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INTRODUÇÃO
introdução _

aprendendo com a são paulo delirante


O fenômeno da Renovação Urbana é uma reestruturação espacial que se realiza em determinadas
situações, pontuais ou especiais da metrópole. Opera por uma finalidade ou estratégia específica. Implica
em um processo de produção, um produto e um uso específicos. Nesta especialização a espacialização se
diferencia. A Renovação se realiza ao imbricar incorporação imobiliária, predominantemente de caráter
privado, e infraestrutura, predominantemente de caráter público. Relaciona formas de financiamento
especiais, recursos oriundos de instituições públicas de diversos níveis, ou de instituições financeiras de
diversas ordens e origens. Por outro lado, pode-se observar que renovações urbanas que vêm
acontecendo na São Paulo do século XXI explicitam o caráter de disputa na produção do espaço. Uma
luta de classes difusa que se realiza na disputa pela produção e distribuição do produto social, da riqueza
comum. A «cidade». Elas operam em localizações pontuais e através de programas especiais:
patrimoniais, culturais, esportivos, ambientais, interesse social, que são manuseados ideologicamente. A
aparência universalista obscurece a essência da defesa de interesses particulares. Estas operações se
utilizam de estratégias políticas, econômicas, jurídicas não usuais ao conjunto da metrópole e nesta
configuração espacial-especial inclui o uso e abuso de «arquiteturas e urbanismos» também especiais,
objetos únicos que aguçam o caráter espetacular de tais intervenções.

Esta pesquisa1 visa compreender este processo através da análise de uma situação urbana considerada
crítica, exemplar. Elegida para estudo de caso e que deve ser analisada segundo suas particularidades e
suas relações. Trata-se da Região da Luz, no centro de São Paulo. Se não bastasse sua densidade histórica,
originalmente periferia da urbanização, posteriormente o próprio centro da cidade que se expande,
atualmente é objeto de seguidas tentativas de reestruturação espacial, sua renovação. Planos urbanos que
se estruturam e se reestruturam com a finalidade de se retomar a centralidade deste espaço. Neste estado
crítico, vislumbra-se identificar as estratégias de expansão e formas de resistência, de subversão e,
virtualmente, de superação dos impasses vividos na contemporaneidade. O habitar contemporâneo se
forma na disputa pela produção e distribuição do habitat contemporâneo. Estas características da
produção do espaço urbano, da valorização e capitalização de capital investido, dos lucros e rendas,
constituem o que se pode denominar como a dimensão imobiliária do espaço: o que se consome é fruto
da identidade entre produção e propriedade.

1
A presente pesquisa se inicia como um desdobramento da dissertação de mestrado (Petrella, 2009, 2012). Nesta, buscou-se
analisar processos de produção do espaço (Lefebvre, 1974) a partir da comparação entre seis Conjuntos Habitacionais
produzidos na Região Metropolitana de São Paulo: Cecap Zezinho Magalhães Prado em Guarulhos, Cohab Cidade Tiradentes e
Cdhu Iguatemi localizados na Zona Leste de São Paulo, Mutirão autogerido Copromo em Osasco e Cingapura Zaki Narchi e
Locação Social Parque do Gato que estão localizados no Centro expandido de São Paulo. A relação entre suas formas espaciais e
suas formas sociais de apropriação foram observadas em concomitância com aspectos políticos, econômicos, estéticos,
ideológicos, que compõem seu contexto, identificando um modo de habitar. A imbricação dessas análises pôde construir uma
breve «história do Conjunto Habitacional», cujo «nascimento, apogeu e morte» é enquadrado por Renovações Urbanas, objeto
de estudo da presente pesquisa.

