desfazer os nós) de uma substância
série de considerações. em elementos. Mas aqui a metáfora reenviaria à
Para a autora, a química. Trata-se de encontrar os elementos
perturbação fecunda que ativos que compõem a substância. A substância
representa a introdução do no caso pode ser um sonho, um sintoma, ou
inconsciente não mais no mesmo o comportamento. “As associações
campo do tratamento, mas nas livres sobre um elemento particular prolongam-
relações com as outras no em linhas emaranhadas, com pontos de
disciplinas, as ciências humanas interseção nodais. Há uma recomposição,
e também a arte, a literatura, a portanto, depois da decomposição, mas não se
medicina, o direito e outras, chega à mesma coisa” (Mijolla-Mellor, 2004, p.
permite que se amarrem novas e 43).
inesperadas conexões. Deve-se Chegamos assim ao processo, isto é, a
perguntar como fazer e qual conjuntos de fenômenos que são ativos e
método seguir para alcançar tais organizados no tempo. No exemplo da autora:
aproximações e, sobretudo, compreende-se a angústia de pegar o avião ou o
permitir alguma fecundidade. elevador como o resultado de certo número de
Deve-se perguntar como fazer, mecanismos que organizam uma angústia
por exemplo, para que “o ponto relativa a outra coisa que não os elevadores ou
de vista da psicanálise não seja os aviões. Neste caso, o procedimento (a
pura e simplesmente rejeitado associação livre das idéias) leva a decompor e
como não-pertinente, mesmo recompor um processo no interior de um
como impertinente — isto é, comportamento (evitar o elevador, mesmo
que pretende um imperialismo sendo preciso subir ao décimo andar). Este

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Questões epistemológicas e metodológicas em psicanálise

processo é um conjunto de sempre se apresenta como um “teóricoclínico”


forças e de contraforças: as aberto à investigação e adaptável às situações
pulsões e as defesas contra as clínicas.
pulsões. Os processos são Mas voltemos ao ponto que nos concerne
inconscientes, a análise faz com na universidade: o método não se aplica somente
que eles se manifestem graças à terapia do sofrimento psíquico (“terapia” aqui
às associações dos pacientes. no sentido de diminuição do sofrimento
O procedimento de psíquico, mas parece-me necessário acrescentar,
investigação funda um método, por minha conta e risco, que o termo é
isto é, uma démarche que se questionável em mais de um sentido em
apóia sobre um conjunto de psicanálise). O método psicanalítico, como já
regras e de princípios. O observado anteriormente, é de fato aplicável aos
método vai ser uma aplicação, fatos humanos, sejam eles individuais ou
uma aplicação dos coletivos. Para Freud, logo ficou claro que a
procedimentos num certo psicanálise, como teoria do inconsciente, se
objetivo, sendo o mais evidente tornaria indispensável a todas as ciências que se
o objetivo terapêutico. “Esse ocupam da gênese da civilização humana e de
objetivo exige considerar a suas grandes instituições como a arte, a religião,
situação psíquica do paciente e ou a ordem social. Ele pensava mesmo,
não formular a interpretação conforme também já referido, que a utilização
senão nos termos que lhe da psicanálise para a terapia das neuroses era
possam ser úteis. O método é a apenas uma de suas aplicações, e que talvez o
interpretação, mas uma futuro demonstrasse não ser a mais importante.
interpretação controlada e Em “O interesse da [ou na] psicanálise” (Freud,
formulada em função do 1913/1984), Freud mostra em que a psicanálise
objetivo procurado, isto é, a poderia interessar a psicologia, as ciências da
melhora do estado de linguagem, a filosofia, a biologia, a história da
sofrimento psíquico do civilização e, enfim, a estética.
paciente” (MijollaMellor, 2004, A autora coloca sem pudor o dedo na
p. 44). Procedimento de ferida: ao falar do interesse que teriam esses
investigação, método de campos do saber em utilizar os dados da
tratamento são as duas fontes a psicanálise, Freud pode dar a impressão de ser
partir das quais se constitui a imperialista, enquanto, de fato, ele não faz mais
teoria psicanalítica. do que prolongar o que foi o movimento mesmo
Compreende-se por que a teoria de seu próprio pensamento, “interessado” por
psicanalítica não se reduz a um todas essas disciplinas. “A aplicação da
conjunto de leis teóricas, mas psicanálise fora do campo do tratamento parece-

