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A EDUCAÇÃO NÃO FORMAL COMO ELEMENTO PROPONENTE DE UMA NOVA

PERCEPÇÃO ACERCA DO SEMIÁRIDO NORDETINO.

AUTORES: GUILHERME ERNESTO DE ANDRADE NETO1


KLEYTON GUALTER DE O. SILVA2

RESUMO
Neste estudo refletimos sobre como a educação não formal vem sendo mobilizada
pelo Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA) para construir
junto com as famílias da agricultura familiar as tecnologias sociais adequadas à
convivência com o Semiárido Nordestino. Destacamos como esse processo envolve
a desconstrução dos estereótipos historicamente construídos acerca do Semiárido,
os quais ao longo do tempo orientaram tanto uma miríade de políticas públicas
equivocadas, como práticas que inviabilizam uma existência plena nessa parte do
Nordeste.
Palavras-Chave: educação não formal, semiárido, tecnologias sociais.

SUMMARY
In this study we reflect on how non-formal education has been mobilized by the
Regional Institute of Small Appropriate Agriculture (IRPAA) to build with the families
of family agriculture the social technologies suitable for living with the Northeastern
Semi-arid. We highlight how this process involves the deconstruction of the
historically constructed stereotypes about the Semi-Arid, which over time have
guided both myriad misguided public policies and practices that prevent a full
existence in this part of the Northeast.
Keywords: non-formal education, semi-arid, social technologies.

INTRODUÇÃO
1
Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais, UNIVASF- Universidade Federal do Vale do São
Francisco, Mestre em Ciencias Sociais, UFCG – Universidade Federal de Campina Grande, Email:
netoandrade25@hotmail.com
2
Licenciado em Ciências Sociais – UNIVASF – Universidade Federal do Vale do São Francisco;
Licenciado em Pedagogia – UESSBA - Unidade de Ensino Superior do Sertão da Bahia S/S Ltda;
Mestre em Educação – PPGESA – Programa de Pós-graduação Mestrado em Educação, Cultura e
Territórios Semiáridos, UNEB – Universidade do Estado da Bahia. Professor Substituto da UNIVASF –
Universidade Federal do Vale do São Francisco (2018//2019); Professor Substituto da UPE –
Universidade do Pernambuco (2019). Email: kgualter@hotmail.com.
Chama-nos a atenção o quanto o solo rachado coberto pelas ossadas de
animais vitimadas pelos longos períodos de estiagem são elementos historicamente
mobilizados pelas diversas mídias para retratar o Nordeste. Esses elementos são
expressos por imagens que compõem uma estética reducionista, estruturante do
imaginário coletivo, capazes de condicionar as percepções dos sujeitos. Assim, eles
dificilmente reconhecerão a gama de possibilidades presentes nessa região.
A recorrente vinculação das mencionadas imagens cumpre a função de culpar
um fenômeno climático regular por todas as mazelas nordestinas. Com isso, o
descaso político passa despercebido. Norteado por essa perspectiva o poder público
aproveita deste olhar nada “ingênuo” para encobrir as diversas intervenções
equivocadas, formada por Medidas que não contribuíram para o desenvolvimento
sustentável da região, cujo principal desdobramento foi à intensificação dos
problemas socioambientais, com ações paliativas típicas, como exemplo do envio de
carros pipas.
Refletindo sobre essa questão Oliveira (1981), ponderou que a intervenção do
poder público no Nordeste não teve por meta promover o desenvolvimento
equilibrado da região. As políticas desenvolvimentistas pautaram-se,
exclusivamente, em construir a infraestrutura necessária para viabilizar o
deslocamento do fluxo de capital plasmado no Centro/Sul para alguns pólos do
Nordeste. Durante esse processo de transferência muitas populações foram
arrasadas pelo desmonte dos modos tradicionais de existência, pois no modelo
desenvolvimentista proposto não havia lugar para elas.
As considerações do pensador servem para problematizar a realidade do
Submédio São Francisco, microrregião encravada no alto sertão nordestino. Na
mesma, durante a década de setenta a Companhia de Desenvolvimento do Vale do
São Francisco intensificou a construção dos perímetros públicos irrigados 3. Esses
perímetros atraíram uma miríade de empresas visando produzir frutas para
abastecer um complexo agroindustrial construído a partir da articulação de capitais
públicos e privado.