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A «crise imobiliária» da Região da Luz, Centro de São Paulo, decorre da desvalorização de seu patrimônio
construído em função da obsolescência diante da diferenciação das ofertas imobiliárias na metrópole.
Essa crise abre a possibilidade da ocupação popular da área central, uma espécie de periferização do
centro, mas também a possibilidade de revalorização imobiliária a partir de um novo processo produtivo
e de sua capitalização (privatizáveis através do monopólio de propriedade privada). Neste sentido, há
uma disputa pelo uso de seu espaço. De um lado, os agentes interessados na monopolização de seu uso
para a construção e consumo do imobiliário, que garantem rendimentos financeiros a partir da
constituição de um novo produto; e de outro lado, os moradores, trabalhadores e «usuários livres», que
estão presentes nesse espaço graças ao processo histórico de desvalorização, fortalecendo formas de uso e
de sociabilidade não totalmente apreendidas pela reprodução do capital com ênfase na produção
imobiliária. Nesta disputa, a produção do espaço se realiza articulando o Estado (obras, recursos
financeiros e jurídicos), agentes produtivos (incorporadores, construtores, projetistas), agentes
«improdutivos» (proprietários imobiliários e agentes financeiros) e os consumidores finais, aqueles que
devem ser capazes de realizar o valor e o preço da mercadoria imobiliária, constituindo-se em oposição
aos antigos habitantes. Esta produção imobiliária aguça a contradição entre o uso do espaço como valor
de troca, o direito à alienação, e o uso do espaço como valor de uso, o direito ao usufruto. Uma disputa de
Valor: ou se orienta para a conexão local-global, como expressão da predominância da reprodução do
capital sobre a reprodução da vida, ou para o desenvolvimento da posse e do uso.

A renovação urbana é um ajuste espacial. A dimensão imediata da diferenciação da metrópole. Uma


dimensão que é relacionada ao movimento global do capital financeiro, que busca sua capitalização a
partir de plataformas locais de valorização, processos produtivos. A renovação como um ajuste espacial é
uma reestruturação imobiliária e urbana que transforma um determinado perímetro da metrópole e suas
relações de propriedade, substituindo parcial ou totalmente edificações e infraestruturas existentes a
partir de demolições e novas construções. Esta transformação opera sobre espaços «deteriorados», ou
deixados em estado de abandono, que permitem uma valorização e capitalização adicionais, cujo
excedente mobiliário produzido pode ser privatizado. Esta é a finalidade deste processo. A busca da
valorização e capitalização adicionais (rent gap) e a virtual substituição populacional existente
(gentrification) configuram-se como uma fronteira infernal de lucratividade e rentabilidade. O produto
imobiliário é a dimensão local da expansão e reprodução capitalistas: para o interior do urbano,
reestruturando a metrópole no movimento global do capital financeiro.

A especificidade do produto imobiliário acentua o deslocamento-descolamento entre valor da construção


e preço do produto imobiliário. Ao incorporar ao título jurídico da propriedade privada do espaço o
produto construído, associa a diferenciação das condições de sua produção (a lucratividade decorrente da
exploração da força de trabalho) à diferenciação das formas de uso da metrópole (a rentabilidade
decorrente da monopolização da propriedade privada). Essa associação constrói um produto
diferenciado ao responder a necessidades e desejos também diferenciados. Assim, sua realização tende a
se deslocar e se descolar das relações particulares de produção. O preço da construção se realiza como a
construção do preço. Apreciado ou depreciado permite a realização da capitalização pressuposta antes do

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processo produtivo. O título de propriedade, portanto, sua dimensão jurídica, uma relação de direito,
assume a equivalência de valor desta capitalização. Este processo é acentuado e reproduzido na medida
em que esta diferenciação também se acentua na metropolização.

