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Abstract As in other public policies, financ- Resumo Como em outras políticas públicas, o
ing is a powerful element which induces strate- financiamento é um poderoso elemento indu-
gies and actions in the health sector. On one tor de estratégias e ações de saúde. Se, por um
hand, the financial decentralization put for- lado, a descentralização financeira promovi-
ward by the Federal Constitution of 1988 al- da pela Constituição Federal de 1988 possibi-
lowed municipalities to effectively take charge litou aos municípios a assumirem efetivamen-
of their financing role in the health policy. On te parte do financiamento da política de saúde,
the other hand, during the first half of nineties, por outro lado, na primeira metade da déca-
there was great instability of the federal fi- da passada, houve grande instabilidade do fi-
nancing of health. The Constitutional Amend- nanciamento federal da saúde. A Emenda
ment n. 29/00, which binds fiscal resources to Constitucional n. 29/00, ao vincular recursos
expenditures with public health services and tributários de estados e municípios a despesas
actions, was the way out of this situation. Its com ações e serviços públicos de saúde, foi a
effective implementation, however, depend up- solução encontrada para o quadro. A sua real
on the advances in the understanding of the implementação, contudo, depende dos avan-
terms of the Constitution by the actors in the ços nos entendimentos do texto constitucional
public health sector. Nonetheless, it is already pelo conjunto de atores da política de saúde.
possible to estimate that the share of the states Desde logo, contudo, estima-se que a partici-
in the financing of public health will improve pação dos estados no financiamento da saúde
greatly, while the federal government share will aumente substancialmente, reduzindo-se a fa-
decrease and the municipalities will, in aver- tia da União, e havendo manutenção dos ní-
age, maintain their current level of public veis médios atuais de gastos municipais. Essa
spending in health. This may imply that sub- situação poderá implicar maior grau de auto-
national governments will have greater au- nomia das esferas subnacionais na definição e
tonomy in the design and implementation of implementação da política de saúde.
health policies. Palavras-chave Política de saúde, Saúde pú-
1 Ministério da Saúde,
Sistema de Informações
Key words Health policy, Public health, Fi- blica, Financiamento, Sistema Único de Saúde
sobre Orçamentos Públicos nancing, Unified Health System
em Saúde.
Rua Joaquim Nabuco 186/
301, Ipanema, 20080-030
Rio de Janeiro RJ.
afaveret@iis.com.br
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também para a troca de informações e divulga- pesas que, se não estiverem muito bem delimita-
ção dos consensos até então alcançados. das, podem acarretar impactos negativos sobre
Um dos principais entraves à implementa- o dispositivo constitucional em termos de apor-
ção do texto constitucional e, conseqüentemen- te de recursos.
te, do acompanhamento de seu cumprimento é Durante as discussões com os Tribunais de
a definição do que são “ações e serviços públicos Contas, ficou claro que os gastos referentes a pa-
de saúde”. Conceito aparentemente conhecido gamento de amortização e encargos de dívidas
de todos nos debates, ficam evidentes as distin- contraídas para o financiamento setorial devem
tas compreensões do escopo do termo – ele in- necessariamente compor os gastos com ações e
clui ou não ações de saneamento, inclui ou não serviços públicos de saúde, inclusive para efei-
o pagamento de dívidas contraídas para finan- tos da Lei de Responsabilidade Fiscal. Contudo,
ciamento de ações de saúde, inclui ou não o pa- isso foi previsto apenas como uma excepciona-
gamento de pessoal aposentado e de pensionis- lidade nos parágrafos 1o e 2o da 6a diretriz.
tas da saúde? Finalmente, a 7a diretriz dispõe sobre o que
Se tais definições não estiverem regulamen- não é considerado ações e serviços públicos de
tadas, a aplicação de recursos adicionais decor- saúde, nela estando incluídos o pagamento de
rente da implementação do texto da Carta Mag- aposentadorias e pensões, a assistência à saúde
na poderá ser comprometida. Até o momento, para clientelas fechadas, o saneamento básico fi-
como resultado das discussões supramencio- nanciado por tarifas ou taxas, a limpeza urbana
nadas, foi aprovada, pelo Conselho Nacional de e outras.