Mapa da RIDE Petrolina/PE – Juazeiro/BA


3
Os perímetros públicos irrigados podem ser caracterizados enquanto áreas produtivas estratificadas
em lotes agrícolas com dimensões distintas. No Submédio São Francisco, os perímetros geralmente
comportam duas modalidades de irrigantes: primeiros, os colonos, cujos lotes são de no máximo doze
hectares; segundo, as empresas, que dispõem de lotes com área média de sessenta hectares. De
modo geral, eles são dotados com dois tipos de infraestrutura: a) uma voltada para a irrigação das
áreas, compostas por estações de bombeamento conectadas a canais de irrigação; b) uma social,
voltada, sobretudo para os colonos, formada por escolas, postos de saúde, áreas de lazer etc
(ANDRADE NETO, 2018: 17).
Fonte: Silva (2016).

Enquanto os recursos públicos foram destinados para os mencionados


perímetros públicos irrigados as famílias que produzem nas “terras de sequeiro”4
foram negligenciadas. Não por acaso, a grande maioria dos lotes cultivados pela
agricultura familiar permaneceram sem água a poucos quilômetros do Rio São
Francisco. Logo, para amenizar as dificuldades ensejadas pelo descaso do poder
público com esses grupos domésticos surgiu o Instituto da Pequena Agropecuária
Apropriada (IRPAA).
O IRPAA – Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada, foi
idealizado no começo dos anos noventa, por um grupo de pessoas ligadas a Igreja
Católica, entre eles, um dos maiores cânones das lutas sociais no SMSF –
Submédio São Francisco, o então Bispo de Juazeiro Dom José Rodrigues, pode ser
definido como “uma entidade autônoma da sociedade civil que propõe a superação
dos equívocos cometidos pelo poder publico a partir do desenvolvimento de
tecnologias sociais voltadas para a convivência com o Semiárido”. Diferente das
propostas concretizadas anteriormente, ele propõe a criação de caprinos associadas
a práticas de extrativismo como estratégias que asseguram o “bem viver” no
Semiárido (OLIVEIRA; ANDRADE NETO, ALMEIDA, 2013: 123).
Essas estratégias são elaboradas a partir de pesquisas minuciosas que
constroem saberes transmitidos pelos processos da educação não formal.
Constituindo ferramentas utilizadas tanto para desconstruir as concepções
equivocadas acerca do Semiárido, como para disseminar os novos saberes. Logo, o
presente estudo pretende analisar como esses processos de educação não formal
são realizados junto às famílias assistidas pelo Instituto.