Neste processo há a mobilização do imobiliário, dado que o título jurídico de propriedade assume
socialmente um preço e equivale a uma renda capitalizada. Como abstração descolada de sua base
material e tangível, ele circula como se fosse dinheiro em busca de capitalização. Neste processo, a
própria forma da propriedade se altera: meio de superar as barreiras à livre-circulação criadas pela
fragmentação do espaço. A propriedade privada em sua forma absoluta desabsolutiza-se. Este processo,
portanto, reestrutura o próprio espaço, constituindo um novo produto imobiliário que, ao mesmo tempo,
satisfaz necessidades e desejos diferenciados (cuja rentabilidade pode ser monopolizável) e que sua
monopolização desabsolutizada (do construir e do uso) permite sua aproximação aos títulos financeiros.
Este produto expande os limites do privado sobre o público em um movimento de generalização da
propriedade privada: extrapola a fronteira do lote e da grande gleba, alcançando e redefinindo a
metrópole. A reestruturação do espaço por meio da renovação urbana constitui um ajuste espacial
conectado às necessidades de reprodução global do capital: possibilidade de generalização da privatização
do produto social e a correspondente dissolução do público e de suas relações sociais correlatas.

Assim, acentua-se a concentração monopolista e o caráter antiurbano da renovação urbana. A


diferenciação espacial existente, antes da construção, é acentuada na renovação como meio de se garantir
lucros extraordinários e rendas absolutas decorrentes da monopolização destas vantagens de produção e
de propriedade. Neste processo há a contribuição particular da arquitetura e do urbanismo, como
concepção que dá corpo às pressuposições financeiras e como fetiche, como imagem, como o
«imaginário» que acentua necessidades e desejos diferenciados e, portanto, que possibilita a realização de
preços de monopólio. A «arquitetura e urbanismo» se institui como instrumento e como indicador da
reestruturação urbana e imobiliária.

a generalização da renovação urbana:


fronteira infernal do capitalismo contemporâneo
– “Bom, e qual é a tese?”.

A subvida do trabalho se aprofunda com o deslocamento da valorização da produção para a


capitalização da propriedade, meio fictício de acumulação. Na atual reestruturação capitalista emerge o
domínio do (capital) fictício como fundamento da reprodução social. Na sua dimensão espacial,
convergem o imobiliário e o financeiro, que particularizam a reprodução do capital na metrópole
contemporânea, proporcionando-lhe uma sobrevida através da produção do espaço. Esta convergência se
dá pela coalizão de frações de classe detentoras do patrimônio imobiliário e financeiro, que acentua o
domínio das classes proprietárias sobre as classes subordinadas além do predomínio da acumulação por
meio de processos espoliativos (imobiliários, urbanos e financeiros). Como um desdobramento, na
dimensão da luta política, a experiência de resistência à espoliação na reprodução dessa reestruturação da

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vida pode orientar para a constituição de uma classe social espacial de base urbana, cuja luta conforma
uma força contra o capital.

O problema é como os conflitos em torno do uso e ocupação do espaço (a «disputa por localizações», a
«guerra do espaço») são acentuados na atualidade. Mais do que simples manifestações de diferenciações
culturais, um viés ideológico, eles expressam em nível imediato as contradições da restruturação global
do capitalismo. Isso pode ser observado a partir da mercantilização de serviços e infraestruturas públicos,
do endividamento para produção e consumo (mercadorias, imóveis e serviços), que expande as fronteiras
de acumulação ao se realizar por meio da expropriação e privatização do valor socialmente produzido. A
espoliação imobiliária, urbana e financeira, imbricadas, é a expressão de uma coalizão de classes que
instrumentaliza o espaço, a dívida e o Estado, acentuando a precariedade da reprodução social e da vida
humana. Neste sentido, a sobrevida do capital acentua a subvida do trabalho, ao se realizar mediante a
somatória de exploração e de processos espoliativos.

