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2•ed.
07·0720 CDD·115
A intuição do instante
2• edição
Tradução
VERUS
�
w
SAPIENTIA
Título original
L'int11ition dr l'instant
Editora
Rai'ssa Castro
Coordenadora Editorial
Ana Paula Gomes
Copidesque
Ana Paula Gomes
Revisio
Carlos Eduardo Sigrist
Diagramaçio
Daiane Avelino
Prefacio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
CAPÍTULO 1
O instante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
CAPÍTULO 2
O problema do hábito e o tempo descontínuo . . . . . . . . . . 57
CAPÍTULO 3
A ideia do progresso e a
intuição do tempo descontínuo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
ANEXO
Instante poético e instante metafisico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
Prefácio
7
A I NTUIÇAO DO I NSTANTE
8
PREFACIO
9
lntrodução
11
A I NTU I ÇIIO DO I N STA NTE
12
I NTRODUÇAO
oculta . Se o autor não nos mostra sua fonte primeira, nem por
isso nos podemos enganar a respeito da unidade e da profundi
dade de sua intuição. O lirismo que conduz esse drama filosófi
co que é Siloe constitui o signo de sua intimidade, porque, co
mo escreve Renan , " o que se diz de si é sempre poesia " . 1 Esse
lirismo, porque inteiramente espontâneo, encerra uma força de
persuasão que certamente jamais conseguiríamos transportar
para nosso estudo. Seria necessário reviver todo o livro, segui
lo linha a linha para compreender quanto o caráter estético lhe
acrescenta de clareza . Aliás, para ler bem Siloe, deve-se ter pre
sente que se está diante da obra de um poeta, de um psicólo
go, de um historiador que ainda se nega a ser um filósofo no
momento mesmo em que sua meditação solitária lhe entrega
a mais bela das recompensas filosóficas - a de voltar a alma e o
espírito para uma intuição original.
Nossa tarefa principal nos estudos que se segu em será es
clarecer essa intuição nova e mostrar seu interesse metafísico.
13
A I NTUIÇAO DO I N STANTE
.l Si/oi', p. 8.
14
C A P ÍT U L O
O instante
15
A I NTUIÇAO DO I N STANTE
16
O INSTANTE
I Sih>i', p. I 08.
17
A I NTU IÇAO DO I N STANTE
11
Porém essa consagração do instante como elemento temporal
primordial só pode, evidentemente, ser definitiva se for primei
ro confrontada com as noções de ins�ante e de duração. Desde
logo, apesar de Siloe não apresentar nenhum traço polêmico, o
leitor não pode deixar de evocar as teses bergsonianas. V isto que
neste trabalho nos propomos a tarefa de confiar todos os pensa
mentos de um leitor atento, cumpre-nos enunciar todas as obje
ções que nascem de nossas lembranças dos temas bergsonianos.
Aliás, é talvez opondo a tese de Roupnel à de Bergson que com
preenderemos melhor a intuição que apresentamos aqui.
Eis, então, o plano que vamos cumprir nas páginas que se
seguem.
Lembraremos a essência da teoria da duração e desenvolve
remos o mais claramente possível os dois termos da oposição:
18
O I NSTANTE
19
A I NTUIÇAO DO I N STANTE
20
O INSTANTE
como não compreender que uma nova era se abre sempre por
um absoluto? Ora, toda evolução, na medida em que é decisiva ,
é pontuada por instantes criadores.
Esse conhecimento do instante criador, onde o encontrare
mos mais seguramente que no fluxo de nossa consciência? Não
é aí que o impulso vital se mostra mais ativo? Por que tentar
remontar a alguma potência surda e escondida que falhou mais
ou menos em seu próprio impulso, que não o concluiu, que
nem sequer o continuou, enquanto se desenrolam sob nossos olhos,
no presente ativo, os mil acidentes de nossa própria cultura, as
mil tentativas de nos renovar e de nos criar? Voltemos, pois, ao
ponto de partida idealista, concordemos em tomar como campo
de experiência nosso próprio espírito em seu esforço de conhe
cimento. O conhecimento é, por excelência, uma obra tempo
ral . Tentemos, então, apartar nosso espírito dos laços da carne,
das prisões materiais. Tão logo o liberamos, e na proporção em
que o liberamos, percebemos que ele recebe mil incidentes, que
a linha de seu sonho se quebra em mil segmentos suspensos a
núl picos. O espírito, em sua obra de conhecimento, apresen
ta-se como uma fila de instantes nitidamente separados. É escre
vendo a história que o psicólogo, artificialmente, como todo
historiador, coloca nela o vínculo da duração. No fu ndo de nós
mesmos, ali onde a gratuidade tem um sentido tão claro, não
percebemos a causalidade que daria força à duração, e é um pro
blema complicado e indireto procurar as causas em um espírito
no qual só nascem ideias.