4
No Submédio São Francisco a agricultura de sequeiro é praticada em pequenos roçados cultivados
nas terras áridas da caatinga no transcurso dos meses chuvosos, de outubro a março (ANDRADE
NETO, 2018: 17).
A compreensão desse processo deu-se com a realização de quatro visitas ao
Centro D. José Rodrigues, uma das sedes da instituição em Juazeiro. Nas ocasiões
podemos acompanhar o trabalho dos coordenadores com duas famílias em seus
lotes. Após as observações foram realizadas entrevistas seguindo roteiros
semiestruturados pensados tanto para conferir liberdade às reflexões dos
entrevistados, como para possibilitar por meio das perguntas a abordagem de
questões relevantes para esse estudo.
As informações levantadas com as mencionadas técnicas de coleta de dados
estão dispostas ao longo do texto estratificadas em duas partes articuladas entre si.
Na primeira parte realizavos um breve levantamento acerca da atuação do Estado
no Nordeste, pontuando o conjunto de equívocos cometidos ao longo do tempo. Na
segunda parte descrevemos como os coordenadores do Instituto utilizam processos
educativos não formais para disseminar tecnologias sociais que possibilitam as
famílias de agricultores familiares viverem plenamente no Semiárido.
DESENVOLVIMENTO
As experiências vivenciadas com os coordenados nos possibilitaram refletir
sobre como o semiárido vem sendo retratado ao longo do tempo. Salta-nos aos
olhos o arquétipo de miséria contido nas imagens transmitidas, sobretudo pelas
matérias televisivas. Elas são tão previsíveis que podemos descrever com certo
nível de exatidão a estrutura de seus roteiros. Geralmente começam mostrando o
solo rachado coberto pelas ossadas de animais mortos durante os longos períodos
de estiagem. Após isso seguem enquadram famílias miseráveis morando em
casebres cozinhando em fogão a lenha punhados de feijão. Como destacamos, essa
caracterização nortearam intervenções equivocadas do poder público na realidade
nordestina.
Desconstruir essa concepção errônea por meio da educação não formal,
mobilizada para disseminar tecnologias sociais adequadas a convivência com o
semiárido, assim como fortalecer a formação política dos indivíduos a partir dos seus
contextos vem sendo a complexa “missão” levada a cabo pelo Instituto desde a sua
fundação nos primórdios da década de noventa.
No que concerne especificamente a atuação do poder público no Nordeste,
convencionou-se distinguir dois períodos distintos caracterizados por lógicas de
intervenção diversas. No primeiro período compreendia-se que as mazelas
nordestinas eram ensejadas pela especificidade climática da região. Assim, a
escassez das chuvas era considerada o principal entrave para o desenvolvimento do
Nordeste. Logo, para “combater a seca” deu-se início a construção de uma série de
obras públicas.
É marco desse período final do século XIX- meados de século
XX) o início da construção de açudes (públicos e em
cooperação com particulares) e da perfuração de poços, sendo
o açude de Quixadá (1884) o primeiro. Paralelamente, medidas
emergenciais de socorro aos flagelados da seca passam a ser
outra frente de atuação e em 1990 são estipulados fundos
especiais de socorro. (CORDEIRO NETO E BEZERRA ALVEZ,
2009:337).
As ações empreendidas pelo Departamento Nacional de Obras Contra a Seca
(DENOCS), criado na primeira metade da década de quarenta seguiram a mesma
lógica. A aglutinação de força de trabalho para compor as frentes de emergência,
cuja função era escavar açudes foi uma das principias características da atuação do
Departamento. De modo geral, os açudes construídos nesse período mostraram-se
insuficientes, pois eram amplos e rasos, o que potencializava a evaporação da água
pelos intensos raios solares.
A segunda fase ficou caracterizada por um modelo de intervenção que seguiu
uma lógica distinta. Em tal modelo foi considerado o baixo dinamismo de relações
econômicas arcaicas ancoradas nos coronéis. Lideranças locais que dominavam os
principais recursos naturais da região: terra e água, o que lhes possibilitavam
exercer o domínio irrestrito sobre uma massa de miseráveis.
Com a finalidade de aparelhar o Estado para torná-lo capaz de dinamizar as
subdesenvolvidas relações econômicas, cujo fulcro era os coronéis foi criada na
metade dos anos quarenta a Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste
(SUDENE). Nas palavras de seu principal idealizador:
Estamos todos convencidos de que é função precípua do Estado brasileiro,
além de preservar a integridade do nosso território, desenvolver as enormes
potencialidades deste país. “É uma corrida contra o tempo, esforço urgente
para recuperar um imenso atraso relativo, todavia ainda não aparelhamos o
Estado para o efetivo desempenho dessa complexa função de mentor do
desenvolvimento.” (FURTADO, 1983:121).