O domínio do capital fictício como meio de acumulação impõe o estabelecimento de mecanismos


também fictícios de absorção e capitalização do excedente financeiro. Parte disso se realiza no interior da
própria esfera financeira, que «resolve» sua reprodução a partir de negociações de títulos de dívidas, de
ações, seguros, patentes: propriedades que circulam globalmente como equivalentes de valor. Por outro
lado, parte se «resolve» com a produção imobiliária, especialmente no imbricamento incorporação e
infraestrutura, associando a «ficção» da propriedade imobiliária à «ficção» da propriedade financeira.
Pressuposições de capitalização do excedente. Neste sentido, a produção do espaço se torna o
fundamento e um campo privilegiado da reprodução social. Tanto para a sobrevida do capital, quanto
para o esclarecimento dos níveis e dimensões deste processo. Porém, como o fictício acumula «valor» por
meio da capitalização, portanto, sem a necessidade direta de mediação da produção (a partir da
propriedade e da renda capitalizada), ele deve se realizar através de processos espoliativos, que extraem o
produto já realizado e o a produzir, reestruturando o espaço à luz dos «planos urbanos» contemporâneos.

A emergência deste novo tipo de plano, configurado a partir de consórcios de parcerias público privada,
articula capitais imobiliários, financeiros e Estado; além de buscar rendimentos econômicos a partir da
produção e do consumo do espaço construído. Operam uma inversão de sentido: não se trata de uma
produção de objetos de uso, mas sim de uma produção de propriedades. Aqui, um duplo movimento. A
expansão da mercantilização de serviços e políticas públicos e a intensificação da escassez que decorre da
monopolização de perímetros urbanos especiais. A partir destes novos planos são mobilizados diferentes
níveis e dimensões do movimento de reestruturação ao abrir novas fronteiras (infernais) para a
capitalização imobiliária financeira. Eles permitem o deslocamento espacial da exploração imobiliária.
Partem de áreas exauridas por produções pretéritas e avançam por «campos virgens» ao destravar
espaços travados pela dispersão, fragmentação e judicialização da propriedade imobiliária. Esta sobrevida
ao imobiliário, imediato, corporifica a sobrevida ao financeiro, global, cuja acumulação real combinada
com a fictícia encontra na produção do espaço um meio de absorção e capitalização do excedente.

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Estas relações imediato-globais encontram no nível da totalidade (da consciência, da concepção e da


imaginação) a legitimação social dos mecanismos espoliativos ao responder, de modo mistificado, à
satisfação de necessidades e desejos, também mistificados. Respostas social e politicamente funcionais à
reprodução do capital e não à reprodução da vida. Esta inversão, portanto, situa-se na ordem da
alienação: o fetiche, que transforma objetos em sujeitos, e a reificação, que transforma os sujeitos em
objetos. Por outro lado, quando a acumulação por espoliação se desvia da centralidade da produção real,
as lutas sociais correspondentes, por direitos e de resistência, constituídos na contradição entre capital e
trabalho (à luz da visão fabril), perdem a força, são também desviados e canalizados para a manutenção e
reprodução das relações capitalistas de produção. Se a acumulação por espoliação tem sua realidade na
produção do espaço, ao dar corpo à ficção imobiliária financeira, a experiência de resistência à espoliação
pode se constituir como uma «tomada de consciência espacial» contra a reprodução do capital. Práxis
que orienta por acúmulo de experiência a formação de uma classe e de uma luta social anticapitalistas.
No entanto, este possível só pode se desenvolver livremente desde que a experiência social supere a
mediação mistificadora da propriedade, a fantasmagoria da mercadoria que domina a reprodução
capitalista. Além da necessária desmercantilização, portanto, a experiência social deve ser capaz de
produzir novas relações, sociais, políticas e em identidade a relações espaciais. Uma luta política que se
manifesta a partir dos «planos urbanos», mas que possa, à luz da infinitude do horizonte, se instituir
como «direito à cidade», como autogestão e autoprodução da vida.