Saúde, a resolução n. 316, de 4 de abril de 2002, O processo de regulamentação do texto cons-
que dispõe sobre dez diretrizes acerca da apli- titucional alterado pela EC 29/00 está apenas
cação da emenda. no seu início mas, em que pesem as dificuldades
A 5a diretriz define três critérios para o que e controvérsias que já existem e virão ainda a
deve ser considerado como despesa com ações existir, acredita-se que nesse processo estados e
e serviços públicos de saúde: municípios poderão vir a ter ganhos importan-
• sejam destinadas às ações e serviços de aces- tes em termos de autonomia financeira no
so universal, igualitário e gratuito; campo da saúde, ainda que com a coordenação
• estejam em conformidade com objetivos e fundamental da União e, se e quando possível,
metas explicitados nos Planos de Saúde de cada dos estados.
ente federativo;
• sejam de responsabilidade específica do setor
de saúde, não se confundindo com despesas re- O gasto público com saúde
lacionadas a outras políticas públicas que atuam em 2000 e perspectivas
sobre determinantes sociais e econômicos, ainda
que com reflexos sobre as condições de saúde. Pesquisa realizada a partir de dados do Sistema
Na 6a diretriz tais despesas são detalhadas de Informações sobre Orçamentos Públicos em
por tipo de ação, incluindo aquelas tradicional- Saúde (Siops) e da Secretaria Executiva, ambos
mente desenvolvidas no setor, relativas à pro- do Ministério da Saúde (Faveret, 2002) apon-
moção, proteção, recuperação e reabilitação da tam que os recursos destinados pelos três níveis
saúde, conforme disposto na Lei Orgânica da de governo, com suas receitas próprias, às ações
Saúde, com destaque para dois itens: e aos serviços públicos de saúde, conforme os
• inciso XII: saneamento básico e do meio am- consensos mencionados na seção anterior, so-
biente, desde que associado ao controle de veto- maram em 2000 cerca de 37 bilhões de reais, a
res, a ações próprias de pequenas comunidades valores de 2001, para os quais a União contri-
ou em nível domiciliar, ou aos Distritos Sanitá- buiu com 59%, e os estados e municípios com,
rios Especiais Indígenas (DSEI), e outras ações de respectivamente, 18,2% e 22,7%.
saneamento a critério do Conselho Nacional de A tabela 1 apresenta esses dados em valores
Saúde, e por habitante e com o percentual do PIB. Além
• inciso XII: serviços de saúde penitenciários, disso, indica os percentuais de cumprimento do
desde que firmado Termo de Cooperação especí- dispositivo constitucional de vinculação de re-
fico entre os órgãos de saúde e os órgãos respon- ceitas a gastos em saúde de estados e municípios.
sáveis pela prestação dos referidos serviços. O gasto público com saúde representou, por-
Ações e serviços de saneamento e os voltados tanto, em 2000, 3,17% do PIB brasileiro, equi-
para clientelas delimitadas estão no rol de des- valendo a R$216,99 por habitante no ano.
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Tabela 1
Gasto público com ações e serviços de saúde empenhado pelas três esferas de governo – total, per capita,
participação no PIB, distribuição entre esferas e cumprimento EC 29/00 – 2000. Em R$ de 2001 e percentual
Segundo dados do Banco Federativo (BNDES, ma determinados para o ano de 2000, um apor-
2002), a distribuição das receitas disponíveis to- te adicional de recursos da ordem de R$11,4 bi-
tais em 2000 por parte dos entes federados era lhões, a valores de 2001, conforme a tabela 2.
de 62,71% para a União, 24,56% para os estados De modo resumido a metodologia de esti-
e 12,73% para os municípios, o que comprova mativa consiste em:
que foram os últimos os que, proporcionalmen- • Para a União: no ano de 2000, o montante
te, mais investiram em saúde naquele ano. mínimo aplicado em ações e serviços públicos de
De fato, o processo de descentralização das saúde deveria ser acrescido de 5% em relação a
receitas, implementado a partir da Constituição 1999 (o que aconteceu). Nos anos seguintes, en-
Federal de 1988, foi acompanhado, no campo tre 2001 e 2004, o aumento das despesas está vin-
da saúde, da descentralização de encargos que culado à variação nominal do PIB; estimado pa-
avançou especialmente no âmbito municipal, ra o período como de 4% ao ano a partir de 2002.
comprovado pelo aumento do aporte de recur- • Para os estados e municípios: os percentuais
sos dos municípios ao setor. mínimos de vinculação de sua receita de impos-
A figura 1 compara os dados de 2000 com tos deverão chegar a 12% e 15% em 2004, respec-
os apurados por Médici (1994) e por Biasoto & tivamente. Para o ano 2000, estipulou-se o valor
Piola (2001), e demonstra a evolução da parti- mínimo de aplicação em 7%. Dessa forma, bus-
cipação das três esferas de governo no financia- cou-se um aumento gradual para os gastos em
mento público da saúde. saúde dos entes federados, visando minimizar
Não obstante todas as dificuldades metodo- as disparidades em relação aos valores despen-
lógicas encontradas na comparação de séries de didos em ações e serviços públicos de saúde pe-
dados financeiros, pode-se verificar as tendên- las esferas subnacionais.