Nessa perspectiva, a Superintendência tinha por atribuição promover


mudanças nas estruturas administrativas do aparelho estatal, sobretudo para criar
políticas públicas capazes de promover o desenvolvimento regional. No entanto, a
atuação desse aparelho estatal no SMSF ficou restrita aos perímetros públicos
irrigados. Desse modo, as áreas de sequeiro foram esquecidas.
Considerando os mencionados aspectos históricos podemos ponderar que
historicamente o Semiárido nordestino foi alvo de políticas públicas equivocadas. As
primeiras compreenderam a seca como responsável pelas mazelas sociais que
assolam a população. As segundas relacionaram essas mazelas com o baixo
dinamismo econômico da região.
De modo que em nenhum dos casos mencionados foram considerados as
potencialidades do Semiárido. No Submédio São Francisco, as ações do poder
público beneficiaram, essencialmente, as grandes empresas da fruticultura irrigada.
Assim, os pequenos agricultores sofrem com o descaso do poder público.
Contrariando essa realidade o IRPAA vem realizando por meio da educação
não formal um trabalho de conscientização junto aos pequenos agricultores, cuja
finalidade visa desconstruir os preconceitos que sempre nortearam as intervenções
estatais na região, os quais foram internalizados pelos mesmos.
Podemos compreender o conceito de educação não formal contratando-o com
os elementos que constituem o que convencionamos denominar por educação
formal. Por educação formal designamos processos de ensino/aprendizagem que
ocorrem no âmbito escolar delimitados por paredes que circunscrevem todas as
relações possíveis. Nas escolas, os sujeitos considerados aptos avançam de graus
inferiores para graus mais avançados, após cumprirem todo o ciclo recebem a
perseguida certificação.
Convém salientar, que a progressão para as series mais avançadas caberá
aos professores, considerado os pares diferenciados no processo de ensino por
possuírem os conhecimentos a serem transmitidos. Nessa perspectiva os alunos
são considerados meras tabuas rasas, receptores passivos dos conteúdos
programados.
Diferenciando-se substancialmente desse modelo educacional, na educação
não formal as situações de aprendizagem surgem espontaneamente propondo
sempre uma reflexão acerca das práticas coletivas referentes à realidade
circundante. É por meio da reflexão sobre a realidade que os sujeitos envolvidos
demonstram suas dificuldades, construindo coletivamente modos de resolvê-las.
Assim, tornam-se sujeitos políticos engajados em seus contextos.
Nesse processo, o educador será sempre aquele com quem se estabelece
as relações, assim, a figura do professor enquanto sábio capaz de conduzir seus
alunos, vistos como seres destituídos de luz própria, para os “caminhos” dos
saberes, será irrevogavelmente solapada. Logo, busca-se superar as assimetrias
que legitimam as antigas relações de poder, estruturantes das relações entre
professores e alunos, propondo uma construção coletiva de aprendizagem e
resolução dos problemas sociais.
Vejamos algumas reflexões sobre educação não formal:
A educação não formal capacita os indivíduos a se tornarem cidadãos do
mundo, no mundo. Sua finalidade é abrir janelas de conhecimento. Sobre o
mundo que circunda os indivíduos e suas relações sociais. Seus objetivos
não são dados a priori, eles se constroem no processo interativo, gerando
um processo educativo. Um modo de educar surge como resultado do
processo voltado para os interesses e as necessidades que dele participa,
(COHN, 2006: 33).