a exposição da tese: níveis imediato, global, total


A tese é organizada em três capítulos. O primeiro, analisa os planos urbanos da Região da Luz; o segundo,
a centralidade da propriedade na acumulação de capital; e o terceiro os conflitos e coalizões políticos no
uso, distribuição e produção do espaço. Cada um destes capítulos, por sua vez, é organizado em três
subcapítulos, momentos de análise que se complementam. O primeiro de cada um deles, observa-se seu
aspecto imediato, ou a manifestação imediata como nível e dimensão da reprodução social, no plano
urbano, na centralidade da propriedade e nos conflitos e coalizões. Uma dimensão mais especificamente
imobiliária e urbana. Depois, inicia-se uma abordagem de seu aspecto global, ou como cada uma destas
manifestações imediatas se relacionam a dimensões jurídicas, econômicas e políticas que não se
restringem à sua manifestação imediata, mas têm relações a processos sociais mais amplos. Por fim, cada
um deles se fecha com uma discussão que se suscita ao nível das contradições mais gerais que os movem,
relativo à totalidade ou consciência.

O capítulo 1. planos da luz inicia a análise a partir de três planos urbanos: a Concessão
Urbanística Nova Luz (2009-2011), a parceria público privada PPP Casa Paulista (2014) e o PIU Plano de
Intervenção Urbanística (2016). No subcapítulo «1.1 – A racionalidade imediata dos planos» aborda-se
inicialmente seus aspectos arquitetônicos e urbanísticos, as diretrizes de uso e ocupação do solo bem
como a relação com a preexistência. Em seguida, analisa-se a estrutura dos contratos: parceria público
privada, que regulamenta a relação entre agentes produtivos, financeiros e Estado, organizando suas
respectivas responsabilidades e formas de remuneração. Termina com comentários urbanísticos sobre os

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planos, agentes imediatos ou mediadores que contribuem com a problematização dos planos propostos e
sua relação com a reestruturação imobiliária e urbana.

Em «1.2 – Constituição do complexo imobiliário financeiro» aborda-se aspectos políticos e econômicos


mais amplos. Inicialmente analisa um conjunto de marcos legais imobiliário financeiro, que visam a
aproximação da mobilização do imobiliário com a (des)regulamentação financeira. Em seguida, a
exaustão do (direito à) moradia problematiza a expansão e intensificação da exploração econômica da
habitação de interesse social que reduz a potência do direito à moradia como objeto de luta social.
Termina com a concepção de uma plataforma de valorização imobiliária e financeira, como meio
dominante de acumulação capitalista e de contradição social.

Em «1.3 – Irracionalidade da razão» discute-se como no interior da racionalidade econômica se


manifesta e se desenvolve a irracionalidade. Inicialmente, a centralidade das crises e contradições são
analisadas como uma manifestação própria da reprodução capitalista. Estaria contida aí, em seu segundo
momento, a causa e o efeito da busca incessante pelo crescimento (i)mobiliário exponencial, um
crescimento como um fim em si mesmo. A crise imobiliária, urbana e financeira estaria lado a lado à
crise de reprodução capitalista. No particular do espaço, o campo cego e as ilusões urbanísticas dão corpo
à irracionalidade desta razão.

O capítulo 2. propriedades da luz analisa o papel central da propriedade como elemento


político, econômico e ideológico na estruturação do espaço. No subcapítulo «2.1 – Propriedade e
racionalidade econômica» se discute seu papel em nível imediato da Região da Luz. Inicialmente a partir
de uma observação e reflexão sobre os aspectos sócio espaciais através das derivas realizadas pelo autor.
Em seguida, analisa-se formas de distribuição da propriedade em relação aos tipos edificados, tempos
históricos e concentração-dispersão de proprietários. Esta análise aproxima este conjunto de distribuição,
de caráter exemplar, às condições de conservação e uso do conjunto edificado. Por fim, em construção do
preço do produto imobiliário discute-se o caráter mistificador e arbitrário da formação do preço, base de
cálculo e de pressuposição de acumulação capitalista.