Em suma, não importa o que se pense da duração em si,
apreendida na intuição bergsoniana, a qual não temos a preten
são de haver examinado por inteiro numas poucas páginas é -
21
A I NTUI ÇÃO DO I N STANTE
2 Ibidem.
22
O INSTANTE
imediata do instante? Todas essas ressalvas são feitas aqui para que
não nos acusem de círculo vicioso formal quando tomamos as
palavras no sentido vago, sem nos atermos ao sentido técnico.
Tomadas essas precauções, podemos dizer com Roupnel :
23
A I NTU I ÇAO DO I N STA NTE
24
O INSTANTE
• Ibidem .
25
A INTU IÇAO DO INSTANTE
26
O INSTANTE
111
Dizíamos mais acima que, entre as duas intuições precedentes,
havíamos hesitado longamente, buscando mesmo, nas vias da
' Cf.llergson, Essai sur ft•s douuérs immédiatt•s de /,t C<IIISCÍetrct•, p. 82 [ed . port .: Er�
saio sobre <IS d.tdtlS Íllll'diatos da ((l/ISCÍCIICÍa, Edições 70, 1988[.
27
A I NTU IÇAO DO I NSTA NTE
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O INSTANTE
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A I NTU IÇÃO DO I N STANTE
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O INSTANTE
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A I NTU IÇAO DO I NSTA NTE
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O INSTANTE
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A INTUIÇAO DO INSTANTE
" Guyau já dizia, de um ponto de vista, é verdade, mais psicológico que o nos
so: " A ideia do tempo [ . . . J se reduz a um efeito de perspectiva" (LA J!Cuesc de
l'idée du temps, Prefacio).
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O INSTANTE
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O INSTANTE
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A I NTU IÇAO DO I N STANTE
38
O INSTANTE
IV
Ao escrever essa fórmula, bem sabemos que réplica vamos sus
citar. Dir-nos-ão que o nada do tempo é precisamente o inter
valo que separa os instantes verdadeiramente marcados por acon
tecimentos. Se necessário admitirão, para melhor nos derrotar,
que os acontecimentos têm nascimento i nstantâneo, que são
mesmo, se necessário, instantâneos, mas reivindicarão um inter
valo dotado de existência real para distinguir os instantes. Que
rerão fazer-nos dizer que esse intervalo é verdadeiramente o
tempo, o tempo vazio, o tempo sem acontecimentos, o tempo
que dura, a duração que se prolonga, que se mede. Nós, porém,
7 Silor, p . 1 26.
39
A I NTU IÇÃO DO I N STANTE
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O INSTANTE
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O INSTANTE
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O INSTANTE
1)
2)
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O INSTANTE
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A INTU IÇAO DO INSTANTE
que todas elas contam, porque cada qual tem um eco em nossa
alma desperta. E essa lembrança de alegria é já um remorso quan
do comparamos, a essas horas de vida total, as horas intelectual
mente lentas porque relativamente pobres, as horas mortas por
que vazias - vazias de desígnio, como dizia Carlyle do fundo
de sua tristeza -, as horas hostis intermináveis porque nada dão.
E sonhamos com uma hora divina que daria tudo. Não a
hora plena, mas a hora completa. A hora em que todos os instantes
do tempo seriam u tilizados pela m:Héria, a hora em que todos
os instantes realizados na matéria seriam utilizados pela vida, a
hora em que todos os instantes vividos seriam sentidos, ama
dos, pensados. A hora , por conseguinte, em que a relatividade
da consciência seria apagada, porque a consciência seria a exata
medida do tempo completo.
Finalmente, o tempo objetivo é o tempo máximo; é aquele que
contém todos os instantes. Ele é feito do conj unto denso dos
atos do Criador.
v
Restaria agora explicar o caráter vetorial da duração, indicar o
que faz a direção do tempo, em quê uma perspectiva de ins
tantes desaparecidos pode chamar-se passado, em quê uma pers
pectiva de espera pode chamar-se futuro.