cias, ao longo dos anos 90, de redução acentua- • Os dados estaduais foram extraídos de
da da participação da União no financiamento seus balanços e os municipais foram calculados
público da saúde, de aumento pouco expressivo a partir de um painel contendo dados de 2.550
da participação dos estados, e de grande aumen- dos 3.252 municípios que informaram o Siops
to da participação municipal, que praticamente (ano-base 2000), que abrange 46,3% do núme-
dobrou entre 1992 e 2000. ro de municípios brasileiros e 64,5% da popu-
A Emenda Constitucional n. 29/00 aporta lação brasileira em 2000.
um novo componente para o financiamento do Está claro que o maior impacto da vincula-
sistema de saúde que parece indicar, em prin- ção constitucional será sobre as contas estadu-
cípio, ganhos em termos de volume e estabili- ais, cujos gastos com saúde deverão crescer 71%
dade dos recursos destinados pelo setor, através até 2004. Para a União e os municípios, o aumen-
da consolidação do mecanismo de co-financia- to de recursos até 2004 será da ordem de 17% e
mento. 37%, respectivamente, resultando aumento to-
Mediante a utilização de metodologia de es- tal de 31% para as três esferas de governo.
timativa do impacto da implementação do dis- O acentuado impacto sobre os estados e o
positivo constitucional acerca da vinculação de menor impacto sobre os municípios decorre da
recursos para a saúde (Faveret et al., 2001), pre- evolução do formato federativo do sistema de
vê-se até 2004, considerando-se os valores aci- saúde brasileiro vis-à-vis o formato das relações
376
Figura 1
Evolução da participação das três esferas de governo no gasto público com saúde – 1992, 1996 e 2000
80
União
72.4
70
Estados
60 59,0
53,7
Municípios
50
40
30 27,8
22,8
20 18,5 18,2
14,8 12,8
10
0
1992 1996 2000
Fonte: Ministério da Saúde, Biasoto & Piola, 2001 e Médici, 1994. Elaboração própria.
Tabela 2
Impacto da Emenda Constitucional n. 29/2000, por esfera de governo.
Em R$ milhões de 2001 e percentual
Figura 2
Participação percentual das três esferas de governo na despesa com saúde – 2000 e estimativas para 2004
70
União
60 59.0
Estados
52,5
50
Municípios
40
30
22,8 23,8 23,8
20 18,2
10
0
2000 2004
Ademais, cabe lembrar que a simples vincu- Note-se que a estratégia de relacionamen-
lação não significa, por si só, a redução de desi- to direto da União com os municípios pode ser
gualdades e tampouco a solução para problemas também um tanto atribuída aos próprios gover-
relacionados à equidade, em especial na saúde, nos estaduais, pela ausência, inclusive, no que
que depende de uma complexa organização da tange ao financiamento. Essa situação poderá
rede e, também, de uma rede de complexas or- ser parcialmente revertida a partir da aplicação
ganizações, que envolve múltiplos atores e dife- dos novos dispositivos constitucionais.
rentes interesses. A vinculação, de fato, apenas Por fim, na perspectiva da União, a Emenda
garante que os estados e os municípios venham Constitucional n. 29/00 torna irrelevante, a par-
a se colocar em um mesmo ponto de partida no tir da indexação ao crescimento do PIB, a forma
que tange ao gasto com saúde e, com isso, te- de financiar a receita federal destinada à saúde.
nham a possibilidade de ter maior autonomia na Em outras palavras, isso poderá implicar o es-
forma de executar o gasto, definindo seus mo- vaziamento definitivo do Orçamento da Seguri-
delos assistenciais próprios. dade Social cuja base, formada pelas contribui-
Por outro lado, é importante ressaltar que a ções sociais, dissociou o acesso às políticas so-
intensa e extensa normatização levada a cabo ciais das contribuições individuais, e concreti-
pelo Ministério da Saúde, ao mesmo tempo em zou, na Constituição Federal de 1988, do ponto
que engessa a atuação de estados e municípios, de vista do financiamento, a universalização des-
permite em boa parte a superação de uma série te conjunto de direitos.
de dificuldades organizativas enfrentadas pelos
gestores subnacionais.
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Versão final apresentada em 6/4/2003