Em «2.2 – Renda e capital fictício» analisa-se teoricamente o papel da renda capitalizada, tanto
imobiliária quanto financeira, como meio de acumulação. Em a especificidade da renda da terra na
construção social do preço do produto imobiliário ilumina-se o imbricamento entre monopólio de
produção e monopólio de propriedade que caracterizam a especificidade do imobiliário. Assim se
acentua o seu caráter fictício, desviando-se da totalização da visão fabril que apenas ilumina as
condicionantes técnicas e de exploração da força de trabalho ambientadas no canteiro de obras. Em
seguida, em capital portador de juros, capital fictício, faz-se a aproximação entre o imobiliário e o
financeiro, como dominância do fictício sobre o real e como predominância de processos espoliativos
como acumulação de capital. Por fim, a «ficçação» (i)mobiliária e sobrevida do capital aponta para a
centralidade do complexo imobiliário financeiro como ordenador da reprodução social.

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Em «2.3 – Mundo invertido da propriedade» reflete-se sobre a alienação que é acentuada pela
centralidade da propriedade. Inicialmente, a contradição entre propriedade privada, posse e Estado
discute as formas de apropriação do bem comum, mediados ou não pelo poder externo do Estado. No
avanço de sua instrumentalização, como realização de interesses particulares de classe, este papel de
mediador social atenua e se dissolve. Em seguida, o bem comum e apropriação privada relaciona o uso da
riqueza social predominantemente como alienação ou como usufruto. O ambiente produzido, como
reflexo e espelho dessas relações sociais, volta-se contra seus produtores. Por fim, em função social da
propriedade, função social da posse discute-se como as concepções econômicas liberais, dominantes na
sociedade burguesa, engendram um conjunto jurídico que dão corpo institucional à reprodução social
sob domínio da propriedade.

O capítulo 3. àa luz da contradição enfoca o aspecto propriamente político na produção


do espaço sob domínio do fictício e predomínio dos processos espoliativos na acumulação de capital. No
subcapítulo «3.1 – Contradição na produção do espaço da Luz» discute-se a relação entre grupos sociais,
representativos de classe e frações de classe, em sua inserção nos aspectos de uso e de troca do espaço.
Inicialmente, em agentes imediatos, agentes mediadores analisa-se o papel de cada um desses agentes,
em sua forma genérica, na constituição do espaço da Luz. Em seguida, o movimento da contradição:
conflitos e coalizões, parte-se de uma abordagem histórica do conjunto de disputas pela distribuição do
valor socialmente produzido. Por fim, o ato aberto: enigma da Luz evidencia esta condição imobiliária e
urbana na reestruturação particular do espaço da Luz, podendo se espraiar, como processo e como
análise, para outras situações a metrópole.

Em «3.2 – A coalizão patrimonialista imobiliária financeira» analisa-se o aspecto propriamente de classe


constituído sob a propriedade e contradição. Inicialmente, na plataforma da marcha: valorização
imobiliária financeira constitui-se um conjunto de estratégias pelas quais o complexo imobiliário
financeiro se realiza. Em seguida, em àa luz da acumulação por espoliação busca-se consolidar os meios
de reprodução dominantes e predominantes do capital a fim de constituir, virtualmente, uma plataforma
contramarcha: resistência e direito à cidade, o último momento.

Em «3.3 – Classe espacial em direção ao direito à cidade» busca-se iluminar a possibilidade da luta
espacial em assumir contornos de luta anticapital. Inicialmente, em luta de classes sem classe destaca-se a
experiência cotidiana de espoliação, sofrimento e resistência, como processo de tomada de consciência,
desviando-se das lutas tradicionais entre capital e trabalho ao incorporar o domínio do fictício. Em
seguida, luto pela propriedade busca evidenciar o papel da sua centralidade como instituto espoliador e,
portanto, como desvio de objeto de luta. Por fim, em alienação e rebelião problematiza, no nível da
consciência, o papel do domínio da propriedade na constituição do habitar antiurbano e anti-humano.

Por fim, em considerações finais, além de consolidar o movimento da tese aqui exposto,
busca apontar elementos para a reflexão arquitetônica e urbanística que se oriente à real satisfação de
necessidades e desejos do devir humanamente humano. A «Contribuição à arquitetura e urbanismo».

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