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Fernando Aguiar

lhe então quase natural. Assim, suas descobertas” (MijollaMellor, 2004, p. 44).
quando escolhe trabalhar sobre Tais afinidades, mais ainda a dimensão narcísica
Leonardo da Vinci, como nelas implicadas, diriam respeito a esta
dissemos, Freud está em via de dimensão autoanalítica indissociável de toda
refletir sobre as ‘teorias sexuais pesquisa em psicanálise.
infantis’ e os efeitos de inibição A argumentação da autora é precisa:
que elas comportam” (Mijolla- “Leonardo da Vinci, ou Michelangelo, não têm
Mellor, 2004, p. 44). Diversas evidentemente nada a fazer com as
fontes coincidem para levá-lo a interpretações de Freud. Em troca, a teoria
trabalhar sobre este pintor: psicanalítica tem muito a ganhar com o que
primeiro, seu interesse pela Freud nos fala deles, e não apenas de seus
inibição, que não é jamais uma pacientes, porque, frente a Leonardo ou
falta de desejo, mas o resultado Michelangelo, nós estamos na mesma situação
de um conflito de desejos (para de exterioridade em que se encontrava o próprio
Leonardo, o conflito entre a arte Freud”. Como resultado, o estudo de uma obra
e a ciência). Segundo, seu de arte ou de uma obra literária desenvolve e
encontro com um paciente que coloca à prova o método psicanalítico. “Ela o
se parece com Leonardo, ainda impele aos limites de sua compreensão, mas
que, como ele escreve a Jung, também o torna mais facilmente comunicável
sem ter o gênio do mestre que um caso clínico, por definição, apenas
italiano. conhecido pelo analista que fala dele” (Mijolla-
A aplicação da Mellor, 2004, p. 45).
psicanálise a Leonardo da Vinci Eis então uma das razões pelas quais
não é gratuita, afirma a autora. Mijolla-Mellor propõe o termo “interações da
Há uma lógica que impele psicanálise”, diferente de “aplicações” da
Freud para este trabalho, e por psicanálise. O termo “interação” sublinha que,
isso ele ocupa um lugar nos antes de interessar os outros campos do saber ou
prolongamentos da teoria da cultura, a própria psicanálise está interessada
freudiana. Mas há mais do que nesses campos, na medida em que eles são parte
isso. “É provável que Freud, constitutiva dela própria. Tomada assim, a
como descobridor, sentisse aplicação da psicanálise fora do campo do
afinidades profundas com tratamento não é uma ocupação estéril ou um
Leonardo da Vinci, assim como exercício arriscado e perigoso no qual não se
dizia de Copérnico ou de encontraria nada além do já posto desde o início.
Darwin, que, como ele próprio, A autora considera que se pode ir ainda
infligiram grandes feridas mais longe. Ela retorna ao já referido sobre inter
narcísicas à humanidade com ou transdisciplinaridade para afirmar que se

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Questões epistemológicas e metodológicas em psicanálise