Se pudemos compreender a significação primordial da in
tuição proposta por Roupnel, devemos estar prontos para ad
mitir que o passado e o futuro - como a duração - correspon
dem a impressões essencialmente segundas e indiretas. Passado
e futuro não tocam a essência do ser, e muito menos a essência
primeira do Tempo. Para Roupnel, convém repetir, o Tempo é
o instante, e é o instante presente que tem toda a carga tempo-
48
O INSTANTE
49
A I NTU IÇAO DO I N STANTE
Três por cinco torna-se dois por cinco, depois um por cin
co, depois é o silêncio de um ente q '\e nos deixa , enquanto em
derredor o mundo continua a ressoar.
Com esse esquema , compreende-se o que existe de poten
cial e ao mesmo tempo relativo no que chamamos, sem lhe es
pecificar os limites, de hora presente. Um ritmo que continua
inalterado é um presente que tem uma duração; esse presente
que dura compõe-se de múltiplos instantes que, de um ponto
de vista particular, apresentam perfeita monotonia. É de tais mo
notonias que são feitos os sentimentos duradouros que deter
minam a individualidade de uma alma particular. A unificação
pode estabelecer-se em meio a circunstâncias bem diversas. Pa
ra quem continua a amar, um amor defunto é ao mesmo tempo
presente e passado ; é presente para o coração fiel, é passado para
o coração sofrido. É, pois, sofrimento e reconforto para o cora
ção que aceita ao mesmo tempo o sofrimento e a recordação.
Chega-se mesmo a dizer que um amor permanente, sign o de
uma alma duradoura, é algo diverso de sofrimento e felicidade
e que, transcendendo a contradição afetiva, um sentimento que
dura assume um sentido metafisico. Uma alma amante experi
menta efetivamente a solidariedade dos instantes repetidos com
regularidade. Reciprocamente, um ritmo uniforme de instantes
é uma forma a priori de simpatia.
Um esquema inverso ao primeiro esquema nos representa
ria um ritmo que nasce e nos daria os elementos da medida re-
50
O IN STANTE
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A INTU IÇAO DO INSTANTE
52
O I NSTANTE
VI
Todavia , antes de iniciar esse capítulo, poderíamos, se tal fosse
nosso objeto, procurar no donúnio da ciência contemporânea
razões para fortalecer a intuição do tempo descontínuo. Roup
nel não deixou de traçar um paralelo entre sua tese e a descrição
moderna dos fenômenos de radiação na hipótese dos qum1 ta . �
No fundo, a contabilidade da energia atômica é feita empregan
do-se mais a aritmética que a geometria . Essa contabilidade se
exprime mais com frequências que com durações, e a lingua
gem em quantas vezes suplanta pouco a pouco a linguagem em
quanto tempo.
Aliás, no momento em que escrevia , Roupnel não podia
p rever toda a extensão que assumiriam as teses da descontinui-
• Cf. Si/"e, p. 1 2 1 .
53
A I NTU IÇAO DO I NSTA NTE
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O I N STANTE
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A INTU IÇAO DO INSTANTE
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C A P IT U L O 2
O p robl em a d o h ábito
e o tem p o d escontinu o
57
A I NTU IÇÃO DO I N STANTE
1 Silor, p. 1 27 .
58
O PROBLEMA DO HABITO E O TEMPO DESCONTINUO
sen te com o ser passado. Mas, ainda uma vez, se essa solidarie
da de dos i nstantes do tempo não é nem direta nem dada, se,
n o utros termos, não é a duração que liga imediatamente os ins
ta n tes reunidos em grupos segundo certos princípios, torna-se
ma is n ecessário que nunca mostrar como u ma solidariedade
nã o direta, não temporal, se manifesta no devir do ser. Em suma,
temos de encontrar u m princípio para substituir a hipótese da
harmonia preestabelecida . É a isso que tendem, a nosso ver, as
teses roupnelianas a respeito do hábito.
Nosso problema será então mostrar, em primeiro lugar, que
o hábito ainda é concebível, mesmo quando o separamos de
seu apoio num passado postulado, de forma gratuita e errônea,
como diretamente eficaz. Em seguida teremos de mostrar que
esse hábito, definido agora na intuição dos instantes isolados,
explica ao mesmo tempo a permanência do ser e seu progresso.
Mas antes abramos um parêntese.
