Curso: 2º Ano em Licenciatura em Letras – Português, Espanhol e suas Literaturas Responsável: Prof. Dr. Ruberval Franco Maciel
MENEZES DE SOUZA, L.M. Para uma redefinição de letramento crítico. In:
MACIEL,R.F.; ARAUJO, V.A. Formação de professores de línguas: ampliando perspectivas. Jundiaí: Paco Editorial, 2011.
Na era da globalização, as multiculturas conviveriam mais pacificamente se con-
seguissem ter um olhar crítico para os seus adversários. Através do letramento crítico, pode-se preparar aprendizes que confrontem as diferenças das espécies. Paulo Freire aponta o leitor como um sujeito crítico. O pedagogo contrasta duas formas de ler um texto: a primeira delas é a leitura “ingênua”, na qual os significados são tomados como “naturais”, portando incontestáveis e elaborados a partir da “experiência”. O segundo modo seria o saber “rigoroso”, analítico, como um processo constante e dialógico (no sentido bakhtiniano) de reflexão crítica, isto é, produto de uma reflexão crítica. O sujeito leitor deve perceber criticamente o papel do senso comum e superá-lo. A consciência do senso comum leva a acreditar que aprendemos a “falar falando”, porém a percepção crítica de estar no e com o mundo (in-der-Welt-sein), dá-se através da conscientização social e crítica de que não estamos sozinhos no mundo. É através do letramento crítico que se desenvolve essa percepção. Ao aprender a escutar, o aprendiz percebe que seus valores e significados originam-se na coletividade sócio-histórica na qual pertence. Por conseguinte, tanto o autor quanto o leitor estão no mundo e com o mundo. Este processo influencia e contribui para a produção de escrita e leitura do texto. Ler criticamente resulta no desempenho de dois atos simultâneos e indissociáveis: primeiro, perceber como o autor produziu determinados significados; e segundo, ao mesmo tempo, perceber, enquanto leitores, como esses significados estão inseparáveis do nosso próprio contexto sócio-histórico. Deste modo, o letramento crítico necessita de outra interpretação do conceito de “crítica”, que tenha uma dimensão histórica para complementar a dimensão social. Conforme Hoy, o ato de escrita e de leitura são atos de produção de texto, assim, tanto o autor quanto o leitor são construtores de significações através da linguagem. Portanto, este novo sentido do termo “crítica” tenta focalizar a origem histórica dos sig- nificados atribuídos aos textos e às leituras. As histórias são sociais e coletivas pelo fato de que mesmo quando escrevemos ou lemos individualmente, Usa-se palavras, signifi- cados, textos e leituras que antecederam e que constituem o momento atual de produção do texto e do próprio autor/leitor. Cada eu origina-se num conjunto coletivo complexo e interconectado de comunidades do qual ele se destaca e, simultaneamente, o pertenci- mento às comunidades diferentes fazem com que um eu se diferencie de outro eu, gerando individualidades. Deste modo, é possível haver leituras/escritas semelhantes como de gênero (leitura feminina), de classe social (leitura de classe dominante), de faixa etárias (leitura juvenil), entre outras. O termo genealogia, elaborado por Michel Foucault, pode explicar essas seme- lhanças e também as diferenças de leituras de um mesmo grupo. É, pois, importante o leitor/autor se apoiar num processo de conscientização de sua própria autogenealogia, ao se produzir um texto (ler ou escrever). Para Freire, o letramento crítico promove uma percepção do papel da história e da temporalidade da linguagem e do conhecimento. Esta percepção influencia a percepção do presente. A temporalidade torna cada comunidade mutável através do tempo, gerando, assim, uma complexidade e multiplicidade de leituras/escritas produzidas numa dada comunidade, mas também, reduz a multiplicidade potencial de produções de significação. Cada produção de significação de uma deter- minada sociedade adquire validade apenas em um dado momento histórico. O valor de uma produção de significação pode variar conforme o momento temporal. A nova acepção de letramento crítico propõe que as normas e as verdades são contingentes e comunitárias e, assim, temporais, locais e mutáveis. Diante de situações de conflitos entre povos de culturas diferentes é necessário aprender a escutar, não apenas os outros, mas também escutar a nós mesmos, ouvindo os outros. Deste modo, é inútil tentar se impor sobre o outro, dominá-lo ou silenciá-lo, pois, a escuta crítica não eliminará as diferenças entre nós e os outros. Deve-se então, procurar outras formas de interação e de convivência pacífica diante das diferenças, de forma que não resulte no confronto direto nem na eliminação das diferenças.