Considerando os elementos descritos na citação acima seguiremos


destacando o modo como os coordenadores do IRPAA se apropriam da educação
não formal nas ações que antecedem as implantações das tecnologias sociais
desenvolvidas a partir da especificidade do Semiárido. De acordo com eles, no início
enfrentaram muitas dificuldades, seja por que os pequenos agricultores
incorporaram as percepções arquetípicas amplamente divulgadas, seja porque as
populações pré-coloniais, que possuíam os conhecimentos de como conviver com o
Semiárido foram dizimadas durante o processo de colonização.
Na perspectiva dos entrevistados a convivência com o Semiárido depende
do desenvolvimento de pesquisas capazes de desvelar suas potencialidades. A
descoberta das mesmas permite à construção de tecnologias sociais adequadas as
condições climáticas irreversíveis. Porém, apenas o fomento das mencionadas
tecnologias não foi suficiente. Era preciso discutir a validade das mesmas com os
pequenos agricultores, com a finalidade de estimulá-los a experimentá-las para que
eles pudessem avaliar sua eficiência e participar do processo de adequação. Desse
modo, as novas tecnologias foram resultado de um processo de construção coletiva.
Contudo, a aplicação das tecnologias demandou a desconstrução de práticas
historicamente impostas, cuja perpetuação poderia comprometer a vida das famílias
na zona rural do semiárido, forçando-as a migrar para a periferia das cidades mais
próximas. Dentre essas práticas, duas merecem destaque por serem recorrentes. A
primeira era a criação de gado bovino, inviável nas áreas de caatinga, visto que essa
vegetação não comporta os hábitos alimentares e estrutura física desses animais. A
segunda diz respeito aos cultivos de sequeiro, os quais tinham a produtividade
comprometida pela escassez de chuvas.
Considerando a vegetação nativa o recomendável seria os agricultores
investiram na criação de caprinos, animais de pequeno porte adaptados a vegetação
com bons índices de produtividade de carne e leite. No que diz respeito à
agricultura, aconselha-se cultivar pequenas áreas cercadas, pois as grandes
lavouras devastadas pela falta de chuva causam prejuízos. De acordo com as
pesquisas realizadas pelo Instituto a criação de caprinos associadas ao extrativismo
são fundamentais para viver no Semiárido. Em todo caso o sucesso dessas práticas
depende do esforço coletivo de preservação da caatinga.
Para sanar os problemas relativos a escassez de água buscou-se uma
alternativa para os grandes açudes, visto que a amplitude desses reservatórios
potencializam a evaporação, o que ocasionava o esvaziamento dos mesmos antes
dos períodos chuvosos. Como alternativa foram propostos os barreiros trincheiras.
Reservatórios mais profundos, com a superfície reduzida para diminuir os índices de
evaporação, o que assegura o abastecimento das famílias e rebanhos durante todo
o período de estiagem.
No que diz respeito à utilização dos processos educativos não formais, parar
discutir com as famílias as experiências com as novas tecnologias os coordenadores
desenvolveram estratégias didáticas pautadas na visualização. Essas estratégias
possibilitam estabelecer relações e trocas de saberes com as gerações mais velhas
de agricultores constituídas por sujeitos não letrados.
Nesse processo são superadas as dificuldades mencionadas por uma das
coordenadoras entrevistadas:
A própria história que nos constitui forma barreiras. Nesse sentido tanto o
agricultor que queima e assim devasta a caatinga, quanto o professor que não
leva em consideração o contexto do individuo, não desperta no individuo a
importância de sua comunidade, de seu meio para compreender o todo está
contribuindo para a continuidade da miséria e pobreza do sertanejo. Muitos
professores da educação formal não estão dispostos a criar novos conhecimentos
acerca do semiárido, pois isso exige trabalho e pesquisa, preferem permanecer na
mesmice (Coordenadora de Educação E.S. Entrevista realizada em Juazeiro em
23/06/2015).