59
A INTU IÇAO DO INSTANTE
É
curioso aproximar dessa crítica uma obj eção metafisica
apresentada por Koyré em sua análise do pensamento místico:
z Op. c it . , p. 34.
60
O PROBLEMA DO HABITO E O TEMPO DESCONTINUO
61
A I N TU IÇAO DO I NSTA NTE
• Si/oi', p. 1 0.
62
O PROBLEMA DO HABITO E O TEMPO DESCONT[NUO
63
A I NTU IÇAO DO I N STANTE
• ::>ifoe, p. 33.
64
O PROBLEMA DO HABITO E O TEMPO DESCONTINUO
lhe, ele não a recebe do ser atual. Foi ele que a construiu com
zelo apaixonado, e como se as chamas de amor em que nasceu
o houvessem despojado de todas as suas servidões funcionais. res
tabelecido em sua potência original e restituído às suas indigên
cias iniciais.')
11
Para fins de clareza, formulemos nossa tese opondo-a imedia
tamente às teses realistas.
Costuma-se dizer que o hábito está inscrito no ser. A nosso
ver, seria melhor dizer, empregando a linguagem dos geôme
tras, que o hábito está exscrito ao ser.
65
A I NTU IÇAO DO I NSTANTE
111
Op. cit., p. 36.
66
O PROBLEMA DO HÁBITO E O TEMPO DESCONTINUO
11 O p. c i t . , p. to I .
67
A I NTU IÇAO DO I NSTA NTE
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O PROBLEMA DO HABITO E O TEMPO DESCONTINUO
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A I N T U I ÇAO DO I N S TANTE
12
Bergs o n . !vlc1th\n· ct mémoirc, p . 23 1 [ e d . bras . : !lclatéria c mcmária, M a rt i ns Fon
tes, 2006] .
70
O PROBLEMA DO HABITO E O TEMPO DESCONTINUO
71
A INTU IÇAO DO INSTANTE
72
C A P fT U L O 3
A i d ei a d o pro gresso
e a i n tu i çã o d o tempo
d escon ti n u o
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A I N TU IÇAO DO I NSTA NTE
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A IDEIA DO PROGRESSO E A INTUIÇAO DO TEMPO DESCONTINUO
75
A I NTUIÇÃO DO I N STANTE
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A IDEIA DO PROGRESSO E A INTUIÇAO DO TEMPO DESCONTINUO
• Si/oi', p. 55.
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A I NTU IÇAO DO I NSTA NTE
11
Naturalmente, Roupnel sentiu tudo quanto o hábito, tomado
no aspecto psicológico, traz de facilidade ao progresso. " A ideia
de progresso" , diz ele,
78
A I DE IA DO PROGRESSO E A I NTUIÇAO DO TEMPO DESCONTINUO
79
A I NTU IÇAO DO I NSTA NTE
7 Op. c i t . , p. 1 58.
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A IDEIA DO PROGRESSO E A INTUIÇAO DO TEMPO DESCONTINUO
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A IOEIA DO PROGRESSO E A INTUIÇAO DO TEMPO DESCONTINUO
111
Neste ponto de nossa exposição, se nos pedissem para assina
lar com u ma etiqueta filosófica tradicional a doutrina tempo
ral de Roupnel, diríamos que essa doutrina corresponde a um
dos fenomenismos mais nítidos que se conhecem. Seria, com
efeito, caracterizá-la muito mal dizer que, como substância, só
o tempo conta para Roupnel, porque o tempo é sempre toma
do simultaneamente, em Siloe, como substância e como atributo.
Explica-se, então, essa curiosa trindade sem substância que faz
com que duração, hábito e progresso estejam em perpétua troca de
efeitos. Quando se compreende essa perfeita equação dos três
fenômenos fundamentais do devir, percebe-se que seria inj us
to levantar aqui uma acusação de círculo vicioso. Sem dúvida,
se partíssemos das intuições comuns, objetaríamos facilmen te
que a duração não pode explicar o progresso, porque este, para
se desenvolver, requer a duração; e objetaríamos ainda que o
hábito não pode atualizar o passado, porque o ser não tem como
conservar um passado inativo. Porém a ordem discursiva nada
prova contra a unidade intuitiva que se vê esclarecer quando
se medita Siloe. Não se trata , com efeito, de classificar realida-
83
A I NTU IÇAO DO I N STANTE
• Op. c i t . , p. 1 72 .
