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RESUMO
Neste estudo refletimos sobre como a educação não formal vem sendo mobilizada
pelo Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA) para construir
junto com as famílias da agricultura familiar as tecnologias sociais adequadas à
convivência com o Semiárido Nordestino. Destacamos como esse processo envolve
a desconstrução dos estereótipos historicamente construídos acerca do Semiárido,
os quais ao longo do tempo orientaram tanto uma miríade de políticas públicas
equivocadas, como práticas que inviabilizam uma existência plena nessa parte do
Nordeste.
Palavras-Chave: educação não formal, semiárido, tecnologias sociais.
SUMMARY
In this study we reflect on how non-formal education has been mobilized by the
Regional Institute of Small Appropriate Agriculture (IRPAA) to build with the families
of family agriculture the social technologies suitable for living with the Northeastern
Semi-arid. We highlight how this process involves the deconstruction of the
historically constructed stereotypes about the Semi-Arid, which over time have
guided both myriad misguided public policies and practices that prevent a full
existence in this part of the Northeast.
Keywords: non-formal education, semi-arid, social technologies.
INTRODUÇÃO
1
Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais, UNIVASF- Universidade Federal do Vale do São
Francisco, Mestre em Ciencias Sociais, UFCG – Universidade Federal de Campina Grande, Email:
netoandrade25@hotmail.com
2
Licenciado em Ciências Sociais – UNIVASF – Universidade Federal do Vale do São Francisco;
Licenciado em Pedagogia – UESSBA - Unidade de Ensino Superior do Sertão da Bahia S/S Ltda;
Mestre em Educação – PPGESA – Programa de Pós-graduação Mestrado em Educação, Cultura e
Territórios Semiáridos, UNEB – Universidade do Estado da Bahia. Professor Substituto da UNIVASF –
Universidade Federal do Vale do São Francisco (2018//2019); Professor Substituto da UPE –
Universidade do Pernambuco (2019). Email: kgualter@hotmail.com.
Chama-nos a atenção o quanto o solo rachado coberto pelas ossadas de
animais vitimadas pelos longos períodos de estiagem são elementos historicamente
mobilizados pelas diversas mídias para retratar o Nordeste. Esses elementos são
expressos por imagens que compõem uma estética reducionista, estruturante do
imaginário coletivo, capazes de condicionar as percepções dos sujeitos. Assim, eles
dificilmente reconhecerão a gama de possibilidades presentes nessa região.
A recorrente vinculação das mencionadas imagens cumpre a função de culpar
um fenômeno climático regular por todas as mazelas nordestinas. Com isso, o
descaso político passa despercebido. Norteado por essa perspectiva o poder público
aproveita deste olhar nada “ingênuo” para encobrir as diversas intervenções
equivocadas, formada por Medidas que não contribuíram para o desenvolvimento
sustentável da região, cujo principal desdobramento foi à intensificação dos
problemas socioambientais, com ações paliativas típicas, como exemplo do envio de
carros pipas.
Refletindo sobre essa questão Oliveira (1981), ponderou que a intervenção do
poder público no Nordeste não teve por meta promover o desenvolvimento
equilibrado da região. As políticas desenvolvimentistas pautaram-se,
exclusivamente, em construir a infraestrutura necessária para viabilizar o
deslocamento do fluxo de capital plasmado no Centro/Sul para alguns pólos do
Nordeste. Durante esse processo de transferência muitas populações foram
arrasadas pelo desmonte dos modos tradicionais de existência, pois no modelo
desenvolvimentista proposto não havia lugar para elas.
As considerações do pensador servem para problematizar a realidade do
Submédio São Francisco, microrregião encravada no alto sertão nordestino. Na
mesma, durante a década de setenta a Companhia de Desenvolvimento do Vale do
São Francisco intensificou a construção dos perímetros públicos irrigados 3. Esses
perímetros atraíram uma miríade de empresas visando produzir frutas para
abastecer um complexo agroindustrial construído a partir da articulação de capitais
públicos e privado.
4
No Submédio São Francisco a agricultura de sequeiro é praticada em pequenos roçados cultivados
nas terras áridas da caatinga no transcurso dos meses chuvosos, de outubro a março (ANDRADE
NETO, 2018: 17).