O trabalho desenvolvido pelo Instituto se apropria da educação não formal


para construir junto com as famílias da agricultura familiar do Semiárido novas
perspectivas, as quais lhes possibilitam viver de forma plena em seus contextos.
Para tanto, esses sujeitos precisam reconhecer o potencial latente da terra onde
nasceram. Essa compreensão deve caminhar junto com o fortalecimento dos laços
comunitários estruturantes da percepção de pertencimento de um lugar que precisa
ser cuidado.
Ademais o segundo coordenador entrevistado pontuou que as lutas
pelo desenvolvimento de novas tecnologias sociais adequadas a realidade do
Semiárido deve ser constante, pois o poder público continua propondo
políticas de desenvolvimento equivocadas:
Hoje se fala muito da criação de bancos de semente, das sementes criolas,
mas, essa é uma política agrícola do Sul do país, e o governo tenta
implantar aqui sem levar em consideração o contexto completamente
diferente. Não tem porque trazer sementes do Sul, nós podemos
desenvolver nossas próprias sementes, além do mais, sabemos que não é
na agricultura que está à possibilidade de viver bem no Nordeste. Devemos
investir em caprinos e ovinos (Coordenador de educação J. M. S. Entrevista
realizada em Juazeiro em 20/06/2015).

De acordo com o entrevistado, as políticas públicas não estão mais voltadas


apenas para construção de grandes empreendimentos. Mas permanecem tentando
viabilizar de modo equivocado as dinâmicas econômicas nordestinas. Para combater
esses equívocos o trabalho do Instituto mostra-se fundamental, pois demonstra que
as transformações são possíveis, quando realizadas por novas perspectivas
educacionais, construídas fora dos muros, cujo alvo são sujeitos dispostos a
promover mudanças.

CONCLUSÕES

Destacamos a principio o quanto as vinculações constantes das imagens de


animais mortos tombados no solo rachado servem para legitimar uma narrativa que
repercuti a seca como causa direta das mazelas nordestinas. Ponderamos que por
trás dessa estética reducionista composta por uma iconografia pobre existe uma
intencionalidade, qual seja: esconder o histórico descaso político com o Nordeste,
especialmente com sua porção de terra localizada no Semiárido.
Não bastasse isso, os arquétipos disseminados pelas mencionadas imagens
informaram ao longo de décadas uma gama de intervenções equivocadas por parte
do poder público. Essas, ora construíram grandes açudes, visando amenizar a falta
de água para “combater a seca”, ora materializaram recursos nos grandes pólos de
desenvolvimento, beneficiando apenas os grandes grupos empresariais. Deixando
descoberta, as populações tradicionais que vivem, essencialmente, da agricultura
familiar.
Convém salientar, que ao longo do tempo essas populações tradicionais
assimilaram os arquétipos disseminados acerca do Semiárido, o que as
impossibilitou de enxergar as potencialidades do mesmo. Além disso, conformaram
em suas vivencias um conjunto de práticas desconectadas de suas realidades, que
dificultavam a permanência nas comunidades rurais, pois reconheciam a
impossibilidade de convivência com a escassez chuvas. Com isso, muitas migraram
para as cidades mais próximas, pequenos nichos de urbanidade destituídos da
infraestrutura necessária para acolhê-las.
Assim, visando reverter esse processo o IRPAA, além de desenvolver as
tecnologias sociais apropriadas para a convivência com o Semiárido mobiliza
processos de educação não formal tanto para construir novos saberes junto às
famílias de agricultores, como para desconstruir as percepções equivocadas sobre o
semiárido. Como resultado desse processo, as citadas famílias incorporam um
conjunto de práticas que lhes possibilitam estabelecer novas relações com seus
contextos, assim como retirar dele os elementos necessários para uma existência
plena.
Como destacamos a construção desses saberes passou pelo enfrentamento de
diversas barreiras relacionadas, principalmente, a institucionalização dos
mencionados estereótipos. Porém, não bastasse isso, tudo leva a crer que o
trabalho do Instituto será profundamente impactado pelo nebuloso cenário político
que se desenha. Nesse, observamos à organização de diversas frentes que visam
atacar as várias formas de organização popular. Ataques que objetivam minar os
modos de resistência às reformas neoliberais, que no caso do IRPAA se concretizam
nos cortes de editais públicos voltadas para organizações da sociedade civil que
desenvolvem ações junto as comunidades rurais do Semiárido Nordestino.
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