pode tomar um objeto de estudo “coincidência dos opostos”, que pode ser
— um fato de sociedade, ou aproximada àquela do sentido oposto das
uma noção geral — e examiná- palavras primitivas, tal como o lingüista Abel a
lo através dos pontos de vista definiu. A psicanálise retoma a idéia de que uma
específicos de diversas mesma imagem possa exprimir duas coisas
disciplinas. Teremos assim um opostas, e isso vai servirlhe para precisar o
esclarecimento multifocal, mas funcionamento do sonho que ignora o não
disso não se retiraria muita (negação), e representa um elemento pelo desejo
coisa, salvo o interrogar sobre de seu oposto. Segundo a autora, os exemplos
as aproximações possíveis entre poderiam se multiplicar, e seriam em número
esses esclarecimentos. Por correspondente ao de objetos de tese potenciais.
“interações” da psicanálise, a Visto de maneira ampla, a competência
autora entende a confrontação psicanalítica se apoiaria sobre três elementos: “o
dos discursos mantidos por que a própria análise do analista lhe ensina sobre
diversas disciplinas sobre um o funcionamento de seu inconsciente; o que seus
mesmo objeto, de tal forma a pacientes lhe ensinaram do funcionamento do
permitir destacar as inconsciente deles; o que ele aprendeu nos
especificidades de cada uma. textos psicanalíticos, quer se trate de clínica
Não se trata de buscar uma quer de teoria, ambos não sendo jamais
unidade dialógica, a seu ver dissociáveis” (Mijolla-Mellor, 2004, p. 46). A
ilusória, mas ao contrário autora não hesita em dizer que as interações da
permitir a cada disciplina psicanálise constituem uma quarta fonte de
desalojar reais especificidades, abordagem. Ela seria precisa no tanto em que
às vezes mesmo oposições, por permite precisar e relativizar o saber analítico e
trás de aparentes similitudes seu método, comparando-os e confrontando-os
nocionais. com outros campos. Enfim, não somente a
Essa confrontação deve pesquisa sobre a psicanálise teria tudo a ganhar
também permitir precisar os com sua integração ao vasto domínio das
métodos utilizados. Poderíamos Ciências do Homem, mas a pesquisa em
assim trabalhar os empréstimos psicanálise pode se ver renovada e provocada de
de modelos de uma disciplina a maneira fecunda pelos resultados provenientes
outra e a penetração recíproca dessas interações.
dos conceitos. Um exemplo A universidade seria uma base
poderia ser a noção jurídica de privilegiada para pôr em obra e na prática essas
processo, presente inúmeras interações, acrescentando à pesquisa “em”
vezes na obra de Freud. Ou psicanálise (diríamos: metapsicológica e
ainda a noção filosófica de clínica) e “sobre” a psicanálise (histórico-

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006. 129


Fernando Aguiar

epistemológicas) a dimensão de Beauchamp, N. (1991). Cursus et formation. In


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Questões epistemológicas e metodológicas em psicanálise

SUMMARY

Epistemological and methodological issues in psychoanalysis

The article deals with some elements that concern to epistemology of


psychoanalysis, and that are usually object of systematic reflection in
psychoanalysis. The article is a compte rendu of the present state of discussions
about the scientific status of psychoanalysis. The role of clinic in psychoanalytic
research. When and how can we speak about research in the psychoanalytic
domain. The role of that kind of research in the center of the scientific community.
The interactions of psychoanalysis with others areas of knowledge. The
psychoanalytic research method.

Key words: Psychoanalysis. Epistemology. Research methodology.

RESUMEN

Cuestiones epistemológicas y metodológicas en psicoanálisis

Este artículo discurre sobre algunos elementos que interesan a la


epistemología del psicoanálisis y que antes fue objeto de reflexión sistemática por
parte de autores psicoanalíticos. El artículo es, por lo tanto, un compte rendu del
estado actual de las discusiones con relación al cientificismo del psicoanálisis.
¿Cuál es lugar de la clínica en la investigación psicoanalítica?. ¿Cuándo y bajo qué
forma se puede hablar de investigación en el dominio del psicoanálisis?. ¿Cuál es
el lugar que ocupa este tipo de investigación en el seno de la comunidad científica,
particularmente, la universitaria?. ¿Cuáles son las interacciones del psicoanálisis
con otros campos del saber?. ¿Cuál es el método psicoanalítico de investigación?.

Palabras-llave: Psicoanálisis. Epistemología. Metodología de investigación.

Fernando Aguiar
R. do Calafate, 79/204 — Pantanal
88040-008 Florianópolis, SC
E-mail: fabs@cfh.ufsc.br

Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 105-131, jun. 2006. 133


Fernando Aguiar

Recebido em:
15/04/06 Aceito
em: 01/06/06

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