A compreensão desse processo deu-se com a realização de quatro visitas ao
Centro D. José Rodrigues, uma das sedes da instituição em Juazeiro. Nas ocasiões
podemos acompanhar o trabalho dos coordenadores com duas famílias em seus
lotes. Após as observações foram realizadas entrevistas seguindo roteiros
semiestruturados pensados tanto para conferir liberdade às reflexões dos
entrevistados, como para possibilitar por meio das perguntas a abordagem de
questões relevantes para esse estudo.
As informações levantadas com as mencionadas técnicas de coleta de dados
estão dispostas ao longo do texto estratificadas em duas partes articuladas entre si.
Na primeira parte realizavos um breve levantamento acerca da atuação do Estado
no Nordeste, pontuando o conjunto de equívocos cometidos ao longo do tempo. Na
segunda parte descrevemos como os coordenadores do Instituto utilizam processos
educativos não formais para disseminar tecnologias sociais que possibilitam as
famílias de agricultores familiares viverem plenamente no Semiárido.
DESENVOLVIMENTO
As experiências vivenciadas com os coordenados nos possibilitaram refletir
sobre como o semiárido vem sendo retratado ao longo do tempo. Salta-nos aos
olhos o arquétipo de miséria contido nas imagens transmitidas, sobretudo pelas
matérias televisivas. Elas são tão previsíveis que podemos descrever com certo
nível de exatidão a estrutura de seus roteiros. Geralmente começam mostrando o
solo rachado coberto pelas ossadas de animais mortos durante os longos períodos
de estiagem. Após isso seguem enquadram famílias miseráveis morando em
casebres cozinhando em fogão a lenha punhados de feijão. Como destacamos, essa
caracterização nortearam intervenções equivocadas do poder público na realidade
nordestina.
Desconstruir essa concepção errônea por meio da educação não formal,
mobilizada para disseminar tecnologias sociais adequadas a convivência com o
semiárido, assim como fortalecer a formação política dos indivíduos a partir dos seus
contextos vem sendo a complexa “missão” levada a cabo pelo Instituto desde a sua
fundação nos primórdios da década de noventa.
No que concerne especificamente a atuação do poder público no Nordeste,
convencionou-se distinguir dois períodos distintos caracterizados por lógicas de
intervenção diversas. No primeiro período compreendia-se que as mazelas
nordestinas eram ensejadas pela especificidade climática da região. Assim, a
escassez das chuvas era considerada o principal entrave para o desenvolvimento do
Nordeste. Logo, para “combater a seca” deu-se início a construção de uma série de
obras públicas.
É marco desse período final do século XIX- meados de século
XX) o início da construção de açudes (públicos e em
cooperação com particulares) e da perfuração de poços, sendo
o açude de Quixadá (1884) o primeiro. Paralelamente, medidas
emergenciais de socorro aos flagelados da seca passam a ser
outra frente de atuação e em 1990 são estipulados fundos
especiais de socorro. (CORDEIRO NETO E BEZERRA ALVEZ,
2009:337).
As ações empreendidas pelo Departamento Nacional de Obras Contra a Seca
(DENOCS), criado na primeira metade da década de quarenta seguiram a mesma
lógica. A aglutinação de força de trabalho para compor as frentes de emergência,
cuja função era escavar açudes foi uma das principias características da atuação do
Departamento. De modo geral, os açudes construídos nesse período mostraram-se
insuficientes, pois eram amplos e rasos, o que potencializava a evaporação da água
pelos intensos raios solares.
A segunda fase ficou caracterizada por um modelo de intervenção que seguiu
uma lógica distinta. Em tal modelo foi considerado o baixo dinamismo de relações
econômicas arcaicas ancoradas nos coronéis. Lideranças locais que dominavam os
principais recursos naturais da região: terra e água, o que lhes possibilitavam
exercer o domínio irrestrito sobre uma massa de miseráveis.
Com a finalidade de aparelhar o Estado para torná-lo capaz de dinamizar as
subdesenvolvidas relações econômicas, cujo fulcro era os coronéis foi criada na
metade dos anos quarenta a Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste
(SUDENE). Nas palavras de seu principal idealizador:
Estamos todos convencidos de que é função precípua do Estado brasileiro,
além de preservar a integridade do nosso território, desenvolver as enormes
potencialidades deste país. “É uma corrida contra o tempo, esforço urgente
para recuperar um imenso atraso relativo, todavia ainda não aparelhamos o
Estado para o efetivo desempenho dessa complexa função de mentor do
desenvolvimento.” (FURTADO, 1983:121).
CONCLUSÕES