., Op. c i t . , p. 1 62.
84
A I DElA DO PROGRESSO E A I NTUIÇAO DO TEMPO DESCONTINUO
85
A I NTUIÇAO DO I NSTA NTE
1"
Guyau, La genrse de l'idée du temps, p. 80.
11
I dem, o p . c i t . , p . 82.
86
A IDEIA DO PROGRESSO E A INTU IÇÃO DO TEMPO DESCONTINUO
87
A INTU IÇAO DO INSTANTE
porta; o que importa é o perdão que ela fez nascer em vossa al
ma, e a natureza mais ou menos geral, mais ou menos elevada,
mais ou menos refletida desse perdão é que voltará vossa existên
cia para o lado aprazível e mais claro do destino em que vereis
melhor do que se esse alguém vos tivesse permanecido fiel. Mas,
se a traição não aumentou a simplicidade, a confiança mais alta,
a extensão do amor, tereis sido traído inutilmente e podereis di
zer a vós mesmo que nada aconteceu . 1 2
12
M aeterlinck, S<�grssr ri destirrér, p. 27 [ed. bras . : A S<lbcdMi<l I' " dcstirr<•, Pe nsa
mento, s.d . ] .
88
Con cl u sã o
89
A INTUIÇAO DO I N STANTE
ele nos reconduz a esse frescor da alma e dos sentidos que re
nova a força poética. É
A Arte é a escuta dessa voz interior. Ela nos traz o murmúrio en
terrado. É a voz da consciência sobrenatural que habita em nós
no fundo inalienável e perpétuo. Ela nos reconduz ao sítio pri
mordial de nosso Ser e ao Lugar imenso no qual estamos no Uni
verso inteiro. Nossa parcela miserável assume aí seu grau univer
sal e nos entrega a autoridade que ela detém . Triunfando sobre
1 Siloe, p. 1 96.
90
CONCLUSÃO
Op. c i t . , p. 1 98 .
91
A INTU IÇAO DO INSTANTE
92
ANEXO
l n sta n te p oéti co
e i n sta n te m eta fi si co*
93
A I NTUIÇAO DO I NSTA NTE
94
INSTANTE POETICO E INSTANTE M ETAFISICO
11
Mas será que também é tempo esse pluralismo de acontecimen
tos contraditórios encerrados num só instante? Será que é tem
po toda essa perspectiva vertical que se proj eta sobre o instante
poético? Sim, porque as simultaneidades acumuladas são simul
taneidades ordenadas. Elas conferem uma dimensão ao instante,
porque lhe dão uma ordem interna . Ora, o tempo é uma or
dem, e nada mais que uma ordem . E toda ordem é um tempo.
A ordem das ambivalências no instante é, portan to, um tem
po. E é esse tempo vertical que o poeta descobre quando recu-
95
A I NTU IÇAO DO I N STA NTE
111
Para conservar, ou, antes, para reencontrar esse instante poético
estabilizado, poetas há, como Mallarmé, que brutalizam direta
mente o tempo horizontal, que invertem a sintaxe, que inter
rompem ou desviam as consequências do instante poético. As
prosódias complicadas põem seixos no riacho para que as ondas
pulverizem as imagens ruteis, para que os redemoinhos desfaçam
os reflexos. Lendo Mallarmé, tem-se com frequência a sensação
de um tempo recorrente que vem pôr termo a instantes idos.
Vivemos, então, retardatariamente os instantes que deveríamos
ter vivido - sensação tanto mais estranha quanto não participa
de nenhum pesar, de nenhum arrependimento, de nenhuma nos
talgia. Ela é feita simplesmente de um tempo trabalhado que sabe
96
INSTANTE POETICO E INSTANTE METAFISICO
97
A I NTUIÇAO DO I N STANTE
98
INSTANTE POETICO E INSTANTE METAFISICO
IV
É notável que um dos poetas que mais fortemente apreenderam
os instantes decisivos do ser seja o poeta das correspondências. A
correspondência baudelairiana não é, como tantas vezes se afir-
2 I d e m , Mo11 m·ur mis à 1111, p. 88 ]ed. bras . : Meu comçào dcsrwdt�do, Nova Fron
teira, 1 98 1 ] .
99
A I NTUIÇÃO DO INSTANTE
1 00
INSTANTE PO�TICO E I NSTANTE M ETAF !SICO
1o1